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CAPÍTULO DEZ

Prahlāda, o Melhor e Mais Sublime Devoto

Este capítulo descreve como a Suprema Personalidade de Deus Nṛsiṁhadeva desapareceu após agradar Prahlāda Mahārāja. Também descreve uma bênção dada pelo senhor Śiva.

O Senhor Nṛsiṁhadeva quis conceder a Prahlāda Mahārāja consecutivas bênçãos, mas Prahlāda Mahārāja, julgando-as um empecilho ao progresso espiritual, não aceitou nenhuma delas. Ao contrário, ele se rendeu plenamente aos pés de lótus do Senhor. Ele disse: “Se alguém que está ocupado no serviço devocional ao Senhor ora pedindo o gozo de seus próprios sentidos, ele não pode ser chamado de devoto puro, ou talvez nem mesmo de devoto. Ele pode ser considerado apenas um comerciante ocupado em fazer negócios. Do mesmo modo, o mestre que quer satisfazer seu servo após receber o serviço por este prestado não é um mestre de verdade.” Prahlāda Mahārāja, portanto, nada pediu à Suprema Personalidade de Deus. Em vez disso, ele disse que, se o Senhor quisesse lhe dar alguma bênção, desejava que o Senhor o assegurasse de que ele jamais seria induzido a aceitar quaisquer bênçãos com as quais pudesse satisfazer desejos materiais. Muitas vezes, é possível vermos o serviço devocional sendo executado com desejos luxuriosos. Logo que os desejos luxuriosos despontam, os sentidos, a mente, a vida, a alma, os princípios religiosos, a tolerância, a inteligência, o recato, a beleza, a força, a memória e a veracidade da pessoa se esvaem. Pode prestar serviço devocional impoluto somente aquele que não guarda desejos materiais em sua mente.

A Suprema Personalidade de Deus ficou muito satisfeita com Prahlāda Mahārāja devido à imaculada devoção deste, mas o Senhor lhe deu uma bênção material – de que ele seria perfeitamente feliz neste mundo e de que, em sua próxima vida, estaria em Vaikuṇṭha. O Senhor lhe deu a bênção de que ele seria o rei deste mundo material até o final do milênio manvantara e que, embora estivesse neste mundo material, teria as facilidades necessárias para ouvir as glórias do Senhor e depender plenamente do Senhor prestando-Lhe serviço através do bhakti-yoga puro. O Senhor aconselhou Prahlāda a que executasse sacrifícios através do bhakti-yoga, visto que esse é o dever de um rei.

Prahlāda Mahārāja aceitou tudo o que o Senhor lhe oferecera e orou ao Senhor que libertasse o seu pai. Em resposta a essa oração, o Senhor lhe assegurou que, na família de um devoto tão puro como ele, não apenas o pai do devoto, mas também os antepassados que estão incluídos nas últimas vinte e uma gerações, libertam-se. O Senhor também pediu que Prahlāda executasse as cerimônias ritualísticas apropriadas pela morte de seu pai.

Então, o senhor Brahmā, que também estava presente, ofereceu muitas orações ao Senhor, expressando seu agradecimento ao Senhor devido ao fato de Este ter oferecido bênçãos a Prahlāda Mahārāja. O Senhor aconselhou o senhor Brahmā a não oferecer bênçãos aos asuras, pois, do mesmo modo como acontecera com Hiraṇyakaśipu, eles usariam essas bênçãos de maneira viciosa. Foi então que o Senhor Nṛsiṁhadeva desapareceu. Naquele dia, o senhor Brahmā e Śukrācārya instalaram Prahlāda Mahārāja no trono do mundo.

Assim, Nārada Muni descreveu a Yudhiṣṭhira Mahārāja o caráter de Prahlāda Mahārāja e, em continuação, narrou o episódio em que o Senhor Rāmacandra mata Rāvaṇa e a morte de Śiśupāla e Dantavakra em Dvāpara-yuga. Śiśupāla, evidentemente, imergiu na existência do Senhor e, com isso, alcançou sāyujya-mukti. Nārada Muni louvou Yudhiṣṭhira Mahārāja porque Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, era o maior amigo e benquerente dos Pāṇḍavas e quase sempre permanecia na casa deles. Portanto, a fortuna dos Pāṇḍavas era maior do que a de Prahlāda Mahārāja.

Mais tarde, Nārada Muni descreveu como o demônio Maya Dānava construiu Tripura para os demônios, que se tornaram muito poderosos e derrotaram os semideuses. Devido a essa derrota, o senhor Rudra, Śiva, destroçou Tripura; assim, ele ficou amplamente conhecido como Tripurāri. Devido a essa atitude, Rudra é muito apreciado e adorado pelos semideuses. Essa narração ocorre no final do capítulo.

Texto

śrī-nārada uvāca
bhakti-yogasya tat sarvam
antarāyatayārbhakaḥ
manyamāno hṛṣīkeśaṁ
smayamāna uvāca ha

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Nārada Muni disse; bhakti-yogasya — dos princípios do serviço devocional; tat — aquelas (bênçãos oferecidas pelo Senhor Nṛsiṁhadeva); sarvam — todas elas; antarāyatayā — porque eram um empecilho (ao caminho do bhakti-yoga); arbhakaḥ — Prahlāda Mahārāja, embora fosse apenas um menino; manyamānaḥ — considerando; hṛṣīkeśam — ao Senhor Nṛsiṁhadeva; smayamānaḥ — sorrindo; uvāca — disse; ha — no passado.

Tradução

O santo Nārada Muni continuou: Embora Prahlāda Mahārāja fosse apenas um menino, ao ouvir as bênçãos oferecidas pelo Senhor Nṛsiṁhadeva, considerou-as um empecilho ao caminho do serviço devocional. Então, sorriu com muita meiguice e falou o seguinte.

Comentário

SIGNIFICADO—As conquistas materiais não são a meta última do serviço devocional. A meta última do serviço devocional é o amor a Deus. Portanto, embora fossem materialmente muito opulentos, Prahlāda Mahārāja, Dhruva Mahārāja, Ambarīṣa Mahārāja, Yudhiṣṭhira Mahārāja e muitos outros reis devotos empregavam sua opulência material no serviço ao Senhor, e não no gozo de seus próprios sentidos. Evidentemente, possuir opulência material é sempre algo perigoso porque, sob a influência da opulência material, a pessoa pode desviar-se do serviço devocional. Todavia, o devoto puro (anyābhilāṣitā-śūnyam) jamais é desorientado pela opulência material. Ao contrário, ele ocupa cem por cento a serviço do Senhor tudo o que possui. Quando a pessoa se deixa seduzir pelas posses materiais, elas são consideradas como oferecidas por māyā, mas, quando as emprega apenas no serviço, elas são consideradas dádivas de Deus, ou condições propícias oferecidas por Kṛṣṇa para que ela aumente o seu serviço devocional.

Texto

śrī-prahrāda uvāca
mā māṁ pralobhayotpattyā
saktaṁ kāmeṣu tair varaiḥ
tat-saṅga-bhīto nirviṇṇo
mumukṣus tvām upāśritaḥ

Sinônimos

śrī-prahrādaḥ uvāca — Prahlāda Mahārāja disse (à Suprema Personalidade de Deus); — por favor, não; mām — a mim; pralobhaya — instigueis; utpattyā — devido ao meu nascimento (em família demoníaca); saktam — (já estou) apegado; kāmeṣu — ao gozo material; taiḥ — com todas aquelas; varaiḥ — bênçãos para que se obtenham posses materiais; tat-saṅga-bhītaḥ — temendo essa associação material; nirviṇṇaḥ — inteiramente desapegado dos desejos materiais; mumukṣuḥ — querendo libertar-me das condições encontradas na vida material; tvām — em Vossos pés de lótus; upāśritaḥ — refugiei-me.

Tradução

Prahlāda Mahārāja disse: Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, porque nasci em família ateísta, minha natureza me impele ao gozo material. Portanto, por favor, não me tenteis com essas ilusões. Estou muito temeroso das condições materiais e desejo libertar-me da vida materialista. Foi por essa razão que me refugiei em Vossos pés de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO—Vida materialista significa apego ao corpo e a tudo o que está relacionado com o corpo. Esse apego se baseia em desejos luxuriosos através dos quais se busca o gozo dos sentidos, especificamente o gozo sexual. Kāmais tais tair hṛta jñānāḥ: quando alguém é muito apegado ao gozo material, carece de todo o conhecimento (hṛta-jñānāḥ). Como se afirma na Bhagavad-gītā, aqueles que estão apegados ao gozo material são propensos, na maioria das vezes, a adorar os semideuses, pois querem obter várias opulências materiais. Eles estão especialmente apegados a adorar a deusa Durgā e o senhor Śiva porque esse casal transcendental pode oferecer a seus devotos toda a opulência material. Prahlāda Mahārāja, entretanto, estava desapegado de todo o gozo material. Portanto, ele se refugiou nos pés de lótus do Senhor Nṛsiṁhadeva, e não nos pés de algum semideus. Deve-se compreender que, se alguém realmente quer livrar-se deste mundo material, das três classes de sofrimentos e de janma-mṛtyu-jarā-vyādhi (nascimento, morte, velhice e doença), ele deve refugiar-se na Suprema Personalidade de Deus, dado que, sem a Suprema Personalidade de Deus, ninguém consegue livrar-se da vida materialista. Os homens ateístas são muito apegados ao gozo material. Portanto, se têm alguma oportunidade de obter um gozo material gradativamente maior, não a deixam escapar. Prahlāda Mahārāja, entretanto, era muito cauteloso nesse sentido. Embora nascido de um pai materialista, ele não tinha desejos materiais (anyābhilāṣitā-śūnyam) porque era um devoto.

Texto

bhṛtya-lakṣaṇa-jijñāsur
bhaktaṁ kāmeṣv acodayat
bhavān saṁsāra-bījeṣu
hṛdaya-granthiṣu prabho

Sinônimos

bhṛtya-lakṣaṇa-jijñāsuḥ — desejando manifestar as características de um devoto puro; bhaktam — o devoto; kāmeṣu — no mundo material, onde predominam os desejos luxuriosos; acodayat — enviou; bhavān — Vossa Onipotência; saṁsāra-bījeṣu — a causa fundamental de alguém estar presente neste mundo material; hṛdaya-granthiṣu — a qual (desejo de gozo material) está no âmago do coração de todas as almas condicionadas; prabho — ó meu Senhor adorável.

Tradução

Ó meu adorável Senhor, porque a semente dos desejos luxuriosos, a qual é a causa básica da existência material, está no âmago do coração de todos, Vós me enviastes a este mundo material para que eu manifestasse as características de um devoto puro.

Comentário

SIGNIFICADO—O Bhakti-rasāmṛta-sindhu apresenta uma análise detida acerca dos devotos nitya-siddhas e sādhana-siddhas. Os devotos nitya-siddhas vêm de Vaikuṇṭha a este mundo material para, mediante seu exemplo pessoal, ensinar como alguém pode tornar-se um devoto. As entidades vivas no mundo material podem receber as lições ministradas por esses devotos nitya-siddhas e, assim, inclinarem-se a retornar ao lar, retornar ao Supremo. O devoto nitya-siddha vem de Vaikuṇṭha por ordem da Suprema Personalidade de Deus e, através de seu exemplo, mostra como alguém deve proceder para se tornar um devoto puro (anyābhilāṣitā-śūnyam). Apesar de vir a este mundo material, o devoto nitya-siddha jamais se deixa atrair pelos encantos do gozo material. Um exemplo perfeito é Prahlāda Mahārāja, que era um nitya-siddha, um devoto mahā-bhāgavata. Embora tivesse nascido na família de Hiraṇyakaśipu, um ateísta, Prahlāda nunca se sentia apegado a nenhuma espécie de gozo material. Desejando mostrar quais as características do devoto puro, o Senhor tentou induzir Prahlāda Mahārāja a receber bênçãos materiais, mas Prahlāda Mahārāja não as aceitou. Em vez disso, através de seu exemplo pessoal, ele manifestou as características de um devoto puro. Em outras palavras, o próprio Senhor não tem nenhum desejo de enviar Seu devoto puro a este mundo material. Por sua vez, o devoto não tem nenhum objetivo material ao vir. Ao aparecer como uma encarnação neste mundo material, o Senhor não é impelido pela atmosfera material, e Ele nada tem a ver com a atividade material, mas, através de Seu exemplo, Ele ensina como é que o homem comum deve agir para se tornar um devoto. Igualmente, o devoto que, em acato à ordem do Senhor Supremo, vem até aqui, mostra, através de seu comportamento pessoal, como alguém pode tornar-se um devoto puro. O devoto puro, portanto, é um exemplo prático para todas as entidades vivas, inclusive para o senhor Brahmā.

Texto

nānyathā te ’khila-guro
ghaṭeta karuṇātmanaḥ
yas ta āśiṣa āśāste
na sa bhṛtyaḥ sa vai vaṇik

Sinônimos

na — não; anyathā — de outro modo; te — de Vós; akhila-guro — ó supremo instrutor de toda a criação; ghaṭeta — tal coisa pode acontecer; karuṇā-ātmanaḥ — a Pessoa Suprema, que é extremamente bondosa com os Seus devotos; yaḥ — todo aquele que; te — de Vós; āśiṣaḥ — benefícios materiais; āśāste — deseja (como compensação ao serviço que ele Vos presta); na — não; saḥ — semelhante pessoa; bhṛtyaḥ — um servo; saḥ — semelhante pessoa; vai — na verdade; vaṇik — um mercador (que quer auferir lucro material de seu negócio).

Tradução

Caso contrário, ó meu Senhor, ó instrutor supremo do mundo inteiro, sois tão bondoso com Vosso devoto que não poderíeis induzi-lo a fazer algo que não lhe seja benéfico. Por outro lado, alguém que, em troca do serviço devocional, deseja algum benefício material, não pode ser Vosso devoto puro. Na verdade, ele não é melhor do que um mercador que quer lucrar com o seu serviço.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes, observa-se que alguém procura um devoto ou um templo do Senhor simplesmente para obter algum benefício material. Tal pessoa é aqui descrita como um mercador. A Bhagavad-gītā fala de ārto jijñāsur arthārthī. A palavra ārta se refere àquele que está fisicamente angustiado, e arthārthī se refere a alguém que precisa de dinheiro. Tais pessoas são forçadas a se aproximarem da Suprema Personalidade de Deus para mitigar suas aflições ou conseguir algum dinheiro por intermédio da bênção do Senhor. Elas são descritas como sukṛtīs, piedosas, porque, em sua aflição ou falta de dinheiro, aproximam-se do Senhor Supremo. Quem não é piedoso não se aproxima da Suprema Personalidade de Deus. Entretanto, embora um homem piedoso possa receber algum benefício material, alguém que esteja preocupado com favores materiais não pode ser um devoto puro. Quando o devoto puro recebe opulências materiais, não as recebe por causa de suas atividades piedosas, mas porque as empregará a serviço do Senhor. Quando alguém se ocupa em serviço devocional, ele automaticamente é piedoso. Portanto, o devoto puro é anyābhilāṣitā-śūnyam. Ele não tem desejos de lucro material. Tampouco o Senhor o induz a tentar lucrar materialmente. Quando o devoto precisa de algo, a Suprema Personalidade de Deus lhe fornece isso (yoga-kṣemaṁ vahāmy aham).

