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Capítulo Vinte e Oito

Purañjana Torna-se Mulher na Vida Seguinte

Texto

nārada uvāca
sainikā bhaya-nāmno ye
barhiṣman diṣṭa-kāriṇaḥ
prajvāra-kāla-kanyābhyāṁ
vicerur avanīm imām

Sinônimos

nāradaḥ uvaca — o grande sábio Nārada continuou a falar; sai­nikāḥ — os soldados; bhaya-nāmnaḥ — de Bhaya (Medo); ye — todos aqueles que; barhiṣman — ó rei Prācīnabarhiṣat; diṣṭa-kāriṇaḥ — os mensageiros da morte; prajvāra — com Prajvāra; kāla-kanyābhyām — e com Kālakanyā; viceruḥ — viajaram; avanīm — pela Terra; imām — esta.

Tradução

O grande sábio Nārada continuou: Meu querido rei Prācīnabarhiṣat, depois disso, o rei dos Yavanas, cujo nome é o próprio medo, bem como Prajvāra, Kālakanyā e os soldados dele, começaram a viajar por todo o mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—O período de vida que precede a morte é decerto muito perigoso porque, nessa ocisão, é normal as pessoas serem atacadas pela fraqueza da velhice, bem como por muitas classes de doença. As enfermidades que atacam o corpo comparam-se aqui a soldados. Esses soldados não são soldados comuns, pois são orientados pelo rei dos Yavanas, o qual atua como seu comandante-em-chefe. A palavra diṣṭa-kāriṇaḥ indica que ele é o comandante desses soldados. Um homem em sua juventude não se importa com a velhice, senão que goza de sexo ao máximo de sua satisfação, desconhecendo que, no final da vida, sua prática sexual provocará diversas doenças, as quais incomodarão tanto o seu corpo que ele pedirá a morte imediata. Quanto mais alguém desfruta de sexo durante a juventude, mais sofre na velhice.

Texto

ta ekadā tu rabhasā
purañjana-purīṁ nṛpa
rurudhur bhauma-bhogāḍhyāṁ
jarat-pannaga-pālitām

Sinônimos

te — eles; ekadā — certa vez; tu — então; rabhasā — com grande força; purañjana-purīm — a cidade de Purañjana; nṛpa — ó rei; ruru­dhuḥ — cercada; bhauma-bhoga-āḍhyām — cheia de prazeres dos sentidos; jarat — velha; pannaga — pela serpente; pālitām — protegida.

Tradução

Certa vez, os perigosos soldados atacaram a cidade de Purañjana com grande vigor. Embora a cidade fosse repleta de facilidades para o gozo dos sentidos, ela estava sendo protegida pela velha serpente.

Comentário

SIGNIFICADO—À medida que o corpo se ocupa em gozo dos sentidos, ele enfraquece mais e mais, diariamente. Por fim, a força vital enfraquece tanto que se a compara nesta passagem a uma serpente fraca. O ar vital já foi comparado à serpente. Quando a força vital dentro do corpo se enfraquece, o corpo também fraqueja. Nesse momento, os sintomas da morte – isto é, os perigosos soldados do superintendente da morte, Yamarāja – começam a atacar muito rigo­rosamente. Segundo o sistema védico, antes de chegar a essa fase, deve-se deixar o lar e aceitar sannyāsa para pregar a mensagem de Deus pelo restante da vida. Entretanto, se alguém se instala no lar e é servido por sua amada esposa e filhos, é certo que se tornará cada vez mais fraco devido ao gozo dos sentidos. Quando a morte vem, finalmente, ele deixa o corpo sem ter adquirido quaisquer bens espirituais. Hoje em dia, mesmo os membros familiares mais idosos não deixam o lar, por estarem atraídos pela esposa, filhos, dinheiro, opulência, residência etc. Assim, no fim da vida, a pessoa preocupa­-se em saber como sua esposa será protegida e como ela adminis­trará as grandes responsabilidades familiares. Dessa maneira, é normal um homem pensar em sua esposa antes da morte. De acordo com a Bhagavad-gītā (8.6):

yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ
tyajaty ante kalevaram
taṁ tam evaiti kaunteya
sadā tad-bhāva-bhāvitaḥ

“Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se lembre ao deixar o corpo, ó filho de Kuntī, esse mesmo estado ele alcançará impreterivelmente.”

No final da vida, uma pessoa pensa no que fez durante toda a sua vida; assim, ela obtém outro corpo (dehāntara) de acordo com seus pensamentos e desejos no fim da vida. Alguém excessivamente apegado à vida no lar naturalmente pensa em sua amada esposa no fim da vida. Em consequência disso, ele obtém o corpo de uma mulher na próxima vida, e também adquire os resultados de suas ati­vidades piedosas ou ímpias. Este capítulo explicará inteiramente como o rei Purañjana aceitou o corpo de uma mulher.

Texto

kāla-kanyāpi bubhuje
purañjana-puraṁ balāt
yayābhibhūtaḥ puruṣaḥ
sadyo niḥsāratām iyāt

Sinônimos

kāla-kanyā a filha de Kāla; api também; bubhuje — tomou posse de; purañjana-puram — a cidade de Purañjana; balāt à força; yayā por quem; abhibhūtaḥ — sendo dominada; puruṣaḥ uma pessoa; sadyaḥ — de imediato; niḥsāratām — inutilidade; iyāt obtém.

Tradução

Gradualmente, Kālakanyā, com a ajuda de perigosos soldados, atacou todos os habitantes da cidade de Purañjana e os incapacitou para todos os propósitos.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando o fim da vida está muito perto e a invalidez da velhice ataca um homem, seu corpo se torna inútil para todos os propósitos. Portanto, o treinamento védico dita que, quando um homem está na meninice, deve ser treinado no processo de brahmacarya, isto é, ele deve ocupar-se plenamente em servir ao Senhor e não deve se associar com mulheres de modo algum. Quando o menino se torna moço, ele se casa entre as idades de vinte e vinte e cinco anos. Casando-se na idade certa, ele pode imediatamente gerar filhos fortes e saudáveis. Hoje em dia, o número de descendentes femininos está aumen­tando porque os jovens estão muito fracos sexualmente. Nascem meninos quando o esposo é sexualmente mais forte que a esposa, mas, se a mulher é mais forte, nascem meninas. Assim, é essencial praticar o sistema de brahmacarya se alguém quiser gerar meninos ao se casar. Ao alcançar os cinquenta anos de idade, o homem deve abandonar a vida familiar. Nessa ocasião, o filho deve estar crescido para que o pai possa deixar com ele as responsabilidades familiares. O esposo e a esposa podem, então, sair pelo mundo para viver uma vida retirada e viajar para diferentes lugares de peregrinação. Quando esposo e esposa perdem seu apego ao lar e à família, a esposa volta ao lar para viver sob os cuidados de seus filhos cresci­dos e para continuar à parte dos afazeres domésticos. O esposo, então, aceita sannyāsa para prestar algum serviço à Suprema Per­sonalidade de Deus.

Esse é o sistema perfeito de civilização. A forma humana de vida se destina especialmente à compreensão de Deus. Se alguém não foi capaz de adotar o processo da consciência de Kṛṣṇa desde o nascimento, deve treinar-se para aceitar esses princípios nos momentos finais de sua vida. Infelizmente, nem existe treinamento na infância, nem a pessoa é capaz de abandonar sua vida familiar no final da vida. Essa é a situação da cidade de Purañjana, figurativamente descrita nestes versos.

Texto

tayopabhujyamānāṁ vai
yavanāḥ sarvato-diśam
dvārbhiḥ praviśya subhṛśaṁ
prārdayan sakalāṁ purīm

Sinônimos

tayā — por Kālakanyā; upabhujyamānām — sendo apossada por; vai — decerto; yavanāḥ — os Yavanas; sarvataḥ-diśam — de todos os lados; dvārbhiḥ — através dos portões; praviśya tendo entrado; su-bhṛśam — imensamente; prārdayan — causando tribulações; sakalām — em toda; purīm — a cidade.

Tradução

Quando Kālakanyā, a filha do Tempo, atacou o corpo, os perigosos soldados do rei dos Yavanas entraram na cidade através de dife­rentes portões. Então, eles começaram a causar severas tribulações a todos os cidadãos.

Comentário

SIGNIFICADO—O corpo tem nove portões – dois olhos, duas narinas, dois ouvi­dos, a boca, o ânus e os órgãos genitais. Quando alguém é hostilizado pela invalidez da velhice, diversas doenças manifestam-se nos portões do corpo. Por exemplo, os olhos se tornam tão fracos que é preciso usar óculos, os ouvidos se tornam fracos demais para ouvir diretamente, e por isso precisam da ajuda de aparelhos auditivos. As na­rinas ficam bloqueadas por muco, o que obriga a pessoa a sempre borrifar algum medicamento com amônia. Do mesmo modo, a boca, muito fraca para mastigar, precisa de dentadura. O ânus também causa problemas, dificultando o processo de evacuação. Às vezes, é preciso fazer lavagem e, outras vezes, usar uma sonda cirúrgica para acelerar a passagem da urina. Dessa maneira, a cidade de Purañjana foi atacada em seus diversos portões pelos soldados. Assim, na velhice, todos os portões do corpo são blo­queados por muitas doenças, o que obriga a pessoa a recorrer a muitos remédios e instrumentos cirúrgicos.

Texto

tasyāṁ prapīḍyamānāyām
abhimānī purañjanaḥ
avāporu-vidhāṁs tāpān
kuṭumbī mamatākulaḥ

Sinônimos

tasyām — quando a cidade; prapīḍyamānāyām — foi posta em diferentes dificuldades; abhimānī extremamente absorto; purañ­janaḥ — rei Purañjana; avāpa — contraiu; uru — muitas; vidhān variedades; tāpān — dores; kuṭumbī — homem de família; mamatā­-ākulaḥ afetado demais pelo apego à família.

Tradução

Quando a cidade foi assim ameaçada pelos soldados e por Kālakanyā, o rei Purañjana, estando extremamente absorto em afeição por sua família, viu-se em apuros devido ao ataque de Yavana-rāja e Kālakanyā.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao nos referirmos ao corpo, incluímos o corpo grosseiro externo com seus diversos membros, bem como a mente, a inteligência e o ego. Na velhice, todos esses elementos tornam-se fracos ao serem atacados por diversas doenças. O proprietário do corpo, a alma viva, fica muito triste por não ser capaz de explorar o campo de atividades apropriadamente. A Bhagavad-gītā explica com clareza que a entidade viva é a proprietária desse corpo (kṣetra-jña) e que o corpo é o campo de atividades (kṣetra). Quando um campo é excessivamente coberto por espinhos e ervas daninhas, seu proprietário encontra muita dificuldade para cultivá-lo. Essa é a posição da alma espiritual cujo corpo se torna um fardo devido a doenças. O corpo é acome­tido por fardos extras sob a forma de ansiedade e deterioração geral das funções corpóreas.

Texto

kanyopagūḍho naṣṭa-śrīḥ
kṛpaṇo viṣayātmakaḥ
naṣṭa-prajño hṛtaiśvaryo
gandharva-yavanair balāt

Sinônimos

kanyā — pela filha do Tempo; upagūḍhaḥ — sendo abraçado; naṣṭa-śrīḥ — desprovido de toda a beleza; kṛpanaḥ — avaro; viṣaya-­ātmakaḥ — viciado em gozo dos sentidos; naṣṭa-prajñaḥ — despro­vido de inteligência; hṛta-aiśvaryaḥ — desprovido de opulência; gandharva — pelos Gandharvas; yavanaiḥ — e pelos Yavanas; balāt­ à força.

Tradução

Quando o rei Purañjana foi abraçado por Kālakanyā, perdeu gradualmente toda a sua beleza. Tendo sido muito viciado em sexo, tornou-se muito pobre em inteligência e perdeu toda a sua opulência. Uma vez destituído de todas as suas posses, foi conquistado à força pelos Gandharvas e pelos Yavanas.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando alguém é atacado pela invalidez da velhice e ainda assim é viciado em gozo dos sentidos, ele perde gradualmente toda a sua beleza pessoal, inteligência e boas posses. Deste modo, ele não pode resistir ao forte ataque da filha do Tempo.

Texto

viśīrṇāṁ sva-purīṁ vīkṣya
pratikūlān anādṛtān
putrān pautrānugāmātyāñ
jāyāṁ ca gata-sauhṛdām

Sinônimos

viśīrṇām — arruinada; sva-purīm — sua cidade; vīkṣya — vendo; pratikūlān — elementos opostos; anādṛtān sendo desrespeitosos; putrān — filhos; pautra — netos; anuga — servos; amātyān­ ministros; jāyām esposa; ca e; gata-sauhṛdām indiferente.

Tradução

Então, o rei Purañjana viu que tudo em sua cidade fora arruinado e que seus filhos e netos, servos e ministros, todos gradualmente se opunham a ele. Percebeu, também, que sua esposa se tornava cada vez mais fria e indiferente.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando um homem se torna inválido, seus sentidos e órgãos enfraquecem, ou, em outras palavras, deixam de estar sob o seu controle. Os sentidos e os objetos dos sentidos começam, então, a fazer-lhe opo­sição. Quando uma pessoa está nessa condição aflita, mesmo seus membros familiares – filhos, netos e esposa – tornam-se desrespei­tosos. Eles já não se submetem mais ao comando do dono da casa. Assim como desejamos usar nossos sentidos para o gozo dos senti­dos, os sentidos, reciprocamente, também precisam da força do corpo. Um homem mantém uma família para desfrutar, e, do mesmo modo, os membros familiares exigem desfrute do chefe da família. Se não recebem suficiente dinheiro dele, ficam desinteres­sados e ignoram suas ordens ou desejos. Tudo isso se deve ao fato de a pessoa ser kṛpaṇa (avara). Esta palavra, kṛpaṇa, usada no sexto verso, está em oposição à palavra brāhmaṇa. Sob a forma humana de vida, devemos nos tornar brāhmaṇas, o que significa que deve­mos entender a posição constitucional da Verdade Absoluta, do Brahman, após o que devemos nos ocupar a Seu serviço como vaiṣṇavas. Obtemos essa oportunidade na forma humana de vida, mas, se não nos utilizamos dela apropriadamente, tornamo-nos kṛpaṇas, avaros. Avaro é aquele que obtém dinheiro, mas não o gasta ade­quadamente. Esta forma humana de vida destina-se especialmente à compreensão do Brahman, a tornarmo-nos brāhmaṇas, e, se não a utilizamos apropriadamente, permanecemos kṛpanas. De fato, podemos observar que, quando alguém possui dinheiro, mas não o gasta, ele permanece avaro e nunca é feliz. De modo semelhante, quando a inteligência de alguém é desperdiçada devido ao gozo dos sentidos, ele permanece avaro por toda a sua vida.

Texto

ātmānaṁ kanyayā grastaṁ
pañcālān ari-dūṣitān
duranta-cintām āpanno
na lebhe tat-pratikriyām

Sinônimos

ātmānam ele; kanyayā por Kālakanyā; grastam — es­tando abraçado; pañcālān — Pañcāla; ari-dūṣitān infectado pelos inimigos; duranta — insuperável; cintām ansiedade; āpannaḥ tendo obtido; na — não; lebhe — alcançou; tat — disto; pratikriyām — neutra­lização.

Tradução

Vendo que todos os seus membros familiares, parentes, seguidores, servos, secretários e todos os demais haviam se voltado con­tra ele, o rei Purañjana ficou de fato muito ansioso. Mas ele não podia neutralizar a situação porque estava inteiramente dominado por Kālakanyā.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando um homem se enfraquece devido ao ataque da velhice, os membros familiares, servos e secretários não se importam com ele, e ele é incapaz de neutralizar isso. Assim, experimenta cada vez mais ansiedade e se lamenta por sua terrível condição.

Texto

kāmān abhilaṣan dīno
yāta-yāmāṁś ca kanyayā
vigatātma-gati-snehaḥ
putra-dārāṁś ca lālayan

Sinônimos

kāmān — objetos de prazer; abhilaṣan — sempre ansiando por; dīnaḥ — o pobre homem; yāta-yāmān — insípidos; ca — também; kanyayā — pela influência de Kālakanyā; vigata — perdido; ātma-gati — verdadeiro objetivo da vida; snehaḥ — apego a; putra filhos; dārān — esposa; ca — e; lālayan — mantendo afetuosamente.

Tradução

Os objetos de prazer se tornaram insípidos pela influência de Kālakanyā. Devido à continuação de seus desejos luxuriosos, o rei Purañjana ficou muito desolado sob todos os aspectos. Assim, ele não entendia o objetivo da vida. Contudo, ainda sentia muita afeição por sua esposa e filhos, e preocupava-se em mantê-los.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta é exatamente a posição da civilização atual. Todos se dedi­cam a manter o corpo, o lar e a família. Consequentemente, todos ficam confusos no fim da vida, desconhecendo o que é vida espiri­tual e qual é a meta da vida humana. Em uma civilização de gozo dos sentidos, não pode haver vida espiritual, porque as pessoas pensam apenas nesta vida. Embora a próxima vida seja um fato, nenhuma informação é dada a respeito dela.

Texto

gandharva-yavanākrāntāṁ
kāla-kanyopamarditām
hātuṁ pracakrame rājā
tāṁ purīm anikāmataḥ

Sinônimos

gandharva — pelos soldados Gandharvas; yavana — e pelos solda­dos Yavanas; ākrāntām — dominada; kāla-kanyā por Kālakanyā (a filha do Tempo); upamarditām sendo derrotado; hātum — a abandonar; pracakrame — passou; rājā — rei Purañjana; tām — isto; purīm — a cidade; anikāmataḥ — involuntário.

Tradução

A cidade do rei Purañjana foi dominada pelos soldados Gandhar­vas e Yavanas, e, embora o rei não quisesse deixar a cidade, viu-se obrigado pelas circunstâncias a fazê-lo, pois fora derrotado por Kālakanyā.

Comentário

SIGNIFICADO—A entidade viva, separada da companhia da Suprema Personali­dade de Deus, procura desfrutar deste mundo material. Ela recebe a oportunidade de desfrutá-lo em uma espécie de corpo em particular, começando com o corpo de Brahmā e indo até o corpo de um micróbio. A história védica da criação nos indica que a primeira criatura foi o senhor Brahmā, o qual criou os sete grandes sábios e outros Prajāpatis para aumentar a população universal. Assim, toda entidade viva, de acordo com o karma, seus desejos e atividades passados, obtém uma espécie de corpo em particular, variando desde o corpo de Brahmā até o de um micróbio ou verme no excremento. Graças ao longo contato com uma classe específica de corpo material e, tam­bém, graças a Kālakanyā e sua māyā, a pessoa apega-se excessivamente a algum corpo material, apesar de ele ser uma morada de dores. Mesmo que alguém tente tirar do excremento um verme ali situado, o verme não mostrará vontade de sair. Ele retornará ao excremento. De modo semelhante, o porco geralmente vive em um estado muito imundo, comendo excremento, mas, se alguém tentar afastá-lo de sua condição e lhe dar um bom lugar, o porco não gostará disso. Dessa maneira, se estudarmos toda e cada uma das entidades vivas, observaremos que elas recusarão ofertas de uma posição mais confortável. Embora o rei Purañjana fosse atacado por todos os lados, ele não tinha vontade de deixar a cidade. Em outras palavras, a entidade viva – qualquer que seja sua posição – não quer aban­donar o corpo. Porém, ela será forçada a abandoná-lo, pois, afinal, este corpo material não pode existir para sempre.

A entidade viva deseja gozar do mundo material de diferentes maneiras, daí a lei da natureza permitir que ela transmigre de um corpo a outro, exatamente como uma pessoa transmigra do corpo de um bebê ao de uma criança, ao de um menino, ao de um jovem e ao de um adulto. Esse processo acontece constantemente. Na fase final, quando o corpo grosseiro fica velho e inválido, a entidade viva reluta abandoná-lo, apesar do fato de que ele não tem mais utilidade. Embora a existência material e o corpo material não sejam confortáveis, por que a entidade viva não quer partir? Logo que alguém obtém um corpo material, precisa trabalhar muito arduamente para mantê-lo. Pode ser que se ocupe em diferentes campos de atividades, mas, qualquer que seja o caso, todos precisam trabalhar muito arduamente para manter o corpo material. Infelizmente, a sociedade não tem informações a respeito da transmigração da alma. Uma vez que a entidade viva não tem esperança de entrar no reino espiritual de vida eterna, bem-aventurança e conhecimento, ela quer aferrar-se a seu corpo atual, mesmo que ele seja inútil. Consequentemente, a mais elevada atividade beneficente neste mundo material é a propagação do movimento para a consciência de Kṛṣṇa.

Este movimento está dando à sociedade humana informações sobre o reino de Deus. Existe Deus, existe Kṛṣṇa, e todos podem voltar a Deus e viver eternamente em bem-aventurança e conheci­mento. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa não teme abandonar o corpo porque sua posição é sempre eterna. Uma pessoa consciente de Kṛṣṇa ocupa-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor eternamente; portanto, enquanto ela viver dentro do corpo, será feliz ocupando-se em serviço amoroso ao Senhor, e, ao abandonar o corpo, também ficará situada em serviço ao Senhor de maneira permanente. Os devotos santos são sempre livres e liberados, ao passo que os karmīs, não tendo conhecimento da vida espiritual ou do transcendental serviço amoroso ao Senhor, têm muito medo de deixar o putrefato corpo material.

