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Capítulo Oito

Dhruva Mahārāja Deixa o Lar Rumo à Floresta

Texto

maitreya uvāca
sanakādyā nāradaś ca
ṛbhur haṁso ’ruṇir yatiḥ
naite gṛhān brahma-sutā
hy āvasann ūrdhva-retasaḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; sanaka-ādyāḥ — aqueles encabeçados por Sanaka; nāradaḥ — Nārada; ca — e; ṛbhuḥ — Ṛbhu; haṁsaḥ — Haṁsa; aruṇiḥ — Aruṇi; yatiḥ — Yati; na — não; ete — todos esses; gṛhān — no lar; brahma-sutāḥ — filhos de Brahmā; hi — certamente; āvasan — viveram; ūrdhva-retasaḥ — autênticos celibatários.

Tradução

O grande sábio Maitreya disse: Os quatro grandes sábios Kumāras, encabeçados por Sanaka, bem como Nārada, Ṛbhu, Haṁsa, Aruṇi e Yati, todos filhos de Brahmā, não viveram no lar, mas se tornaram ūrdhva-retā, ou naiṣṭhika-brahmacārīs, autênticos celibatários.

Comentário

SIGNIFICADO­—O sistema de brahmacarya existe desde o nascimento de Brahmā. Uma parte da população, especialmente masculina, não se casava em absoluto. Ao invés de permitirem que seu sêmen fosse derramado, costumavam elevar o sêmen até o cérebro. Eles são chamados ūrdhva-retasaḥ, “aqueles que elevam”. O sêmen é tão importante que se alguém pode elevar o sêmen até o cérebro pelo processo ióguico pode fazer prodígios – capacita sua memória a agir com muita rapidez e aumenta sua duração de vida. Os yogīs podem desse modo praticar toda espécie de austeridades com estabilidade e elevarem-se à fase máxima de perfeição, indo até mesmo ao mundo espiritual. Vívidos exemplos de brahmacārīs que aceitaram este princípio de vida são os quatro sábios Sanaka, Sanandana, Sanātana e Sanat-kumāra, bem como Nārada e outros.

Outra frase significativa aqui é naite gṛhān hy āvasan, “eles não viveram no lar”. Gṛha significa “lar”, bem como “esposa”. De fato, “lar” significa esposa; “lar” não significa um quarto ou uma casa. Quem vive com uma esposa vive no lar; o sannyāsī ou o brahmacārī, mesmo que vivam num quarto ou numa casa, não vivem no lar. O fato de não viverem no lar significa que eles não aceitaram uma esposa, de modo que não tinham motivo para ejacular sêmen. O sêmen é para ser ejaculado quando se tem um lar, uma esposa e a intenção de gerar filhos, ou não se permite ejacular sêmen. Esses princípios eram seguidos desde o começo da criação, e tais brahmacārīs jamais criaram progênie. Esta narração trata dos descendentes do senhor Brahmā nascidos da filha de Manu chamada Prasūti. A filha de Prasūti era Dākṣāyaṇī, ou Satī, a respeito da qual se narrou a história do yajña de Dakṣa. Maitreya agora explica a progênie dos filhos de Brahmā. Dentre os muitos filhos de Brahmā, os filhos brahmacārīs encabeçados por Sanaka e Nārada jamais se casaram, de modo que a narração da história de seus descendentes está fora de cogitação.

Texto

mṛṣādharmasya bhāryāsīd
dambhaṁ māyāṁ ca śatru-han
asūta mithunaṁ tat tu
nirṛtir jagṛhe ’prajaḥ

Sinônimos

mṛṣā — Mṛṣā; adharmasya — da Irreligião; bhāryā — esposa; āsīt — era; dambham — Trapaça; māyām — Vigarice; ca — e; śatru-han — ó aniquilador de inimigos; asūta — produziu; mithunam — combinação; tat — esta; tu — mas; nirṛtiḥ — Nirṛti; jagṛhe — adotou; aprajaḥ — não tendo filhos.

Tradução

O senhor Brahmā teve outro filho chamado Irreligião, cuja esposa se chamava Falsidade. Da combinação de ambos nasceram dois demônios chamados Dambha, ou Trapaça, e Māyā, ou Vigarice. Esses dois demônios foram adotados por um demônio chamado Nirṛti, que não tinha filhos.

Comentário

SIGNIFICADO­—Depreende-se deste verso que Adharma, Irreligião, também era filho de Brahmā, e se casou com sua irmã Mṛṣā. Este é o início da vida sexual entre irmão e irmã. Esta combinação antinatural de vida sexual só pode ser possível na sociedade humana quando existe Adharma, ou Irreligião. É sabido que, no início da criação, Brahmā criou não somente filhos santos como Sanaka, Sanātana e Nārada, mas também progênie demoníaca, como Nirṛti, Adharma, Dambha e Falsidade. Tudo foi criado por Brahmā no princípio. No que diz respeito a Nārada, é sabido que, porque sua vida anterior fora muito piedosa e sua associação muito boa, ele nasceu como Nārada. Outros também nasceram dentro de suas próprias aptidões, de acordo com seus antecedentes. A lei do karma continua, nascimento após nascimento, e, quando ocorre uma nova criação, o mesmo karma volta com as entidades vivas. Elas nascem em diferentes condições de acordo com o karma, muito embora seu pai seja originalmente Brahmā, que é a elevada encarnação qualitativa da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

tayoḥ samabhaval lobho
nikṛtiś ca mahā-mate
tābhyāṁ krodhaś ca hiṁsā ca
yad duruktiḥ svasā kaliḥ

Sinônimos

tayoḥ — esses dois; samabhavat — nasceram; lobhaḥ — Cobiça; nikṛtiḥ — Astúcia; ca — e; mahā-mate — ó grande alma; tābhyām — de ambos; krodhaḥ — Ira; ca — e; hiṁsā — Inveja; ca — e; yat — de ambos os quais; duruktiḥ — Palavras Ásperas; svasā — irmã; kaliḥ — Kali.

Tradução

Maitreya disse a Vidura: Ó grande alma, de Dambha e Māyā nasceram a Cobiça e Nikṛti, ou Astúcia. Da combinação entre eles, vieram filhos chamados Krodha (Ira) e Hiṁsā (Inveja), e da combinação destes nasceram Kali e sua irmã Durukti (Palavras Ásperas).

Texto

duruktau kalir ādhatta
bhayaṁ mṛtyuṁ ca sattama
tayoś ca mithunaṁ jajñe
yātanā nirayas tathā

Sinônimos

duruktau — em Durukti; kaliḥ — Kali; ādhatta — produziu; bhayam — Temor; mṛtyum — Morte; ca — e; sat-tama — ó maior de todos os homens bons; tayoḥ — desses dois; ca — e; mithunam — pela combinação; jajñe — foram produzidos; yātanā — Dor Excessiva; nirayaḥ — inferno; tathā — bem como.

Tradução

Ó maior de todos os homens bons, da combinação de Kali com Palavras Ásperas nasceram filhos chamados Mṛtyu (Morte) e Bhīti (Temor). Da combinação de Mṛtyu e Bhīti, vieram filhos chamados Yātanā (Dor Excessiva) e Niraya (Inferno).

Texto

saṅgraheṇa mayākhyātaḥ
pratisargas tavānagha
triḥ śrutvaitat pumān puṇyaṁ
vidhunoty ātmano malam

Sinônimos

saṅgraheṇa — em suma; mayā — por mim; ākhyātaḥ — foi explicada; pratisargaḥ — causa da devastação; tava — tua; anagha — ó puro; triḥ — três vezes; śrutvā — tendo ouvido; etat — esta descrição; pumān — aquele que; puṇyam — piedade; vidhunoti — elimina; ātmanaḥ — da alma; malam — contaminação.

Tradução

Meu querido Vidura, acabo de explicar-te resumidamente as causas da devastação. Quem ouve esta descrição três vezes alcança piedade e elimina a contaminação pecaminosa de sua alma.

Comentário

SIGNIFICADO­—A criação ocorre baseada na bondade, mas a devastação ocorre devido à irreligião. Esse é o processo de criação e devastação materiais. Aqui se afirma que a causa da devastação é Adharma, ou Irreligião. Os descendentes da Irreligião e da Falsidade, nascidos um após o outro, são a Trapaça, a Vigarice, a Cobiça, a Astúcia, a Ira, a Inveja, a Desavença, as Palavras Ásperas, a Morte, o Temor, as Dores Severas e o Inferno. Todos esses descendentes são descritos como sinais de devastação. Se uma pessoa for piedosa e ouvir sobre essas causas de devastação, ela sentirá aversão a tudo isso, o que fará com que ela avance em uma vida de piedade. Piedade refere-se ao processo de purificar o coração como recomenda o Senhor Caitanya. É preciso tirar a poeira do espelho da mente, a partir do que começa o avanço no caminho da religião. Aqui, também, o mesmo processo é recomendado. Malam significa “contaminação”. Devemos aprender a desprezar todas as causas de devastação, começando pela irreligião e a vigarice, e então poderemos avançar em uma vida de piedade. A possibilidade de alcançarmos a consciência de Kṛṣṇa será mais fácil, e não estaremos sujeitos às repetidas devastações. A vida atual é repetição de nascimentos e mortes, mas, se buscarmos o caminho da liberação, poderemos ser salvos de repetidos sofrimentos.

Texto

athātaḥ kīrtaye vaṁśaṁ
puṇya-kīrteḥ kurūdvaha
svāyambhuvasyāpi manor
harer aṁśāṁśa-janmanaḥ

Sinônimos

atha — agora; ataḥ — doravante; kīrtaye — descreverei; vaṁśam — dinastia; puṇya-kīrteḥ — célebre por atividades virtuosas; kuru-udvaha — ó melhor dos Kurus; svāyambhuvasya — de Svāyambhuva; api — mesmo; manoḥ — de Manu; hareḥ — da Personalidade de Deus; aṁśa — expansão plenária; aṁśa — parte de; janmanaḥ — nascido de.

Tradução

Maitreya continuou: Ó melhor da dinastia Kuru, passarei a descrever-te agora os descendentes de Svāyambhuva Manu, que nasceu de uma parte de uma expansão plenária da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—O senhor Brahmā é uma poderosa expansão da Suprema Personalidade de Deus. Embora Brahmā seja jīva-tattva, ele é dotado de poder pelo Senhor, e por isso é considerado uma expansão plenária da Divindade Suprema. Às vezes ocorre que, não havendo ser vivo adequado para ser dotado de poder para agir como Brahmā, o próprio Senhor Supremo aparece como Brahmā. Brahmā é a expansão plenária da Suprema Personalidade de Deus, e Svāyambhuva Manu era o filho direto de Brahmā. O grande sábio Maitreya passa agora a explicar sobre os descendentes deste Manu, todos os quais são muito célebres por suas atividades piedosas. Antes de falar desses descendentes piedosos, Maitreya já descreveu os descendentes de atividades impiedosas, representando a ira, inveja, palavras ásperas, desavenças, temor e morte. Propositadamente, portanto, ele relata a seguir a história da vida de Dhruva Mahārāja, o mais piedoso rei neste universo.

Texto

priyavratottānapādau
śatarūpā-pateḥ sutau
vāsudevasya kalayā
rakṣāyāṁ jagataḥ sthitau

Sinônimos

priyavrata — Priyavrata; uttānapādau — Uttānapāda; śatarūpā-pateḥ — da rainha Śatarūpā e seu esposo, Manu; sutau — os dois filhos; vāsudevasya — da Suprema Personalidade de Deus; kalayā — pela expansão plenária; rakṣāyām — para a proteção; jagataḥ — do mundo; sthitau — para a manutenção.

Tradução

Svāyambhuva Manu teve dois filhos com sua esposa, Śatarūpā, e os nomes dos filhos eram Uttānapāda e Priyavrata. Por serem ambos descendentes de uma expansão plenária de Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, eles eram muito competentes para governar o universo com a finalidade de manter e proteger os cidadãos.

Comentário

SIGNIFICADO­—Declara-se que esses dois reis, Uttānapāda e Priyavrata, foram especificamente dotados de poder pela Suprema Personalidade de Deus, ao contrário do grande rei Ṛṣabha, que era a própria Suprema Personalidade de Deus.

Texto

jāye uttānapādasya
sunītiḥ surucis tayoḥ
suruciḥ preyasī patyur
netarā yat-suto dhruvaḥ

Sinônimos

jāye — das duas esposas; uttānapādasya — do rei Uttānapāda; sunītiḥ — Sunīti; suruciḥ — Suruci; tayoḥ — de ambas; suruciḥ — Suruci; preyasī — muito querida; patyuḥ — do esposo; na itarā — não a outra; yat — cujo; sutaḥ — filho; dhruvaḥ — Dhruva.

Tradução

O rei Uttānapāda tinha duas rainhas, chamadas Sunīti e Suruci. Suruci era muito mais querida pelo rei; Sunīti, cujo filho chamava-se Dhruva, não era sua favorita.

Comentário

SIGNIFICADO­—O grande sábio Maitreya queria descrever as atividades piedosas dos reis. Priyavrata era o primeiro filho de Svāyambhuva Manu, e Uttānapāda, o segundo, mas o grande sábio Maitreya começou a falar imediatamente de Dhruva Mahārāja, o filho de Uttānapāda, porque Maitreya estava muito ansioso por descrever atividades piedosas. Os incidentes na vida de Dhruva Mahārāja são muito atrativos para os devotos. Com suas ações piedosas, pode-se aprender a como desapegar-se de posses materiais e como melhorar o serviço devocional através de rigorosas austeridades e penitências. Ouvindo as atividades do piedoso Dhruva, podemos firmar nossa fé em Deus e nos unir diretamente com a Suprema Personalidade de Deus, podendo, assim, elevar-nos muito rapidamente à plataforma transcendental de serviço devocional. O exemplo das austeridades de Dhruva Mahārāja pode imediatamente criar um sentimento de serviço devocional nos corações dos ouvintes.

Texto

ekadā suruceḥ putram
aṅkam āropya lālayan
uttamaṁ nārurukṣantaṁ
dhruvaṁ rājābhyanandata

Sinônimos

ekadā — certa vez; suruceḥ — da rainha Suruci; putram — o filho; aṅkam — no colo; āropya — colocando; lālayan — enquanto acariciava; uttamam — Uttama; na — não; ārurukṣantam — tentando subir; dhruvam — Dhruva; rājā — o rei; abhyanandata — acolheu.

Tradução

Certa vez, o rei Uttānapāda acariciava Uttama, o filho de Suruci, tendo-o sentado em seu colo. Embora Dhruva Mahārāja também tentasse subir ao colo do rei, este não o acolheu muito bem.

Texto

tathā cikīrṣamāṇaṁ taṁ
sapatnyās tanayaṁ dhruvam
suruciḥ śṛṇvato rājñaḥ
serṣyam āhātigarvitā

Sinônimos

tathā — assim; cikīrṣamāṇam — o menino Dhruva, que procurava subir; tam — a ele; sa-patnyāḥ — de sua co-esposa (Sunīti); tanayam — filho; dhruvam — Dhruva; suruciḥ — rainha Suruci; śṛṇvataḥ — enquanto ouvia; rājñaḥ — do rei; sa-īrṣyam — com inveja; āha — disse; atigarvitā — estando demasiadamente orgulhosa.

Tradução

Enquanto o menino, Dhruva Mahārāja, procurava subir ao colo de seu pai, Suruci, sua madrasta, ficou com muita inveja da criança e, cheia de orgulho, colocou-se a falar de modo a ser ouvida pelo próprio rei.

Comentário

SIGNIFICADO­—O rei, evidentemente, tinha afeição igual por ambos os filhos, Uttama e Dhruva, de modo que se sentia naturalmente inclinado a que Dhruva, bem como Uttama, subissem em seu colo. Mas, devido a seu favoritismo por sua rainha Suruci, ele não pôde acolher Dhruva Mahārāja, a despeito de seus sentimentos. Suruci compreendeu o sentimento do rei Uttānapāda, de maneira que, cheia de orgulho, ela passou a falar sobre a afeição que o rei tinha por ela. Esta é a natureza da mulher. Se uma mulher compreende que seu esposo a considera sua favorita e tem afeição especial por ela, ela se aproveita disso indevidamente. Esses sintomas são visíveis mesmo em uma sociedade tão elevada como a família de Svāyambhuva Manu. Conclui-se, portanto, que a natureza feminina da mulher está presente em toda parte.

Texto

na vatsa nṛpater dhiṣṇyaṁ
bhavān āroḍhum arhati
na gṛhīto mayā yat tvaṁ
kukṣāv api nṛpātmajaḥ

Sinônimos

na — não; vatsa — meu caro menino; nṛpateḥ — do rei; dhiṣṇyam — sentar; bhavān — a ti; āroḍhum — prosperar; arhati — mereces; na — não; gṛhītaḥ — tomado; mayā — por mim; yat — porque; tvam — tu; kukṣau — no ventre; api — embora; nṛpa-ātmajaḥ — filho do rei.

Tradução

A rainha Suruci disse a Dhruva Mahārāja: Meu caro menino, não mereces sentar-te no trono ou no colo do rei. Certamente também és filho do rei, mas, por não teres nascido de meu ventre, não estás qualificado para sentar-te no colo de teu pai.

Comentário

SIGNIFICADO­—A rainha Suruci, cheia de orgulho, informou a Dhruva Mahārāja que ser filho do rei não era a qualificação para sentar-se no colo ou no trono do rei. Ao contrário, esse privilégio dependia de nascer do ventre dela. Em outras palavras, ela indiretamente informou a Dhruva Mahārāja que, embora tivesse nascido do rei, ele era considerado um filho ilegítimo porque havia nascido do ventre da outra rainha.

Texto

bālo ’si bata nātmānam
anya-strī-garbha-sambhṛtam
nūnaṁ veda bhavān yasya
durlabhe ’rthe manorathaḥ

Sinônimos

bālaḥ — menino; asi — tu és; bata — contudo; na — não; ātmānam — meu próprio; anya — outra; strī — mulher; garbha — ventre; sambhṛtam — nascido de; nūnam — contudo; veda — simplesmente tenta entender; bhavān — tu mesmo; yasya — do qual; durlabhe — inalcançável; arthe — assunto; manaḥ-rathaḥ — desejoso.

Tradução

Meu caro menino, não estás ciente de que não nasceste de meu ventre, mas de outra mulher. Portanto, deves saber que tua tentativa está condenada ao fracasso. Estás tentando satisfazer um desejo que é impossível de ser realizado.

Comentário

SIGNIFICADO­—O pequeno menino, Dhruva Mahārāja, tinha afeição natural por seu pai, e não sabia que havia uma distinção entre suas duas mães. Esta distinção foi apontada pela rainha Suruci, que o informou de que, como ele era uma criança, não compreendia a distinção entre as duas rainhas. Esta é outra afirmação do orgulho da rainha Suruci.

Texto

tapasārādhya puruṣaṁ
tasyaivānugraheṇa me
garbhe tvaṁ sādhayātmānaṁ
yadīcchasi nṛpāsanam

Sinônimos

tapasā — mediante austeridades; ārādhya — tendo satisfeito; puru — a Suprema Personalidade de Deus; tasya — por Sua; eva — somente; anugraheṇa — pela misericórdia de; me — meu; garbhe — no ventre; tvam — tu; sādhaya — colocar; ātmānam — a ti; yadi — se; icchasi — desejas; nṛpaāsanam – no trono do rei.

Tradução

Se desejas realmente elevar-te ao trono do rei, terás de submeter-te a rigorosas austeridades. Antes de mais nada, deverás satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, e depois, quando fores favorecido por Ele devido a tal adoração, terás de nascer da próxima vez a partir do meu ventre.

Comentário

SIGNIFICADO­—Suruci tinha tanta inveja de Dhruva Mahārāja que indiretamente pediu-lhe que mudasse de corpo. Segundo ela, primeiro ele teria de morrer, depois obter seu próximo corpo dentro do ventre dela, e somente então seria possível que Dhruva Mahārāja ascendesse ao trono de seu pai.

Texto

maitreya uvāca
mātuḥ sapatnyāḥ sa durukti-viddhaḥ
śvasan ruṣā daṇḍa-hato yathāhiḥ
hitvā miṣantaṁ pitaraṁ sanna-vācaṁ
jagāma mātuḥ prarudan sakāśam

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya disse; mātuḥ — de sua mãe; sa-patnyāḥ — da co-esposa; saḥ — ele; durukti — palavras ásperas; viddhaḥ — sendo trespassado por; śvasan — respirando muito pesadamente; ruṣā — devido à ira; daṇḍa-hataḥ — golpeada por uma vara; yathā — assim como; ahiḥ — uma serpente; hitvā — abandonando; miṣantam — simplesmente examinando; pitaram — seu pai; sanna-vācam — silenciosamente; jagāma — foi; mātuḥ — até sua mãe; prarudan — chorando; sakāśam — perto.

