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Capítulo Um

Perguntas de Vidura

Texto

śrī-śuka uvāca
evam etat purā pṛṣṭo
maitreyo bhagavān kila
kṣattrā vanaṁ praviṣṭena
tyaktvā sva-gṛham ṛddhimat

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — assim; etat — esta; purā — anteriormente; pṛṣṭaḥ — ao ser feita; maitreyaḥ — ο grande sábio Maitreya; bhagavān — Sua Graça; kila — certamente; kṣattrā — por Vidura; vanam — floresta; praviṣṭena — entrando; tyaktvā — renunciando; sva-gṛham — própria casa; ṛddhimat — próspera.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Após renunciar seu próspero lar e adentrar a floresta, ο rei Vidura, ο grande devoto, fez esta pergunta a Sua Graça Maitreya Ṛṣi.

Texto

yad vā ayaṁ mantra-kṛd vo
bhagavān akhileśvaraḥ
pauravendra-gṛhaṁ hitvā
praviveśātmasāt kṛtam

Sinônimos

yat — a casa; vai — que mais há para se dizer; ayam — Śrī Kṛṣṇa; mantra-kṛt — ministro; vaḥ — vós; bhagavān — a Personalidade de Deus; akhila-īśvaraḥ — o Senhor de todas as coisas; pauravendra — Duryodhana; gṛham — casa; hitvā — abandonando; praviveśa — entrava; ātmasāt — identificar-se; kṛtam — assim aceita.

Tradução

O que mais há para se dizer sobre a residência dos Pāṇḍavas? Śrī Kṛṣṇa, ο Senhor de todas as coisas, atuou como vosso ministro. Ele. entrava naquela casa como se estivesse entrando em Sua própria casa, e não se importava nem um pouco com a residência de Duryodhana.

Comentário

Segundo a filosofia Gauḍīya de acintya-bhedābheda-tattva, qualquer coisa que satisfaça os sentidos do Senhor Supremo, Śrī Kṛṣṇa, também é Śrī Kṛṣṇa. Por exemplo, Śrī Vṛndāvana-dhāma não é diferente de Śrī Kṛṣṇa (tad-dhāma vṛndāvanam) porque, em Vṛndāvana, ο Senhor goza da bem-aventurança transcendental de Sua potência interna. Analogamente, a casa dos Pāṇḍavas também era uma fonte de bem-aventurança transcendental para ο Senhor. Aqui se menciona que ο Senhor identificava a casa com ο Seu próprio Eu. Assim, a casa dos Pāṇḍavas era como Vṛndāvana, e Vidura não abandonaria aquele local de bem-aventurança transcendental. Portanto, ο motivo pelo qual ele deixou a casa não foi exatamente um desentendimento familiar, senão que Vidura aproveitou a oportunidade para encontrar-se com o Ṛṣi Maitreya e conversar sobre ο conhecimento transcendental. Para uma pessoa santa como Vidura, qualquer perturbação causada por assuntos mundanos é insignificante. Entretanto, às vezes, essas perturbações são favoráveis para a realização mais elevada, daí Vidura ter-se aproveitado de um desentendimento familiar para poder encontrar-se com Maitreya Ṛṣi.

Texto

rājovāca
kutra kṣattur bhagavatā
maitreyeṇāsa saṅgamaḥ
kadā vā saha-saṁvāda
etad varṇaya naḥ prabho

Sinônimos

rājā uvāca — ο rei disse; kutra — em que; kṣattuḥ — com Vidura; bhagavatā — e com Sua Graça; maitreyeṇa — com Maitreya; āsa — houve; saṅgamaḥ — encontro; kadā — quando; — também; saha — com; saṁvādaḥ — conversa; etat — isso; varṇaya — descreve; naḥ — para mim; prabho — ó meu senhor.

Tradução

Ο rei perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Onde e quando aconteceram ο encontro e a conversa entre ο santo Vidura e Sua Graça Maitreya Muni? Por favor, meu senhor, descreve este assunto para nós.