Às vezes, os materialistas vão ao templo para oferecer flores e frutas ao Senhor porque, lendo a Bhagavad-gītā, aprenderam que, se o devoto oferece algumas flores e frutas, o Senhor as aceita. Na Bhagavad-gītā (9.26), o Senhor diz:

patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyaṁ
yo me bhaktyā prayacchati
tad ahaṁ bhakty-upahṛtam
aśnāmi prayatātmanaḥ

“Se alguém Me oferecer, com amor e devoção, uma folha, uma flor, frutas ou água, Eu as aceitarei.” Logo, um homem com mentalidade mercantil pensa que, caso possa obter algum benefício material, tal como uma grande quantidade de dinheiro, simplesmente oferecendo um pouco de frutas e flores, isso é um bom negócio. Tais pessoas não são aceitas como devotos puros. Como seus desejos não estão purificados, ainda são mercadores, embora possam ir aos templos e fazer um espetáculo de devoção. Sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam: somente quando está livre dos desejos materiais pode alguém se purificar, e somente nesse estado puro é que pode servir ao Senhor. Hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-sevanaṁ bhaktir ucyate. Essa é a plataforma devocional pura.

Texto

āśāsāno na vai bhṛtyaḥ
svāminy āśiṣa ātmanaḥ
na svāmī bhṛtyataḥ svāmyam
icchan yo rāti cāśiṣaḥ

Sinônimos

āśāsānaḥ — uma pessoa que deseja (em troca do serviço); na — não; vai — na verdade; bhṛtyaḥ — um servo qualificado ou devoto puro do Senhor; svāmini — do amo; āśiṣaḥ — benefício material; ātmanaḥ — para obter o gozo dos próprios sentidos; na — nem; svāmī — o amo; bhṛtyataḥ — do servo; svāmyam — a posição prestigiosa de ser o amo; icchan — desejando; yaḥ — essa espécie de amo que; rāti — outorga; ca — também; āśiṣaḥ — lucro material.

Tradução

O servo que deseja lucros materiais de seu amo decerto não é um servo qualificado ou um devoto puro. Do mesmo modo, o mestre que outorga bênçãos ao seu servo devido ao desejo de manter uma prestigiosa posição de mestre também não é um mestre puro.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma na Bhagavad-gītā (7.20), kāmais tais tair hṛta-jñānāḥ prapadyante ’nya-devatāḥ: “Aqueles cujas mentes estão distorcidas pelos desejos materiais se rendem aos semideuses.” Um semideus não pode tornar-se o mestre, pois o verdadeiro mestre é a Suprema Personalidade de Deus. Querendo manter seu prestígio, os semideuses concedem a seus adoradores todas as classes de bênçãos que estes desejem. Certa vez, por exemplo, um asura recebeu uma bênção do senhor Śiva através da qual o asura seria capaz de matar qualquer pessoa simplesmente tocando suas mãos na cabeça da pessoa. Os semideuses se prontificam a outorgar semelhantes bênçãos. Entretanto, se alguém adorar a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor jamais lhe oferecerá tais bênçãos condenáveis. Ao contrário, no Śrīmad-Bhāgavatam (10.88.8), afirma-se que yasyāham anugṛhnāmi hariṣye tad-dhanaṁ śanaiḥ. Se alguém é demasiadamente materialista, mas, ao mesmo tempo, quer ser um servo do Senhor Supremo, o Senhor, devido à Sua suprema compaixão pelo devoto, tira-lhe todas as opulências materiais e o impele a ser um devoto puro do Senhor. Prahlāda Mahārāja faz distinção entre o devoto puro e o mestre puro. O Senhor é o mestre puro, o mestre supremo, ao passo que o devoto imaculado, desprovido de motivações materiais, é o servo puro. Alguém que tem motivações materialistas não pode tornar-se servo, e aquele que desnecessariamente outorga bênçãos ao seu servo para manter sua posição prestigiosa não é um mestre de verdade.

Texto

ahaṁ tv akāmas tvad-bhaktas
tvaṁ ca svāmy anapāśrayaḥ
nānyathehāvayor artho
rāja-sevakayor iva

Sinônimos

aham — no que me diz respeito; tu — na verdade; akāmaḥ — sem desejo material; tvat-bhaktaḥ — plenamente apegado a Vós e sem motivação; tvam ca — Vossa Onipotência também; svāmī — o mestre verdadeiro; anapāśrayaḥ — sem motivação (não Vos tornais o mestre só porque tendes alguma motivação); na — não; anyathā — sem estar nessa relação de mestre e servo; iha — aqui; āvayoḥ — nossa; arthaḥ — nenhuma motivação (o Senhor é o mestre puro, e Prahlāda Mahārāja é o devoto puro, desprovido de motivação materialista); rāja — de um rei; sevakayoḥ — e do servo; iva — como (assim como um rei cobra impostos para o benefício do servo ou os cidadãos pagam impostos para o benefício do rei).

Tradução

Ó meu Senhor, sou Vosso servo imotivado, e sois meu mestre eterno. Não há necessidade de sermos algo diferente de mestre e servo. Sois naturalmente meu mestre, e sou naturalmente Vosso servo. Não temos nenhuma outra relação.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu disse que jīvera ‘svarūpa’ haya — kṛṣṇera ‘nitya-dāsa’: todo ser vivo é um servo eterno do Senhor Supremo, Kṛṣṇa. Na Bhagavad-gītā (5.29), o Senhor Kṛṣṇa afirma que bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ sarva-loka-maheśvaram: “Sou o proprietário de todos os planetas, e sou o desfrutador supremo.” Essa é a posição natural do Senhor, e a posição natural do ser vivo é se render a Ele (sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja). Então, se essa relação continua, existe eternamente uma verdadeira felicidade entre mestre e servo. Infelizmente, quando essa relação é rompida, a entidade viva quer tornar-se feliz separadamente e pensa que o mestre é seu criado. Dessa maneira, não pode haver felicidade. Tampouco deve o mestre ceder ao desejo do servo. Caso ceda, ele não será um mestre verdadeiro. O mestre verdadeiro ordena: “Deves fazer isso”, e o verdadeiro servo imediatamente lhe obedece. Enquanto não se estabelecer essa relação entre o Senhor Supremo e a entidade viva subordinada, não poderá haver verdadeira felicidade. A entidade viva é āśraya, sempre subordinada, e a Suprema Personalidade de Deus é viṣaya, o objetivo supremo, a meta da vida. As pessoas desafortunadas, aprisionadas neste mundo material, não sabem disso. Na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum: iludidos pela energia material, todos neste mundo material ignoram que a única meta da vida é a pessoa se aproximar do Senhor Viṣṇu.

ārādhanānāṁ sarveṣāṁ
viṣṇor ārādhanaṁ param
tasmāt parataraṁ devi
tadīyānāṁ samarcanam

No Padma Purāṇa, o senhor Śiva explica à sua esposa Parvatī, a deusa Durgā, que a meta máxima da vida é satisfazer o Senhor Viṣṇu, que apenas Se satisfaz quando o Seu servo fica satisfeito. Śrī Caitanya Mahāprabhu, portanto, ensina que gopī-bhartuḥ pada-kamalayor dāsa-dāsānudāsaḥ. Todos devem tornar-se servos do servo. Prahlāda Mahārāja também orou ao Senhor Nṛsiṁhadeva que lhe fosse concedido ocupar-se como um servo do servo do Senhor. Esse é o método prescrito do serviço devocional. Logo que o devoto deseja que a Suprema Personalidade de Deus seja seu criado, o Senhor imediatamente Se recusa a se tornar o mestre desse devoto interesseiro. Na Bhagavad-gītā (4.11), o Senhor diz que ye yathā māṁ prapadyante tāṁs tathaiva bhajāmy aham: “A todos os que se rendem a Mim, Eu recompenso de acordo.” De um modo geral, as pessoas materialistas querem obter lucros materiais. Enquanto alguém permanecer nessa posição adulterada, não receberá o benefício de retornar ao lar, de retornar ao Supremo.

Texto

yadi dāsyasi me kāmān
varāṁs tvaṁ varadarṣabha
kāmānāṁ hṛdy asaṁrohaṁ
bhavatas tu vṛṇe varam

Sinônimos

yadi — se; dāsyasi — quereis dar; me — a mim; kāmān — algo desejável; varān — como Vossa bênção; tvam — Vós; varada-ṛṣabha — ó Suprema Personalidade de Deus, que podeis dar qualquer bênçãos; kāmānām — de todos os desejos de felicidade material; hṛdi — no âmago do meu coração; asaṁroham — que não haja crescimento; bhavataḥ — a Vós; tu — então; vṛṇe — oro pedindo; varam — tal bênção.

Tradução

Ó meu Senhor, sois o melhor dos outorgadores de bênçãos, e se realmente quiserdes conceder-me uma bênção desejável, então, oro à Vossa Onipotência que, no âmago do meu coração, não haja desejos materiais.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu nos ensina como orar para podermos obter as bênçãos do Senhor. Ele diz:

na dhanaṁ na janaṁ na sundarīṁ
kavitāṁ vā jagad-īśa kāmaye
mama janmani janmanīśvare
bhavatād bhaktir ahaitukī tvayi

“Ó meu Senhor, não desejo que me dês alguma riqueza, nem muitos seguidores, nem uma bela esposa, pois todos esses desejos são materialistas. Porém, se tenho que Te pedir alguma bênção, oro que, em qualquer forma de vida em que eu possa nascer, não haja nenhuma circunstância em que eu esteja destituído do transcendental serviço devocional a Ti.” Os devotos sempre estão na plataforma positiva, em contraste com os māyāvādīs, que querem tornar tudo impessoal ou vazio. Ninguém pode permanecer vazio (śūnyavādī); ao contrário, todos sempre possuem algo. Portanto, o devoto, situando-se no lado positivo, quer possuir algo, e essa posse é muito bem descrita por Prahlāda Mahārāja, que diz: “Se devo receber alguma bênção Vossa, oro que, no âmago do meu coração, não haja desejos materiais.” O desejo de servir a Suprema Personalidade de Deus não é material de modo algum.

Texto

indriyāṇi manaḥ prāṇa
ātmā dharmo dhṛtir matiḥ
hrīḥ śrīs tejaḥ smṛtiḥ satyaṁ
yasya naśyanti janmanā

Sinônimos

indriyāṇi — os sentidos; manaḥ — a mente; prāṇaḥ — o ar vital; ātmā — o corpo; dharmaḥ — religião; dhṛtiḥ — tolerância; matiḥ — inteligência; hrīḥ — recato; śrīḥ — opulência; tejaḥ — força; smṛtiḥ — memória; satyam — veracidade; yasya — de cujos desejos luxuriosos; naśyanti — são exterminados; janmanā — desde o próprio instante do nascimento.

Tradução

Ó meu Senhor, devido aos desejos luxuriosos, desde o nascimento de alguém, as funções dos seus sentidos, sua mente, vida, corpo, religião, tolerância, inteligência, recato, opulência, força, memória e veracidade perecem.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam: kāmaṁ hṛd-rogam. Vida materialista significa que a pessoa é acometida de uma doença contundente chamada desejo luxurioso. Liberação significa estar livre dos desejos luxuriosos porque é apenas em virtude desses desejos que se devem aceitar repetidos nascimentos e mortes. Enquanto alguém não satisfizer seus desejos luxuriosos, deverá submeter-se a consecutivos nascimentos para satisfazê-los. Por conseguinte, devido aos desejos materiais, a pessoa executa várias classes de atividades e recebe várias categorias de corpos, com os quais tenta realizar desejos que jamais podem ser satisfeitos. O único remédio é adotar o serviço devocional, que começa quando a pessoa se livra de todos os desejos materiais. Anyābhilāṣitā-śūnyam. Anya-abhilāṣitā significa “desejo material”, e śūnyam, “livre de”. A alma espiritual tem atividades e desejos espirituais, como descreve Śrī Caitanya Mahāprabhu: mama janmani janmanīśvare bhavatād bhaktir ahaitukī tvayi. A devoção imaculada ao serviço ao Senhor é o único desejo espiritual. Entretanto, para satisfazer esse desejo espiritual, todos devem livrar-se de quaisquer espécies de desejos materiais. Não ter desejos significa estar livre dos desejos materiais. Śrīla Rūpa Gosvāmī descreve isso como anyābhilāṣitā-śūnyam. Logo que alguém apresenta desejos materiais, perde sua identidade espiritual. Então, todos os dons de sua vida, incluindo seus sentidos, corpo, religião, tolerância e inteligência, desviam-se de sua consciência de Kṛṣṇa original. Tão logo alguém passa a ter desejos materiais, ele não consegue usar seus sentidos, inteligência, mente e seus outros dotes de maneira a satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Os filósofos māyāvādīs querem tornar-se impessoais e destituídos de sentidos e mente, mas isso é impossível. A entidade viva tem atividades, sempre existindo com desejos, ambições e assim por diante. No entanto, devem-se purificá-los, para que se cultivem desejos e ambições espirituais, sem contaminações materiais. Em toda entidade viva, existem essas propensões porque ela é uma entidade viva. Entretanto, quando está materialmente contaminada, a pessoa é posta nas mãos do sofrimento material (janma-mṛtyu-jarā-vyādhi). Se alguém quer acabar com os repetidos nascimentos e mortes, deve adotar o serviço devocional ao Senhor.

sarvopādhi-vinirmuktaṁ
tat-paratvena nirmalam
hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-
sevanaṁ bhaktir ucyate

Bhakti, ou serviço devocional, significa ocuparmos todos os nossos sentidos no serviço ao Senhor, a Suprema Personalidade de Deus, o mestre de todos os sentidos. Quando a alma espiritual presta serviço ao Supremo, ocorrem dois efeitos concomitantes. A pessoa se livra de todas as designações materiais, e, pelo simples fato de estar ocupada a serviço do Senhor, seus sentidos se purificam.”

Texto

vimuñcati yadā kāmān
mānavo manasi sthitān
tarhy eva puṇḍarīkākṣa
bhagavattvāya kalpate

Sinônimos

vimuñcati — abandona; yadā — sempre que; kāmān — todos os desejos materiais; mānavaḥ — sociedade humana; manasi — mentalmente; sthitān — situada; tarhi — somente nesse momento; eva — na verdade; puṇḍarīka-akṣa — ó Senhor de olhos de lótus; bhagavattvāya — a ser tão opulenta como o Senhor; kalpate — habilita-se.

Tradução

Ó meu Senhor, quando o ser humano é capaz de abandonar todos os desejos materiais que existem em sua mente, ele se habilita a possuir riquezas e opulências tais como as Vossas.

Comentário

SIGNIFICADO—Os homens ateístas, às vezes, criticam os devotos dizendo: “Se vocês não querem receber nenhuma bênção do Senhor, mas se o servo do Senhor é tão opulento como o próprio Senhor, por que, então, vocês pedem a bênção de se ocuparem como servos do Senhor?” Śrīdhara Svāmī comenta: bhagavattvāya bhagavat-samān aiśvaryāya. Bhagavattva, colocar-se no mesmo nível da Suprema Personalidade de Deus, não significa se tornar uno com Ele ou igual a Ele, embora, no mundo espiritual, o servo seja tão opulento como o mestre. O servo do Senhor se ocupa a serviço do Senhor como um servo, amigo, pai, mãe ou amante conjugal, todos os quais são tão opulentos como o Senhor. Isso é acintya-bhedābheda-tattva. Embora diferentes, o mestre e o servo são iguais em opulência. Esse é o significado da concomitante diferença e igualdade entre o Senhor Supremo e Seu servo.