Tradução

O sábio Maitreya continuou: Meu querido Vidura, assim como uma serpente, quando golpeada por uma vara, respira muito pesadamente, Dhruva Mahārāja, tendo sido golpeado pelas ásperas palavras de sua madrasta, começou a respirar muito pesadamente devido à grande ira. Ao ver que seu pai mantinha-se calado e não protestava, ele imediatamente deixou o palácio e foi ter com sua mãe.

Texto

taṁ niḥśvasantaṁ sphuritādharoṣṭhaṁ
sunītir utsaṅga udūhya bālam
niśamya tat-paura-mukhān nitāntaṁ
sā vivyathe yad gaditaṁ sapatnyā

Sinônimos

tam — a ele; niḥśvasantam — respirando muito pesadamente; sphurita — tremendo; adhara-oṣṭham — lábios superior e inferior; sunītiḥ — rainha Sunīti; utsaṅge — em seu colo; udūhya — levantando; bālam — seu filho; niśamya — após ouvir; tat-paura-mukhāt — das bocas de outros habitantes; nitāntam — todas as descrições; — ela; vivyathe — ficou pesarosa; yat — aquilo que; gaditam — falado; sa-patnyā — por sua co-esposa.

Tradução

Quando Dhruva Mahārāja encontrou-se com sua mãe, seus lábios tremiam de raiva, e ele chorava tomado de imensa aflição. A rainha Sunīti imediatamente pegou seu filho no colo, enquanto os residentes do palácio que tinham ouvido todas as palavras ásperas de Suruci relatavam tudo com pormenores. Assim, Sunīti também ficou muito pesarosa.

Texto

sotsṛjya dhairyaṁ vilalāpa śoka-
dāvāgninā dāva-lateva bālā
vākyaṁ sapatnyāḥ smaratī saroja-
śriyā dṛśā bāṣpa-kalām uvāha

Sinônimos

— ela; utsṛjya — abandonando; dhairyam — paciência; vilalāpa — lamentava; śoka-dāva-agninā — pelo fogo da aflição; dāva-latā iva — como folhas queimadas; bālā — a mulher; vākyam — palavras; sa-patnyāḥ — faladas por sua co-esposa; smaratī — lembrar; saroja-śriyā — um rosto belo como um lótus; dṛśā — por olhar; bāṣpa-kalām — vertendo lágrimas; uvāha — disse.

Tradução

Este incidente foi insuportável para a paciência de Sunīti. Ela começou a arder como se estivesse em um incêndio florestal, e, em sua aflição, tornou-se como uma folha queimada e entregou-se a lamentar. Conforme se lembrava das palavras de sua co-esposa, seu brilhante rosto de lótus enchia-se de lágrimas. Ela, então, falou.

Comentário

SIGNIFICADO­—Quando alguém está triste, sente-se exatamente como uma folha queimada num incêndio florestal. A condição de Sunīti era exatamente essa. Embora seu rosto fosse belo como uma flor de lótus, ele murchou devido ao fogo ardente provocado pelas palavras ásperas de sua co-esposa.

Texto

dīrghaṁ śvasantī vṛjinasya pāram
apaśyatī bālakam āha bālā
māmaṅgalaṁ tāta pareṣu maṁsthā
bhuṅkte jano yat para-duḥkhadas tat

Sinônimos

dīrgham — pesada; śvasantī — respiração; vṛjinasya — do perigo; pāram — limitação; apaśyatī — sem encontrar; bālakam — a seu filho; āha — disse; bālā — a senhora; — que não haja; amaṅgalam — má fortuna; tāta — meu querido filho; pareṣu — aos outros; maṁsthāḥ — desejo; bhuṅkte — sofrido; janaḥ — pessoa; yat — aquilo que; para-duḥkhadaḥ — que tem tendência de infligir dores aos outros; tat — esta.

Tradução

Ela também respirava muito pesadamente, sem saber qual era o verdadeiro remédio para aquela situação dolorosa. Não encontrando remédio algum, ela disse a seu filho: Meu querido filho, não desejes nada de inauspicioso para os outros. Todo aquele que inflige dor aos outros sofre ele mesmo esta dor.

Texto

satyaṁ surucyābhihitaṁ bhavān me
yad durbhagāyā udare gṛhītaḥ
stanyena vṛddhaś ca vilajjate yāṁ
bhāryeti vā voḍhum iḍaspatir mām

Sinônimos

satyam — verdade; surucyā — pela rainha Suruci; abhihitam — narrado; bhavān — a ti; me — de mim; yat — porque; durbhagāyāḥ — da desventurada; udare — no ventre; gṛhītaḥ — nascido; stanyena — alimentado pelo leite materno; vṛddhaḥ ca — crescido; vilajjate — sente vergonha; yām — à qual; bhāryā — esposa; iti — assim; — ou; voḍhum — aceitar; iḍaḥ-patiḥ — o rei; mām — a mim.

Tradução

Sunīti disse: Meu querido filho, tudo o que Suruci falou é verdade, porque o rei, teu pai, não me considera sua esposa ou sequer sua criada. Ele envergonha-se de aceitar-me. Portanto, é um fato que nasceste do ventre de uma mulher desventurada, e cresceste alimentando-te do seio dela.

Texto

ātiṣṭha tat tāta vimatsaras tvam
uktaṁ samātrāpi yad avyalīkam
ārādhayādhokṣaja-pāda-padmaṁ
yadīcchase ’dhyāsanam uttamo yathā

Sinônimos

ātiṣṭha — simplesmente executa; tat — isto; tāta — meu querido filho; vimatsaraḥ — sem ser invejoso; tvam — a ti; uktam — dito; samātrā api — por tua madrasta; yat — tudo o que; avyalīkam — é tudo real; ārādhaya — simplesmente começa a adorar; adhokṣaja — a Transcendência; pāda-padmam — pés de lótus; yadi — se; icchase — desejas; adhyāsanam — sentar-te junto a; uttamaḥ — teu meio-irmão; yathā — tanto quanto.

Tradução

Meu querido filho, tudo o que Suruci, tua madrasta, falou, embora muito duro de ouvir, é verdade. Portanto, se desejas realmente sentar-te no mesmo trono que teu meio-irmão, Uttama, então abandona tua atitude invejosa e imediatamente procura executar as instruções de tua madrasta. Sem mais demora, deves ocupar-te em adorar os pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—As palavras ásperas usadas por Suruci contra seu enteado eram verdadeiras porque, a menos que sejamos favorecidos pela Suprema Personalidade de Deus, não podemos obter sucesso algum na vida. O homem propõe e Deus dispõe. Sunīti, a mãe de Dhruva Mahārāja, concordou com o conselho de sua co-esposa de que Dhruva deveria ocupar-se na adoração à Suprema Personalidade de Deus. Indiretamente, as palavras de Suruci eram uma bênção para Dhruva Mahārāja, pois, devido à influência das palavras de sua madrasta, ele se tornou um grande devoto.

Texto

yasyāṅghri-padmaṁ paricarya viśva-
vibhāvanāyātta-guṇābhipatteḥ
ajo ’dhyatiṣṭhat khalu pārameṣṭhyaṁ
padaṁ jitātma-śvasanābhivandyam

Sinônimos

yasya — cuja; aṅghri — perna; padmam — pés de lótus; paricarya — adorando; viśva — universo; vibhāvanāya — para criar; ātta — recebeu; guṇa-abhipatteḥ — para adquirir as qualificações necessárias; ajaḥ — o não-nascido (senhor Brahmā); adhyatiṣṭhat — situou-se; khalu — indubitavelmente; pārameṣṭhyam — a posição suprema dentro do universo; padam — posição; jita-ātma — aquele que controlou sua mente; śvasana — controlando o ar vital; abhivandyam — adorável.

Tradução

Sunīti continuou: Tão grandiosa é a Suprema Personalidade de Deus que, simplesmente adorando Seus pés de lótus, teu bisavô, o senhor Brahmā, adquiriu as qualificações necessárias para criar este universo. Embora seja não-nascido e o líder de todas as criaturas, ele está situado naquele posto elevado por causa da misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, a quem mesmo grandes yogīs adoram, controlando a mente e regulando o ar vital [prāṇa].

Comentário

SIGNIFICADO­—Sunīti citou o exemplo do senhor Brahmā, que era bisavô de Dhruva Mahārāja. Embora o senhor Brahmā também seja um ser vivo, através de sua penitência e austeridade ele adquiriu a posição elevada de criador deste universo pela misericórdia do Senhor Supremo. Para termos êxito em alguma tentativa, precisamos não somente submeter-nos a rigorosas penitências e austeridades, mas também depender da misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Esta indicação fora dada a Dhruva Mahārāja por sua madrasta e agora era confirmada por sua própria mãe, Sunīti.

Texto

tathā manur vo bhagavān pitāmaho
yam eka-matyā puru-dakṣiṇair makhaiḥ
iṣṭvābhipede duravāpam anyato
bhaumaṁ sukhaṁ divyam athāpavargyam

Sinônimos

tathā — de forma semelhante; manuḥ — Svāyambhuva Manu; vaḥ — teu; bhagavān — adorável; pitāmahaḥ — avô; yam — a quem; eka-matyā — com devoção inquebrantável; puru — grande; dakṣiṇaiḥ — caridade; makhaiḥ — executando sacrifícios; iṣṭvā — adorando; abhipede — obteve; duravāpam — difícil de alcançar; anyataḥ — por qualquer outro meio; bhaumam — material; sukham — felicidade; divyam — celestial; atha — depois disso; āpavargyam — liberação.

Tradução

Sunīti informou a seu filho: Teu avô Svāyambhuva Manu executou grandes sacrifícios com distribuição de caridade e, deste modo, com fé e devoção inquebrantáveis, adorou e satisfez a Suprema Personalidade de Deus. Agindo dessa maneira, ele obteve o maior sucesso em felicidade material e, depois disso, atingiu a liberação, a qual é impossível de alcançar adorando os semideuses.

Comentário

SIGNIFICADO­—O sucesso da vida de alguém é medido por sua felicidade material nesta vida e pela liberação na próxima. Só se pode obter tal sucesso pela graça da Suprema Personalidade de Deus. As palavras eka-matyā significam concentrar a mente no Senhor, sem desvios. Esse processo de adoração indesviável ao Senhor Supremo também é mencionado na Bhagavad-gītā como ananya-bhāk. “Aquilo que é impossível de obter de qualquer outra fonte” também é mencionado aqui. “Outra fonte” se refere a adorar os semideuses. Aqui se enfatiza especialmente que a opulência de Manu devia-se à sua indesviável fidelidade no transcendental serviço ao Senhor. Uma pessoa que dispersa sua mente em adorar muitos semideuses a fim de obter felicidade material é considerada como carente de inteligência. Se alguém quiser inclusive felicidade material, poderá adorar o Senhor Supremo sem desvios, e as pessoas que desejarem a liberação também poderão adorar o Senhor Supremo e alcançar sua meta de vida.

Texto

tam eva vatsāśraya bhṛtya-vatsalaṁ
mumukṣubhir mṛgya-padābja-paddhatim
ananya-bhāve nija-dharma-bhāvite
manasy avasthāpya bhajasva pūruṣam

Sinônimos

tam — a Ele; eva — também; vatsa — meu querido filho; āśraya — refugia-te; bhṛtya-vatsalam — na Suprema Personalidade de Deus, que é muito bondoso com Seus devotos; mumukṣubhiḥ — também por pessoas que desejam a liberação; mṛgya — ser procurado; pada-abja — pés de lótus; paddhatim — sistema; ananya-bhāve — numa situação indesviável; nija-dharma-bhāvite — estando situado na própria posição constitucional original; manasi — à mente; avasthāpya — colocando; bhajasva — continua executando serviço devocional; pūruṣam — a Pessoa Suprema.

Tradução

Meu querido filho, deves também refugiar-te na Suprema Personalidade de Deus, que é muito bondoso com Seus devotos. As pessoas que buscam a liberação do ciclo de nascimentos e mortes refugiam-se sempre aos pés de lótus do Senhor em serviço devocional. Purificando-te mediante a execução da ocupação a ti designada, simplesmente situa a Suprema Personalidade de Deus em teu coração e, sem te desviares por um momento, ocupa-te sempre a serviço dele.

Comentário

SIGNIFICADO­—O sistema de bhakti-yoga que a rainha Sunīti descreveu para seu filho é o processo modelar de compreensão de Deus. Todos podem continuar em seus deveres ocupacionais constitucionais e, ao mesmo tempo, manter a Suprema Personalidade de Deus dentro de seu coração. Isso também foi ensinado pelo próprio Senhor a Arjuna na Bhagavad-gītā: “Continua lutando, mas mantém-Me dentro de tua mente.” Este deve ser o lema de toda pessoa honesta em busca da perfeição em consciência de Kṛṣṇa. A esse respeito, a rainha Sunīti avisou a seu filho que a Suprema Personalidade de Deus é conhecida como bhṛtya-vatsala, o que indica que Ele é muito bondoso com Seus devotos. Ela disse: “Vieste a mim chorando, tendo sido insultado por tua madrasta, mas não há nada que eu possa fazer para o teu bem. No entanto, Kṛṣṇa é tão bondoso com Seus devotos que, se recorreres a Ele, então a bondade combinada de milhões de mães como eu será superada por Seus afetuosos e delicados procederes. Mesmo quando todas as outras pessoas não conseguem mitigar nosso sofrimento, Kṛṣṇa é capaz de ajudar o devoto.” A rainha Sunīti também enfatizou que o processo de se aproximar da Suprema Personalidade de Deus não é fácil, mas é almejado por grandes sábios que são muito avançados em compreensão espiritual. A rainha Sunīti também indicou com sua instrução que Dhruva Mahārāja era apenas uma criança de cinco anos de idade, e não lhe era possível purificar-se mediante o processo de karma-kāṇḍa. Porém, através do processo de bhakti-yoga, mesmo uma criança de menos de cinco anos, ou qualquer pessoa de qualquer idade, pode purificar-se. Essa é a importância especial da bhakti-yoga. Portanto, ela o aconselhou a não aceitar a adoração a semideuses ou qualquer outro processo, mas simplesmente a refugiar-se na Suprema Personalidade de Deus, e o resultado seria a perfeição plena. Tão logo alguém ponha a Suprema Personalidade de Deus dentro de seu coração, tudo se torna fácil e exitoso.

Texto

nānyaṁ tataḥ padma-palāśa-locanād
duḥkha-cchidaṁ te mṛgayāmi kañcana
yo mṛgyate hasta-gṛhīta-padmayā
śriyetarair aṅga vimṛgyamāṇayā

Sinônimos

na anyam — não outros; tataḥ — portanto; padma-palāśa-locanāt — da Suprema Personalidade de Deus de olhos de lótus; duḥkha-chidam — aquele que pode mitigar as dificuldades alheias; te — tuas; mṛgayāmi — estou buscando; kañcana — ninguém mais; yaḥ — quem; mṛgyate — busca; hasta-gṛhīta-padmayā — tendo uma flor de lótus na mão; śriyā — a deusa da fortuna; itaraiḥ — por outros; aṅga — meu querido filho; vimṛgyamāṇayā — aquele que é adorado.

Tradução

Meu querido Dhruva, quanto a mim, não encontro ninguém que possa mitigar tua aflição além da Suprema Personalidade de Deus, cujos olhos são como pétalas de lótus. Muitos semideuses tais como o senhor Brahmā buscam o prazer da deusa da fortuna, mas a própria deusa da fortuna, com uma flor de lótus em sua mão, está sempre pronta a prestar serviço ao Senhor Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO­—Sunīti ressalta nesta passagem que a bênção recebida da Suprema Personalidade de Deus e a recebida dos semideuses não estão no mesmo nível. Pessoas tolas dizem que, independentemente de quem seja adorado, o mesmo resultado será obtido, mas, na verdade, isso não é assim. Na Bhagavad-gītā, também se afirma que as bênçãos recebidas dos semideuses são todas temporárias e se destinam aos menos inteligentes. Em outras palavras, como os semideuses são todos almas materialmente condicionadas, embora estejam situados em posições muito elevadas, suas bênçãos não podem ser permanentes. Bênção permanente é a bênção espiritual, uma vez que a alma espiritual é eterna. Também se diz na Bhagavad-gītā que somente pessoas que perderam sua inteligência se põem a adorar os semideuses. Portanto, Sunīti disse a seu filho que ele não deveria buscar a misericórdia dos semideuses, mas deveria aproximar-se diretamente da Suprema Personalidade de Deus para mitigar seu sofrimento.

As opulências materiais são controladas pela Suprema Personalidade de Deus através de Suas diferentes potências, e especificamente da deusa da fortuna. Portanto, aqueles que andam atrás de opulências materiais buscam o prazer ou a misericórdia da deusa da fortuna. Mesmo os semideuses altamente situados adoram a deusa da fortuna, mas a deusa da fortuna, a própria Mahā-Lakṣmī, vive buscando o prazer da Suprema Personalidade de Deus. Consequentemente, qualquer pessoa que adote a adoração ao Senhor Supremo recebe automaticamente as bênçãos da deusa da fortuna. Nesta fase de sua vida, Dhruva Mahārāja buscava opulências materiais, e sua mãe o aconselhou corretamente, dizendo que, mesmo em busca de opulências materiais, é melhor adorar, não os semideuses, mas o Senhor Supremo.

Embora um devoto puro não busque bênçãos do Senhor Supremo em troca de avanço material, afirma-se na Bhagavad-gītā que as pessoas piedosas recorrem ao Senhor mesmo em busca de bênçãos materiais. Uma pessoa que recorre à Suprema Personalidade de Deus em troca de ganho material gradualmente se purifica na associação com o Senhor Supremo. Assim, ela se liberta de todos os desejos materiais e se eleva à plataforma de vida espiritual. A não ser que se eleve à plataforma espiritual, não lhe é possível transcender completamente toda a contaminação material.

Sunīti, a mãe de Dhruva, era uma mulher perspicaz, daí ter aconselhado seu filho a adorar o Senhor Supremo e ninguém mais. Descreve-se aqui o Senhor como aquele que tem olhos de lótus (padma-palāśa-locanāt). Quando uma pessoa está fatigada, caso veja uma flor de lótus, toda a sua fadiga pode imediatamente reduzir-se a zero. De modo semelhante, quando uma pessoa aflita vê o rosto de lótus da Suprema Personalidade de Deus, imediatamente todo o seu pesar é reduzido. A flor de lótus também é um símbolo na mão do Senhor Viṣṇu, bem como na mão da deusa da fortuna. Os adoradores da deusa da fortuna e do Senhor Viṣṇu simultaneamente são decerto muito opulentos em todos os sentidos, mesmo na vida material. O Senhor às vezes é descrito como śiva-viriñci-nutam, o que significa que o senhor Śiva e o senhor Brahmā também oferecem suas respeitosas reverências aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa.

Texto

maitreya uvāca
evaṁ sañjalpitaṁ mātur
ākarṇyārthāgamaṁ vacaḥ
sanniyamyātmanātmānaṁ
niścakrāma pituḥ purāt

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya disse; evam — assim; sañjalpitam — falado junto; mātuḥ — da mãe; ākarṇya — ouvindo; artha-āgamam — intencionais; vacaḥ — palavras; sanniyamya — controlando; ātmanā — pela mente; ātmānam — próprio eu; niścakrāma — foi embora; pituḥ — do pai; purāt — da casa

Tradução

O grande sábio Maitreya continuou: A instrução de Sunīti, a mãe de Dhruva Mahārāja, destinava-se realmente à satisfação de seu objetivo desejado. Portanto, após deliberada consideração e com inteligência e determinação fixa, ele deixou a casa paterna.

Comentário

SIGNIFICADO­—Tanto a mãe quanto o filho lamentavam-se por Dhruva Mahārāja ter sido insultado por sua madrasta e por o pai não ter tomado nenhuma providência contra isso. Porém, a mera lamentação é inútil – devemos encontrar meios de mitigar nossa lamentação. Assim, tanto a mãe quanto o filho decidiram refugiar-se aos pés de lótus do Senhor, visto que essa é a única solução para todos os problemas materiais. Indica-se a esse respeito que Dhruva Mahārāja deixou a cidade capital de seu pai para dirigir-se a um lugar solitário em busca da Suprema Personalidade de Deus. Também é instrução de Prahlāda Mahārāja que, se alguém está buscando paz de espírito, deve livrar-se de toda a contaminação da vida familiar e refugiar-se na Divindade Suprema, indo para a floresta. Para o vaiṣṇava gauḍīya, essa floresta é a floresta de Vṛndā, ou Vṛndāvana. Se alguém se refugiar em Vṛndāvana sob o abrigo de Vṛndāvaneśvarī, Śrīmatī Rādhārānī, certamente todos os problemas de sua vida serão solucionados com grande facilidade.