Comentário

Exatamente como Śaunaka Ṛṣi fez perguntas a Sūta Gosvāmī e Sūta Gosvāmī as respondeu, da mesma forma Śrīla Śukadeva Gosvāmī respondeu às perguntas do rei Parīkṣit. Ο rei estava muito ansioso por entender a significativa conversa que aconteceu entre as duas grandes almas.

Texto

na hy alpārthodayas tasya
vidurasyāmalātmanaḥ
tasmin varīyasi praśnaḥ
sādhu-vādopabṛṁhitaḥ

Sinônimos

na — nunca; hi — certamente; alpa-artha — pouco sentido (sem importância); udayaḥ — levantadas; tasya — suas; vidurasya — de Vidura; amala-ātmanaḥ — do homem santo; tasmin — nisto; varīyasi — altamente significativas; praśnaḥ — pergunta; sādhu-vāda — coisas aprovadas por santos e sábios; upabṛṁhitaḥ — plenas de.

Tradução

Ο santo Vidura era um grande devoto puro do Senhor, e, devido a isso, as perguntas que ele fez a Sua Graça Ṛṣi Maitreya devem ter sido muito significativas, no mais alto nível, e aprovadas pelos círculos eruditos.

Comentário

As perguntas e respostas entre diferentes classes de homens têm valores diferentes. Não se pode esperar que as perguntas feitas por comerciantes em um intercâmbio comercial sejam altamente significativas em termos de valores espirituais. As perguntas e respostas feitas e dadas por diferentes classes de homens podem ser avaliadas pela qualidade das pessoas que fazem as perguntas e das que dão as respostas. Na Bhagavad-gītā, a conversa aconteceu entre ο Senhor Śrī Kṛṣṇa e Arjuna, a Pessoa Suprema e ο devoto supremo respectivamente. Ο Senhor admitiu que Arjuna era Seu devoto e amigo (Bhagavad-gītā 4.3), em virtude do que qualquer pessoa sensata poderá entender que eles conversaram sobre ο sistema de bhakti-yoga. Na realidade, toda a Bhagavad-gītā baseia-se no princípio de bhakti-yoga. Há uma diferença entre karma e karma-yoga. Karma é a ação regulada na qual ο executor visa gozar dos frutos do trabalho, mas karma-yoga é a ação executada pelo devoto para a satisfação do Senhor. O karma-yoga baseia-se em bhakti, ou na satisfação do Senhor, ao passo que karma baseia-se na satisfação dos sentidos do próprio executor. Segundo ο Śrīmad-Bhāgavatam, somos aconselhados a nos aproximarmos de um mestre espiritual fidedigno quando estamos realmente inclinados a fazer perguntas a partir de um nível elevado de compreensão espiritual. Um homem comum que não tem nenhum interesse nos valores espirituais não precisa se aproximar de um mestre espiritual apenas por uma questão de seguir a moda.

Como estudante, Mahārāja Parīkṣit levava a sério ο aprendizado da ciência de Deus, e Śukadeva Gosvāmī era um mestre espiritual fidedigno da ciência transcendental. Ambos sabiam que os tópicos falados por Vidura e Ṛṣi Maitreya eram elevados, e, por conseguinte, Mahārāja Parīkṣit estava muito interessado em aprender com o mestre espiritual fidedigno.

Texto

sūta uvāca
sa evam ṛṣi-varyo ’yaṁ
pṛṣṭo rājñā parīkṣitā
pratyāha taṁ subahu-vit
prītātmā śrūyatām iti

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Śrī Sūta Gosvāmī disse; saḥ — ele; evam — assim; ṛṣi-varyaḥ — ο grande Ṛṣi; ayam — Śukadeva Gosvāmī; pṛṣṭaḥ — sendo indagado; rājñā — pelo rei; parīkṣitā — Mahārāja Parīkṣit; prati — a; āha — respondeu; tam — ao rei; su-bahuvit – altamente experiente; prīta-ātmā — completamente satisfeito; śrūyatām — por favor, ouve-me; iti — assim.