Texto

oṁ namo bhagavate tubhyaṁ
puruṣāya mahātmane
haraye ’dbhuta-siṁhāya
brahmaṇe paramātmane

Sinônimos

om — ó meu Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus; namaḥ — ofereço minhas respeitosas reverências; bhagavate — à Pessoa Suprema; tubhyam — a Vós; puruṣāya — à Pessoa Suprema; mahā-ātmane — à Alma Suprema, ou Superalma; haraye — ao Senhor, que elimina todos os sofrimentos dos devotos; adbhuta-siṁhāya — à Vossa maravilhosa forma leonina de Nṛsiṁhadeva; brahmaṇe — ao Brahman Supremo; parama-ātmane — à Alma Suprema.

Tradução

Ó meu Senhor, pleno de seis opulências, ó Pessoa Suprema! Ó Alma Suprema, Vós exterminais todos os sofrimentos! Ó Pessoa Suprema sob a forma de um maravilhoso homem e leão, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—No verso anterior, Prahlāda Mahārāja explicou que o devoto pode alcançar a plataforma de bhagavattva, ser tão bom quanto a Pessoa Suprema, mas isso não significa que o devoto perde sua posição de servo. Um servo puro do Senhor, embora seja tão opulento como o Senhor, deve manifestar sua atitude de serviço e oferecer respeitosas reverências ao Senhor. Prahlāda Mahārāja estava ocupado em apaziguar o Senhor e, portanto, ele não se considerava igual ao Senhor. Ele definiu que sua posição era de servo e ofereceu respeitosas reverências ao Senhor.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
naikāntino me mayi jātv ihāśiṣa
āśāsate ’mutra ca ye bhavad-vidhāḥ
tathāpi manvantaram etad atra
daityeśvarāṇām anubhuṅkṣva bhogān

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; na — não; ekāntinaḥ — impoluto, sem desejos, com exceção do único desejo de prestar serviço devocional; me — de Mim; mayi — a Mim; jātu — tempo algum; iha — dentro deste mundo material; āśiṣaḥ — bênçãos; āśāsate — tentam desejar; amutra — na próxima vida; ca — e; ye — todos esses devotos que; bhavat-vidhāḥ — como tu; tathāpi — mesmo assim; manvantaram — a duração do tempo que se prolonga até o fim da vida de um Manu; etat — isto; atra — neste mundo material; daitya-īśvarāṇām — das opulências das pessoas materialistas; anubhuṅkṣva — podes desfrutar de; bhogān — todas as opulências materiais.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Prahlāda, um devoto como tu jamais deseja alguma espécie de opulência material, seja nesta vida, seja na próxima. Entretanto, ordeno que desfrutes das opulências dos demônios deste mundo material, agindo como rei deles até que expire o período concedido a Manu.

Comentário

SIGNIFICADO—Um Manu vive um período de tempo equivalente à soma de setenta e um ciclos de yugas, cada um dos quais totaliza 4.300.000 anos. Embora os homens ateístas gostem de desfrutar das opulências materiais e apliquem muita energia na construção de grandes residências, estradas, cidades e fábricas, eles, infelizmente, não podem viver mais do que oitenta, noventa ou, no máximo, cem anos. Embora gaste tanta energia para criar um reino de alucinações, o materialista só consegue aproveitá-lo durante poucos anos. Entretanto, porque Prahlāda Mahārāja era um devoto, o Senhor permitiu que ele desfrutasse de opulências materiais como o rei dos materialistas. Prahlāda Mahārāja nascera na família de Hiraṇyakaśipu, que era o mais formidável materialista, e, como Prahlāda era o herdeiro genuíno de seu pai, o Senhor Supremo consentiu que ele desfrutasse do reino criado por seu pai, sendo-lhe concedido reinar por tantos anos que nenhum materialista poderia calculá-los. O devoto não precisa desejar uma opulência material, mas, se ele for um devoto puro, há também uma ampla oportunidade de ele desfrutar de felicidade material, sem que para isso seja necessário algum esforço de sua parte. Portanto, todos são aconselhados a adotar o serviço devocional em todas as circunstâncias. Se alguém deseja a opulência material, também pode tornar-se um devoto puro, e seus desejos serão satisfeitos. No Śrīmad-Bhāgavatam (2.3.10), afirma-se:

akāmaḥ sarva-kāmo vā
mokṣa-kāma udāra-dhīḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
yajeta puruṣaṁ param

“Quer alguém deseje tudo ou nada, ou caso deseje fundir-se na existência do Senhor, ele será inteligente somente se adorar o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, prestando-Lhe transcendental serviço amoroso.”

Texto

kathā madīyā juṣamāṇaḥ priyās tvam
āveśya mām ātmani santam ekam
sarveṣu bhūteṣv adhiyajñam īśaṁ
yajasva yogena ca karma hinvan

Sinônimos

kathāḥ — mensagens ou instruções; madīyāḥ — dadas por Mim; juṣamāṇaḥ — sempre ouvindo ou ponderando; priyāḥ — extremamente agradáveis; tvam — tu mesmo; āveśya — estando completamente absorto em; mām — Mim; ātmani — no âmago do teu coração; santam — existindo; ekam — uma (a mesma Alma Suprema); sarveṣu — em todas; bhūteṣu — as entidades vivas; adhiyajñam — o desfrutador de todas as cerimônias ritualísticas; īśam — o Senhor Supremo; yajasva — adora; yogena — através de bhakti-yoga, serviço devocional; ca — também; karma — atividades fruitivas; hinvan — abandonando.

Tradução

Não importa que estejas no mundo material. Sempre e continuamente, deves ouvir as instruções e mensagens dadas por Mim e absorver-te em pensar em Mim, pois sou a Superalma presente no âmago de todos os corações. Portanto, abandona as atividades fruitivas e adora-Me.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando um devoto se torna materialmente muito opulento, ninguém deve pensar que ele está desfrutando do resultado de suas atividades fruitivas. Neste mundo material, o devoto usa todas as opulências materiais para servir ao Senhor porque, como o próprio Senhor aconselha, ele planeja como prestar serviço ao Senhor com essas opulências. Toda opulência material que acaso possua, ele utiliza para expandir as glórias e o serviço ao Senhor. O devoto jamais executa alguma cerimônia ritualística ou fruitiva para, então, desfrutar dos resultados do karma. Ao contrário, ele sabe que karma-kāṇḍa se destina aos homens menos inteligentes. Em seu Prema-bhakti-candrikā, Narottama Dāsa Ṭhākura diz que karma-kāṇḍa, jñāna-kāṇḍa, kevala viṣera bhāṇḍa: tanto karma-kāṇḍa quanto jñāna-kāṇḍa – atividades fruitivas e especulação acerca do Senhor Supremo – são como taças de veneno. Alguém que se sente atraído por karma-kāṇḍa ou jñāna-kāṇḍa arruína sua existência humana. Portanto, o devoto jamais se interessa por karma-kāṇḍa ou jñāna-kāṇḍa, senão que simplesmente procura servir ao Senhor com uma atitude favorável (ānukūlyena kṛṣṇānuśīlanam), ou cultiva atividades espirituais mediante o serviço devocional.

Texto

bhogena puṇyaṁ kuśalena pāpaṁ
kalevaraṁ kāla-javena hitvā
kīrtiṁ viśuddhāṁ sura-loka-gītāṁ
vitāya mām eṣyasi mukta-bandhaḥ

Sinônimos

bhogena — através dos sentimentos de felicidade material; puṇyam — atividades piedosas ou seus resultados; kuśalena — agindo piedosamente (o serviço devocional é a melhor de todas as atividades piedosas); pāpam — todas as espécies de reações às atividades impiedosas; kalevaram — o corpo material; kāla-javena — mediante o poderosíssimo fator tempo; hitvā — abandonando; kīrtim — reputação; viśuddhām — transcendental ou plenamente purificado; sura-loka-gītām — louvado inclusive nos planetas celestiais; vitāya — divulgando por todo o universo; mām — a Mim; eṣyasi — voltarás; mukta-bandhaḥ — ficando livre de todo o cativeiro.

Tradução

Meu querido Prahlāda, enquanto estiveres neste mundo material, esgotarás todas as reações das atividades piedosas, sentindo felicidade, e, agindo piedosamente, neutralizarás as atividades ímpias. Devido ao poderoso fator tempo, abandonarás o teu corpo, mas as glórias de tuas atividades serão cantadas nos sistemas planetários superiores e, inteiramente livre de todo o cativeiro, retornarás ao lar, retornarás ao Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz: evaṁ prahlādasyāṁśena sādhana-siddhatvaṁ nitya-siddhatvaṁ ca nāradādivaj jñeyam. Existem duas classes de devotos – o sādhana-siddha e o nitya-siddha. Prahlāda Mahārāja é um siddha misto, ou seja, em parte ele é perfeito porque executa serviço devocional e, em parte, é perfeito devido à sua perfeição eterna. Por isso, é comparado a devotos como Nārada. Anteriormente, Nārada Muni fora filho de uma criada, de modo que, em seu próximo nascimento, alcançou a perfeição (sādhana-siddhi) porque executou serviço devocional. Todavia, ele é um nitya-siddha porque jamais se esquece da Suprema Personalidade de Deus.

A palavra kuśalena é muito importante. Deve-se viver no mundo material com muita habilidade. O mundo material é conhecido como o mundo da dualidade porque ora é preciso agir impiamente, ora é preciso agir piedosamente. Embora ninguém queira agir impiamente, o mundo é estruturado de tal modo que há sempre algum perigo (padaṁ padaṁ yad vipadām). Portanto, mesmo quando executa serviço devocional, o devoto tem que fazer muitos inimigos. O próprio Prahlāda Mahārāja viveu essa experiência, pois mesmo o seu pai se tornou seu inimigo. Valendo-se de sua destreza, o devoto deve tomar as medidas necessárias para sempre pensar no Senhor Supremo para que as reações do sofrimento não possam tocá-lo. Essa é a maneira hábil de alguém lidar com pāpa-puṇya – atividades piedosas e impiedosas. Um devoto sublime como Prahlāda Mahārāja é jīvan-mukta; mesmo enquanto vive no corpo material, ele já é uma alma liberada.

Texto

ya etat kīrtayen mahyaṁ
tvayā gītam idaṁ naraḥ
tvāṁ ca māṁ ca smaran kāle
karma-bandhāt pramucyate

Sinônimos

yaḥ — todo aquele que; etat — essa atividade; kīrtayet — canta; mahyam — a Mim; tvayā — por ti; gītam — orações oferecidas; idam — esse; naraḥ — ser humano; tvām — de ti; ca — bem como; mām ca — de Mim também; smaran — lembrando-se; kāle — no decorrer do tempo; karma-bandhāt — do cativeiro das atividades materiais; pramucyate — livra-se.

Tradução

Alguém que sempre se lembra das tuas e das Minhas atividades, e que canta as orações que acabaste de oferecer, livra-se das reações das atividades materiais no devido curso do tempo.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui se afirma que todo aquele que cante e ouça as atividades de Prahlāda Mahārāja e os passatempos de Nṛsiṁhadeva, os quais estão intimamente ligados aos feitos de Prahlāda, gradualmente se livra de todo o cativeiro às atividades fruitivas. Como se afirma na Bhagavad-gītā (2.15, 2.56):

yaṁ hi na vyathayanty ete
puruṣaṁ puruṣarṣabha
sama-duḥkha-sukhaṁ dhīraṁ
so ’mṛtatvāya kalpate

“Ó melhor entre os homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificada para a liberação.”

duḥkheṣv anudvigna-manāḥ
sukheṣu vigata-spṛhaḥ
vīta-rāga-bhaya-krodhaḥ
sthita-dhīr munir ucyate

“Aquele cuja mente não é perturbada mesmo estando rodeado das três classes de sofrimentos, nem se exalta quando há felicidade, e que está livre do apego, do medo e da ira, é chamado um sábio de mente estável.” O devoto não deve ficar deprimido ao se defrontar com uma situação adversa, tampouco deve sentir-se extraordinariamente feliz ao ser favorecido com opulências materiais. Eis o exemplo de uma vida material conduzida com boa destreza. Como o devoto sabe gerir-se devidamente, o devoto é chamado de jīvan-mukta. E Rūpa Gosvāmī explica no Bhakti-rasāmṛta-sindhu:

īhā yasya harer dāsye
karmaṇā manasā girā
nikhilāsv apy avasthāsu
jīvan-muktaḥ sa ucyate

“Aquele que age em consciência de Kṛṣṇa (ou, em outras palavras, trabalha a serviço de Kṛṣṇa) com seu corpo, mente, inteligência e palavras é uma pessoa liberada, mesmo dentro deste mundo material, embora possa estar ocupado em muitas atividades aparentemente materiais.” Porque, em qualquer condição de vida, constantemente se ocupa em serviço devocional, o devoto se livra de todo o cativeiro material.

bhaktiḥ punāti man-niṣṭhā
śva-pākān api sambhavāt

“Mesmo alguém nascido em família de comedores de cães purifica-se caso se ocupe em serviço devocional.” (Śrīmad-Bhāgavatam 11.14.21) Śrīla Jīva Gosvāmī cita este verso como forte argumento para consubstanciar a lógica de que quem celebra a vida e as atividades puras de Prahlāda Mahārāja se livra das reações das atividades materiais.

Texto

śrī-prahrāda uvāca
varaṁ varaya etat te
varadeśān maheśvara
yad anindat pitā me
tvām avidvāṁs teja aiśvaram
viddhāmarṣāśayaḥ sākṣāt
sarva-loka-guruṁ prabhum
bhrātṛ-heti mṛṣā-dṛṣṭis
tvad-bhakte mayi cāghavān
tasmāt pitā me pūyeta
durantād dustarād aghāt
pūtas te ’pāṅga-saṁdṛṣṭas
tadā kṛpaṇa-vatsala

Sinônimos

śrī-prahrādaḥ uvāca — Prahlāda Mahārāja disse; varam — bênção; varaye — oro; etat — esta; te — de Vós; varada-īśāt — a Suprema Personalidade de Deus, que oferece bênçãos até mesmo a semideuses elevados como Brahmā e Śiva; mahā-īśvara — ó meu Senhor Supremo; yat — isto; anindat — difamou; pitā — pai; me — meu; tvām — a Vós; avidvān — sem conhecer; tejaḥ — força; aiśvaram — supremacia; viddha — estando contaminado; amarṣa — com ira; āśayaḥ — dentro do coração; sākṣāt — diretamente; sarva-loka-gurum — ao supremo mestre espiritual de todos os seres vivos; prabhum — ao mestre supremo; bhrātṛ- — o qual matou seu irmão; iti — assim; mṛṣā-dṛṣṭiḥ — desnecessariamente invejoso devido ao falso conceito; tvat-bhakte — para com Vosso devoto; mayi — para comigo; ca — e; agha-vān — que cometeu graves atividades pecaminosas; tasmāt — disto; pitā — pai; me — meu; pūyeta — possa se purificar; durantāt — muito grandes; dustarāt — difícil de transpor; aghāt — de todas as atividades pecaminosas; pūtaḥ — (embora ele estivesse) purificado; te — Vosso; apāṅga — pelo olhar sobre ele; saṁdṛṣṭaḥ — sendo olhado; tadā — naquele momento; kṛpaṇa-vatsala — ó Senhor que sois misericordioso com o materialista.