Texto

nāradas tad upākarṇya
jñātvā tasya cikīrṣitam
spṛṣṭvā mūrdhany agha-ghnena
pāṇinā prāha vismitaḥ

Sinônimos

nāradaḥ — o grande sábio Nārada; tat — isto; upākarṇya — ouvindo falar; jñātvā — e sabendo; tasya — suas (de Dhruva Mahārāja); cikīrṣitam — atividades; spṛṣṭvā — tocando; mūrdhani — na cabeça; agha-ghnena — que pode eliminar todas as atividades pecaminosas; pāṇinā — pela mão; prāha — disse; vismitaḥ — estando surpreso.

Tradução

O grande sábio Nārada tomou conhecimento dessa notícia acidentalmente e, compreendendo todas as atividades de Dhruva Mahārāja, ficou maravilhado. Ele se aproximou de Dhruva e, tocando a cabeça do menino com sua mão plenamente virtuosa, falou o seguinte.

Comentário

SIGNIFICADO­—Quando Dhruva Mahārāja contou à sua mãe, Sunīti, todos os incidentes que haviam ocorrido no palácio, Nārada não estava presente. Assim, pode ser que se pergunte como Nārada ficou sabendo de todos esses episódios. A resposta é que Nārada é trikāla-jña: ele é tão poderoso que pode entender o passado, o futuro e o presente do coração de todos, assim como a Superalma, a Suprema Personalidade de Deus. Portanto, após entender a forte determinação de Dhruva Mahārāja, Nārada veio em sua ajuda. Isso pode ser explicado da seguinte maneira: a Suprema Personalidade de Deus está presente no coração de todos, e assim que Ele compreende que uma entidade viva está levando a sério o seu ingresso no serviço devocional, Ele envia Seu representante. Dessa maneira, Nārada foi enviado até Dhruva Mahārāja. Explica-se isso no Caitanya-caritāmṛta. Guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja: pela graça do mestre espiritual e de Kṛṣṇa, pode-se ingressar no serviço devocional. Devido à determinação de Dhruva Mahārāja, Kṛṣṇa, a Superalma, imediatamente enviou o Seu representante, Nārada, para iniciá-lo.

Texto

aho tejaḥ kṣatriyāṇāṁ
māna-bhaṅgam amṛṣyatām
bālo ’py ayaṁ hṛdā dhatte
yat samātur asad-vacaḥ

Sinônimos

aho — quão surpreendente é; tejaḥ — poder; kṣatriyāṇām — dos kṣatriyas; māna-bhaṅgam — ferindo o prestígio; amṛṣyatām — incapaz de tolerar; bālaḥ — apenas uma criança; api — embora; ayam — este; hṛdā — no coração; dhatte — tomou; yat — aquilo que; sa-mātuḥ — da madrasta; asat — intragáveis; vacaḥ — palavras.

Tradução

Quão maravilhosos são os poderosos kṣatriyas. Eles não podem tolerar sequer uma leve ofensa contra seu prestígio. Que espantoso! Este menino é apenas uma criança, mas as palavras ásperas de sua madrasta tornaram-se insuportáveis para ele.

Comentário

SIGNIFICADO­—Descrevem-se as qualificações dos kṣatriyas na Bhagavad-gītā. Duas qualificações importantes são ter um sentido de prestígio e não fugir da batalha. Parece que o sangue kṣatriya dentro do corpo de Dhruva Mahārāja era naturalmente muito ativo. Se a cultura bramânica, kṣatriya ou vaiśya é mantida numa família, naturalmente os filhos e netos herdam esse espírito da classe. Portanto, segundo o sistema védico, o saṁskāra, ou o sistema reformatório, mantém-se muito rigidamente. Se alguém deixa de observar as medidas reformatórias correntes na família, imediatamente se degrada a um padrão de vida inferior.

Texto

nārada uvāca
nādhunāpy avamānaṁ te
sammānaṁ vāpi putraka
lakṣayāmaḥ kumārasya
saktasya krīḍanādiṣu

Sinônimos

nāradaḥ uvāca — o grande sábio Nārada disse; na — não; adhunā — logo agora; api — embora; avamānam — insulto; te — a ti; sammānam — oferecendo respeitos; — ou; api — certamente; putraka — meu querido menino; lakṣayāmaḥ — posso ver; kumārasya — de meninos como tu; saktasya — estando apegado; krīḍana-ādiṣu — a folguedos e frivolidades.

Tradução

O grande sábio Nārada disse: Meu querido menino, não passas de uma criança cujo apego é a folguedos e outras frivolidades. Por que te deixaste afetar por palavras que feriram tua honra?

Comentário

SIGNIFICADO­—Habitualmente, quando uma criança é chamada de patife ou tola, ela acha graça e não leva muito a sério essas palavras insultuosas. Do mesmo modo, quando lhe dirigem palavras elogiosas, ela não liga para elas. No caso de Dhruva Mahārāja, no entanto, o espírito kṣatriya era tão forte que ele não pôde tolerar um leve insulto de sua madrasta, quem injuriou seu prestígio de kṣatriya.

Texto

vikalpe vidyamāne ’pi
na hy asantoṣa-hetavaḥ
puṁso moham ṛte bhinnā
yal loke nija-karmabhiḥ

Sinônimos

vikalpe — alternação; vidyamāne api — embora exista; na — não; hi — certamente; asantoṣa — insatisfação; hetavaḥ — causas; puṁsaḥ — das pessoas; moham ṛte — sem estar iludidas; bhinnāḥ — separadas; yat loke — dentro deste mundo; nija-karmabhiḥ — por seu próprio trabalho.

Tradução

Meu querido Dhruva, se sentes que tua honra foi ferida, ainda assim não tens motivo para insatisfação. Esse tipo de insatisfação é mais um aspecto da energia ilusória; todas as entidades vivas são controladas por suas ações anteriores, daí existirem diferentes variedades de vida, de gozo ou de sofrimento.

Comentário

SIGNIFICADO­—Os Vedas dizem que a entidade viva é sempre incontaminada, não sendo afetada pelo contato com a matéria. A entidade viva obtém diferentes espécies de corpos materiais devido a suas ações fruitivas anteriores. Se, entretanto, compreende a filosofia de que, como alma espiritual viva, ela não tem afinidade nem pelo sofrimento nem pelo prazer, então é considerada uma pessoa liberada. Confirma-se na Bhagavad-gītā (18.54) que brahma-bhūtaḥ prasannātmā: quando alguém está realmente situado na plataforma transcendental, não tem nada por que se lamentar e nada por que ansiar. Nārada Ṛṣi primeiramente quis convencer Dhruva Mahārāja de que ele não passava de uma criança: ele não deveria se deixar afetar por palavras de insulto ou honra. E se ele era tão desenvolvido a ponto de entender honra e insulto, então essa compreensão deveria ser aplicada em sua própria vida. Ele deveria saber que tanto honra quanto desonra são destinadas a alguém unicamente devido a suas ações anteriores; portanto, não se deve ficar triste ou feliz em nenhuma circunstância.

Texto

parituṣyet tatas tāta
tāvan-mātreṇa pūruṣaḥ
daivopasāditaṁ yāvad
vīkṣyeśvara-gatiṁ budhaḥ

Sinônimos

parituṣyet — deve contentar-se; tataḥ — portanto; tāta — meu querido menino; tāvat — até essa; mātreṇa — qualidade; pūruṣaḥ — uma pessoa; daiva — destino; upasāditam — oferecido por; yāvat — como; vīkṣya — vendo; īśvara-gatim — o processo do Supremo; budhaḥ — quem é inteligente.

Tradução

O processo da Suprema Personalidade de Deus é muito maravilhoso. Quem é inteligente deve aceitar esse processo e contentar-se com qualquer coisa que venha, favorável ou desfavorável, por Sua vontade suprema.

Comentário

SIGNIFICADO­—O grande sábio Nārada ensinou a Dhruva Mahārāja que devemos estar satisfeitos em todas as circunstâncias. Toda pessoa que é inteligente deve saber que, devido ao nosso conceito de existência corpórea, estamos sujeitos ao sofrimento e ao prazer. Aquele que está na posição transcendental, além do conceito de vida corpórea, é considerado inteligente. Quem é devoto aceita especialmente todos os reveses como dádivas do Senhor Supremo. Quando o devoto é posto em aflição, ele aceita isso como misericórdia de Deus e Lhe oferece repetidas reverências com o corpo, a mente e o intelecto. Uma pessoa inteligente, portanto, deve estar sempre satisfeita e depender da misericórdia do Senhor.

Texto

atha mātropadiṣṭena
yogenāvarurutsasi
yat-prasādaṁ sa vai puṁsāṁ
durārādhyo mato mama

Sinônimos

atha — portanto; mātrā — por tua mãe; upadiṣṭena — sendo instruído; yogena — pela meditação mística; avarurutsasi — queres te elevar; yat-prasādam — cuja misericórdia; saḥ — esta; vai — certamente; puṁsām — das entidades vivas; durārādhyaḥ — muito difícil de executar; mataḥ — opinião; mama — minha.

Tradução

Agora resolveste te submeter ao processo místico de meditação de acordo com a instrução de tua mãe, simplesmente para alcançar a misericórdia do Senhor, porém, na minha opinião, tais austeridades não são possíveis para nenhum homem comum. É muito difícil satisfazer a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—O processo de bhakti-yoga é simultaneamente muito difícil e muito fácil de executar. Śrī Nārada Muni, o supremo mestre espiritual, está testando Dhruva Mahārāja para ver quão determinado ele está em prosseguir no serviço devocional. Isso faz parte do processo de aceitar um discípulo. O grande sábio Nārada veio até Dhruva sob orientação da Suprema Personalidade de Deus simplesmente para iniciá-lo, mas está pondo à prova a determinação de Dhruva em executar o processo. É um fato, contudo, que, para uma pessoa sincera, o serviço devocional é muito fácil. Entretanto, para quem não é determinado e sincero, esse processo é muito difícil.

Texto

munayaḥ padavīṁ yasya
niḥsaṅgenoru-janmabhiḥ
na vidur mṛgayanto ’pi
tīvra-yoga-samādhinā

Sinônimos

munayaḥ — grandes sábios; padavīm — caminho; yasya — cujos; niḥsaṅgena — pelo desapego; uru-janmabhiḥ — após muitos nascimentos; na — nunca; viduḥ — compreenderam; mṛgavantaḥ — buscando; api — certamente; tīvra-yoga — rigorosas austeridades; samādhinā — pelo transe.

Tradução

Nārada Muni continuou: Após tentar este processo por muitos e muitos nascimentos e permanecerem desapegados da contaminação material, colocando-se continuamente em transe e praticando muitas espécies de austeridades, muitos yogīs místicos mostraram-se incapazes de encontrar o fim do caminho da compreensão de Deus.

Texto

ato nivartatām eṣa
nirbandhas tava niṣphalaḥ
yatiṣyati bhavān kāle
śreyasāṁ samupasthite

Sinônimos

ataḥ — doravante; nivartatām — simplesmente descontinua; eṣaḥ — isto; nirbandhaḥ — determinação; tava — tua; niṣphalaḥ — sem qualquer resultado; yatiṣyati — no futuro, deves tentar; bhavān — tu; kāle — no devido curso do tempo; śreyasām — oportunidades; samupasthite — estando presentes.

Tradução

Por esta razão, meu querido menino, não deves esforçar-te por isso: não lograrás o sucesso. É melhor que vás para casa. Quando estiveres crescido, obterás uma oportunidade de executar estas realizações místicas pela misericórdia do Senhor. Poderás, então, dedicar-te a este processo.

Comentário

SIGNIFICADO­—De um modo geral, uma pessoa inteiramente treinada atinge a perfeição espiritual no final de sua vida. Segundo o sistema védico, portanto, a vida é dividida em quatro fases. No começo, a pessoa torna-se um brahmacārī, aprendiz que estuda o conhecimento védico sob a orientação autorizada de um mestre espiritual. Em seguida, torna-se um chefe de família e executa deveres familiares de acordo com o processo védico. Em seguida, o chefe de família torna-se um vānaprastha e, aos poucos, tão logo esteja maduro, renuncia a vida familiar e também a vida de vānaprastha e adota sannyāsa, devotando-se totalmente ao serviço devocional.

De um modo geral, as pessoas pensam que a infância se destina ao gozo da vida, a ocupar-se em brincadeiras e esportes, que a juventude foi feita para se gozar da companhia de mocinhas e, quando a pessoa envelhece, no momento da morte, então ela deve tentar praticar o serviço devocional ou um processo de yoga místico. Mas essa conclusão não vale para devotos que são realmente sérios. O grande sábio Nārada instrui Dhruva Mahārāja dessa maneira apenas para testá-lo. Na verdade, a ordem direta é que, em qualquer fase da vida, deve-se começar a prestar serviço devocional. Porém, é dever do mestre espiritual colocar à prova o discípulo para ver quão sério é seu desejo de executar serviço devocional, para depois poder iniciá-lo.

Texto

yasya yad daiva-vihitaṁ
sa tena sukha-duḥkhayoḥ
ātmānaṁ toṣayan dehī
tamasaḥ pāram ṛcchati

Sinônimos

yasya — qualquer pessoa; yat — aquilo que; daiva — pelo destino; vihitam — destinado; saḥ — tal pessoa; tena — por esta; sukha-duḥkhayoḥ — felicidade ou aflição; ātmānam — o próprio eu; toṣayan — estando satisfeita; dehī — uma alma corporificada; tamasaḥ — da escuridão; pāram — para o outro lado; ṛcchati — cruza.

Tradução

Todos devem tentar manter-se satisfeitos em qualquer condição de vida – seja na aflição, seja na felicidade – que a vontade suprema lhes ofereça. Alguém que persevere dessa maneira é capaz de cruzar a escuridão da ignorância muito facilmente.

Comentário

SIGNIFICADO­—A existência material consiste em atividades fruitivas piedosas e impiedosas. Enquanto alguém estiver ocupado em qualquer espécie de atividade que não seja o serviço devocional, obterá felicidade e aflição neste mundo material. Quando desfrutamos da vida em dita felicidade material, deve-se entender que estamos diminuindo as ações resultantes de nossas atividades piedosas. E quando somos postos em sofrimento, deve-se entender que estamos diminuindo as ações resultantes de nossas atividades impiedosas. Ao invés de nos apegarmos à felicidade e aflição circunstanciais resultantes de atividades piedosas ou impiedosas, se desejarmos escapar das garras desta ignorância, então deveremos aceitar qualquer posição em que sejamos colocados pela vontade do Senhor. Assim, se simplesmente nos rendermos à Suprema Personalidade de Deus, escaparemos das garras desta existência material.

Texto

guṇādhikān mudaṁ lipsed
anukrośaṁ guṇādhamāt
maitrīṁ samānād anvicchen
na tāpair abhibhūyate

Sinônimos

guṇa-adhikāt — alguém que seja mais qualificado; mudam — prazer; lipset — deve-se sentir; anukrośam — compaixão; guṇa-adhamāt — alguém que seja menos qualificado; maitrīm — amizade; samānāt — com um igual; anvicchet — deve-se desejar; na — não; tāpaiḥ — pela tribulação; abhibhūyate — se afeta.

Tradução

Todo homem deve agir assim: ao encontrar uma pessoa mais qualificada que ele, deve ficar muito satisfeito; ao encontrar uma pessoa menos qualificada, deve ter compaixão dela, e, ao encontrar alguém igual, deve fazer amizade com ele. Dessa maneira, jamais será afetado pelas três espécies de sofrimentos deste mundo material.

Comentário

SIGNIFICADO­—De um modo geral, quando encontramos alguém mais qualificado do que nós, ficamos com inveja dele; quando encontramos alguém menos qualificado, zombamos dele, e, quando encontramos alguém igual, ficamos muito orgulhosos de nossas atividades. Essas são as causas de todas as tribulações materiais. O grande sábio Nārada, portanto, aconselha que um devoto deve agir com perfeição. Ao invés de invejar alguém mais qualificado, ele deve antes alegrar-se em recebê-lo. Ao invés de ser opressivo com alguém menos qualificado, deve ser compassivo com ele simplesmente para elevá-lo ao nível adequado. E ao se encontrar com um igual, ao invés de orgulhar-se de suas próprias atividades diante dele, deve tratá-lo como um amigo. Deve-se também ter compaixão das pessoas em geral, que estão sofrendo por estarem esquecidas de Kṛṣṇa. Essas importantes linhas de conduta farão as pessoas felizes neste mundo material.

Texto

dhruva uvāca
so ’yaṁ śamo bhagavatā
sukha-duḥkha-hatātmanām
darśitaḥ kṛpayā puṁsāṁ
durdarśo ’smad-vidhais tu yaḥ

Sinônimos

dhruvaḥ uvāca — Dhruva Mahārāja disse; saḥ — que; ayam — isto; śamaḥ — equilíbrio mental; bhagavatā — por Vossa Onipotência; sukha-duḥkha — felicidades e sofrimentos; hata-ātmanām — aqueles que são afetados; darśitaḥ — mostradas; kṛpayā — pela misericórdia; puṁsām — das pessoas; durdarśaḥ — muito difícil de perceber; asmat-vidhaiḥ — por pessoas como nós; tu — mas; yaḥ — tudo o que dissestes.

Tradução

Dhruva Mahārāja disse: Meu querido Senhor Nāradajī, para uma pessoa cujo coração está perturbado pelas condições materiais de felicidade e aflição, tudo o que tão amavelmente acabastes de explicar sobre como atingir a paz de espírito é decerto uma excelente instrução. Mas, quanto a mim, estou coberto pela ignorância, e essa espécie de filosofia não toca meu coração.

Comentário

SIGNIFICADO­—Existem várias classes de homens. Uma classe é a dos akāmīs, referindo-se àqueles que não têm desejos materiais. Os desejos não podem deixar de existir, quer materiais, quer espirituais. O desejo material surge quando queremos satisfazer nossos sentidos pessoais. Alguém que esteja pronto a sacrificar qualquer coisa para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus pode ser considerado como tendo desejos espirituais. Dhruva não aceitou a instrução dada pelo grande santo Nārada porque julgava-se incapaz de seguir uma instrução que proibia todos os desejos materiais. Não é verdade, contudo, que aqueles que têm desejos materiais sejam proibidos de adorar a Suprema Personalidade de Deus. Essa é essencialmente a lição da vida de Dhruva. Ele francamente admitiu que seu coração estava cheio de desejos materiais. Ele se afetara muito com as palavras cruéis de sua madrasta, ao passo que aqueles que são avançados espiritualmente não ligam para a condenação ou adoração de ninguém.

Na Bhagavad-gītā, afirma-se que as pessoas que são realmente avançadas na vida espiritual não se importam com o comportamento dual deste mundo material. Mas Dhruva Mahārāja francamente admitiu não ser transcendental à aflição de felicidade e tristeza materiais. Ele acreditava que a instrução dada por Nārada era valiosa, mas não podia aceitá-la. A questão a ser levantada aqui é se uma pessoa atormentada por desejos materiais pode ou não adorar a Suprema Personalidade de Deus. A resposta é que todos podem adorá-lO. Mesmo se alguém tiver muitos desejos materiais a satisfazer, deve adotar a consciência de Kṛṣṇa e adorar o Supremo Senhor Kṛṣṇa, que é tão misericordioso que satisfaz os desejos de todos. Esta narração deixará bem claro que ninguém é impedido de adorar a Suprema Personalidade de Deus, mesmo que tenha muitos desejos materiais.

Texto

athāpi me ’vinītasya
kṣāttraṁ ghoram upeyuṣaḥ
surucyā durvaco-bāṇair
na bhinne śrayate hṛdi

Sinônimos

atha api — portanto; me — meu; avinītasya — não muito submisso; kṣāttram — o espírito de um kṣatriya; ghoram — intolerante; upeyuṣaḥ — alcançado; surucyāḥ — da rainha Suruci; durvacaḥ — palavras ásperas; bāṇaiḥ — pelas flechas; na — não; bhinne — sendo trespassado; śrayate — penetram em; hṛdi — o coração.

Tradução

Meu querido senhor, sou muito insolente por não aceitar vossas instruções, mas a culpa não é minha. Devo isso ao fato de ter nascido em família kṣatriya. Minha madrasta, Suruci, trespassou-me o coração com suas palavras ásperas. Portanto, vossas valiosas instruções não penetram em meu coração.

