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Capítulo Nove

Dhruva Mahārāja Volta para Casa

Texto

maitreya uvāca
ta evam utsanna-bhayā urukrame
kṛtāvanāmāḥ prayayus tri-viṣṭapam
sahasraśīrṣāpi tato garutmatā
madhor vanaṁ bhṛtya-didṛkṣayā gataḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya continuou; te — os semideuses; evam — assim; utsanna-bhayāḥ — livrando-se de todos os temores; urukrame — à Suprema Personalidade de Deus, cujas ações são incomuns; kṛta-avanāmāḥ — prestaram suas reverências; prayayuḥ — retornaram; tri-viṣṭapam — a seus respectivos planetas celestiais; sahasra-śīrṣā api — também a Personalidade de Deus conhecida como Sahasraśīrṣā; tataḥ — dali; garutmatā — montando nas costas de Garuḍa; madhoḥ vanam — a floresta conhecida como Madhuvana; bhṛtya — servo; didṛkṣayā — desejando vê-lo; gataḥ — foi.

Tradução

O grande sábio Maitreya disse a Vidura: Quando os semideuses foram assim tranquilizados pela Personalidade de Deus, eles se livraram de todos os temores e, após prestarem suas reverências, retornaram a seus planetas celestiais. Então, o Senhor, que não é diferente da encarnação Sahasraśīrṣā, montou nas costas de Garuḍa, que O transportou até a floresta Madhuvana para ver Seu servo Dhruva.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra sahasraśīrṣā refere-se à Personalidade de Deus conhecida como Garbhodakaśāyī Viṣṇu. Embora o Senhor tivesse aparecido como Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, Ele é descrito aqui como Sahasraśīrṣā Viṣṇu por não ser diferente de Garbhodakaśāyī Viṣṇu. Segundo Śrīla Sanātana Gosvāmī em seu Bhāgavatāmṛta, a Personalidade de Deus Sahasraśīrṣā que apareceu naquela ocasião era a encarnação conhecida como Pṛśnigarbha. Ele criou o planeta conhecido como Dhruvaloka para a residência de Dhruva Mahārāja.

Texto

sa vai dhiyā yoga-vipāka-tīvrayā
hṛt-padma-kośe sphuritaṁ taḍit-prabham
tirohitaṁ sahasaivopalakṣya
bahiḥ-sthitaṁ tad-avasthaṁ dadarśa

Sinônimos

saḥ — Dhruva Mahārāja; vai — também; dhiyā — pela meditação; yoga-vipāka-tīvrayā — devido à realização madura do processo ióguico; hṛt — o coração; padma-kośe — no lótus de; sphuritam — manifesto; taḍit-prabham — brilhante como o relâmpago; tirohitam — tendo desaparecido; sahasā — subitamente; eva — também; upalakṣya — observando; bahiḥ-sthitam — situado externamente; tat-avastham — na mesma postura; dadarśa — foi capaz de ver.

Tradução

A forma do Senhor, que era tão brilhante como o relâmpago e na qual Dhruva Mahārāja, em seu maduro processo ióguico, estava plenamente absorto em meditação, subitamente desapareceu. Assim, Dhruva ficou perturbado, e sua meditação interrompeu-se. Contudo, logo que abriu seus olhos, ele viu a Suprema Personalidade de Deus presente pessoalmente, assim como estivera vendo o Senhor presente em seu coração.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido à posição madura na meditação ióguica, Dhruva Mahārāja observava constantemente a forma da Personalidade de Deus dentro de seu coração, mas, de repente, quando a Personalidade Suprema desapareceu de seu coração, ele pensou que O perdera. Dhruva Mahārāja ficou perturbado, mas, ao abrir os olhos e interromper sua meditação, ele viu a mesma forma do Senhor perante ele. Na Brahma-saṁhitā (5.38), afirma-se que premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena: uma pessoa santa que tenha desenvolvido amor a Deus através do serviço devocional sempre vê a forma transcendental de Śyāmasundara do Senhor. Essa forma Śyāmasundara do Senhor dentro do coração do devoto não é imaginária. Quando o devoto amadurece em sua execução de serviço devocional, ele vê diretamente o mesmo Śyāmasundara em que tem pensado durante todo o decurso de seu serviço devocional. Uma vez que o Senhor Supremo é absoluto, a forma dentro do coração do devoto, a forma no templo e a forma original em Vaikuṇṭha, Vṛndāvana-dhāma, são todas a mesma coisa: elas não são diferentes umas das outras.

Texto

tad-darśanenāgata-sādhvasaḥ kṣitāv
avandatāṅgaṁ vinamayya daṇḍavat
dṛgbhyāṁ prapaśyan prapibann ivārbhakaś
cumbann ivāsyena bhujair ivāśliṣan

Sinônimos

tat-darśanena — após ver o Senhor; āgata-sādhvasaḥ — Dhruva Mahārāja, estando muitíssimo confuso; kṣitau — no solo; avandata — ofereceu reverências; aṅgam — seu corpo; vinamayya — prostrando-se; daṇḍavat — tal qual uma vara; dṛgbhyām — com os olhos; prapaśyan — olhando para; prapiban — bebendo; iva — como; arbhakaḥ — o menino; cumban — beijando; iva — como; āsyena — com a boca; bhujaiḥ — com os braços; iva — como; āśliṣan — abraçando.

Tradução

Quando Dhruva Mahārāja viu seu Senhor bem na sua frente, ficou muitíssimo confuso e ofereceu-Lhe reverências e respeito. Ele caiu esticado perante o Senhor como uma vara e se absorveu em amor a Deus. Dhruva Mahārāja, em êxtase, olhou para o Senhor como se estivesse bebendo o Senhor com os olhos, beijando os pés de lótus do Senhor com a boca e abraçando o Senhor com os braços.

Comentário

SIGNIFICADO—É natural que, ao ver pessoalmente a Suprema Personalidade de Deus face a face, Dhruva Mahārāja tenha ficado muito confuso, cheio de reverência e respeito. Parecia que ele estava bebendo todo o corpo do Senhor com os olhos. O amor do devoto pela Suprema Personalidade de Deus é tão intenso que ele deseja beijar os pés de lótus do Senhor constantemente, e quer tocar as pontas dos dedos dos pés do Senhor e abraçar constantemente Seus pés de lótus. Todos esses aspectos da expressão corporal de Dhruva Mahārāja indicam que, ao ver o Senhor face a face, ele desenvolveu as oito classes de êxtase transcendental em seu corpo.

Texto

sa taṁ vivakṣantam atad-vidaṁ harir
jñātvāsya sarvasya ca hṛdy avasthitaḥ
kṛtāñjaliṁ brahmamayena kambunā
pasparśa bālaṁ kṛpayā kapole

Sinônimos

saḥ — a Suprema Personalidade de Deus; tam — Dhruva Mahārāja; vivakṣantam — desejando oferecer orações que descrevessem Suas qualidades; a-tat-vidam — sem experiência daquilo; hariḥ — a Personalidade de Deus; jñātvā — tendo entendido; asya — de Dhruva Mahārāja; sarvasya — de todos; ca — e; hṛdi — no coração; avasthitaḥ — estando situada; kṛta-añjalim — situado de mãos postas; brahma-mayena — bem compatível com as palavras dos hinos védicos; kambunā — com Seu búzio; pasparśa — tocou; bālam — o menino; kṛpayā — por misericórdia imotivada; kapole — na testa.

Tradução

Embora Dhruva Mahārāja fosse um menininho, ele quis oferecer orações à Suprema Personalidade de Deus em linguagem adequada. Porém, como era inexperiente, não pôde adaptar-se à situação imediatamente. A Suprema Personalidade de Deus, estando no coração de todos, pôde entender a posição incômoda de Dhruva Mahārāja. Por Sua misericórdia imotivada, Ele tocou com Seu búzio a testa de Dhruva Mahārāja, que se encontrava parado diante dele de mãos postas.

Comentário

SIGNIFICADO—Todo devoto deseja cantar as qualidades transcendentais do Senhor. Os devotos estão sempre interessados em ouvir sobre as qualidades transcendentais do Senhor, e vivem ansiosos por glorificar essas qualidades, mas, às vezes, sentem-se embaraçados devido à humildade. A Personalidade de Deus, estando no coração de todos, dá especificamente ao devoto a inteligência para descrevê-lO. Compreende-se, portanto, que, quando o devoto escreve ou fala sobre a Suprema Personalidade de Deus, suas palavras são ditadas internamente pelo Senhor. Confirma-se isso na Bhagavad-gītā, décimo capítulo: para aqueles que se ocupam constantemente no transcendental serviço amoroso ao Senhor, o Senhor interiormente dita o que fazer a seguir para servi-lO. Quando Dhruva Mahārāja sentiu-se hesitante, não sabendo como descrever o Senhor por não ter experiência o suficiente, o Senhor, por Sua imotivada misericórdia, tocou com Seu búzio a testa de Dhruva, ao que este se inspirou transcendentalmente. Essa inspiração transcendental se chama brahma-maya porque, quando alguém se inspira assim, o som que produz corresponde exatamente à vibração sonora dos Vedas. Não se trata da vibração sonora comum deste mundo material. Portanto, a vibração sonora do mantra Hare Kṛṣṇa, embora apresentada no alfabeto comum, não deve ser considerada mundana ou material.

Texto

sa vai tadaiva pratipāditāṁ giraṁ
daivīṁ parijñāta-parātma-nirṇayaḥ
taṁ bhakti-bhāvo ’bhyagṛṇād asatvaraṁ
pariśrutoru-śravasaṁ dhruva-kṣitiḥ

Sinônimos

saḥ — Dhruva Mahārāja; vai — certamente; tadā — nesse momento; eva — apenas; pratipāditām — tendo alcançado; giram — palavras; daivīm — transcendentais; parijñāta — compreendeu; para-ātma — da Alma Suprema; nirṇayaḥ — a conclusão; tam — ao Senhor; bhakti-bhāvaḥ — situado em serviço devocional; abhyagṛṇāt — ofereceu orações; asatvaram — sem qualquer conclusão precipitada; pariśruta — amplamente conhecida; uru-śravasam — cuja fama; dhruva-kṣitiḥ — Dhruva, cujo planeta não seria aniquilado.

Tradução

Nessa altura, Dhruva Mahārāja tornou-se perfeitamente consciente da conclusão védica e compreendeu a Verdade Absoluta e Sua relação com todas as entidades vivas. Segundo a linha do serviço devocional ao Senhor Supremo, cuja fama se espalha amplamente, Dhruva, que no futuro receberia um planeta que não seria jamais aniquilado, mesmo durante o momento da dissolução, ofereceu suas deliberadas e conclusivas orações.

Comentário

SIGNIFICADO—Há muitos pormenores importantes a serem considerados neste verso. Em primeiro lugar, a relação entre a Verdade Absoluta e as energias espiritual e material relativas é aqui compreendida por um estudante que tem pleno conhecimento da literatura védica. Dhruva Mahārāja jamais foi a nenhuma escola ou professor acadêmico para aprender a conclusão védica, mas, devido a seu serviço devocional ao Senhor, assim que o Senhor apareceu e tocou com Seu búzio a testa dele, naturalmente toda a conclusão védica lhe foi revelada. Este é o processo de compreender a literatura védica. Não se pode entendê-la simplesmente através de erudição acadêmica. Os Vedas indicam que somente àquele que tem fé inquebrantável no Senhor Supremo, bem como no mestre espiritual, é que a conclusão védica é revelada.

O exemplo de Dhruva Mahārāja é que ele se ocupou em serviço devocional ao Senhor de acordo com a ordem de seu mestre espiritual, Nārada Muni. Como resultado de ele prestar semelhante serviço devocional com grande determinação e austeridade, a Personalidade de Deus manifestou-Se pessoalmente diante dele. Dhruva não passava de uma criança. Ele queria oferecer belas orações ao Senhor, mas, como carecia de conhecimento suficiente, ele hesitou; pela misericórdia do Senhor, porém, logo que o búzio do Senhor tocou em sua testa, ele se tornou inteiramente consciente da conclusão védica. Essa conclusão baseia-se em entendimento adequado da diferença entre jīva e Paramātmā, a alma individual e a Superalma. A alma individual é eternamente serva da Superalma, de modo que sua relação com a Superalma é oferecer serviço. Isso se chama bhakti-yoga, ou bhakti-bhāva. Dhruva Mahārāja ofereceu suas orações ao Senhor, não à maneira dos filósofos impersonalistas, mas como um devoto. Portanto, aqui se diz claramente: bhakti-bhāva. As únicas orações dignas de serem oferecidas são as oferecidas à Suprema Personalidade de Deus, cuja reputação espalha-se por toda parte. Dhruva Mahārāja queria ter o reino de seu pai, mas seu pai negou-se inclusive a permitir que ele subisse em seu colo. A fim de satisfazer seu desejo, o Senhor já havia criado um planeta conhecido como Estrela Polar, Dhruvaloka, que jamais seria aniquilado, nem mesmo no momento da dissolução do universo. Dhruva Mahārāja alcançou essa perfeição, não agindo precipitadamente, mas executando pacientemente a ordem de seu mestre espiritual, motivo pelo qual se tornou tão exitoso que viu o Senhor face a face. Não só isso, mas também agora ele estava capacitado, pela misericórdia imotivada do Senhor, a oferecer orações apropriadas ao Senhor. Para glorificar ou oferecer orações ao Supremo, é necessária a misericórdia do Senhor. Não se pode escrever em glorificação ao Senhor a menos que se esteja dotado de Sua misericórdia imotivada.

Texto

dhruva uvāca
yo ’ntaḥ praviśya mama vācam imāṁ prasuptāṁ
sañjīvayaty akhila-śakti-dharaḥ sva-dhāmnā
anyāṁś ca hasta-caraṇa-śravaṇa-tvag-ādīn
prāṇān namo bhagavate puruṣāya tubhyam

Sinônimos

dhruvaḥ uvāca — Dhruva Mahārāja disse; yaḥ — o Senhor Supremo que; antaḥ — dentro; praviśya — entrando; mama — minhas; vācam — palavras; imām — todas essas; prasuptām — que estão todas inativas ou mortas; sañjīvayati — rejuvenesce; akhila — universal; śakti — energia; dharaḥ — possuindo; sva-dhāmnā — por Sua potência interna; anyān ca — outros membros também; hasta — como as mãos; caraṇa — pernas; śravaṇa — ouvidos; tvak — pele; ādīn — e assim por diante; prāṇān — força vital; namaḥ — ofereço minhas reverências; bhagavate — à Suprema Personalidade de Deus; puruṣāya — a Pessoa Suprema; tubhyam — a Vós.

Tradução

Dhruva Mahārāja disse: Meu querido Senhor, sois todo-poderoso. Após entrardes em mim, vivificastes todos os meus sentidos adormecidos – minhas mãos, pernas, ouvidos, sentido do tato, força vital e especialmente minha capacidade de falar. Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—Foi muito fácil para Dhruva Mahārāja compreender a diferença entre sua condição antes e depois de alcançar a compreensão espiritual e depois de ver a Suprema Personalidade de Deus face a face. Ele pôde entender que sua força vital e suas atividades haviam estado adormecidas. A menos que cheguemos à plataforma espiritual, subentende-se que nossos membros corpóreos, nossa mente e outras faculdades dentro do corpo permanecem adormecidas. A menos que nos situemos espiritualmente, todas as nossas atividades são consideradas atividades de um cadáver, ou atividades fantasmagóricas. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura compôs uma canção na qual se dirige a si próprio: “Ó entidade viva, acorda! Até quando dormirás no colo de māyā? Agora tens a oportunidade de possuir um corpo da forma humana; procura, então, despertar e autorrealizar-te.” Os Vedas também declaram: “Acorda! Acorda! Eis que tens a oportunidade, a dádiva da forma humana de vida – busca a tua autorrealização.” Esses são os preceitos védicos.

Dhruva Mahārāja realmente experimentou que, com a iluminação de seus sentidos na plataforma espiritual, ele pôde entender a essência da instrução védica – que a Divindade Suprema é a Pessoa Suprema: Ele não é impessoal. Dhruva Mahārāja pôde imediatamente entender esse fato. Conscientizou-se de que, por muitíssimo tempo, estivera praticamente adormecido, e sentiu o ímpeto de glorificar o Senhor de acordo com a conclusão védica. Uma pessoa mundana não pode oferecer oração alguma à Suprema Personalidade de Deus, nem O glorificar, porque não tem compreensão da conclusão védica.

Quando Dhruva Mahārāja, portanto, encontrou esta diferença dentro de si mesmo, pôde de imediato entender que isso se devia à misericórdia imotivada do Senhor. Ele ofereceu reverências ao Senhor com grande respeito e reverência, entendendo plenamente que o favor do Senhor estava com ele. Essa vivificação espiritual dos sentidos e da mente de Dhruva Mahārāja deveu-se à ação da potência interna do Senhor. Neste verso, portanto, a palavra sva-dhāmnā significa “pela energia espiritual”. A iluminação espiritual é possível pela misericórdia da energia espiritual do Senhor. O cantar do mantra Hare Kṛṣṇa dirige-se primeiramente à energia espiritual do Senhor, Hare. Essa energia espiritual atua quando a entidade viva se rende plenamente e aceita sua posição como serva eterna. Quando alguém se coloca à disposição ou às ordens do Senhor Supremo, isso se chama sevonmukha; nesse momento, a energia espiritual gradualmente revela-lhe o Senhor.

Sem a revelação da energia espiritual, não se pode oferecer orações em glorificação ao Senhor. Qualquer quantidade de especulação filosófica ou expressão poética de pessoas mundanas ainda é considerada ação e reação da energia material. Quando alguém é realmente vivificado pela energia espiritual, todos os seus sentidos se purificam, e ele só se ocupa em serviço ao Senhor. Nesse momento, suas mãos, pernas, ouvidos, língua, mente, órgãos genitais – tudo – ocupam-se a serviço do Senhor. Um devoto assim iluminado já não tem nenhuma atividade material, tampouco tem qualquer interesse em ocupar-se materialmente. Esse processo de purificar os sentidos e ocupá-los a serviço do Senhor é conhecido como bhakti, ou serviço devocional. A princípio, os sentidos são ocupados segundo a orientação do mestre espiritual e dos śāstras, e, após a autorrealização, quando os mesmos sentidos estão puros, a ocupação continua. A diferença é que, no começo, os sentidos são ocupados de maneira mecânica, mas, após a autorrealização, eles são ocupados tendo-se compreensão espiritual.

Texto

ekas tvam eva bhagavann idam ātma-śaktyā
māyākhyayoru-guṇayā mahad-ādy-aśeṣam
sṛṣṭvānuviśya puruṣas tad-asad-guṇeṣu
nāneva dāruṣu vibhāvasuvad vibhāsi

Sinônimos

ekaḥ — um; tvam — Vós; eva — certamente; bhagavan — ó meu Senhor; idam — este mundo material; ātma-śaktyā — por Vossa própria potência; māyā-ākhyayā — chamada māyā; uru — poderosíssima; guṇayā — consistindo nos modos da natureza; mahat-ādi — o mahattattva etc.; aśeṣam — ilimitado; sṛṣṭvā — após criar; anuviśya — então, após entrar; puruṣaḥ — a Superalma; tat — de māyā; asat-guṇeṣu — nas qualidades manifestas temporariamente; nānā — variadamente; iva — como se; dāruṣu — em pedaços de madeira; vibhāvasu-vat — assim como o fogo; vibhāsi — Vós apareceis.