Texto

bhaya-nāmno ’grajo bhrātā
prajvāraḥ pratyupasthitaḥ
dadāha tāṁ purīṁ kṛtsnāṁ
bhrātuḥ priya-cikīrṣayā

Sinônimos

bhaya-nāmnaḥ — de Bhaya (Medo); agra-jaḥ — mais velho; bhrātā irmão; prajvāraḥ — chamado Prajvāra; pratyupasthitaḥ estando presente ali; dadāha — incendiou; tām aquela; purīm — cidade; kṛtsnāṁ — inteiramente; bhrātuḥ — seu irmão; priya-cikīrṣayā para satisfazer.

Tradução

Sob essas circunstâncias, o irmão mais velho de Yavana-rāja, conhecido como Prajvāra, incendiou a cidade para satisfazer seu irmão mais novo, cujo outro nome é o próprio medo.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo o sistema védico, um corpo morto é cremado, mas, antes da morte, existe outro fogo, ou febre, que se chama prajvāra, ou viṣṇu-jvāra. A ciência médica comprova que, quando a tempera­tura de um homem se eleva aos quarenta e dois graus, ele morre imediatamente. Esse prajvāra, ou febre alta, na última fase da vida, coloca a entidade viva no meio de um fogo abrasador.

Texto

tasyāṁ sandahyamānāyāṁ
sapauraḥ saparicchadaḥ
kauṭumbikaḥ kuṭumbinyā
upātapyata sānvayaḥ

Sinônimos

tasyām — quando aquela cidade; sandahyamānāyām — estava em chamas; sa-pauraḥ — juntamente com todos os cidadãos; sa­-paricchadaḥ — juntamente com todos os servos e seguidores; kauṭumbikaḥ — o rei, tendo tantos parentes; kuṭumbinyā — juntamente com sua esposa; upātapyata começou a sofrer com o calor do fogo; sa­-anvayaḥ — juntamente com os descendentes.

Tradução

Quando a cidade foi posta em chamas, todos os cidadãos e servos do rei, bem como todos os membros familiares, filhos, netos, espo­sas e outros parentes, foram envolvidos pelo fogo. Assim, o rei Purañjana ficou muito infeliz.

Comentário

SIGNIFICADO—Existem muitas partes do corpo – os sentidos, os membros, a pele, os músculos, o sangue, a medula etc. –, e todas elas são consideradas aqui, figurativamente, como filhos, netos, cidadãos e depen­dentes. Quando o corpo é atacado pelo viṣṇu-jvāra, a condição febril se torna tão aguda que, algumas vezes, a pessoa entra em coma. Isso quer dizer que o corpo está sofrendo dores tão rigorosas que a pessoa perde a consciência e não pode sentir as dores que ocorrem dentro do corpo. Na realidade, a entidade viva fica tão desampa­rada no momento da morte que, embora involuntariamente, ela é forçada a abandonar o corpo e adentrar um corpo diferente. A Bhagavad-gītā afirma que o homem pode, através do avanço científico, melhorar as condições de vida temporárias, mas ele não pode evitar as dores de nascimento, velhice, doença e morte. Essas estão sob o controle da Suprema Personalidade de Deus por intermédio da natureza material. Um tolo não pode entender esse fato, apesar de tão simples. Hoje em dia, as pessoas estão muito atarefadas procurando petróleo no meio do oceano. Elas estão muito ansiosas por providenciar o futuro suprimento de petróleo, mas não fazem nenhuma tentativa de melhorar as condições de nascimento, velhice, doença e morte. Assim, uma pessoa ignorante, desconhecendo qualquer coisa sobre sua própria vida futura, certamente é derrotada em todas as suas atividades.

Texto

yavanoparuddhāyatano
grastāyāṁ kāla-kanyayā
puryāṁ prajvāra-saṁsṛṣṭaḥ
pura-pālo ’nvatapyata

Sinônimos

yavana pelos Yavanas; uparuddha atacada; āyatanaḥ sua morada; grastāyām — quando tomada; kāla-kanyayā pela filha do Tempo; puryām a cidade; prajvāra-saṁsṛṣṭaḥ — sendo abordado por Prajvāra; pura-pālaḥ — o superintendente da polícia da cidade; anvatapyata — também ficou muito pesaroso.

Tradução

O superintendente da polícia da cidade, a serpente, viu que os cidadãos estavam sendo atacados por Kālakanyā, e ficou muito pesaroso ao ver sua própria residência incendiada após o ataque dos Yavanas.

Comentário

SIGNIFICADO—Duas diferentes classes de corpos encobrem a entidade viva – o corpo grosseiro e o corpo sutil. À hora da morte, podemos ver que o corpo grosseiro se acaba, mas, em verdade, a entidade viva é transportada pelo corpo sutil para outro corpo grosseiro. Os ditos cientistas da era moderna não podem ver como o corpo sutil funcio­na ao transportar a alma de um corpo a outro. Esse corpo sutil é descrito figurativamente como uma serpente, ou o superintendente da polícia da cidade. Quando há fogo por toda parte, o coordenador de toda a força policial também não é capaz de escapar. Quando há segurança na cidade e não há incêndios, o superintendente da polícia pode impor sua autoridade sobre os cidadãos, mas, havendo um ataque em massa contra a cidade, ele se torna inútil. Como o ar vital estava pronto a deixar o corpo grosseiro, o corpo sutil também começou a sentir dor.

Texto

na śeke so ’vituṁ tatra
puru-kṛcchroru-vepathuḥ
gantum aicchat tato vṛkṣa-
koṭarād iva sānalāt

Sinônimos

na — não; śeke foi capaz; saḥ ele; avitum — de proteger; tatra — ali; puru muito; kṛcchra — dificuldade; uru — grande; vepathuḥ sofrimento; gantum — sair; aicchat — desejou; tataḥ — dali; vṛkṣa — de uma árvore; koṭarāt — da cavidade; iva — como; sa-analāt — em chamas.

Tradução

Assim como uma serpente que vive dentro da cavidade de uma árvore anseia fugir quando há incêndio na floresta, o superintendente da polícia da cidade, a serpente, quis deixar a cidade devido ao rigoroso calor do fogo.

Comentário

SIGNIFICADO—É muito difícil as serpentes deixarem a floresta quando há um incêndio. Os outros animais podem fugir devido a suas pernas compridas, mas as serpentes, sendo capazes apenas de rastejarem, costumam serem queimadas pelo fogo. Na fase final, os membros do corpo não são tão afetados quanto o ar vital.

Texto

śithilāvayavo yarhi
gandharvair hṛta-pauruṣaḥ
yavanair aribhī rājann
uparuddho ruroda ha

Sinônimos

śithila — enfraquecidos; avayavaḥ seus membros; yarhi quando; gandharvaiḥ — pelos Gandharvas; hṛta — derrotada; pauruṣaḥ — sua força corpórea; yavanaiḥ — pelos Yavanas; aribhiḥ — pelos inimigos; rājan — ó rei Prācīnabarhiṣat; uparuddhaḥ — sendo impedida; ru­roda — chorou bem alto; ha — de fato.

Tradução

Os soldados Gandharvas e Yavanas, derrotando por completo a força corpórea da serpente, enfraqueceram os membros de seu corpo. Quando ela tentou deixar o corpo, seus inimigos a impediram­ de o fazer. Sendo assim frustrada em seu intento, colocou-se a chorar muito alto.

Comentário

SIGNIFICADO—Na fase final da vida, os diversos portões do corpo ficam blo­queados pelos efeitos de doenças causadas por um desequilíbrio de bílis, muco e ar. Assim, a entidade viva não pode exprimir suas dificuldades com clareza, e os parentes que a cercam em seu estado moribundo ouvem-na emitir o som “ghura ghura”. Em seu Mukunda-mālā-stotra, o rei Kulaśekhara afirma:

kṛṣṇa tvadīya-padapaṅkaja-pañjarāntam
adyaiva me viśatu mānasa-rāja-haṁsaḥ
prāṇa-prayāṇa-samaye kapha-vāta-pittaiḥ
kaṇṭhāvarodhana-vidhau smaraṇaṁ kutas te

“Meu querido Kṛṣṇa, por favor, ajuda-me a morrer imediata­mente, para que o cisne de minha mente possa ser cingido pelo caule de Vossos pés de lótus. Caso contrário, no momento de meu último suspiro, quando eu estiver com a garganta sufocada, como poderei pensar em Vós?” O cisne sente grande prazer em mergulhar na água e ser entrelaçado pelo caule da flor de lótus. Esse entrelaçamento é uma agradável diversão. Se, em nossa con­dição saudável, pensamos nos pés de lótus do Senhor e morre­mos, isso é uma grande fortuna. Na velhice, à hora da morte, a garganta às vezes fica bloqueada com muco ou ar. Nesse momento, a vibração sonora de Hare Kṛṣṇa, o mahā-mantra, talvez não seja emitida. Logo, pode ser que a pessoa se esqueça de Kṛṣṇa. Evi­dentemente, os que são fortes em consciência de Kṛṣṇa não têm possibilidade de se esquecer de Kṛṣṇa em momento algum porque estão acostumados a cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, espe­cialmente quando a morte se aproxima.

Texto

duhitṝḥ putra-pautrāṁś ca
jāmi-jāmātṛ-pārṣadān
svatvāvaśiṣṭaṁ yat kiñcid
gṛha-kośa-paricchadam

Sinônimos

duhitṝḥ — filhas; putra — filhos; pautrān — netos; ca — e; jāmi — noras; jāmātṛ — genros; pārṣadān — associados; svatva — proprie­dade; avaśiṣṭam — restante; yat kiñcit — tudo o que; gṛha — lar; kośa — acúmulo de riqueza; paricchadam — parafernália doméstica.

Tradução

Então, o rei Purañjana começou a pensar em suas filhas, filhos, netos, noras, genros, servos e outros associados, bem como em sua casa, sua parafernália doméstica e seu pequeno acúmulo de riqueza.

Comentário

SIGNIFICADO—Não é incomum que uma pessoa demasiado apegada ao corpo material peça ao médico que prolongue sua vida pelo menos por algum tempo. Se o dito médico científico é capaz de prolongar a vida de alguém por alguns minutos através do uso de oxigênio ou outros remédios, ele pensa que está sendo muito exitoso em seus esforços, embora o paciente morra ao final. Essa é a chamada luta pela vida. Na hora da morte, tanto o paciente quanto o médico ainda pensam em prolongar a vida, embora todos os constituintes do corpo estejam praticamente mortos e acabados.

Texto

ahaṁ mameti svīkṛtya
gṛheṣu kumatir gṛhī
dadhyau pramadayā dīno
viprayoga upasthite

Sinônimos

aham eu; mama — meu; iti — assim; svī-kṛtya — aceitando; gṛheṣu — no lar; ku-matiḥ — cuja mente está cheia de pensamentos negativos; gṛhī o chefe de família; dadhyau — volta sua atenção para; prama­dayā — com sua esposa; dīnaḥ — paupérrimo; viprayoge — quando a separação; upasthite — ocorreu.

Tradução

O rei Purañjana estava apegadíssimo à sua família e às concepções de “eu” e “meu”. Como tinha muita atração por sua esposa, já se sentia muito infeliz. No momento da separação, ele ficou muito pesaroso.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso deixa claro que, no momento da morte, os pensamen­tos de gozo material não vão embora. Isso indica que a entidade viva, a alma, é transportada pelo corpo sutil – mente, inteligência e ego. Devido ao falso ego, a entidade viva ainda quer gozar do mundo material, e, na falta de gozo material, fica triste ou pesarosa. Ela ainda faz planos intelectuais para prorrogar sua existência, em razão do que, apesar de abandonar o corpo grosseiro, é transportada pelo corpo sutil até outro corpo grosseiro. A transmigração do corpo sutil nunca é visível aos olhos materiais; portanto, quando alguém abandona o corpo grosseiro, pensamos que tudo acaba para ele. Os planos de gozo material são feitos pelo corpo sutil, e o corpo grosseiro é o instrumento para desfrutar desses planos. Assim, pode-se comparar o corpo grosseiro à esposa, pois a esposa é o agente de toda espécie de gozo dos sentidos. Devido a seu longo contato com o corpo grosseiro, a entidade viva fica muito triste de ter de separar-se dele. A atividade mental da entidade viva a obriga a receber outro corpo grosseiro e continuar sua existência material.

A palavra sânscrita stri significa “expansão”. Por intermédio da esposa, o homem expande seus diversos objetos de atração – filhos, filhas, netos e assim por diante. O apego aos membros fami­liares torna-se muito proeminente à hora da morte. É frequente vermos que, bem perto de deixar seu corpo, um homem chama por seu amado filho e o encarrega de cuidar de sua esposa e outras responsabilidades. Ele talvez diga: “Meu querido filho, não tenho opção além de partir. Por favor, encarrega-te dos afazeres familiares.” Ele fala dessa maneira, nem mesmo estando ciente de para onde irá.

Texto

lokāntaraṁ gatavati
mayy anāthā kuṭumbinī
vartiṣyate kathaṁ tv eṣā
bālakān anuśocatī

Sinônimos

loka-antaram — para uma vida diferente; gatavati mayi — quando eu partir; anāthā — desprovida de esposo; kuṭumbinī cercada por todos os membros da família; vartiṣyate — existirá; katham — como; tu então; eṣā essa mulher; bālakān — filhos; anuśocatī — preocupando-se com.

Tradução

O rei Purañjana pensava ansiosamente: “Ai de mim! Minha esposa está sobrecarregada com tantos filhos! Quando eu partir deste corpo, como ela poderá manter todos esses meus familiares? Ai de mim! Ela ficará muito aflita ao preocupar-se com a manutenção da família.

Comentário

SIGNIFICADO—Todos esses pensamentos sobre a esposa indicam o quanto o rei estava absorto em pensar em uma mulher. Geralmente, uma mulher casta se torna uma esposa muito obediente. Isso torna o marido apegado à esposa, em consequência do que ele pensa muito nela à hora da morte. Como é perigosa essa situação é algo que fica evidente na vida do rei Purañjana. Se alguém pensar em sua esposa ao invés de pensar em Kṛṣṇa no momento da morte, certamente não voltará ao lar, não voltará ao Supremo, senão que será forçado a aceitar um corpo de mulher e, dessa forma, começar outro capítulo da existência material.

Texto

na mayy anāśite bhuṅkte
nāsnāte snāti mat-parā
mayi ruṣṭe susantrastā
bhartsite yata-vāg bhayāt

Sinônimos

na — nunca; mayi quando eu; anāśite — não tinha comido; bhuṅkte — ela comia; na — nunca; asnāte — não tinha se banhado; ti — ela se banhava; mat-parā — sempre devotada a mim; mayi — quando eu; ruṣṭe me irritava; su-santrastā — muito amedrontada; bhartsite quando eu a castigava; yata-vāk — plenamente controlada quanto às palavras; bhayāt — por temor.

Tradução

O rei Purañjana começou, então, a pensar em como era seu relacionamen­to com sua esposa. Recordou-se de que sua esposa jantava apenas depois que ele terminava de jantar, que ela se banhava apenas depois que ele terminava de se banhar e que ela sempre tinha tanto apego por ele que, se ele às vezes se irritava e a censurava, ela simplesmente se mantinha em silêncio e tolerava seu comporta­mento inapropriado.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma esposa sempre deve ser submissa a seu marido. Submissão, brandura e subserviência são qualidades de uma esposa que fazem o esposo pensar sempre nela. Para a vida familiar, é muito bom que o esposo seja apegado à sua esposa, mas isso não é muito bom para o avanço espiritual. Assim, é preciso estabelecer a consciência de Kṛṣṇa em todos os lares. Se esposo e esposa sentem-se muito ape­gados um ao outro em consciência de Kṛṣṇa, ambos serão beneficiados porque Kṛṣṇa é o centro da existência de ambos. Caso contrário, se o esposo for muito apegado à sua esposa, ele se tornará uma mulher em sua próxima vida. A mulher, sendo muito apegada ao esposo, torna-se um homem em sua próxima vida. Evidente­mente, é vantagem para a mulher se tornar homem, mas não é nada vantajoso para o homem se tornar mulher.

Texto

prabodhayati māvijñaṁ
vyuṣite śoka-karśitā
vartmaitad gṛha-medhīyaṁ
vīra-sūr api neṣyati

Sinônimos

prabodhayati — oferece bons conselhos; — a mim; avijñam — tolo; vyuṣite — uma vez que eu estiver ausente; śoka por aflição; karśitā — estando triste e, portanto, abatida; vartma — caminho; etat — este; gṛha-medhīyam — de responsabilidades domésticas; vīra-sūḥ — a mãe de grandes heróis; api — embora; neṣyati — acaso ela será capaz de cumprir.

Tradução

O rei Purañjana continuou lembrando como, quando estava confuso, sua esposa lhe dava bons conselhos e como ela ficava triste quando ele se ausentava de casa. Embora ela fosse a mãe de tantos filhos e heróis, o rei ainda temia que ela não fosse capaz de arcar com as responsabilidades dos afazeres domésticos.

Comentário

SIGNIFICADO—À hora da morte, o rei Purañjana pensava em sua esposa, e isso se chama consciência poluída. Como o Senhor Kṛṣṇa explica na Bhagavad-gītā (15.7):

mamaivāṁśo jīva-loke
jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ
manaḥ-ṣaṣṭhānīndriyāṇi
prakṛti-sthāni karṣati

“As entidades vivas neste mundo condicionado são Minhas eternas partes fragmentárias. Por força da vida condicionada, elas empreendem árdua luta com os seis sentidos, entre os quais se inclui a mente.”

A entidade viva é, acima de tudo, parte integrante do Espírito Supremo, Kṛṣṇa. Em outras palavras, a posição constitucional de Kṛṣṇa e a posição constitucional da entidade viva são as mesmas qualitativamente. A única diferença é que a entidade viva é eternamente uma partícula atômica do Espírito Supremo (mamaivāṁśo jīva-loke jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ). Neste mundo material de vida condicionada, a porção fragmentária do Senhor Supremo, a alma individual, está sempre lutando devido à sua mente e consciência contami­nadas. Como parte integrante do Senhor Supremo, uma entidade viva deve pensar em Kṛṣṇa, mas aqui vemos que o rei Purañjana (a entidade viva) se dedica a pensar em uma mulher. Semelhante absorção mental em determinado objeto dos sentidos faz com que a entidade viva lute pela vida neste mundo material. Uma vez que o rei Purañjana continua pensando em sua esposa, sua luta pela vida no mundo material não terminará com a morte. Como revelarão os versos seguintes, o rei Purañjana teve que aceitar um corpo de mulher em sua próxima vida por estar demasiadamente absorto em pensar em sua esposa. Assim, a absorção mental em consciência social, política, pseudorreligiosa, nacional e comunitária é causa de cativeiro. No decorrer de nossa vida, precisamos mudar nossas atividades para nos libertarmos do cativeiro. Confirma-se isso na Bhagavad-gītā (3.9): yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ. Se não mudarmos nossa consciência nesta vida, tudo o que fizermos em nome de bem-estar social, político, religioso ou comunitário será causa de nosso cativeiro. Isso significa que seremos obrigados a continuar na vida material condicionada. Como se explica na Bhagavad-gītā (15.7), manaḥ-ṣaṣṭhānīndriyāṇi prakṛti-sthāni karṣati: quem tem a mente e os sentidos ocupados em atividades mate­riais é forçado a continuar sua existência material e a lutar para alcançar a felicidade. Em toda e cada vida, a pessoa se envolve na peleja em busca da felicidade. Na verdade, ninguém neste mundo material é feliz, mas o empenho transmite uma falsa sensação de felicidade. Uma pessoa precisa trabalhar muito arduamente e, quando ela alcança o resultado de seu árduo trabalho, julga-se feliz. No mundo material, as pessoas não sabem o que é verdadeira felici­dade. Sukham ātyantikaṁ yat tad buddhi-grāhyam atīndriyam. (Bhagavad-gītā 6.21): é preciso apreciar a verdadeira felicidade através dos sentidos transcendentais. A menos que haja purificação, os sentidos transcendentais não se manifestam; portanto, para purificar os sentidos, é preciso adotar a consciência de Kṛṣṇa e ocupar os sentidos a ser­viço do Senhor. Então, haverá verdadeira felicidade e liberação.

Na Bhagavad-gītā (15.8), afirma-se:

śarīraṁ yad avāpnoti
yac cāpy utkrāmatīśvaraḥ
gṛhītvaitāni saṁyāti
vāyur gandhān ivāśayāt

“Assim como o ar transporta os aromas, a entidade viva no mundo material leva de um corpo para outro suas diferentes concepções de vida.” Se o vento passar por um roseiral, ele transportará o aroma das rosas, e, se passar por um lugar imundo, transportará o cheiro desagradável das coisas ruins. De modo semelhante, o rei Purañjana, a entidade viva, projeta o alento de sua vida sobre sua esposa, uma mulher, daí ele ser obrigado a aceitar um corpo de mulher em sua próxima vida.