Comentário

SIGNIFICADO­—Declara-se que o coração ou a mente são como um pote de barro: uma vez quebrado, não pode ser consertado de modo algum. Dhruva Mahārāja deu este exemplo a Nārada Muni. Ele disse que seu coração, tendo sido trespassado pelas flechas das palavras ásperas de sua madrasta, sentia-se tão quebrado que nada parecia valioso além de seu desejo de revidar o insulto dela. Sua madrasta dissera que, como ele nascera do ventre de Sunīti, uma rainha desprezada de Mahārāja Uttānapāda, Dhruva Mahārāja não era capaz sequer de sentar-se no trono ou no colo de seu pai. Em outras palavras, segundo sua madrasta, ele não poderia ser declarado rei. A determinação de Dhruva Mahārāja, portanto, era de tornar-se rei de um planeta ainda mais grandioso do que o possuído pelo senhor Brahmā, o maior de todos os semideuses.

Dhruva Mahārāja indiretamente informou ao grande sábio Nārada que existem quatro tipos de espíritos humanos – o espírito bramânico, o espírito kṣatriya, o espírito vaiśya e o espírito śūdra. O espírito de uma casta não é aplicável aos membros de outra. O espírito filosófico enunciado por Nārada Muni podia ser apropriado para uma pessoa de espírito bramânico, mas não era apropriado para um kṣatriya. Dhruva francamente admitiu que carecia de humildade bramânica e, portanto, era incapaz de aceitar a filosofia de Nārada Muni.

As afirmações de Dhruva Mahārāja indicam que, a menos que uma criança seja treinada de acordo com sua tendência, não há possibilidades de ela desenvolver seu espírito particular. Era dever do mestre espiritual ou professor observar o movimento psicológico de um menino em particular e, dessa maneira, treiná-lo num dever ocupacional específico. Dhruva Mahārāja, já tendo sido treinado dentro do espírito kṣatriya, não aceitaria a filosofia bramânica.

No Ocidente, temos experiência prática desta incompatibilidade dos temperamentos bramânico e de kṣatriya. Os rapazes americanos, que simplesmente foram treinados como śūdras, não estão aptos, de modo algum, a lutar na guerra. Portanto, quando são chamados a alistar-se no exército, eles se recusam porque não têm espírito kṣatriya. Esta é uma causa de grande insatisfação na sociedade. O fato de esses rapazes não terem espírito kṣatriya não significa que recebam treinamento para adquirir qualidades bramânicas; eles são treinados como śūdras e, assim, frustrados, estão se tornando hippies. Contudo, logo que ingressam no movimento para a consciência de Kṛṣṇa, recém-iniciado no Ocidente, eles são treinados para adquirir qualificações bramânicas, muito embora tenham caído às condições mais baixas como śūdras.

Em outras palavras, uma vez que o movimento para a consciência de Kṛṣṇa é aberto a todos, as pessoas em geral podem obter as qualificações bramânicas. É disso que mais se precisa no momento atual, pois agora realmente não há brāhmaṇas ou kṣatriyas, mas somente vaiśyas e, na maioria dos casos, śūdras. A classificação da sociedade em brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras é muito científica. No corpo social humano, os brāhmaṇas são considerados a cabeça, os kṣatriyas são os braços, os vaiśyas o estômago, e os śūdras as pernas. No momento atual, o corpo tem pernas e estômago, mas não tem braços nem cabeça, daí a sociedade estar confusa. É necessário restabelecer as qualificações bramânicas a fim de elevar a sociedade humana caída ao padrão superior de consciência espiritual.

Texto

padaṁ tri-bhuvanotkṛṣṭaṁ
jigīṣoḥ sādhu vartma me
brūhy asmat-pitṛbhir brahmann
anyair apy anadhiṣṭhitam

Sinônimos

padam — posição; tri-bhuvana — os três mundos; utkṛṣṭam — a melhor; jigīṣoḥ — desejoso; sādhu — honesto; vartma — caminho; me — a mim; brūhi — por favor, dizei; asmat — nosso; pitṛbhiḥ — pelos antepassados, o pai e o avô; brahman — ó grande brāhmaṇa; anyaiḥ — pelos outros; api — mesmo; anadhiṣṭhitam — não adquirida.

Tradução

Ó brāhmaṇa erudito, meu desejo é ocupar uma posição mais elevada do que qualquer posição já atingida dentro dos três mundos por qualquer pessoa, mesmo por meus pais e avós. Por favor, fazei-me o obséquio de aconselhar-me sobre um caminho honesto a seguir, pelo qual eu possa alcançar a meta de minha vida.

Comentário

SIGNIFICADO­—Quando Dhruva Mahārāja recusou-se a aceitar a instrução bramânica de Nārada Muni, naturalmente a próxima pergunta seria que espécie de instrução ele desejava. Assim, antes mesmo que Nārada Muni perguntasse, Dhruva Mahārāja expressou seu desejo sincero. Seu pai, é claro, era o imperador do mundo inteiro, e seu avô, o senhor Brahmā, era o criador do universo. Dhruva Mahārāja expressou seu desejo de possuir um reino melhor do que os reinos de seu pai e de seu avô. Ele francamente afirmou que queria um reino que não tivesse rival dentro dos três mundos, a saber, os sistemas planetários superior, intermediário e inferior. A personalidade mais elevada dentro deste universo é o senhor Brahmā, e Dhruva Mahārāja queria uma posição superior inclusive à dele. Ele queria tirar proveito da presença de Nārada Muni porque sabia muito bem que se Nārada Muni, o maior devoto do Senhor Kṛṣṇa, concordasse em abençoá-lo ou mostrar-lhe o caminho, então certamente ele seria capaz de ocupar uma posição mais elevada do que a de qualquer pessoa dentro dos três mundos. Assim, ele quis a ajuda de Nāradajī para alcançar essa posição. Dhruva Mahārāja queria uma posição superior à de Brahmā. Uma proposta praticamente impossível, mas, satisfazendo a Suprema Personalidade de Deus, um devoto pode obter até o impossível.

Um ponto específico mencionado aqui é que Dhruva Mahārāja queria ocupar uma posição elevada, não de qualquer maneira, mas por meios honestos. Isso indica que, se Kṛṣṇa lhe oferecesse semelhante posição, ele a aceitaria. Essa é a natureza do devoto. Pode ser que ele deseje ganho material, mas aceita-o somente se Kṛṣṇa lhe oferecer. Dhruva Mahārāja estava pesaroso de não poder aceitar a instrução de Nārada Muni; portanto, pediu-lhe que tivesse misericórdia dele e lhe mostrasse um caminho pelo qual ele pudesse satisfazer os desejos de sua mente.

Texto

nūnaṁ bhavān bhagavato
yo ’ṅgajaḥ parameṣṭhinaḥ
vitudann aṭate vīṇāṁ
hitāya jagato ’rkavat

Sinônimos

nūnam — certamente; bhavān — Vossa Onipotência; bhagavataḥ — do Senhor; yaḥ — aquilo que; aṅga-jaḥ — nascido do corpo; parameṣṭhinaḥ — senhor Brahmā; vitudan — tocando; aṭate — viajais por toda parte; vīṇām — um instrumento musical; hitāya — para o bem-estar; jagataḥ — do mundo; arka-vat — como o Sol.

Tradução

Meu querido senhor, sois um digno filho do senhor Brahmā, e viajais tocando vosso instrumento musical, a vīṇā, para o bem-estar de todo o universo. Sois como o Sol, que gira no universo para o benefício de todos os seres vivos.

Comentário

SIGNIFICADO­—Dhruva Mahārāja, embora fosse uma criança, expressou sua esperança de poder receber a bênção de um reinado que excedesse em opulência aos de seu pai e de seu avô. Ele também expressou sua alegria por ter encontrado uma pessoa tão elevada como Nārada, cujo único interesse era iluminar o mundo, assim como o Sol, que gira por todo o universo somente com o propósito de beneficiar os habitantes de todos os planetas. Nārada Muni viaja por todo o universo com o objetivo exclusivo de executar a melhor das atividades beneficentes para todo o universo, ensinando todos a tornarem-se devotos da Suprema Personalidade de Deus. Assim, Dhruva Mahārāja sentiu-se plenamente confiante de que Nārada Muni poderia satisfazer seu desejo, muito embora o desejo fosse muito extraordinário.

O exemplo do Sol é muito significativo. O Sol é tão bondoso que distribui sua luz por toda parte, sem fazer distinções. Dhruva Mahārāja pediu a Nārada Muni que tivesse misericórdia dele. Lembrou que Nārada viaja por todo o universo com o simples propósito de fazer o bem a todas as almas condicionadas. Ele pediu a Nārada Muni que mostrasse sua misericórdia, concedendo-lhe a realização de seu desejo em particular. Dhruva Mahārāja estava firmemente determinado a satisfazer o seu desejo, e foi com esse propósito que deixou seu lar e o palácio.

Texto

maitreya uvāca
ity udāhṛtam ākarṇya
bhagavān nāradas tadā
prītaḥ pratyāha taṁ bālaṁ
sad-vākyam anukampayā

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o sábio Maitreya continuou; iti — assim; udāhṛtam — sendo falado; ākarṇya — ouvindo; bhagavān nāradaḥ — a grande personalidade Nārada; tadā — em seguida; prītaḥ — estando satisfeito; pratyāha — respondeu; tam — a ele; bālam — o menino; sat-vākyam — bom conselho; anukampayā — sendo compassivo.

Tradução

O sábio Maitreya continuou: A grande personalidade Nārada Muni, ao ouvir as palavras de Dhruva Mahārāja, ficou com muita compaixão dele e, a fim de demonstrar-lhe sua imotivada misericórdia, deu-lhe o seguinte bom conselho.

Comentário

SIGNIFICADO­—Uma vez que o grande sábio Nārada é o principal mestre espiritual, naturalmente sua única atividade é conceder o maior benefício a quem quer que ele encontre. Dhruva Mahārāja, contudo, era um menino, e assim seu pedido era também o de uma brincadeira de criança. De qualquer modo, o grande sábio se compadeceu dele e, para o seu bem-estar, falou os seguintes versos.

Texto

nārada uvāca
jananyābhihitaḥ panthāḥ
sa vai niḥśreyasasya te
bhagavān vāsudevas taṁ
bhaja taṁ pravaṇātmanā

Sinônimos

nāradaḥ uvāca — o grande sábio Nārada disse; jananyā — por tua mãe; abhihitaḥ — declarado; panthāḥ — o caminho; saḥ — este; vai — certamente; niḥśreyasasya — a meta última da vida; te — para ti; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; vāsudevaḥ — Kṛṣṇa; tam — a Ele; bhaja — presta teu serviço; tam — por Ele; pravaṇa-ātmanā — absorvendo tua mente por completo.

Tradução

O grande sábio Nārada disse a Dhruva Mahārāja: A instrução dada por tua mãe, Sunīti, de seguires o caminho do serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, é justamente adequada para ti. Portanto, deves absorver-te inteiramente no serviço devocional ao Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO­—O pedido de Dhruva Mahārāja era de obter uma morada que fosse maior inclusive do que a morada do senhor Brahmā. Dentro deste universo, o senhor Brahmā é tido como a pessoa que está na posição mais elevada, pois é o principal de todos os semideuses, mas Dhruva Mahārāja queria um reino superior ao dele. Portanto, seu desejo não poderia ser satisfeito através da adoração a algum semideus. Como se descreve na Bhagavad-gītā, as bênçãos oferecidas pelos semideuses são todas temporárias. Portanto, Nārada Muni pediu a Dhruva Mahārāja que seguisse o caminho recomendado por sua mãe: adoração a Kṛṣṇa, Vāsudeva. Quando Kṛṣṇa oferece algo, isso sempre ultrapassa a expectativa do devoto. Tanto Sunīti quanto Nārada sabiam que a exigência de Dhruva Mahārāja era impossível de ser satisfeita por algum semideus, daí ambos recomendarem a prática do processo de serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa.

Nārada Muni é chamado aqui de bhagavān porque ele pode abençoar qualquer pessoa do mesmo modo que o pode a Suprema Personalidade de Deus. Ele estava muito satisfeito com Dhruva Mahārāja, e pessoalmente poderia ter dado de imediato qualquer coisa que ele desejasse, mas não é este o dever do mestre espiritual. Seu dever é ocupar o discípulo em serviço devocional adequado, como se prescreve nos śāstras. Kṛṣṇa esteve igualmente presente diante de Arjuna, e, muito embora pudesse ter-lhe dado todas as facilidades para a vitória sobre o grupo oposto sem nenhuma luta, Ele não o fez; ao invés disso, Ele mandou que Arjuna lutasse. Da mesma maneira, Nārada Muni mandou Dhruva Mahārāja submeter-se à disciplina devocional a fim de alcançar o resultado desejado.

Texto

dharmārtha-kāma-mokṣākhyaṁ
ya icchec chreya ātmanaḥ
ekaṁ hy eva hares tatra
kāraṇaṁ pāda-sevanam

Sinônimos

dharma-artha-kāma-mokṣa — os quatro princípios: religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação; ākhyam — pelo nome; yaḥ — quem; icchet — deseje; śreyaḥ — a meta da vida; ātmanaḥ — do eu; ekam hi eva — somente a única; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; tatra — nesta; kāraṇam — a causa; pāda-sevanam — adorando os pés de lótus.

Tradução

Qualquer pessoa que deseje os frutos dos quatro princípios de religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e, finalmente, liberação – deve ocupar-se em serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, visto que a adoração a Seus pés de lótus produz a satisfação de todos esses desejos.

Comentário

SIGNIFICADO­—A Bhagavad-gītā diz que somente com a sanção da Suprema Personalidade de Deus podem os semideuses oferecer bênçãos. Portanto, sempre que se oferece algum sacrifício a um semideus, o Senhor Supremo, sob a forma de nārāyaṇa-śilā, ou śālagrāma-śilā, é trazido para observar o sacrifício. Na verdade, os semideuses não podem dar bênção alguma sem a sanção do Senhor Supremo. Nārada Muni, portanto, aconselhou que, mesmo em troca de religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos ou liberação, devemos aproximar-nos da Suprema Personalidade de Deus, oferecer-Lhe orações e, aos pés de lótus do Senhor, pedir-Lhe a satisfação de nosso desejo. Isso é inteligência verdadeira. Uma pessoa inteligente jamais se dirige aos semideuses para pedir algo. Ela recorre diretamente à Suprema Personalidade de Deus, que é a causa de todas as bênçãos.

Como o Senhor Śrī Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā, a execução de cerimônias ritualísticas não é verdadeira religião. O verdadeiro caminho da religião é render-se aos pés de lótus do Senhor. Para quem é realmente rendido aos pés de lótus do Senhor, não há possibilidade de qualquer esforço separado em busca de desenvolvimento econômico. Um devoto ocupado a serviço do Senhor não fica desapontado na satisfação dos seus sentidos. Se ele deseja satisfazer seus sentidos, Kṛṣṇa satisfaz esse desejo. Quanto à liberação, qualquer devoto plenamente ocupado a serviço do Senhor já está liberado, em razão do que ele não precisa pedir em separado a sua liberação.

Nārada Muni, portanto, aconselhou Dhruva Mahārāja a refugiar-se em Vāsudeva, o Senhor Kṛṣṇa, e dedicar-se ao processo aconselhado por sua mãe, pois isso o ajudaria a realizar seu desejo. Neste verso, Nārada Muni enfatiza especialmente o serviço devocional ao Senhor como o único caminho. Em outras palavras, mesmo que alguém esteja cheio de desejos materiais, pode continuar seu serviço devocional ao Senhor, e todos os seus desejos serão realizados.

Texto

tat tāta gaccha bhadraṁ te
yamunāyās taṭaṁ śuci
puṇyaṁ madhuvanaṁ yatra
sānnidhyaṁ nityadā hareḥ

Sinônimos

tat — isto; tāta — meu querido filho; gaccha — vai; bhadram — boa fortuna; te — para ti; yamunāyāḥ — do Yamunā; taṭam — margem; śuci — estando purificado; puṇyam — a sagrada; madhu-vanam — chamada Madhuvana; yatra — onde; sānnidhyam — estando mais perto; nityadā — sempre; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Meu querido menino, desejo-te, portanto, toda a boa fortuna. Deves ir até a margem do Yamunā, onde existe uma floresta sagrada chamada Madhuvana, e ali purificar-te. Simplesmente indo até ali, uma pessoa aproxima-se mais da Suprema Personalidade de Deus, que sempre vive nesse local.

Comentário

SIGNIFICADO­—Tanto Nārada Muni quanto Sunīti, a mãe de Dhruva Mahārāja, aconselharam Dhruva Mahārāja a adorar a Suprema Personalidade de Deus. Agora, Nārada Muni está especialmente dando-lhe orientações de como essa adoração à Pessoa Suprema pode frutificar muito rapidamente. Ele recomenda que Dhruva Mahārāja vá até a margem do Yamunā, onde existe uma floresta chamada Madhuvana, e comece sua meditação e adoração ali.

Os lugares de peregrinação têm uma vantagem especial para um devoto – fazê-lo avançar rapidamente em sua vida espiritual. O Senhor Kṛṣṇa vive em toda parte, mas, de qualquer modo, é muito fácil aproximar-se dEle em lugares sagrados de peregrinação porque esses lugares são habitados por grandes sábios. O Senhor Śrī Kṛṣṇa diz que vive onde quer que Seus devotos estejam cantando as glórias de Suas atividades transcendentais. Há muitos locais de peregrinação na Índia; especialmente proeminentes são: Badarī-nārāyaṇa, Dvārakā, Rāmeśvara e Jagannātha Purī. Esses locais sagrados são chamados de “os quatro dhāmas”. Dhāma refere-se a um local onde se pode entrar em contato imediato com o Senhor Supremo. Para ir a Badarī-nārāyaṇa, é preciso passar por Hardwar no caminho rumo à Suprema Personalidade de Deus. De modo semelhante, existem outros locais sagrados de peregrinação, tais como Prayāga (Allahabad) e Mathurā, e o mais elevado de todos eles é Vṛndāvana. A menos que alguém seja muito avançado na vida espiritual, recomenda-se que ele viva em tais locais sagrados e execute serviço devocional ali. Porém, um devoto avançado como Nārada Muni, que está ocupado em trabalho de pregação, pode servir ao Senhor Supremo em qualquer parte. Às vezes, ele vai inclusive aos planetas infernais. As condições infernais não afetam Nārada Muni porque ele está ocupado em atividades de alta responsabilidade no serviço devocional. Segundo a afirmação de Nārada Muni, Madhuvana, que ainda existe na área de Vṛndāvana, no distrito de Mathurā, é um lugar sacratíssimo. Muitas pessoas santas ainda vivem ali, ocupadas em serviço devocional ao Senhor.

Existem doze florestas na área de Vṛndāvana, e Madhuvana é uma delas. Peregrinos vindos de toda parte da Índia reúnem-se e visitam todas essas doze florestas. Há cinco florestas na margem oriental do Yamunā: Bhadravana, Bilvavana, Lauhavana, Bhāṇḍīravana e Mahāvana. Na margem ocidental, existem sete: Madhuvana, Tālavana, Kumudavana, Bahulāvana, Kāmyavana, Khadiravana e Vṛndāvana. Nessas doze florestas, há diferentes ghāṭas, ou balneários. Eles são enumerados da seguinte maneira: (1) Avimukta, (2) Adhirūḍha, (3) Guhya-tīrtha, (4) Prayāga-tīrtha, (5) Kanakhala, (6) Tinduka-tīrtha, (7) Sūrya-tīrtha, (8) Vaṭasvāmī, (9) Dhruva-ghāṭa (Dhruva-ghāṭa, onde há muitas belas árvores frutíferas e floríferas, é famoso porque Dhruva Mahārāja meditou e submeteu-se a rigorosas penitências e austeridades ali, num local elevado), (10) Ṛṣi-tīrtha, (11) Mokṣa-tīrtha, (12) Budha-tīrtha, (13) Gokarṇa, (14) Kṛṣṇagaṅgā, (15) Vaikuṇṭha, (16) Asi-kuṇḍa, (17) Catuḥ-sāmudrika-kūpa, (18) Akrūra-tīrtha (quando Kṛṣṇa e Balarāma iam a Mathurā na quadriga dirigida por Akrūra, todos eles tomaram banho nesse ghāṭa), (19) Yājñika-vipra-sthāna, (20) Kubjā-kūpa, (21) Raṅga-sthāla, (22) Mañcha-sthala, (23) Mallayuddha-sthāna e (24) Daśāśvamedha.