Tradução

Meu Senhor, sois o Supremo Único, mas, através de Vossas diferentes energias, apareceis de modo diverso nos mundos material e espiritual. Vós criais a energia total do mundo material mediante Vossa potência externa e, após a criação, entrais no mundo material como a Superalma. Sois a Pessoa Suprema e, através dos modos temporários da natureza material, criais variedades de manifestações, assim como o fogo, entrando em madeiras de diferentes qualidades, arde com brilhos variados.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja compreendeu que a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, atua através de Suas diferentes energias, e não que Ele Se torna vazio ou impessoal e, deste modo, torna-Se onipenetrante. O filósofo māyāvādī pensa que a Verdade Absoluta, estando difusa por toda a manifestação cósmica, não tem forma pessoal. Mas Dhruva Mahārāja, compreendendo a conclusão védica, diz aqui: “Vós estais espalhado por toda a manifestação cósmica através de Vossa energia.” Essa energia é basicamente espiritual, mas, como atua temporariamente no mundo material, chama-se māyā, ou energia ilusória: Em outras palavras, para todas as pessoas, com exceção dos devotos, a energia do Senhor atua como a energia externa. Dhruva Mahārāja pôde compreender muito bem este fato e pôde entender também que a energia e o energético são a mesma coisa. A energia não pode ser separada do energético.

Admite-se nesta passagem a identidade da Suprema Personalidade de Deus sob o aspecto de Paramātmā, ou Superalma. Sua energia espiritual original vivifica a energia material, daí o corpo, que na verdade é morto, parecer ter força vital. Os filósofos niilistas pensam que, sob determinadas condições materiais, os sintomas vitais ocorrem no corpo material, mas o fato é que o corpo material não pode agir por conta própria. Mesmo uma máquina precisa de energia separada (eletricidade, vapor etc.). Neste verso, afirma-se que a energia material age em variedades de corpos materiais, assim como o fogo arde de modo diverso em diferentes madeiras, de acordo com o tamanho e a qualidade da madeira. No caso dos devotos, a mesma energia transforma-se em energia espiritual; isso é possível porque a energia é originalmente espiritual, e não material. Como se diz, viṣṇu-śaktiḥ parā proktā. A energia original inspira o devoto, e assim ele ocupa todos os membros de seu corpo no serviço ao Senhor. A mesma energia, como potência externa, ocupa os não devotos comuns em atividades materiais para o gozo dos sentidos. Devemos apontar a diferença entre māyā e sva-dhāma – para os devotos, atua sva-dhāma, ao passo que, no caso dos não-devotos, atua a energia māyā.

Texto

tvad-dattayā vayunayedam acaṣṭa viśvaṁ
supta-prabuddha iva nātha bhavat-prapannaḥ
tasyāpavargya-śaraṇaṁ tava pāda-mūlaṁ
vismaryate kṛta-vidā katham ārta-bandho

Sinônimos

tvat-dattayā — dado por Vós; vayunayā — por conhecimento; idam — este; acaṣṭa — pôde ver; viśvam — todo o universo; supta-prabuddhaḥ — um homem despertando do sono; iva — como; nātha — ó meu Senhor; bhavatprapannaḥ – o senhor Brahmā, que é rendido a Vós; tasya — dele; āpavargya — de pessoas que desejam a liberação; śaraṇam — o refúgio; tava — Vossos; pāda-mūlam — pés de lótus; vismaryate — podem ser esquecidos; kṛta-vidā — por uma pessoa erudita; katham — como; ārta-bandho — ó amigo dos aflitos.

Tradução

Ó meu amo, o senhor Brahmā é plenamente rendido a Vós. No princípio, Vós lhe destes conhecimento, em virtude do que ele pôde ver e entender todo o universo, assim como alguém que desperta do sono e visualiza seus deveres imediatos. Sois o único refúgio de todas as pessoas que desejam a liberação, e sois o amigo de todos os aflitos. Como, portanto, uma pessoa erudita que tenha conhecimento perfeito pode esquecer-se de Vós em algum momento?

Comentário

SIGNIFICADO—Os devotos rendidos da Suprema Personalidade de Deus não podem se esquecer dEle nem mesmo por um momento. O devoto entende que a misericórdia imotivada do Senhor está além de seus cálculos: ele não consegue saber o quanto é beneficiado pela graça do Senhor. Quanto mais o devoto se ocupa em serviço devocional ao Senhor, tanto mais ânimo lhe é suprido pela energia do Senhor. Na Bhagavad-gītā, o Senhor diz que, para aqueles que se ocupam constantemente em serviço devocional com amor e afeição, a Suprema Personalidade de Deus proporciona inteligência interiormente, e assim eles avançam ainda mais. Sendo assim encorajado, o devoto jamais consegue se esquecer, nem mesmo por um momento, da Personalidade de Deus. Ele sempre sente gratidão para com Ele por ter, por Sua graça, alcançado capacidades superiores no serviço devocional. Pessoas santas como Sanaka, Sanātana e o senhor Brahmā foram capazes de ver o universo inteiro, pela misericórdia do Senhor, através do conhecimento do Senhor. Dá-se o exemplo de uma pessoa que, aparentemente, pode ter deixado de dormir durante todo o dia, mas, enquanto não esteja iluminada espiritualmente, na verdade está dormindo. Pode ser que ela durma à noite e execute seus deveres de dia, mas, enquanto não chegue à plataforma de trabalhar em iluminação espiritual, considera-se que está sempre adormecida. O devoto, portanto, jamais se esquece do benefício obtido do Senhor.

Aqui o Senhor é chamado de ārta-bandhu, que significa “amigo dos aflitos”. Como se afirma na Bhagavad-gītā, após muitíssimos nascimentos executando rigorosas austeridades em busca de conhecimento, a pessoa chega ao ponto de verdadeiro conhecimento e se torna sábia ao se render à Suprema Personalidade de Deus. O filósofo māyāvādī, que não se rende à Pessoa Suprema, é tido como carente de conhecimento verdadeiro. O devoto munido de conhecimento perfeito não pode se esquecer de sua obrigação para com o Senhor em momento algum.

Texto

nūnaṁ vimuṣṭa-matayas tava māyayā te
ye tvāṁ bhavāpyaya-vimokṣaṇam anya-hetoḥ
arcanti kalpaka-taruṁ kuṇapopabhogyam
icchanti yat sparśajaṁ niraye ’pi nṝṇām

Sinônimos

nūnam — sem dúvida; vimuṣṭa-matayaḥ — aqueles que perderam sua inteligência correta; tava — Vossa; māyayā — pela influência da energia ilusória; te — eles; ye — quem; tvām — Vós; bhava — do nascimento; apyaya — e morte; vimokṣaṇam — a causa da liberação; anya-hetoḥ — para outros propósitos; arcanti — adoram; kalpaka-tarum — que sois como uma árvore dos desejos; kuṇapa — deste corpo morto; upabhogyam — gozo dos sentidos; icchanti — eles desejam; yat — aquilo que; sparśa-jam — obtido da sensação tátil; niraye — no inferno; api — mesmo; nṝṇām — para as pessoas.

Tradução

Pessoas que Vos adoram simplesmente em troca do gozo dos sentidos deste saco de pele estão sem dúvida influenciadas por Vossa energia ilusória. Apesar de terem a Vós, que sois como uma árvore-dos-desejos e sois a causa da liberação do nascimento e da morte, pessoas tolas, tais como eu, desejam Vossas bênçãos para o gozo dos sentidos, que está disponível inclusive para aqueles que vivem em condições infernais.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja estava arrependido porque se dirigira ao Senhor para prestar-Lhe serviço devocional em troca de lucro material. Aqui ele condena a sua atitude. É apenas devido à grosseira falta de conhecimento que alguém adora o Senhor em troca de lucro material ou gozo dos sentidos. O Senhor é como uma árvore-dos-desejos. Qualquer pessoa pode obter qualquer coisa que deseje do Senhor, mas as pessoas em geral não sabem que espécie de bênção devem pedir a Ele. A felicidade obtida do contato com a pele, ou a felicidade sensual, está presente na vida dos cães e dos porcos. Tal felicidade é muito insignificante. O devoto que adora ao Senhor em troca de tão insignificante felicidade deve ser considerado desprovido de todo conhecimento.

Texto

yā nirvṛtis tanu-bhṛtāṁ tava pāda-padma-
dhyānād bhavaj-jana-kathā-śravaṇena vā syāt
sā brahmaṇi sva-mahimany api nātha mā bhūt
kiṁ tv antakāsi-lulitāt patatāṁ vimānāt

Sinônimos

— aquilo que; nirvṛtiḥ — bem-aventurança; tanu-bhṛtām — dos corporificados; tava — Vossos; pāda-padma — pés de lótus; dhyānāt — ao meditar em; bhavat-jana — de Vossos devotos íntimos; kathā — tópicos; śravaṇena — por ouvir; — ou; syāt — surge; — essa bem-aventurança; brahmaṇi — no Brahman impessoal; sva-mahimani — Vossa própria magnificência; api — mesmo; nātha — ó Senhor; — nunca; bhūt — existe; kim — o que falar de; tu — então; antaka-asi — pela espada da morte; lulitāt — sendo destruída; patatām — daqueles que caem; vimānāt — de seus aeroplanos.

Tradução

Meu Senhor, a bem-aventurança transcendental obtida ao meditar em Vossos pés de lótus ou ao ouvir sobre Vossas glórias da parte de devotos puros é tão ilimitada que está muito além da fase de brahmānanda, na qual a pessoa julga-se imersa no Brahman impessoal como se estivesse una com o Supremo. Uma vez que brahmānanda também é superada pela bem-aventurança transcendental obtida do serviço devocional, o que dizer, então, da bem-aventurança temporária de elevar-se aos planetas celestiais, a qual é destruída pela espada separadora do tempo? Mesmo que alguém se eleve aos planetas celestiais, ele cai no decorrer do tempo.

Comentário

SIGNIFICADO—A bem-aventurança transcendental obtida do serviço devocional, primeiramente de śravaṇaṁ kīrtanam, ouvir e cantar, não pode ser comparada à felicidade obtida pelos karmīs, aqueles que se elevam aos planetas celestiais, ou à felicidade obtida pelos jñānīs ou yogīs, que desfrutam da unidade com o supremo Brahman impessoal. Afirma-se claramente aqui como a bem-aventurança transcendental, obtida de śravaṇaṁ kīrtanam pelos devotos puros, não pode ser comparada a brahmānanda, ou seja, o conceito impessoal de bem-aventurança transcendental, obtida da imersão no Absoluto.

E a posição dos karmīs é ainda mais degradada. A meta deles é se elevar aos sistemas planetários superiores. Afirma na Bhagavad-gita (9.25) que yānti deva-vratā devān: pessoas que adoram os semideuses são elevadas aos planetas celestiais. Porém, em outra passagem da Bhagavad-gītā (9.21), encontramos que kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti: aqueles que são elevados aos sistemas planetários superiores são forçados a cair novamente assim que se esgotam os resultados de suas atividades piedosas. Dhruva Mahārāja podia entender que os resultados do serviço devocional são muito mais valiosos do que se fundir no Absoluto ou se elevar aos planetas celestiais.

Texto

bhaktiṁ muhuḥ pravahatāṁ tvayi me prasaṅgo
bhūyād ananta mahatām amalāśayānām
yenāñjasolbaṇam uru-vyasanaṁ bhavābdhiṁ
neṣye bhavad-guṇa-kathāmṛta-pāna-mattaḥ

Sinônimos

bhaktim — o serviço devocional; muhuḥ — constantemente; pravahatām — daqueles que executam; tvayi — a Vós; me — minha, prasaṅgaḥ – associação íntima; bhūyāt — que se torne; ananta — ó ilimitado; mahatām — dos grandes devotos; amala-āśayānām — cujos corações estão livres de contaminação material; yena — pelos quais; añjasā — facilmente; ulbaṇam — terríveis; uru — grandes; vyasanam — repleto de perigos; bhava-abdhim — o oceano da existência material; neṣye — eu cruzarei; bhavat — Vossas; guṇa — qualidades transcendentais; kathā — passatempos; amṛta — néctar, eterno; pāna — bebendo; mattaḥ — louco.

Tradução

Dhruva Mahārāja continuou: Ó ilimitado Senhor, abençoai-me, por favor, para que eu possa associar-me com os grandes devotos que se ocupam em Vosso transcendental serviço amoroso constantemente, assim como a correnteza do rio flui constantemente. Tais devotos transcendentais estão inteiramente situados em um estado de vida incontaminado. Através do processo de serviço devocional, decerto serei capaz de cruzar o oceano de ignorância da existência material, que está encapelado de ondas de perigos ardentes, semelhantes ao fogo. Isso me será muito fácil, pois estou enlouquecendo com a audição de Vossas qualidades e passatempos transcendentais, que existem eternamente.

Comentário

SIGNIFICADO—O ponto significativo desta parte da oração de Dhruva é que ele queria a companhia de devotos puros. O transcendental serviço devocional não pode estar completo e não pode ser saboreado sem a companhia de devotos. Por causa disso, estabelecemos a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna. Essa afirmação de Dhruva Mahārāja esclarece como, a menos que estejamos associados com os devotos, nosso serviço não amadurece: não se distingue das atividades materiais. A associação em atividades devocionais assemelha-se à correnteza de um rio que flui incessantemente. De igual modo, em nossa Sociedade para a Consciência de Krishna, cada momento de nosso tempo nós ocupamos integralmente a serviço do Senhor. Dhruva Mahārāja diz claramente que podemos cruzar o oceano da vida material com muita facilidade caso simplesmente fiquemos loucos por ouvir as glórias do Senhor.

Texto

te na smaranty atitarāṁ priyam īśa martyaṁ
ye cānv adaḥ suta-suhṛd-gṛha-vitta-dārāḥ
ye tv abja-nābha bhavadīya-padāravinda-
saugandhya-lubdha-hṛdayeṣu kṛta-prasaṅgāḥ

Sinônimos

te — they; na — never; smaranti — remember; atitarām — highly; priyam — dear; īśa — O Lord; martyam — material body; ye — they who; ca — also; anu — in relationship with; adaḥ — that; suta — sons; suhṛt — friends; gṛha — home; vitta — wealth; dārāḥ — and wife; ye — those who; tu — then; abja-nābha — O Lord who have a lotus navel; bhavadīya — of Your; pada-aravinda — lotus feet; saugandhya — the fragrance; lubdha — have achieved; hṛdayeṣu — with devotees whose hearts; kṛta-prasaṅgāḥ — have association.

Tradução

Ó Senhor que tendes um umbigo de lótus, se acontece de alguém se associar com um devoto cujo coração sempre anseia por Vossos pés de lótus, buscando sempre a fragrância deles, ele não se apega de modo algum ao corpo material, ou, numa relação corpórea, à progênie, a amigos, ao lar, à riqueza e à esposa, que são extremamente queridos por pessoas materialistas. Na verdade, ele não se importa com essas coisas.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma vantagem especial no serviço devocional é que os devotos não somente desfrutam dos passatempos transcendentais do Senhor, ouvindo-os, cantando-os e glorificando-os, mas também não são muito apegados a seus corpos, ao contrário dos yogīs, que são demasiadamente apegados ao corpo e que pensam que, praticando exercícios de ginástica corporal, avançarão em consciência espiritual. Em geral, os yogīs não estão muito interessados em serviço devocional; eles querem regular o processo respiratório. Isso é mera preocupação com o corpo. Dhruva Mahārāja afirma aqui simplesmente que o devoto não tem mais interesse corpóreo. Ele sabe que não é o corpo. Desde o início, portanto, sem perder tempo com exercícios corpóreos, o devoto busca um devoto puro e, simplesmente através da associação com ele, avança mais em consciência espiritual do que qualquer yogī. Como o devoto sabe que não é o corpo, ele nunca se deixa afetar por felicidade ou aflição corporais. Ele não está interessado em relações corpóreas com esposa, filhos, lar, saldo bancário etc., ou na aflição e felicidade que surgem dessas coisas. Essa é a vantagem especial de ser um devoto. Esse status de vida é possível apenas quando alguém está interessado em associar-se com um devoto puro, que sempre desfruta da fragrância dos pés de lótus do Senhor.

Texto

tiryaṅ-naga-dvija-sarīsṛpa-deva-daitya-
martyādibhiḥ paricitaṁ sad-asad-viśeṣam
rūpaṁ sthaviṣṭham aja te mahad-ādy-anekaṁ
nātaḥ paraṁ parama vedmi na yatra vādaḥ

Sinônimos

tiryak — por animais; naga — árvores; dvija — pássaros; sarīsṛpa — répteis; deva — semideuses; daitya — demônios; martya-ādibhiḥ — por homens etc.; paricitam — permeado; sat-asat-viśeṣam — com variedades manifestas e imanifestas; rūpam — forma; sthaviṣṭham — grosseira universal; aja — ó Não-nascido; te — Vossa; mahat-ādi — causado pela totalidade da energia material etc.; anekam — várias causas; na — não; ataḥ — disto; param — transcendental; parama — ó Supremo; vedmi — eu sei; na — não; yatra — onde; vādaḥ — vários argumentos.

Tradução

Meu querido Senhor, ó Supremo Não-nascido, sei que as diferentes variedades de entidades vivas, tais como as bestas, árvores, pássaros, répteis, semideuses e seres humanos, espalham-se por todo o universo, o qual é causado pela totalidade da energia material, e sei que às vezes elas se encontram manifestas e outras vezes imanifestas; mas jamais tive experiência da forma suprema que vejo agora, em Vossa pessoa. Agora, toda sorte de métodos de teorização chegou ao fim.

Comentário

SIGNIFICADO—O mesmo conceito é expresso aqui por Dhruva Mahārāja. Ele afirma que, antes de ver a forma transcendental do Senhor, experimentara somente as variedades de formas materiais, que somam 8.400.000 espécies de seres aquáticos, pássaros, feras etc. Na verdade, a menos que alguém se ocupe em serviço devocional ao Senhor, é impossível que entenda a forma última do Senhor. Confirma-se isso também na Bhagavad-gītā (18.55). Bhaktyā mām abhijānāti: a verdadeira compreensão da Verdade Absoluta, que é a Pessoa Suprema, não pode ser obtida por nenhum outro processo além do serviço devocional.