Tradução

Śrī Sūta Gosvāmī disse: Ο grande sábio Śukadeva Gosvāmī era altamente experiente e estava satisfeito com ο rei. Assim que ο rei lhe fez estas perguntas, ele lhe disse: “Por favor, ouve os tópicos com atenção.”

Texto

śrī-śuka uvāca
yadā tu rājā sva-sutān asādhūn
puṣṇan na dharmeṇa vinaṣṭa-dṛṣṭiḥ
bhrātur yaviṣṭhasya sutān vibandhūn
praveśya lākṣā-bhavane dadāha

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; yadā — quando; tu — mas; rājā — o rei Dhṛtarāṣṭra; sva-sutān — seus próprios filhos; asādhūn — desonestos; puṣṇan — alentando; na — nunca; dharmeṇa — no caminho certo; vinaṣṭa-dṛṣṭiḥ — aquele que perdeu sua visão; bhrātuḥ — de seu irmão; yaviṣṭhasya — mais novo; sutān — filhos; vibandhūn — não tendo guardião (pai); praveśya — fez entrar; lākṣā — laca; bhavane — na casa; dadāha — incendiou.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ο rei Dhṛtarāṣṭra ficou cego sob a influência dos desejos ímpios de fomentar seus filhos desonestos, e, em razão disso, ateou fogo à casa de laca para queimar os Pāṇḍavas, seus sobrinhos órfãos.

Comentário

Dhṛtarāṣṭra era cego de nascença, mas sua cegueira ao cometer atividades ímpias para apoiar seus filhos desonestos foi uma cegueira maior do que sua carência física de visão. A carência física de visão não nos impede de avançar espiritualmente. Contudo, quando se é cego espiritualmente, mesmo não ο sendo fisicamente, essa cegueira é perigosa e prejudicial ao caminho progressivo da vida humana.

Texto

yadā sabhāyāṁ kuru-deva-devyāḥ
keśābhimarśaṁ suta-karma garhyam
na vārayām āsa nṛpaḥ snuṣāyāḥ
svāsrair harantyāḥ kuca-kuṅkumāni

Sinônimos

yadā — quando; sabhāyām — a assembleia; kuru-deva-devyāḥ — de Draupadī, a esposa do divino Yudhiṣṭhira; keśa-abhimarśam — insulto por ter puxado seu cabelo; suta-karma — ação feita por seu filho; garhyam — que era abominável; na — não; vārayām āsa — proibiu; nṛpaḥ — ο rei; snuṣāyāḥ — de sua nora; svāsraiḥ — por suas lágrimas; harantyāḥ — daquela que estava removendo; kuca-kuṅkumāni — pó vermelho sobre seu seio.

Tradução

Ο rei não proibiu a ação abominável de seu filho Duḥśāsana quando este puxou ο cabelo de Draupadī, a esposa do divino rei Yudhiṣṭhira, apesar de as lágrimas dela terem lavado ο pó vermelho de cima de seu seio.

Texto

dyūte tv adharmeṇa jitasya sādhoḥ
satyāvalambasya vanaṁ gatasya
na yācato ’dāt samayena dāyaṁ
tamo-juṣāṇo yad ajāta-śatroḥ

Sinônimos

dyūte — por meio do jogo; tu — mas; adharmeṇa — com truques desonestos; jitasya — do denotado; sādhoḥ — uma pessoa santa; satyaavalambasya – aquele que se refugiou na verdade; vanam — floresta; gatasya — do que anda; na — nunca; yācataḥ — quando foi pedido; adāt — entregue; samayena — no devido tempo; dāyam — quinhão de direito; tamaḥjuṣāṇaḥ – dominado pela ilusão; yat — tanto quanto; ajāta-śatroḥ — daquele que não tinha inimigos.