Texto

snātvānusavanaṁ tasmin
kālindyāḥ salile śive
kṛtvocitāni nivasann
ātmanaḥ kalpitāsanaḥ

Sinônimos

snātvā — após tomar banho; anusavanam — três vezes; tasmin — neste; kālindyāḥ — no rio Kālindī (o Yamunā); salile — na água; śive — que é muito auspiciosa; kṛtvā — executando; ucitāni — adequado; nivasan — sentado; ātmanaḥ — do eu; kalpita-āsanaḥ — tendo preparado um assento.

Tradução

Nārada Muni instruiu: Meu querido menino, nas águas do rio Yamunā, que é conhecido como Kālindī, deves tomar três banhos diariamente, pois essa água é muito auspiciosa, sagrada e limpa. Após banhar-te, deves executar os princípios reguladores necessários para o aṣṭāṅga-yoga e, então, sentar-te em teu āsana [assento] em uma posição calma e silenciosa.

Comentário

SIGNIFICADO­—Esta afirmação parece indicar que Dhruva Mahārāja já fora instruído sobre como praticar o sistema óctuplo de yoga, conhecido como aṣṭāṅga-yoga. Explica-se esse sistema no Bhagavad-gītā Como Ele É, no capítulo intitulado “Dhyāna-yoga”. Compreende-se que, no aṣṭāṅga-yoga, pratica-se a estabilidade da mente e, então, a concentração na forma do Senhor Viṣṇu, como se descreverá nos versos seguintes. Aqui se afirma claramente que o aṣṭāṅga-yoga não é um exercício de ginástica corporal, mas uma prática para concentrar a mente na forma de Viṣṇu. Antes de sentar-se em seu āsana, que também se descreve na Bhagavad-gītā, a pessoa precisa banhar-se bem em água limpa ou sagrada três vezes por dia. A água do Yamunā é naturalmente muito limpa e pura, e assim, se alguém nela se banhar três vezes, ficará sem dúvida muito bem purificado externamente. Nārada Muni, portanto, instruiu Dhruva Mahārāja que fosse até a margem do Yamunā e, dessa maneira, ele se purificasse externamente. Isso é parte do processo gradual da prática do yoga místico.

Texto

prāṇāyāmena tri-vṛtā
prāṇendriya-mano-malam
śanair vyudasyābhidhyāyen
manasā guruṇā gurum

Sinônimos

prāṇāyāmena — através de exercícios respiratórios; tri-vṛtā — pelos três métodos recomendados; prāṇa-indriya — o ar vital e os sentidos; manaḥ — mente; malam — impureza; śānaiḥ — gradualmente; vyudasya — abandonando; abhidhyāyet — medita em; manasā — pela mente; guruṇā — imperturbada; gurum — o supremo mestre espiritual, Kṛṣṇa.

Tradução

Após sentar-te em teu assento, pratica as três espécies de exercícios respiratórios, e assim gradualmente controla o ar vital, a mente e os sentidos. Liberta-te inteiramente de toda a contaminação material e, com grande paciência, começa a meditar na Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—Descreve-se sumariamente neste verso todo o sistema de yoga, dando-se ênfase especial aos exercícios respiratórios a fim de apaziguar a mente perturbada. A mente, por natureza, está sempre oscilando, pois ela é muito instável, mas o exercício respiratório destina-se a controlá-la. É bem possível que este processo de controlar a mente funcionasse naqueles dias, há milhões de anos atrás, quando Dhruva Mahārāja o adotou, mas, no momento atual, é preciso fixar a mente diretamente nos pés de lótus do Senhor através do processo de cantar. Cantando o mantra Hare Kṛṣṇa, concentramo-nos imediatamente na vibração sonora e pensamos nos pés de lótus do Senhor, e muito rapidamente elevamo-nos à posição de samādhi, ou transe. Se alguém continuar cantando os santos nomes do Senhor, que não são diferentes da Suprema Personalidade de Deus, naturalmente sua mente ficará absorta em pensar no Senhor.

Aqui, Dhruva Mahārāja é aconselhado a meditar no guru supremo, ou o mestre espiritual supremo. O mestre espiritual supremo é Kṛṣṇa, que é, portanto, conhecido como caitya-guru. Isso se refere à Superalma, que está sentada no coração de todos. Ela ajuda internamente, como se afirma na Bhagavad-gītā, e envia o mestre espiritual, que ajuda externamente. O mestre espiritual é a manifestação externa do caitya-guru, ou o mestre espiritual sentado no coração de todos.

O processo pelo qual afastamos nossos pensamentos das coisas materiais chama-se pratyāhāra, que ocasiona o libertar-se de todos os pensamentos e ocupações materiais. A palavra abhidhyāyet, usada neste verso, indica que, a não ser que a mente esteja fixa, não se pode meditar. A conclusão, portanto, é que meditar significa pensar internamente no Senhor. Quer cheguemos a esta fase através do sistema de aṣṭāṅga-yoga, quer pelo método recomendado nos śāstras especialmente para a era atual – cantar constantemente os santos nomes do Senhor –, a meta é meditar na Suprema Personalidade de Deus.

Texto

prasādābhimukhaṁ śaśvat
prasanna-vadanekṣaṇam
sunāsaṁ subhruvaṁ cāru-
kapolaṁ sura-sundaram

Sinônimos

prasāda-abhimukham — sempre disposto a oferecer misericórdia imotivada; śaśvat — sempre; prasanna — agradável; vadana — boca; īkṣaṇam — visão; su-nāsam — nariz muito bem formado; su-bhruvam — sobrancelhas muito bem decoradas; cāru — belos; kapolam — testa; sura — os semideuses; sundaram — formoso.

Tradução

[Descreve-se aqui a forma do Senhor.] O rosto do Senhor é perpetuamente belíssimo e de expressão agradável. Para os devotos que O veem, Ele nunca parece insatisfeito, e está sempre disposto a conceder-lhes bênçãos. Seus olhos, Suas sobrancelhas bem decoradas, Seu nariz afilado e Sua ampla testa são todos belíssimos. Ele é mais belo do que todos os semideuses.

Comentário

SIGNIFICADO­—Este verso explica claramente que devemos meditar da forma do Senhor. A meditação impessoal é uma invenção de farsantes dos dias modernos. Em nenhum dos textos védicos recomenda-se a meditação impessoal. Na Bhagavad-gītā, quando a meditação é recomendada, usa-se a palavra mat-paraḥ, que significa “relativo a Mim”. Qualquer forma de Viṣṇu relaciona-se com o Senhor Kṛṣṇa porque o Senhor Kṛṣṇa é a forma Viṣṇu original. Algumas vezes, pessoas tentam meditar no Brahman impessoal, que é descrito na Bhagavad-gītā como avyakta, que significa “imanifesto” ou “impessoal”. Mas o próprio Senhor ressalta que aqueles que estão apegados a esse aspecto impessoal do Senhor dedicam-se sofridamente a uma atividade muito incômoda, pois ninguém pode concentrar-se no aspecto impessoal. É preciso concentrar-se na forma do Senhor, que se descreve aqui para a meditação de Dhruva Mahārāja. Como se evidenciará em descrições posteriores, Dhruva Mahārāja aperfeiçoou essa espécie de meditação, e seu yoga foi exitoso.

Texto

taruṇaṁ ramaṇīyāṅgam
aruṇoṣṭhekṣaṇādharam
praṇatāśrayaṇaṁ nṛmṇaṁ
śaraṇyaṁ karuṇārṇavam

Sinônimos

taruṇam — jovial; ramaṇīya — atrativo; aṅgam — todas as partes do corpo; aruṇa-oṣṭha — lábios rosados como o sol nascente; īkṣaṇa-adharam — olhos da mesma natureza; praṇata — quem é rendido; āśrayaṇam — refúgio dos rendidos; nṛmṇam — transcendentalmente agradável em todos os sentidos; śaraṇyam — a pessoa que é digna de receber nossa rendição; karuṇā — misericordioso como; arṇavam — o oceano.

Tradução

Nārada Muni continuou: A forma do Senhor é sempre jovem. Todo membro e cada parte do Seu corpo são corretamente formados, livres de defeitos. Seus olhos e lábios são rosados como o sol nascente. Ele está sempre disposto a dar abrigo à alma rendida, e qualquer pessoa que tenha a fortuna de contemplá-lO sente completa satisfação. O Senhor é sempre digno de ser o mestre da alma rendida, pois Ele é o oceano de misericórdia.

Comentário

SIGNIFICADO­—Todos são obrigados a render-se a alguém superior. Esta é sempre a natureza de nossa condição de vida. No momento atual, estamos tentando nos render a alguém – à sociedade, à nossa pátria, à família, ao estado ou ao governo. O processo de rendição já existe, mas nunca é perfeito porque a pessoa ou a instituição às quais nos rendemos são imperfeitos, e nossa rendição, tendo tantas motivações ocultas, também é imperfeita. De tal modo, no mundo material ninguém é digno de aceitar a rendição de ninguém, tampouco alguém se rende plenamente a outrem, a não ser que seja obrigado a fazê-lo. Aqui, porém, o processo de rendição é voluntário, e o Senhor é digno de aceitar a rendição. Essa rendição da entidade viva ocorre automaticamente, logo que ela vê a natureza bela e jovial do Senhor.

A descrição dada por Nārada Muni não é imaginária. A forma do Senhor é compreendida através do sistema paramparā. Os filósofos māyāvādīs dizem que precisamos imaginar a forma do Senhor, mas aqui Nārada Muni não diz isso. Pelo contrário, ele descreve o Senhor de acordo com fontes autorizadas. Ele próprio é uma autoridade e é capaz de ir a Vaikuṇṭhaloka e ver o Senhor pessoalmente; portanto, sua descrição da aparência corpórea do Senhor não é imaginação. Às vezes, instruímos nossos estudantes sobre a aparência corpórea do Senhor, e eles O pintam. Suas pinturas não são imaginárias. A descrição é dada através da sucessão discipular, assim como aquela dada por Nārada Muni, que vê o Senhor e descreve Sua aparência corpórea. Portanto, tais descrições devem ser aceitas, e, se as pintam, tais pinturas não são frutos da imaginação.

Texto

śrīvatsāṅkaṁ ghana-śyāmaṁ
puruṣaṁ vana-mālinam
śaṅkha-cakra-gadā-padmair
abhivyakta-caturbhujam

Sinônimos

śrīvatsa-aṅkam — a marca de Śrīvatsa no peito do Senhor; ghana-śyāmam — de cor azulada profunda; puruṣam — a Pessoa Suprema; vana-mālinam — com uma guirlanda de flores; śaṅkha — búzio; cakra — roda; gadā — maça; padmaiḥ — flor de lótus; abhivyakta — manifesta; catuḥ-bhujam — de quatro mãos.

Tradução

Descreve-se ainda o Senhor como portador da marca de Śrīvatsa, ou o assento da deusa da fortuna, e Sua compleição corpórea é de cor azulada profunda. O Senhor é uma pessoa, usa guirlanda de flores e manifesta-Se eternamente com quatro mãos, que seguram [começando da mão esquerda inferior] o búzio, a roda, a maça e a flor de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO­—Aqui, neste verso, a palavra puruṣam é muito significativa. O Senhor nunca é feminino. Ele é sempre masculino (puruṣa). Portanto, o impersonalista que imagina a forma do Senhor como a de uma mulher está enganado. O Senhor aparece sob uma forma feminina se necessário, mas Sua forma perpétua é puruṣa, porque Ele é originalmente masculino. O aspecto feminino do Senhor é exibido pelas deusas da fortuna – Lakṣmī, Rādhārāṇī, Sītā etc. Todas essas deusas da fortuna são servas do Senhor; elas não são o Supremo, como imaginam falsamente os impersonalistas. O Senhor Kṛṣṇa, sob Seu aspecto de Nārāyaṇa, sempre tem quatro mãos. No Campo de Batalha de Kurukṣetra, quando Arjuna quis ver Sua forma universal, Ele mostrou esse aspecto de Nārāyaṇa com quatro mãos. Certos devotos opinam que Kṛṣṇa é uma encarnação de Nārāyaṇa, mas a escola bhāgavata diz que Nārāyaṇa é uma manifestação de Kṛṣṇa.

Texto

kirīṭinaṁ kuṇḍalinaṁ
keyūra-valayānvitam
kaustubhābharaṇa-grīvaṁ
pīta-kauśeya-vāsasam

Sinônimos

kirīṭinam — o Senhor está decorado com um elmo incrustado de joias; kuṇḍalinam — com brincos de pérola; keyūra — colar incrustado de joias; valaya-anvitam — com braceletes incrustados de joias; kaustubha-ābharaṇa-grīvam — Seu pescoço é decorado pela joia Kaustubha; pīta-kauśeya-vāsasam — e Ele Se veste com roupas de seda amarela.

Tradução

Todo o corpo da Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva, é enfeitado. Ele usa um precioso elmo incrustado de joias, colares e braceletes, Seu pescoço é adornado com a joia Kaustubha, e Ele Se veste com roupas de seda amarela.

Texto

kāñcī-kalāpa-paryastaṁ
lasat-kāñcana-nūpuram
darśanīyatamaṁ śāntaṁ
mano-nayana-vardhanam

Sinônimos

kāñcī-kalāpa — pequenos sinos; paryastam — rodeando a cintura; lasat-kāñcana-nūpuram — Suas pernas são decoradas com sinos de tornozelo dourados; darśanīya-tamam — a feição sobre-excelente; śāntam — pacífico, calmo e tranquilo; manaḥ-nayana-vardhanam — muito agradável aos olhos e à mente.

Tradução

O Senhor está decorado com pequenos sinos dourados em volta de Sua cintura, e Seus pés de lótus são enfeitados com sinos de tornozelo dourados. Todos os aspectos de Seu corpo são muito atrativos e agradáveis aos olhos. Ele é sempre pacífico, calmo e tranquilo e muito agradável aos olhos e à mente.

Texto

padbhyāṁ nakha-maṇi-śreṇyā
vilasadbhyāṁ samarcatām
hṛt-padma-karṇikā-dhiṣṇyam
ākramyātmany avasthitam

Sinônimos

padbhyām — por Seus pés de lótus; nakha-maṇi-śreṇyā — à luz das unhas semelhantes a joias nos dedos dos pés; vilasadbhyām — reluzentes pés de lótus; samarcatām — pessoas que se dedicam a adorá-los; hṛt-padma-karṇikā — o verticilo da flor de lótus do coração; dhiṣṇyam — situado; ākramya — apoderando-se; ātmani — no coração; avasthitam — situado.

Tradução

Os verdadeiros yogīs meditam na forma transcendental do Senhor enquanto Ele permanece no verticilo do lótus de seus corações, à luz das unhas semelhantes a joias de Seus pés de lótus.

Texto

smayamānam abhidhyāyet
sānurāgāvalokanam
niyatenaika-bhūtena
manasā varadarṣabham

Sinônimos

smayamānam — o sorriso do Senhor; abhidhyāyet — deve-se meditar nEle; sa-anurāga-avalokanam — aquele que olha para os devotos com grande afeição; niyatena — dessa maneira, regularmente; eka-bhūtena — com grande atenção; manasā — com a mente; vara-da-ṛṣabham — deve-se meditar no maior outorgador de bênçãos.

Tradução

O Senhor está sempre sorrindo, e o devoto deve constantemente ver o Senhor nessa forma, na qual Ele olha muito misericordiosamente para o devoto. Dessa maneira, o meditador deve contemplar a Suprema Personalidade de Deus, o outorgador de todas as bênçãos.

Comentário

SIGNIFICADO­—A palavra niyatena é muito significativa a este respeito, pois indica que se deve executar a prática da meditação da maneira acima referida. Não devemos inventar um método de meditação na Suprema Personalidade de Deus, senão que devemos seguir os śāstras e personalidades autorizados. Mediante esse método prescrito, podemos praticar a concentração no Senhor até estarmos tão fixos que alcancemos o transe, pensando sempre na forma do Senhor. A palavra usada aqui é eka-bhūtena, significando “com grande atenção e concentração”. Quem se concentrar nas descrições das características corpóreas do Senhor jamais cairá.

Texto

evaṁ bhagavato rūpaṁ
subhadraṁ dhyāyato manaḥ
nirvṛtyā parayā tūrṇaṁ
sampannaṁ na nivartate

Sinônimos

evaṁ — assim; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; rūpam — forma; su-bhadram — muito auspiciosa; dhyāyataḥ — meditando; manaḥ — a mente; nirvṛtyā — libertando-se de toda a contaminação material; parayā — transcendental; tūrṇam — muito prontamente; sampannam — sendo enriquecido; na — nunca; nivartate — decai.

Tradução

Aquele que medita dessa maneira, concentrando a mente na forma sempre auspiciosa do Senhor, liberta-se muito prontamente de toda a contaminação material e não decai da meditação no Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO­—Essa meditação fixa se chama samādhi, ou transe. Uma pessoa constantemente ocupada em transcendental serviço amoroso ao Senhor não pode desviar-se da meditação na forma do Senhor, como se descreve neste verso. O arcana-mārga, ou o caminho devocional prescrito no sistema pāñcarātra de serviço devocional para adorar a Deidade no templo, faz com que o devoto pense constantemente no Senhor; isso é samādhi, ou transe. Aquele que pratica dessa maneira não pode desviar-se do serviço ao Senhor, e isso o torna perfeito na missão da vida humana.

Texto

japaś ca paramo guhyaḥ
śrūyatāṁ me nṛpātmaja
yaṁ sapta-rātraṁ prapaṭhan
pumān paśyati khecarān

Sinônimos

japaḥ ca — o mantra a ser cantado em relação a isso; paramaḥ — muitíssimo; guhyaḥ — confidencial; śrūyatām — por favor, ouve; me — de mim; nṛpa-ātmaja — ó filho do rei; yam — o qual; sapta-rātram — sete noites; prapaṭhan — cantando; pumān — uma pessoa; paśyati — pode ver; khe-carān — seres humanos que viajam no espaço.

Tradução

Ó filho do rei, agora eu te falarei o mantra que deve ser entoado juntamente com este processo de meditação. Aquele que cuidadosamente entoa este mantra por sete noites pode ver os seres humanos perfeitos que voam pelo céu.

Comentário

SIGNIFICADO­—Dentro deste universo, existe um planeta chamado Siddhaloka. Os habitantes de Siddhaloka são, por natureza, perfeitos nas conquistas do yoga, que são de oito variedades: uma pessoa pode tornar-se menor que o menor, mais leve que o mais leve, ou maior que o maior; pode imediatamente obter qualquer coisa que deseje, pode inclusive criar um planeta etc. Essas são algumas das perfeições ióguicas. Em virtude do laghimā-siddhi, ou processo purificatório para tornar-se mais leve que o mais leve, os habitantes de Siddhaloka podem voar pelo céu sem aviões ou aeronaves. Nesta passagem, Nārada Muni dá a entender a Dhruva Mahārāja que, meditando na forma transcendental do Senhor e, ao mesmo tempo, entoando o māntra, uma pessoa torna-se tão perfeita que, dentro de sete dias, pode ver os seres humanos que voam pelo céu. Nārada Muni usa a palavra japaḥ, indicando que o mantra a ser entoado é muito confidencial. Talvez alguém pergunte: “Se é confidencial, por que é mencionado nos escritos do Śrīmad-Bhāgavatam?” Ele é confidencial neste sentido: pode-se receber um mantra publicado em qualquer parte, mas, a menos que seja aceito através da corrente de sucessão discipular, o mantra não tem efeito. Fontes autorizadas dizem que qualquer mantra entoado sem ter sido recebido da sucessão discipular não tem eficácia.

Outro ponto estabelecido neste verso é que a meditação deve ser executada juntamente com o cantar de um mantra. O cantar do mantra Hare Kṛṣṇa é o processo mais fácil de meditação nesta era. Tão logo alguém cante o mantra Hare Kṛṣṇa, ele vê as formas de Kṛṣṇa, Rāma e Suas energias, e essa é a fase perfeita de transe. Não se deve tentar artificialmente ver a forma do Senhor enquanto se canta Hare Kṛṣṇa, porém, quando o cantar for executado sem ofensas, o Senhor Se revelará automaticamente à visão de quem o canta. Portanto, aquele que canta tem de se concentrar em ouvir a vibração, e, sem esforço extra de sua parte, o Senhor aparecerá automaticamente.