Tradução

Prahlāda Mahārāja disse: Ó Senhor Supremo, porque sois tão misericordioso com as almas caídas, peço-Vos apenas uma bênção. Sei que, na hora de sua morte, meu pai foi purificado ao receber Vosso olhar, mas, como ignorava Vosso extraordinário poder e supremacia, ele desnecessariamente ficou irado contra Vós, pensando que fostes Vós quem matou o seu irmão. Por isso, ele blasfemou diretamente Vossa Onipotência, o mestre espiritual de todos os seres vivos, e cometeu graves atividades pecaminosas contra mim, Vosso devoto. Desejo que lhe sejam perdoadas essas atividades pecaminosas.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora Hiraṇyakaśipu tivesse se purificado logo ao entrar em contato com o colo do Senhor e ser visto por Este, mesmo assim, Prahlāda Mahārāja queria ouvir da própria boca do Senhor que seu pai havia sido purificado pela imotivada misericórdia do Senhor. Prahlāda Mahārāja ofereceu essa oração ao Senhor em benefício de seu pai. Como um filho vaiṣṇava, apesar de todas as inconveniências que lhe foram impostas por seu pai, ele não pôde se esquecer da afeição paterna.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
triḥ-saptabhiḥ pitā pūtaḥ
pitṛbhiḥ saha te ’nagha
yat sādho ’sya kule jāto
bhavān vai kula-pāvanaḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; triḥ-saptabhiḥ — três vezes sete (isto é, vinte e um); pitā — pai; pūtaḥ — purificado; pitṛbhiḥ — com teus antepassados; saha — todos juntos; te — teu; anagha — ó personalidade das mais impolutas (Prahlāda Mahārāja); yat — porque; sādho — ó grande santo; asya — dessa pessoa; kule — na dinastia; jātaḥ — nasceste; bhavān — tu; vai — na verdade; kula-pāvanaḥ — aquele que purifica toda a dinastia.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Prahlāda, ó puríssimo, ó santíssimo, juntamente com vinte e um antepassados de tua família, teu pai se purificou. Como nasceste nesta família, toda a dinastia se purificou.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra triḥ-saptabhiḥ significa três vezes sete. De um modo geral, em cada família se pode remontar a quatro ou cinco gerações – ao bisavô ou talvez ao trisavô –, mas, uma vez que o Senhor menciona vinte e um antepassados, isso indica que a bênção também se estende a outras famílias. Antes da atual família na qual alguém nasceu, por certo ele já passou por outras famílias. Assim, quando um vaiṣṇava nasce em uma família, então, pela graça do Senhor, ele purifica não apenas essa família, mas também as famílias nas quais obteve nascimentos anteriores.

Texto

yatra yatra ca mad-bhaktāḥ
praśāntāḥ sama-darśinaḥ
sādhavaḥ samudācārās
te pūyante ’pi kīkaṭāḥ

Sinônimos

yatra yatra — sempre e onde quer que; ca — também; mat-bhaktāḥ — meus devotos; praśāntāḥ — extremamente pacíficos; sama-darśinaḥ — equânimes; sādhavaḥ — decorados com todas as boas qualidades; samudācārāḥ — e magnânimos; te — todos eles; pūyante — purificam-se; api — mesmo; kīkaṭāḥ — uma região degradada ou os habitantes desse lugar.

Tradução

Sempre e onde quer que haja devotos equânimes e pacíficos, que possuem bom comportamento e são decorados com todas as boas qualidades, o lugar e as dinastias ali existentes, mesmo que condenados, purificam-se.

Comentário

SIGNIFICADO—Onde quer que os devotos permaneçam, não apenas eles e suas dinastias, mas toda a região se purifica.

Texto

sarvātmanā na hiṁsanti
bhūta-grāmeṣu kiñcana
uccāvaceṣu daityendra
mad-bhāva-vigata-spṛhāḥ

Sinônimos

sarva-ātmanā — em todos os sentidos, mesmo nos modos de ira e inveja; na — nunca; hiṁsanti — eles são invejosos; bhūtagrāmeṣu – entre todas as espécies de vida; kiñcana — para qualquer uma delas; ucca-avaceṣu — as entidades vivas superiores e inferiores; daitya-indra — ó meu querido Prahlāda, rei dos Daityas; mat-bhāva — devido ao serviço devocional a Mim; vigata — abandonados; spṛhāḥ — todos os modos materiais de ira e cobiça.

Tradução

Meu querido Prahlāda, rei dos Daityas, porque está apegado ao serviço devocional a Mim, Meu devoto não discrimina entre entidades vivas superiores e inferiores. Em todos os sentidos, ele nunca tem inveja de ninguém.

Texto

bhavanti puruṣā loke
mad-bhaktās tvām anuvratāḥ
bhavān me khalu bhaktānāṁ
sarveṣāṁ pratirūpa-dhṛk

Sinônimos

bhavanti — tornam-se; puruṣāḥ — pessoas; loke — neste mundo; mat-bhaktāḥ — Meus devotos puros; tvām — a ti; anuvratāḥ — seguindo teus passos; bhavān — tu; me — Meu; khalu — na verdade; bhaktānām — de todos os devotos; sarveṣām — em diferentes doçuras; pratirūpa-dhṛk — exemplo tangível.

Tradução

Aqueles que seguem o teu exemplo naturalmente se tornarão Meus devotos puros. És o Meu devoto exemplar, e cabe aos demais seguirem os teus passos.

Comentário

SIGNIFICADO—Com relação a isso, Śrīla Madhvācārya cita um verso do Skanda Purāṇa:

ṛte tu tāttvikān devān
nāradādīṁs tathaiva ca
prahrādād uttamaḥ ko nu
viṣṇu-bhaktau jagat-traye

Existem muitos e muitos devotos da Suprema Personalidade de Deus, os quais o Śrīmad-Bhāgavatam (6.3.20) enumera da seguinte maneira:

svayambhūr nāradaḥ śambhuḥ
kumāraḥ kapilo manuḥ
prahlādo janako bhīṣmo
balir vaiyāsakir vayam

Dentre os doze conceituados devotos – senhor Brahmā, Nārada, senhor Śiva, Kapila, Manu e assim por diante –, Prahlāda Mahārāja é tido como o melhor exemplo.

Texto

kuru tvaṁ preta-kṛtyāni
pituḥ pūtasya sarvaśaḥ
mad-aṅga-sparśanenāṅga
lokān yāsyati suprajāḥ

Sinônimos

kuru — executa; tvam — tu; preta-kṛtyāni — a cerimônia ritualística fúnebre; pituḥ — do teu pai; pūtasya — já purificado; sarvaśaḥ — em todos os aspectos; mat-aṅga — Meu corpo; sparśanena — tocando; aṅga — Meu querido filho; lokān — aos planetas; yāsyati — ele será elevado; su-prajāḥ — para se tornar um devoto e cidadão.

Tradução

Meu querido filho, teu pai já se purificou através do simples fato de ter recebido o contato do Meu corpo na hora de sua morte. Entretanto, cabe ao filho executar em prol do pai a cerimônia ritualística fúnebre śrāddha para que seu pai possa ser promovido a um sistema planetário onde ele se torne um bom cidadão e devoto.

Comentário

SIGNIFICADO—Com relação a isso, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que, embora estivesse purificado, Hiraṇyakaśipu teria que nascer em um sistema planetário superior para, então, tornar-se um devoto. Prahlāda Mahārāja foi aconselhado a realizar a cerimônia ritualística por questão de etiqueta, pois, em nenhuma circunstância, a Suprema Personalidade de Deus quer dissolver os princípios reguladores. Madhva Muni também instrui:

madhu-kaiṭabhau bhakty-abhāvā
dūrau bhagavato mṛtau
tama eva kramād āptau
bhaktyā ced yo hariṁ yayau

Quando os demônios Madhu e Kaiṭabha foram mortos pela Suprema Personalidade de Deus, seus parentes também observaram as cerimônias ritualísticas para que esses demônios pudessem regressar ao lar, regressar ao Supremo.

Texto

pitryaṁ ca sthānam ātiṣṭha
yathoktaṁ brahmavādibhiḥ
mayy āveśya manas tāta
kuru karmāṇi mat-paraḥ

Sinônimos

pitryam — paterno; ca — também; sthānam — lugar, trono; ātiṣṭha — senta-te em; yathā-uktam — como descritos; brahmavādibhiḥ — pelos seguidores da civilização védica; mayi — em Mim; āveśya — estando plenamente absorta; manaḥ — a mente; tāta — Meu querido menino; kuru — simplesmente executa; karmāṇi — os deveres normativos; mat-paraḥ — com o simples propósito de trabalhar para Mim.

Tradução

Após executar as cerimônias ritualísticas, encarrega-te do reino do teu pai. Senta-te no trono e não te deixes perturbar com as atividades materialistas. Por favor, mantém tua mente fixa em Mim. Sem transgredir os preceitos védicos, podes realizar teus deveres específicos por uma questão de formalidade.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando alguém se torna devoto, ele deixa de ter alguma obrigação para com os princípios reguladores védicos. Todos têm que executar muitos deveres, mas quem se torna plenamente devotado ao Senhor não precisa mais se sujeitar a nenhuma dessas incumbências. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (11.5.41):

devarṣi-bhūtāpta-nṛṇāṁ pitṝṇāṁ
na kiṅkaro nāyam ṛṇī ca rājan
sarvātmanā yaḥ śaraṇaṁ śaraṇyaṁ
gato mukundaṁ parihṛtya kartam

Aquele que se rendeu plenamente aos pés de lótus do Senhor deixa de ficar em dívida com seus antepassados, com os grandes sábios, a sociedade humana, os homens comuns ou qualquer entidade viva.

Entretanto, a Suprema Personalidade de Deus aconselhou Prahlāda Mahārāja a seguir os princípios reguladores, pois, como ele seria o rei, os outros seguiriam o seu exemplo. Então, o Senhor Nṛsiṁhadeva aconselhou Prahlāda Mahārāja a se ocupar em seus deveres políticos para que as pessoas se tornassem devotos do Senhor.

yad yad ācarati śreṣṭhas
tat tad evetaro janaḥ
sa yat pramāṇaṁ kurute
lokas tad anuvartate

“Qualquer ação executada por um homem importante é copiada pelos homens comuns, e o mundo inteiro procurará imitar os padrões que ele estabelecer através de seus atos exemplares.” (Bhagavad-gītā 3.21) Ninguém deve apegar-se a nenhuma espécie de atividades materiais, mas o devoto pode executar essas atividades para que elas sirvam de exemplo, evitando que o homem comum se afaste dos preceitos védicos.

Texto

śrī-nārada uvāca
prahrādo ’pi tathā cakre
pitur yat sāmparāyikam
yathāha bhagavān rājann
abhiṣikto dvijātibhiḥ

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Nārada Muni disse; prahrādaḥ — Prahlāda Mahārāja; api — também; tathā — dessa maneira; cakre — executou; pituḥ — de seu pai; yat — todas; sāmparāyikam — as cerimônias ritualísticas fúnebres; yathā — assim como; āha — ordem; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; rājan — ó rei Yudhiṣṭhira; abhiṣiktaḥ — ele foi entronizado no reino; dvi-jātibhiḥ — pelos brāhmaṇas ali presentes.

Tradução

Śrī Nārada Muni prosseguiu: Então, como a Suprema Personalidade de Deus ordenara, Prahlāda Mahārāja executou as cerimônias ritualísticas em consideração a seu pai. Ó rei Yudhiṣṭhira, ele foi então entronizado no reino de Hiraṇyakaśipu, conforme as diretrizes traçadas pelos brāhmaṇas.

Comentário

SIGNIFICADO—É essencial que a sociedade seja dividida em quatro grupos de homens – brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras. Aqui, vemos que, embora fosse perfeito em todos os aspectos, Prahlāda seguia as instruções dos brāhmaṇas que executavam os rituais védicos. Portanto, é essencial que a sociedade conte com uma classe de líderes inteligentes, versados no conhecimento védico, para que possam orientar toda a população a seguir os princípios védicos e assim, gradualmente, atingir a perfeição máxima e se habilitar a voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

prasāda-sumukhaṁ dṛṣṭvā
brahmā narahariṁ harim
stutvā vāgbhiḥ pavitrābhiḥ
prāha devādibhir vṛtaḥ

Sinônimos

prasāda-sumukham — cujo rosto estava radiante porque o Senhor Supremo estava satisfeito; dṛṣṭvā — vendo esta situação; brahmā — o senhor Brahmā; nara-harim — ao Senhor Nṛsiṁhadeva; harim — a Suprema Personalidade de Deus; stutvā — oferecendo orações; vāgbhiḥ — com palavras transcendentais; pavitrābhiḥ — sem nenhuma contaminação material; prāha — dirigiu-se (ao Senhor); deva-ādibhiḥ — pelos outros semideuses; vṛtaḥ — rodeado.

Tradução

O senhor Brahmā, rodeado pelos outros semideuses, tinha o rosto radiante porque o Senhor estava satisfeito. Então, com palavras transcendentais, ele ofereceu orações ao Senhor.

Texto

śrī-brahmovāca
deva-devākhilādhyakṣa
bhūta-bhāvana pūrvaja
diṣṭyā te nihataḥ pāpo
loka-santāpano ’suraḥ

Sinônimos

śrī-brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; deva-deva — ó meu Senhor, amo de todos os semideuses; akhila-adhyakṣa — proprietário do universo inteiro; bhūta-bhāvana — ó causa de todas as entidades vivas; pūrva-ja — ó Personalidade de Deus original; diṣṭyā — mediante Vosso exemplo ou devido à nossa boa fortuna; te — por Vós; nihataḥ — morto; pāpaḥ — pecaminosíssimo; loka-santāpanaḥ — causando problemas a todo o universo; asuraḥ — o demônio Hiraṇyakaśipu.

Tradução

O senhor Brahmā disse: Ó Supremo Senhor de todos os senhores, proprietário do universo inteiro, ó benfeitor de todas as entidades vivas, ó pessoa original [ādi-puruṣa], devido à nossa boa fortuna, acabastes de matar esse demônio pecaminoso, que estava causando problemas a todo o universo.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra pūrvaja é descrita na Bhagavad-gītā (10.8): ahaṁ sarvasya prabhavo mattaḥ sarvaṁ pravartate. Todos os semideuses, incluindo o senhor Brahmā, originam-se da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, a pessoa original, a causa de todas as causas, é Govinda, o ādi-puruṣam.

Texto

yo ’sau labdha-varo matto
na vadhyo mama sṛṣṭibhiḥ
tapo-yoga-balonnaddhaḥ
samasta-nigamān ahan

Sinônimos

yaḥ — a pessoa que; asau — ele (Hiraṇyakaśipu); labdha-varaḥ — recebendo a bênção extraordinária; mattaḥ — de mim; na vadhyaḥ — de que não seria morto; mama sṛṣṭibhiḥ — por nenhum ser vivo criado por mim; tapaḥ-yoga-bala — por austeridade, poder místico e força; unnaddhaḥ — ficando então muito orgulhoso; samasta — todos; nigamān — os preceitos védicos; ahan — desrespeitou, transgrediu.

Tradução

Este demônio, Hiraṇyakaśipu, recebeu de mim a bênção de que ele não seria morto por nenhum ser vivo dentro de minha criação. Com essa garantia e com a força adquirida através de austeridades e poderes místicos, ele se tornou excessivamente orgulhoso e transgrediu todos os preceitos védicos.

Texto

diṣṭyā tat-tanayaḥ sādhur
mahā-bhāgavato ’rbhakaḥ
tvayā vimocito mṛtyor
diṣṭyā tvāṁ samito ’dhunā

Sinônimos

diṣṭyā — por fortuna; tat-tanayaḥ — seu filho; sādhuḥ — que é um grande santo; mahā-bhāgavataḥ — um devoto grandioso e sublime; arbhakaḥ — embora uma criança; tvayā — por Vossa Onipotência; vimocitaḥ — liberto; mṛtyoḥ — das garras da morte; diṣṭyā — também por grande fortuna; tvām samitaḥ — perfeitamente sob Vossa proteção; adhunā — agora.