Nesta passagem, Dhruva Mahārāja compara seu estado anterior de compreensão com a perfeição de compreensão que obteve na presença do Senhor Supremo. A posição da entidade viva é de prestar serviço: a não ser que chegue à fase de apreciar a Suprema Personalidade de Deus, ela se ocupa a serviço das várias formas de árvores, répteis, bestas, homens, semideuses etc. Todos podem ver que há homens ocupados em servir a um cão, que há outros a servir plantas e trepadeiras, outros a servir a semideuses, e outros, à humanidade, ou ao patrão no escritório – mas ninguém se ocupa a serviço de Kṛṣṇa. Além dos homens comuns, mesmo homens elevados em termos de compreensão espiritual estão, no máximo, ocupados a serviço do virāṭ-rūpa, ou então, incapazes de compreender a forma última do Senhor, adoram o vazio através da meditação. Dhruva Mahārāja, contudo, foi abençoado pelo Senhor Supremo. Quando o Senhor tocou com Seu búzio a testa de Dhruva, o verdadeiro conhecimento lhe foi revelado internamente, e Dhruva pôde compreender a forma transcendental do Senhor. Dhruva Mahārāja admite neste verso como não era apenas ignorante, mas, no que diz respeito à idade, não passava de uma criança. Jamais teria sido possível que uma criança ignorante apreciasse a forma suprema do Senhor caso não tivesse sido abençoada pelo Senhor, que tocara com Seu búzio a testa de Dhruva.

Texto

kalpānta etad akhilaṁ jaṭhareṇa gṛhṇan
śete pumān sva-dṛg ananta-sakhas tad-aṅke
yan-nābhi-sindhu-ruha-kāñcana-loka-padma-
garbhe dyumān bhagavate praṇato ’smi tasmai

Sinônimos

kalpa-ante — ao final do milênio; etat — este universo; akhilam — tudo; jaṭhareṇa — no ventre; gṛhṇan — recolhendo; śete — deita-Se; pumān — a Pessoa Suprema; sva-dṛk — contemplando-Se a Si mesmo; ananta — o ser ilimitado Śeṣa; sakhaḥ — acompanhado por; tat-aṅke — em Seu colo; yat — de cujo; nābhi — umbigo; sindhu — oceano; ruha — brotado; kāñcana — dourado; loka — planeta; padma — do lótus; garbhe — no verticilo; dyumān — senhor Brahmā; bhagavate — à Suprema Personalidade de Deus; praṇataḥ — oferecendo reverências; asmi — estou; tasmai — a Ele.

Tradução

Meu querido Senhor, ao final de cada milênio, a Suprema Personalidade de Deus Garbhodakaśāyī Viṣṇu dissolve em Seu ventre todas as coisas manifestas dentro do universo. Deitado no colo de Śeṣa Nāga, de Seu umbigo brota uma flor de lótus dourada sobre um caule, e o senhor Brahmā é criado naquele lótus. Posso entender que Vós sois a mesma Divindade Suprema. Portanto, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—A compreensão que Dhruva Mahārāja tem da Suprema Personalidade de Deus é completa. Nos Vedas, declara-se que yasmin vijñāte sarvam evaṁ vijñātaṁ bhavati: o conhecimento recebido através da transcendental e imotivada misericórdia do Senhor é tão perfeito que, através desse conhecimento, o devoto se familiariza com todas as diferentes manifestações do Senhor. O Senhor Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu estava presente diante de Dhruva Mahārāja, que também pôde entender duas outras formas do Senhor, a saber, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kāraṇodakaśāyī (Mahā) Viṣṇu. Com respeito a Mahā-Viṣṇu, afirma-se na Brahma-saṁhitā (5.48):

yasyaika-niśvasita-kālam athāvalambya
jīvanti loma-vilajā jagad-aṇḍa-nāthāḥ
viṣṇur mahān sa iha yasya kalā-viśeṣo
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Ao final de cada milênio, quando todos os mundos materiais são dissolvidos, tudo entra no corpo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu, que Se encontra deitado no colo de Śeṣa Nāga, outra forma do Senhor.

Aqueles que não são devotos não podem entender as diferentes formas de Viṣṇu e suas posições com respeito à criação. Às vezes, os ateus argumentam: “Como o caule de uma flor pode brotar do umbigo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu?” Eles consideram que todas as afirmações dos śāstras são histórias ficcionais. Como resultado de sua inexperiência com a Verdade Absoluta e de sua relutância em aceitar a autoridade, eles se tornam cada vez mais ateístas, não podendo compreender a Suprema Personalidade de Deus. Porém, um devoto como Dhruva Mahārāja, pela graça do Senhor, conhece todas as manifestações do Senhor e suas diferentes posições. Afirma-se que quem quer que tenha mesmo um pouquinho da graça do Senhor pode entender Suas glórias; outros talvez continuem especulando sobre a Verdade Absoluta, mas jamais serão capazes de entender o Senhor. Em outras palavras, a não ser que entremos em contato com um devoto, não é possível que entendamos a forma transcendental ou o mundo espiritual com suas atividades transcendentais.

Texto

tvaṁ nitya-mukta-pariśuddha-vibuddha ātmā
kūṭa-stha ādi-puruṣo bhagavāṁs try-adhīśaḥ
yad-buddhy-avasthitim akhaṇḍitayā sva-dṛṣṭyā
draṣṭā sthitāv adhimakho vyatirikta āsse

Sinônimos

tvam — Vós; nitya — eternamente; mukta — liberado; pariśuddha — incontaminado; vibuddhaḥ — pleno de conhecimento; ātmā — a Alma Suprema; kūṭa-sthaḥ — imutável; ādi — original; puruṣaḥ — pessoa; bhagavān — o Senhor, pleno de seis opulências; tri-adhīśaḥ — senhor dos três modos; yat — doravante; buddhi — de atividades intelectuais; avasthitim — todas as fases; akhaṇḍitayā — penetrante; sva-dṛṣṭyā — pela visão transcendental; draṣṭā — Vós testemunhais; sthitau — para manter (o universo); adhimakhaḥ — desfrutador dos resultados de todos os sacrifícios; vyatiriktaḥ — diversamente; āsse — estais situado.

Tradução

Meu Senhor, com Vosso penetrante olhar transcendental, sois a testemunha suprema de todas as fases de atividades intelectuais. Sois eternamente liberado, Vossa existência está situada em bondade pura, e existis como a Superalma, imutável. Vós sois a Personalidade de Deus original, plena de seis opulências, e sois eternamente o mestre dos três modos da natureza material. Deste modo, sois sempre diferente das entidades vivas comuns. Como o Senhor Viṣṇu, mantendes todos os afazeres de todo o universo, apesar do que permaneceis à parte e sois o desfrutador dos resultados de todos os sacrifícios.

Comentário

SIGNIFICADO—Em um argumento ateísta contra a supremacia da Suprema Personalidade de Deus, afirma-se que, se Deus, a Pessoa Suprema, aparece e desaparece, dorme e acorda, qual é, então, a diferença entre Deus e a entidade viva? Dhruva Mahārāja está cuidadosamente distinguindo a existência da Suprema Personalidade de Deus da existência das entidades vivas. Ele aponta as seguintes diferenças. O Senhor é eternamente liberado. Sempre que Ele aparece, mesmo dentro deste mundo material, Ele nunca Se deixa envolver pelos três modos da natureza material. Ele é conhecido, portanto, como try-adhīśa, o mestre dos três modos da natureza material. Na Bhagavad-gītā (7.14), declara-se que daivī hy eṣā guṇamayī mama māyā duratyayā: as entidades vivas estão todas enredadas nos três modos da natureza material. A energia externa do Senhor é muito forte, mas o Senhor, como mestre dos três modos da natureza material, está eternamente liberado da ação e reação desses modos. Ele, portanto, não é contaminado, como se afirma na Īśopaniṣad. A contaminação do mundo material não afeta a Divindade Suprema. Por isso, Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā que os patifes e tolos julgam-nO um ser humano comum, desconhecendo Seu paraṁ bhāvam. Paraṁ bhāvam se refere ao fato de Ele estar situado transcendentalmente, sempre. A contaminação material não pode afetá-lO.

Outra diferença entre o Senhor e a entidade viva é que a entidade viva está sempre na escuridão. Mesmo que ela esteja situada no modo da bondade, existem muitas coisas desconhecidas para ela. O mesmo não ocorre com a Suprema Personalidade de Deus. Ele conhece o passado, o presente e o futuro e tudo o que acontece no coração de todos. A Bhagavad-gītā confirma isso (vedāhaṁ samatītāni). O Senhor não é parte da alma – Ele é a imutável Alma Suprema, e as entidades vivas são Suas partes integrantes. A entidade viva é forçada a aparecer neste mundo material sob a direção de daiva-māyā, porém, quando o Senhor aparece, Ele vem mediante Sua própria potência interna, ātma-māyā. Além disso, a entidade viva está sujeita ao tempo – passado, presente e futuro. Sua vida tem um início, um nascimento e, no estado condicionado, sua vida termina com a morte. Todavia, o Senhor é ādi-puruṣa, a pessoa original. Na Brahma-saṁhitā, o senhor Brahmā oferece seus respeitos ao ādi-puruṣa, Govinda, a pessoa original, que não tem começo, ao passo que a criação deste mundo material tem começo. O Vedānta diz que janmādy asya yataḥ: tudo nasce do Supremo, mas o Supremo não nasce. Ele tem todas as seis opulências em plenitude incomparável, Ele é o Senhor da natureza material, Sua inteligência não é fragmentada em nenhuma circunstância, e Ele Se mantém à parte, embora seja o mantenedor de toda a criação. Como se afirma nos Vedas (Kaṭha Upaniṣad 2.2.13), nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām. O Senhor é o mantenedor supremo. As entidades vivas destinam-se a servi-lO, oferecendo-Lhe sacrifícios, pois Ele é o desfrutador legítimo dos resultados de todos os sacrifícios. Todos, portanto, devem ocupar-se no serviço devocional ao Senhor, dedicando-Lhe sua vida, suas riquezas, sua inteligência e suas palavras. É essa a posição original e constitucional das entidades vivas. Nunca se deve comparar o sono de uma entidade viva comum com o sono da Suprema Personalidade de Deus no Oceano Causal. Não há fase alguma em que a entidade viva possa comparar-se à Pessoa Suprema. Os filósofos māyāvādīs, sendo incapazes de adaptar-se a tudo isso, chegam à conclusão do impersonalismo ou niilismo.

Texto

yasmin viruddha-gatayo hy aniśaṁ patanti
vidyādayo vividha-śaktaya ānupūrvyāt
tad brahma viśva-bhavam ekam anantam ādyam
ānanda-mātram avikāram ahaṁ prapadye

Sinônimos

yasmin — em quem; viruddha-gatayaḥ — de caráter oposto; hi — certamente; aniśaṁ — sempre; patanti — manifestam-se; vidyā-ādayaḥ — conhecimento e ignorância etc.; vividha — várias; śaktayaḥ — energias; ānupūrvyāt — continuamente; tat — este; brahma — Brahman; viśva-bhavam — a causa da criação material; ekam — único; anantam — ilimitado; ādyam — original; ānandamātram – simplesmente bem-aventurado; avikāram — imutável; aham — eu; prapadye — ofereço minhas reverências.

Tradução

Meu querido Senhor, em Vossa manifestação impessoal de Brahman há sempre dois elementos opostos – conhecimento e ignorância. Vossas múltiplas energias manifestam-se continuamente, mas o Brahman impessoal, que é indiviso, original, imutável, ilimitado e bem-aventurado, é a causa da manifestação material. Como sois o mesmo Brahman impessoal, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Brahma-saṁhitā, afirma-se que o ilimitado Brahman impessoal é a refulgência do corpo transcendental de Govinda. Nessa refulgente aura ilimitada da Suprema Personalidade de Deus, existem inumeráveis universos com inumeráveis planetas de diferentes categorias. Embora a Pessoa Suprema seja a causa original de todas as causas, Sua refulgência impessoal, conhecida como Brahman, é a causa imediata da manifestação material. Dhruva Mahārāja, portanto, ofereceu suas respeitosas reverências ao aspecto impessoal do Senhor. Alguém que compreenda este aspecto impessoal pode desfrutar do imutável brahmānanda, descrito aqui como bem-aventurança espiritual.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve que esse aspecto impessoal, ou a manifestação Brahman, do Senhor Supremo destina-se a pessoas que são essencialmente muito avançadas, mas ainda incapazes de entender os aspectos pessoais ou a variedade do mundo espiritual. Tais devotos são conhecidos como jñāna-miśra-bhaktas, ou devotos cujo serviço devocional está misturado com conhecimento empírico. Visto que a compreensão do Brahman impessoal é uma compreensão parcial da Verdade Absoluta, Dhruva Mahārāja oferece-lhe suas respeitosas reverências.

É dito que esse Brahman impessoal é a compreensão distante da Verdade Absoluta. Embora o Brahman pareça ser desprovido de energia, tem, sim, diferentes energias atuando sob os títulos de conhecimento e ignorância. Devido a essas diferentes energias, há uma manifestação contínua de vidyā e avidyā. Vidyā e avidyā são muito bem descritos na Īśopaniṣad, onde se diz que às vezes, devido a avidyā, ou a um pobre fundo de conhecimento, alguém aceita a Verdade Absoluta como fundamentalmente impessoal. Na verdade, porém, as compreensões impessoal e pessoal se desenvolvem em proporção com o desenvolvimento do serviço devocional. Quanto mais desenvolvemos nosso serviço devocional, mais nos aproximamos da Verdade Absoluta, que, a princípio, quando percebida a partir de um lugar distante, manifesta-se como impessoal.

As pessoas em geral, que estão sob a influência de avidyā-śakti, ou māyā, não têm conhecimento nem devoção. Contudo, quando alguém que é um pouco avançado e, portanto, é chamado de jñānī e avança ainda mais, ele está na categoria de jñāna-miśra-bhakta, ou um devoto cujo amor está misturado com conhecimento empírico. Quando ele é ainda mais avançado, pode compreender que a Verdade Absoluta é uma pessoa com múltiplas energias. Um devoto avançado pode entender o Senhor e Sua energia criadora. Tão logo se aceita a energia criadora da Verdade Absoluta, as seis opulências da Suprema Personalidade de Deus também são compreendidas. Os devotos que são ainda mais avançados, com pleno conhecimento, podem entender os passatempos transcendentais do Senhor. Somente nesta plataforma alguém pode gozar plenamente de bem-aventurança transcendental. Um exemplo dado a este respeito por Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura é o da pessoa que caminha rumo a determinado destino. À medida que se aproxima, ela vê o destino de um lugar distante, assim como vemos uma cidade à distância. Nesse momento, ela simplesmente entende que a cidade está situada ao longe. Quando, entretanto, chega ainda mais perto, vê as cúpulas e bandeiras. Mas, enfim, ao entrar na cidade, encontra vários caminhos, jardins, lagos e áreas comerciais, onde vê pessoas fazendo compras. Vê cartazes de cinema, danças e diversões. Quando alguém realmente entra na cidade e vê pessoalmente as atividades da cidade, só então fica satisfeito.

Texto

satyāśiṣo hi bhagavaṁs tava pāda-padmam
āśīs tathānubhajataḥ puruṣārtha-mūrteḥ
apy evam arya bhagavān paripāti dīnān
vāśreva vatsakam anugraha-kātaro ’smān

Sinônimos

satya — real; āśiṣaḥ — comparada com outras bênçãos; hi — certamente; bhagavan — meu Senhor; tava — Vossos; pāda-padmam — pés de lótus; āśīḥ — bênção; tathā — dessa maneira; anubhajataḥ — para os devotos; puruṣa-artha — da verdadeira meta da vida; mūrteḥ — a personificação; api — embora; evam — assim; arya — ó Senhor; bhagavān — a Personalidade de Deus; paripāti — mantém; dīnān — os pobres de coração; vāśrā — uma vaca; iva — como; vatsakam — ao bezerro; anugraha — para conceder misericórdia; kātaraḥ — ansioso; asmān — a mim.

Tradução

Meu Senhor, ó Senhor Supremo, sois a suprema forma personificada de todas as bênçãos. Portanto, para alguém que se atém a Vosso serviço devocional sem nenhum outro desejo, adorar Vossos pés de lótus é melhor do que se tornar rei e se assenhorear de um reino. Essa é a bênção para quem adora Vossos pés de lótus. Para devotos ignorantes como eu, Vós sois o mantenedor imotivadamente misericordioso, tal qual uma vaca, que cuida do bezerro recém-nascido fornecendo-lhe leite e protegendo-o de quaisquer ataques.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja sabia da natureza defeituosa de seu próprio serviço devocional. O serviço devocional puro não tem forma material nem é coberto por especulação mental ou atividades fruitivas. Portanto, o serviço devocional puro é chamado de ahaitukī, imotivado. Dhruva Mahārāja sabia que passara a adorar o Senhor em serviço devocional com uma motivação: obter o reino de seu pai. Um devoto assim adulterado jamais pode ver a Suprema Personalidade de Deus face a face. Em razão disso, ele se sentiu muito grato pela misericórdia imotivada do Senhor. O Senhor é tão misericordioso que não somente satisfaz os desejos de um devoto que seja movido pela ignorância e deseje benefícios materiais, mas também confere a tal devoto toda a proteção, assim como a vaca proporciona leite a um bezerro recém-nascido. A Bhagavad-gītā diz que o Senhor propicia inteligência ao devoto constantemente ocupado para que ele possa aproximar-se do Senhor aos poucos, sem dificuldades. O devoto deve ser muito sincero em seu serviço devocional; então, mesmo que haja muitas coisas erradas da parte do devoto, Kṛṣṇa o orientará e gradualmente o promoverá à mais elevada posição de serviço devocional.

Nesta passagem, Dhruva Mahārāja chama o Senhor de puruṣārtha-mūrti, a meta última da vida. De um modo geral, puruṣārtha é tomado como significando execução de uma classe de princípio religioso, ou adoração a Deus, a fim de obter bênçãos materiais. Orações em troca de bênçãos materiais destinam-se à satisfação dos sentidos. E quando alguém se frustra, não conseguindo satisfazer plenamente seus sentidos apesar de todo o esforço, ele passa a desejar a liberação, ou o libertar-se da existência material. Essas atividades geralmente são chamadas puruṣārtha. Mas, na verdade, a meta última é entender a Suprema Personalidade de Deus. Isso se chama pañcama-puruṣārtha, a meta última da vida. O Senhor Caitanya, portanto, ensina-nos a não pedir bênção alguma (nem riqueza material, nem popularidade, nem boa esposa) à Personalidade Suprema. Devemos simplesmente orar ao Senhor para estarmos constantemente ocupados em Seu transcendental serviço amoroso. Consciente de seu desejo de benefício material, Dhruva Mahārāja queria a proteção do Senhor para não ser desorientado ou desviado do caminho do serviço devocional por esses desejos materiais.

Texto

maitreya uvāca
athābhiṣṭuta evaṁ vai
sat-saṅkalpena dhīmatā
bhṛtyānurakto bhagavān
pratinandyedam abravīt

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; atha — então; abhiṣṭutaḥ — sendo adorado; evam — assim; vai — certamente; sat-saṅkalpena — por Dhruva Mahārāja, que tinha apenas bons desejos em seu coração; dhī-matā — porque era muito inteligente; bhṛtya-anuraktaḥ — disposto muito favoravelmente para com os devotos; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; pratinandya — tendo-Se congratulado com ele; idam — isto; abravīt — disse.