Texto

oṁ namo bhagavate vāsudevāya
mantreṇānena devasya
kuryād dravyamayīṁ budhaḥ
saparyāṁ vividhair dravyair
deśa-kāla-vibhāgavit

Sinônimos

oṁ — ó meu Senhor; namaḥ — ofereço minhas respeitosas reverências; bhagavate — à Suprema Personalidade de Deus; vāsudevāya — ao Senhor Supremo, Vāsudeva; mantreṇa — através deste hino, ou mantra; anena — este; devasya — do Senhor; kuryāt — deve-se fazer; dravyamayīm — física; budhaḥ — aquele que é erudito; saparyām — adoração pelo método prescrito; vividhaiḥ — com variedades; dravyaiḥ — parafernália; deśa — de acordo com a terra; kāla — tempo; vibhāga-vit — aquele que conhece as divisões.

Tradução

Oṁ namo bhagavate vāsudevāya. Este é o mantra de doze sílabas para adorar o Senhor Kṛṣṇa. Devem-se instalar as formas físicas do Senhor e, juntamente com o canto do mantra, devem-se oferecer flores e frutas e outras variedades de alimentos exatamente de acordo com as regras e regulações prescritas pelas autoridades. Mas isso deve ser feito levando em conta lugar, tempo e conveniências e inconveniências concomitantes.

Comentário

SIGNIFICADO­—Oṁ namo bhagavate vāsudevāya é conhecido como o dvādaśākṣara-mantra. Este mantra é cantado pelos devotos vaiṣṇavas, e começa com o praṇava, ou oṁkāra. Há um preceito para os que não são brāhmaṇas de não poderem pronunciar o mantra praṇava. Mas Dhruva Mahārāja nasceu como kṣatriya. Ele imediatamente admitiu diante de Nārada Muni que, como kṣatriya, era incapaz de aceitar a instrução dada por Nārada de desenvolver renúncia e equilíbrio mental, que constituem o interesse do brāhmaṇa. De qualquer modo, embora não fosse brāhmaṇa, mas kṣatriya, a Dhruva foi permitido, com base na autoridade de Nārada, pronunciar o praṇava oṁkāra. Isso é muito significativo. Especialmente na Índia, os brāhmaṇas de casta fazem muitas objeções quando pessoas de outras castas, não nascidas em famílias de brāhmaṇas, recitam este mantra praṇava. Porém, eis aqui a prova tácita de que, se uma pessoa aceita o mantra vaiṣṇava, ou o modo vaiṣṇava de adorar a Deidade, ela tem permissão de cantar o mantra praṇava. Na Bhagavad-gītā, o Senhor pessoalmente aceita que qualquer pessoa, mesmo que seja de espécies inferiores, poderá elevar-se à posição superior e voltar ao lar, voltar ao Supremo, simplesmente se fizer sua adoração de forma adequada.

As regras prescritas, como Nārada Muni afirma aqui, são que se deve aceitar o mantra através de um mestre espiritual fidedigno e ouvir o mantra com o ouvido direito. Não somente deve alguém cantar ou murmurar o mantra, mas também deve ter diante dele a Deidade, ou a forma física do Senhor. Evidentemente, quando o Senhor aparece, a forma já não é física. Por exemplo, quando uma barra de ferro é abrasada no fogo, ela deixa de ser ferro: passa a ser fogo. De modo semelhante, quando fazemos uma forma do Senhor – seja de madeira, de pedra, de metal, ou de joias, ou então em forma de pintura, ou mesmo uma forma dentro da mente –, essa é uma forma transcendental, espiritual e fidedigna do Senhor. Não somente devemos receber o mantra de um mestre espiritual fidedigno, como Nārada Muni ou seu representante na sucessão discipular, mas também devemos cantar o mantra. E não somente devemos cantá-lo, mas também devemos oferecer qualquer alimento disponível na parte do mundo em que vivemos, de acordo com o tempo e conveniências.

O método de adoração – cantar o mantra e preparar as formas do Senhor – não é estereotipado, tampouco é exatamente o mesmo em toda parte. Menciona-se especialmente neste verso que se deve levar em consideração o tempo, o lugar e as conveniências circunstanciais. Nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa está se difundindo em todo o mundo, e também instalamos Deidades em diferentes centros. Às vezes, nossos amigos indianos, inflados com noções inventadas, criticam: “Isso não se faz assim. Aquilo não se faz assim.” Mas eles se esquecem desta instrução de Nārada Muni a um dos maiores vaiṣṇavas, Dhruva Mahārāja. É preciso levar em consideração o tempo, o país e as conveniências em particular. O que é conveniente na Índia pode não ser conveniente nos países ocidentais. Aqueles que não estão realmente na linha dos ācāryas, ou que pessoalmente não sabem como agir no papel de ācārya, desnecessariamente criticam as atividades do movimento ISKCON em países fora da Índia. O fato é que tais críticos nada podem fazer pessoalmente para difundir a consciência de Kṛṣṇa. Se alguém sai e prega, correndo todos os riscos e levando em consideração tempo e lugar, pode ser que proceda com mudanças na maneira de adoração, mas isso não é errado de modo algum, de acordo com o śāstra. Śrīmad Vīrarāghava Ācārya, um ācārya na sucessão discipular do Rāmānuja-sampradāya, aponta em seu comentário que os caṇḍālas, ou almas condicionadas nascidas em famílias inferiores a famílias de śūdras, também podem ser iniciados de acordo com as circunstâncias. Pode ser que se altere levemente as formalidades aqui e ali para transformá-los em vaiṣṇavas.

O Senhor Caitanya Mahāprabhu recomenda que Seu nome deve ser ouvido em todos os cantos do mundo. Como isso é possível a menos que se pregue em toda parte? O culto do Senhor Caitanya Mahāprabhu é o bhāgavata-dharma, e Ele recomenda especialmente kṛṣṇa-kathā, ou o culto da Bhagavad-gītā e do Śrīmad-Bhāgavatam. Ele recomenda que todos os indianos, considerando que esta tarefa é para-upakāra, ou uma atividade beneficente, levem a mensagem do Senhor aos outros habitantes do mundo. “Outros habitantes do mundo” não se refere somente àqueles que são exatamente como os brāhmaṇas e kṣatriyas indianos, ou como os brāhmaṇas de casta, que alegam ser brāhmaṇas por terem nascido em famílias de brāhmaṇas. O princípio de que somente indianos e hindus devem ser introduzidos ao culto vaiṣṇava é uma ideia errônea. Deve haver propaganda para levar todas as pessoas ao culto vaiṣṇava. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa destina-se a esse propósito. Não há barreiras na propagação do movimento para a consciência de Kṛṣṇa mesmo entre pessoas nascidas em famílias de caṇḍālas, mlecchas ou yavanas. Mesmo na Índia, este ponto é enunciado por Śrīla Sanātana Gosvāmī em seu livro Hari-bhakti-vilāsa, que é smṛti e é o guia védico autorizado para os vaiṣṇavas em seu comportamento diário. Sanātana Gosvāmī diz que o bronze pode transformar-se em ouro quando misturado com mercúrio em determinado processo químico; da mesma forma, através da dīkṣā (ou método de iniciação) fidedigna, qualquer pessoa pode transformar-se em vaiṣṇava. Deve-se receber a iniciação de um mestre espiritual fidedigno, proveniente da sucessão discipular, que seja autorizado por seu mestre espiritual predecessor. Isso se chama dīkṣā-vidhāna. O Senhor Kṛṣṇa afirma na Bhagavad-gītā que vyapāśritya: deve-se aceitar um mestre espiritual. Mediante esse processo, o mundo inteiro poderá converter-se à consciência de Kṛṣṇa.

Texto

salilaiḥ śucibhir mālyair
vanyair mūla-phalādibhiḥ
śastāṅkurāṁśukaiś cārcet
tulasyā priyayā prabhum

Sinônimos

salilaiḥ — pelo uso de água; śucibhiḥ — estando purificada; mālyaiḥ — por guirlandas; vanyaiḥ — de flores silvestres; mūla — raízes; phala-ādibhiḥ — por diferentes tipos de legumes e frutas; śasta — a grama recém-brotada; aṅkura — botões; aṁśukaiḥ — por cascas de árvores, tais como a bhūrja; ca — e; arcet — deve adorar; tulasyā — pelas folhas de tulasī; priyayā — que são muito queridas pelo Senhor; prabhum — o Senhor.

Tradução

Deve-se adorar o Senhor oferecendo-Lhe água pura, guirlandas de flores puras, frutas, flores e legumes, disponíveis na floresta, ou colhendo gramíneas recém-brotadas, pequenos botões de flores ou até mesmo cascas de árvores, e, se possível, oferecendo-Lhe folhas de tulasī, que são muito queridas pela Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—Aqui se menciona especificamente que as folhas de tulasī são muito queridas pela Suprema Personalidade de Deus, e os devotos devem ter o cuidado específico de ter folhas de tulasī em todos os templos e centros de adoração. Nos países ocidentais, ao nos ocuparmos em propagar o movimento para a consciência de Kṛṣṇa, ficamos muito infelizes porque não pudemos encontrar folhas de tulasī. Ficamos muito agradecidos, portanto, à nossa discípula Śrīmatī Govinda Dāsī porque ela teve muito zelo em plantar tulasīs a partir da semente, e foi bem-sucedida pela graça de Kṛṣṇa. Agora, há plantas tulasī crescendo em quase todos os centros de nosso movimento.

As folhas de tulasī são muito importantes no método de adorar à Suprema Personalidade de Deus. Neste verso, a palavra salilaiḥ significa “pela água”. Evidentemente, Dhruva Mahārāja estava fazendo sua adoração às margens do Yamunā. O Yamunā e o Ganges são sagrados, e às vezes os devotos na Índia insistem que a Deidade deve ser adorada com água do Ganges ou do Yamunā. Aqui, no entanto, encontramos o termo deśa-kāla, que significa “de acordo com o tempo e a terra”. Nos países ocidentais, não há rio Yamunā ou Ganges – a água desses rios sagrados não está disponível. Acaso isso significa que a adoração, a arcā, por esta razão, deve ser interrompida? Não. Salilaiḥ se refere a qualquer água – qualquer uma que esteja disponível –, mas deve estar muito limpa e deve ser colhida em condições puras. Essa água pode ser usada. O resto da parafernália – a guirlanda de flores, as frutas e os legumes – deve ser colhido de acordo com o país e de acordo com a sua disponibilidade. As folhas de tulasī são muito importantes para satisfazer o Senhor, de modo que, na medida do possível, deve ser feito um arranjo para se plantar tulasīs. Dhruva Mahārāja foi aconselhado a adorar o Senhor com as frutas e flores disponíveis na floresta. Na Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa francamente diz que aceita legumes, frutas, flores etc. Não se deve oferecer nada ao Senhor Vāsudeva além do que é prescrito aqui pela grande autoridade Nārada Muni. Não podemos fazer oferendas à Deidade de acordo com nosso capricho; uma vez que essas frutas e legumes estão disponíveis em qualquer parte do universo, devemos observar este pequeno ponto muito atentamente.

Texto

labdhvā dravyamayīm arcāṁ
kṣity-ambv-ādiṣu vārcayet
ābhṛtātmā muniḥ śānto
yata-vāṅ mita-vanya-bhuk

Sinônimos

labdhvā — obtendo; dravya-mayīm — feita de elementos físicos; arcām — Deidade adorável; kṣiti — terra; ambu — água; ādiṣu — começando com; — ou; arcayet — adoração; ābhṛta-ātmā — aquele que é plenamente autocontrolado; muniḥ — uma grande personalidade; śāntaḥ — pacificamente; yata-vāk — controlando a força da fala; mita — frugal; vanya-bhuk — comendo qualquer coisa que esteja disponível na floresta.

Tradução

É possível adorar uma forma do Senhor feita de elementos físicos tais como terra, água, polpa, madeira e metal. Na floresta, pode-se fazer uma forma com nada mais do que terra e água e adorá-la de acordo com os princípios acima. O devoto que tem pleno controle sobre si mesmo deve ser muito sóbrio e pacífico e deve contentar-se simplesmente em comer as frutas e os vegetais disponíveis na floresta.

Comentário

SIGNIFICADO­—É essencial para um devoto adorar a forma do Senhor, e não somente meditar na forma do Senhor dentro de sua mente com o cantar do mantra dado pelo mestre espiritual. A adoração da forma deve estar presente. O impersonalista se dá ao incômodo desnecessário de meditar em algo impessoal ou adorar algo impessoal, e o caminho é muito precário. Somos desaconselhados a seguir o método de meditar ou adorar o Senhor à maneira impersonalista. Dhruva Mahārāja foi aconselhado a adorar uma forma feita de terra e água, pois, na floresta, se não é possível ter uma forma feita de metal, madeira ou pedra, o melhor processo é pegar terra misturada com água, com essa mistura fazer uma forma do Senhor e adorá-lO. O devoto não deve ficar ansioso acerca de cozinhar alimentos; qualquer coisa disponível na floresta ou na cidade na categoria das frutas e dos vegetais deve ser oferecida à Deidade, e o devoto deve contentar-se comendo isso. Ele não deve estar ansioso de ter guloseimas saborosas. Evidentemente, onde quer que seja possível, devem-se oferecer às Deidades os melhores alimentos, preparados dentro da categoria das frutas e dos vegetais, cozidos ou crus. O fator importante é que o devoto deve ser regulado (mita-bhuk); essa é uma das boas qualificações de um devoto. Ele não deve ansiar por satisfazer a língua com um tipo de alimento em particular. Deve contentar-se em comer qualquer prasāda disponível pela graça do Senhor.

Texto

svecchāvatāra-caritair
acintya-nija-māyayā
kariṣyaty uttamaślokas
tad dhyāyed dhṛdayaṅ-gamam

Sinônimos

sva-icchā — por Sua própria vontade suprema; avatāra — encarnação; caritaiḥ — atividades; acintya — inconcebíveis; nija-māyayā — por Sua própria potência; kariṣyati — executa; uttama-ślokaḥ — a Suprema Personalidade de Deus; tat — esta; dhyāyet — deve-se meditar; hṛdayam-gamam — muito atrativas.

Tradução

Meu querido Dhruva, além de adorar a Deidade e cantar o mantra três vezes por dia, deves meditar nas atividades transcendentais da Suprema Personalidade de Deus sob Suas diferentes encarnações, como são manifestas por Sua vontade suprema e por Suas potências pessoais.

Comentário

SIGNIFICADO­—O serviço devocional compreende nove práticas prescritas: ouvir, cantar, lembrar, adorar, servir, oferecer tudo à Deidade etc. Aqui, Dhruva Mahārāja é aconselhado não somente a meditar na forma do Senhor, mas também a pensar em Seus passatempos transcendentais sob Suas diferentes encarnações. Os filósofos māyāvādīs consideram que a encarnação do Senhor está na mesma categoria que a entidade viva comum. Isso é um grande equívoco. A encarnação da Suprema Personalidade de Deus não é forçada a agir segundo as leis da natureza material. A palavra svecchā é usada aqui para indicar que Ele aparece por Sua vontade suprema. A alma condicionada é forçada a aceitar uma espécie particular de corpo, de acordo com seu karma, dado pelas leis da natureza material sob a direção do Senhor Supremo. Porém, quando o Senhor aparece, Ele não é forçado pelo ditame da natureza material: Ele aparece como bem entende, através de Sua própria potência interna. Essa é a diferença. A alma condicionada aceita uma espécie particular de corpo, tal como um corpo de porco, através de seu trabalho e pela autoridade superior da natureza material. No entanto, quando o Senhor Kṛṣṇa aparece sob a encarnação de um javali, Ele não é o mesmo tipo de porco que um animal comum. Kṛṣṇa aparece como Varāha-avatāra sob um aspecto expansivo que não pode ser comparado ao de um porco comum. Seu aparecimento e desaparecimento são inconcebíveis para nós. A Bhagavad-gītā diz claramente que Ele aparece através de Sua própria potência interna para proteger os devotos e aniquilar os não-devotos. O devoto deve sempre considerar que Kṛṣṇa não aparece como um ser humano comum ou como uma fera ordinária: Seu aparecimento como Varāha-mūrti, ou como cavalo ou tartaruga, é uma manifestação de Sua potência interna. Na Brahma-saṁhitā, afirma-se que ānanda-cinmaya-rasa-pratibhāvitābhiḥ: não se deve confundir o aparecimento do Senhor como um ser humano ou uma fera com o nascimento de uma alma condicionada comum, que é forçada a aparecer pelas leis da natureza, seja como animal, como ser humano ou como semideus. Pensar assim é ofensivo. O Senhor Caitanya Mahāprabhu condena os māyāvādīs como ofensores à Suprema Personalidade de Deus por eles pensarem que o Senhor e as entidades vivas condicionadas são a mesma coisa.

Nārada aconselha Dhruva a meditar nos passatempos do Senhor, o que equivale à meditação de concentrar a mente na forma do Senhor. Meditar em qualquer forma do Senhor é algo valioso, tanto quanto o é cantar diferentes nomes do Senhor, tais como Hari, Govinda e Nārāyaṇa. Mas, nesta era, somos especialmente aconselhados a cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, conforme enunciado no śāstra: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.

Texto

paricaryā bhagavato
yāvatyaḥ pūrva-sevitāḥ
tā mantra-hṛdayenaiva
prayuñjyān mantra-mūrtaye

Sinônimos

paricaryāḥ — serviço; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; yāvatyaḥ — como são prescritas (conforme mencionado acima); pūrva-sevitāḥ — recomendado ou feito pelos ācāryas anteriores; tāḥ — isto; mantra — hinos; hṛdayena — dentro do coração; eva — certamente; prayuñjyāt — deve-se adorar; mantra-mūrtaye — que não é diferente do mantra.

Tradução

Devem-se seguir os passos dos devotos anteriores no que diz respeito a como adorar o Senhor Supremo com a parafernália prescrita, ou deve-se oferecer adoração dentro do coração, recitando o mantra para a Personalidade de Deus, que não é diferente do mantra.

Comentário

SIGNIFICADO­—Aqui se recomenda que, mesmo que alguém não possa providenciar a adoração às formas do Senhor com toda a parafernália recomendada, ele pode simplesmente pensar na forma do Senhor e, mentalmente, oferecer-Lhe tudo o que é recomendado nos śāstras, incluindo flores, polpa de candana, búzio, guarda-sol, abano e cāmara. A pessoa pode meditar que oferece e cantar o mantra de doze sílabas, oṁ namo bhagavate vāsudevāya. Uma vez que o mantra e a Suprema Personalidade de Deus não são diferentes, pode-se adorar a forma do Senhor com o mantra na ausência da parafernália física. A história do brāhmaṇa que adorou o Senhor mentalmente, relatada no Bhakti-rasāmṛta-sindhu, ou O Néctar da Devoção, deve ser consultada a este respeito. Se a parafernália não está presente fisicamente, pode-se pensar nos objetos e oferecê-los à Deidade, cantando o mantra. São essas as facilidades liberais e potentes no processo de serviço devocional.

Texto

evaṁ kāyena manasā
vacasā ca mano-gatam
paricaryamāṇo bhagavān
bhaktimat-paricaryayā
puṁsām amāyināṁ samyag
bhajatāṁ bhāva-vardhanaḥ
śreyo diśaty abhimataṁ
yad dharmādiṣu dehinām

Sinônimos

evam — assim; kāyena — pelo corpo; manasā — pela mente; vacasā — pelas palavras; ca — também; manaḥ-gatam — simplesmente pensando no Senhor; paricaryamāṇaḥ — ocupada em serviço devocional; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; bhaktimat – de acordo com os princípios reguladores do serviço devocional; paricaryayā — adorando o Senhor; puṁsām — do devoto; amāyinām — que é sincera e séria; samyak — perfeitamente; bhajatām — ocupada em serviço devocional; bhāva-vardhanaḥ — o Senhor, que aumenta o êxtase do devoto; śreyaḥ — meta final; diśati — outorga; abhimatam — desejo; yat — como eles são; dharma-ādiṣu — no que diz respeito à vida espiritual e ao desenvolvimento econômico; dehinām — das almas condicionadas.

Tradução

Qualquer pessoa que desse modo se ocupe em serviço devocional ao Senhor, séria e sinceramente, com mente, palavras e corpo, e que esteja fixa nas atividades dos métodos devocionais prescritos, é abençoada pelo Senhor de acordo com seu desejo. Se um devoto deseja religiosidade material, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos ou liberação do mundo material, ele recebe esses resultados.

Comentário

SIGNIFICADO­—O serviço devocional é tão potente que quem presta serviço devocional pode receber qualquer coisa que deseje como bênção da Suprema Personalidade de Deus. As almas condicionadas estão muitíssimo apegadas ao mundo material, e assim, executando ritos religiosos, elas desejam os benefícios materiais conhecidos como dharma e artha.