Tradução

Devido à sua grande ventura, Prahlāda Mahārāja, filho de Hiraṇyakaśipu, livrou-se da morte, pois, embora seja uma criança, ele é um devoto sublime. Agora, ele está completamente protegido por Vossos pés de lótus.

Texto

etad vapus te bhagavan
dhyāyataḥ paramātmanaḥ
sarvato goptṛ santrāsān
mṛtyor api jighāṁsataḥ

Sinônimos

etat — este; vapuḥ — corpo; te — Vosso; bhagavan — ó Suprema Personalidade de Deus; dhyāyataḥ — aqueles que meditam em; parama-ātmanaḥ — da Pessoa Suprema; sarvataḥ — de toda parte; goptṛ — o protetor; santrāsāt — de todas as espécies de medo; mṛtyoḥ api — mesmo do medo da morte; jighāṁsataḥ — se a pessoa é invejada por algum inimigo.

Tradução

Meu querido Senhor, ó Suprema Personalidade de Deus, sois a Alma Suprema. Se alguém medita em Vosso corpo transcendental, Vós naturalmente o protegeis de todas as circunstâncias amedrontadoras, inclusive do perigo da morte iminente.

Comentário

SIGNIFICADO—Não há dúvidas de que todos morrerão, pois ninguém escapa das mãos da Morte, que é apenas um aspecto da Suprema Personalidade de Deus (mṛtyuḥ sarva-haraś cāham). Todavia, quando alguém se torna um devoto, ele não está destinado a morrer sob a imposição de uma limitada duração de vida. A duração da vida das pessoas é muito limitada, mas a vida do devoto pode prolongar-se graças à misericórdia do Senhor Supremo, que é capaz de anular os resultados do karma. Karmāṇi nirdahati kintu ca bhakti-bhājāṁ. Esta afirmação é da Brahma-saṁhitā (5.54). O devoto não está sob as leis do karma. Portanto, mesmo o momento em que a morte do devoto estava programada para acontecer pode ser evitado pela imotivada misericórdia do Senhor Supremo. Deus protege o devoto contra o extremo perigo da morte.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
maivaṁ vibho ’surāṇāṁ te
pradeyaḥ padma-sambhava
varaḥ krūra-nisargāṇām
ahīnām amṛtaṁ yathā

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus respondeu (a Brahmā); — não; evam — assim; vibho — ó pessoa grandiosa; asurāṇām — aos demônios; te — por ti; pradeyaḥ — concedas bênçãos; padma-sambhava — ó senhor Brahmā, nascido da flor de lótus; varaḥ — bênção; krūra-nisargāṇām — pessoas que, por natureza, são muito cruéis e invejosas; ahīnām — a serpentes; amṛtam — néctar ou leite; yathā — assim como.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus respondeu: Meu querido senhor Brahmā, ó ilustre cavalheiro nascido da flor de lótus, assim como é perigoso alimentar uma serpente com leite, é perigoso dar bênçãos a demônios que, por natureza, são cruéis e invejosos. Aconselho-te a que não voltes a conceder semelhantes bênçãos a demônio algum.

Texto

śrī-nārada uvāca
ity uktvā bhagavān rājaṁs
tataś cāntardadhe hariḥ
adṛśyaḥ sarva-bhūtānāṁ
pūjitaḥ parameṣṭhinā

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Nārada Muni disse; iti uktvā — falando isso; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; rājan — ó rei Yudhiṣṭhira; tataḥ — daquele lugar; ca — também; antardadhe — desapareceu; hariḥ — o Senhor; adṛśyaḥ — que não é visível; sarva-bhūtānām — a todas as espécies de entidades vivas; pūjitaḥ — sendo adorado; parameṣṭhinā — pelo senhor Brahmā.

Tradução

Nārada Muni continuou: Ó rei Yudhiṣṭhira, a Suprema Personalidade de Deus, que não é visível ao ser humano comum, falou essas palavras, instruindo o senhor Brahmā. Então, sendo adorado por Brahmā, o Senhor desapareceu daquele lugar.

Texto

tataḥ sampūjya śirasā
vavande parameṣṭhinam
bhavaṁ prajāpatīn devān
prahrādo bhagavat-kalāḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; sampūjya — adorando; śirasā — curvando a cabeça; vavande — ofereceu orações; parameṣṭhinam — ao senhor Brahmā; bhavam — ao senhor Śiva; prajāpatīn — aos grandes semideuses encarregados de aumentar a população; devān — a todos os grandes semideuses; prahrādaḥ — Prahlāda Mahārāja; bhagavat-kalāḥ — partes influentes do Senhor.

Tradução

Prahlāda Mahārāja, então, adorou todos os semideuses, tais como Brahmā, Śiva e os prajāpatis, que são partes do Senhor, e lhes ofereceu orações.

Texto

tataḥ kāvyādibhiḥ sārdhaṁ
munibhiḥ kamalāsanaḥ
daityānāṁ dānavānāṁ ca
prahrādam akarot patim

Sinônimos

tataḥ — em seguida; kāvya-ādibhiḥ — com Śukrācārya e outros; sārdham — e com; munibhiḥ — grandes pessoas santas; kamala-āsanaḥ — o senhor Brahmā; daityānām — de todos os demônios; dānavānām — de todos os gigantes; ca — e; prahrādam — Prahlāda Mahārāja; akarot — constituiu; patim — senhor ou rei.

Tradução

Em seguida, juntamente com Śukrācārya e outros grandes santos, o senhor Brahmā, cujo assento é a flor de lótus, constituiu Prahlāda o rei de todos os demônios e gigantes do universo.

Comentário

SIGNIFICADO—Pela graça do Senhor Nṛsiṁhadeva, Prahlāda Mahārāja se tornou um rei mais imponente do que seu pai, Hiraṇyakaśipu. A coroação de Prahlāda foi realizada pelo senhor Brahmā na presença de outros santos e semideuses.

Texto

pratinandya tato devāḥ
prayujya paramāśiṣaḥ
sva-dhāmāni yayū rājan
brahmādyāḥ pratipūjitāḥ

Sinônimos

pratinandya — congratulando; tataḥ — depois disso; devāḥ — todos os semideuses; prayujya — tendo oferecido; parama-āśiṣaḥ — bênçãos elevadas; sva-dhāmāni — a suas respectivas moradas; yayuḥ — retornaram; rājan — ó rei Yudhiṣṭhira; brahma-ādyāḥ — todos os semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā; pratipūjitāḥ — sendo fartamente adorados (por Prahlāda Mahārāja).

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, depois que foram devidamente adorados por Prahlāda Mahārāja, todos os semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, ofereceram a Prahlāda suas melhores bênçãos e, então, retornaram a suas respectivas moradas.

Texto

evaṁ ca pārṣadau viṣṇoḥ
putratvaṁ prāpitau diteḥ
hṛdi sthitena hariṇā
vaira-bhāvena tau hatau

Sinônimos

evam — dessa maneira; ca — também; pārṣadau — os dois associados pessoais; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; putratvam — tornando-se os filhos; prāpitau — tendo obtido; diteḥ — de Diti; hṛdi — no âmago do coração; sthitena — estando situado; hariṇā — pelo Senhor Supremo; vaira-bhāvena — concebendo como inimigo; tau — ambos; hatau — foram mortos.

Tradução

Assim, os dois associados do Senhor Viṣṇu que tinham se tornado Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu, os filhos de Diti, foram mortos. Devido à ilusão, eles haviam pensado que o Senhor Supremo, que está situado no coração de todos, era inimigo deles.

Comentário

SIGNIFICADO—O comentário a respeito do Senhor Nṛsiṁhadeva e Prahlāda Mahārāja começa quando Mahārāja Yudhiṣṭhira pergunta a Nārada como Śiśupāla se fundira no corpo de Kṛṣṇa. Śiśupāla e Dantavakra eram os mesmos Hiranyākṣa e Hiraṇyakaśipu. Aqui, Nārada Muni está relatando como, em três nascimentos diferentes, os associados do Senhor Viṣṇu foram mortos pelo próprio Senhor Viṣṇu. Primeiramente, eles foram os demônios Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu.

Texto

punaś ca vipra-śāpena
rākṣasau tau babhūvatuḥ
kumbhakarṇa-daśa-grīvau
hatau tau rāma-vikramaiḥ

Sinônimos

punaḥ — novamente; ca — também; vipra-śāpena — sendo amaldiçoado pelos brāhmaṇas; rākṣasau — os Rākṣasas; tau — ambos; babhūvatuḥ — encarnados como; kumbhakarṇa-daśa-grīvau — conhecidos como Kumbhakarṇa e o Rāvaṇa de dez cabeças (em seu nascimento seguinte); hatau — também foram mortos; tau — ambos; rāma-vikramaiḥ — pela extraordinária força do Senhor Rāmacandra.

Tradução

Porque foram amaldiçoados pelos brāhmaṇas, os dois mesmíssimos associados voltaram a nascer como Kumbhakarṇa e o Rāvaṇa de dez cabeças. Esses dois Rākṣasas foram mortos pelo extraordinário poder do Senhor Rāmacandra.

Texto

śayānau yudhi nirbhinna-
hṛdayau rāma-śāyakaiḥ
tac-cittau jahatur dehaṁ
yathā prāktana-janmani

Sinônimos

śayānau — estendidos; yudhi — no campo de batalha; nirbhinna — sendo trespassados; hṛdayau — no âmago do coração; rāma-śāyakaiḥ — pelas flechas do Senhor Rāmacandra; tat-cittau — pensando ou absorvendo-se no Senhor Rāmacandra; jahatuḥ — abandonaram; deham — corpos; yathā — assim como; prāktana-janmani — em seus nascimentos anteriores.

Tradução

Trespassados pelas flechas do Senhor Rāmacandra, Kumbhakarṇa e Rāvaṇa caíram ao solo e abandonaram seus corpos, completamente absortos em pensar no Senhor, assim como anteriormente lhes acontecera quando haviam sido Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu.

Texto

tāv ihātha punar jātau
śiśupāla-karūṣa-jau
harau vairānubandhena
paśyatas te samīyatuḥ

Sinônimos

tau — ambos; iha — nesta sociedade humana; atha — dessa maneira; punaḥ — novamente; jātau — nasceram; śiśupāla — Śiśupāla; karūṣa-jau — Dantavakra; harau — em relação com a Suprema Personalidade de Deus; vaira-anubandhena — pelo cativeiro de considerar o Senhor como inimigo; paśyataḥ — olhavas; te — enquanto tu; samīyatuḥ — dirigiram-se ou submeteram-se aos pés de lótus do Senhor.

Tradução

Voltando ambos a nascer na sociedade humana como Śiśupāla e Dantavakra, continuaram a manter a mesma hostilidade contra o Senhor. Foram eles que, na tua presença, imergiram no corpo do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Vairānubandhena. Agir como inimigo do Senhor também é benéfico para a entidade viva. Kāmād dveṣād bhayāt snehād. Quer a pessoa tenha desejos luxuriosos, ira, medo ou sinta inveja do Senhor, de algum modo, como recomenda Śrīla Rūpa Gosvāmī (tasmāt kenāpy upāyena), ela deve tornar-se apegada à Suprema Personalidade de Deus e alcançar a meta final, ou seja, voltar ao lar, voltar ao Supremo. O que se pode dizer, então, daquele que está relacionado com a Suprema Personalidade de Deus como servo, amigo, pai, mãe ou amante conjugal?

Texto

enaḥ pūrva-kṛtaṁ yat tad
rājānaḥ kṛṣṇa-vairiṇaḥ
jahus te ’nte tad-ātmānaḥ
kīṭaḥ peśaskṛto yathā

Sinônimos

enaḥ — esta atividade pecaminosa (blasfemar o Senhor Supremo); pūrva-kṛtam — executada em nascimentos anteriores; yat — a qual; tat — isto; rājānaḥ — reis; kṛṣṇa-vairiṇaḥ — sempre atuando como inimigos de Kṛṣṇa; jahuḥ — abandonaram; te — todos eles; ante — no momento da morte; tat-ātmānaḥ — obtendo o mesmo corpo e forma espirituais; kīṭaḥ — um verme; peśaskṛtaḥ — (capturado por) um zangão preto; yathā — assim como.

Tradução

Não apenas Śiśupāla e Dantavakra, mas também muitos e muitos outros reis que atuaram como inimigos de Kṛṣṇa, alcançaram a salvação na ocasião da morte. Como pensavam no Senhor, eles receberam corpos e formas iguais aos dEle, assim como os vermes capturados pelo zangão negro obtêm a mesma espécie de corpo do zangão.

Comentário

SIGNIFICADO—O mistério da meditação ióguica é aqui explicado. Os verdadeiros yogīs sempre meditam na forma de Viṣṇu situada dentro de seus corações. Consequentemente, no momento da morte, eles deixam seus corpos pensando na forma de Viṣṇu e, então, alcançam Viṣṇuloka, Vaikuṇṭhaloka, onde recebem formas corpóreas iguais às do Senhor. No sexto canto, tomamos conhecimento de que, quando vieram de Vaikuṇṭha para salvar Ajāmila, os Viṣṇudūtas se pareciam exatamente com Viṣṇu, pois tinham quatro braços e os mesmos aspectos de Viṣṇu. Portanto, pode-se concluir que, se alguém pratica pensar em Viṣṇu, e, no momento da morte, seu pensamento está completamente absorto nEle, essa pessoa retorna ao lar, retorna ao Supremo. Mesmo os inimigos de Kṛṣṇa que pensavam em Kṛṣṇa porque estavam com medo (bhaya), como Kaṁsa, receberam corpos espiritualmente idênticos ao corpo do Senhor.

Texto

yathā yathā bhagavato
bhaktyā paramayābhidā
nṛpāś caidyādayaḥ sātmyaṁ
hares tac-cintayā yayuḥ

Sinônimos

yathā yathā — exatamente como; bhagavataḥ — à Suprema Personalidade de Deus; bhaktyā — através do serviço devocional; paramayā — supremo; abhidā — pensando incessantemente nessas atividades; nṛpāḥ — reis; caidya-ādayaḥ — Śiśupāla, Dantavakra e outros; sātmyam — a mesma forma; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; tat-cintayā — pensando constantemente nEle; yayuḥ — retornaram ao lar, retornaram ao Supremo.

Tradução

Através do serviço devocional, os devotos puros que pensam incessantemente na Suprema Personalidade de Deus recebem corpos semelhantes ao dEle. Isso é conhecido como sārūpya-mukti. Embora Śiśupāla, Dantavakra e outros reis pensassem em Kṛṣṇa como seu inimigo, eles também alcançaram o mesmo resultado.