Tradução

O grande sábio Maitreya continuou: Meu querido Vidura, quando Dhruva Mahārāja, que tinha boas intenções em seu coração, terminou sua oração, o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, que é muito bondoso com Seus devotos e servos, congratulou-Se com ele, falando o seguinte.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
vedāhaṁ te vyavasitaṁ
hṛdi rājanya-bālaka
tat prayacchāmi bhadraṁ te
durāpam api suvrata

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Personalidade de Deus disse; veda — conheço; aham — Eu; te — tua; vyavasitam — determinação; hṛdi — dentro do coração; rājanya-bālaka — ó filho do rei; tat — esta; prayacchāmi — hei de dar-te; bhadram — toda a boa fortuna; te — a ti; durāpam — embora seja muito difícil de obter; api — apesar de; su-vrata — aquele que fez um voto piedoso.

Tradução

A Personalidade de Deus disse: Meu querido Dhruva, filho do rei, tu executaste votos piedosos, além do que Eu conheço o desejo dentro de teu coração. Embora teu desejo seja muito ambicioso e muito difícil de ser atendido, Eu o realizarei para tua pessoa. Toda a boa fortuna a ti!

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor é tão misericordioso com Seu devoto que imediatamente disse a Dhruva Mahārāja: “Toda a boa fortuna a ti!” Na verdade, Dhruva Mahārāja estava muito temeroso mentalmente, pois havia aspirado a benefícios materiais ao executar seu serviço devocional, o que o impedia de alcançar a fase de amor a Deus. Na Bhagavad-gītā (2.44), declara-se que bhogaiśvarya-prasaktānām: aqueles que são apegados ao prazer material não podem sentir-se atraídos pelo serviço devocional. Era verdade que, no fundo do coração, Dhruva Mahārāja queria um reino que fosse muito melhor do que Brahmaloka. Esse era um desejo natural para um kṣatriya. Além disso, ele não passava de uma criança de cinco anos que, à sua maneira infantil, desejava ter um reino muito maior do que o de seu pai, seu avô ou o de seu bisavô. Seu pai, Uttānapāda, era filho de Manu, e Manu era filho do senhor Brahmā. Dhruva queria exceder todos esses grandes membros de sua família. O Senhor conhecia a ambição infantil de Dhruva Mahārāja, mas como seria possível oferecer a Dhruva uma posição mais elevada do que a do senhor Brahmā?

O Senhor assegurou a Dhruva Mahārāja que este não seria privado do amor do Senhor. Ele encorajou Dhruva a não se preocupar com o fato de ter infantis desejos materiais ao mesmo tempo em que aspirava puramente a ser um grande devoto. De um modo geral, o Senhor não concede opulência material a um devoto puro, mesmo que este a deseje. Mas o caso de Dhruva Mahārāja era diferente. O Senhor sabia que ele era um devoto tão excelente que, apesar de ter opulência material, não se desviaria jamais do amor a Deus. Esse, contudo, era o caso especial de Dhruva Mahārāja.

Texto

nānyair adhiṣṭhitaṁ bhadra
yad bhrājiṣṇu dhruva-kṣiti
yatra graharkṣa-tārāṇāṁ
jyotiṣāṁ cakram āhitam
meḍhyāṁ go-cakravat sthāsnu
parastāt kalpa-vāsinām
dharmo ’gniḥ kaśyapaḥ śukro
munayo ye vanaukasaḥ
caranti dakṣiṇī-kṛtya
bhramanto yat satārakāḥ

Sinônimos

na — jamais; anyaiḥ — por outros; adhiṣṭhitam — foi governado; bhadra — Meu bom menino; yat — o qual; bhrājiṣṇu — brilhando refulgentemente; dhruva-kṣiti — a terra conhecida como Dhruvaloka; yatra — onde; graha — planetas; ṛkṣa — constelações; tārāṇām — e estrelas; jyotiṣām — por astros; cakram — o ato de circundar; āhitam — é feita; meḍhyām — em volta de uma estaca central; go — de touros; cakra — uma multidão; vat — como; sthāsnu — estacionário; parastāt — além; kalpa — um dia de Brahmā (milênio); vāsinām — aqueles que vivem; dharmaḥ — Dharma; agniḥ — Agni; kaśyapaḥ — Kaśyapa; śukraḥ — Śukra; munayaḥ — grandes sábios; ye — todos aqueles que; vana-okasaḥ — vivendo na floresta; caranti — movimentam-se; dakṣiṇī-kṛtya — mantendo-o à sua direita; bhramantaḥ — gravitando em torno; yat — o planeta que; satārakāḥ — com todas as estrelas.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus continuou: Meu querido Dhruva, hei de conceder-te o refulgente planeta conhecido como Estrela Polar, o qual continuará a existir mesmo após a dissolução ao final do milênio. Ninguém jamais governou esse planeta, que está cercado por todos os sistemas solares, planetas e estrelas. Todos os astros no céu gravitam em torno desse planeta, assim como touros giram em volta de uma estaca central com o propósito de moer grãos. Mantendo a Estrela Polar à sua direita, todas as estrelas habitadas pelos grandes sábios, como Dharma, Agni, Kaśyapa e Śukra gravitam em torno desse planeta, que continua a existir mesmo após a destruição de todos os demais.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora a Estrela Polar existisse antes de ser ocupada por Dhruva Mahārāja, não tinha deidade predominante. Dhruvaloka, nossa Estrela Polar, é o centro de todas as demais estrelas e sistemas solares, pois todos eles giram em volta de Dhruvaloka assim como um touro mói grãos caminhando em volta de uma estaca central. Dhruva queria o melhor de todos os planetas, e, embora essa fosse uma oração infantil, o Senhor satisfez seu pedido. Pode ser que uma criança peça algo a seu pai que o pai jamais tenha dado a ninguém mais, todavia, por afeição, o pai o concede ao filho; analogamente, este planeta singular, Dhruvaloka, foi concedido a Mahārāja Dhruva. A importância específica deste planeta é que, ainda quando todo o universo for aniquilado, este planeta permanecerá, mesmo durante a devastação que ocorre durante a noite do senhor Brahmā. Existem duas classes de dissoluções, uma durante a noite do senhor Brahmā e outra ao final da vida do senhor Brahmā. No fim da vida de Brahmā, personalidades ilustres voltam ao lar, voltam ao Supremo. Dhruva Mahārāja é uma delas. O Senhor garantiu a Dhruva que ele existiria além da dissolução parcial do universo. Assim, ao final da dissolução completa, Dhruva Mahārāja iria diretamente para Vaikuṇṭhaloka, a um planeta espiritual no céu espiritual. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta a esse respeito que Dhruvaloka é um dos lokas como Śvetadvīpa, Mathurā e Dvārakā. Todos eles são lugares eternos no reino de Deus, o qual é descrito na Bhagavad-gītā (tad dhāma paramam) e nos Vedas (oṁ tad viṣṇoḥ paramaṁ padaṁ sadā paśyanti sūrayaḥ). As palavras parastāt kalpa-vāsinām, “transcendental aos planetas povoados após a dissolução”, referem-se aos planetas Vaikuṇṭha. Em outras palavras, a promoção de Dhruva Mahārāja aos Vaikuṇṭhalokas foi garantida pela Suprema Personalidade de Deus.

Texto

prasthite tu vanaṁ pitrā
dattvā gāṁ dharma-saṁśrayaḥ
ṣaṭ-triṁśad-varṣa-sāhasraṁ
rakṣitāvyāhatendriyaḥ

Sinônimos

prasthite — após a partida; tu — mas; vanam — para a floresta; pitrā — por teu pai; dattvā — concedendo; gām — o mundo inteiro; dharma-saṁśrayaḥ — sob a proteção da piedade; ṣaṭ-triṁśat — trinta e seis; varṣa — anos; sāhasram — mil; rakṣitā — governarás; avyāhata — sem declínio; indriyaḥ — o poder dos sentidos.

Tradução

Depois que teu pai for para a floresta e conceder-te o encargo de seu reino, governarás o mundo inteiro por trinta e seis mil anos consecutivos, e todos os teus sentidos continuarão tão fortes como o são agora. Jamais envelhecerás.

Comentário

SIGNIFICADO—Em Satya-yuga, as pessoas geralmente viviam cem mil anos. Dhruva Mahārāja governaria o mundo por trinta e seis mil anos, o que era bem possível naqueles tempos.

Texto

tvad-bhrātary uttame naṣṭe
mṛgayāyāṁ tu tan-manāḥ
anveṣantī vanaṁ mātā
dāvāgniṁ sā pravekṣyati

Sinônimos

tvat — teu; bhrātari — irmão; uttame — Uttama; naṣṭe — sendo morto; mṛgayāyām — caçando; tu — então; tat-manāḥ — estando demasiadamente aflita; anveṣantī — enquanto estiver procurando; vanam — na floresta; mātā — a mãe; dāva-agnim — no incêndio florestal; — ela; pravekṣyati — entrará.

Tradução

O Senhor prosseguiu: Em algum momento no futuro, teu irmão, Uttama, caçará na floresta e, enquanto estiver absorto caçando, será morto. Tua madrasta, Suruci, enlouquecendo com a morte de seu filho, sairá à procura dele na floresta, mas será devorada por um incêndio.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja fora à floresta à procura da Suprema Personalidade de Deus com espírito vingativo contra sua madrasta. Essa insultara Dhruva, o qual não era uma pessoa comum, mas, sim, um grande vaiṣṇava. Uma ofensa aos pés de lótus de um vaiṣṇava é a maior ofensa neste mundo. Por ter insultado Dhruva Mahārāja, Suruci enlouqueceria com a morte de seu filho e entraria em um incêndio florestal, em consequência do que sua vida chegaria ao fim. O Senhor mencionou especificamente isso a Dhruva por este estar determinado a se vingar dela. Aprendemos com isso que nunca devemos tentar insultar um vaiṣṇava. Não somente não devemos insultar um vaiṣṇava, mas também não devemos insultar ninguém desnecessariamente. Quando Suruci insultou Dhruva Mahārāja, ele era apenas um menino. Evidentemente, ela não sabia que Dhruva era um vaiṣṇava muito conceituado, de modo que ela cometera a ofensa inconscientemente. Quando alguém serve a um vaiṣṇava inconscientemente, ainda assim obtém bom resultado, mas, se inconscientemente insulta um vaiṣṇava, sofre o mau resultado. O vaiṣṇava recebe a graça especial da Suprema Personalidade de Deus. Agradá-lo ou desagradá-lo afeta diretamente o prazer ou descontentamento do Senhor Supremo. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, em sua oração de oito estrofes ao mestre espiritual, canta: yasya prasādād bhagavat-prasādaḥ: satisfazendo o mestre espiritual, que é um vaiṣṇava puro, satisfazemos a Personalidade de Deus, porém, se desagradamos o mestre espiritual, nem podemos saber qual será o nosso destino.

Texto

iṣṭvā māṁ yajña-hṛdayaṁ
yajñaiḥ puṣkala-dakṣiṇaiḥ
bhuktvā cehāśiṣaḥ satyā
ante māṁ saṁsmariṣyasi

Sinônimos

iṣṭvā — após adorar; mām — a Mim; yajña-hṛdayam — o coração de todos os sacrifícios; yajñaiḥ — por grandes sacrifícios; puṣkala-dakṣiṇaiḥ — incluindo a distribuição de muita caridade; bhuktvā — após gozar; ca — também; iha — dentro deste mundo; āśiṣaḥ — bênçãos; satyāḥ — verdadeiras; ante — no fim; mām — de Mim; saṁsmariṣyasi — serás capaz de lembrar-te.

Tradução

O Senhor continuou: Eu sou o coração de todos os sacrifícios. Serás capaz de executar muitos sacrifícios excelentes e também farás grande caridade. Dessa maneira, serás capaz de gozar das bênçãos de felicidade material nesta vida e, no momento de tua morte, serás capaz de lembrar-te de Mim.

Comentário

SIGNIFICADO—O fator mais importante neste verso são as instruções do Senhor a respeito de como lembrar-se da Suprema Personalidade de Deus ao final da vida. Ante nārāyaṇa-smṛtiḥ: o resultado de qualquer coisa que façamos na execução de atividades espirituais será exitoso se pudermos lembrar-nos de Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Este programa de lembrança constante pode ser perturbado por muitas coisas, mas a vida de Dhruva Mahārāja seria tão pura, como o assegura o próprio Senhor, que Dhruva jamais O esqueceria. Assim, no momento de sua morte, ele se lembraria do Senhor Supremo e, antes de sua morte, desfrutaria deste mundo material, não através do gozo dos sentidos, mas executando grandes sacrifícios. Como se afirma nos Vedas, quem realiza grandes sacrifícios deve dar caridade, não somente aos brāhmaṇas, mas também aos kṣatriyas, vaiśyas e śūdras. Assegura-se neste verso que Dhruva Mahārāja seria capaz de executar tais atividades. Nesta era de Kali, contudo, o grande sacrifício é a realização de saṅkīrtana-yajña. Nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa destina-se a ensinar às pessoas (e ensinar a nós mesmos) a instrução exata da Personalidade de Deus. Dessa maneira, executaremos continuamente o saṅkīrtana-yajña e continuamente cantaremos o mantra Hare Kṛṣṇa. Então, no fim de nossas vidas, é certo que seremos capazes de nos lembrar de Kṛṣṇa, e o programa de nossa vida será exitoso. Nesta era, a distribuição de prasāda tem substituído a distribuição de dinheiro. Ninguém tem dinheiro suficiente para distribuir, mas, se distribuímos kṛṣṇa-prasāda na medida do possível, isso é mais valioso do que a distribuição de dinheiro.

Texto

tato gantāsi mat-sthānaṁ
sarva-loka-namaskṛtam
upariṣṭād ṛṣibhyas tvaṁ
yato nāvartate gataḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; gantā asi — irás; mat-sthānam — à Minha morada; sarva-loka — por todos os sistemas planetários; namaḥ-kṛtam — reverenciada; upariṣṭāt — situada acima; ṛṣibhyaḥ — do que os sistemas planetários dos ṛṣis; tvam — tu; yataḥ — de onde; na — jamais; āvartate — voltarás; gataḥ — tendo ido lá.

Tradução

A Personalidade de Deus continuou: Meu querido Dhruva, após tua vida material neste corpo, irás ao Meu planeta, que é sempre reverenciado pelos habitantes de todos os demais sistemas planetários. Ele está situado acima dos planetas dos sete ṛṣis, e, tendo ido lá, jamais terás de voltar a este mundo material.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra nāvartate é muito significativa. O Senhor diz: “Não voltarás a este mundo material, pois alcançarás mat-sthānam, Minha morada.” Portanto, Dhruvaloka, ou a Estrela Polar, é a morada do Senhor Viṣṇu dentro deste mundo material. Ali, existe um oceano de leite, dentro do qual há uma ilha conhecida como Śvetadvīpa. Indica-se claramente que esse planeta está situado acima dos sete sistemas planetários dos ṛṣis, e, por ser Viṣṇuloka, esse planeta é adorado por todos os demais sistemas planetários. Pode-se perguntar aqui o que acontecerá com o planeta conhecido como Dhruvaloka no momento da dissolução deste universo. A resposta é simples: Dhruvaloka permanece, como os outros Vaikuṇṭhalokas além deste universo. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta a esse respeito que a própria palavra nāvartate indica a eternidade deste planeta.

Texto

maitreya uvāca
ity arcitaḥ sa bhagavān
atidiśyātmanaḥ padam
bālasya paśyato dhāma
svam agād garuḍa-dhvajaḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya continuou a falar; iti — assim; arcitaḥ — sendo honrado e adorado; saḥ — o Senhor Supremo; bhagavān — a Personalidade de Deus; atidiśya — após oferecer; ātmanaḥ — Sua pessoal; padam — residência; bālasya — enquanto o menino; paśyataḥ — observava; dhāma — à Sua morada; svam — própria; agāt — regressou; garuḍa-dhvajaḥ — Senhor Viṣṇu, cuja bandeira porta o emblema de Garuḍa.

Tradução

O grande sábio Maitreya disse: Após ser adorado e honrado por Dhruva Mahārāja, o menino, e após oferecer-lhe Sua morada, o Senhor Viṣṇu, montado em Garuḍa, regressou à Sua morada, enquanto Dhruva Mahārāja O observava.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso indica que o Senhor Viṣṇu concedeu a Dhruva Mahārāja a mesma morada na qual Ele residia. Sua morada é descrita na Bhagavad-gītā (15.6): yad gatvā na nivartante tad dhāma paramaṁ mama.

Texto

so ’pi saṅkalpajaṁ viṣṇoḥ
pāda-sevopasāditam
prāpya saṅkalpa-nirvāṇaṁ
nātiprīto ’bhyagāt puram

Sinônimos

saḥ — ele (Dhruva Mahārāja); api — embora; saṅkalpa-jam — o resultado desejado; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; pāda-sevā — servindo aos pés de lótus; upasāditam — obtido; prāpya — tendo alcançado; saṅkalpa — de sua determinação; nirvāṇam — a satisfação; na — não; atiprītaḥ — muito satisfeito; abhyagāt — ele retornou; puram — a seu lar.

Tradução

Apesar de ter alcançado o resultado desejado de sua determinação, adorando os pés de lótus do Senhor, Dhruva Mahārāja não estava muito satisfeito. Assim, retornou ele a seu lar.

Comentário

SIGNIFICADO—Adorando os pés de lótus do Senhor em serviço devocional, conforme fora instruído por Nārada Muni, Dhruva Mahārāja alcançou o resultado desejado. Seu desejo era obter uma posição muito elevada, excedendo à posição de seu pai, de seu avô e de seu bisavô. Embora essa fosse uma determinação um tanto pueril, visto que Dhruva era meramente uma criancinha, o Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, é tão bondoso e misericordioso que satisfez o desejo de Dhruva. Dhruva Mahārāja queria uma residência mais elevada do que qualquer uma jamais ocupada por alguém de sua família. Portanto, foi-lhe oferecido o planeta no qual o Senhor reside pessoalmente, e seu objetivo foi plenamente alcançado. Não obstante, quando Dhruva Mahārāja retornou à sua casa, ele não estava muito satisfeito, pois, embora em serviço devocional puro não se exija nada do Senhor, ele exigira algo devido à sua natureza infantil. Deste modo, embora o Senhor houvesse satisfeito seu desejo de qualquer maneira, ele não estava muito contente. Ao contrário, estava envergonhado por ter exigido algo do Senhor, pois não deveria ter feito isso.

Texto

vidura uvāca
sudurlabhaṁ yat paramaṁ padaṁ harer
māyāvinas tac-caraṇārcanārjitam
labdhvāpy asiddhārtham ivaika-janmanā
kathaṁ svam ātmānam amanyatārtha-vit

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura continuou a perguntar; sudurlabham — raríssimo; yat — aquela que; paramam — é a suprema; padam — situação; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; māyā-vinaḥ — afetuosíssimo; tat — Seus; caraṇa — pés de lótus; arcana — adorando; arjitam — alcançou; labdhvā — tendo obtido; api — embora; asiddha-artham — insatisfeito; iva — como se; eka-janmanā — na duração de uma vida; katham — por que; svam — próprio; ātmānam — coração; amanyata — ele sentiu; artha-vit — sendo muito sábio.