Tradução

Yudhiṣṭhira, que nascera sem nenhum inimigo, foi desonestamente derrotado no jogo. Porém, como fizera ο voto da veracidade, ele partiu para a floresta. Quando voltou no devido tempo e pediu a devolução do quinhão do reino que por direito era seu, isso lhe foi negado da parte de Dhṛtarāṣṭra, que estava dominado pela ilusão.

Comentário

Mahārāja Yudhiṣṭhira era ο herdeiro legítimo do reino de seu pai. No entanto, somente para favorecer os seus próprios filhos, encabeçados por Duryodhana, Dhṛtarāṣṭra, ο tio de Mahārāja Yudhiṣṭhira, adotou vários meios desonestos para burlar seus sobrinhos, tirando-lhes o quinhão do reino que por direito era deles. Finalmente, os Pāṇḍavas reivindicaram apenas cinco vilas, uma para cada um dos cinco irmãos, mas esse pedido também foi negado pelos usurpadores. Esse incidente acarretou a Guerra de Kurukṣetra. Portanto, a Batalha de Kurukṣetra foi induzida pelos Kurus, e não pelos Pāṇḍavas.

Como kṣatriyas, ο único meio de subsistência adequado para ο Pāṇḍavas era governar, e eles não podiam aceitar nenhuma outra ocupação. Um brāhmaṇa, um kṣatriya ou um vaiśya não aceitarão um emprego como meio de subsistência, sob nenhuma circunstância.

Texto

yadā ca pārtha-prahitaḥ sabhāyāṁ
jagad-gurur yāni jagāda kṛṣṇaḥ
na tāni puṁsām amṛtāyanāni
rājoru mene kṣata-puṇya-leśaḥ

Sinônimos

yadā — quando; ca — também; pārtha-prahitaḥ — sendo aconselhado por Arjuna; sabhāyām — na assembleia; jagat-guruḥ — do mestre do mundo; yāni — aqueles; jagāda — foi; kṛṣṇaḥ — ο Senhor Κṛṣṇa; na — nunca; tāni — tais palavras; puṁsām — de todos os homens sensatos; amṛta-ayanāni — como néctar; rājā — ο rei (Dhṛtarāṣṭra ou Duryodhana); uru — muito importantes; mene — considerou; kṣata — minguando; puṇya-leśaḥ — fragmento de atos piedosos.

Tradução

Ο Senhor Kṛṣṇa foi enviado por Arjuna à assembleia como ο mestre espiritual do mundo inteiro, e, embora alguns [como Bhīṣma] ouvissem Suas palavras como se estas fossem puro néctar, ο mesmo não aconteceu com os outros, que não tinham absolutamente nenhum vestígio de trabalhos piedosos passados. Ο rei [Dhṛtarāṣṭra ou Duryodhana] não levava muito a sério as palavras do Senhor Kṛṣṇa.

Comentário

Ο Senhor, que é ο mestre espiritual de todo ο universo, aceitou ο dever de mensageiro, e, delegado por Arjuna, foi à assembleia do rei Dhṛtarāṣṭra em missão de paz. Κṛṣṇa é ο Senhor de todos, mas, por ser ο amigo transcendental de Arjuna, Ele aceitou com prazer ο papel de mensageiro, exatamente como um amigo comum. Essa é a beleza do comportamento do Senhor com Seus devotos puros. Ele chegou à assembleia e falou sobre a paz, e a mensagem foi saboreada por Bhīma e outros grandes líderes por ter sido falada pelo próprio Senhor. Entretanto, devido ao esgotamento dos resultados piedosos de seus feitos passados, Duryodhana, ou seu pai, Dhṛtarāṣṭra, não levaram a mensagem muito a sério. É assim que agem as pessoas que não têm saldo de feitos piedosos. Através de atividades piedosas passadas, uma pessoa pode tornar-se ο rei de um país, mas, porque os resultados dos atos piedosos de Duryodhana, e companhia, estavam minguando, tornou-se evidente por suas ações que eles certamente perderiam ο reino para os Pāṇḍavas. A mensagem de Deus é sempre como néctar para os devotos, mas é justamente ο oposto para os não-devotos. Ο açúcar-cande é sempre doce para ο homem saudável, mas tem gosto muito amargo para pessoas que estejam sofrendo de icterícia.