Texto

kathaṁ nu dārakā dīnā
dārakīr vāparāyaṇāḥ
vartiṣyante mayi gate
bhinna-nāva ivodadhau

Sinônimos

katham — como; nu — de fato; dārakāḥ — filhos; dīnāḥ pobres; dārakīḥ — filhas; — ou; aparāyaṇāḥ — não tendo ninguém mais de quem depender; vartiṣyante — viverão; mayi — quando eu; gate — partir deste mundo; bhinna — naufragado; nāvaḥ — barco; iva — como; udadhau — no oceano.

Tradução

O rei Purañjana continuou a meditar: “Depois que eu partir deste mundo, como meus filhos e filhas, que agora dependem inteiramente de mim, viverão e continuarão suas vidas? A posição deles será semelhante à dos passageiros de um navio naufragado no meio do oceano.”

Comentário

SIGNIFICADO—À hora da morte, toda entidade viva se preocupa com o que acontecerá com sua esposa e filhos. Do mesmo modo, um político também se preocupa com o que acontecerá com seu país ou com seu partido político. A menos que alguém seja plenamente cons­ciente de Kṛṣṇa, ele é obrigado a aceitar um corpo na próxima vida de acordo com seu estado de consciência em particular. Uma vez que Purañjana está pensando em sua esposa e filhos e está excessi­vamente absorto em pensamentos sobre sua esposa, ele aceitará um corpo de mulher. De modo semelhante, um político ou dito nacionalista que é demasiadamente apegado à sua terra natal certamente renascerá na mesma terra após terminar sua carreira política. Além disso, nossa vida seguinte será afetada pelos atos que executarmos durante esta vida. Às vezes, os políticos agem das maneiras mais pecaminosas em nome de seu próprio gozo dos sentidos. Não á incomum que políticos matem membros do partido oposto. Mesmo que um político tenha permissão de nascer em sua dita terra natal, ele ainda assim precisará submeter-se a sofrimentos, devido às suas atividades pecaminosas em sua vida anterior.

Esta ciência da transmigração é completamente desconhecida pelos cientistas modernos. Os pretensos cientistas não gostam de lidar com essas coisas porque, se eles alguma vez considerassem este assunto sutil e os problemas da vida, veriam que seu futuro é muito sombrio. Assim, eles procuram não pensar no futuro e conti­nuam cometendo toda espécie de atividades pecaminosas em nome de interesses sociais, políticos e nacionais.

Texto

evaṁ kṛpaṇayā buddhyā
śocantam atad-arhaṇam
grahītuṁ kṛta-dhīr enaṁ
bhaya-nāmābhyapadyata

Sinônimos

evam — assim; kṛpaṇayā — com mesquinha; buddhyā inteligência; śocantam — lamentando-se; a-tat-arhaṇam pelo que ele não devia lamentar; grahītum — para prender; kṛta-dhīḥ — o determinado rei dos Yavanas; enam a ele; bhaya-nāmā cujo nome era Medo; abhyapadyata — apareceu ali de imediato.

Tradução

Muito embora o rei Purañjana não precisasse se lamentar pelo destino de sua esposa e de seus filhos, ele o fez em virtude de sua inteligência mesquinha. Entrementes, Yavana-rāja, cujo nome era o próprio medo, imediatamente se aproximou para prendê-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os tolos não sabem que toda alma individual é responsável por suas próprias ações e reações na vida. Enquanto a entidade viva sob a forma de uma criança ou menino é inocente, é dever do pai e da mãe conduzirem-na a uma compreensão adequada dos valores da vida. Quando a criança cresce, cabe a ela cumprir os deveres da vida corretamente. O pai, após sua morte, não pode ajudar o filho. Um pai pode deixar alguma herança para a manutenção imediata de seus filhos, mas não deve se absorver excessivamente em pensar em como sua família sobreviverá após sua morte. Essa é a doença da alma condicionada. Ela não apenas comete atividades pecaminosas para seu próprio gozo dos sentidos, mas também acumula grande riqueza para deixar aos seus filhos de modo que eles também possam continuar com extravagâncias no gozo dos sentidos.

De qualquer modo, todos temem a morte, daí a morte se chamar bhaya, ou medo. Embora o rei Purañjana estivesse pensando em sua esposa e filhos, a morte não esperou por ele. A morte não espera por ninguém; ela cumpre sem demora o seu dever. Como a função da morte é levar a entidade viva sem hesitação, ela é a compreensão final de Deus para os ateístas, que desperdiçam sua vida pensando no país, na sociedade e nos parentes, negligen­ciando a consciência de Deus. Neste verso, a palavra atad-arhaṇam é muito significativa, pois quer dizer que ninguém deve ocupar-se demasiadamente em atividades beneficentes para seus membros familiares, compatriotas, sociedade ou comunidade. Nada disso ajudará alguém a avançar no âmbito espiritual. Infelizmente, na socie­dade moderna, os homens ditos educados não fazem ideia do que é progresso espiritual. Embora sob a forma humana de vida tenham a oportunidade de fazer progresso espiritual, eles permanecem ava­ros. Usam suas vidas de maneira inadequada e simplesmente as desperdiçam, pensando no bem-estar material de seus parentes, compatriotas, sociedade e assim por diante. Nosso verdadeiro dever é aprender como vencer a morte. Na Bhagavad-gītā (4.9), o Senhor Kṛṣṇa estabelece o processo para se derrotar a morte:

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.”

Após abandonar este corpo, quem é plenamente consciente de Kṛṣṇa não recebe outro corpo material, senão que volta ao lar, volta ao Supremo. Todos devem procurar atingir essa perfeição. Infeliz­mente, ao invés de fazê-lo, as pessoas estão absortas em pensamen­tos de sociedade, amizade, amor e parentes. Este movimento para a consciência de Kṛṣṇa, contudo, está educando as pessoas em todo o mundo e informando-as sobre como superar a morte. Hariṁ vinā na mṛtiṁ taranti: não é possível vencer a morte sem se refugiar na Suprema Personalidade de Deus.

Texto

paśuvad yavanair eṣa
nīyamānaḥ svakaṁ kṣayam
anvadravann anupathāḥ
śocanto bhṛśam āturāḥ

Sinônimos

paśu-vat — como um animal; yavanaiḥ — pelos Yavanas; eṣaḥ — Purañjana; nīyamānaḥ — sendo preso e levado; svakam — para sua própria; kṣayam — morada; anvadravan — acompanharam; anupathāḥ — seus auxiliares; śocantaḥ — lamentando-se; bhṛśam muito; āturāḥ — estando aflitos.

Tradução

Enquanto os Yavanas levavam o rei Purañjana embora, a caminho da morada deles, tendo-o amarrado como um animal, os seguidores do rei ficaram muito entristecidos. Enquanto se lamentavam, eram forçados a acompanhá-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando Yamarāja e seus auxiliares levam uma entidade viva ao lugar de julgamento, a vida, o ar vital e os desejos, sendo os acompanhantes da entidade viva, também vão com ela. Confirma-se isso nos Vedas. Quando a entidade viva é levada ou presa por Yamarāja (tam utkrāmantam), o ar vital também vai com ela (prāṇo ’nūtkrāmati), e, quando o ar vital se vai (prāṇam anūt­krāmantam), todos os sentidos (sarve prāṇāḥ) também o acompanham (anūtkrāmanti). Quando a entidade viva e o ar vital se vão, o monte de matéria composto de cinco elementos – terra, água, ar, fogo e éter – é rejeitado e deixado para trás. A entidade viva, então, vai à corte de julgamento, onde Yamarāja decide que classe de corpo ela obterá em seguida. Os cientistas modernos desconhecem este pro­cesso. Toda entidade viva é responsável por suas atividades nesta vida e, após a morte, ela é levada à corte de Yamarāja, onde se decide que classe de corpo receberá em seguida. Embora o corpo material grosseiro fique para trás, a entidade viva e seus desejos, bem como as reações resultantes de suas atividades passadas, per­manecem. É Yamarāja quem decide sobre a classe de corpo que a pessoa obterá em seguida, de acordo com suas ações passadas.

Texto

purīṁ vihāyopagata
uparuddho bhujaṅgamaḥ
yadā tam evānu purī
viśīrṇā prakṛtiṁ gatā

Sinônimos

purīm a cidade; vihāya — tendo abandonado; upagataḥ — saído; uparuddhaḥ — presa; bhujaṅgamaḥ a serpente; yadā quando; tam — a ela; eva — decerto; anu — após; purī a cidade; viśīrṇā­ — desmantelada; prakṛtim — matéria; gatā — transformada em.

Tradução

A serpente, que já havia sido presa pelos soldados de Yavana-rāja e estava fora da cidade, colocou-se a seguir seu mestre juntamente com os outros. Logo que todos eles deixaram a cidade, ela foi imediatamente desmantelada e reduzida a cinzas.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando a entidade viva é presa, todos os seus seguidores – a saber, o ar vital, os sentidos e os objetos dos sentidos – imediatamente deixam a massa de matéria, o corpo. Quando a entidade viva e seus companheiros partem, o corpo deixa de funcionar, transformando­-se em elementos materiais básicos – terra, água, fogo, ar e éter. No momento em que uma cidade atacada por inimigos é abandonada por seus habitantes, o inimigo aproveita-se para bombardeá-la até reduzir tudo a cinzas. Quando dizemos: “És pó e ao pó retornarás”, referimo-nos ao corpo. Quando uma cidade é atacada e bombar­deada por inimigos, os cidadãos geralmente fogem, e a cidade deixa de existir.

É tolo quem se ocupa em melhorar a condição de uma cidade sem se importar com os cidadãos ou habitantes. Do mesmo modo, uma entidade viva que não é devidamente iluminada por conheci­mento espiritual cuida apenas do corpo externo, desconhecendo que a alma espiritual é o fator principal dentro do corpo. Avançando em conhecimento espiritual, a alma espiritual se salva da transmi­gração eterna. O Bhāgavatam considera aqueles que são apegados a seus corpos como vacas e asnos (sa eva go-kharaḥ). A vaca é um animal muito inocente, e o asno é uma besta de carga. Quem age sob o influxo do conceito corpóreo simplesmente trabalha como um asno e desconhece seu próprio interesse. É por isso que se diz:

yasyātma-buddhiḥ kuṇape tri-dhātuke
sva-dhīḥ kalatrādiṣu bhauma ijya-dhīḥ
yat-tīrtha-buddhiḥ salile na karhicij
janeṣv abhijñeṣu sa eva go-kharaḥ

“Um ser humano que identifica este corpo feito de três elementos com o seu eu, que considera os subprodutos do corpo como parentes, que considera a terra natal adorável e que vai a um lugar de peregrinação simplesmente para banhar-se, ao invés de encontrar­-se com os homens de conhecimento transcendental que ali vivem, deve ser considerado tal qual um asno ou uma vaca.” (Śrīmad-­Bhāgavatam 10.84.13)

A civilização humana desprovida de consciência de Kṛṣṇa é mera civilização de animais inferiores. Às vezes, seme­lhante civilização pode estudar muito o corpo morto e dar valor especial ao cérebro ou ao coração. Contudo, nenhuma parte do corpo é importante a menos que a alma espiritual esteja presente. Em uma civilização moderna de vacas e asnos, os cientistas procuram encontrar algum valor no cérebro ou no coração de um defunto.

Texto

vikṛṣyamāṇaḥ prasabhaṁ
yavanena balīyasā
nāvindat tamasāviṣṭaḥ
sakhāyaṁ suhṛdaṁ puraḥ

Sinônimos

vikṛṣyamāṇaḥ — sendo arrastado; prasabham — à força; yavanena — pelo Yavana; balīyasā que era poderosíssimo; na avindat — não conseguia lembrar-se; tamasā — pela escuridão da ignorância; āviṣṭaḥ — estando coberto; sakhāyam — seu amigo; suhṛdam — sempre um benquerente; puraḥ — desde o início.

Tradução

Enquanto o poderoso Yavana arrastava o rei Purañjana com grande vigor, o rei, devido à sua ignorância grosseira, ainda não conseguia lembrar-se de seu amigo e benquerente, a Superalma.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (5.29), o Senhor Kṛṣṇa diz:

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

Uma pessoa poderá situar-se em plena consciência de Kṛṣṇa e se tornar feliz e satisfeita se souber de apenas três coisas: que o Supremo Senhor Kṛṣṇa é o desfrutador de todos os benefícios, que Ele é o proprietário de tudo e que Ele é o amigo supremo de todas as entidades vivas. Se alguém não sabe disso e age, ao invés disso, sob o conceito corpóreo, será sempre importunado pelas tribulações trazidas pela natureza material. Na realidade, o Senhor Supremo encontra-Se sentado ao lado de todos: īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati. (Bhagavad-gītā 18.61) A entidade viva e a Superalma estão sentadas lado a lado na mesma árvore, mas, apesar de ser impor­tunada pelas leis da natureza material, a entidade viva tola não se volta para a Suprema Personalidade de Deus em busca de pro­teção. Em vez disso, ela pensa ser capaz de proteger-se contra as estritas leis da natureza material. Isso, contudo, é impossível. É preciso que a entidade viva se volte para a Suprema Personalidade de Deus e renda-se a Ele. Somente então ela se salvará do ataque do poderoso Yavana, ou seja, Yamarāja.

A palavra sakhāyam, “amigo”, é muito significativa neste verso, porque Deus encontra-Se eternamente presente ao lado da entidade viva. Descreve-se, também, o Senhor Supremo como suhṛdam, “o eterno benquerente”. O Senhor Supremo é sempre um benque­rente, assim como um pai ou uma mãe. Apesar de todas as ofensas de um filho, o pai e a mãe sempre são benquerentes do filho. Ana­logamente, apesar de todas as nossas ofensas e desafios aos desejos da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor nos dará imediato alívio de todas as tribulações oferecidas pela natureza material se simplesmente nos entregarmos a Ele, como se confirma na Bhagavad-gītā (mām eva ye prapadyante māyām etāṁ taranti te). Infeliz­mente, devido às nossas más companhias e a nosso grande apego ao gozo dos sentidos, não nos lembramos de nosso melhor amigo, a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

taṁ yajña-paśavo ’nena
saṁjñaptā ye ’dayālunā
kuṭhāraiś cicchiduḥ kruddhāḥ
smaranto ’mīvam asya tat

Sinônimos

tam a ele; yajña-paśavaḥ — os animais sacrificatórios; anena — por ele; saṁjñaptāḥ — mortos; ye todos aqueles que; adayālunā­ — pelo absolutamente cruel; kuṭhāraiḥ — por machados; cicchiduḥ — despe­daçado; kruddhāḥ — estando muito irados; smarantaḥ — lembrando-se; amīvam — atividade pecaminosa; asya — dele; tat — isto.

Tradução

Purañjana, o mais cruel dos reis, havia matado muitos animais em diversos sacrifícios. Agora, aproveitando-se dessa oportunidade, todos esses animais começaram a trespassá-lo com seus chifres. Era como se ele estivesse sendo despedaçado por machados.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqueles que são muito entusiastas em matar animais em nome da religião ou em troca de alimento devem esperar uma punição semelhante após a morte. A palavra māṁsa (“carne”) indica que os animais que matamos receberão a oportunidade de nos matar. Embora, na rea­lidade, nenhuma entidade viva possa ser morta, as dores de ser des­pedaçada pelos chifres de animais serão experimentadas após a morte. Ignorando isso, certos patifes continuam matando os pobres animais, sem hesitação. A dita civilização humana tem aberto muitos matadouros para animais, em nome de religião ou de alimentação. Aqueles que são um pouco religiosos matam animais em templos, mesquitas ou sinagogas, e os mais caídos mantêm diversos mata­douros. Assim como em uma sociedade humana civilizada a lei é vida por vida, da mesma forma, segundo o Senhor Supremo, nenhuma entidade viva pode abusar de outra entidade viva. Todos devem ter liberdade de viver graças ao pai supremo, e a matança de animais – quer para religião, quer para alimentação – é sempre condenada pela Suprema Personalidade de Deus. Na Bhagavad-gītā (16.19), o Senhor Kṛṣṇa diz:

tān ahaṁ dviṣataḥ krūrān
saṁsāreṣu narādhamān
kṣipāmy ajasram aśubhān
āsurīṣv eva yoniṣu

“Aqueles que são invejosos e perversos, que são os mais baixos entre os homens, Eu os atiro no oceano da existência material, sob várias espécies demoníacas de vida.” Os matadores de animais (dviṣataḥ), invejando outras entidades vivas e a Suprema Personalidade de Deus, são postos na escuridão e não podem entender o tema e o objetivo da vida. Explica-se isso com mais detalhes nos versos seguintes.

Texto

ananta-pāre tamasi
magno naṣṭa-smṛtiḥ samāḥ
śāśvatīr anubhūyārtiṁ
pramadā-saṅga-dūṣitaḥ

Sinônimos

ananta-pāre — ilimitadamente expandida; tamasi — na existência material de escuridão; magnaḥ — estando imersa; naṣṭa-smṛtiḥ — destituída de toda inteligência; samāḥ — por muitos anos; śāśvatīḥ — praticamente para sempre; anubhūya — experimentando; ārtim — as três espécies de sofrimento; pramadā com mulheres; saṅga pelo contato; dūṣitaḥ estando contaminada.

Tradução

Devido a ter-se dado à companhia de mulheres de maneira contaminada, uma entidade viva, como o rei Purañjana, sofre eternamente todas as dores da existência material e permanece na escura região da vida material, destituída de toda lembrança por muitos e muitos anos.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui temos uma descrição da existência material. Experimenta a existência material quem se apega a uma mulher e esquece sua verdadeira identidade como servo eterno de Kṛṣṇa (naṣṭa-smṛtiḥ). Dessa maneira, de um corpo a outro, a entidade viva sofre perpetuamente das três espécies de sofrimento da existência material. Com o intuito de salvar a civilização humana da escuridão da ignorância é que este movimento foi iniciado. O principal objetivo do movimento para a consciência de Kṛṣṇa é iluminar a entidade viva esque­cida e lembrá-la de sua consciência de Kṛṣṇa original. Dessa maneira, a entidade viva pode salvar-se da catástrofe da ignorância, bem como da transmigração de corpos. Como canta Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura:

anādi karama-phale, paḍi’ bhavārṇava-jale,
taribāre nā dekhi upāya
e viṣaya-halāhale, divā-niśi hiyā jvale,
mana kabhu sukha nāhi pāya

“Devido às minhas atividades fruitivas passadas, caí em um oceano de ignorância. Não consigo encontrar nenhum meio de escapar desse grande oceano, o qual, em verdade, é como um oceano de veneno. Procuramos ser felizes através do gozo dos sentidos, mas, na verdade, esse suposto gozo é como um alimento muito picante e que faz o coração arder. Constantemente, experimento uma sensação de queimadura, dia e noite, e assim minha mente não consegue encontrar satisfação.”

A existência material é sempre cheia de ansiedade. As pessoas vivem procurando encontrar muitas maneiras de mitigar a ansie­dade, mas, por não serem guiadas por um líder verdadeiro, tentam esquecer a ansiedade material, bebendo e fazendo sexo. As pessoas tolas não sabem que, tentando escapar da ansiedade com beber e fazer sexo, elas só fazem aumentar a duração de sua vida material. Não é possível escapar da ansiedade material dessa maneira.

A palavra pramadā-saṅga-dūṣitaḥ indica que, mesmo se livre qualquer outra contaminação, caso alguém simplesmente permaneça apegado a uma mulher, essa única contaminação será suficiente para pro­longar sua dolorosa existência material. Consequentemente, na civi­lização védica, o homem é treinado desde o início a abandonar o apego a mulheres. A primeira fase da vida é a de brahmacārī; a segunda fase, gṛhastha; a terceira, vānaprastha, e a quarta, san­nyāsa. Todas essas fases são esquematizadas para nos capacitar a nos desapegarmos do contato com mulheres.

Texto

tām eva manasā gṛhṇan
babhūva pramadottamā
anantaraṁ vidarbhasya
rāja-siṁhasya veśmani

Sinônimos

tām — dela; eva — decerto; manasā — pela mente; gṛhṇan acei­tando; babhūva — tornou-se; pramadā — mulher; uttamā — próspera; anantaram — após a morte; vidarbhasya — de Vidarbha; rāja-siṁha­sya — do poderosíssimo rei; veśmani na casa.

Tradução

O rei Purañjana abandonou seu corpo enquanto se lembrava de sua esposa, em decorrência do que, em sua próxima vida, tornou-se uma bela e próspera mulher. Ele teve seu próximo nascimento como a filha do rei Vidarbha, na própria casa do rei.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma vez que o rei Purañjana pensou em sua esposa no momento da morte, ele obteve um corpo de mulher em seu próximo nascimento. Isso corrobora o seguinte verso da Bhagavad-gītā (8.6):

yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ
tyajaty ante kalevaram
taṁ tam evaiti kaunteya
sadā tad-bhāva-bhāvitaḥ

“Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se lembre ao deixar o corpo, ó filho de Kuntī, esse mesmo estado ele alcançará impreterivelmente.”