Tradução

Śrī Vidura perguntou: Meu querido brāḥmana, é dificílimo alcançar a morada do Senhor. Ela só pode ser alcançada mediante o serviço devocional puro, que por si só satisfaz o afetuosíssimo e misericordioso Senhor. Dhruva Mahārāja alcançou essa posição em uma só vida e era muito sábio e consciencioso. Por que, então, não estava muito satisfeito?

Comentário

SIGNIFICADO—A pergunta do santo Vidura é muito relevante. A palavra artha-vit, que se refere a alguém que sabe como discriminar entre realidade e irrealidade, é muito significativa a este respeito. Um artha-vit também é chamado de paramahaṁsa. O paramahaṁsa aceita somente o princípio ativo de tudo; assim como o cisne aceita apenas o leite de uma mistura de água e leite, o paramahaṁsa aceita somente a Suprema Personalidade de Deus como sua vida e alma, não prestando atenção às coisas materiais externas. Dhruva Mahārāja enquadrava-se nessa categoria e, devido à sua determinação, ele alcançou o resultado que desejava, mas, ainda assim, ao retornar à sua casa, não estava muito satisfeito.

Texto

maitreya uvāca
mātuḥ sapatnyā vāg-bāṇair
hṛdi viddhas tu tān smaran
naicchan mukti-pater muktiṁ
tasmāt tāpam upeyivān

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya respondeu; mātuḥ — de sua mãe; sa-patnyāḥ — da co-esposa; vāk-bāṇaiḥ — pelas flechas das palavras ásperas; hṛdi — no coração; viddhaḥ — trespassado; tu — então; tān — todas elas; smaran — lembrando-se; na — não; aicchat — desejou; mukti-pateḥ — do Senhor, cujos pés de lótus concedem a liberação; muktim — salvação; tasmāt — portanto; tāpam — pesar; upeyivān — ele sofreu.

Tradução

Maitreya respondeu: O coração de Dhruva Mahārāja, que fora trespassado pelas flechas das palavras ásperas de sua madrasta, estava muito pesaroso, e assim, quando ele se fixou na meta de sua vida, não se esqueceu do mau comportamento dela. Ele não pediu verdadeira liberação deste mundo material, porém, no final de seu serviço devocional, quando a Suprema Personalidade de Deus apareceu diante dele, Dhruva só fez envergonhar-se das necessidades materiais que tinha em sua mente.

Comentário

SIGNIFICADO—Este importante verso tem sido discutido por muitos comentadores destacados. Por que Dhruva Mahārāja não estava muito satisfeito mesmo após ter obtido a meta de vida que desejava? O devoto puro está sempre livre de qualquer espécie de desejo material. No mundo material, os desejos materiais são todos os mais demoníacos: alguém pensa que outrem é seu inimigo, outro pensa em vingar-se de seus inimigos, outro aspira a tornar-se o líder mais elevado ou a pessoa mais importante neste mundo material, e assim um compete com todos os demais. Descreve-se isso na Bhagavad-gītā, décimo sexto capítulo, como asúrico. O devoto puro não pede nada ao Senhor. Seu único interesse é servir ao Senhor, sincera e seriamente, e ele não se preocupa nem um pouco com o que acontecerá no futuro. No Mukunda-mālā-stotra, o rei Kulaśekhara, autor do livro, afirma em sua oração: “Meu querido Senhor, não quero nenhuma posição de gozo dos sentidos neste mundo material. Desejo apenas ocupar-me em Teu serviço perpetuamente.” De modo semelhante, o Senhor Caitanya, em Seu Śikṣāṣṭaka, também orou: “Meu Senhor, não quero nenhuma quantidade de riqueza material, não quero nenhum número de seguidores materialistas, tampouco desejo alguma esposa atrativa para desfrutar com ela. Tudo o que desejo é poder ocupar-me, vida após vida, a Teu serviço.” Nem mesmo mukti, ou a liberação, o Senhor Caitanya pediu em Sua oração.

Neste verso, Maitreya respondeu a Vidura que Dhruva Mahārāja, influenciado por uma atitude vingativa contra a madrasta que o insultara, não pensou em mukti, nem sabia o que era mukti. Portanto, ele deixou de determinar mukti como sua meta de vida. Mas o devoto puro também não deseja a liberação. Ele é uma alma inteiramente rendida ao Senhor Supremo e não pede nada ao Senhor. Dhruva Mahārāja compreendeu essa posição quando viu a Suprema Personalidade de Deus pessoalmente presente diante dele por ele ter-se elevado à plataforma vasudeva. A plataforma vasudeva refere-se à fase na qual a contaminação material brilha apenas por sua ausência, ou, em outras palavras, onde não há possibilidade de agirem os modos da natureza material – bondade, paixão e ignorância – e, portanto, pode-se ver a Suprema Personalidade de Deus. Como na plataforma vasudeva pode-se ver Deus face a face, o Senhor também é chamado de Vāsudeva.

Dhruva Mahārāja exigiu uma posição tão elevada como jamais fora desfrutada nem mesmo pelo senhor Brahmā, seu bisavô. Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é tão afetuoso e bondoso com Seu devoto, especialmente com um devoto como Dhruva Mahārāja (o qual foi à floresta prestar serviço devocional ao Senhor, sozinho, com apenas cinco anos de idade) que, embora a motivação possa ser impura, o Senhor não considera a motivação: Ele está interessado no serviço. Porém, se um devoto tem uma motivação em particular, o Senhor direta ou indiretamente sabe disso, de modo que não deixa que os desejos materiais do devoto fiquem insatisfeitos. Essas são algumas das graças especiais que o Senhor concede ao devoto.

Dhruva Mahārāja recebeu Dhruvaloka, um planeta que jamais fora habitado por nenhuma alma condicionada. O próprio Brahmā, embora seja a criatura mais elevada deste universo, não tinha permissão de entrar em Dhruvaloka. Sempre que há uma crise dentro deste universo, os semideuses vão ter com a Suprema Personalidade de Deus Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, e permanecem na praia do Oceano de Leite. Assim, a realização do pedido de Dhruva Mahārāja – uma posição mais elevada inclusive do que a de seu bisavô, Brahmā – foi-lhe concedida.

Neste verso, descreve-se o Senhor como mukti-pati, que significa “uma pessoa sob cujos pés de lótus existem todas as classes de mukti”. Há cinco espécies de muktisāyujya, sārūpya, sālokya, sāmīpya e sārṣṭi. Desses cinco muktis, que podem ser obtidos por qualquer pessoa ocupada em serviço devocional ao Senhor, aquela conhecida como sāyujya geralmente é pedida pelos filósofos māyāvādīs; eles querem tornar-se unos com a refulgência Brahman impessoal do Senhor. Na opinião de muitos eruditos, esse sāyujya-mukti, embora incluído entre as cinco espécies de mukti, não é realmente mukti, visto que, de sāyujya-mukti, pode-se cair novamente neste mundo material. Essa informação obtemos a partir do Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32), onde se diz que patanty adhaḥ: “Eles caem novamente.” O filósofo monista, após executar rigorosas austeridades, funde-se na refulgência impessoal do Senhor, mas a entidade viva sempre deseja correspondência em intercâmbios amorosos. Portanto, embora o filósofo monista seja elevado ao estado de se tornar uno com a refulgência do Senhor, ele novamente cai neste mundo material por não existirem aí facilidades para associar-se com o Senhor e prestar-Lhe serviço, e então ele satisfaz sua propensão a servir através de atividades beneficentes materialistas, tais como humanitarismo, altruísmo e filantropia. Há muitos casos de semelhantes quedas, inclusive de grandes sannyāsīs da escola māyāvāda.

Portanto, os filósofos vaiṣṇavas não aceitam que sāyujya-mukti se enquadre na categoria de mukti. Segundo eles, mukti significa transferir-se da posição de servir a māyā para a posição de serviço amoroso ao Senhor. O Senhor Caitanya também diz a esse respeito que a posição constitucional da entidade viva é prestar serviço ao Senhor. Isso é verdadeira mukti. Alguém que esteja situado em sua posição original, tendo abandonado todas as posições artificiais, é chamado de mukta, ou liberado. Na Bhagavad-gītā, confirma-se isto: qualquer pessoa que se dedique a prestar transcendental serviço amoroso ao Senhor é considerada mukta, ou brahma-bhūta. A Bhagavad-gītā diz que se considera um devoto como situado na plataforma brahma-bhūta quando ele não tem mais contaminação material. No Padma Purāṇa, confirma-se isto também: mukti significa ocupar-se a serviço do Senhor.

O grande sábio Maitreya explicou que, a princípio, Dhruva Mahārāja não desejava ocupar-se em serviço ao Senhor, senão que desejava uma posição elevada, melhor do que a de seu bisavô. Isso, mais ou menos, é servir, não ao Senhor, mas aos sentidos. Mesmo que alguém obtenha a posição de Brahmā, a posição mais elevada neste mundo material, ele é uma alma condicionada. Śrīla Prabodhānanda Sarasvatī diz que quem se eleva ao verdadeiro serviço devocional puro considera inclusive grandes semideuses como Brahmā e Indra em nível de igualdade com um inseto insignificante. A razão disso é que, assim como o inseto insignificante deseja gozo dos sentidos, uma grande personalidade como o senhor Brahmā também quer dominar esta natureza material.

Gozo dos sentidos significa domínio sobre a natureza material. Toda a competição entre as almas condicionadas baseia-se no domínio desta natureza material. Os cientistas modernos orgulham-se de seu conhecimento por estarem descobrindo novos métodos de dominar as leis da natureza material. Eles acham que isso é avanço de civilização humana – quanto mais podem dominar as leis materiais, mais avançados acham que são. A princípio, assim era a propensão de Dhruva Mahārāja. Ele queria dominar este mundo material numa posição superior à do senhor Brahmā. Portanto, em outra passagem, descreve-se que, após o aparecimento do Senhor, ao refletir e comparar sua determinação com a recompensa final, Dhruva Mahārāja compreendeu que havia desejado cacos de vidro, mas, ao invés disso, recebera muitos diamantes. Logo que viu a Suprema Personalidade de Deus face a face, ele imediatamente conscientizou-se da pouca importância do que pedira ao Senhor, ou seja, ter uma posição mais elevada do que a do senhor Brahmā.

Ao situar-se na plataforma vasudeva por ter visto o Senhor face a face, Dhruva Mahārāja purificou-se de toda a contaminação material. Assim, ele envergonhou-se do que eram suas exigências e do que obtivera mesmo assim. Ele estava muito envergonhado de pensar que, embora tivesse ido a Madhuvana, abandonando o reino de seu pai, e tivesse obtido um mestre espiritual como Nārada Muni, ainda assim pensava em vingar-se de sua madrasta e queria ocupar um posto elevado dentro deste mundo material. Essas eram as causas de sua tristeza mesmo após receber do Senhor todas as bênçãos desejadas.

Quando Dhruva Mahārāja viu de fato a Suprema Personalidade de Deus, já estava fora de cogitação a atitude vingativa que ele assumira contra sua madrasta ou qualquer aspiração a assenhorear-se do mundo material. Porém, a Suprema Personalidade de Deus é tão bondosa que sabia que Dhruva Mahārāja queria essas coisas. Falando perante Dhruva Mahārāja, Ele usou a palavra vedāham porque, quando Dhruva Mahārāja pedira benefícios materiais, o Senhor estava presente dentro de seu coração e, deste modo, sabia de tudo. O Senhor sempre sabe de tudo que um homem está pensando. Na Bhagavad-gītā, confirma-se isto também: vedāhaṁ samatītāni.

O Senhor satisfez todos os desejos de Dhruva Mahārāja. Sua atitude vingativa contra sua madrasta e seu meio-irmão foi satisfeita, seu desejo de uma posição mais elevada que a de seu bisavô também foi satisfeito e, ao mesmo tempo, foi determinada a sua posição eterna em Dhruvaloka. Embora a conquista por parte de Dhruva Mahārāja de um planeta eterno não fosse concebida por ele, Kṛṣṇa pensou: “O que fará Dhruva com uma posição elevada dentro deste mundo material?” Por isso, Ele deu a Dhruva a oportunidade de governar este mundo material por trinta e seis mil anos com sentidos incorruptíveis e a possibilidade de executar inúmeros grandes sacrifícios, tornando-se, assim, o mais famoso rei neste mundo material. E, após acabar com todo este gozo material, Dhruva seria promovido ao mundo espiritual, que inclui Dhruvaloka.

Texto

dhruva uvāca
samādhinā naika-bhavena yat padaṁ
viduḥ sanandādaya ūrdhva-retasaḥ
māsair ahaṁ ṣaḍbhir amuṣya pādayoś
chāyām upetyāpagataḥ pṛthaṅ-matiḥ

Sinônimos

dhruvaḥ uvāca — Dhruva Mahārāja disse; samādhinā — praticando yoga em transe; na — nunca; eka-bhavena — por um nascimento; yat — a qual; padam — posição; viduḥ — entenderam; sananda-ādayaḥ — os quatro brahmacārīs encabeçados por Sanandana; ūrdhva-retasaḥ — celibatários infalíveis; māsaiḥ — dentro de meses; aham — eu; ṣaḍbhiḥ — seis; amuṣya — dEle; pādayoḥ — dos pés de lótus; chāyām — refúgio; upetya — alcançando; apagataḥ — caí; pṛthak-matiḥ — minha mente fixa em coisas diferentes do Senhor.

Tradução

Dhruva Mahārāja pensou consigo mesmo: Esforçar-se para situar-se à sombra dos pés de lótus do Senhor não é uma tarefa comum, porque mesmo os grandes brahmacārīs encabeçados por Sanandana, que praticaram o aṣṭāṅga-yoga em transe, alcançaram o refúgio dos pés de lótus do Senhor somente após muitíssimos nascimentos. Dentro de seis meses, obtive o mesmo resultado, mas, por pensar diferentemente do Senhor, caí de minha posição.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, o próprio Dhruva Mahārāja explica a causa de sua tristeza. Em primeiro lugar, ele se lamenta dizendo que ver a Suprema Personalidade de Deus diretamente não é fácil. Mesmo grandes pessoas santas como os quatro célebres brahmacārīs encabeçados por Sanandana – Sanandana, Sanaka, Sanātana e Sanat-kumāra – praticaram o sistema de yoga por muitíssimos nascimentos e permaneceram em transe antes de obter a oportunidade de ver o Senhor Supremo face a face. Quanto a Dhruva Mahārāja, ele viu o Senhor Supremo pessoalmente após apenas seis meses de prática de serviço devocional. Ele esperava, portanto, que, tão logo se encontrasse com o Senhor Supremo, o Senhor o levaria imediatamente à Sua morada, sem demora. Dhruva Mahārāja pôde entender muito claramente que o Senhor lhe oferecera o governo do mundo por trinta e seis mil anos porque, a princípio, ele estivera sob o encanto da energia material, querendo vingar-se de sua madrasta e dominar o reino de seu pai. Dhruva Mahārāja lamentou-se muitíssimo por sua propensão a reinar no mundo material e por sua atitude vingativa contra outras entidades vivas.

Texto

aho bata mamānātmyaṁ
manda-bhāgyasya paśyata
bhava-cchidaḥ pāda-mūlaṁ
gatvā yāce yad antavat

Sinônimos

aho — oh!; bata — ai de mim; mama — minha; anātmyam — consciência corpórea; manda-bhāgyasya — do desventurado; paśyata — vede só; bhava — existência material; chidaḥ — do Senhor, que pode cortar; pāda-mūlam — os pés de lótus; gatvā — tendo-me aproximado; yāce — orei pedindo; yat — aquilo que; anta-vat — perecível.

Tradução

Ai de mim! Olhai só para mim! Sou tão desventurado. Aproximei-me dos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, que pode de imediato cortar a corrente da repetição de nascimentos e mortes, mas, ainda assim, devido à minha tolice, orei pedindo coisas perecíveis.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra anātmyam é muito significativa neste verso. Ātmā significa “a alma”, e anātmya, “sem qualquer conceito da alma”. Śrīla Ṛṣabhadeva ensinou a seus filhos que, a não ser que o ser humano chegue ao ponto de entender o ātmā, ou a posição espiritual, qualquer coisa que faça é ignorância, o que faz ocasionar apenas malogro em sua vida. Dhruva Mahārāja arrepende-se de sua posição desventurada, pois, embora houvesse se aproximado da Suprema Personalidade de Deus, que é sempre capaz de dar a Seu devoto a bênção máxima da cessação de repetidos nascimentos e mortes, o que é impossível de ser oferecido por qualquer semideus, ele tolamente desejou algo perecível. Quando Hiranyakaśipu pediu a imortalidade ao senhor Brahmā, o senhor Brahmā expressou sua incapacidade de oferecer semelhante bênção porque ele próprio não é imortal. Portanto, a imortalidade, ou cessação total da corrente de repetidos nascimentos e mortes, pode ser oferecida pelo Senhor Supremo, a própria Personalidade de Deus, e mais ninguém. Hariṁ vinā na mṛtiṁ taranti. Declara-se que, sem as bênçãos de Hari, a Suprema Personalidade de Deus, ninguém pode parar a contínua corrente de nascimentos e mortes dentro deste mundo material. Por isso, o Senhor Supremo também é chamado de bhava-cchit. A filosofia vaiṣṇava no processo da consciência de Kṛṣṇa proíbe ao devoto toda espécie de aspirações materiais. O devoto vaiṣṇava deve ser sempre anyābhilāṣitā-śūnya, livre de todas as aspirações materiais aos resultados de atividades fruitivas ou da especulação empírica. Dhruva Mahārāja foi realmente iniciado por Nārada Muni, o maior dos vaiṣṇavas, no canto de oṁ namo bhagavate vāsudevāya. Este mantra é um viṣṇu-mantra, pois, praticando o canto deste mantra, elevamo-nos ao Viṣṇuloka. Dhruva Mahārāja lastima que, apesar de ter sido iniciado no viṣṇu-mantra por um vaiṣṇava, ele ainda assim aspirava a benefícios materiais. Este era outro motivo de lamentação. Embora obtivesse o resultado do viṣṇu-mantra pela misericórdia imotivada do Senhor, ele se lamentava por ser tão tolo, a ponto de ter-se esforçado por obter benefícios materiais enquanto praticava o serviço devocional. Em outras palavras, todos nós que estamos ocupados em serviço devocional na consciência de Kṛṣṇa devemos ser inteiramente livres de todas as aspirações materiais. Caso contrário, seremos forçados a nos lamentar como Dhruva Mahārāja.

Texto

matir vidūṣitā devaiḥ
patadbhir asahiṣṇubhiḥ
yo nārada-vacas tathyaṁ
nāgrāhiṣam asattamaḥ

Sinônimos

matiḥ — inteligência; vidūṣitā — contaminada; devaiḥ — pelos semideuses; patadbhiḥ — que cairão; asahiṣṇubhiḥ — intolerantes; yaḥ — eu que; nārada — do grande sábio Nārada; vacaḥ — das instruções; tathyam — a verdade; na — não; agrāhiṣam — pude aceitar; asat-tamaḥ — o mais deplorável.