Comentário

SIGNIFICADO—No Caitanya-caritāmṛta, em conexão com as instruções que o Senhor Caitanya transmitiu a Sanātana Gosvāmī, explica-se que o devoto deve executar externamente seu serviço devocional rotineiro de maneira convencional, mas, no íntimo, deve sempre pensar na doçura específica na qual se sente atraído ao serviço ao Senhor. A atitude de estar sempre pensando no Senhor habilita o devoto a voltar ao lar, a voltar ao Supremo. Como se afirma na Bhagavad-gītā (4.9), tyaktvā dehaṁ punar janma naiti mām eti: após abandonar seu corpo, o devoto não volta a receber um corpo material, senão que retorna ao Supremo e recebe um corpo espiritual que se assemelha aos corpos dos associados eternos do Senhor cujas atividades ele seguira. Da maneira como gosta de servir ao Senhor, o devoto pode pensar sempre nos associados do Senhor – os vaqueirinhos, as gopīs, o pai e a mãe do Senhor, Seus servos e as árvores, terra, animais, plantas e a água da morada do Senhor. Devido ao fato de pensar nesses aspectos constantemente, a pessoa obtém a posição transcendental. Reis como Śiśupāla, Dantavakra, Kaṁsa, Pauṇḍraka, Narakāsura e Śalva foram todos salvos através desse processo. Confirma isso Madhvācārya:

pauṇḍrake narake caiva
śālve kaṁse ca rukmiṇi
āviṣṭās tu harer bhaktās
tad-bhaktyā harim āpire

Pauṇḍraka, Narakāsura, Śalva e Kaṁsa inimizavam a Suprema Personalidade de Deus, mas, como pensavam constantemente nEle, todos esses reis alcançaram a mesma liberação: sārūpya-mukti. O jñāna-bhakta, o devoto que segue o caminho de jñāna, também alcança o mesmo destino. Se mesmo os inimigos do Senhor alcançam a salvação ao pensarem constantemente no Senhor, o que dizer, então, dos devotos puros que sempre se ocupam a serviço do Senhor e que, em todas as suas atividades, pensam apenas no Senhor?

Texto

ākhyātaṁ sarvam etat te
yan māṁ tvaṁ paripṛṣṭavān
damaghoṣa-sutādīnāṁ
hareḥ sātmyam api dviṣām

Sinônimos

ākhyātam — descrito; sarvam — tudo; etat — isto; te — a ti; yat — tudo o que; mām — a mim; tvam — tu; paripṛṣṭavān — perguntaste; damaghoṣa-suta-ādīnām — a respeito do filho de Damaghoṣa (Śiśupāla) e outros; hareḥ — do Senhor; sātmyam — aspectos físicos iguais; api — mesmo; dviṣām — embora fossem inimigos.

Tradução

Tudo o que me perguntaste a respeito do fato de Śiśupāla e outros terem alcançado a salvação embora fossem inimigos, acabo de te explicar.

Texto

eṣā brahmaṇya-devasya
kṛṣṇasya ca mahātmanaḥ
avatāra-kathā puṇyā
vadho yatrādi-daityayoḥ

Sinônimos

eṣā — tudo isso; brahmaṇya-devasya — da Suprema Personalidade de Deus, que é adorado por todos os brāhmaṇas; kṛṣṇasya — de Kṛṣṇa, a original Suprema Personalidade de Deus; ca — também; mahā-ātmanaḥ — a Superalma; avatāra-kathā — narrativas sobre Suas encarnações; puṇyā — piedosas, purificantes; vadhaḥ — morte; yatra — incluída nas quais; ādi — no começo do milênio; daityayoḥ — dos demônios (Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu).

Tradução

Nesta narração acerca de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, descreveram-se várias expansões ou encarnações do Senhor, bem como a morte dos dois demônios Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu.

Comentário

SIGNIFICADO—Avatāras, ou encarnações, são expansões da Suprema Personalidade de Deus – Kṛṣṇa, Govinda.

advaitam acyutam anādim ananta-rūpam
ādyaṁ purāṇa-puruṣaṁ nava-yauvanaṁ ca
vedeṣu durlabham adurlabham ātma-bhaktau
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro Govinda, a Suprema Personalidade de Deus, que é a pessoa original – não-dual, infalível e sem começo. Embora Se expanda em formas ilimitadas, ainda assim, Ele é o original, e embora seja a pessoa mais antiga, Ele sempre Se mostra um jovem viçoso. Essas eternas, bem-aventuradas e oniscientes formas não podem ser compreendidas por meio da erudição védica, mas estão sempre manifestas aos devotos puros.” (Brahma-saṁhitā 5.33) A Brahma-saṁhitā descreve os avatāras. Na verdade, todos os avatāras estão descritos nas escrituras autênticas. Ninguém pode tornar-se um avatāra, ou encarnação, embora isso tenha se tornado moda na era de Kali. Os avatāras são descritos nas escrituras autênticas (śāstras) e, portanto, antes de correr o risco de aceitar um impostor como avatāra, a pessoa deve consultar os śāstras. Em toda parte, os śāstras dizem que Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original e que Ele possui inúmeros avatāras, ou encarnações. Em outra passagem da Brahma-saṁhitā, afirma-se que rāmādi-mūrtiṣu kalā-niyamena tiṣṭhan: Rāma, Nṛsiṁha, Varāha e muitos outros são sucessivas expansões da Suprema Personalidade de Deus. Depois de Kṛṣṇa, vem Balarāma, depois de Balarāma está Saṅkarṣaṇa e, então, Aniruddha, Pradyumna, Nārāyaṇa e, em seguida, os puruṣa-avatāras, a saber, Mahā-Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu. Todos Eles são avatāras.

Deve-se ouvir sobre os avatāras. Narrações sobre esses avatāras são chamadas de avatāra-kathā, narrativas acerca das expansões de Kṛṣṇa. Ouvir e cantar essas narrações é uma atitude completamente piedosa. Śṛṇvatāṁ sva-kathāḥ kṛṣṇaḥ puṇya-śravaṇa-kīrtanaḥ. Aquele que ouve e canta pode tornar-se puṇya, livre da contaminação material.

Sempre que se faz referência aos avatāras, os princípios religiosos são estabelecidos, e os demônios que se opõem a Kṛṣṇa são mortos. O movimento da consciência de Kṛṣṇa está difundindo-se pelo mundo inteiro com dois propósitos – estabelecer Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus e aniquilar todos os impostores que falsamente se apresentam como avatāras. Os pregadores do movimento da consciência de Kṛṣṇa devem muito acalentar carinhosamente em seus corações essa convicção e aniquilar os demônios que, de muitas maneiras habilidosas, blasfemam Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Se nos refugiarmos em Nṛsiṁhadeva e Prahlāda Mahārāja, será mais fácil exterminar os demônios que se contrapõem a Kṛṣṇa e, então, restabelecer a supremacia de Kṛṣṇa. Kṛṣṇas tu bhagavān svayam: Kṛṣṇa é o Senhor Supremo, o Senhor original. Prahlāda Mahārāja é nosso guru, e Kṛṣṇa é nosso Deus adorável. Como aconselha Śrī Caitanya Mahāprabhu: guru-kṛṣṇa prasāde pāya bhakti-latā-bīja. Se formos exitosos em obter a misericórdia de Prahlāda Mahārāja e de Nṛsiṁhadeva, nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa sairá completamente triunfante.

O demônio Hiraṇyakaśipu tentou de muitas maneiras se tornar Deus, mas, embora fosse castigado e ameaçado várias vezes, Prahlāda Mahārāja se recusou peremptoriamente a aceitar como Deus o seu poderoso pai demoníaco. Seguindo os passos de Prahlāda Mahārāja, devemos rejeitar todos os patifes que alegam ser Deus. Devemos aceitar Kṛṣṇa, Suas encarnações e ninguém mais.

Texto

prahrādasyānucaritaṁ
mahā-bhāgavatasya ca
bhaktir jñānaṁ viraktiś ca
yāthārthyaṁ cāsya vai hareḥ
sarga-sthity-apyayeśasya
guṇa-karmānuvarṇanam
parāvareṣāṁ sthānānāṁ
kālena vyatyayo mahān

Sinônimos

prahrādasya — de Prahlāda Mahārāja; anucaritam — características (compreensão através da leitura ou narração de suas atividades); mahā-bhāgavatasya — do grande e sublime devoto; ca — também; bhaktiḥ — serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus; jñānam — conhecimento completo da Transcendência (Brahman, Paramātmā, Bhagavān); viraktiḥ — renúncia à existência material; ca — também; yāthārthyam — apenas para compreender perfeitamente cada um deles; ca — e; asya — disso; vai — na verdade; hareḥ — sempre em referência à Suprema Personalidade de Deus; sarga — da criação; sthiti — da manutenção; apyaya — e da aniquilação; īśasya — do mestre (a Suprema Personalidade de Deus); guṇa — das qualidades e opulências transcendentais; karma — e das atividades; anuvarṇanam — descrição através da sucessão discipular; para-avareṣām — de diferentes espécies de entidades vivas conhecidas como semideuses e demônios; sthānānām — e vários planetas ou lugares habitáveis; kālena — no decorrer do tempo; vyatyayaḥ — a aniquilação de tudo; mahān — embora muito grande.

Tradução

Esta narração descreve as características do grande e sublime devoto Prahlāda Mahārāja, seu firme serviço devocional, seu conhecimento perfeito e seu completo desapego da contaminação material. Descreve também a Suprema Personalidade de Deus como a causa da criação, manutenção e aniquilação. Em suas orações, Prahlāda Mahārāja delineia as qualidades transcendentais do Senhor e também expõe como as várias moradas dos semideuses e demônios, sem considerações por qual seja sua opulência material, são destruídas pela simples resolução do Senhor.

Comentário

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SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam está repleto de descrições das características de vários devotos que prestam serviço ao Senhor. Essa literatura védica se chama Bhāgavatam porque trata da Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos. Quem estuda o Śrīmad-Bhāgavatam sob a direção de um mestre espiritual fidedigno pode compreender perfeitamente a ciência de Kṛṣṇa, a natureza dos mundos espiritual e material e a meta da vida. Śrīmad-Bhāgavatam amalaṁ purāṇam. O Śrīmad-Bhāgavatam é a literatura védica imaculada, como discutimos no começo desta obra. Portanto, pelo simples fato de compreender o Śrīmad-Bhāgavatam, a pessoa poderá entender a ciência das atividades dos devotos, as atividades dos demônios, a morada permanente e a morada temporária. Através do Śrīmad-Bhāgavatam, tudo se torna perfeitamente conhecido.

Texto

dharmo bhāgavatānāṁ ca
bhagavān yena gamyate
ākhyāne ’smin samāmnātam
ādhyātmikam aśeṣataḥ

Sinônimos

dharmaḥ — princípios religiosos; bhāgavatānām — dos devotos; ca — e; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; yena — por meio dos quais; gamyate — pode-se compreender; ākhyāne — na narração; asmin — isto; samāmnātam — é perfeitamente descrito; ādhyātmikam — transcendência; aśeṣataḥ — sem restrição.

Tradução

Os princípios religiosos por meio dos quais se pode verdadeiramente compreender a Suprema Personalidade de Deus são chamados bhāgavata-dharma. Nesta narração, portanto, que trata desses princípios, descreve-se apropriadamente a transcendência legítima.

Comentário

SIGNIFICADO—Por meio dos princípios da religião, pode-se compreender a Suprema Personalidade de Deus, Brahman (o aspecto impessoal do Senhor Supremo) e Paramātmā (o aspecto localizado do Senhor). Quando alguém é versado em todos esses princípios, ele se torna um devoto e executa bhāgavata-dharma. Prahlāda Mahārāja, mestre espiritual integrante da linha de sucessão discipular, aconselha que, tão logo passem a receber sua educação (kaumāra ācaret prājño dharmān bhāgavatān iha), os estudantes sejam ensinados acerca do bhāgavata-dharma. Compreender a ciência da Suprema Personalidade de Deus é o verdadeiro propósito da educação. Śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ. Todos devem simplesmente ouvir e narrar os temas referentes ao Senhor Viṣṇu e Suas várias encarnações. Portanto, esta narração a respeito de Prahlāda Mahārāja e do Senhor Nṛsiṁhadeva descreveram apropriadamente os transcendentais tópicos espirituais.

Texto

ya etat puṇyam ākhyānaṁ
viṣṇor vīryopabṛṁhitam
kīrtayec chraddhayā śrutvā
karma-pāśair vimucyate

Sinônimos

yaḥ — qualquer pessoa que; etat — esta; puṇyam — piedosa; ākhyānam — narração; viṣṇoḥ — acerca do Senhor Viṣṇu; vīrya — o poder supremo; upabṛṁhitam — na qual se descreve; kīrtayet — canta ou repete; śraddhayā — com muita fé; śrutvā — após ouvir apropriadamente (da fonte correta); karma-pāśaiḥ — do cativeiro das atividades fruitivas; vimucyate — liberta-se.

Tradução

Aquele que ouve e glorifica esta narração sobre a onipotência de Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, com certeza se libertará impreterivelmente do cativeiro material.

Texto

etad ya ādi-puruṣasya mṛgendra-līlāṁ
daityendra-yūtha-pa-vadhaṁ prayataḥ paṭheta
daityātmajasya ca satāṁ pravarasya puṇyaṁ
śrutvānubhāvam akuto-bhayam eti lokam

Sinônimos

etat — esta narração; yaḥ — todo aquele que; ādi-puruṣasya — acerca da Personalidade de Deus original; mṛga-indra-līlām — passatempos sob a simultânea forma de leão e ser humano; daitya-indra — do rei dos demônios; yūtha-pa — tão forte como um elefante; vadham — o extermínio; prayataḥ — com muita atenção; paṭheta — lê; daitya-ātmajasya — acerca de Prahlāda Mahārāja, o filho do demônio; ca — também; satām — entre os devotos elevados; pravarasya — o melhor; puṇyam — piedosas; śrutvā — ouvindo; anubhāvam — as atividades; akutaḥ-bhayam — onde não há medo em parte alguma ou em ocasião alguma; eti — alcança; lokam — o mundo espiritual.

Tradução

Prahlāda Mahārāja foi o melhor entre os devotos elevados. Todo aquele que, com muita atenção, ouve esta narração referente às atividades de Prahlāda Mahārāja, ao extermínio imposto a Hiraṇyakaśipu e onde se proclamam as atividades da Suprema Personalidade de Deus, Nṛsiṁhadeva, seguramente alcançará o mundo espiritual, onde não existe ansiedade.

Texto

yūyaṁ nṛ-loke bata bhūri-bhāgā
lokaṁ punānā munayo ’bhiyanti
yeṣāṁ gṛhān āvasatīti sākṣād
gūḍhaṁ paraṁ brahma manuṣya-liṅgam

Sinônimos

yūyam — todos vós (os Pāṇḍavas); nṛ-loke — neste mundo material; bata — todavia; bhūri-bhāgāḥ — extremamente afortunados; lokam — todos os planetas; punānāḥ — que podem purificar; munayaḥ — grandes pessoas santas; abhiyanti — quase sempre vêm visitar; yeṣām — de quem; gṛhān — a casa; āvasati — reside em; iti — assim; sākṣāt — diretamente; gūḍham — muito confidencial; param brahma — a Suprema Personalidade de Deus; manuṣya-liṅgam — aparecendo exatamente como um ser humano.

Tradução

Nārada Muni continuou: Meu querido Mahārāja Yudhiṣṭhira, todos vós [os Pāṇḍavas] sois extremamente afortunados, pois, tal qual um ser humano, Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, vive em vosso palácio. As grandes pessoas santas sabem disso muito bem e, portanto, elas sempre visitam esta casa.