Habituada a pensar em determinado assunto ou a ficar absorta em determinada classe de pensamentos, a entidade viva pensará neles também no momento da morte. À hora da morte, uma pessoa pensará no assunto ao qual dedicou sua vida enquanto estava em vigília, levemente adormecida ou sonhando, ou enquanto estava profundamente adormecida. Após cair, perdendo a associação com o Senhor Supremo, a entidade viva transmigra assim de uma forma corpórea a outra, de acordo com o curso da natureza, até finalmente alcançar a forma humana. Se ela se absorver em pensamentos materiais e ignorar a vida espiritual, e se não se refugiar aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, Govinda, que sana todos os problemas de nascimento e morte, a entidade viva se tornará uma mulher na próxima vida, especialmente se pensar em sua esposa. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatan (3.31.1): karmaṇā daiva-netreṇa. Uma entidade viva pode agir piedosa ou impiedosamente e, às vezes, de ambas as maneiras. Todas as ações são levadas em conta quando a entidade viva recebe um novo corpo de seus superiores. Embora o rei Purañjana fosse demasiadamente apegado à sua esposa, mesmo assim, ele realizou muitas atividades fruitivas piedosas. Em consequência disso, embora tenha assumido a forma de uma mulher, ele recebeu a oportunidade de ser a filha de um poderoso rei. Como se confirma na Bhagavad-gītā (6.41):

prāpya puṇya-kṛtāṁ lokān
uṣitvā śāśvatīḥ samāḥ
śucīnāṁ śrīmatāṁ gehe
yoga-bhraṣṭo ’bhijāyate

“Após muitos e muitos anos de gozo nos planetas habitados por entidades vivas piedosas, o yogī malogrado nasce em uma família de pessoas virtuosas ou em uma família aristocrata e rica.”

Se uma pessoa cai do caminho de bhakti-yoga, a compreensão de Deus, devido ao apego a atividades fruitivas, especulação filosófica ou yoga místico, ela recebe a oportunidade de nascer em uma família nobre e rica. As autoridades superiores apontadas pela Suprema Personalidade de Deus assim fazem justiça à entidade viva, de acordo com os desejos dela. Embora o rei Purañjana estivesse excessivamente absorto em pensar em sua esposa e assim se hou­vesse tornado mulher, ele nasceu na família de um rei devido a suas atividades piedosas anteriores. Em conclusão, todas as nossas atividades são levadas em consideração antes de recebermos outro corpo. Portanto, Nārada Muni advertiu a Vyāsadeva que todos devem adotar a consciência de Kṛṣṇa, o serviço devocional, e abandonar todos os deveres ocupacionais ordinários. O próprio Senhor Kṛṣṇa também ofereceu esse mesmo conselho. Mesmo que um devoto caia do caminho da consciência espiritual, ele alcançará um corpo humano no lar de um devoto ou de um homem rico. Dessa maneira, poderá retomar seu serviço devocional.

Texto

upayeme vīrya-paṇāṁ
vaidarbhīṁ malayadhvajaḥ
yudhi nirjitya rājanyān
pāṇḍyaḥ para-purañjayaḥ

Sinônimos

upayeme — casou-se; vīrya — de coragem ou poder; paṇām — o prêmio; vaidarbhīm — filha de Vidarbha; malaya-dhvajaḥ — Malaya­dhvaja; yudhi — na luta; nirjitya — após vencer; rājanyān — outros príncipes; pāṇḍyaḥ — melhor dos eruditos, ou nascido na região conhecida como Pāṇḍu; para transcendental; puram — cidade; jayaḥ — conquistador.

Tradução

Foi determinado que Vaidarbhi, a filha do rei Vidarbha, se casaria com um homem muito poderoso, Malayadhvaja, habitante das terras Pāṇḍu. Após vencer outros príncipes, ele se casou com a filha do rei Vidarbha.

Comentário

SIGNIFICADO—É costumeiro entre os kṣatriyas que uma princesa lhes seja ofere­cida sob determinadas condições. Por exemplo, Draupadī foi ofe­recida em casamento a quem pudesse trespassar um peixe com uma flecha simplesmente vendo o reflexo desse peixe. Kṛṣṇa casou-Se com uma de Suas rainhas após derrotar sete touros poderosos. O sis­tema védico estabelece que a filha de um rei deve ser oferecida sob determinadas condições. Vaidarbhī, a filha de Vidarbha, foi ofere­cida a um grande devoto e poderoso rei. Como o rei Malayadhvaja era tanto um poderoso rei quanto um grande devoto, ele satisfazia todas as exigências. O nome Malayadhvaja significa “um grande devoto que permanece tão firme como a colina Malaya e, através de sua fama como político, faz outros devotos ficarem igualmente firmes”. Semelhante mahā-bhāgavata consegue se colocar acima da opinião de todas as outras pessoas. Um devoto forte faz propaganda contra todos os outros conceitos espirituais, a saber, jñāna, karma e yoga. Com sua bandeira devocional tremulando ao vento, ele sempre perma­nece firme para vencer os outros conceitos de compreensão trans­cendental. Sempre que há um debate entre um devoto e um não-devoto, devoto, o puro e forte, sai vitorioso.

A palavra pāṇḍya vem da palavra paṇḍā, significando “conhecimento”. Quem não é altamente erudito não pode vencer as concep­ções não-devocionais. A palavra para significa “transcendental”, e pura significa “cidade”. Para-pura é Vaikuṇṭha, o reino de Deus, e a palavra jaya refere-se àquele que é vencedor. Isso quer dizer que o devoto puro, que é forte em serviço devocional e que vence todas as concepções não-devocionais, também pode conquistar o reino de Deus. Em outras palavras, só se pode conquistar o reino de Deus, Vai­kuṇṭha, prestando serviço devocional. A Suprema Personalidade de Deus chama-Se ajita, o que significa que ninguém pode conquistá-lO. Porém, o devoto, mediante forte serviço devocional e apego sincero à Suprema Personalidade de Deus, pode conquistá-lO com facili­dade. O Senhor Kṛṣṇa é o medo personificado para todos, mas Ele concordou voluntariamente em temer a vara de mãe Yaśodā. Kṛṣṇa, Deus, não pode ser vencido por ninguém além de Seu devoto. Um devoto assim bondosamente se casou com a filha do rei Vidarbha.

Texto

tasyāṁ sa janayāṁ cakra
ātmajām asitekṣaṇām
yavīyasaḥ sapta sutān
sapta draviḍa-bhūbhṛtaḥ

Sinônimos

tasyām — através dela; saḥ — o rei; janayām cakre — gerou; ātmajām — filha; asita — azuis ou negros; īkṣaṇām cujos olhos; yavīyasaḥ — mais jovens, muito poderosos; sapta — sete; sutān — filhos; sapta — sete; draviḍa província de Draviḍa, ou sul da Índia; bhū — ­da terra; bhṛtaḥ reis.

Tradução

O rei Malayadhvaja gerou uma filha, a qual tinha olhos bem negros. Ele também teve sete filhos, que mais tarde tornaram-se governantes daquela região, conhecida como Draviḍa. Assim, havia sete reis naquela terra.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei Malayadhvaja era um grande devoto, e, após se casar com a filha do rei Vidarbha, deu-lhe uma bela filha, cujos olhos eram negros. Figurativamente, isso significa que a filha do rei Malaya­dhvaja também recebeu o serviço devocional, pois seus olhos viviam fixos em Kṛṣṇa. O devoto não vê nada em sua vida além de Kṛṣṇa. Os sete filhos são os sete processos do serviço devocional – ouvir, cantar, lembrar, adorar, oferecer orações, prestar trans­cendental serviço amoroso e servir aos pés de lótus do Senhor. Dos nove tipos de serviço devocional, somente sete foram dados imedia­tamente. Os dois processos restantes – fazer amizade e entregar tudo – se desenvolveriam mais tarde. Em outras palavras, o ser­viço devocional divide-se em duas categorias – a saber, vidhi­-mārga e rāga-mārga. O processo de fazer amizade com o Senhor e sacrificar tudo para Ele pertence à categoria de rāga-mārga, a fase de serviço devocional desenvolvido. Para o neófito, os processos importantes são os de ouvir e cantar (śravanaṁ kīrtanam), lembrar­-se de Kṛṣṇa, adorar a Deidade no templo, oferecer orações e sempre ocupar-se a serviço do Senhor, e adorar os pés de lótus do Senhor.

A palavra yavīyasaḥ indica que esses processos são muito podero­sos. Depois que um devoto se ocupa nos processos de śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam/ arcanaṁ vandanaṁ dāsyam e consegue firmar-se nesses processos, ele pode, adiante, tornar-se um devoto capaz de prestar serviço devocional espontâneo – a saber, sakhyam e ātma-nivedanam. De um modo geral, os grandes ācāryas que pregam o serviço devocional em todo o mundo pertencem à categoria de sakhyam ātma-nivedanam. Um devoto neófito não pode realmente tornar-se um pregador. O neófito é aconselhado a prestar serviço devocional mediante os sete outros métodos (śravaṇaṁ kīrtanam etc.). Quem puder executar exitosa­mente os sete itens preliminares poderá no futuro situar-se na plata­forma de sakhyam ātma-nivedanam.

A menção específica de Draviḍa-deśa refere-se aos cinco Draviḍa­-deśas no sul da Índia. Todos são muito fortes em executar os processos devocionais preliminares (śravaṇaṁ kīrtanam). Alguns grandes ācāryas, como Rāmānujācārya e Madhvācārya, também vieram de Draviḍa­-deśa e tornaram-se grandes pregadores. Todos eles estavam situados na plataforma de sakhyam ātma-nivedanam.

Texto

ekaikasyābhavat teṣāṁ
rājann arbudam arbudam
bhokṣyate yad-vaṁśa-dharair
mahī manvantaraṁ param

Sinônimos

eka-ekasya — de cada um; abhavat — surgiram; teṣām — deles; rājan — ó rei; arbudam — dez milhões; arbudam dez milhões; bhokṣyate — é governado; yat — cujo; vaṁśa-dharaiḥ — pelos descendentes; mahī o mundo inteiro; manu-antaram — até o fim de um Manu; param — e depois disso.

Tradução

Meu querido rei Prācīnabarhiṣat, os filhos de Malayadhvaja geraram muitos milhares e milhares de descendentes, os quais protegeram o mundo inteiro até o fim da duração de vida de um Manu, e mesmo depois disso.

Comentário

SIGNIFICADO—Há quatorze Manus em um dia de Brahmā. Um manvantara, a duração de vida de um Manu, compreende 71 multiplicados por 4.320.000 anos. Depois que um Manu passa adiante, outro Manu começa sua duração de vida. Dessa maneira, o ciclo vital do universo continua. Conforme um Manu sucede o outro, o culto da consciência de Kṛṣṇa é transmitido, como se confirma na Bhagavada-gītā (4.1):

śrī-bhagavān uvāca
imaṁ vivasvate yogaṁ
proktavān aham avyayam
vivasvān manave prāha
manur ikṣvākave ’bravīt

“O bem-aventurado Senhor disse: Ensinei esta imperecível ciência da yoga ao deus do Sol, Vivasvān, e Vivasvān ensinou-a a Manu, o pai da humanidade, e Manu, por sua vez, ensinou-a a Ikṣvāku.” Vivasvān, o deus do Sol, transmitiu a Bhagavad-gītā a um Manu, e esse Manu a transmitiu a seu filho, que a transmitiu ainda a outro Manu. Dessa maneira, a propagação da consciência de Kṛṣṇa nunca é interrompida. Ninguém deve pensar que este movimento para a consciência de Kṛṣṇa é um movimento novo. Como se con­firma na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam, é um movimento antiquíssimo, pois vem sendo transmitido de um Manu a outro.

Pode ser que entre os vaiṣṇavas haja alguma diferença de opinião devido à identidade pessoal de cada um, mas, apesar de todas as diferenças pessoais, o culto da consciência de Kṛṣṇa tem que prosseguir. Podemos ver que, sob as instruções de Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja co­meçou a pregar o movimento para a consciência de Kṛṣṇa de modo organizado desde o fim do século passado. Os discípulos de Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja são todos irmãos espirituais, e, embora haja alguma diferença de opinião, e embora não estejamos agindo conjuntamente, todos nós estamos difundindo este movimento para a consciência de Kṛṣṇa de acordo com nossa própria capacidade e fazendo muitos discípulos para espalhar este movimento no mundo inteiro. Quanto a nós, já inauguramos a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, e muitos milhares de europeus e americanos têm se juntado a este movimento. Na verdade, ele está se espalhando rapidamente. O culto da consciência de Kṛṣṇa, baseado nos nove princípios de serviço devocional (śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam/ arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ sakhyam ātma-nivedanam), jamais será interrompido. Ele continuará sem distinção de casta, credo, cor ou país. Ninguém pode impedi-lo.

A palavra bhokṣyate é muito importante neste verso. Assim como um rei protege seus cidadãos, esses devotos, seguindo os princípios do serviço devocional, protegerão todas as pessoas do mundo. A população do mundo está muito atormentada por svāmīs, yogīs, karmīs e jñānīs pretensamente religiosos, mas nenhum deles pode mostrar o caminho correto para a elevação à plataforma espiritual. Existem essencialmente quatro grupos difun­dindo o serviço devocional em todo o universo – a saber, o sampradāya de Rāmānuja, o sampradāya de Madhva, o ­sampradāya de Viṣṇusvāmi e o sampradāya de Nimbārka. O sampradāya Madhva-Gauḍīya, em particular, é oriundo do Senhor Caitanya Mahāprabhu. Todos esses devotos estão difundindo este movimento para a consciência de Kṛṣṇa amplamente e protegendo as pessoas ino­centes que estão sendo tão desorientadas por falsos avatāras, falsos svāmīs, falsos yogīs e outros.

Texto

agastyaḥ prāg duhitaram
upayeme dhṛta-vratām
yasyāṁ dṛḍhacyuto jāta
idhmavāhātmajo muniḥ

Sinônimos

agastyaḥ — o grande sábio Agastya; prāk — primeira; duhitaram — filha; upayeme — casou-se; dhṛta-vratām — que fez votos; yasyām — através de quem; dṛḍhacyutaḥ — chamado Dṛḍhacyuta; jātaḥ — nasceu; idhmavāha — chamado Idhmavāha; ātma-jaḥ — filho; muniḥ — o grande sábio.

Tradução

O grande sábio chamado Agastya se casou com a primogênita de Malayadhvaja, a fervorosa devota do Senhor Kṛṣṇa. Dela, nasceu um filho, cujo nome era Dṛḍhacyuta, e, de Dṛḍhacyuta, nasceu outro filho cujo nome era Idhmavāha.

Comentário

SIGNIFICADO—O nome Agastya Muni é muito significativo. Agastya Muni representa a mente. A palavra agastya indica que os sentidos não agem de forma independente, e a palavra muni significa “mente”. A mente é o centro de todos os sentidos, de modo que os sentidos não podem trabalhar independentemente dela. Quando a mente adota o culto de bhakti, ela se ocupa em serviço devocional. O culto de bhakti (bhakti-latā) é a primeira filha de Malayadhvaja, e, como se descreveu anteriormente, seus olhos estão sempre voltados para Kṛṣṇa (asitekṣaṇām). Não se pode prestar bhakti a nenhum semideus. Só se pode prestar bhakti a Viṣṇu (śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ). Pensando que a Verdade Absoluta não tem forma, os māyāvādīs dizem que a palavra bhakti pode aplicar-se a qualquer espécie de adoração. Se fosse assim, um devoto poderia imaginar qualquer semideus ou qualquer forma divina e adorá-la. Isso, contudo, não é verdade. A verdade é que bhakti pode aplicar-se somente ao Senhor Viṣṇu e a Suas expansões. Portanto, bhakti-latā é dṛḍha-vrata, o grande voto, visto que, quando a mente está totalmente ocupada em serviço devocional, ela não cai. Se alguém tentar avançar por outros meios – por karma-yoga ou jñāna-yoga –, essa pessoa cairá, mas, se estiver fixa em bhakti, jamais cairá.

Assim, de bhakti-latā, nasce o filho Dṛḍha­cyuta, e, de Dṛḍha­cyuta, nasce o próximo filho, ldhmavāha. A palavra idhma-vāha refere-se àquele que, ao aproximar-se de um mestre espiritual, car­rega lenha para queimar no sacrifício. A ideia é que bhakti-latā, o culto da devoção, fixa-nos em nossa posição espiritual. Uma pessoa fixa dessa maneira jamais desce, e ela gera filhos que são segui­dores estritos dos preceitos dos śāstras. Como se diz nos Vedas:

tad-vijñānārthaṁ sa gurum evābhigacchet
samit-pāṇiḥ śrotriyaṁ brahma-niṣṭham

Na linha do serviço devocional, aqueles que são iniciados são estritos seguidores dos preceitos das escrituras védicas.

Texto

vibhajya tanayebhyaḥ kṣmāṁ
rājarṣir malayadhvajaḥ
ārirādhayiṣuḥ kṛṣṇaṁ
sa jagāma kulācalam

Sinônimos

vibhajya — tendo dividido; tanayebhyaḥ — entre seus filhos; kṣmām — o mundo inteiro; rāja-ṛṣiḥ — o grande rei santo; malayadhvajaḥ chamado Malayadhvaja; ārirādhayiṣuḥ — desejando adorar; kṛṣṇam­ — Senhor Kṛṣṇa; saḥ — ele; jagāma — foi; kulācalam — a Kulācala.

Tradução

Depois disso, o grande rei santo Malayadhvaja dividiu todo o seu reino entre seus filhos. Em seguida, a fim de adorar o Senhor Kṛṣṇa com plena atenção, ele foi a um lugar solitário conhecido como Kulācala.

Comentário

SIGNIFICADO—Malayadhvaja, o grande rei, era certamente um mahā-bhāgavata, um devoto muito avançado. Prestando serviço devocional, ele gerou muitos filhos e discípulos de maneira a propagar o culto de bhakti (śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ). De fato, o mundo inteiro deve ser dividido entre esses discípulos; todos devem dedicar-se a pregar o culto da consciência de Kṛṣṇa. Em outras palavras, quando os discípulos crescem e são capazes de pregar, o mestre espiritual deve se retirar e sentar­ em um local solitário para escrever e fazer nirjana-bhajana. Isso significa sentar-se silenciosamente em um lugar solitário e prestar ser­viço devocional. Esse nirjana-bhajana, a adoração silenciosa ao Senhor Supremo, não é possível para um devoto neófito. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura jamais aconselhou um devoto neófito a ir a lugar solitário ocupar-se em serviço devocional. Na verdade, ele escreveu uma canção a esse respeito:

duṣṭa mana, tumi kisera vaiṣṇava?
pratiṣṭhāra tare, nirjanera ghare,
tava hari-nāma kevala kaitava

“Minha querida mente, que espécie de devota tu és? Simplesmente em troca de adoração barata, tu te sentas em um lugar solitário e finges cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, mas isso é pura enganação.” Assim, Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura advoga que todos os devotos, sob a orientação de um mestre espiritual perito, preguem o culto de bhakti, a consciência de Kṛṣṇa, no mundo inteiro. Somente quem já é maduro pode sentar-se em lugar solitário e deixar de pregar pelo mundo todo. Seguindo esse exemplo, os devotos da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna prestam agora serviço como pregadores em diversas partes do mundo. Assim, eles permitirão que o mestre espiritual se retire do trabalho ativo de pregação. Na última fase da vida do mestre espiritual, os devotos do mestre espiritual devem assumir pessoalmente as ativi­dades de pregação. Dessa maneira, o mestre espiritual pode sentar­-se em um lugar solitário e fazer nirjana-bhajana.

Texto

hitvā gṛhān sutān bhogān
vaidarbhī madirekṣaṇā
anvadhāvata pāṇḍyeśaṁ
jyotsneva rajanī-karam

Sinônimos

hitvā — abandonando; gṛhān — lar; sutān — filhos; bhogān — felicidade material; vaidarbhī a filha do rei Vidarbha; madira-īkṣanā­ — com olhos encantadores; anvadhāvata — acompanhou; pāṇḍya-īśam­ — o rei Malayadhvaja; jyotsnā iva — como o luar; rajanī-karam — a Lua.

Tradução

Assim como o luar segue a Lua à noite, logo depois que o rei Malayadhvaja partiu para Kulācala, sua devotada esposa, cujos olhos eram muito encantadores, também o acompanhou, abandonando toda a felicidade doméstica, apesar de sua família e filhos.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como na fase vānaprastha a esposa segue o esposo, do mesmo modo, quando o mestre espiritual se retira para nirjana-­bhajana, alguns de seus devotos avançados acompanham-no e ocupam-se em seu serviço pessoal. Em outras palavras, aqueles que gostam muito da vida familiar devem adiantar-se para prestar ser­viço ao mestre espiritual e abandonar a dita felicidade proporcio­nada por sociedade, amizade e amor. Um verso de Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura em seu Gurv-aṣṭaka é significativo a esse respeito: yasya prasādād bhagavat-prasādaḥ. O discípulo deve sempre se lembrar de que, servindo ao mestre espiritual, ele poderá facil­mente avançar em consciência de Kṛṣṇa. Todas as escrituras afir­mam que é satisfazendo o mestre espiritual e servindo-o diretamente que se pode alcançar a fase de perfeição máxima do serviço devocional.