Tradução

Uma vez que todos os semideuses que estão situados no sistema planetário superior terão que descer novamente, todos eles invejam minha elevação a Vaikuṇṭhaloka através do serviço devocional. Esses semideuses intolerantes dissiparam minha inteligência, e somente por essa razão não pude aceitar a bênção genuína das instruções do sábio Nārada.

Comentário

SIGNIFICADO—Como fica demonstrado em muitos exemplos da literatura védica, quando uma pessoa se submete a rigorosas austeridades, os semideuses ficam muito perturbados porque sempre temem perder seus postos como as deidades predominantes dos planetas celestiais. Eles sabem que suas posições no sistema planetário superior não são permanentes, como se afirma na Bhagavad-gītā, nono capítulo (kṣīne puṇye martya-lokaṁ viśanti). Afirma-se na Gītā que, após esgotarem-se os resultados de suas atividades piedosas, todos os semideuses, que são habitantes do sistema planetário superior, são obrigados a descer novamente a esta Terra.

É um fato que os semideuses controlam as diferentes atividades dos membros de nossos corpos. Na verdade, não somos livres sequer para mover nossas pestanas. Tudo é controlado por eles. A conclusão de Dhruva Mahārāja é que esses semideuses, invejando sua posição superior em serviço devocional, conspiraram contra ele para poluir sua inteligência e, dessa maneira, embora fosse discípulo de Nārada Muni, um grande vaiṣṇava, ele não pôde aceitar as irrefutáveis instruções de Nārada. Agora Dhruva Mahārāja lamentava-se muitíssimo por ter negligenciado essas instruções. Nārada Muni lhe perguntara: “Por que deverias importar-te com os insultos ou a adoração de tua madrasta?” Naturalmente, ele disse a Dhruva Mahārāja que, como Dhruva não passava de uma criança, o que tinha ele a ver com insulto ou adoração? Dhruva Mahārāja, porém, estava determinado a alcançar a bênção da Suprema Personalidade de Deus, de modo que Nārada o aconselhou a regressar ao lar e esperar até que o momento apropriado chegasse em que ele pudesse tentar praticar o serviço devocional. Dhruva Mahārāja arrependeu-se de ter rejeitado o conselho de Nārada Muni e de ter teimado em pedir-lhe algo perecível, a saber, a vingança contra sua madrasta, devido ao insulto dela, e a posse do reino de seu pai.

Dhruva Mahārāja arrependeu-se muito por não ter podido levar a sério a instrução de seu mestre espiritual e pelo fato de sua consciência ter sido, portanto, contaminada. De qualquer modo, o Senhor é tão misericordioso que, devido à prática de serviço devocional de Dhruva, Ele ofereceu a Dhruva a derradeira meta vaiṣṇava.

Texto

daivīṁ māyām upāśritya
prasupta iva bhinna-dṛk
tapye dvitīye ’py asati
bhrātṛ-bhrātṛvya-hṛd-rujā

Sinônimos

daivīm — da Personalidade de Deus; māyām — a energia ilusória; upāśritya — refugiando-me em; prasuptaḥ — sonhando enquanto dormia; iva — como; bhinna-dṛk — tendo visão separada; tapye — eu me lamentei; dvitīye — na energia ilusória; api — embora; asati — temporária; bhrātṛ — irmão; bhrātṛvya — inimigo; hṛt — dentro do coração; rujā — pela lamentação.

Tradução

Dhruva Mahārāja lamentou-se: Eu estava sob a influência da energia ilusória – ignorando os fatos verdadeiros, dormia no colo dela. Com visão de dualidade, vi meu irmão como inimigo, e falsamente me lamentei dentro do coração, pensando: “Eles são meus inimigos.”

Comentário

SIGNIFICADO—O verdadeiro conhecimento é revelado a um devoto somente quando ele, pela graça do Senhor, chega à conclusão correta sobre a vida. Criar amigos e inimigos neste mundo material é algo como sonhar à noite. Nos sonhos, criamos tantas coisas surgidas de várias impressões na mente subconsciente, mas todas essas criações são simplesmente temporárias e irreais. Da mesma maneira, embora aparentemente estejamos despertos na vida material, criamos muitos amigos e inimigos simplesmente por imaginação, por não termos informação da alma e da Superalma. Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī diz que, neste mundo material, ou em consciência material, o bem e o mal são a mesma coisa. A distinção entre o bem e o mal não passa de mera invenção mental. O fato real é que todos os seres vivos são filhos de Deus, ou subprodutos de Sua energia marginal. Por estarmos contaminados pelos modos da natureza material, distinguimos uma centelha espiritual da outra. Isso também é outra espécie de sonho. Afirma-se na Bhagavad-gītā que aqueles que são realmente eruditos não fazem distinção alguma entre um estudioso erudito, um brāhmaṇa, um elefante, um cão e um caṇḍāla. Eles não veem em termos do corpo externo; ao contrário, veem a pessoa como alma espiritual. Através da compreensão superior, pode-se saber que o corpo material nada mais é que uma combinação dos cinco elementos materiais. Nesse sentido, também, a constituição corpórea de um ser humano e a de um semideus são idênticas. Do ponto de vista espiritual, somos todos centelhas espirituais, partes integrantes do Espírito Supremo, Deus. Quer material, quer espiritualmente, somos basicamente iguais, mas fazemos amigos e inimigos conforme os ditames da energia ilusória. Dhruva Mahārāja, portanto, disse que daivīṁ māyām upāśritya: a causa de sua confusão era a sua associação com a energia material ilusória.

Texto

mayaitat prārthitaṁ vyarthaṁ
cikitseva gatāyuṣi
prasādya jagad-ātmānaṁ
tapasā duṣprasādanam
bhava-cchidam ayāce ’haṁ
bhavaṁ bhāgya-vivarjitaḥ

Sinônimos

mayā — por mim; etat — isto; prārthitam — orei por; vyartham — inutilmente; cikitsā — tratamento; iva — como; gata — tenha terminado; āyuṣi — por alguém cuja vida; prasādya — após satisfazer; jagat-ātmānam — a alma do universo; tapasā — mediante austeridades; duṣprasādanam — que é muito difícil de satisfazer; bhava-chidam — a Personalidade de Deus, que pode cortar a corrente de nascimentos e mortes; ayāce — orei por; aham — eu; bhavam — repetição de nascimentos e mortes; bhāgya — fortuna; vivarjitaḥ — sendo sem.

Tradução

É muito difícil satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, mas, no meu caso, embora eu tenha satisfeito a Superalma de todo o universo, orei somente por coisas inúteis. Minhas atividades eram exatamente como o tratamento dado a uma pessoa que já está morta. Vede só quão desventurado eu sou, pois, apesar de encontrar o Senhor Supremo, que pode cortar nossa ligação com nascimentos e mortes, orei pelas mesmas condições novamente.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes ocorre que o devoto ocupado no serviço amoroso ao Senhor deseja algum benefício material em troca deste serviço. Esta não é a maneira adequada de desempenhar serviço devocional. Por ignorância, evidentemente, às vezes o devoto age assim, mas Dhruva Mahārāja lamenta-se por seu comportamento pessoal a esse respeito.

Texto

svārājyaṁ yacchato mauḍhyān
māno me bhikṣito bata
īśvarāt kṣīṇa-puṇyena
phalī-kārān ivādhanaḥ

Sinônimos

svārājyam — Seu serviço devocional; yacchataḥ — do Senhor, que estava disposto a oferecer; mauḍhyāt — por tolices; mānaḥ — prosperidade material; me — por mim; bhikṣitaḥ — foi solicitado a; bata — ai de mim; īśvarāt — de um grande imperador; kṣīṇa — reduzidas; puṇyena — cujas atividades piedosas; phalī-kārān — partículas quebradas de arroz debulhado; iva — como; adhanaḥ — um homem pobre.

Tradução

Devido a meu estado de completa tolice e falta de atividades piedosas, embora o Senhor me tivesse oferecido Seu serviço pessoal, desejei nome, fama e prosperidade materiais. Meu caso é semelhante ao do homem pobre que, ao satisfazer um grande imperador que queria dar-lhe qualquer coisa que ele pedisse, por ignorância pediu somente alguns grãos quebrados de arroz.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra svārājyam, que significa “completa independência”, é muito significativa. A alma condicionada não sabe o que é completa independência. Independência completa significa estar situado na própria posição constitucional. A verdadeira independência da entidade viva, que é parte integrante da Suprema Personalidade de Deus, é permanecer sempre dependente do Senhor Supremo, assim como uma criança que brinca em plena independência, orientada por seus pais, que olham por ela. A independência da alma condicionada não significa lutar contra os obstáculos oferecidos por māyā, mas, sim, render-se a Kṛṣṇa. No mundo material, todos estão tentando tornar-se inteiramente independentes simplesmente lutando contra os obstáculos oferecidos por māyā. Esta é a chamada luta pela vida. Verdadeira independência é restabelecer-se no serviço ao Senhor. Qualquer pessoa que vá aos planetas Vaikuṇṭha ou ao planeta Goloka Vṛndāvana está livremente oferecendo seu serviço ao Senhor. Isso é completa independência. Justamente contrária a isso é a soberania material, que erroneamente julgamos ser independência. Muitos grandes líderes políticos têm tentado estabelecer a independência, mas, devido a essa dita independência, a dependência das pessoas apenas aumenta. A entidade viva não pode ser feliz tentando ser independente no mundo material. Portanto, é preciso que nos rendamos aos pés de lótus do Senhor e nos ocupemos em nosso serviço eterno original.

Dhruva Mahārāja lamenta-se por ter desejado opulência material e prosperidade maior que a de seu bisavô, o senhor Brahmā. Seu pedido ao Senhor foi como o do homem pobre que pediu alguns grãos de arroz quebrado a um grande imperador. A conclusão é que ninguém que esteja ocupado em serviço amoroso ao Senhor deve pedir prosperidade material ao Senhor, em tempo algum. A concessão de prosperidade material depende simplesmente das estritas regras e regulações da energia externa. A única coisa que os devotos puros pedem ao Senhor é o privilégio de servi-lO. Essa é nossa verdadeira independência. Se queremos algo mais, isso é sinal de nosso infortúnio.

Texto

maitreya uvāca
na vai mukundasya padāravindayo
rajo-juṣas tāta bhavādṛśā janāḥ
vāñchanti tad-dāsyam ṛte ’rtham ātmano
yadṛcchayā labdha-manaḥ-samṛddhayaḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya continuou; na — jamais; vai — certamente; mukundasya — do Senhor, que pode dar a liberação; padaaravindayoḥ – dos pés de lótus; rajaḥ-juṣaḥ — pessoas que estão ávidas por saborear a poeira; tāta — meu querido Vidura; bhavādṛśāḥ — como tu; janāḥ — pessoas; vāñchanti — desejam; tat — Sua; dāsyam — servidão; ṛte — sem; artham — interesse; ātmanaḥ — para elas mesmas; yadṛcchayā — automaticamente; labdha — pelo que se alcança; manaḥ-samṛddhayaḥ — considerando-se muito ricas.

Tradução

O grande sábio Maitreya continuou: Meu querido Vidura, pessoas como tu, que são devotas puras dos pés de lótus de Mukunda [a Suprema Personalidade de Deus, que pode oferecer a liberação] e que vivem apegadas ao mel de Seus pés de lótus, estão sempre satisfeitas servindo aos pés de lótus do Senhor. Em qualquer condição de vida, tais pessoas permanecem satisfeitas e, deste modo, jamais pedem prosperidade material ao Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā, o Senhor diz que é o desfrutador supremo, o proprietário supremo de toda e qualquer coisa dentro desta criação, e o amigo supremo de todos. Quem sabe dessas coisas perfeitamente está sempre satisfeito. O devoto puro jamais anseia por alguma espécie de prosperidade material. Os karmīs, contudo, ou mesmo os jñānīs e os yogīs, sempre se esforçam por sua própria felicidade. Os karmīs trabalham dia e noite para melhorar sua condição econômica, os jñānīs submetem-se a rigorosas austeridades a fim de obter a liberação, e os yogīs também se submetem a rigorosas austeridades, praticando o sistema de yoga em troca da consecução de poderes místicos maravilhosos. O devoto, entretanto, não está interessado em semelhantes atividades – ele não quer poderes místicos, nem liberação, nem prosperidade material. Ele se contenta com qualquer condição de vida, contanto que esteja constantemente ocupado no serviço ao Senhor. Os pés do Senhor são comparados ao lótus, no qual há poeira açafroada. O devoto vive bebendo o mel dos pés de lótus do Senhor. A menos que nos livremos de todos os desejos materiais, não podemos realmente saborear o mel dos pés de lótus do Senhor. É preciso que desempenhemos nossos deveres devocionais sem nos deixar perturbar pelo ir e vir das circunstâncias materiais. Essa ausência de desejo de prosperidade material chama-se niṣkāma. Não se deve equivocadamente pensar que niṣkāma quer dizer renunciar a todos os desejos. Isso é impossível. A entidade viva existe eternamente, e não pode renunciar aos desejos. Uma entidade viva necessariamente tem desejos: eis o sintoma da vida. Quando se recomenda que nos tornemos livres de desejos, deve-se entender isso como significando que não devemos desejar nada para o gozo de nossos sentidos. Para um devoto, esse estado de espírito, niḥspṛha, é a posição correta. De fato, para cada um de nós, já foi programado um padrão de conforto material. O devoto deve contentar-se sempre com o padrão de conforto oferecido pelo Senhor, como se afirma na Īśopaniṣad (tena tyaktena bhuñjīthāḥ). Isso poupa seu tempo e lhe permite executar a consciência de Kṛṣṇa.

Texto

ākarṇyātma-jam āyāntaṁ
samparetya yathāgatam
rājā na śraddadhe bhadram
abhadrasya kuto mama

Sinônimos

ākarṇya — tendo ouvido; ātma-jam — seu filho; āyāntam — regressando; samparetya — após morrer; yathā — como se; āgatam — voltando; rājā — o rei Uttānapāda; na — não; śraddadhe — tinha confiança alguma; bhadram — boa fortuna; abhadrasya — dos ímpios; kutaḥ — por este motivo; mama — minha.

Tradução

Quando o rei Uttānapāda ouviu que seu filho Dhruva estava de regresso ao lar, como se estivesse ressuscitando após a morte, ele não pôde depositar sua fé nessa mensagem, pois tinha dúvidas sobre como isso poderia acontecer. Ele se considerava o mais deplorável entre os homens, de maneira que achava que não lhe era possível obter tamanha boa fortuna.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja, um menino de cinco anos, foi à floresta praticar penitências e austeridades, e o rei não podia acreditar de modo algum que um menininho de tão tenra idade pudesse viver na floresta. Estava certo de que Dhruva morrera. Portanto, ele não pôde depositar sua fé na notícia de que Dhruva Mahārāja estava novamente de regresso ao lar. Para ele, era uma notícia equivalente a dizer que um homem morto estava voltando para casa, de modo que ele não podia acreditar nela. Após Dhruva Mahārāja deixar o lar, o rei Uttānapāda julgou-se a causa da partida de Dhruva, considerando-se, dessa maneira, muito deplorável. Portanto, muito embora fosse possível que seu filho perdido estivesse voltando do reino da morte, ele achou que, como era muito pecaminoso, não lhe seria possível ser tão afortunado a ponto de obter de volta seu filho perdido.

Texto

śraddhāya vākyaṁ devarṣer
harṣa-vegena dharṣitaḥ
vārtā-hartur atiprīto
hāraṁ prādān mahā-dhanam

Sinônimos

śraddhāya — mantendo fé; vākyam — nas palavras; devarṣeḥ — do grande sábio Nārada; harṣa-vegena — por grande satisfação; dharṣitaḥ — tomado; vārtā-hartuḥ — com o mensageiro que trouxe a notícia; atiprītaḥ — estando muito satisfeito; hāram — um colar de pérolas; prādāt — ofereceu; mahā-dhanam — preciosíssimo.

Tradução

Embora não pudesse acreditar nas palavras do mensageiro, ele tinha plena fé na palavra do grande sábio Nārada. Assim, ficou muito emocionado com a notícia, e imediatamente ofereceu, com grande satisfação, um colar preciosíssimo ao mensageiro.

Texto

sad-aśvaṁ ratham āruhya
kārtasvara-pariṣkṛtam
brāhmaṇaiḥ kula-vṛddhaiś ca
paryasto ’mātya-bandhubhiḥ
śaṅkha-dundubhi-nādena
brahma-ghoṣeṇa veṇubhiḥ
niścakrāma purāt tūrṇam
ātmajābhīkṣaṇotsukaḥ

Sinônimos

sat-aśvam — puxada por excelentes cavalos; ratham — quadriga; āruhya — subindo a; kārtasvara- pariṣkṛtam — adornadas com filigranas douradas; brāhmaṇaiḥ — com brāhmaṇas; kula-vṛddhaiḥ — juntamente com as personalidades mais velhas da família; ca — também; paryastaḥ — estando rodeado; amātya — por funcionários e ministros; bandhubhiḥ — e amigos; śaṅkha — de búzios; dundubhi — e tambores; nādena — com o som; brahma-ghoṣeṇa — pelo canto de mantras védicos; veṇubhiḥ — por flautas; niścakrāma — ele saiu; purāt — da cidade; tūrṇam — com muita pressa; ātma-ja — filho; abhikṣaṇa — para ver; utsukaḥ — muito ansioso.

Tradução

Então, o rei Uttānapāda, estando muito ansioso para ver o rosto de seu filho perdido, subiu a uma quadriga puxada por excelentes cavalos e adornada com filigranas douradas. Levando com ele muitos brāhmaṇas eruditos, todas as personalidades mais velhas de sua família, seus funcionários, ministros e amigos imediatos, ele deixou prontamente a cidade. Enquanto o desfile avançava, ouviam-se sons auspiciosos de búzios, tambores, flautas e o canto de mantras védicos para indicar toda a boa fortuna.

Texto

sunītiḥ suruciś cāsya
mahiṣyau rukma-bhūṣite
āruhya śibikāṁ sārdham
uttamenābhijagmatuḥ

Sinônimos

sunītiḥ — a rainha Sunīti; suruciḥ — a rainha Suruci; ca — também; asya — do rei; mahiṣyau — rainhas; rukma-bhūṣite — estando decoradas com ornamentos dourados; āruhya — subindo a; śibikām — um palanquim; sārdham — juntamente com; uttamena — Uttama, o outro filho do rei; abhijagmatuḥ — todos prosseguiram em direção a.

Tradução

Ambas as rainhas do rei Uttānapāda, Sunīti e Suruci, juntamente com seu outro filho, Uttama, apareceram no desfile. As rainhas estavam sentadas em um palanquim.