Comentário

SIGNIFICADO—Após ouvir sobre as atividades de Prahlāda Mahārāja, um devoto puro deve estar muito ansioso por seguir seus passos, mas tal devoto pode ficar desapontado, pensando que nem todo devoto pode atingir o mesmo padrão de Prahlāda Mahārāja. Esta é a natureza do devoto puro: ele sempre se considera inferior, incompetente e desqualificado. Assim, após ouvir a narração das atividades de Prahlāda Mahārāja, Mahārāja Yudhiṣṭhira, cujo serviço devocional estava em uma plataforma que se equiparava à de Prahlāda, talvez tenha pensado em quão humilde era sua própria posição. Todavia, Nārada Muni pôde compreender o que se passava pela mente de Mahārāja Yudhiṣṭhira e, portanto, ele imediatamente o encorajou dizendo que os Pāṇḍavas não eram menos afortunados; eles estavam no mesmo nível de Prahlāda Mahārāja porque, embora o Senhor Nṛsiṁhadeva houvesse aparecido a Prahlāda, a Suprema Personalidade de Deus sob Sua original forma de Kṛṣṇa estava sempre vivendo com os Pāṇḍavas. Embora os Pāṇḍavas, devido à influência da yogamāyā de Kṛṣṇa, não conseguissem perceber quão afortunada era a posição deles, todas as pessoas santas, incluindo o grande sábio Nārada, podiam entender toda a situação, daí sempre visitarem Mahārāja Yudhiṣṭhira.

Qualquer devoto puro que sempre esteja consciente de Kṛṣṇa é naturalmente muito afortunado. A palavra nṛ-loke, que significa “dentro do mundo material”, indica que, antes dos Pāṇḍavas, houve muitos e muitos devotos, tais como os descendentes da dinastia Yadu e Vasiṣṭha, Marīci, Kaśyapa, o senhor Brahmā e o senhor Śiva, que eram afortunadíssimos. Entretanto, os Pāṇḍavas eram mais privilegiados do que todos eles porque o próprio Kṛṣṇa vivia constantemente com eles. Portanto, Nārada Muni fez questão de mencionar que, dentro deste mundo material (nṛ-loke), os Pāṇḍavas eram os mais afortunados.

Texto

sa vā ayaṁ brahma mahad-vimṛgya-
kaivalya-nirvāṇa-sukhānubhūtiḥ
priyaḥ suhṛd vaḥ khalu mātuleya
ātmārhaṇīyo vidhi-kṛd guruś ca

Sinônimos

saḥ — essa (Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa); — também; ayam — isto; brahma — o Brahman impessoal (o qual é uma emanação de Kṛṣṇa); mahat — por grandes personalidades; vimṛgya — buscado; kaivalya — unidade; nirvāṇa-sukha — de felicidade transcendental; anubhūtiḥ — a fonte da experiência prática; priyaḥ — muitíssimo querido; suhṛt — benquerente; vaḥ — de ti; khalu — de fato; mātuleyaḥ — o filho de um tio materno; ātmā — exatamente como a vida e alma; arhaṇīyaḥ — adorável (porque Ele é a Suprema Personalidade de Deus); vidhi-kṛt — (todavia, Ele te serve como) mensageiro; guruḥ — teu conselheiro supremo; ca — também.

Tradução

O Brahman impessoal é o próprio Kṛṣṇa porque Kṛṣṇa é a fonte do Brahman impessoal. Embora Ele seja a origem da bem-aventurança transcendental que as grandes pessoas santas buscam, ainda assim, Ele, a Pessoa Suprema, é teu mais querido amigo e constante benquerente e está intimamente relacionado contigo como filho do teu tio materno. De fato, Ele é sempre como teu corpo e alma. Ele é adorável, mas Ele age como teu servo e, às vezes, como teu mestre espiritual.

Comentário

SIGNIFICADO—Há sempre divergência de opiniões sobre a Verdade Absoluta. Uma classe de transcendentalistas conclui que a Verdade Absoluta é impessoal, e outra classe conclui que a Verdade Absoluta é uma pessoa. Na Bhagavad-gītā, a Verdade Absoluta é aceita como a Pessoa Suprema. De fato, essa própria Pessoa Suprema, o Senhor Kṛṣṇa, instrui na Bhagavad-gītā que brahmaṇo hi pratiṣṭhāham, mattaḥ parataraṁ nānyat: “O Brahman impessoal é Minha manifestação parcial, e não há verdade superior a Mim.” Esse mesmo Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, agiu como o supremo amigo e parente dos Pāṇḍavas e, algumas vezes, chegou a agir como servo deles, levando para Dhṛtarāṣṭra e Duryodhana uma carta dos Pāṇḍavas. Porque era o benquerente dos Pāṇḍavas, Kṛṣṇa também agiu como guru, tornando-se mestre espiritual de Arjuna. Arjuna aceitou Kṛṣṇa como seu mestre espiritual (śiṣyas te ’haṁ śādhi māṁ tvāṁ prapannam), e Kṛṣṇa, certas vezes, censurava-o. Por exemplo, o Senhor disse que aśocyān anvaśocas tvaṁ prajñā-vādāṁś ca bhāṣase: “Enquanto falas palavras sábias, lamentas por aquilo que não é digno de pesar.” O Senhor também disse que kutas tvā kaśmalam idaṁ viṣame samupasthitam: “Meu querido Arjuna, como foi que tais impurezas desenvolveram-se em ti?” Tal era o relacionamento íntimo entre os Pāṇḍavas e Kṛṣṇa. Da mesma forma, um devoto puro do Senhor está sempre com Kṛṣṇa tanto na alegria quanto na adversidade; seu modo de vida é Kṛṣṇa. Essa declaração é da autoridade conhecida como Śrī Nārada Muni.

Texto

na yasya sākṣād bhava-padmajādibhī
rūpaṁ dhiyā vastutayopavarṇitam
maunena bhaktyopaśamena pūjitaḥ
prasīdatām eṣa sa sātvatāṁ patiḥ

Sinônimos

na — não; yasya — de quem; sākṣāt — diretamente; bhava — senhor Śiva; padma-ja — senhor Brahmā (nascido do lótus); ādibhiḥ — por eles e também por outros; rūpam — a forma; dhiyā — mesmo através da meditação; vastutayā — fundamentalmente; upavarṇitam — descrita e percebida; maunena — através de samādhi, meditação profunda; bhaktyā — através do serviço devocional; upaśamena — através da renúncia; pūjitaḥ — adorado; prasīdatām — que Ele Se satisfaça; eṣaḥ — isto; saḥ — Ele; sātvatām — dos grandes devotos; patiḥ — o mestre.

Tradução

Pessoas insignes como o senhor Śiva e o senhor Brahmā não conseguem fazer a devida descrição da verdade referente à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. Que o Senhor, sempre adorado como o protetor de todos os devotos pelos grandes santos que observam votos de silêncio, meditação, serviço devocional e renúncia, satisfaça-Se conosco.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora diferentes pessoas busquem a Verdade Absoluta de diferentes maneiras, Ele permanece inconcebível. No entanto, devotos como os Pāṇḍavas, as gopīs, os vaqueirinhos, mãe Yaśodā, Nanda Mahārāja e todos os habitantes de Vṛndāvana não necessitam praticar processos convencionais de meditação para alcançar a Suprema Personalidade de Deus, pois Ele permanece com eles em quaisquer circunstâncias. Portanto, um santo como Nārada, compreendendo a diferença entre transcendentalistas e devotos puros, sempre ora pedindo que Senhor fique satisfeito com ele.

Texto

sa eṣa bhagavān rājan
vyatanod vihataṁ yaśaḥ
purā rudrasya devasya
mayenānanta-māyinā

Sinônimos

saḥ eṣaḥ bhagavān — a mesma Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, que é Parabrahman; rājan — meu querido rei; vyatanot — expandida; vihatam — perdida; yaśaḥ — reputação; purā — na história remota; rudrasya — do senhor Śiva (o mais poderoso entre os semideuses); devasya — o semideus; mayena — por um demônio chamado Maya; ananta — ilimitado; māyinā — possuindo conhecimento técnico.

Tradução

Meu querido rei Yudhiṣṭhira, há um tempo muito remoto, um demônio chamado Maya Dānava, que era muito perito em conhecimento técnico, reduziu a reputação do senhor Śiva. Foi então que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, salvou o senhor Śiva.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Śiva é conhecido como Mahādeva, o semideus mais elevado. Assim, Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que, embora o senhor Brahmā não conhecesse as glórias da Suprema Personalidade de Deus, o senhor Śiva certamente as conhecia. Este incidente histórico prova que o poder obtido pelo senhor Śiva provém do Senhor Kṛṣṇa, o Parabrahman.

Texto

rājovāca
kasmin karmaṇi devasya
mayo ’hañ jagad-īśituḥ
yathā copacitā kīrtiḥ
kṛṣṇenānena kathyatām

Sinônimos

rājā uvāca — o rei Yudhiṣṭhira perguntou; kasmin — por que razão; karmaṇi — mediante quais atividades; devasya — do senhor Mahādeva (Śiva); mayaḥ — o grande demônio Maya Dānava; ahan — denegriu; jagat-īśituḥ — do senhor Śiva, que controla o poder da energia material e que é o esposo de Durgādevī; yathā — assim como; ca — e; upacitā — de novo expandida; kīrtiḥ — reputação; kṛṣṇena — pelo Senhor Kṛṣṇa; anena — isto; kathyatām — por favor, descreve.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Por que razão o demônio Maya Dānava denegriu a reputação do senhor Śiva? Como foi que o Senhor Kṛṣṇa salvou o senhor Śiva e voltou a expandir sua reputação? Por favor, descreve esses incidentes.

Texto

śrī-nārada uvāca
nirjitā asurā devair
yudhy anenopabṛṁhitaiḥ
māyināṁ paramācāryaṁ
mayaṁ śaraṇam āyayuḥ

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Śrī Nārada Muni disse; nirjitāḥ — sendo derrotados; asurāḥ — todos os demônios; devaiḥ — pelos semideuses; yudhi — na batalha; anena — pelo Senhor Kṛṣṇa; upabṛṁhitaiḥ — aumentado o poder; māyinām — de todos os demônios; parama-ācāryam — o melhor e maior; mayam — em Maya Dānava; śaraṇam — refúgio; āyayuḥ — buscaram.

Tradução

Nārada Muni disse: Quando os semideuses, que são sempre poderosos devido à misericórdia do Senhor Kṛṣṇa, lutaram com os asuras, esses foram derrotados e, portanto, refugiaram-se em Maya Dānava, o maior dos demônios.

Texto

sa nirmāya puras tisro
haimī-raupyāyasīr vibhuḥ
durlakṣyāpāya-saṁyogā
durvitarkya-paricchadāḥ
tābhis te ’sura-senānyo
lokāṁs trīn seśvarān nṛpa
smaranto nāśayāṁ cakruḥ
pūrva-vairam alakṣitāḥ

Sinônimos

saḥ — esse (grande demônio Maya Dānava); nirmāya — construindo; puraḥ — grandes residências; tisraḥ — três; haimī — feitos de ouro; raupyā — feitos de prata; āyasīḥ — feitos de ferro; vibhuḥ — muito grandes e poderosas; durlakṣya — imensuráveis; apāya-saṁyogāḥ — cujos movimentos de ir e vir; durvitarkya — incomum; paricchadāḥ — possuindo parafernália; tābhiḥ — por todas elas (as três residências, que se assemelhavam a aeroplanos); te — eles; asura-senā-anyaḥ — os comandantes dos asuras; lokān trīn — os três mundos; sa-īśvarān — com seus principais governantes; nṛpa — meu querido rei Yudhiṣṭhira; smarantaḥ — lembrando; nāśayām cakruḥ — passaram a aniquilar; pūrva — antiga; vairam — inimizade; alakṣitāḥ — invisíveis a todos os demais.

Tradução

Maya Dānava, o grande líder dos demônios, preparou três residências invisíveis e as concedeu aos demônios. Essas moradias assemelhavam-se a aeroplanos feitos de ouro, prata e ferro, e continham uma parafernália incomum. Meu querido rei Yudhiṣṭhira, devido a essas três moradias, os comandantes dos demônios ficaram invisíveis aos semideuses. Aproveitando-se dessa oportunidade, os demônios, lembrando-se de sua antiga inimizade, passaram a subjugar os três mundos – os sistemas planetários superiores, intermediários e inferiores.

Texto

tatas te seśvarā lokā
upāsādyeśvaraṁ natāḥ
trāhi nas tāvakān deva
vinaṣṭāṁs tripurālayaiḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; te — eles (os semideuses); sa-īśvarāḥ — com seus governantes; lokāḥ — os planetas; upāsādya — aproximando-se do; īśvaram — senhor Śiva; natāḥ — prostraram-se em rendição; trāhi — por favor, salva; naḥ — a nós; tāvakān — chegados e queridos a ti e muito temerosos; deva — ó senhor; vinaṣṭān — quase arrasados; tripura-ālayaiḥ — pelos demônios que habitam naqueles três aeroplanos.

Tradução

Depois disso, quando os demônios haviam começado a destruir os sistemas planetários superiores, os governantes daqueles planetas foram ter com o senhor Śiva e, plenamente rendidos a ele, disseram: Querido senhor, nós, os semideuses que vivemos nos três mundos, estamos prestes a nos encontrarmos com a derrota. Somos teus seguidores. Por favor, salva-nos.

Texto

athānugṛhya bhagavān
mā bhaiṣṭeti surān vibhuḥ
śaraṁ dhanuṣi sandhāya
pureṣv astraṁ vyamuñcata

Sinônimos

atha — em seguida; anugṛhya — apenas para lhes mostrar favor; bhagavān — o poderosíssimo; — não; bhaiṣṭa — temais; iti — assim; surān — aos semideuses; vibhuḥ — senhor Śiva; śaram — flechas; dhanuṣi — no arco; sandhāya — colocando; pureṣu — naquelas três residências ocupadas pelos demônios; astram — armas; vyamuñcata — disparou.

Tradução

O poderosíssimo e competente senhor Śiva os tranquilizou e disse: “Não temais.” Então, ele colocou as flechas em seu arco e as lançou em direção às três residências ocupadas pelos demônios.

Texto

tato ’gni-varṇā iṣava
utpetuḥ sūrya-maṇḍalāt
yathā mayūkha-sandohā
nādṛśyanta puro yataḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; agni-varṇāḥ — tão brilhantes como o fogo; iṣavaḥ — flechas; utpetuḥ — lançadas; sūrya-maṇḍalāt — do globo solar; yathā — assim como; mayūkha-sandohāḥ — raios de luz; na adṛśyanta — não podiam ser vistas; puraḥ — as três residências; yataḥ — devido ao fato de (estarem cobertas pelas flechas do senhor Śiva).

Tradução

As flechas lançadas pelo senhor Śiva, que pareciam raios de fogo provenientes do globo solar, cobriram os três aeroplanos residenciais, os quais, então, não podiam mais ser vistos.

Texto

taiḥ spṛṣṭā vyasavaḥ sarve
nipetuḥ sma puraukasaḥ
tān ānīya mahā-yogī
mayaḥ kūpa-rase ’kṣipat

Sinônimos

taiḥ — por essas (flechas de fogo); spṛṣṭāḥ — sendo atacados ou sendo tocados; vyasavaḥ — sem vida; sarve — todos os demônios; nipetuḥ — caíram; sma — anteriormente; pura-okasaḥ — sendo os habitantes dos três aeroplanos residenciais acima mencionados; tān — todos eles; ānīya — trazendo; mahā-yogī — o grande místico; mayaḥ — Maya Dānava; kūpa-rase — no poço de néctar (criado pelo grande místico Maya); akṣipat — colocou.

Tradução

Atacados pelas flechas douradas do senhor Śiva, todos os habitantes demoníacos que ocupavam aquelas três residências perderam suas vidas e caíram. Então, o grande místico Maya Dānava fez com que os demônios caíssem em um poço de néctar que ele mesmo criara.