A palavra madirekṣaṇā também é significativa neste verso. Śrīla Jīva Gosvāmī explica em seu Sandarbha que a palavra madira sig­nifica “embriagante”. Se os olhos de uma pessoa ficam embriagados ao verem a Deidade, ela pode ser chamada de madirekṣaṇa. Os olhos da rainha Vaidarbhi eram muito encantadores, assim como os olhos de uma pessoa são madirekṣaṇa quando se ocupam em ver a Deidade no templo. A menos que alguém seja um devoto avançado, ele não pode fixar seus olhos na Deidade no templo.

Texto

tatra candravasā nāma
tāmraparṇī vaṭodakā
tat-puṇya-salilair nityam
ubhayatrātmano mṛjan
kandāṣṭibhir mūla-phalaiḥ
puṣpa-parṇais tṛṇodakaiḥ
vartamānaḥ śanair gātra-
karśanaṁ tapa āsthitaḥ

Sinônimos

tatra — ali; candravasā — o rio Candravasā; nāma — chamado; tām­raparṇi — o rio Tāmraparṇī; vaṭodakā o rio Vaṭodakā; tat — daque­les rios; puṇya — piedosos; salilaiḥ com as águas; nityam — diaria­mente; ubhayatra — de ambas as maneiras; ātmanaḥ — dele mesmo; mṛjan — lavando; kanda — tubérculos; aṣṭibhiḥ — e com sementes; mūla raízes; phalaiḥ — e com frutos; puṣpa flores; parṇaiḥ — e com folhas; tṛṇā — grama; udakaiḥ — e com água; vartamānaḥ­ — subsistindo; śānaiḥ — aos poucos; gātra seu corpo; karśanam­ — emagrecendo; tapaḥ austeridade; āsthitaḥ — ele praticava.

Tradução

Na província de Kulācala, havia os rios chamados Candravasā, Tāmraparṇī e Vaṭodakā. O rei Malayadhvaja costumava ir a esses rios piedosos regularmente e se banhar ali. Assim, ele se purificava externa e internamente. Ele tomava seu banho e comia tubércu­los, sementes, folhas, flores, raízes, frutos e gramíneas e bebia água. Dessa maneira, ele praticava rigorosas austeridades. Em consequência disso, tornou-se muito magro.

Comentário

SIGNIFICADO—Podemos ver definitivamente que, para avançarmos em consciên­cia de Kṛṣṇa, é preciso controlarmos o peso de nosso corpo. Se alguém engorda muito, presume-se que não está avançando espiri­tualmente. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura criticava seve­ramente seus discípulos gordos. A ideia é que quem pretende avançar em consciência de Kṛṣṇa não deve comer em demasia. Os devotos costumavam ir às florestas, subir altas colinas ou escalar montanhas em peregrinação, mas essas rigorosas austeridades não são possíveis atualmente. Deve-se, ao invés disso, comer apenas prasāda e não mais que o necessário. Segundo o calendário vaiṣṇava, há muitos jejuns, tais como o Ekādaśī e os dias de apareci­mento e desaparecimento de Deus e Seus devotos. Esses jejuns destinam-se a diminuir a gordura dentro do corpo de modo que a pessoa não durma mais do que o necessário e não se torne inativa e preguiçosa. O homem que comer em excesso dormirá mais do que o necessário. Esta forma humana de vida se destina à prática de aus­teridades, e austeridades significa controlar o sexo, a alimentação etc. Dessa maneira, pode-se ganhar tempo para as atividades espiri­tuais, e se torna possível purificar-se externa e internamente. Assim, pode­-se purificar tanto o corpo quanto a mente.

Texto

śītoṣṇa-vāta-varṣāṇi
kṣut-pipāse priyāpriye
sukha-duḥkhe iti dvandvāny
ajayat sama-darśanaḥ

Sinônimos

śīta frio; uṣṇa — calor; vāta — vento; varṣāṇi — e estações chuvo­sas; kṣut — fome; pipāse — e sede; priya agradável; apriye — e desagradável; sukha — felicidade; duḥkhe — e infelicidade; iti — assim; dvandvāni — dualidades; ajayat — ele superou; sama-darśanaḥ — equânime.

Tradução

Através de austeridades, o rei Malayadhvaja, em corpo e mente, tornou-se gradualmente equânime diante das dualidades de frio e calor, felicidade e infelicidade, vento e chuva, fome e sede, prazer e desagrado. Dessa maneira, ele superou todas as relatividades.

Comentário

SIGNIFICADO—Liberação significa livrar-se das relatividades do mundo. A menos que sejamos autorrealizados, somos obrigados a nos submeter à luta dual do mundo relativo. Na Bhagavad-gītā, o Senhor Kṛṣṇa aconselha Arjuna a superar todas as relatividades através da tolerância. O Senhor Kṛṣṇa chama atenção para o fato de são as relatividades, como verão e inverno, que nos incomo­dam no mundo material. No inverno, não gostamos de nos banhar, mas, no verão, gostamos de fazê-lo duas, três ou mais vezes por dia. Assim, Kṛṣṇa nos aconselha a não nos deixarmos pertur­bar com tais relatividades e dualidades quando se fazem presentes ou se ausentam.

O homem comum precisa submeter-se a muita austeridade para se tornar equânime diante das dualidades. Quem se agita diante das relatividades da vida aceita uma posição relativa e, portanto, pre­cisa submeter-se às austeridades prescritas nos śāstras para trans­cender o corpo material e findar a existência material. O rei Malayadhvaja submeteu-se a rigorosas austeridades deixando seu lar, indo a Kulācala, tomando seu banho nos rios sagrados e comendo apenas vegetais, como tubérculos, raízes, sementes, flores e folhas, evitando quaisquer alimentos cozidos ou cereais. Essas são práticas muitíssimo austeras. Nesta era, é muito difícil deixar o lar e ir à floresta ou aos Himalaias para adotar o processo de austeri­dade. De fato, isso é quase impossível. Se alguém for apenas acon­selhado a deixar de comer carne, beber, praticar jogos de azar e fazer sexo ilícito, ele não o conseguirá. O que faria, então, uma pessoa se fosse aos Himalaias ou a Kulācala? Tais atos de renúncia são impossíveis nesta era; portanto, o Senhor Kṛṣṇa aconselha-nos a aceitar o pro­cesso de bhakti-yoga. O bhakti-yoga nos libertará naturalmente das dualidades da vida. Em bhakti-yoga, Kṛṣṇa é o centro, e Kṛṣṇa é sempre transcendental. Assim, para transcender as dualidades, é preciso que nos ocupemos sempre a serviço do Senhor, como confirma a Bhagavad-gītā (14.26):

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

“Aquele que se ocupa em serviço devocional pleno e não falha em circunstância alguma, transcende de imediato os modos da natureza material e chega então ao nível de Brahman.”

Se alguém estiver realmente ocupado a serviço do Senhor, bhakti­-yoga, naturalmente controlará seus sentidos, sua língua e tantas outras coisas. Uma vez ocupado sinceramente no processo de bhakti-yoga, não terá como cair. Mesmo que caia, não haverá perda. Pode ser que nossa prática de atividades devocionais seja interrompida ou impedida por algum tempo, mas retomaremos do ponto em que paramos logo que houver outra oportunidade.

Texto

tapasā vidyayā pakva-
kaṣāyo niyamair yamaiḥ
yuyuje brahmaṇy ātmānaṁ
vijitākṣānilāśayaḥ

Sinônimos

tapasā — mediante austeridades; vidyayā mediante educação; pakva — queimadas; kaṣāyaḥ — todas as coisas sujas; niyamaiḥ­ — mediante princípios reguladores; yamaiḥ — mediante autocontrole; yuyuje — ele fixou; brahmaṇi — na realização espiritual; ātmānam — seu eu; vijita — inteiramente controlados; akṣa sentidos; anila vida; āśayaḥ — consciência.

Tradução

Adorando, praticando austeridades e seguindo os princípios regu­ladores, o rei Malayadhvaja conquistou seus sentidos, sua vida e sua consciência. Assim, ele concentrou tudo no ponto central do Brahman Supremo [Kṛṣṇa].

Comentário

SIGNIFICADO—Toda vez que encontram a palavra brahman, os impersonalistas tomam-na como significando a refulgência impessoal, o brahma­jyoti. Na verdade, entretanto, o Parabrahman, o Brahman Supremo, é Kṛṣṇa, Vāsudeva. Como se afirma na Bhagavad-gītā (7.19), vāsu­devaḥ sarvam iti: Vāsudeva expande-Se por toda parte como o Brahman impessoal. Não se pode fixar a mente em “algo” impes­soal. Portanto, a Bhagavad-gītā (12.5) diz que kleśo ’dhikataras teṣām avyaktāsakta-cetasām: “Para aqueles cujas mentes estão apegadas ao aspecto impessoal e imanifesto do Supremo, o progresso é muito problemático.” Logo, ao se dizer nesta passagem que o rei Malayadhvaja fixou sua mente no Brahman, “Brahman” significa a Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva.

Texto

āste sthāṇur ivaikatra
divyaṁ varṣa-śataṁ sthiraḥ
vāsudeve bhagavati
nānyad vedodvahan ratim

Sinônimos

āste — permanece; sthāṇuḥ — imóvel; iva — como; ekatra — em um só lugar; divyam — dos semideuses; varṣa — anos; śatam — cem; sthiraḥ — estável; vāsudeve — ao Senhor Kṛṣṇa; bhagavati — a Suprema Personalidade de Deus; na — não; anyat — nada mais; veda — conhecia; udvahan — possuindo; ratim — atração.

Tradução

Dessa maneira, ele permaneceu imóvel em um só lugar por cem anos, segundo os cálculos dos semideuses. Passado esse período, ele desenvolveu pura atração devocional por Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e permaneceu fixo nessa posição.

Comentário

bahūnāṁ janmanām ante
jñānavān māṁ prapadyate
vāsudevaḥ sarvam iti
sa mahātmā sudurlabhaḥ

“Após muitos nascimentos e mortes, aquele que tem verdadeiro conhecimento rende-se a Mim, sabendo que sou a causa de todas as causas e de tudo o que existe. É muito raro encontrar semelhante grande alma.” (Bhagavad-gītā 7.19) Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é tudo, e aquele que sabe disso é o maior de todos os trans­cendentalistas. A Bhagavad-gītā afirma que uma pessoa com­preende isso após muitos e muitos nascimentos. Confirma-se isso também neste verso com as palavras divyaṁ varṣa-śatam, “cem anos, segundo os cálculos dos semideuses”. Segundo os cálculos dos semideuses, um dia (doze horas) equivale a seis meses na Terra. Cem anos dos semideuses equivaleriam a trinta e seis mil anos ter­restres. Assim, o rei Malayadhvaja praticou austeridades e penitên­cias por trinta e seis mil anos. Passado esse período, ele se fixou no serviço devocional ao Senhor. Para viver na Terra por tantos anos, é preciso que a pessoa nasça muitas vezes. Isso confirma a conclu­são de Kṛṣṇa. Chegar à conclusão da consciência de Kṛṣṇa e per­manecer fixo na compreensão de que Kṛṣṇa é tudo, bem como prestar serviço a Kṛṣṇa, são características da fase de perfeição. Como se diz no Caitanya-caritāmṛta (Madhya 22.62), kṛṣṇe bhakti kaile sarva-karma kṛta haya. Quando alguém chega à conclusão de que Kṛṣṇa é tudo, adorando Kṛṣṇa ou prestando-Lhe serviço devo­cional, essa pessoa realmente se torna perfeita sob todos os aspectos. Não é suficiente chegar à conclusão de que Kṛṣṇa é tudo – é preciso, também, permanecer fixo nessa compreensão. Essa é a perfeição máxima da vida, e foi essa perfeição que o rei Malayadhvaja alcan­çou ao final.

Texto

sa vyāpakatayātmānaṁ
vyatiriktatayātmani
vidvān svapna ivāmarśa-
sākṣiṇaṁ virarāma ha

Sinônimos

saḥ — rei Malayadhvaja; vyāpakatayā por onipenetrância; ātmā­nam — a Superalma; vyatiriktatayā — por distinção; ātmani — em seu próprio eu; vidvān — perfeitamente educado; svapne — em sonho; iva como; amarga — da deliberação; sākṣiṇam — a testemunha; virarāma — se tornou indiferente; ha — certamente.

Tradução

O rei Malayadhvaja alcançou conhecimento perfeito, sendo capaz de distinguir a Superalma da alma individual. A alma individual tem uma localização, ao passo que a Superalma é onipenetrante. Ele se tornou um perfeito conhecedor de que o corpo material não é a alma, mas que a alma é a testemunha do corpo material.

Comentário

SIGNIFICADO—Frequentemente, a alma condicionada se frustra na tentativa de entender as distinções entre o corpo material, a Superalma e a alma individual. Existem duas classes de filósofos māyāvādīs – os seguidores da filosofia budista e os seguidores da filosofia de Śaṅkara. Os seguidores de Buddha não reconhecem que existe algo além do corpo; os seguidores de Śaṅkara concluem que não há existência distinta para a Superalma, o Paramātmā. Os seguidores de Śaṅkara acreditam que a alma individual, em última análise, é idêntica ao Paramātmā. Todavia, o filósofo vaiṣṇava, que é perfeito em conhecimento, sabe que o corpo é feito de energia externa e que a Superalma, o Paramātmā, a Suprema Personalidade de Deus, está sentada com a alma individual, sendo que os dois são distintos. Como o Senhor Kṛṣṇa afirma na Bhagavad-gītā (13.3):

kṣetrajñaṁ cāpi māṁ viddhi
sarva-kṣetreṣu bhārata
kṣetra-kṣetrajñayor jñānaṁ
yat taj jñānaṁ mataṁ mama

“Ó descendente de Bharata, tu deves entender que, em todos os corpos, Eu também sou o conhecedor, e compreender este corpo e seu conhecedor chama-se conhecimento. Esta é a Minha opinião.”

O corpo é tido como o campo, e a alma individual é quem tra­balha nesse campo. Todavia, há outra pessoa, que é conhecida como a Superalma, a qual, ao lado da alma individual, simples­mente age como testemunha. A alma individual trabalha e goza dos frutos do corpo, ao passo que a Superalma apenas testemunha as atividades da alma individual, mas sem gozar dos frutos dessas ati­vidades. A Superalma está presente em todo campo de atividades, ao passo que a alma individual só está presente em seu corpo localizado. O rei Malayadhvaja alcançou essa perfeição de conheci­mento e foi capaz de distinguir tanto entre a alma e a Superalma, quanto entre a alma e o corpo material.

Texto

sākṣād bhagavatoktena
guruṇā hariṇā nṛpa
viśuddha-jñāna-dīpena
sphuratā viśvato-mukham

Sinônimos

sākṣāt — diretamente; bhagavatā — pela Suprema Personalidade de Deus; uktena — instruído; guruṇā — o mestre espiritual; hariṇā­ — pelo Senhor Hari; nṛpa ó rei; viśuddha puro; jñāna — conhecimento; dīpena — à luz do; sphuratā — esclarecedor; viśvataḥ-mukham — todos os pontos de vista.

Tradução

Dessa maneira, o rei Malayadhvaja alcançou conhecimento perfeito porque, em seu estado puro, ele foi diretamente instruído pela Suprema Personalidade de Deus. Por meio desse conhecimento transcendental esclarecedor, ele pôde compreender tudo sob todas as perspectivas.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras sākṣād bhagavatoktena guruṇā hariṇā são muito significativas. A Suprema Personalidade de Deus fala diretamente à alma individual quando o devoto se purifica por completo, prestando serviço devocional ao Senhor. O Senhor Kṛṣṇa também confirma isso na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

“Àqueles que estão constantemente devotados a Me servir com amor, Eu dou a compreensão pela qual eles podem vir a Mim.”

Sendo a Superalma sentada no coração de todos, o Senhor age como o caitya-guru, o mestre espiritual interno. Contudo, Ele apresenta instruções diretas apenas aos devotos puros e avançados. No início, quando o devoto é sério e sincero, o Senhor lhe fornece orientações internamente para que ele se aproxime de um mestre espiritual fidedigno. Alguém que recebeu treinamento do mestre espiritual, de acordo com os princípios reguladores do serviço devocional, e que se encontra na plataforma de apego espontâneo ao Senhor (rāga­bhakti), também recebe instruções do Senhor internamente (teṣāṁ satata-yuktānāṁ bhajatāṁ prīti-pūrvakam/ dadāmi buddhi-yogaṁ tam). Essa vantagem distinta é obtida por uma alma liberada. Tendo atingido essa fase, o rei Malayadhvaja ficava diretamente em contato com o Senhor Supremo e recebia instruções diretas dele.

Texto

pare brahmaṇi cātmānaṁ
paraṁ brahma tathātmani
vīkṣamāṇo vihāyekṣām
asmād upararāma ha

Sinônimos

pare transcendental; brahmaṇi — no Absoluto; ca e; ātmānam — o eu; param — o supremo; brahma — Absoluto; tathā — também; ātmani — nele mesmo; vīkṣamāṇaḥ observando assim; vihāya­ — abandonando; īkṣām — reserva; asmāt — deste processo; upararāma — absteve-se; ha — certamente.

Tradução

O rei Malayadhvaja pôde, então, observar que a Superalma encon­trava-Se sentada a seu lado, e que ele, como uma alma individual, estava sentado ao lado da Superalma. Uma vez que ambos estavam juntos, não havia necessidade de interesses separados, motivo pelo qual ele deixou de agir de maneira independente.

Comentário

SIGNIFICADO—Na fase avançada de serviço devocional, o devoto não faz distin­ção alguma entre seus próprios interesses e os da Suprema Personalidade de Deus. Os dois interesses se tornam unos, pois o devoto não age com interesses particulares. Qualquer coisa que ele faça, ele o faz pelo interesse da Suprema Personalidade de Deus. Nesse momento, ele vê tudo na Suprema Personalidade de Deus e vê a Suprema Personalidade de Deus em tudo. Tendo alcançado essa fase de compreensão, ele não vê distinção entre os mundos espiritual e material. Com uma visão perfeita, o mundo material se torna o mundo espiritual por ser a energia externa do Senhor Supremo. Para o devoto per­feito, não há diferença entre a energia e o energético. Deste modo, o dito mundo material se torna espiritual (sarvaṁ khalv idaṁ brahma). Tudo se destina ao serviço do Senhor Supremo, e o devoto hábil pode utilizar qualquer coisa supostamente material a serviço do Senhor. Não se pode servir ao Senhor sem estar situado na plataforma espiritual. Assim, caso se conecte uma coisa supostamente mate­rial ao serviço ao Senhor, ela já não deve ser conside­rada material. Logo, o devoto puro, em sua visão perfeita, vê tudo a partir de todos os ângulos.

Texto

patiṁ parama-dharma-jñaṁ
vaidarbhī malayadhvajam
premṇā paryacarad dhitvā
bhogān sā pati-devatā

Sinônimos

patim — seu esposo; parama — supremo; dharma-jñam — conhece­dor dos princípios religiosos; vaidarbhī — a filha de Vidarbha; malaya-dhvajam — chamado Malayadhvaja; premṇā — com amor e afeição; paryacarat — serviu com devoção; hitvā — abandonando; bhogān — prazeres dos sentidos; — ela; pati-devatā aceitando seu esposo como o Senhor Supremo.

Tradução

A filha do rei Vidarbha aceitou seu esposo inteiramente como o Supremo. Ela abandonou todo o gozo sensual e, em completa renúncia, seguiu os princípios de seu esposo, que era muito avançado. Assim, ela permaneceu ocupada a serviço dele.

Comentário

SIGNIFICADO—Figurativamente, o rei Malayadhvaja é o mestre espiritual, e sua esposa, Vaidarbhī, é a discípula. O discípulo aceita o mestre espiri­tual como a Suprema Personalidade de Deus. Como afirma Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura no Gurv-aṣṭaka, sākṣād-dharitvena: “Aceita-se diretamente o guru, o mestre espiritual, como a Suprema Personalidade de Deus.” Deve-se aceitar o mestre espiritual, não do modo como fazem os filósofos māyāvādīs, mas do modo recomen­dado aqui. Uma vez que o mestre espiritual é o servo mais íntimo do Senhor, ele deve ser tratado exatamente como a Suprema Per­sonalidade de Deus. O mestre espiritual nunca deve ser desprezado ou desobedecido, como uma pessoa ordinária.

Se uma mulher tem a fortuna de ser esposa de um devoto puro, ela pode servir a seu esposo sem qualquer desejo de gozo dos senti­dos. Se ela se mantiver ocupada a serviço de seu elevado esposo, naturalmente alcançará as perfeições espirituais de seu esposo. Se um discípulo encontra um mestre espiritual fidedigno, simplesmente satisfazendo-o, ele pode alcançar uma oportunidade semelhante (à do mestre espiritual) de servir a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

cīra-vāsā vrata-kṣāmā
veṇī-bhūta-śiroruhā
babhāv upa patiṁ śāntā
śikhā śāntam ivānalam

Sinônimos

cīra-vāsā — usando roupas velhas; vrata-kṣāmā magra e ressequida devido às austeridades; veṇī-bhūta — emaranhado; śiroruhā­ — seu cabelo; babhau — ela brilhava; upa patim — perto do esposo; śāntā pacífica; śikhā — chamas; śāntam — sem ser agitado; iva­ — como; analam fogo.