Comentário

SIGNIFICADO—Após Dhruva Mahārāja partir do palácio, o rei ficara muito aflito, mas, com as amáveis palavras do santo Nārada, ele ficou parcialmente satisfeito. Ele pôde compreender a grande fortuna de sua esposa Sunīti e o grande infortúnio da rainha Suruci, pois os fatos eram decerto muito conhecidos no palácio. De qualquer modo, porém, ao chegar ao palácio a notícia de que Dhruva Mahārāja estava de regresso, sua mãe, Sunīti, por grande compaixão e devido a ser a mãe de um grande vaiṣṇava, não hesitou em levar a outra esposa, Suruci, e seu filho, Uttama, no mesmo palanquim. Tal era a grandeza da rainha Sunīti, a mãe do grande vaiṣṇava Dhruva Mahārāja.

Texto

taṁ dṛṣṭvopavanābhyāśa
āyāntaṁ tarasā rathāt
avaruhya nṛpas tūrṇam
āsādya prema-vihvalaḥ
parirebhe ’ṅgajaṁ dorbhyāṁ
dīrghotkaṇṭha-manāḥ śvasan
viṣvaksenāṅghri-saṁsparśa-
hatāśeṣāgha-bandhanam

Sinônimos

tam — a ele (Dhruva Mahārāja); dṛṣṭvā — tendo visto; upavana — a pequena floresta; abhyāśe — próxima; āyāntam — retornando; tarasā — com muita pressa; rathāt — da quadriga; avaruhya — desceu; nṛpaḥ — o rei; tūrṇam — imediatamente; āsādya — aproximando-se; prema — com amor; vihvalaḥ — tomado; parirebhe — abraçou; aṅga-jam — seu filho; dorbhyām — com seus braços; dīrgha — por longo tempo; utkaṇṭha — ansioso; manāḥ — o rei, cuja mente; śvasan — respirando ofegante; viṣvaksena — do Senhor; aṅghri — pelos pés de lótus; saṁsparśa — sendo tocado; hata — foi destruída; aśeṣa — ilimitada; agha — contaminação material; bandhanam — cujo cativeiro.

Tradução

Ao ver Dhruva Mahārāja aproximando-se da pequena floresta vizinha, o rei Uttānapāda desceu de sua quadriga, apressado. Por longo tempo, ele ansiara ver seu filho Dhruva, em razão do que, com grande amor e afeição, adiantou-se para abraçar seu filho há muito perdido. Respirando ofegante, o rei o abraçou com ambos os braços. Contudo, Dhruva Mahārāja não era o mesmo de antes: ele estava inteiramente santificado pelo avanço espiritual devido a ter sido tocado pelos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

athājighran muhur mūrdhni
śītair nayana-vāribhiḥ
snāpayām āsa tanayaṁ
jātoddāma-manorathaḥ

Sinônimos

atha — depois disso; ājighran — cheirando; muhuḥ — repetidamente; mūrdhni — na cabeça; śītaiḥ — fria; nayana — de seus olhos; vāribhiḥ — com a água; snāpayām āsa — ele banhou; tanayam — filho; jāta — satisfez; uddāma — grande; manaḥ-rathaḥ — seu desejo.

Tradução

O reencontro com Dhruva Mahārāja satisfez o desejo há muito acalentado do rei Uttānapāda, e, por essa razão, ele cheirou repetidamente a cabeça de Dhruva e o banhou com torrentes de lágrimas muito frias.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o processo natural, um homem pode chorar por dois motivos. Quando ele chora por grande felicidade, após ter algum desejo satisfeito, as lágrimas que caem de seus olhos são muito frias e agradáveis, ao passo que as lágrimas em momentos de aflição são muito quentes.

Texto

abhivandya pituḥ pādāv
āśīrbhiś cābhimantritaḥ
nanāma mātarau śīrṣṇā
sat-kṛtaḥ saj-janāgraṇīḥ

Sinônimos

abhivandya — adorando; pituḥ — de seu pai; pādau — os pés; āśīrbhiḥ — com bênçãos; ca — e; abhimantritaḥ — foi interpelado; nanāma — ele prostrou-se; mātarau — a suas duas mães; śīrṣṇā — com sua cabeça; sat-kṛtaḥ — foi honrado; sat-jana — dos nobres; agraṇīḥ — o principal.

Tradução

Então, Dhruva Mahārāja, o principal de todos os nobres, primeiramente ofereceu suas reverências aos pés de seu pai, que o honrou com várias perguntas. Em seguida, prostrou a cabeça aos pés de suas duas mães.

Comentário

SIGNIFICADO—Talvez se pergunte por que Dhruva Mahārāja ofereceu seus respeitos, não somente a sua mãe, mas também a sua madrasta, devido a cujos insultos ele deixara o lar. A resposta é que, após alcançar a perfeição através da autorrealização e ver a Suprema Personalidade de Deus face a face, Dhruva Mahārāja livrou-se inteiramente de toda a contaminação de desejos materiais. O devoto jamais percebe os insultos ou as honrarias deste mundo material. O Senhor Caitanya recomenda, portanto, que devemos ser mais humildes que a grama e mais tolerante que a árvore para executarmos serviço devocional. Portanto, Dhruva Mahārāja é descrito neste verso como saj-janāgraṇīḥ, o principal dos homens nobres. O devoto puro é o mais nobre de todos, e não tem sentimentos de animosidade contra ninguém. A dualidade devida à animosidade é uma criação deste mundo material. Tal coisa não existe no mundo espiritual, que é a realidade absoluta.

Texto

surucis taṁ samutthāpya
pādāvanatam arbhakam
pariṣvajyāha jīveti
bāṣpa-gadgadayā girā

Sinônimos

suruciḥ — a rainha Suruci; tam — a ele; samutthāpya — tendo levantado; pāda-avanatam — caído a seus pés; arbhakam — o menino inocente; pariṣvajya — abraçando; āha — ela disse; jīva — que tenhas uma vida longa; iti — assim; bāṣpa — com lágrimas; gadgadayā — sufocada; girā — com as palavras.

Tradução

Suruci, a mãe mais nova de Dhruva Mahārāja, vendo que o inocente menino caíra a seus pés, imediatamente o levantou, abraçando-o com suas mãos, e, com lágrimas emocionadas, ela o abençoou com as palavras: “Meu querido menino, que tenhas uma vida longa!”

Texto

yasya prasanno bhagavān
guṇair maitry-ādibhir hariḥ
tasmai namanti bhūtāni
nimnam āpa iva svayam

Sinônimos

yasya — qualquer pessoa com quem; prasannaḥ — esteja satisfeita; bhagavān — a Personalidade de Deus; guṇaiḥ — por qualidades; maitrī-ādibhiḥ — por amizade etc.; hariḥ — o Senhor Hari; tasmai — a ela; namanti — oferecem respeito; bhūtāni — todas as entidades vivas; nimnam — ao solo baixo; āpaḥ — água; iva — assim como; svayam — automaticamente.

Tradução

Todas as entidades vivas prestam honras a quem tem qualidades transcendentais por se relacionar amistosamente com a Suprema Personalidade de Deus, assim como a água flui automaticamente para baixo, por sua própria natureza.

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, pode-se fazer a seguinte pergunta: Por que Suruci, que não tinha disposição favorável para com Dhruva, o abençoou dizendo: “Que tenhas uma vida longa”? Isso significa que ela também lhe desejou toda a boa fortuna. Responde-se a essa pergunta neste verso. Uma vez que Dhruva Mahārāja fora abençoado pelo Senhor, devido a suas qualidades transcendentais, todos se sentiam inclinados a oferecer-lhe todos os respeitos e bênçãos, assim como a água, por sua própria natureza, flui para baixo. O devoto do Senhor não exige respeito de ninguém, mas todos O honram aonde quer que vá, em todo o mundo, com todo o respeito. Śrīnivāsa Ācārya disse que os seis Gosvāmīs de Vṛndāvana são respeitados em todo o universo porque o devoto, tendo satisfeito a Suprema Personalidade de Deus, a fonte de todas as emanações, automaticamente agrada a todos, e assim todos o reverenciam.

Texto

uttamaś ca dhruvaś cobhāv
anyonyaṁ prema-vihvalau
aṅga-saṅgād utpulakāv
asraughaṁ muhur ūhatuḥ

Sinônimos

uttamaḥ ca — também Uttama; dhruvaḥ ca — também Dhruva; ubhau — ambos; anyonyam — um ao outro; prema-vihvalau — estando dominados pela afeição; aṅga-saṅgāt — ao se abraçarem; utpulakau — seus pelos se arrepiaram; asra — de lágrimas; ogham — torrentes; muhuḥ — repetidamente; ūhatuḥ — eles trocaram.

Tradução

Os dois irmãos Uttama e Dhruva Mahārāja também trocaram lágrimas. Eles estavam dominados pelo êxtase de amor e afeição, e, ao se abraçarem, os pelos de seus corpos se arrepiaram.

Texto

sunītir asya jananī
prāṇebhyo ’pi priyaṁ sutam
upaguhya jahāv ādhiṁ
tad-aṅga-sparśa-nirvṛtā

Sinônimos

sunītiḥ — Sunīti, a mãe verdadeira de Dhruva Mahārāja; asya — sua; jananī — mãe; prāṇebhyaḥ — mais do que o ar vital; api — mesmo; priyam — querido; sutam — filho; upaguhya — abraçando; jahau — abandonou; ādhim — todo o pesar; tat-aṅga — seu corpo; sparśa — tocando; nirvṛtā — estando satisfeita.

Tradução

Sunīti, a mãe verdadeira de Dhruva Mahārāja, abraçou o tenro corpo de seu filho, que lhe era mais querido do que sua própria vida, e assim se esqueceu de todo o pesar material, pois estava muito satisfeita.

Texto

payaḥ stanābhyāṁ susrāva
netra-jaiḥ salilaiḥ śivaiḥ
tadābhiṣicyamānābhyāṁ
vīra vīra-suvo muhuḥ

Sinônimos

payaḥ — leite; stanābhyām — de ambos os seios; susrāva — começou a escorrer; netra-jaiḥ — dos olhos; salilaiḥ — por lágrimas; śivaiḥ — auspiciosas; tadā — naquele momento; abhiṣicyamānābhyām — sendo umedecidos; vīra — meu querido Vidura; vīra-suvaḥ — da mãe que deu à luz um herói; muhuḥ — constantemente.

Tradução

Meu querido Vidura, Sunīti era a mãe de um grande herói. Suas lágrimas, juntamente com o leite que escorria de seus seios, umedeceram todo o corpo de Dhruva Mahārāja. Isso era um sinal muito auspicioso.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando se instalam Deidades, Elas são lavadas com leite, iogurte e água, e a essa cerimônia se chama abhiṣeka. Neste verso, menciona-se especialmente que as lágrimas que escorreram dos olhos de Sunīti eram inteiramente auspiciosas. Essa auspiciosidade da cerimônia abhiṣeka executada por sua amada mãe era uma indicação de que, em um futuro muito próximo, Dhruva Mahārāja seria instalado no trono de seu pai. Essa é a história do abandono do lar por parte de Dhruva Mahārāja. Seu pai se recusara a lhe dar um lugar em seu colo. Em consequência disso, Dhruva Mahārāja se determinou a não regressar enquanto não obtivesse o trono de seu pai. Agora, no entanto, essa cerimônia abhiṣeka executada por sua amada mãe indicava que ele ocuparia o trono de Mahārāja Uttānapāda.

É muito significativo também neste verso que Sunīti, a mãe de Dhruva Mahārāja, seja descrita como vīra-sū, uma mãe que produziu um grande herói. Muitos são os heróis do mundo, mas nenhum pode se comparar a Dhruva Mahārāja, que foi não somente um imperador heroico deste planeta, mas também um grande devoto. O devoto também é um grande herói porque vence a influência de māyā. Quando o Senhor Caitanya perguntou a Rāmānanda Rāya qual é o homem mais famoso deste mundo, obteve como resposta que qualquer pessoa que seja conhecida como um grande devoto do Senhor deve ser aceita como a mais famosa.

Texto

tāṁ śaśaṁsur janā rājñīṁ
diṣṭyā te putra ārti-hā
pratilabdhaś ciraṁ naṣṭo
rakṣitā maṇḍalaṁ bhuvaḥ

Sinônimos

tām — à rainha Sunīti; śaśaṁsuḥ — ofereceram louvores; janāḥ — as pessoas em geral; rājñīm — à rainha; diṣṭyā — por sorte; te — vosso; putraḥ — filho; ārti- — aniquilará todas as vossas dores; pratilabdhaḥ — agora de volta; ciram — há muito tempo; naṣṭaḥ — perdido; rakṣitā — protegerá; maṇḍalam — o globo; bhuvaḥ — terrestre.

Tradução

Os habitantes do palácio louvaram a rainha: Querida rainha, vosso amado filho estava perdido há muito tempo, mas agora tendes a grande fortuna de tê-lo de volta. Parece, portanto, que vosso filho será capaz de proteger-vos por muitíssimo tempo e dará fim a todas as vossas dores materiais.

Texto

abhyarcitas tvayā nūnaṁ
bhagavān praṇatārti-hā
yad-anudhyāyino dhīrā
mṛtyuṁ jigyuḥ sudurjayam

Sinônimos

abhyarcitaḥ — adorado; tvayā — por vós; nūnam — contudo; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; praṇata-ārti- — que pode libertar Seus devotos do maior perigo; yat — quem; anudhyāyinaḥ — constantemente meditando em; dhīrāḥ — grandes pessoas santas; mṛtyum — morte; jigyuḥ — vencida; sudurjayam — o que é dificílimo de ser superado.

Tradução

Querida rainha, deveis ter adorado a Suprema Personalidade de Deus, que liberta Seus devotos do maior perigo. As pessoas que constantemente meditam nEle superam o curso de nascimentos e mortes. Essa perfeição é muito difícil de ser alcançada.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja era o filho perdido da rainha Sunīti, mas, durante a ausência dele, ela sempre meditou na Suprema Personalidade de Deus, que é capaz de resgatar Seu devoto de todos os perigos. Enquanto Dhruva Mahārāja esteve ausente de seu lar, não apenas ele se submeteu a rigorosas austeridades na floresta Madhuvana, como também, em casa, sua mãe orava ao Senhor Supremo por sua segurança e boa fortuna. Em outras palavras, o Senhor era adorado tanto pela mãe quanto pelo filho, e ambos se tornaram dignos de alcançar a bênção suprema do Senhor Supremo. A palavra sudurjayam, um adjetivo que indica que ninguém pode vencer a morte, é muito significativa. Quando Dhruva Mahārāja estava fora de casa, seu pai pensou que ele estava morto. Normalmente, um filho de rei de apenas cinco anos e fora de casa na floresta decerto seria tido como morto, mas, pela misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, ele não apenas foi salvo, como também abençoado com a perfeição máxima.

Texto

lālyamānaṁ janair evaṁ
dhruvaṁ sabhrātaraṁ nṛpaḥ
āropya kariṇīṁ hṛṣṭaḥ
stūyamāno ’viśat puram

Sinônimos

lālyamānam — sendo assim louvado; janaiḥ — pelas pessoas em geral; evam — assim; dhruvam — Mahārāja Dhruva; sa-bhrātaram — com seu irmão; nṛpaḥ — o rei; āropya — colocando; kariṇim — nas costas de uma elefanta; hṛṣṭaḥ — estando assim satisfeito; stūyamānaḥ — e sendo assim louvado; aviśat — regressou; puram — a sua capital.

Tradução

O sábio Maitreya continuou: Meu querido Vidura, enquanto todos assim louvavam Dhruva Mahārāja, o rei ficou muito feliz, e sentou Dhruva e seu irmão nas costas de uma elefanta. Então, ele regressou à sua capital, onde foi louvado por homens de todas as classes.

Texto

tatra tatropasaṅkḷptair
lasan-makara-toraṇaiḥ
savṛndaiḥ kadalī-stambhaiḥ
pūga-potaiś ca tad-vidhaiḥ

Sinônimos

tatra tatra — em toda parte; upasaṅkḷptaiḥ — encontrados; lasat — brilhantes; makara — com formas de tubarões; toraṇaiḥ — com portões arqueados; sa-vṛndaiḥ — com cachos de frutas e ramalhetes de flores; kadalī — de bananeiras; stambhaiḥ — com colunas; pūga-potaiḥ — com árvores de nozes-de-betel novas; ca — também; tat-vidhaiḥ — desta espécie.

Tradução

Toda a cidade estava decorada com colunas de bananeiras contendo cachos de frutas e ramalhetes de flores, e árvores de nozes-de-betel com suas folhas e galhos eram vistas em toda parte. Havia também muitos portões cuja estrutura lembrava a forma de tubarões.

Comentário

SIGNIFICADO—As cerimônias auspiciosas com decorações de folhas verdes de palmeiras, coqueiros, árvores de nozes-de-betel e bananeiras, e frutas, flores e folhas são um costume antigo na Índia. Para receber seu grande filho Dhruva Mahārāja, o rei Uttānapāda providenciou uma boa recepção, da qual todos os cidadãos participaram com muito entusiasmo e grande júbilo.

Texto

cūta-pallava-vāsaḥ-sraṅ-
muktā-dāma-vilambibhiḥ
upaskṛtaṁ prati-dvāram
apāṁ kumbhaiḥ sadīpakaiḥ

Sinônimos

cūta-pallava — com folhas de manga; vāsaḥ — panos; srak — guirlandas de flores; muktā-dāma — colares de pérolas; vilambibhiḥ — pendurados; upaskṛtam — decorados; prati-dvāram — em cada portão; apām — cheios d’água; kumbhaiḥ — com potes d’água; sa-dīpakaiḥ — com lamparinas acesas.

Tradução

Em cada portão, havia lamparinas acesas e grandes potes d’água decorados com panos de variadas cores, colares de pérolas, guirlandas de flores e folhas de manga.

Texto

prākārair gopurāgāraiḥ
śātakumbha-paricchadaiḥ
sarvato ’laṅkṛtaṁ śrīmad-
vimāna-śikhara-dyubhiḥ

Sinônimos

prākāraiḥ — com muros rodeando-a; gopura — portões urbanos; āgāraiḥ — com casas; śātakumbha — dourado; paricchadaiḥ — com trabalho ornamental; sarvataḥ — em todos os lados; alaṅkṛtam — decorados; śrīmat — valiosos, belos; vimāna — aeroplanos; śikhara — cúpulas; dyubhiḥ — cintilando.

Tradução

Na cidade capital, havia muitos palácios, portões urbanos e muros rodeando-a, os quais já eram belíssimos, e, nessa ocasião, todos estavam decorados com ornamentos dourados. As cúpulas dos palácios da cidade cintilavam, assim como as cúpulas dos belos aeroplanos que pairavam sobre ela.

Comentário

SIGNIFICADO—Com respeito aos aeroplanos aqui mencionados, Śrīmad Vijayadhvaja Tīrtha sugere que, naquela ocasião, os semideuses de sistemas planetários superiores também vieram em seus aeroplanos para abençoar Dhruva Mahārāja no ensejo de sua chegada à capital de seu pai. Parece, também, que todas as cúpulas dos palácios da cidade, bem como os pináculos dos aeroplanos, estavam decorados com trabalhos ornamentais em ouro e cintilavam, refletindo a luz do Sol. Podemos observar uma diferença específica entre a época de Dhruva Mahārāja e os dias modernos, pois os aeroplanos naqueles dias eram feitos de ouro, ao passo que, na atualidade, os aeroplanos são feitos à base de alumínio. Isso dá apenas um vislumbre da opulência dos dias de Dhruva Mahārāja e da pobreza dos tempos modernos.