Texto

viraktaś cendriya-ratau
bhakti-yogena bhūyasā
taṁ nirantara-bhāvena
bhajetāddhā vimuktaye

Sinônimos

viraktaḥ ca — ordem de vida inteiramente renunciada; indriya-ratau — quanto ao gozo dos sentidos; bhakti-yogena — pelo processo de serviço devocional; bhūyasā — com grande seriedade; tam — a Ele (o Supremo); nirantara — constantemente, vinte e quatro horas por dia; bhāvena — na mais elevada fase de êxtase; bhajeta — deve adorar; addhā — diretamente; vimuktaye — para a liberação.

Tradução

Quem é sério quanto à liberação deve dedicar-se com afinco ao processo do transcendental serviço amoroso, ocupando-se vinte e quatro horas por dia na fase mais elevada de êxtase, e deve certamente afastar-se de todas as atividades de gozo dos sentidos.

Comentário

SIGNIFICADO­—Há diferentes fases de perfeição de acordo com os objetivos de diferentes pessoas. De um modo geral, as pessoas são karmīs, pois se ocupam em atividades de gozo dos sentidos. Acima dos karmīs, estão os jñānīs, que procuram libertar-se do enredamento material. Os yogīs são ainda mais avançados porque meditam nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. E, acima de todos esses, estão os devotos, que simplesmente se ocupam no transcendental serviço amoroso ao Senhor; eles estão situados seriamente na mais elevada plataforma de êxtase.

Nesta passagem, o conselho dado a Dhruva Mahārāja é que, caso ele não tenha desejo de gozo dos sentidos, deve ocupar-se diretamente em transcendental serviço amoroso ao Senhor. O caminho de apavarga, ou liberação, começa a partir da fase chamada mokṣa. Neste verso, menciona-se especialmente a palavra vimuktaye, “para a liberação”. Se alguém deseja ser feliz neste mundo material, pode aspirar a ir aos diferentes sistemas planetários materiais onde há um padrão superior de gozo dos sentidos, mas o verdadeiro mokṣa, ou liberação, alcança-se sem qualquer desejo semelhante a esse. O Bhakti-rasāmṛta-sindhu explica isso por meio do termo anyābhilāitā-śūnyam, “sem desejo de gozo material dos sentidos”. Para pessoas que ainda estão propensas a desfrutar da vida material em diferentes fases ou em diferentes planetas, não se recomenda a fase de liberação em bhakti-yoga. Somente pessoas inteiramente livres da contaminação do gozo dos sentidos podem executar muito puramente o bhakti-yoga, ou o processo de serviço devocional. As atividades no caminho de apavarga até as fases de dharma, artha e kāma destinam-se ao gozo dos sentidos, mas, quando chega à fase de mokṣa, a liberação impersonalista, o praticante deseja fundir-se na existência do Supremo. Mas isso também é gozo dos sentidos. Contudo, aquele que se eleva acima da fase de liberação torna-se imediatamente um dos associados do Senhor, para prestar-Lhe transcendental serviço amoroso. Chama-se a isso, tecnicamente, de vimukti. Para essa liberação específica vimukti, Nārada Muni recomenda que nos ocupemos diretamente em serviço devocional.

Texto

ity uktas taṁ parikramya
praṇamya ca nṛpārbhakaḥ
yayau madhuvanaṁ puṇyaṁ
hareś caraṇa-carcitam

Sinônimos

iti — assim; uktaḥ — sendo falado; tam — a ele (Nārada Muni); parikramya — circum-ambulando; praṇamya — oferecendo reverências; ca — também; nṛpa-arbhakaḥ — o filho do rei; yayau — dirigiu-se a; madhuvanam — a floresta em Vṛndāvana conhecida como Madhuvana; puṇyam — que é auspiciosa e piedosa; hareḥ — do Senhor; caraṇa-carcitam — marcada pelos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa.

Tradução

Quando Dhruva Mahārāja, o filho do rei, foi assim aconselhado pelo grande sábio Nārada, ele circum-ambulou Nārada, seu mestre espiritual, e ofereceu-lhe respeitosas reverências. Em seguida, ele partiu rumo a Madhuvana, que está sempre marcada pelas pegadas de lótus do Senhor Kṛṣṇa e que, portanto, é especialmente auspiciosa.

Texto

tapo-vanaṁ gate tasmin
praviṣṭo ’ntaḥ-puraṁ muniḥ
arhitārhaṇako rājñā
sukhāsīna uvāca tam

Sinônimos

tapaḥ-vanam — o caminho da floresta onde Dhruva Mahārāja executou suas austeridades; gate — tendo-se aproximado assim; tasmin — lá; praviṣṭaḥ — tendo entrado; antaḥ-puram — dentro da casa privada; muniḥ — o grande sábio Nārada; arhita — sendo adorado; arhaṇakaḥ — por comportamento respeitoso; rājñā — pelo rei; sukha-āsīnaḥ — quando ele se sentou confortavelmente em seu assento; uvāca — disse; tam — a ele (o rei).

Tradução

Depois que Dhruva entrou na floresta Madhuvana para executar serviço devocional, o grande sábio Nārada julgou prudente ir ter com o rei e ver como ele passava em seu palácio. Quando Nārada Muni aproximou-se do palácio, o rei o recebeu adequadamente, oferecendo-lhe as devidas reverências. Após sentar-se confortavelmente, Nārada começou a falar.

Texto

nārada uvāca
rājan kiṁ dhyāyase dīrghaṁ
mukhena pariśuṣyatā
kiṁ vā na riṣyate kāmo
dharmo vārthena saṁyutaḥ

Sinônimos

nāradaḥ uvāca — o grande sábio Nārada Muni disse; rājan — meu querido rei; kim — o que; dhyāyase — pensando em; dīrgham — muito profundamente; mukhena — com teu rosto; pariśuṣyatā — como que murchando; kim — acaso; na — não; riṣyate — sendo perdido; kāmaḥ — gozo dos sentidos; dharmaḥ — rituais religiosos; — ou; arthena — com desenvolvimento econômico; saṁyutaḥ — junto com.

Tradução

O grande sábio Nārada perguntou: Meu querido rei, teu rosto parece estar murchando, e parece que vens pensando em algo por muitíssimo tempo. Por que isso? Foste impedido de seguir teu caminho de ritos religiosos, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos?

Comentário

SIGNIFICADO­—As quatro fases de avanço da civilização humana são: religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e, para alguns, a fase de liberação. Nārada Muni não perguntou ao rei sobre sua liberação, mas somente sobre a administração do estado, que se destina ao avanço dos três princípios de religiosidade, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos. Uma vez que aqueles que se ocupam em tais atividades não estão interessados em liberação, Nārada não perguntou ao rei sobre isso. A liberação é para pessoas que perderam todo o interesse em cerimônias ritualísticas religiosas, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos.

Texto

rājovāca
suto me bālako brahman
straiṇenākaruṇātmanā
nirvāsitaḥ pañca-varṣaḥ
saha mātrā mahān kaviḥ

Sinônimos

rājā uvāca — o rei respondeu; sutaḥ — filho; me — meu; bālakaḥ — menino muito novo; brahman — meu querido brāhmaṇa; straiṇena — alguém que é demasiadamente apegado à sua esposa; akaruṇā-ātmanā — alguém que tem o coração muito duro e sem misericórdia; nirvāsitaḥ — está banido; pañca-varṣaḥ — embora o menino tenha cinco anos; saha — com; mātrā — mãe; mahān — grande personalidade; kaviḥ — devoto.

Tradução

O rei respondeu: Ó melhor dos brāhmaṇas, sou muito apegado à minha esposa, e sou tão caído que abandonei todo o comportamento misericordioso, mesmo para com meu filho, que tem apenas cinco anos. Eu bani meu filho e sua mãe, muito embora ele seja uma grande alma e um grande devoto.

Comentário

SIGNIFICADO­—Neste verso, há algumas palavras específicas que devem ser compreendidas com muito cuidado. O rei disse que, como era muito apegado à sua esposa, perdera toda a sua misericórdia. Esse é o resultado de tornar-se demasiadamente afetuoso com mulheres. O rei tinha duas esposas; a primeira esposa era Sunīti, e a segunda, Suruci. Ele era demasiadamente apegado à segunda esposa, de modo que não pôde comportar-se bem com Dhruva Mahārāja. Foi por esse motivo que Dhruva deixou o lar para executar austeridades. Embora, como pai, o rei tivesse afeição por seu filho, ele diminuiu sua afeição por Dhruva Mahārāja porque era demasiadamente apegado à segunda esposa. Agora ele estava arrependido de que tanto Dhruva Mahārāja quanto sua mãe, Sunīti, tenham sido praticamente banidos. Dhruva Mahārāja foi para a floresta, e, como sua mãe estava sendo desprezada pelo rei, ela estava, portanto, quase banida também. O rei se arrependia de ter banido o seu filho, pois Dhruva tinha apenas cinco anos, e um pai não deve banir sua esposa e filhos ou descuidar-se da manutenção deles. Arrependido de sua negligência com Sunīti e seu filho, ele estava taciturno, e seu rosto parecia murcho. Segundo o Manu-smṛti, não se deve abandonar esposa e filhos. No caso de esposa e filhos serem desobedientes e não seguirem os princípios da vida no lar, às vezes podem ser abandonados. Porém, no caso de Dhruva Mahārāja, isso não era aplicável porque Dhruva era bem comportado e obediente. Além disso, ele era um grande devoto. Uma pessoa assim não deve jamais ser desprezada, mas o rei se viu obrigado a bani-lo. Agora ele estava muito pesaroso.

Texto

apy anāthaṁ vane brahman
mā smādanty arbhakaṁ vṛkāḥ
śrāntaṁ śayānaṁ kṣudhitaṁ
parimlāna-mukhāmbujam

Sinônimos

api — certamente; anātham — sem ser protegido por ninguém; vane — na floresta; brahman — meu querido brāhmaṇa; — pode ser ou não; sma — não; adanti — devoraram; arbhakam — o menino desprotegido; vṛkāḥ — lobos; śrāntam — estando fatigado; śayānam — deitado; kṣudhitam — estando faminto; parimlāna — emaciado; mukha-ambujam — seu rosto, que é como uma flor de lótus.

Tradução

Meu querido brāhmaṇa, o rosto do meu filho era como uma flor de lótus. Estou pensando em suas precárias condições. Ele está desprotegido, e talvez esteja com muita fome. Talvez tenha deitado em alguma parte da floresta e os lobos o tenham atacado e comido seu corpo.

Texto

aho me bata daurātmyaṁ
strī-jitasyopadhāraya
yo ’ṅkaṁ premṇārurukṣantaṁ
nābhyanandam asattamaḥ

Sinônimos

aho — ai de mim; me — minha; bata — certamente; daurātmyam — crueldade; strī-jitasya — dominado por uma mulher; upadhāraya — simplesmente pensa sobre mim a este respeito; yaḥ — quem; aṅkam — colo; premṇā — por amor; ārurukṣantam — tentando elevar-se até ele; na — não; abhyanandam — recebi devidamente; asat-tamaḥ — o mais cruel.

Tradução

Ai de mim! Vê só como minha esposa me dominou! Imagina só a minha crueldade! Por amor e afeição, o menino tentava subir em meu colo, mas eu não o recebi, nem sequer o acariciei por um momento. Imagina só quão duro é meu coração.

Texto

nārada uvāca
mā mā śucaḥ sva-tanayaṁ
deva-guptaṁ viśāmpate
tat-prabhāvam avijñāya
prāvṛṅkte yad-yaśo jagat

Sinônimos

nāradaḥ uvāca — o grande sábio Nārada disse; — não; — não; śucaḥ — te aflijas; sva-tanayam — de teu próprio filho; deva-guptam — ele está bem protegido pelo Senhor; viśām-pate — ó senhor da sociedade humana; tat — sua; prabhāvam — influência; avijñāya — sem saber; prāvṛṅkte — amplamente espalhada; yat — cuja; yaśaḥ — reputação; jagat — pelo mundo inteiro.

Tradução

O grande sábio Nārada respondeu: Meu querido rei, não te aflijas quanto a teu filho. Ele está bem protegido pela Suprema Personalidade de Deus. Embora não estejas realmente informado da influência dele, sua reputação já se espalha pelo mundo inteiro.

Comentário

SIGNIFICADO­—Às vezes, quando ouvimos que grandes sábios e devotos vão à floresta e se ocupam em serviço devocional ou meditação, ficamos surpresos: como pode alguém viver na floresta sem o cuidado de ninguém? Contudo, a resposta, dada por uma grande autoridade, Nārada Muni, é que tais pessoas são bem protegidas pela Suprema Personalidade de Deus. Śaraṇāgati, ou rendição, significa aceitar ou crer firmemente que, onde quer que a alma rendida viva, ela está sempre protegida pela Suprema Personalidade de Deus: jamais está sozinha ou desprotegida. O afetuoso pai de Dhruva Mahārāja pensou que seu filho, de apenas cinco anos, estivesse em condições muito precárias na selva, mas Nārada Muni garantiu-lhe: “Não tens informações o suficiente sobre a influência de teu filho.” Quem quer que se ocupe em serviço devocional, em qualquer parte deste universo, jamais fica desprotegido.

Texto

suduṣkaraṁ karma kṛtvā
loka-pālair api prabhuḥ
aiṣyaty acirato rājan
yaśo vipulayaṁs tava

Sinônimos

suduṣkaram – impossível de realizar; karma — trabalho; kṛtvā — após executar; loka-pālaiḥ — por grandes personalidades; api — mesmo; prabhuḥ — bastante competente; aiṣyati — voltará; acirataḥ — sem demora; rājan — meu querido rei; yaśaḥ — reputação; vipulayan — fazendo com que se torne grande; tava — tua.

Tradução

Meu querido rei, teu filho é muito competente. Ele executará atividades que seriam impossíveis mesmo para grandes reis e sábios. Muito em breve, ele terminará sua tarefa e voltará ao lar. Deves saber, também, que ele espalhará tua reputação por todo o mundo.

Comentário

SIGNIFICADO­—Aqui neste verso, Nārada Muni descreve Dhruva Mahārāja como prabhu. Esta palavra é aplicável à Suprema Personalidade de Deus. Às vezes, o mestre espiritual é chamado de Prabhupāda. Prabhu significa “a Suprema Personalidade de Deus”, e pāda significa “posto”. Segundo a filosofia vaiṣṇava, o mestre espiritual ocupa o posto da Suprema Personalidade de Deus, ou, em outras palavras, ele é o representante fidedigno do Senhor Supremo. Dhruva Mahārāja também é descrito aqui como prabhu porque ele é um ācārya da escola vaiṣṇava. Outro significado de prabhu é “senhor dos sentidos”, assim como a palavra svāmī. Outro termo significativo é suduṣkaram, “muito difícil de realizar”. Que tarefa empreendeu Dhruva Mahārāja? A mais difícil tarefa na vida é satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, mas Dhruva Mahārāja seria capaz de realizá-la. Devemos lembrar que Dhruva Mahārāja não era inconstante; ele estava determinado a executar seu serviço e, então, voltar. Todo devoto, portanto, deve determinar-se a, nesta mesma vida, lograr satisfazer a Suprema Personalidade de Deus e, mediante tal processo, voltar ao lar, voltar ao Supremo. Essa é a perfeição da mais elevada missão da vida.

Texto

maitreya uvāca
iti devarṣiṇā proktaṁ
viśrutya jagatī-patiḥ
rāja-lakṣmīm anādṛtya
putram evānvacintayat

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya disse; iti — assim; devarṣiṇā — pelo grande sábio Nārada; proktam — falado; viśrutya — ouvindo; jagatī-patiḥ — o rei; rāja-lakṣmīm — a opulência do seu grande reino; anādṛtya — sem se importar com; putram — seu filho; eva — certamente; anvacintayat — colocou-se a pensar nele.

Tradução

O grande Maitreya continuou: O rei Uttānapāda, após ser aconselhado por Nārada Muni, praticamente abandonou todos os deveres em relação ao seu reino, que era muito vasto e amplo, opulento como a deusa da fortuna, e simplesmente colocou-se a pensar em seu filho Dhruva.

Texto

tatrābhiṣiktaḥ prayatas
tām upoṣya vibhāvarīm
samāhitaḥ paryacarad
ṛṣy-ādeśena pūruṣam

Sinônimos

tatra — depois disso; abhiṣiktaḥ — após banhar-se; prayataḥ — com grande atenção; tām — isto; upoṣya — jejuando; vibhāvarīm — noite; samāhitaḥ — perfeita atenção; paryacarat — adorou; ṛṣi — pelo grande sábio Nārada; ādeśena — como aconselhado; pūruṣam — a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Em outra parte, Dhruva Mahārāja, tendo chegado a Madhuvana, banhou-se no rio Yamunā e jejuou à noite com grande cuidado e atenção. Depois disso, conforme o conselho do grande sábio Nārada, dedicou-se a adorar a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—O significado deste verso em particular é que Dhruva Mahārāja agiu exatamente de acordo com o conselho de seu mestre espiritual, o grande sábio Nārada. Śrīla Viśvanātha Cakravartī também aconselha que, se desejamos ser exitosos em nossa tentativa de voltar ao Supremo, devemos seriamente agir de acordo com as instruções do mestre espiritual. Este é o processo da perfeição. Não é necessário ter ansiedade por alcançar a perfeição, visto que, se alguém seguir a instrução dada pelo mestre espiritual, é certo que alcançará a perfeição. Nossa única preocupação deve ser como cumprir a ordem do mestre espiritual. O mestre espiritual é perito em dar instruções especiais a cada um de seus discípulos, e, se o discípulo cumpre a ordem do mestre espiritual, trilha o caminho de sua perfeição.

Texto

tri-rātrānte tri-rātrānte
kapittha-badarāśanaḥ
ātma-vṛtty-anusāreṇa
māsaṁ ninye ’rcayan harim

Sinônimos

tri — três; rātra-ante — no fim da noite; tri — três; rātra-ante — no fim da noite; kapittha-badara — frutas e amoras silvestres; aśanaḥ — comendo; ātma-vṛtti — só para preservar o corpo; anusāreṇa — aquilo que era o mínimo necessário; māsam — um mês; ninye — se passou; arcayan — adorando; harim — a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Durante o primeiro mês, Dhruva Mahārāja comeu apenas frutas e amoras silvestres a cada três dias, somente para manter-se vivo, e dessa maneira progrediu em sua adoração à Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—Kapittha é uma flor conhecida no vernáculo indiano como kayeta. Não encontramos um equivalente em português para o nome desta flor, mas, de um modo geral, sua fruta não é aceita por seres humanos; ela é comida pelos macacos na floresta. Dhruva Mahārāja, contudo, aceitou tais frutas, não para se banquetear luxuosamente, mas simplesmente para manter-se vivo. O corpo precisa de alimento, mas o devoto não deve aceitar alimento para satisfazer a língua como gozo dos sentidos. Recomenda-se na Bhagavad-gītā que devemos aceitar somente o alimento necessário para manter o corpo saudável, mas não devemos comer por luxo. Dhruva Mahārāja é um ācārya e, submetendo-se a rigorosas austeridades e penitências, ele nos ensina como devemos executar serviço devocional. Devemos cuidadosamente conhecer o processo do serviço de Dhruva Mahārāja: quão severamente ele passou seus dias será demonstrado em versos posteriores. Devemos lembrar sempre que se tornar um devoto genuíno do Senhor não é um empreendimento fácil, mas, nesta era, pela misericórdia do Senhor Caitanya, isso tem se tornado muito fácil. Porém, se não seguimos sequer as instruções liberais do Senhor Caitanya, como podemos esperar desempenhar nossos deveres regulares no serviço devocional? Não é possível nesta era seguir Dhruva Mahārāja em sua austeridade, mas os princípios devem ser seguidos; não devemos menosprezar os princípios reguladores dados por nosso mestre espiritual, pois eles tornam tudo mais fácil para a alma condicionada. Quanto ao nosso movimento ISKCON, simplesmente pedimos que todos sigam as quatro regras proibitivas, cantem dezesseis voltas e, em vez de comer luxuosamente para a satisfação da língua, simplesmente aceitem a prasāda oferecida ao Senhor. Isso não significa que, quando jejuamos, o Senhor também deva jejuar. O Senhor deve receber o melhor alimento possível. Mas não devemos fazer disso uma desculpa para a satisfação de nossa língua. Na medida do possível, devemos aceitar uma comida simples, apenas para manter-nos vivos e executar serviço devocional.