Tradução

A filha do rei Vidarbha usava roupas velhas estava magra e ressequida devido a seus votos de austeridade. Como não arrumava o cabelo, este ficou muito emaranhado. Embora permanecesse sempre perto de seu esposo, mantinha-se tão silencio­sa e calma quanto a chama de um fogo imperturbado.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando alguém começa a queimar lenha, há fumaça e agitação a princípio. Embora haja muitos distúrbios no início, logo que o fogo está completamente aceso, a lenha queima tranquila­mente. De modo semelhante, quando esposo e esposa seguem os princípios reguladores de austeridade, eles permanecem silenciosos e não são agitados por impulsos sexuais. Nesse momento, tanto esposo quanto esposa beneficiam-se espiritualmente. É possível alcançar essa fase de vida abandonando por completo o modo de vida luxuoso.

Neste verso, a palavra cīra-vāsā se refere a farrapos muito velhos. A esposa, especialmente, deve manter-se austera, não desejando ves­tidos e padrões de vida luxuosos. Ela deve aceitar apenas as neces­sidades básicas da vida e reduzir seu comer e dormir. Não deve haver qualquer espécie de vida sexual. Simplesmente ocupando-se a serviço de seu elevado esposo, o qual tem que ser um devoto puro, a esposa nunca ficará agitada por impulsos sexuais. A fase de vānaprastha é exatamente assim. Embora a esposa permaneça com o esposo, ela pratica rigorosas austeridades e penitências para que, embora ambos vivam juntos, não haja possibilidade de sexo. Deste modo, tanto o esposo quanto a esposa podem viver juntos perpe­tuamente. Já que a esposa é mais frágil que o esposo, sua fraqueza é expressa neste verso com as palavras upa patim. Upa significa “perto de”, ou “quase igual a”. Sendo um homem, o esposo geralmente é mais avançado do que sua esposa. Todavia, é de se esperar que a esposa abandone todos os hábitos luxuosos. Ela não deve sequer vestir-se bem ou pentear seu cabelo. Pentear o cabelo é uma das principais ocupações das mulheres. Na fase de vānaprastha, a esposa não deve cuidar de seu cabelo. Assim, seu cabelo ficará embaraçado e com nós. Consequentemente, a esposa não será mais atrativa para o esposo, e ela própria não ficará mais agitada por impulsos sexuais. Dessa maneira, tanto esposo quanto esposa podem avançar em consciência espiritual. Essa fase avançada se chama­ fase paramahaṁsa, e, uma vez obtida, tanto o esposo quanto a esposa podem realmente libertar-se da consciência corpórea. Se o discípulo permanece estável em seu serviço ao mestre espiritual, ele não precisa mais temer cair nas garras de māyā.

Texto

ajānatī priyatamaṁ
yadoparatam aṅganā
susthirāsanam āsādya
yathā-pūrvam upācarat

Sinônimos

ajānatī — sem qualquer conhecimento; priya-tamam — seu queridíssimo esposo; yadā — quando; uparatam — partiu; aṅganā — a mulher; susthira — fixo; āsanam — no assento; āsādya — subindo; yathā — como; pūrvam — antes; upācarat — seguia servindo.

Tradução

A filha do rei Vidarbha continuou, como de costume, a servir seu esposo, que se encontrava sentado em uma postura fixa, até ter certeza de que ele deixara o corpo.

Comentário

SIGNIFICADO—Parece que a rainha nem mesmo falava com seu esposo enquanto o servia. Ela simplesmente desempenhava seus deveres prescritos sem falar. Assim, ela não deixou de prestar serviço até ter certeza de que seu esposo havia abandonado o corpo.

Texto

yadā nopalabhetāṅghrāv
ūṣmāṇaṁ patyur arcatī
āsīt saṁvigna-hṛdayā
yūtha-bhraṣṭā mṛgī yathā

Sinônimos

yadā — quando; na — não; upalabheta — pôde sentir; aṅghrau — nos pés; ūṣmāṇam — calor; patyuḥ de seu esposo; arcatī enquanto servia; āsīt ela ficou; saṁvigna ansiosa; hṛdayā — no coração; yūtha-bhraṣṭā despojada de seu esposo; mṛgī — a corça; yathā — como.

Tradução

Enquanto servia seu esposo massageando suas pernas, ela pôde sentir que os pés dele já não estavam mais quentes e, assim, pôde compreender que ele já havia deixado o corpo. Ela sentiu muita ansiedade ao se dar conta de que agora estava sozinha. Despojada da companhia de seu esposo, ela sentia exatamente o que a corça sente ao ser separada de seu macho.

Comentário

SIGNIFICADO—Logo que param a circulação de sangue e de ar dentro do corpo, compreende-se que a alma partiu do corpo. A parada da circulação sanguínea é percebida quando as mãos e os pés perdem seu calor. Pode-se testar se um corpo está vivo ou não sentindo as palpitações do coração e o frio dos pés e das mãos.

Texto

ātmānaṁ śocatī dīnam
abandhuṁ viklavāśrubhiḥ
stanāv āsicya vipine
susvaraṁ praruroda sā

Sinônimos

ātmānam — por ela mesma; śocatī — lamentando-se; dīnam — sofrida; abandhum sem um amigo; viklava — de coração partido; aśrubhiḥ — com lágrimas; stanau — seus seios; āsicya — umedecendo; vipine — na floresta; susvaram — bem alto; praruroda — começou a chorar; — ela.

Tradução

Estando agora sozinha e viúva naquela floresta, a filha de Vidarbha começou a lamentar-se e a chorar bem alto, derramando lágrimas incessantes, as quais umedeciam seus seios.

Comentário

SIGNIFICADO—Figurativamente, a rainha é tida como discípula do rei; assim, quando o corpo mortal do mestre espiritual expira, seus discípulos devem chorar exatamente como a rainha chora quando o rei deixa seu corpo. Contudo, o discípulo e o mestre espiritual jamais se separam, pois o mestre espiritual sempre se mantém na companhia do discípulo enquanto o discípulo seguir estritamente as instruções do mestre espiritual. Isso se chama associação por meio de vāṇī (palavras). A presença física se chama vapuḥ. Enquanto o mestre espiritual está presente fisicamente, o discípulo deve servir o corpo físico do mestre espiritual, e, quando o mestre espiritual deixa de existir fisicamente, o discípulo deve servir às instruções do mestre espiritual.

Texto

uttiṣṭhottiṣṭha rājarṣe
imām udadhi-mekhalām
dasyubhyaḥ kṣatra-bandhubhyo
bibhyatīṁ pātum arhasi

Sinônimos

uttiṣṭha — por favor, desperta; uttiṣṭha — por favor, desperta; rāja-ṛṣe — ó rei santo; imām — esta Terra; udadhi — pelo oceano; mekhalām — cercada; dasyubhyaḥ — de trapaceiros; kṣatra-bandhubhyaḥ — de reis sujos; bibhyatīm — muito amedrontada; pātum — proteger; arhasi — deves.

Tradução

Ó melhor dos reis, por favor, desperta! Desperta! Vê só este mundo cercado por água e infestado por trapaceiros e falsos monarcas. Este mundo está muito amedrontado, e é teu dever protegê-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—Sempre que um ācārya vem, seguindo as ordens superiores da Suprema Personalidade de Deus ou de Seu representante, ele estabelece os princípios da religião, conforme são enunciados na Bhagavad-gītā. Religião significa obedecer às ordens da Suprema Personalidade de Deus. Os princípios religiosos começam a partir do momento em que alguém se rende à Suprema Personalidade de Deus. É dever do ācārya difundir um sistema religioso fidedigno e induzir todos a prostrarem-se diante do Senhor Supremo. Executam-se os princípios religiosos prestando serviço devocional, especificamente os nove itens, tais como ouvir, cantar e lembrar. Infelizmente, quando o ācārya desaparece, trapaceiros e não-devotos aproveitam-se disso e põem-se a introduzir princípios desautorizados em nome de ditos svāmīs, yogīs, filantropos, assistentes sociais e assim por diante. Na realidade, a vida humana se destina a cumprir as ordens do Senhor Supremo, e isso está expresso na Bhagavad-gītā (9.34):

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi yuktvaivam
ātmānaṁ mat-parāyaṇaḥ

“Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me reverências e Me adora. Estando absorto por completo em Mim, com certeza virás a Mim.”

A principal função dos membros da sociedade humana é pensar na Suprema Personalidade de Deus a todo momento, tornarem-se Seus devotos, adorar o Senhor Supremo e prostrar-se diante dEle. O ācārya, o representante autorizado do Senhor Supremo, estabelece esses princípios, mas, quando ele desaparece, tudo se desordena mais uma vez. Os discípulos perfeitos do ācārya esforçam-se para aliviar a situação, seguindo sinceramente as instruções do mestre espiritual. No momento atual, praticamente o mundo inteiro está amedrontado por trapaceiros e não-devotos; portanto, este movimento para a consciência de Kṛṣṇa foi iniciado para salvar o mundo dos princípios irreligiosos. Todos devem cooperar com este movimento a fim de trazer verdadeira paz e felicidade ao mundo.

Texto

evaṁ vilapantī bālā
vipine ’nugatā patim
patitā pādayor bhartū
rudaty aśrūṇy avartayat

Sinônimos

evam — assim; vilapantī — lamentando-se; bālā a mulher inocente; vipine — na floresta solitária; anugatā — estritamente apegada; patim — a seu esposo; patitā — caída; pādayoḥ — aos pés; bhartuḥ — de seu esposo; rudatī enquanto chorava; aśrūṇi — lágrimas; avartayat — ela derramava.

Tradução

Aquela obedientíssima esposa caiu assim aos pés de seu esposo falecido e começou a chorar angustiadamente naquela floresta solitária. Desse modo, as lágrimas cascateavam de seus olhos.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como uma esposa devotada se aflige com o falecimento de seu esposo, do mesmo modo, quando um mestre espiritual parte, o discípulo fica muito consternado.

Texto

citiṁ dārumayīṁ citvā
tasyāṁ patyuḥ kalevaram
ādīpya cānumaraṇe
vilapantī mano dadhe

Sinônimos

citim — pira funerária; dāru-mayīm — feita de madeira; citvā — tendo empilhado; tasyām — naquela; patyuḥ — do esposo; kalevaram — corpo; ādīpya — após acender; ca — também; anumaraṇe — para morrer junto com ele; vilapantī — lamentando-se; manaḥ — sua mente; dadhe — fixou.

Tradução

Então, ela preparou uma fogueira com lenha e colocou o cadáver de seu esposo sobre as chamas. Terminada essa tarefa, ela se lamentou amargamente e se preparou para perecer na fogueira junto de seu esposo.

Comentário

SIGNIFICADO—É uma tradição muito antiga no sistema védico que as esposas fiéis morram juntamente com seus esposos. Isso recebe o nome de saha-maraṇa. Na Índia, esse sistema prevaleceu até a data da ocupação britânica. Naquela época, entretanto, uma esposa que não quisesse morrer com seu esposo, às vezes era forçada por seus parentes a fazê-lo. Outrora, isso não acontecia. A esposa entrava na fogueira voluntariamente. O governo britânico suspendeu essa prática, considerando-a desumana. Contudo, na história da Índia antiga, vemos que, quando Mahārāja Pāṇḍu morreu, ele deixou duas esposas – Mādrī e Kuntī. O problema era se ambas deveriam morrer ou apenas uma delas. Após a morte de Mahārāja Pāṇḍu, suas esposas decidiram que uma deveria permanecer e a outra deveria partir. Mādrī morreu com seu esposo na fogueira, e Kuntī permaneceu para cuidar dos cinco filhos Pāṇḍavas. Mesmo recentemente, em 1936, soubemos de uma devotada esposa que entrou voluntariamente na pira funerária de seu esposo.

Isso indica que a esposa de um devoto deve estar preparada a agir dessa maneira. De modo semelhante, um devotado discípulo do mestre espiritual preferiria morrer com o mestre espiritual do que não conseguir cumprir a missão do mestre espiritual. Assim como a Suprema Personalidade de Deus desce a esta Terra para restabelecer os princípios da religião, do mesmo modo, Seu representante, o mestre espiritual, vem para restabelecer os princípios religiosos. É dever dos discípulos assumirem a missão do mestre espiritual e cumprirem-na apropriadamente. Caso contrário, o discípulo deve preferir morrer com seu mestre espiritual. Em outras palavras, para cumprir a vontade do mestre espiritual, o discípulo deve estar preparado a sacrificar sua vida e abandonar todas as considerações pessoais.

Texto

tatra pūrvataraḥ kaścit
sakhā brāhmaṇa ātmavān
sāntvayan valgunā sāmnā
tām āha rudatīṁ prabho

Sinônimos

tatra — naquele lugar; pūrvataraḥ — anterior; kaścit — alguém; sakhā amigo; brāhmaṇaḥ — um brāhmaṇa; ātmavān — estudioso muito erudito; sāntvayan — apaziguando; valgunā com ótimas; sāmnā palavras de consolo; tām — a ela; āha — ele disse; rudatīm — enquanto ela estava chorando; prabho — meu querido rei.

Tradução

Meu querido rei, certo brāhmaṇa, que era um velho amigo do rei Purañjana, chegou àquele lugar e começou a consolar a rainha com doces palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—O aparecimento de um velho amigo sob a forma de um brāhmaṇa é muito significativo. Sob Seu aspecto Paramātmā, Kṛṣṇa é o velho amigo de todos. Segundo o preceito védico, Kṛṣṇa está sentado com a entidade viva, lado a lado. De acordo com o śruti-mantra (dvā suparṇā sayujā sakhāyāḥ), o Senhor está sentado dentro do coração de cada entidade viva como suhṛt, o melhor amigo. O Senhor sempre anseia que a entidade viva volte ao lar, volte ao Supremo. Sentado ao lado da entidade viva, como testemunha, o Senhor lhe propicia todas as oportunidades de se divertir materialmente, mas, sempre que surge uma chance para isso, o Senhor oferece bons conselhos e orienta a entidade viva a abandonar a tentativa de tornar-se feliz através de providências materiais, ao invés de ser feliz voltando-se à Suprema Personalidade de Deus e entregando-se a Ele. Quando alguém se torna sério em realizar a missão do mestre espiritual, sua resolução é equivalente a ver a Suprema Personalidade de Deus. Como se explicou antes, isso quer dizer encontrar a Suprema Personalidade de Deus na instrução do mestre espiritual. Tecnicamente, isso se chama vāṇī-sevā. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, em seu comentário ao verso vyavasāyātmikā buddhir ekeha kuru-nandana da Bhagavad-gītā (2.41) afirma que todos devem servir às palavras do mestre espiritual. O discípulo deve manter-se fiel a qualquer coisa que o mestre espiritual ordene. Pelo simples fato de seguir essa linha de comportamento, pode-se ver a Suprema Personalidade de Deus.

A Suprema Personalidade de Deus, Paramātmā, apareceu perante a rainha como um brāhmaṇa, mas por que Ele não apareceu sob Sua forma original de Śrī Kṛṣṇa? Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura ressalta que, a menos que alguém seja altamente elevado em amor à Suprema Personalidade de Deus, ele não pode vê-lO como Ele é. Não obstante, se alguém se mantiver fiel aos princípios enunciados pelo mestre espiritual, de alguma forma estará em contato com a Suprema Personalidade de Deus. Uma vez que o Senhor está no coração, Ele pode aconselhar um discípulo sincero interiormente. Também se confirma isso na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

“Àqueles que estão constantemente devotados a Me servir com amor, Eu dou a compreensão pela qual eles podem vir a Mim.”

Em conclusão, se um discípulo é muito sério em cumprir a missão do mestre espiritual, ele se associa imediatamente com a Suprema Personalidade de Deus através de vāṇī ou vapuḥ. Esse é o único segredo de sucesso para se ver a Suprema Personalidade de Deus. Em vez de ficar ansioso por ver o Senhor em algum bosque de Vṛndāvana enquanto, ao mesmo tempo, ocupa-se no gozo dos sentidos, se alguém se mantiver fiel ao princípio de seguir as palavras do mestre espiritual, verá o Senhor Supremo sem dificuldade. Portanto, Śrīla Bilvamaṅgala Ṭhākura diz:

bhaktis tvayi sthiratarā bhagavan yadi syād
daivena naḥ phalati divya-kiśora-mūrtiḥ
muktiḥ svayaṁ mukulitāñjali sevate ’smān
dharmārtha-kāma-gatayaḥ samaya-pratīkṣāḥ

“Se estou ocupado em serviço devocional a Ti, meu querido Senhor, posso facilmente perceber Tua presença em toda parte. Quanto à liberação, creio que ela permanece à minha porta de mãos postas esperando para me servir – e todas as conveniências materiais de dharma [religiosidade], artha [desenvolvimento econômico] e kāma [gozo dos sentidos] permanecem com ela.” (Kṛṣṇa-karṇāmṛta 107) Alguém que seja altamente avançado em serviço devocional não terá dificuldade em ver a Suprema Personalidade de Deus. Se alguém se ocupa em servir ao mestre espiritual, ele não somente vê a Suprema Personalidade de Deus, mas também alcança a liberação. Quanto às conveniências materiais, elas vêm automaticamente, assim como as criadas de uma rainha acompanham-na aonde quer que ela vá. A liberação não é um problema para o devoto puro, e todas as conveniências materiais estão simplesmente o esperando em todas as fases da vida.

Texto

brāhmaṇa uvāca
kā tvaṁ kasyāsi ko vāyaṁ
śayāno yasya śocasi
jānāsi kiṁ sakhāyaṁ māṁ
yenāgre vicacartha ha

Sinônimos

brāhmaṇaḥ uvāca o brāhmaṇa erudito disse; — quem; tvam — tu; kasya — de quem; asi — és tu; kaḥ — quem; — ou; ayam — esse homem; śayānaḥ jazendo; yasya — por quem; śocasi — estás te lamentando; jānāsi kim — reconheces; sakhāyam — amigo; mām — a Mim; yena — com quem; agre — outrora; vicacartha — te consultaste; ha certamente.

Tradução

O brāhmaṇa perguntou o seguinte: Quem és tu? De quem és esposa ou filha? Quem é o homem que jaz aqui? Parece que estás te lamentando por esse cadáver. Não Me reconheces? Sou o teu amigo eterno. Talvez te lembres de que muitas vezes no passado tu Me consultaste.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando o parente de alguém morre, a renúncia é naturalmente visível. Só pode consultar a Superalma sentada dentro do coração de todos quem está inteiramente livre da contaminação do apego material. Quem é sincero e puro obtém a oportunidade de consultar a Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto Paramātmā sentado dentro do coração de todos. O Paramātmā é sempre o caitya-guru, o mestre espiritual interno, e Ele aparece externamente perante as pessoas como o mestre espiritual iniciador e instrutor. O Senhor pode residir dentro do coração, podendo, também, aparecer diante de alguém e instruí-lo. Logo, o mestre espiritual não é diferente da Superalma sentada dentro do coração. Uma alma ou entidade viva pura pode obter a oportunidade de encontrar-se com o Paramātmā face a face. Assim como uma pessoa tem a oportunidade de consultar o Paramātmā dentro de seu coração, ela também tem a oportunidade de vê-lO realmente presente diante dela. Então, ela pode receber instruções diretamente da Superalma. Esse é o dever do devoto puro: ver o mestre espiritual fidedigno e consultar a Superalma dentro do coração.

Quando o brāhmaṇa perguntou à mulher quem era o homem que jazia no solo, ela respondeu que ele era seu mestre espiritual e que ela estava perplexa sobre o que fazer em sua ausência. Em uma ocasião assim, a Superalma aparece imediatamente, contanto que o devoto tenha seu coração purificado por ter seguido as orientações do mestre espiritual. O devoto sincero que segue as instruções do mestre espiritual com certeza recebe instruções diretas da Superalma em seu coração. Assim, o devoto sincero é sempre ajudado direta ou indiretamente pelo mestre espiritual e pela Superalma. Confirma-se isso no Caitanya-caritāmṛta: guru-kṛṣṇa prasāde pāya bhakti-latā-bīja. Se o devoto serve a seu mestre espiritual com sinceridade, Kṛṣṇa naturalmente fica satisfeito. Yasya prasādād bhagavad-prasādaḥ. Satisfazendo o mestre espiritual, naturalmente satisfazemos Kṛṣṇa. Assim, o devoto é nutrido tanto pelo mestre espiritual quanto por Kṛṣṇa. A Superalma é eternamente o amigo da entidade viva e sempre permanece com ela. A Superalma sempre esteve pronta a ajudar a entidade viva, mesmo antes da criação deste mundo material. Portanto, aqui se afirma: yenāgre vicacartha. A palavra agre significa “antes da criação”. Assim, a Superalma tem acompanhado a entidade viva desde antes da criação.