Texto

mṛṣṭa-catvara-rathyāṭṭa-
mārgaṁ candana-carcitam
lājākṣataiḥ puṣpa-phalais
taṇḍulair balibhir yutam

Sinônimos

mṛṣṭa — bem limpos; catvara — pátios; rathyā — estradas reais; aṭṭa — sentinelas; mārgam — alamedas; candana — com sândalo; carcitam — borrifados; lāja — com arroz frito; akṣataiḥ — e cevada; puṣpa — com flores; phalaiḥ — e frutas; taṇḍulaiḥ — com arroz; balibhiḥ — presentes auspiciosos; yutam — providos com.

Tradução

Todos os pátios, alamedas e ruas da cidade, e as sentinelas nos cruzamentos, estavam bem limpos e borrifados com água de sândalo; e grãos auspiciosos, tais como arroz e cevada, e flores, frutas e muitos outros presentes auspiciosos, espalhavam-se por toda a cidade.

Texto

dhruvāya pathi dṛṣṭāya
tatra tatra pura-striyaḥ
siddhārthākṣata-dadhy-ambu-
dūrvā-puṣpa-phalāni ca
upajahruḥ prayuñjānā
vātsalyād āśiṣaḥ satīḥ
śṛṇvaṁs tad-valgu-gītāni
prāviśad bhavanaṁ pituḥ

Sinônimos

dhruvāya — sobre Dhruva; pathi — na estrada; dṛṣṭāya — visto; tatra tatra — em toda parte; pura-striyaḥ — donas de casa; siddhārtha — semente de mostarda branca; akṣata — cevada; dadhi — coalhada; ambu — água; dūrvā — grama tenra; puṣpa — flores; phalāni — frutas; ca — também; upajahruḥ — elas derramaram; prayuñjānāḥ — pronunciando; vātsalyāt — com afeição; āśiṣaḥ — bênçãos; satīḥ — amáveis senhoras; śṛṇvan — ouvindo; tat — seus; valgu — muito agradáveis; gītāni — cânticos; prāviśat — ele entrou em; bhavanam — o palácio; pituḥ — de seu pai.

Tradução

Assim, enquanto Dhruva Mahārāja passava pela estrada, amáveis donas de casa, de todos os cantos da vizinhança, reuniam-se para vê-lo e, com afeição maternal, abençoavam-no, fazendo cair sobre ele uma chuva de sementes de mostarda branca, cevada, coalhada, água, grama tenra, frutas e flores. Dessa maneira, Dhruva Mahārāja, ouvindo os agradáveis cânticos entoados pelas senhoras, entrou no palácio de seu pai.

Texto

mahāmaṇi-vrātamaye
sa tasmin bhavanottame
lālito nitarāṁ pitrā
nyavasad divi devavat

Sinônimos

mahā-maṇi — joias muito preciosas; vrāta — grupos de; maye — incrustadas de; saḥ — ele (Dhruva Mahārāja); tasmin — naquela; bhavana-uttame — casa brilhante; lālitaḥ — sendo criado; nitarām — sempre; pitrā — pelo pai; nyavasat — vivia ali; divi — nos sistemas planetários superiores; deva-vat — como os semideuses.

Tradução

Dhruva Mahārāja viveu então no palácio de seu pai, cujas paredes eram incrustadas de joias muito preciosas. Seu afetuoso pai cuidava dele com carinho especial, e Dhruva morava naquela casa assim como os semideuses vivem em seus palácios nos sistemas planetários superiores.

Texto

payaḥ-phena-nibhāḥ śayyā
dāntā rukma-paricchadāḥ
āsanāni mahārhāṇi
yatra raukmā upaskarāḥ

Sinônimos

payaḥ — leite; phena — espuma; nibhāḥ — como; śayyāḥ — roupa de cama; dāntāḥ — feitas de marfim; rukma — dourado; paricchadāḥ — com embelezamento; āsanāni — assentos; mahā-arhāṇi — muito valiosos; yatra — onde; raukmāḥ — dourados; upaskarāḥ — móveis.

Tradução

A roupa de cama do palácio era branca como a espuma do leite e muito macia. As armações de cama eram feitas de marfim com embelezamento de ouro, e as cadeiras, bancos e outros assentos e móveis eram feitos de ouro.

Texto

yatra sphaṭika-kuḍyeṣu
mahā-mārakateṣu ca
maṇi-pradīpā ābhānti
lalanā-ratna-saṁyutāḥ

Sinônimos

yatra — onde; sphaṭika — feitas de mármore; kuḍyeṣu — em muros; mahā-mārakateṣu — incrustadas de joias preciosas, como safiras; ca — também; maṇi-pradīpāḥ — lamparinas feitas de joias; ābhānti — brilhavam; lalanā — figuras femininas; ratna — feitas de joias; saṁyutāḥ — seguradas por.

Tradução

O palácio do rei era cercado por muros feitos de mármore com muitas gravações feitas de joias preciosas, como safiras, que representavam belas mulheres com brilhantes lamparinas de joias em suas mãos.

Comentário

SIGNIFICADO—A descrição do palácio do rei Uttānapāda retrata as condições urbanas muitas centenas e milhares de anos atrás, muito antes que o Śrīmad-Bhāgavatam fosse escrito. Uma vez que se descreve que Mahārāja Dhruva governou por trinta e seis mil anos, ele deve ter vivido em Satya-yuga, quando as pessoas viviam cem mil anos. As durações de vida nos quatro yugas também são mencionadas na literatura védica. Em Satya-yuga, as pessoas viviam cem mil anos; em Tretā-yuga, as pessoas viviam dez mil anos; em Dvāpara-yuga, elas viviam mil anos, e, nesta era, Kali-yuga, as pessoas vivem até cem anos. Com o avanço de cada novo yuga, a duração da vida humana se reduz em noventa por cento – de cem mil anos para dez mil, de dez mil para mil, e de mil para cem.

Afirma-se que Dhruva Mahārāja era bisneto do senhor Brahmā. Isso indica que Dhruva Mahārāja viveu em Satya-yuga, no início da criação. Durante um dia do senhor Brahmā, como se afirma na Bhagavad-gītā, existem muitos Satya-yugas. Segundo os cálculos védicos, atualmente estamos no vigésimo oitavo milênio. Pode-se calcular que Dhruva Mahārāja viveu há muitos milhões de anos, mas a descrição do palácio do pai de Dhruva é tão gloriosa que não podemos aceitar que, mesmo há quarenta ou cinquenta mil anos, não existisse civilização humana avançada. Havia muros como os do palácio de Mahārāja Uttānapāda mesmo muito recentemente, durante o período mongol. Qualquer pessoa que tenha visto o Forte Vermelho em Delhi deve ter percebido que seus muros são feitos de mármore e foram, certa vez, decorados com joias. Durante o período britânico, todas essas joias foram arrancadas e enviadas para o Museu Britânico.

Antigamente, o conceito de opulência mundana baseava-se principalmente em recursos naturais, como joias, mármore, seda, marfim, ouro e prata. O avanço do desenvolvimento econômico não se baseava em grandes automóveis. O avanço da civilização humana não depende de empreendimentos industriais, mas, sim, da posse de riqueza natural e alimentos naturais, os quais são supridos pela Suprema Personalidade de Deus de modo que possamos poupar tempo para a autorrealização e o sucesso neste corpo de forma humana.

Outro aspecto deste verso é que Uttānapāda, o pai de Dhruva Mahārāja, muito em breve abandonaria o apego a seus palácios e iria para a floresta em busca da autorrealização. A partir da descrição do Śrīmad-Bhāgavatam, portanto, podemos fazer um estudo comparativo muito pormenorizado da civilização moderna e da civilização humana nos outros milênios: Satya-yuga, Tretā-yuga e Dvāpara-yuga.

Texto

udyānāni ca ramyāṇi
vicitrair amara-drumaiḥ
kūjat-vihaṅga-mithunair
gāyan-matta-madhuvrataiḥ

Sinônimos

udyānāni — jardins; ca — também; ramyāṇi — muito belos; vicitraiḥ — várias; amara-drumaiḥ — com árvores trazidas dos planetas celestiais; kūjat — canoros; vihaṅga — de pássaros; mithunaiḥ — com casais; gāyat — zumbidoras; matta — loucas; madhu-vrataiḥ — com abelhas.

Tradução

A residência do rei era rodeada por jardins onde havia variedades de árvores trazidas dos planetas celestiais. Naquelas árvores, havia casais de pássaros docemente canoros e abelhas quase enlouquecidas, que faziam um zumbido agradabilíssimo.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a expressão amara-drumaiḥ, “com árvores trazidas dos planetas celestiais”, é muito significativa. Os planetas celestiais são conhecidos como Amaraloka, ou seja, os planetas onde a morte demora muito em vir, porque as pessoas ali vivem durante dez mil anos, de acordo com os cálculos dos semideuses, em que seis meses nossos equivalem a um dia. Os semideuses vivem nos planetas celestiais por meses, anos e dezenas de milhares de anos de acordo com o tempo dos semideuses, depois do que, após se esgotarem os resultados de suas atividades piedosas, eles recaem nesta Terra. Essas são as afirmações que podem ser encontradas na literatura védica. Assim como as pessoas vivem por dez mil anos ali, o mesmo ocorre com as árvores. Evidentemente, aqui na Terra existem muitas árvores que vivem por dez mil anos; o que dizer, então, das árvores dos planetas celestiais? Elas devem viver por muito mais do que muitas dezenas de milhares de anos, e às vezes, como se pratica mesmo hoje em dia, algumas árvores valiosas são transplantadas de um lugar a outro.

Em outra passagem, afirma-se que, quando o Senhor Kṛṣṇa foi aos planetas celestiais com Sua esposa Satyabhāmā, Ele pegou uma árvore de flor pārijāta do céu e a trouxe para a Terra. Houve uma luta entre Kṛṣṇa e os semideuses porque a árvore pārijāta estava sendo levada do céu para este planeta. A pārijāta foi plantada no palácio do Senhor Kṛṣṇa que era ocupado pela rainha Satyabhāmā. As flores e as árvores frutíferas dos planetas celestiais são superiores, pois são muito agradáveis e saborosas, e parece que, no palácio de Mahārāja Uttānapāda, havia muita variedade de tais árvores.

Texto

vāpyo vaidūrya-sopānāḥ
padmotpala-kumud-vatīḥ
haṁsa-kāraṇḍava-kulair
juṣṭāś cakrāhva-sārasaiḥ

Sinônimos

vāpyaḥ — lagos; vaidūrya — esmeralda; sopānāḥ — com escadarias; padma — lótus; utpala — lótus azuis; kumut-vatīḥ — cheios de lírios; haṁsa — cisnes; kāraṇḍava — e patos; kulaiḥ — por grupos de; juṣṭāḥ — habitados; cakrāhva — por cakravākas (gansos); sārasaiḥ — e por grous.

Tradução

Havia escadarias de esmeralda que levavam a lagos cheios de flores de lótus de cores diversas e lírios. Além disso, cisnes, kāraṇḍavas, cakravākas, grous e outros pássaros raros semelhantes eram visíveis naqueles lagos.

Comentário

SIGNIFICADO—Parece que o palácio estava rodeado, não somente por muros e jardins com variedades de árvores, mas também havia pequenos lagos artificiais, cuja água era cheia de flores de lótus de cores diversas e lírios; e, para descer aos lagos, havia escadarias feitas de joias preciosas, tais como esmeraldas. Pelas casinhas belamente distribuídas pelo jardim, havia muitos pássaros exuberantes, tais como cisnes, cakravākas, kāraṇḍavas e grous. De um modo geral, esses pássaros não vivem em lugares sujos como o fazem os corvos. A atmosfera da cidade era muito saudável e bela: sua descrição está simplesmente além de nossa imaginação.

Texto

uttānapādo rājarṣiḥ
prabhāvaṁ tanayasya tam
śrutvā dṛṣṭvādbhutatamaṁ
prapede vismayaṁ param

Sinônimos

uttānapādaḥ — o rei Uttānapāda; rāja-ṛṣiḥ — grande rei santo; prabhāvam — influência; tanayasya — de seu filho; tam — isto; śrutvā — ouvindo; dṛṣṭvā — vendo; adbhuta — maravilhosas; tamam — no grau superlativo; prapede — alegremente sentiu; vismayam — maravilha; param — suprema.

Tradução

Ouvindo as gloriosas façanhas de Dhruva Mahārāja e vendo pessoalmente quão influente e grandioso ele era, o santo rei Uttānapāda se sentiu muito satisfeito, pois as atividades de Dhruva eram maravilhosas ao extremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando Dhruva Mahārāja estava na floresta executando suas austeridades, seu pai, Uttānapāda, ouviu tudo sobre suas maravilhosas atividades. Embora Dhruva Mahārāja fosse filho de um rei e tivesse apenas cinco anos, ele foi para a floresta e executou serviço devocional sob estrita austeridade. Portanto, seus atos eram todos maravilhosos e, quando voltou ao lar, naturalmente, por causa de suas qualificações espirituais, ele tornou-se muito popular entre os cidadãos. Ele deve ter executado muitas atividades maravilhosas pela graça do Senhor. Ninguém fica mais satisfeito do que o pai de alguém cujas atividades gloriosas são reconhecidas. Mahārāja Uttānapāda não era um rei comum – ele era um rājarṣi, um rei santo. Antigamente, a Terra era governada por um único rei santo. Os reis eram treinados a se tornarem santos; portanto, o único interesse deles era o bem-estar dos cidadãos. Esses reis santos eram devidamente treinados, e, como se menciona também na Bhagavad-gītā, a ciência de Deus, ou o sistema de yoga do serviço devocional conhecido como Bhagavad-gītā, foi comunicada ao rei santo do planeta Sol, e foi transmitida gradualmente pela sucessão de reis kṣatriyas descendentes do Sol e da Lua. Se o líder do governo é santo, certamente os cidadãos tornam-se santos, e são felizes, porque suas necessidades e anseios espirituais e físicos são satisfeitos.

Texto

vīkṣyoḍha-vayasaṁ taṁ ca
prakṛtīnāṁ ca sammatam
anurakta-prajaṁ rājā
dhruvaṁ cakre bhuvaḥ patim

Sinônimos

vīkṣya — após ver; ūḍha-vayasam — maduro em idade; tam — Dhruva; ca — e; prakṛtīnām — pelos ministros; ca — também; sammatam — aprovado; anurakta — amado; prajam — por seus súditos; rājā — o rei; dhruvam — Dhruva Mahārāja; cakre — fez; bhuvaḥ — da Terra; patim — mestre.

Tradução

Após a devida ponderação, o rei Uttānapāda entronou Dhruva Mahārāja como imperador deste planeta, vendo que ele estava adequadamente maduro para se encarregar do reino e que seus ministros concordavam com a ideia e os cidadãos também gostavam muito dele.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora se tenha a ideia errada de que, antigamente, o governo monárquico era autocrático, a descrição deste verso dá a entender que o rei Uttānapāda não somente era um rājarṣi, mas também, antes de instalar seu amado filho Dhruva no trono do império do mundo, ele consultou seus assistentes ministeriais, considerou a opinião do público e também examinou pessoalmente o caráter de Dhruva. Depois disso, o rei o instalou no trono para encarregar-se dos afazeres do mundo.

Quando um rei vaiṣṇava como Dhruva Mahārāja é o líder do governo do mundo inteiro, o mundo fica tão feliz que não é possível imaginá-lo ou descrevê-lo. Mesmo agora, se todas as pessoas se tornassem conscientes de Kṛṣṇa, o governo democrático dos dias atuais seria exatamente como o reino do céu. Se todas as pessoas se tornassem conscientes de Kṛṣṇa, elas votariam em pessoas da categoria de Dhruva Mahārāja. Se o posto de líder executivo fosse ocupado por um vaiṣṇava assim, todos os problemas decorrentes de um governo satânico seriam resolvidos. A geração jovem dos dias modernos é muito entusiasta em tentar derrubar o governo em diferentes partes do mundo. Porém, a menos que as pessoas sejam conscientes de Kṛṣṇa como Dhruva Mahārāja, não haverá mudanças apreciáveis no governo, porque pessoas que anseiam atingir a posição política por bem ou por mal não podem pensar no bem-estar do povo. Elas só trabalham para manter suas posições de prestígio e ganho monetário. Elas têm pouquíssimo tempo para pensar no bem-estar dos cidadãos.

Texto

ātmānaṁ ca pravayasam
ākalayya viśāmpatiḥ
vanaṁ viraktaḥ prātiṣṭhad
vimṛśann ātmano gatim

Sinônimos

ātmānam — ele próprio; ca — também; pravayasam — avançado em idade; ākalayya — considerando; viśāmpatiḥ — o rei Uttānapāda; vanam — para a floresta; viraktaḥ — desligou-se; prātiṣṭhat — partiu; vimṛśan — deliberando sobre; ātmanaḥ — do eu; gatim — salvação.

Tradução

Após considerar sua idade avançada e deliberar sobre o bem-estar de seu eu espiritual, o rei Uttānapāda desligou-se dos afazeres mundanos e adentrou a floresta.

Comentário

SIGNIFICADO—Este é o sinal de um rājarṣi. O rei Uttānapāda era muito opulento e era imperador do mundo, e esses apegos certamente eram muito grandes. Os políticos modernos não são tão grandiosos como reis do porte de Mahārāja Uttānapāda, mas, por obterem certo poder político por alguns dias, eles se apegam tanto a suas posições que não se retiram delas de forma alguma, a menos que sejam removidos de seus postos pela morte cruel ou mortos por algum partido político oposto. Temos a experiência de que os políticos na Índia não deixam suas posições até a morte. Não era isso o que acontecia antigamente, como evidenciado pelo comportamento do rei Uttānapāda. Logo após instalar seu digno filho Dhruva Mahārāja no trono, ele deixou seu lar e o palácio. Há centenas e milhares de casos como este em que reis, em sua idade madura, abandonavam seus reinos e iam para a floresta praticar austeridades. A prática de austeridades é a principal função da vida humana. Assim como Dhruva Mahārāja praticou austeridade em sua infância, seu pai, Mahārāja Uttānapāda, em sua velhice, também praticou austeridade na floresta. Nos dias modernos, entretanto, não é possível abandonar o lar e ir para a floresta praticar austeridades, mas, se pessoas de todas as idades se refugiassem no movimento para a consciência de Kṛṣṇa e praticassem as simples austeridades de não fazer sexo ilícito, não se intoxicar, não jogar e não comer carne, e cantassem o mantra Hare Kṛṣṇa regularmente (dezesseis voltas) – através deste método prático, seria uma tarefa muito fácil elas se salvarem deste mundo material.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, nono capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Dhruva Mahārāja Volta para Casa.”