É nosso dever lembrar sempre que, em comparação com Dhruva Mahārāja, somos insignificantes. Não podemos fazer nada semelhante ao que Dhruva Mahārāja fez em busca da autorrealização porque somos absolutamente incompetentes para executar tal serviço. Todavia, pela misericórdia do Senhor Caitanya, recebemos todas as concessões possíveis para esta era, de modo que pelo menos devemos sempre lembrar que a negligência em cumprir nosso dever prescrito no serviço devocional fará com que fracassemos na missão que adotamos. É nosso dever seguir os passos de Dhruva Mahārāja, pois ele era muito determinado. Devemos, também, estar determinados a encerrar nossos deveres na execução do serviço devocional ainda nesta vida; não devemos esperar por outra vida para terminar nossa tarefa.

Texto

dvitīyaṁ ca tathā māsaṁ
ṣaṣṭhe ṣaṣṭhe ’rbhako dine
tṛṇa-parṇādibhiḥ śīrṇaiḥ
kṛtānno ’bhyarcayan vibhum

Sinônimos

dvitīyam — o mês seguinte; ca — também; tathā — como mencionado acima; māsam — mês; ṣaṣṭhe ṣaṣṭhe — a cada seis dias; arbhakaḥ — o menino inocente; dine — em dias; tṛṇa-parṇa-ādibhiḥ — por gramas e folhas; śīrṇaiḥ — que estavam secas; kṛta-annaḥ — fez disso sua comida; abhyarcayan — e assim continuou seu método de adoração; vibhum — para a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

No segundo mês, Dhruva Mahārāja comeu somente a cada seis dias, e ele usava como comestíveis grama e folhas secas. Assim ele continuou sua adoração.

Texto

tṛtīyaṁ cānayan māsaṁ
navame navame ’hani
ab-bhakṣa uttamaślokam
upādhāvat samādhinā

Sinônimos

tṛtīyam — o terceiro mês; ca — também; ānayan — passando; māsam — um mês; navame navame — a cada nono; ahani — no dia; ap-bhakṣaḥ — bebendo apenas água; uttama-ślokam — a Suprema Personalidade de Deus, que é adorada por versos seletos; upādhāvat — adorada; samādhinā — em transe.

Tradução

No terceiro mês, ele bebeu apenas água a cada nove dias. Assim, ele permanecia inteiramente em transe e adorava a Suprema Personalidade de Deus, que é venerada por versos seletos.

Texto

caturtham api vai māsaṁ
dvādaśe dvādaśe ’hani
vāyu-bhakṣo jita-śvāso
dhyāyan devam adhārayat

Sinônimos

caturtham — quarto; api — também; vai — dessa maneira; māsam — o mês; dvādaśe dvādaśe — no décimo segundo; ahani — dia; vāyu — ar; bhakṣaḥ — comendo; jita-śvāsaḥ — controlando o processo respiratório; dhyāyan — meditando; devam — o Senhor Supremo; adhārayat — adorou.

Tradução

No quarto mês, Dhruva Mahārāja desenvolveu total domínio sobre o exercício respiratório e, deste modo, inalava ar somente a cada doze dias. Dessa maneira, ele se fixou completamente em sua posição e adorou a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

pañcame māsy anuprāpte
jita-śvāso nṛpātmajaḥ
dhyāyan brahma padaikena
tasthau sthāṇur ivācalaḥ

Sinônimos

pañcame — no quinto; māsi — no mês; anuprāpte — estando situado; jita-śvāsaḥ — e ainda controlando a respiração; nṛpa-ātmajaḥ — o filho do rei; dhyāyan — meditando; brahma — a Suprema Personalidade de Deus; padā ekena — com uma perna; tasthau — ficou em pé; sthāṇuḥ — tal qual uma coluna; iva — como; acalaḥ — sem movimento.

Tradução

No quinto mês, Mahārāja Dhruva, o filho do rei, já tinha tão perfeito controle de sua respiração que era capaz de ficar em pé sobre apenas uma perna, assim como uma coluna permanece erguida, sem movimento, e concentrar sua mente plenamente no Parabrahman.

Texto

sarvato mana ākṛṣya
hṛdi bhūtendriyāśayam
dhyāyan bhagavato rūpaṁ
nādrākṣīt kiñcanāparam

Sinônimos

sarvataḥ — em todos os sentidos; manaḥ — mente; ākṛṣya — concentrando; hṛdi — no coração; bhūta-indriya-āśayam — lugar de repouso dos sentidos e dos objetos dos sentidos; dhyāyan — meditando; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; rūpam — forma; na adrākṣīt — não viu; kiñcana — nada; aparam — mais.

Tradução

Ele controlou inteiramente os sentidos e seus objetos e, dessa maneira, fixou sua mente na forma da Suprema Personalidade de Deus, não se deixando distrair com nada mais.

Comentário

SIGNIFICADO­—Os princípios ióguicos de meditação são claramente expostos aqui. É preciso fixar a mente na forma da Suprema Personalidade de Deus sem se deixar distrair com qualquer outro objetivo. Não é que possamos meditar ou concentrar-nos em um objetivo impessoal. Tentar fazê-lo é mera perda de tempo, pois, como se explica na Bhagavad-gītā, isso é desnecessariamente incômodo.

Texto

ādhāraṁ mahad-ādīnāṁ
pradhāna-puruṣeśvaram
brahma dhārayamāṇasya
trayo lokāś cakampire

Sinônimos

ādhāram — repouso; mahat-ādīnām — da soma total da matéria conhecida como mahat-tattva; pradhāna — o principal; puruṣa-īśvaram — senhor de todas as entidades vivas; brahma — o Brahman Supremo, a Personalidade de Deus; dhārayamāṇasya — tendo tomado em seu coração; trayaḥ — os três sistemas planetários; lokāḥ — todos os planetas; cakampire — começaram a tremer.

Tradução

Quando Dhruva Mahārāja atraiu assim a Suprema Personalidade de Deus, que é o refúgio da totalidade da criação material e que é o mestre de todas as entidades vivas, os três mundos começaram a tremer.

Comentário

SIGNIFICADO­—Neste verso, a palavra brahma, em particular, é muito significativa. Brahman refere-se àquele que é não somente o maior, mas também tem a potência de expandir-se ilimitadamente. Como foi possível que Dhruva Mahārāja cativasse o Brahman dentro de seu coração? Essa pergunta foi muito bem respondida por Jīva Gosvāmī. Ele diz que a Suprema Personalidade de Deus é a origem do Brahman, pois, uma vez que Ele abrange tudo que é material e espiritual, não pode haver nada maior do que Ele. Na Bhagavad-gītā, também, a Divindade Suprema diz: “Eu sou o lugar de repouso do Brahman.” Muitas pessoas, especialmente os filósofos māyāvādīs, consideram o Brahman a substância maior e mais expandida, mas, de acordo com este verso e outros textos védicos, tais como a Bhagavad-gītā, o lugar de repouso do Brahman é a Suprema Personalidade de Deus, assim como o lugar de repouso do brilho solar é o globo do Sol. Śrīla Jīva Gosvāmī, portanto, diz que, como a forma transcendental do Senhor é a semente de toda a grandeza, Ele é o Brahman Supremo. Uma vez que o Brahman Supremo estava situado no coração de Dhruva Mahārāja, este se tornou mais pesado do que o mais pesado, de modo que tudo tremeu em todos os três mundos e no mundo espiritual.

O mahat-tattva, ou o somatório da criação material, deve ser compreendido como o fim último de todos os universos, incluindo todas as entidades vivas dentro deles. O Brahman é o refúgio do mahat-tattva que inclui todas as entidades materiais e espirituais. Descreve-se a esse respeito que o Brahman Supremo, a Personalidade de Deus, é o mestre tanto do pradhāna quanto do puruṣa. Pradhāna significa matéria sutil, como, por exemplo, o éter. Puruṣa significa as entidades vivas – centelhas espirituais que estão emaranhadas nesta existência material sutil. Outra descrição que se pode dar a esses elementos é parā prakṛti e aparā prakṛti, conforme declara a Bhagavad-gītā. Kṛṣṇa, sendo o controlador de ambas as prakṛtis, é, deste modo, o mestre de pradhāna e puruṣa. Nos hinos védicos, também, o Brahman Supremo é descrito como antaḥ-praviṣṭaḥ śāstā. Isso indica que a Suprema Personalidade de Deus controla tudo e entra em tudo. A Brahma-saṁhitā (5.35) reconfirma isso. Aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-stham: Ele entra, não somente nos universos, mas também no próprio átomo. Além disso, na Bhagavad-gītā (10.42), Kṛṣṇa diz: viṣṭabhyāham idam kṛtsnam. A Suprema Personalidade de Deus controla tudo penetrando em tudo. Associando-se constantemente com a Personalidade Suprema em seu coração, Dhruva Mahārāja naturalmente se tornou igual ao maior, o Brahman, por Sua associação, em consequência do que se tornou o mais pesado, e todo o universo tremeu. Em conclusão, uma pessoa que sempre se concentra na forma transcendental de Kṛṣṇa dentro de seu coração pode muito facilmente assombrar o mundo inteiro com suas atividades. Eis a perfeição da prática de yoga, como se confirma na Bhagavad-gītā (6.47). Yoginām api sarveṣām: de todos os yogīs, o bhakti-yogī, que pensa em Kṛṣṇa sempre dentro de seu coração e se ocupa em Seu transcendental serviço amoroso, é o mais elevado. Yogīs comuns podem manifestar maravilhosas atividades materiais, conhecidas como aṣṭa-siddhi, oito tipos de perfeições ióguicas, mas um devoto puro do Senhor pode superar essas perfeições, executando atividades que podem fazer o universo inteiro tremer.

Texto

yadaika-pādena sa pārthivārbhakas
tasthau tad-aṅguṣṭha-nipīḍitā mahī
nanāma tatrārdham ibhendra-dhiṣṭhitā
tarīva savyetarataḥ pade pade

Sinônimos

yadā — quando; eka — com uma; pādena — perna; saḥ — Dhruva Mahārāja; pārthiva — do rei; arbhakaḥ — filho; tasthau — permanecia em pé; tat-aṅguṣṭha — seu dedão; nipīḍitā — sendo pressionada; mahī — a Terra; nanāma — baixou o nível; tatra — então; ardham — metade; ibha-indra — o rei dos elefantes; dhiṣṭhitā — estando situado; tarī iva — como um bote; savya-itarataḥ — direita e esquerda; pade pade — a cada passo.

Tradução

Conforme Dhruva Mahārāja, o filho do rei, mantinha-se estavelmente de pé sobre apenas uma perna, a pressão de seu dedão baixou metade do nível da Terra, assim como um elefante transportado em um bote faz a embarcação balançar para a direita e para a esquerda a cada um de seus passos.

Comentário

SIGNIFICADO­—A expressão mais significativa deste verso é pārthivārbhakaḥ, “filho do rei”. Quando Dhruva Mahārāja estava em casa, embora fosse filho do rei, foi impedido de subir ao colo de seu pai. Contudo, quando se tornou avançado em autorrealização, ou serviço devocional, ele pôde baixar o nível de toda a Terra com a simples pressão de seu dedão. Essa é a diferença entre consciência comum e consciência de Kṛṣṇa. Talvez se negue algo ao filho de um rei quando este filho está situado em consciência comum (talvez o próprio rei o negue ao filho), mas, quando a mesma pessoa se torna plenamente consciente de Kṛṣṇa dentro de seu coração, pode baixar o nível da Terra com a pressão de seu dedão.

Não se pode questionar: “Como Dhruva Mahārāja, que foi impedido de subir ao colo de seu pai, poderia baixar o nível de toda a Terra?” Esse questionamento não é muito apreciado pelos eruditos, pois é um exemplo da lógica nagna-mātṛkā. Por essa lógica, alguém acharia que, como sua mãe andava nua em sua infância, ela deveria permanecer nua mesmo quando crescesse. A madrasta de Dhruva Mahārāja deve ter pensado de maneira semelhante: uma vez que ela não lhe havia permitido subir ao colo de seu pai, como Dhruva poderia executar atividades tão maravilhosas, como baixar o nível de toda a Terra? Ela deve ter ficado muito surpresa quando soube que Dhruva Mahārāja, concentrando-se constantemente na Suprema Personalidade de Deus dentro de seu coração, pôde baixar o nível de toda a Terra, assim como um elefante que baixa o nível do barco no qual é transportado.

Texto

tasminn abhidhyāyati viśvam ātmano
dvāraṁ nirudhyāsum ananyayā dhiyā
lokā nirucchvāsa-nipīḍitā bhṛśaṁ
sa-loka-pālāḥ śaraṇaṁ yayur harim

Sinônimos

tasmin — Dhruva Mahārāja; abhidhyāyati — quando meditava com plena concentração; viśvam ātmanaḥ — o corpo total do universo; dvāram — os poros; nirudhya — fechados; asum — o ar vital; ananyayā — sem ser desviada; dhiyā — meditação; lokāḥ — todos os planetas; nirucchvāsa — tendo parado de respirar; nipīḍitāḥ — sendo assim sufocados; bhṛśam — muito rapidamente; sa-loka-pālāḥ — todos os grandes semideuses de diferentes planetas; śaraṇam — refúgio; yayuḥ — tomaram; harim — da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Quando Dhruva Mahārāja se tornou praticamente uno em peso com o Senhor Viṣṇu, a consciência total, devido à sua plena concentração, fechando todos os poros de seu corpo, a totalidade da respiração universal ficou sufocada, e todos os grandes semideuses em todos os sistemas planetários se sentiram sufocados, refugiando-se, assim, na Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO­—Quando centenas de pessoas estão sentadas em um avião, embora permaneçam unidades individuais, cada uma delas faz parte da força total do avião, que corre a milhares de quilômetros por hora. De modo semelhante, quando a energia unitária se identifica com o serviço à energia total, a energia unitária torna-se tão poderosa quanto a energia total. Como se explicou no verso anterior, Dhruva Mahārāja, devido a seu avanço espiritual, tornou-se quase o peso total e, assim, baixou o nível de toda a Terra. Além disso, através de tal poder espiritual, seu corpo unitário tornou-se o corpo total do universo. Então, quando ele fechou os poros de seu corpo unitário para concentrar sua mente firmemente na Suprema Personalidade de Deus, todas as unidades do universo – a saber, todas as entidades vivas, incluindo os grandes semideuses – sentiram a pressão da sufocação, como se suas respirações estivessem sendo impedidas. Portanto, todos eles se refugiaram na Suprema Personalidade de Deus, visto que estavam perplexos sobre o que havia acontecido.

Este exemplo de Dhruva Mahārāja de fechar os poros de seu corpo pessoal e, desse modo, fechar os poros respiratórios de todo o universo indica claramente que um devoto, através de seu serviço devocional pessoal, pode influenciar todas as pessoas do mundo inteiro a se tornarem devotos do Senhor. Se existe apenas um devoto puro em consciência de Kṛṣṇa pura, ele pode transformar toda a consciência do mundo em consciência de Kṛṣṇa. Isso não é muito difícil de entender se estudamos o comportamento de Dhruva Mahārāja.

Texto

devā ūcuḥ
naivaṁ vidāmo bhagavan prāṇa-rodhaṁ
carācarasyākhila-sattva-dhāmnaḥ
vidhehi tan no vṛjinād vimokṣaṁ
prāptā vayaṁ tvāṁ śaraṇaṁ śaraṇyam

Sinônimos

devāḥ ūcuḥ — todos os semideuses disseram; na — não; evam — assim; vidāmaḥ — podemos entender; bhagavan — ó Personalidade de Deus; prāṇa-rodham — como sentimos nossa respiração impedida; cara — móveis; acarasya — imóveis; akhila — universal; sattva — existência; dhāmnaḥ — o reservatório de; vidhehi — por favor, fazei o necessário; tat — portanto; naḥ — nossa; vṛjināt — do perigo; vimokṣam — liberação; prāptāḥ — aproximando-nos; vayam — todos nós; tvām — a Vós; śaraṇam — refúgio; śaraṇyam — digno de servir de refúgio.

Tradução

Os semideuses disseram: Querido Senhor, sois o refúgio de todas as entidades vivas móveis e imóveis. Sentimos que todas as entidades vivas estão sufocadas, com seus processos respiratórios interrompidos. Nunca experimentamos semelhante coisa. Uma vez que sois o refúgio último de todas as almas rendidas, estamos nos aproximando de Vós: por favor, salvai-nos deste perigo.

Comentário

SIGNIFICADO­—A influência de Dhruva Mahārāja, obtida pela execução do serviço devocional ao Senhor, foi sentida inclusive pelos semideuses, que jamais haviam experimentado semelhante situação. Devido ao controle respiratório de Dhruva Mahārāja, todo o processo respiratório universal ficou sufocado. É pela vontade da Suprema Personalidade de Deus que as entidades materiais não podem respirar, ao passo que as entidades espirituais são capazes de respirar; as entidades materiais são produtos da energia externa do Senhor, ao passo que as entidades espirituais são produtos da energia interna do Senhor. Os semideuses se aproximaram da Suprema Personalidade de Deus, que é o controlador de ambas as espécies de entidades, a fim de saber por que a respiração estava sufocada. O Senhor Supremo é a meta última para a solução de todos os problemas dentro deste mundo material. No mundo espiritual, não há problemas, mas o mundo material é sempre problemático. Uma vez que a Suprema Personalidade de Deus é o mestre tanto do mundo material quanto do mundo espiritual, é melhor nos aproximarmos dEle em todas as situações problemáticas. Aqueles que são devotos, portanto, não têm problemas neste mundo material. Viśvaṁ pūrṇa-sukhāyate (Caitanya-candrāmṛta): os devotos estão livres de todos os problemas por serem plenamente rendidos à Suprema Personalidade de Deus. Para um devoto, tudo no mundo é muito agradável porque ele sabe como usar tudo no transcendental serviço amoroso ao Senhor.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
mā bhaiṣṭa bālaṁ tapaso duratyayān
nivartayiṣye pratiyāta sva-dhāma
yato hi vaḥ prāṇa-nirodha āsīd
auttānapādir mayi saṅgatātmā

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus respondeu; bhaiṣṭa — não tenhais medo; bālam — o menino Dhruva; tapasaḥ — por sua rigorosa austeridade; duratyayāt — fortemente determinado; nivartayiṣye — Eu lhe pedirei para interromper isso; pratiyāta — podeis retornar; sva-dhāma — vossos respectivos lares; yataḥ — de quem; hi — certamente; vaḥ — vossas; prāṇa-nirodhaḥ — sufocando o ar vital; āsīt — ocorreu; auttānapādiḥ — por causa do filho do rei Uttānapāda; mayi — a Mim; saṅgata-ātmā — plenamente absorto pensando em Mim.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus respondeu: Meus queridos semideuses, não fiqueis perturbados com isso. Tudo isso se deve à rigorosa austeridade e plena determinação do filho do rei Uttānapāda, que agora está inteiramente absorto em pensar em Mim. Ele obstruiu o processo respiratório universal. Podeis voltar a salvo a vossos respectivos lares. Vou parar os rigorosos atos de austeridade desse menino e ficareis a salvo dessa situação.

Comentário

SIGNIFICADO­—A palavra saṅgatātmā, que aparece neste verso, é mal interpretada pelos filósofos māyāvādīs, os quais dizem que o eu de Dhruva Mahārāja tornou-se uno com o Eu Supremo, a Personalidade de Deus. Os filósofos māyāvādīs querem provar com essa palavra que a Superalma e a alma individual unem-se dessa maneira e que, após semelhante unificação, a alma individual não tem existência separada. Mas aqui o Senhor Supremo diz claramente que Dhruva Mahārāja estava tão absorto em meditação, pensando na Suprema Personalidade de Deus, que Ele próprio, a consciência universal, sentiu-Se atraído por Dhruva. A fim de satisfazer os semideuses, Ele desejou ir pessoalmente até Dhruva Mahārāja para interromper aquela rigorosa austeridade. A conclusão dos filósofos māyāvādīs de que a Superalma e a alma individual se unem não é apoiada por esta afirmação. Ao contrário, a Superalma, a Personalidade de Deus, queria impedir Dhruva Mahārāja de continuar aquela rigorosa austeridade.

Satisfazendo a Suprema Personalidade de Deus, satisfazemos a todos, assim como, regando a raiz de uma árvore, satisfazemos os galhos e as folhas da árvore. Quem pode atrair a Suprema Personalidade de Deus naturalmente atrai todo o universo, pois Kṛṣṇa é a causa suprema do universo. Todos os semideuses temiam ser totalmente destruídos pela sufocação, mas a Personalidade de Deus assegurou-lhes que Dhruva Mahārāja era um grande devoto do Senhor e não estava prestes a aniquilar todas as pessoas do universo. O devoto nunca tem inveja de outras entidades vivas.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Dhruva Mahārāja Deixa o Lar Rumo à Floresta”.