Texto

api smarasi cātmānam
avijñāta-sakhaṁ sakhe
hitvā māṁ padam anvicchan
bhauma-bhoga-rato gataḥ

Sinônimos

api smarasi — acaso te lembras; ca — também; ātmānam — a Superalma; avijñāta desconhecido; sakham — amigo; sakhe — ó amiga; hitvā — abandonando; mām — a Mim; padam — posição; anvicchan — desejando; bhauma material; bhoga — gozo; rataḥ — apegada a; gataḥ — tu ficaste.

Tradução

O brāhmaṇa continuou: Minha querida amiga, muito embora não possas reconhecer-Me imediatamente, não te lembras de que no passado tiveste um amigo muito íntimo? Infelizmente, abandonaste Minha companhia e aceitaste a posição de desfrutadora deste mundo material.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma na Bhagavad-gītā (7.27):

icchā-dveṣa-samutthena
dvandva-mohena bhārata
sarva-bhūtāni sammohaṁ
sarge yānti parantapa

“Ó descendente de Bharata [Arjuna], ó vencedor do inimigo, todas as entidades vivas nascem iludidas e dominadas pelas dualidades de desejo e ódio.” Essa é uma explicação de como a entidade viva cai neste mundo material. No mundo espiritual, não há dualidade, tampouco há ódio. A Suprema Personalidade de Deus expande-Se em muitos. A fim de gozar de cada vez mais bem-aventurança, o Senhor Supremo expande-Se em diferentes categorias. Como se menciona no Varāha Purāṇa, Ele Se expande em viṣṇu-tattva (a expansão svāṁśa) e em Sua potência marginal (vibhinnāṁśa, ou a entidade viva). São inúmeras as entidades vivas expandidas, assim como as moléculas diminutas de brilho do Sol são inúmeras expansões do Sol. As expansões vibhinnāṁśa, as potências marginais do Senhor, são as entidades vivas. Ao desejarem desfrutar por elas mesmas, as entidades vivas desenvolvem uma consciência de dualidade e chegam a odiar o serviço ao Senhor. Dessa maneira, as entidades vivas caem no mundo material. O Prema-vivarta diz:

kṛṣṇa-bahirmukha hañā bhoga-vāñchā kare
nikaṭa-stha māyā tāre jāpaṭiyā dhare

A posição natural da entidade viva é servir ao Senhor com uma atitude transcendental e amorosa. Quando a entidade viva quer tornar-se o próprio Kṛṣṇa ou imitar Kṛṣṇa, ela cai no mundo material. Uma vez que Kṛṣṇa é o pai supremo, Sua afeição pela entidade viva é eterna. Quando a entidade viva cai no mundo material, o Senhor Supremo, através de Sua expansão svāṁśa (Paramātmā), mantém-Se na companhia da entidade viva. Dessa maneira, a entidade viva poderá algum dia voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Abusando de sua independência, a entidade viva cai do serviço ao Senhor e assume uma posição de desfrutador neste mundo material. Ou seja, a entidade viva assume sua posição dentro de um corpo material. Desejando ter uma posição muito elevada, a entidade viva, em vez disso, enreda-se no ciclo de repetidos nascimentos e mortes. Ela escolhe sua posição como ser humano, semideus, gato, cão, árvore etc. Dessa maneira, a entidade viva escolhe um corpo entre as 8.400.000 formas e procura satisfazer-se através de um sem-fim de prazeres materiais. A Superalma, contudo, não gosta que ela faça isso. Consequentemente, a Superalma a instrui a entregar-se à Suprema Personalidade de Deus. O Senhor, então, cuida da entidade viva. Contudo, se a entidade viva estiver contaminada por desejos materiais, ela não poderá entregar-se ao Senhor Supremo. Na Bhagavad-gītā (5.29), o Senhor diz:

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

“Os sábios, sabendo que Eu sou o propósito último de todos os sacrifícios e austeridades, o Senhor Supremo de todos os planetas e semideuses e o benfeitor e benquerente de todas as entidades vivas, obtêm paz, aliviando-se das dores dos sofrimentos materiais.”

O Senhor Supremo é o amigo supremo de todos, mas ninguém pode aproveitar-se das instruções do amigo supremo enquanto faz seus próprios planos de tornar-se feliz e enreda-se nos modos da natureza material. Quando ocorre a criação, as entidades vivas assumem diferentes formas de acordo com desejos passados. Isso quer dizer que todas as espécies ou formas de vida são criadas simultaneamente. A teoria de Darwin, a qual defende que não existia ser humano no início, mas que os seres humanos evoluíram após muitos e muitos anos, não passa de uma teoria sem sentido. A literatura védica nos ensina que a primeira criatura dentro do universo é o senhor Brahmā. Sendo a personalidade mais inteligente, o senhor Brahmā pôde incumbir-se de criar toda a variedade encontrada neste mundo material.

Texto

haṁsāv ahaṁ ca tvaṁ cārya
sakhāyau mānasāyanau
abhūtām antarā vaukaḥ
sahasra-parivatsarān

Sinônimos

haṁsau — dois cisnes; aham — Eu; ca — e; tvam — tu; ca — também; ārya — ó grande alma; sakhāyau — amigos; mānasa-ayanau — juntos no lago Mānasa; abhūtām — tornamo-nos; antarā — separados; — de fato; okaḥ — do lar original; sahasra milhares; pari — sucessivamente; vatsarān — anos.

Tradução

Minha querida e gentil amiga, somos exatamente como dois cisnes. Vivemos juntos no mesmo coração, que é como o lago Mānasa. Muito embora tenhamos vivido juntos por muitos milhares de anos, estamos muito longe de nosso lar original.

Comentário

SIGNIFICADO—O lar original da entidade viva e da Suprema Personalidade de Deus é o mundo espiritual. No mundo espiritual, tanto o Senhor quanto as entidades vivas residem juntos muito pacificamente. Uma vez que a entidade viva permanece ocupada a serviço do Senhor, ambos compartilham de uma vida bem-aventurada no mundo espiritual. Entretanto, quando a entidade viva quer desfrutar por si própria, ela cai no mundo material. Mesmo enquanto ela se mantém nesta posição, o Senhor permanece com ela como a Superalma, seu amigo íntimo. Devido a seu esquecimento, a entidade viva não sabe que o Senhor Supremo a está acompanhando como a Superalma. Dessa maneira, a entidade viva permanece condicionada em todo e cada milênio. Embora o Senhor a acompanhe como um amigo, a entidade viva, em razão de a existência material suscitar nela o esquecimento, não O reconhece.

Texto

sa tvaṁ vihāya māṁ bandho
gato grāmya-matir mahīm
vicaran padam adrākṣīḥ
kayācin nirmitaṁ striyā

Sinônimos

saḥ — aquele cisne; tvam — tu mesma; vihāya — deixando; mām a Mim; bandho ó amiga; gataḥ — foste; grāmya — material; matiḥ — cuja consciência; mahīm — para a Terra; vicaran — viajando; padam — posição; adrākṣīḥ viste; kayācit — por alguém; nirmitam — criado; striyā — por uma mulher.

Tradução

Minha querida amiga, continuas sendo Minha mesma amiga. Desde que Me deixaste, tu te tornaste cada vez mais materialista e, não Me vendo, tens viajado sob diferentes formas por todo este mundo material, que foi criado por uma mulher.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando a entidade viva cai, ela entra no mundo material, que foi criado pela energia externa do Senhor. Esta energia externa é descrita nesta passagem como “uma mulher”, ou a prakṛti. Este mundo material é composto de elementos materiais, ingredientes fornecidos pelo mahat-tattva, a totalidade da energia material. O mundo material, criado por esta energia externa, torna-se o dito lar da alma condicionada. Dentro deste mundo material, a alma condicionada aceita diferentes apartamentos, ou diferentes formas corpóreas, e então viaja por toda parte. Às vezes, ela viaja pelos sistemas planetários superiores e, às vezes, pelos sistemas inferiores. Às vezes, ela viaja em espécies superiores de vida e, às vezes, em espécies inferiores. Ela tem vagado dentro deste mundo material desde tempos imemoriais. Como explica Śrī Caitanya Mahāprabhu:

brahmāṇḍa bhramite kona bhāgyavān jīva
guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja

A entidade viva percorre muitas espécies de vida, mas ela é afortunada quando se encontra novamente com seu amigo, quer em pessoa, quer através de Seu representante.

Na realidade, é Kṛṣṇa quem aconselha pessoalmente todas as entidades vivas a voltarem ao lar, a voltarem ao Supremo. Às vezes, Kṛṣṇa envia Seu representante, o qual, distribuindo a mesma mensagem de Kṛṣṇa, conclama todas as entidades vivas a voltarem ao lar, voltarem ao Supremo. Infelizmente, a entidade viva está tão fortemente apegada ao gozo material que não recebe com a devida seriedade as instruções de Kṛṣṇa ou de Seu representante. Essa tendência material é mencionada neste verso como grāmya-matiḥ, gozo dos sentidos. A palavra mahīm significa “dentro deste mundo material”. Todas as entidades vivas dentro deste mundo material têm uma inclinação à sensualidade. Em decorrência disso, elas se enredam em diferentes classes de corpos e sofrem as dores da existência material.

Texto

pañcārāmaṁ nava-dvāram
eka-pālaṁ tri-koṣṭhakam
ṣaṭ-kulaṁ pañca-vipaṇaṁ
pañca-prakṛti strī-dhavam

Sinônimos

pañca-ārāmam — cinco jardins; nava-dvāram — nove portões; eka — um; pālam — protetor; tri três; koṣṭhakam — apartamentos; ṣaṭ seis; kulam — famílias; pañca — cinco; vipaṇam — lojas; pañca — cinco; prakṛti — elementos materiais; strī — mulher; dhavam — mestre.

Tradução

Naquela cidade [o corpo material], existem cinco jardins, nove portões, um protetor, três apartamentos, seis famílias, cinco lojas, cinco elementos materiais e uma mulher, que é a proprietária da casa.

Texto

pañcendriyārthā ārāmā
dvāraḥ prāṇā nava prabho
tejo-’b-annāni koṣṭhāni
kulam indriya-saṅgrahaḥ

Sinônimos

pañca — cinco; indriya-arthāḥ — objetos dos sentidos; ārāmāḥ — os jardins; dvāraḥ — portões; prāṇāḥ — aberturas dos sentidos; nava — nove; prabho — ó rei; tejaḥ-ap — fogo, água; annāni — grãos alimentícios ou terra; koṣṭhāni — apartamentos; kulam — famílias; indriya-saṅgrahaḥ — os cinco sentidos e a mente.

Tradução

Minha querida amiga, os cinco jardins são os cinco objetos de gozo dos sentidos, e o protetor é o ar vital, que passa pelos nove portões. Os três apartamentos são os ingredientes principais – fogo, água e terra. As seis famílias constituem a totalidade da mente e dos cinco sentidos.

Comentário

SIGNIFICADO—Os cinco sentidos que adquirem conhecimento são a visão, o sabor, o cheiro, o som e o toque, e esses agem através dos nove portões – os dois olhos, os dois ouvidos, uma boca, duas narinas, um órgão genital e um ânus. Essas cavidades são comparadas a portões nos muros da cidade. Os ingredientes principais são a terra, a água e o fogo, e o principal ator é a mente, a qual é controlada pela inteligência (buddhi).

Texto

vipaṇas tu kriyā-śaktir
bhūta-prakṛtir avyayā
śakty-adhīśaḥ pumāṁs tv atra
praviṣṭo nāvabudhyate

Sinônimos

vipaṇaḥ — lojas; tu — então; kriyā-śaktiḥ — a energia para realização de atividades, ou os sentidos funcionais; bhūta — os cinco elementos grosseiros; prakṛtiḥ — os elementos materiais; avyayā eternos; śakti — a energia; adhīśaḥ — controlador; pumān — homem; tu — então; atra — aqui; praviṣṭaḥ — entrou; na — não; avabudhyate — submete-se ao conhecimento.

Tradução

As cinco lojas são os cinco órgãos sensórios funcionais. Eles efetuam suas funções através das forças combinadas dos cinco elementos, que são eternos. Por trás de toda essa atividade, encontra-se a alma. A alma é uma pessoa e um desfrutador de verdade. Contudo, por estar agora escondida dentro da cidade do corpo, ela fica desprovida de conhecimento.

Comentário

SIGNIFICADO—A entidade viva entra na criação material com o auxílio dos cinco elementos – terra, água, fogo, ar e éter – e assim se forma o seu corpo. Apesar de a entidade viva estar agindo de dentro, ela é desconhecida. A entidade viva entra na criação material, mas, por estar desorientada pela energia material, parece estar escondida. O conceito corpóreo de vida é proeminente devido à ignorância (nāvabudhyate). A inteligência é descrita no gênero feminino, mas, devido à sua proeminência em todas as atividades, ela é descrita neste verso como adhīśaḥ, o controlador. A entidade viva mantém-se viva por meio do fogo, da água e dos grãos alimentícios. É a combinação desses três elementos que proporciona a manutenção do corpo. Consequentemente, o corpo se chama prakṛti, criação material. Todos os elementos combinam-se gradualmente para formar carne, ossos, sangue e assim por diante. Tudo isso se parece com diversos apartamentos. Nos Vedas, é dito que os alimentos digeridos, em última análise, dividem-se em três categorias. A porção sólida se torna excremento, e a porção semilíquida se transforma em carne. A porção líquida se torna amarela e novamente se divide em três. Uma dessas porções líquidas se chama urina. Do mesmo modo, a porção ígnea se divide em três, uma das quais se chama osso. Dos cinco elementos, o fogo, a água e os grãos alimentícios são muito importantes. Esses três são mencionados no verso anterior, ao passo que o céu (éter) e o ar não são mencionados. Explica-se tudo isso na Bhagavad-gītā (13.20):

prakṛtiṁ puruṣaṁ caiva
viddhy anādī ubhāv api
vikārāṁś ca guṇāṁś caiva
viddhi prakṛti-sambhavān

“Deve-se entender que a natureza material e as entidades vivas não têm começo. As transformações pelas quais elas passam e os modos da matéria são produtos da natureza material.” Prakṛti, a natureza material, e puruṣa, a entidade viva, são eternas. Quando ambas entram em contato uma com a outra, ocorrem diferentes reações e manifestações. Todas elas devem ser consideradas os resultados da interação dos três modos da natureza material.

Texto

tasmiṁs tvaṁ rāmayā spṛṣṭo
ramamāṇo ’śruta-smṛtiḥ
tat-saṅgād īdṛśīṁ prāpto
daśāṁ pāpīyasīṁ prabho

Sinônimos

tasmin — nessa situação; tvam — tu; rāmayā com a mulher; spṛṣṭaḥ — estando em contato; ramamāṇaḥ — desfrutando; aśruta-smṛtiḥ — sem lembrança da existência espiritual; tat com ela; saṅgāt — pelo contato; īdṛśīm — assim; prāptaḥ — alcanças; daśām um estado; pāpīyasīm — cheio de atividades pecaminosas; prabho — Minha querida amiga.

Tradução

Minha querida amiga, quando entras em semelhante corpo, juntamente com a mulher dos desejos materiais, ficas demasiadamente absorta em gozo dos sentidos. Devido a isso, esqueces tua vida espiritual. Devido a tuas concepções materiais, és colocada em diversas condições dolorosas.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando alguém se absorve na matéria, ele não tem capacidade de ouvir sobre a existência espiritual. O esquecimento da existência espiritual enreda um homem cada vez mais na existência material. Esse é o resultado da vida pecaminosa. Diversos corpos se desenvolvem com os ingredientes materiais devido a diferentes classes de atividades pecaminosas. O rei Purañjana assumiu o corpo de uma mulher, Vaidarbhī, como resultado de suas atividades pecaminosas. A Bhagavad-gītā diz claramente (striyo vaiśyās tathā śūdrāḥ) que semelhante corpo é inferior. Contudo, a pessoa que se refugia na Suprema Personalidade de Deus pode alcançar a perfeição mais elevada, mesmo que tenha um nascimento inferior. A entidade viva adquire nascimentos inferiores quando sua inteligência espiritual é reduzida.

Texto

na tvaṁ vidarbha-duhitā
nāyaṁ vīraḥ suhṛt tava
na patis tvaṁ purañjanyā
ruddho nava-mukhe yayā

Sinônimos

na — não; tvam — tu; vidarbha-duhitā — filha de Vidarbha; na — não; ayam — este; vīraḥ — herói; su-hṛt — benévolo esposo; tava — teu; na — não; patiḥ — esposo; tvam — tu; purañjanyāḥ — de Purañjanī; ruddhaḥ — cativa; nava-mukhe — no corpo que tem nove portões; yayā — pela energia material.

Tradução

Na realidade, não és filha de Vidarbha, nem este homem, Malayadhvaja, é teu benévolo esposo. Tampouco foste o verdadeiro cônjuge de Purañjana. Tu ficaste simplesmente cativa nesse corpo de nove portões.

Comentário

SIGNIFICADO—No mundo material, muitas entidades vivas entram em contato umas com as outras e, aumentando seu apego a uma espécie de corpo em particular, relacionam-se como pai, esposo, mãe, esposa etc. Na realidade, toda entidade viva é um ser individual distinto, e é devido a seu contato com a matéria que ela se junta a outros corpos e estabelece falsas relações. Os falsos corpos criam diversas associações em nome de família, comunidade, sociedade e nacionalidade. De fato, todas as entidades vivas são partes integrantes da Suprema Personalidade de Deus, mas as entidades vivas estão demasiadamente absortas no corpo material. A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, aparece e nos apresenta instruções sob a forma da Bhagavad-gītā e dos textos védicos. O Senhor Supremo nos confere essas instruções por ser o amigo eterno das entidades vivas. Suas instruções são importantes porque, através delas, a entidade viva pode libertar-se do envolvimento material. À medida que a água desce o rio, carrega muitas palhas e gramíneas das margens. Essas palhas e gramíneas juntam-se na correnteza, mas, quando as ondas as sacodem de diversas maneiras, elas se separam e são carregadas para outros lugares. Do mesmo modo, as inúmeras entidades vivas dentro deste mundo material estão sendo carregadas pelas ondas da natureza material. Às vezes, as ondas as reúnem, e elas formam amizades e se relacionam umas com as outras em bases corpóreas de família, comunidade ou nacionalidade. Por fim, elas são jogadas fora dessa associação pelas ondas da natureza material. Esse processo vem acontecendo desde a criação da natureza material. Com relação a isso, Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura canta:

miche māyāra vaśe, yāccha bhese’,
khāccha hābuḍubu, bhāi
jīva kṛṣṇa-dāsa, e viśvāsa,
karle ta’ āra duḥkha nāi

“Minhas caras entidades vivas, estais sendo carregadas pelas ondas da natureza material. Ora estais na superfície, ora afundais. Dessa maneira, vossa vida eterna está sendo arruinada. Se simplesmente vos agarrardes a Kṛṣṇa e vos refugiardes a Seus pés de lótus, novamente vos libertareis de todas as dolorosas condições materiais.”

Neste verso, as palavras suhṛt, “benquerente”, e tava, “teu”, são muito significativas. Nossos ditos esposo, parente, filho, pai e assim por diante não podem realmente ser nossos benquerentes. O único verdadeiro benquerente é o próprio Kṛṣṇa, como Kṛṣṇa confirma na Bhagavad-gītā (5.29): suhṛdaṁ sarva-bhūtānām. Sociedade, amizade, amor e benquerentes são todos meros resultados de estarmos envoltos em diferentes corpos. Devemos procurar entender isso muito bem e tentar escapar deste encarceramento corpóreo no qual somos atirados nascimento após nascimento. Devemos nos refugiar na Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

māyā hy eṣā mayā sṛṣṭā
yat pumāṁsaṁ striyaṁ satīm
manyase nobhayaṁ yad vai
haṁsau paśyāvayor gatim

Sinônimos

māyā a energia ilusória; hi — decerto; eṣā esta; mayā — por Mim; sṛṣṭā — criada; yat de que; pumāṁsam — um homem; striyam — uma mulher; satīm — casta; manyase — pensas; na — não; ubhayam — ambos; yat porque; vai decerto; haṁsau — livres da contaminação material; paśya vê só; āvayoḥ — nossa; gatim — verdadeira posição.

Tradução

Ora acreditas que és um homem, ora uma mulher casta, ora um eunuco. Tudo isso se deve ao corpo, que é criado pela energia ilusória. Esta energia ilusória é Minha potência, e, na verdade, nós dois – tu e Eu – somos identidades espirituais puras. Agora, esforça-te simplesmente por entender isso. Estou tentando explicar-te nossa verdadeira posição.