Comentário

SIGNIFICADO—De uma maneira geral, os asuras são muito poderosos devido ao seu poder em yoga místico. Todavia, como o Senhor Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (6.47):

yoginām api sarveṣāṁ
mad-gatenāntarātmanā
śraddhāvān bhajate yo māṁ
sa me yuktatamo mataḥ

“De todos os yogīs, aquele que sempre se refugia em Mim com muita fé, adorando-Me com transcendental serviço amoroso, está muito intimamente unido a Mim através do yoga e é o mais elevado de todos.” Na prática do yoga místico, tem-se como verdadeiro propósito concentrar toda a atenção na Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e sempre pensar nEle (mad-gatenāntarātmanā). Para atingir tal perfeição, a pessoa deve submeter-se a um certo processo – haṭha-yoga – e, através desse sistema de yoga, o praticante alcança alguns poderes místicos incomuns. Todavia, em vez de se tornarem devotos de Kṛṣṇa, os asuras empregam esse poder místico no gozo de seus próprios sentidos. Maya Dānava, por exemplo, é aqui mencionado como mahā-yogī, um grande místico, mas sua atividade consistia em ajudar os asuras. Hoje em dia, vemos que, de fato, há alguns yogīs que se dobram aos desejos dos materialistas, e há impostores que se proclamam Deus. Maya Dānava era esse tipo de pessoa, um deus entre os demônios, e ele podia executar façanhas mirabolantes, uma das quais é descrita aqui: ele fez um poço cheio de néctar e imergiu os asuras nesse poço nectáreo. Esse néctar era conhecido como mṛta-sanjīvayitari, pois ele podia ressuscitar um cadáver. Mṛta-sanjīvayitari é também uma preparação aiurvédica. É uma espécie de bebida que revigora mesmo alguém à beira da morte.

Texto

siddhāmṛta-rasa-spṛṣṭā
vajra-sārā mahaujasaḥ
uttasthur megha-dalanā
vaidyutā iva vahnayaḥ

Sinônimos

siddha-amṛta-rasa-spṛṣṭāḥ — os demônios, recebendo, então, o contato do poderoso e nectáreo líquido místico; vajra-sārāḥ — seus corpos se tornando inexpugnáveis aos raios; mahā-ojasaḥ — sendo extremamente fortes; uttasthuḥ — voltaram a se levantar; megha-dalanāḥ — aquilo que cruza as nuvens; vaidyutāḥ — relâmpago (que penetra as nuvens); iva — como; vahnayaḥ — ígneo.

Tradução

Quando os corpos dos demônios mortos entraram em contato com o néctar, seus corpos se tornaram inexpugnáveis aos raios. Dotados de grande força, eles se levantaram como relâmpagos que penetram as nuvens.

Texto

vilokya bhagna-saṅkalpaṁ
vimanaskaṁ vṛṣa-dhvajam
tadāyaṁ bhagavān viṣṇus
tatropāyam akalpayat

Sinônimos

vilokya — vendo; bhagna-saṅkalpam — desapontado; vimanaskam — muito infeliz; vṛṣa-dhvajam — senhor Śiva; tadā — naquela ocasião; ayam — isto; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; viṣṇuḥ — Senhor Viṣṇu; tatra — perto do poço de néctar; upāyam — meios (como conter a situação); akalpayat — ponderou.

Tradução

Vendo o senhor Śiva muito aflito e desapontado, o Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, analisou que atitude deveria tomar para extinguir esse transtorno criado por Maya Dānava.

Texto

vatsaś cāsīt tadā brahmā
svayaṁ viṣṇur ayaṁ hi gauḥ
praviśya tripuraṁ kāle
rasa-kūpāmṛtaṁ papau

Sinônimos

vatsaḥ — um bezerro; ca — também; āsīt — tornou-se; tadā — nessa ocasião; brahmā — senhor Brahmā; svayam — em pessoa; viṣṇuḥ — Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus; ayam — isto; hi — na verdade; gauḥ — uma vaca; praviśya — entrando; tri-puram — nas três residências; kāle — ao meio-dia; rasa-kūpa-amṛtam — o néctar contido naquele poço; papau — beberam.

Tradução

Então, o senhor Brahmā se tornou um bezerro, e o Senhor Viṣṇu, uma vaca, e, ao meio-dia, entraram nas residências e beberam todo o néctar do poço.

Texto

te ’surā hy api paśyanto
na nyaṣedhan vimohitāḥ
tad vijñāya mahā-yogī
rasa-pālān idaṁ jagau
smayan viśokaḥ śokārtān
smaran daiva-gatiṁ ca tām

Sinônimos

te — aqueles; asurāḥ — demônios; hi — na verdade; api — embora; paśyantaḥ — vendo (o bezerro e a vaca bebendo o néctar); na — não; nyaṣedhan — os coibiram; vimohitāḥ — estando confusos devido à ilusão; tat vijñāya — sabendo disso completamente; mahā-yogī — o grande místico Maya Dānava; rasa-pālān — aos demônios que vigiavam o néctar; idam — isto; jagau — disse; smayan — estando confusos; viśokaḥ — não estando muito infelizes; śoka-ārtān — lamentando-se imensamente; smaran — lembrando; daiva-gatim — poder espiritual; ca — também; tām — isso.

Tradução

Os demônios podiam ver o bezerro e a vaca, mas, devido à ilusão criada pela energia da Suprema Personalidade de Deus, os demônios não conseguiam coibi-los. O grande místico Maya Dānava ficou sabendo que o bezerro e a vaca estavam bebendo o néctar, e pôde compreender que isso era o poder invisível da providência. Então, ele falou aos demônios, que se lamentavam imensamente.

Texto

devo ’suro naro ’nyo vā
neśvaro ’stīha kaścana
ātmano ’nyasya vā diṣṭaṁ
daivenāpohituṁ dvayoḥ

Sinônimos

devaḥ — os semideuses; asuraḥ — os demônios; naraḥ — seres humanos; anyaḥ — ou qualquer outro; — ou; na — não; īśvaraḥ — o controlador supremo; asti — é; iha — neste mundo; kaścana — ninguém; ātmanaḥ — da própria pessoa; anyasya — de outrem; — ou; diṣṭam — destino; daivena — que é designado pelo Senhor Supremo; apohitum — desfazer; dvayoḥ — de ambos.

Tradução

Maya Dānava disse: Tudo o que o Senhor Supremo reservou para alguém, para os outros, ou para alguém e para os outros de uma só vez, não pode ser desfeito em nenhum lugar ou por ninguém, seja ele um semideus, um demônio, um ser humano ou alguma outra entidade.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Supremo é um – Kṛṣṇa, o viṣṇu-tattva. Kṛṣṇa expande-Se em expansões pessoais (svāṁśa), os viṣṇu-tattvas, que controlam tudo. Maya Dānava disse: “O que quer que eu planeje, você planeje ou nós dois planejemos, o Senhor já planejou o que acontecerá. Sem Sua sanção, plano algum vingará.” Podemos fazer nossos próprios planos, mas, se eles não receberem a sanção da Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, eles jamais serão exitosos. Centenas e milhões de planos são feitos por todas as classes de entidades vivas, mas, sem a sanção do Senhor Supremo, serão infrutíferos.

Texto

athāsau śaktibhiḥ svābhiḥ
śambhoḥ prādhānikaṁ vyadhāt
dharma-jñāna-virakty-ṛddhi-
tapo-vidyā-kriyādibhiḥ
rathaṁ sūtaṁ dhvajaṁ vāhān
dhanur varma-śarādi yat
sannaddho ratham āsthāya
śaraṁ dhanur upādade

Sinônimos

atha — em seguida; asau — Ele (Senhor Kṛṣṇa); śaktibhiḥ — mediante Suas potências; svābhiḥ — pessoais; śambhoḥ — do senhor Śiva; prādhānikam — ingredientes; vyadhāt — criou; dharma — religião; jñãna — conhecimento; virakti — renúncia; ṛddhi — opulência; tapaḥ — austeridade; vidyā — educação; kriyā — atividades; ādibhiḥ — mediante estas e outras opulências transcendentais; ratham — quadriga; sūtam — quadrigário; dhvajam — bandeira; vāhān — cavalos e elefantes; dhanuḥ — arco; varma — escudo; śara-ādi — flechas e assim por diante; yat — tudo o que era necessário; sannaddhaḥ — munido de; ratham — na quadriga; āsthāya — sentado; śaram — flecha; dhanuḥ — ao arco; upādade — acomodou.

Tradução

Nārada Muni prosseguiu: Em seguida, o Senhor Kṛṣṇa, mediante Sua potência pessoal, que consiste em religião, conhecimento, renúncia, opulência, austeridade, educação e atividades, abasteceu o senhor Śiva de toda a parafernália que lhe era necessária, tais como quadriga, quadrigário, bandeira, cavalos, elefantes, arco, escudo e flechas. Quando estava munido de todo esse equipamento, o senhor Śiva pegou de seu arco e flechas e, sentado em sua quadriga, preparou-se para lutar com os demônios.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (12.13.16), vaiṣṇavānāṁ yathā śambhuḥ: o senhor Śiva é o melhor dos vaiṣṇavas, os devotos do Senhor Kṛṣṇa. Na verdade, ele é um dos mahājanas, as doze autoridades entendidas em filosofia vaiṣṇava (svayambhūr nāradaḥ śambhuḥ kumāraḥ kapilo manuḥ etc.). O Senhor Kṛṣṇa está sempre disposto a prestar qualquer ajuda a todos os mahājanas e devotos (kaunteya pratijānīhi na me bhaktaḥ praṇaśyati). Embora seja muito poderoso, o senhor Śiva perdeu uma batalha para os asuras e, portanto, estava melancólico e desapontado. Todavia, porque ele é um dos principais devotos do Senhor, o Senhor pessoalmente o abasteceu de toda a parafernália bélica. O devoto, portanto, deve servir ao Senhor com sinceridade, e Kṛṣṇa estará sempre agindo como ponto de apoio para ele e, se necessário, suprirá tudo que ele precise para lutar contra seu inimigo. Para os devotos, não há escassez de conhecimento ou de requisitos materiais com que possam propagar o movimento da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

śaraṁ dhanuṣi sandhāya
muhūrte ’bhijitīśvaraḥ
dadāha tena durbhedyā
haro ’tha tripuro nṛpa

Sinônimos

śaram — as flechas; dhanuṣi — ao arco; sandhāya — ajustando; muhūrte abhijiti — ao meio-dia; īśvaraḥ — senhor Śiva; dadāha — incendiou; tena — por elas (as flechas); durbhedyāḥ — muito difícil de serem trespassadas; haraḥ — senhor Śiva; atha — dessa maneira; tripuraḥ – as três residências dos demônios; nṛpa — ó rei Yudhiṣṭhira.

Tradução

Meu querido rei Yudhiṣṭhira, o poderosíssimo senhor Śiva ajustou as flechas ao seu arco e, ao meio-dia, ateou fogo a todas as três residências dos demônios, destruindo-as.

Texto

divi dundubhayo nedur
vimāna-śata-saṅkulāḥ
devarṣi-pitṛ-siddheśā
jayeti kusumotkaraiḥ
avākirañ jagur hṛṣṭā
nanṛtuś cāpsaro-gaṇāḥ

Sinônimos

divi — no céu; dundubhayaḥ — timbales; neduḥ — vibraram; vimāna — de aeroplanos; śata — centenas e milhares; saṅkulāḥ — dotados; deva-ṛṣi — todos os semideuses e santos; pitṛ — os residentes de Pitṛloka; siddha — os residentes de Siddhaloka; īśāḥ — todas as grandes personalidades; jaya iti — entoaram o canto “que haja vitória”; kusuma-utkaraiḥ — várias espécies de flores; avākiran — lançaram na cabeça do senhor Śiva; jaguḥ — cantavam; hṛṣṭāḥ — com grande prazer; nanṛtuḥ — dançavam; ca — e; apsaraḥ-gaṇāḥ — as belas mulheres dos planetas celestiais.

Tradução

Sentados em seus aeroplanos no céu, os habitantes dos sistemas planetários superiores tocaram muitos timbales. Os semideuses, os santos, os Pitās, os Siddhas e várias outras grandes personalidades lançaram na cabeça do senhor Śiva chuvas de flores, desejando-lhe toda a vitória, e as Apsarās passaram a cantar e dançar com grande prazer.

Texto

evaṁ dagdhvā puras tisro
bhagavān pura-hā nṛpa
brahmādibhiḥ stūyamānaḥ
svaṁ dhāma pratyapadyata

Sinônimos

evam — assim; dagdhvā — reduzindo a cinzas; puraḥ tisraḥ — as três residências dos demônios; bhagavān — o poderoso supremo; pura- — que aniquilou as residências dos asuras; nṛpa — ó rei Yudhiṣṭhira; brahma-ādibhiḥ — pelo senhor Brahmā e outros semideuses; stūyamānaḥ — sendo adorado; svam — à sua própria; dhāma — morada; pratyapadyata — retornou.

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, eis o motivo pelo qual o senhor Śiva é conhecido como Tripurāri, o aniquilador das três residências dos demônios, pois ele as reduziu a cinzas. Enquanto era adorado pelos semideuses, encabeçados pelo senhor Brahmā, o senhor Śiva retornou à sua própria morada.

Texto

evaṁ vidhāny asya hareḥ sva-māyayā
viḍambamānasya nṛ-lokam ātmanaḥ
vīryāṇi gītāny ṛṣibhir jagad-guror
lokaṁ punānāny aparaṁ vadāmi kim

Sinônimos

evam vidhāni — dessa maneira; asya — de Kṛṣṇa; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; sva-māyayā — mediante Suas potências transcendentais; viḍambamānasya — agindo como um ser humano comum; nṛ-lokam — dentro da sociedade humana; ātmanaḥ — dEle; vīryāṇi — atividades transcendentais; gītāni — narrações; ṛṣibhiḥ — por grandes pessoas santas; jagat-guroḥ — do mestre supremo; lokam — todos os sistemas planetários; punānāni — purificando; aparam — que mais; vadāmi kim — resta-me dizer.

Tradução

O Senhor, Śrī Kṛṣṇa, apareceu como um ser humano, mas, mediante Sua própria potência, Ele executou muitos passatempos incomuns e maravilhosos. O que posso acrescentar àquilo que as grandes pessoas santas já disseram a respeito das atividades dEle? Todos podem purificar-se através dessas atividades, bastando ouvir sobre elas a partir da fonte correta.

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā e todas as escrituras védicas explicam ricamente que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, aparece na sociedade humana como um ser humano comum, mas que, para o bem-estar do mundo inteiro, executa atividades extraordinárias. Ninguém deve se deixar influenciar pela energia ilusória e pensar que o Senhor Kṛṣṇa é um ser humano comum. Aqueles que de fato buscam a Verdade Absoluta chegam à compreensão de que Kṛṣṇa é tudo (vāsudevaḥ sarvam iti). Semelhantes grandes almas são muito raras. No entanto, para alguém que estuda toda a Bhagavad-gītā como ela é, Kṛṣṇa torna-Se facilmente conhecível. O movimento da consciência de Kṛṣṇa está exatamente tentando fazer com que o mundo inteiro saiba que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus (kṛṣṇas tu bhagavān svayam). Se as pessoas levarem este movimento a sério, suas vidas como seres humanos serão bem-sucedidas.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do sétimo canto, décimo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Prahlāda, o Melhor e Mais Sublime Devoto”.