Comentário

SIGNIFICADO—A verdadeira posição da Suprema Personalidade de Deus e da entidade viva é qualitativamente una. O Senhor Supremo é o Espírito Supremo, a Superalma, e a entidade viva é a alma espiritual individual. Apesar de ambos serem identidades espirituais originais, a entidade viva fica esquecida de sua identidade ao entrar em contato com a natureza material e torna-se condicionada. Nesse momento, ela se identifica como um produto da natureza material. Devido ao corpo material, ela se esquece de que é a parte integrante eterna (sanātana) da Suprema Personalidade de Deus. Confirma-se isso desta maneira: mamaivāṁśo jīva-loke jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ. A palavra sanātana encontra-se em vários trechos da Bhagavad-gītā. Tanto o Senhor quanto a entidade viva são sanātana (eternos), e também existe um lugar conhecido como sanātana, além desta natureza material. A verdadeira residência tanto da entidade viva quanto de Deus é o domínio de sanātana, e não este mundo material. O mundo material é a energia externa e temporária do Senhor, e a entidade viva é posta neste mundo material por ter desejado imitar a posição da Suprema Personalidade de Deus. Neste mundo material, ela tenta gozar de seus sentidos ao máximo de sua capacidade. Todas as atividades da alma condicionada dentro deste mundo material ocorrem perpetuamente em diferentes classes de corpos, mas, quando a entidade viva adquire uma consciência desenvolvida, ela deve tentar retificar sua situação e novamente se tornar um membro do mundo espiritual. O processo pelo qual alguém pode voltar ao lar, voltar ao Supremo, é o bhakti-yoga, às vezes chamado sanātana-dharma. Em vez de aceitar um dever ocupacional temporário, baseado no corpo material, deve-se adotar o processo de sanātana-dharma, ou bhakti-yoga, para poder dar um fim a este perpétuo cativeiro em corpos materiais e voltar ao lar, voltar ao Supremo. Enquanto a sociedade humana trabalhar na base falsa da identificação material, todos os ditos avanços da ciência e da filosofia serão simplesmente inúteis. Eles servirão apenas para desencaminhar a sociedade humana. Andhā yathāndhair upanīyamānāḥ: no mundo material, os cegos simplesmente guiam outros cegos.

Texto

ahaṁ bhavān na cānyas tvaṁ
tvam evāhaṁ vicakṣva bhoḥ
na nau paśyanti kavayaś
chidraṁ jātu manāg api

Sinônimos

aham Eu; bhavān — tu; na — não; ca — também; anyaḥ — diferentes; tvam — tu; tvam — tu; eva — decerto; aham — como Eu sou; vicakṣva — simplesmente observa; bhoḥ — Minha querida amiga; na — não; nau — de nós; paśyanti — observam; kavayaḥ — estudiosos eruditos; chidram — diferenciação defeituosa; jātu — em tempo algum; manāk — em pequeno grau; api — mesmo.

Tradução

Minha querida amiga, Eu, a Superalma, e tu, a alma individual, não somos diferentes em qualidade, pois somos ambos espirituais. De fato, Minha querida amiga, qualitativamente, não és diferente de Mim em tua posição constitucional. Delibera sobre este assunto. Aqueles que são eruditos realmente avançados, munidos de conhecimento, não encontram qualquer diferença qualitativa entre nós dois.

Comentário

SIGNIFICADO—Tanto a Suprema Personalidade de Deus quanto a entidade viva são qualitativamente iguais. Não existe diferença real entre as duas. Os filósofos māyāvādīs são repetidamente derrotados pela energia ilusória porque pensam que não há separação entre a Superalma e a alma individual ou que não existe Superalma. Eles também são desencaminhados ao pensarem que tudo é a Superalma. Contudo, aqueles que são kavayaḥ, estudiosos eruditos, têm verdadeiro conhecimento dos fatos. Eles não cometem tais erros. Sabem que Deus e a alma individual são iguais em qualidade, mas que a alma individual cai sob as garras de māyā, ao passo que a Superalma, a Suprema Personalidade de Deus, é a controladora de māyā. Māyā é a criação do Senhor Supremo (māyā sṛṣṭā), de modo que o Senhor Supremo é o controlador de māyā. Embora igual em qualidade ao Senhor Supremo, a alma individual está sob o controle de māyā. Os filósofos māyāvādīs não conseguem distinguir entre o controlador e o controlado.

Texto

yathā puruṣa ātmānam
ekam ādarśa-cakṣuṣoḥ
dvidhābhūtam avekṣeta
tathaivāntaram āvayoḥ

Sinônimos

yathā como; puruṣaḥ a entidade viva; ātmānam — seu corpo; ekam um só; ādarśa — em um espelho; cakṣuṣoḥ — pelos olhos; dvidhā-ābhūtam — existindo como dois; avekṣeta vê; tathā — de modo semelhante; eva com certeza; antaram — diferença; āvayoḥ entre nós.

Tradução

Assim como uma pessoa vê o reflexo de seu corpo em um espelho como sendo ela própria e não diferente dela, ao passo que outros realmente veem dois corpos, do mesmo modo, em nossa condição material, que afeta e, ao mesmo tempo, não afeta o ser vivo, há uma diferença entre Deus e a entidade viva.

Comentário

SIGNIFICADO—Sendo afetados pelo condicionamento da matéria, os filósofos māyāvādīs não conseguem perceber a diferença entre o Senhor Supremo e a entidade viva. Ao refletir-se em um pote d’água, o Sol sabe que não há diferença entre ele mesmo e o Sol refletido na água. Os ignorantes, contudo, percebem que existem muitos pequenos sóis refletidos em cada pote. Quanto ao brilho, ele existe tanto no Sol original quanto nos reflexos, mas os reflexos são pequenos, ao passo que o Sol original é muito grande. Os filósofos vaiṣṇavas concluem que a entidade viva não passa de uma pequena amostra da Suprema Personalidade de Deus original. Qualitativamente, Deus e as entidades vivas são iguais, mas, quantitativamente, as entidades vivas são pequenos fragmentos da Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Supremo é pleno, poderoso e opulento. No verso anterior, o Senhor diz: “Minha querida amiga, tu e Eu não somos diferentes.” Essa não-diferença se refere à unidade qualitativa, pois não era necessário que Paramātmā, a Personalidade Suprema, lembrasse a alma condicionada de que ela não é igual a Ele em quantidade. A alma autorrealizada nunca pensa que ela e a Suprema Personalidade de Deus são iguais sob todos os aspectos. Embora ela e a Suprema Personalidade de Deus sejam qualitativamente iguais, a entidade viva tende a esquecer sua identidade espiritual, ao passo que a Suprema Personalidade de Deus jamais esquece. Essa é a diferença entre lipta e alipta. A Suprema Personalidade de Deus é eternamente alipta, não contaminada pela energia externa. A alma condicionada, entretanto, estando em contato com a natureza material, esquece sua verdadeira identidade; portanto, quando ela se vê no estado condicionado, identifica-se com o corpo. Para a Suprema Personalidade de Deus, contudo, não há diferença entre o corpo e a alma. Ele é completamente alma; Ele não tem corpo material. Embora a Superalma, Paramātmā, e a alma individual estejam ambas dentro do corpo, a Superalma é desprovida de designações, ao passo que a alma condicionada é designada por seu tipo de corpo em particular. A Superalma chama-Se antaryāmī, e é expansiva. A Bhagavad-gītā (13.3) confirma isso. Kṣetra-jñaṁ cāpi māṁ viddhi sarva-kṣetreṣu bhārata: “Ó descendente de Bharata, deves entender que Eu sou também o conhecedor em todos os corpos.”

A Superalma está presente nos corpos de todos, ao passo que a alma individual está condicionada em uma espécie de corpo em particular. A alma individual não pode entender o que está ocorrendo em outro corpo, mas a Superalma sabe muito bem o que está acontecendo em todos os corpos. Em outras palavras, a Superalma está sempre presente em Sua plena posição espiritual, enquanto a alma individual tem a tendência de se esquecer. Tampouco a alma individual está presente em toda parte. De um modo geral, em seu estado condicionado, a alma individual não pode entender sua relação com a Superalma, mas, às vezes, livrando-se de toda a existência condicionada, ela não pode perceber a verdadeira diferença entre a Superalma e ela própria. Quando a Superalma diz à alma condicionada: “Tu e Eu somos a mesma coisa”, isso é para lembrar à alma condicionada que sua identidade espiritual é qualitativamente igual à do Senhor. No terceiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam (3.28.40), afirma-se:

yatholmukād visphuliṅgād
dhūmād vāpi sva-sambhavāt
apy ātmatvenābhimatād
yathāgniḥ pṛthag ulmukāt

O fogo possui diferentes aspectos. Existe a chama, as centelhas e a fumaça. Muito embora sejam unos em qualidade, há uma diferença entre o fogo, a chama, a centelha e a fumaça. A entidade viva torna-se condicionada, mas a Suprema Personalidade de Deus é diferente porque não Se torna condicionada em momento algum. Os Vedas afirmam que ātmā tathā pṛthag draṣṭā bhagavān brahma-saṁjñitaḥ: ātmā é a alma individual, bem como a Suprema Personalidade de Deus, que é o observador de tudo. Embora ambos sejam espírito, sempre há uma diferença. No smṛti, também se diz que yathāgneḥ kṣudrā visphuliṅgā vyuccaranti: Assim como as centelhas se manifestam em uma grande fogueira, as pequenas almas individuais estão presentes na grande chama espiritual. Na Bhagavad-gītā (9.4), o Senhor Kṛṣṇa diz que mat-sthāni sarva-bhūtāni na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ: “Todos os seres estão em Mim, mas Eu não estou neles.” Embora todos os seres vivos repousem nEle, como pequenas centelhas ígneas repousam em uma grande chama, a situação de ambos é diferente. De modo parecido, o Viṣṇu Purāa diz:

eka-deśa-sthitasyāgner
jyotsnā vistāriṇī yathā
parasya brahmaṇaḥ śaktis
tathedam akhilaṁ jagat

“O fogo se encontra em um lugar, mas projeta calor e luz. Analogamente, a Suprema Personalidade de Deus distribui Suas energias de diferentes maneiras.” A entidade viva é apenas uma dessas energias (a energia marginal). A energia e o energético são unos em um sentido, mas estão situados de forma diferente como energia e energético. De modo semelhante, a forma sac-cid-ānanda confirmada na Brahma-saṁhitā (īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ) é diferente da forma da entidade viva em seus estados condicionado e liberado. Somente os ateístas consideram a entidade viva e a Suprema Personalidade de Deus iguais sob todos os aspectos. Portanto, Caitanya Mahāprabhu diz que māyāvādi-bhāṣya śunile haya sarva-nāśa: “Se alguém segue as instruções dos filósofos māyāvādīs e acredita que a Suprema Personalidade de Deus e a alma individual são iguais, sua compreensão da verdadeira filosofia se perde para sempre.”

Texto

evaṁ sa mānaso haṁso
haṁsena pratibodhitaḥ
sva-sthas tad-vyabhicāreṇa
naṣṭām āpa punaḥ smṛtim

Sinônimos

evam — assim; saḥ ela (a alma individual); mānasaḥ — vivendo juntos no coração; haṁsaḥ — como o cisne; haṁsena — pelo outro cisne; pratibodhitaḥ sendo instruído; sva-sthaḥ — situado em autorrealização; tat-vyabhicāreṇa — estando separado da Superalma; naṣṭām — a qual andava perdida; āpa — obtida; punaḥ — de novo; smṛtim — memória verdadeira.

Tradução

Dessa maneira, os dois cisnes vivem juntos no coração. Quando um cisne é instruído pelo outro, ele se situa em sua posição constitucional. Isso significa que ele recupera sua consciência de Kṛṣṇa original, a qual estava perdida devido à sua atração pela matéria.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, afirma-se com clareza que haṁso haṁsena pratibodhitaḥ: a alma individual e a Superalma são ambas comparadas a cisnes (haṁsa) porque são brancas, ou livres de contaminações. Um cisne, contudo, é superior e instrui o outro. Quando o cisne inferior está separado do outro cisne, ele sente atração pelo gozo material. Essa é a causa de sua queda. Ao ouvir as instruções do outro cisne, ele compreende sua verdadeira posição e revive sua consciência original. A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, desce (avatāra) para libertar Seus devotos e matar os demônios. Ele também traz Suas sublimes instruções sob a forma da Bhagavad-gītā. A alma individual tem que compreender sua posição pela graça do Senhor e do mestre espiritual, porque não se pode entender o texto da Bhagavad-gītā através de meras qualificações acadêmicas. É preciso aprender a Bhagavad-gītā com uma alma realizada.

tad viddhi praṇipātena
paripraśnena sevayā
upadekṣyanti te jñānaṁ
jñāninas tattva-darśinaḥ

“Tenta aprender a verdade aproximando-te de um mestre espiritual. Faze-lhe perguntas com submissão e presta-lhe serviço. As almas autorrealizadas podem te transmitir conhecimento porque elas são videntes da verdade.” (Bhagavad-gītā 4.34)

Assim, a pessoa deve escolher um mestre espiritual fidedigno e esclarecer-se a respeito de sua consciência original. Dessa maneira, a alma individual pode entender que é sempre subordinada à Superalma. Assim que ela se recusa a permanecer subordinada e tenta tornar-se um desfrutador, seu condicionamento material começa. Ao abandonar esse espírito de ser um proprietário ou desfrutador individual, ela se situa em seu estado liberado. A palavra sva-sthaḥ, significando “situado em sua posição original”, é muito significativa neste verso. Quem abandona sua indesejável atitude de superioridade situa-se em sua posição original. A palavra tad-vyabhicāreṇa também é significativa, pois indica que quem se separa de Deus devido à desobediência perde sua verdadeira razão. Mas depois, pela graça de Kṛṣṇa e do guru, ele pode situar-se devidamente em sua posição liberada. Esses versos são falados por Śrīla Nārada Muni, e sua intenção ao recitá-los é reviver nossa consciência. Embora a entidade viva e a Superalma sejam iguais em qualidade, a alma individual deve seguir a instrução da Superalma. Esse é o estado de liberação.

Texto

barhiṣmann etad adhyātmaṁ
pārokṣyeṇa pradarśitam
yat parokṣa-priyo devo
bhagavān viśva-bhāvanaḥ

Sinônimos

barhiṣman ó rei Prācīnabarhi; etat — esta; adhyātmam — narração de autorrealização; pārokṣyeṇa — indiretamente; pradarśitam — instruída; yat porque; parokṣa-priyaḥ — interessante pela descrição indireta; devaḥ — o Senhor Supremo; bhagavān — a Personalidade de Deus; viśva-bhāvanaḥ — a causa de todas as causas.

Tradução

Meu querido rei Prācīnabarhi, a Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas, é célebre por ser conhecida indiretamente. Assim, acabo de te contar a história de Purañjana. Na verdade, esta é uma instrução para a autorrealização.

Comentário

SIGNIFICADO—Os Purāṇas contêm muitas histórias semelhantes para se alcançar a autorrealização. Como se afirma nos Vedas, parokṣa-priyā iva hi devāḥ. Há muitas histórias nos Purāṇas que se destinam a fazer os homens comuns se interessarem por temas transcendentais, mas, na verdade, elas se referem a fatos reais. Não devem ser consideradas histórias sem um propósito transcendental. Algumas delas se referem a fatos históricos reais. Devemos nos interessar, contudo, pelo verdadeiro significado da história. A instrução indireta é rapidamente compreensível para um homem comum. De fato, o caminho de bhakti-yoga é o caminho de ouvir diretamente a respeito dos passatempos da Suprema Personalidade de Deus (śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ), mas aqueles que não estão interessados em ouvir diretamente sobre as atividades do Senhor, ou que não podem entendê-las, podem, com muito proveito, ouvir histórias e parábolas tais como a que acaba de ser narrada por Nārada Muni.

Apresentamos a seguir um glossário de algumas das palavras importantes encontradas neste capítulo.

Ādeśa-kārī. As ações resultantes de atividades pecaminosas.

Agastya. A mente.

Amātya. O governante dos sentidos, a mente.

Arbuda-arbuda. Várias espécies de śravaṇa e kīrtana do nome, da qualidade, da forma e de outros atributos do Senhor Supremo.

Ari. Empecilhos, tais como doenças.

Bhoga. Gozo. Neste contexto, esta palavra refere-se ao verdadeiro gozo na vida espiritual.

Bhṛtya. Os servos do corpo, a saber, os sentidos.

Draviḍa-rāja. Serviço devocional ou um candidato a atuar em serviço devocional.

Dvāra. Os portões do corpo, tais como os olhos e os ouvidos.

Gṛha. Lar. Para o cultivo espiritual, precisamos de um lugar sem perturbações ou da boa companhia de devotos.

Idhmavāha. O devoto que se aproxima do mestre espiritual. Idhma refere-se à madeira que é usada como combustível em uma fogueira. O brahmacārī deve pegar esse idhma para acender o fogo usado na realização de sacrifícios. Através da instrução espiritual, o brahmacārī é treinado a acender o fogo e oferecer oblações pela manhã. Ele deve dirigir-se ao mestre espiritual para receber lições sobre o tema transcendental, e, segundo o preceito védico, ao aproximar-se do mestre espiritual, ele deve trazer consigo combustível para realizar yajñas, ou sacrifícios. O preceito védico exato é o seguinte:

tad-vijñānārthaṁ sa gurum evābhigacchet
samit-pāṇiḥ śrotriyaṁ brahma-niṣṭham

“Para aprender o tema transcendental, é preciso aproximar-se do mestre espiritual. Fazendo isso, deve-se trazer combustível para ser usado no sacrifício. O sintoma de semelhante mestre espiritual é que ele é hábil em compreender a conclusão védica, e por isso se ocupa constantemente a serviço da Suprema Personalidade de Deus.” (Muṇḍaka Upaniṣad 1.2.12) Servindo a tal mestre espiritual fidedigno, a alma condicionada aos poucos se desapega do gozo material e, invariavelmente, avança em compreensão espiritual sob a orientação do mestre espiritual. Aqueles que são desencaminhados pela energia ilusória jamais se interessam em aproximar-se de um mestre espiritual para tornarem suas vidas exitosas.

Jāyā. Inteligência.

Jīrṇa-sarpa. O fatigado ar vital.

Kālakanyā. A invalidez da velhice.

Kāma. Uma febre alta.

Kulācala. O lugar onde não há perturbações.

Kuṭumbinī. Inteligência.

Madirekṣaṇā. Madirekṣaṇā refere-se a uma pessoa cujos olhos são tão atrativos que outra pessoa que os observe enlouquece por ela. Em outras palavras, madirekṣaṇā significa uma jovem belíssima. Segundo Jīva Gosvāmī, madirekṣaṇā quer dizer a deidade personificada de bhakti. Se alguém se sente atraído pelo culto de bhakti, ele se ocupa a serviço do Senhor e do mestre espiritual, e, deste modo, sua vida se torna exitosa. Vaidarbhī, a mulher, tornou-se seguidora de seu esposo. Assim como ela deixou seu lar confortável para se colocar a serviço de seu esposo, um discípulo sério, munido de compreensão espiritual, deve sacrificar tudo para o serviço ao mestre espiritual. Como afirma Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, yasya prasādād bhagavat-prasādaḥ: se alguém deseja verdadeiro sucesso na vida, ele deve seguir estritamente as instruções do mestre espiritual. Seguindo semelhantes instruções, com certeza ele progredirá com rapidez na vida espiritual. Essa afirmação de Viśvanātha Cakravartī está de acordo com o seguinte preceito da Śvetāśvatara Upaniṣad (6.23):

yasya deve parā bhaktir
yathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthāḥ
prakāśante mahātmanaḥ

“Somente àquelas grandes almas que têm fé absoluta no Senhor e no mestre espiritual é que todos os significados do conhecimento védico são naturalmente revelados.” Na Chāndogya Upaniṣad, declara-se que ācāryavān puruṣo veda: “Quem se aproxima de um mestre espiritual fidedigno pode entender tudo sobre a realização espiritual.”

Malayadhvaja. Um ótimo devoto que é como o sândalo.

Pañcāla. Os cinco objetos dos sentidos.

Paricchada. O agregado total dos sentidos.

Paura-jana. Os sete elementos que constituem o corpo.

Pautra. Paciência e gravidade.

Prajvāra. Uma espécie de febre chamada viṣṇu-jvāra.

Pratikriyā. Agentes neutralizantes, tais como mantras e remédios.

Pura-pālaka. O ar vital.

Putra. Consciência.

Sainika. A condição das três espécies de sofrimento.

Sapta-suta. Os sete filhos, a saber, ouvir, cantar, lembrar, oferecer orações, servir os pés de lótus do Senhor, adorar a Deidade e tornar-se servo do Senhor.

Sauhṛdya. Esforço.

Suta. O filho de Vaidarbhī, ou, em outras palavras, uma pessoa relativamente avançada em atividades fruitivas que entra em contato com um mestre espiritual devoto. Semelhante pessoa se interessa pelo tema do serviço devocional.

Vaidarbhī. A mulher que outrora foi um homem, mas nasceu mulher na vida subsequente devido ao demasiado apego a uma mulher. Darbha significa grama kuśa. Nas atividades fruitivas, ou cerimônias karma-kāṇḍīya, a grama kuśa é necessária. Assim, vaidarbhī refere-se a quem nasce em uma família de compreensão karma-kāṇḍīya. Contudo, se, mediante atividades karma-kāṇḍa, uma pessoa por acaso entra em contato com um devoto, como Vaidarbhī o fez ao se casar com Malayadhvaja, sua vida se torna exitosa. Então, ela adota o serviço devocional ao Senhor. A alma condicionada liberta-se pelo simples fato de seguir as instruções do mestre espiritual fidedigno.

Vidarbha-rājasiṁha. As melhores pessoas peritas em atividades fruitivas.

Vīrya. Uma pessoa misericordiosa.

Yavana. O servo de Yamarāja.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, vigésimo oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Purañjana Torna-se Mulher na Vida Seguinte”.