Texto

yadopahūto bhavanaṁ praviṣṭo
mantrāya pṛṣṭaḥ kila pūrvajena
athāha tan mantra-dṛśāṁ varīyān
yan mantriṇo vaidurikaṁ vadanti

Sinônimos

yadā — quando; upahūtaḥ — foi chamado por; bhavanam — ο palácio; praviṣṭaḥ — entrou; mantrāya — para consulta; pṛṣṭaḥ — perguntado por; kila — evidentemente; pūrvajena — pelo irmão mais velho; atha — assim; āha — disse; tat — este; mantra — conselho; dṛśām — adequado; varīyān — excelente; yat — aquilo que; mantriṇaḥ — os ministros de estado, οu políticos peritos; vaidurikam — instruções de Vidura; vadanti — dizem.

Tradução

Quando Vidura foi convidado por seu irmão mais velho [Dhṛtarāṣṭra] para uma consulta, ele entrou na casa e deu instruções que eram exatas e objetivas. Os conselhos de Vidura são famosos, e suas instruções, aprovadas por ministros de estado peritos.

Comentário

As sugestões políticas de Vidura são conhecidas como sendo proficientes, assim como, nos tempos modernos, Paṇḍita Cāṇakya é considerado uma autoridade em bons conselhos, tanto em assuntos políticos quanto em assuntos morais.

Texto

ajāta-śatroḥ pratiyaccha dāyaṁ
titikṣato durviṣahaṁ tavāgaḥ
sahānujo yatra vṛkodarāhiḥ
śvasan ruṣā yat tvam alaṁ bibheṣi

Sinônimos

ajāta-śatroḥ — de Yudhiṣṭhira, que não tem inimigos; pratiyaccha — devolver; dāyam — quinhão legítimo; titikṣataḥ — daquele que é assim tolerante; durviṣaham — insuportável; tava — tua; āgaḥ — ofensa; saha — juntamente com; anujaḥ — irmãos mais novos; yatra — em que; vṛkodara — Bhīma; ahiḥ — serpente vingativa; śvasan — respirando pesadamente; ruṣā — com raiva; yat — a quem; tvam — tu; alam — realmente; bibheṣi — temes.

Tradução

[Vidura disse:] Agora deves devolver ο quinhão legítimo a Yudhiṣṭhira, que não tem inimigos e que tem sido tolerante durante incontáveis sofrimentos causados por tuas ofensas. Ele está esperando com seus irmãos mais novos, entre os quais está ο vingativo Bhīma, respirando pesadamente como uma cobra. Certamente tu tens medo dele.

Texto

pārthāṁs tu devo bhagavān mukundo
gṛhītavān sakṣiti-deva-devaḥ
āste sva-puryāṁ yadu-deva-devo
vinirjitāśeṣa-nṛdeva-devaḥ

Sinônimos

pārthān — os filhos de Pṛthā (Kuntī); tu — mas; devaḥ — ο Senhor; bhagavān — a Personalidade de Deus; mukundaḥ — Śrī Kṛṣṇa, que concede a liberação; gṛhītavān — aceitou; sa — com; kṣiti-devadevaḥ – os brāhmaṇas e os semideuses; āste — está presente; sva-puryām — juntamente com Sua família; yadu-deva-devaḥ — adorado pela ordem real da dinastia Yadu; vinirjita — que foram conquistados; aśeṣa — ilimitados; nṛdeva — reis; devaḥ — Senhor.

Tradução

Ο Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, aceitou os filhos de Pṛthā como Seus parentes, e todos os reis do mundo estão com ο Senhor Śrī Kṛṣṇa. Ele está presente em Sua casa com todos os membros de Sua família, os reis e os príncipes da dinastia Yadu, que conquistaram um número ilimitado de governantes, e Ele é ο Senhor deles.

Comentário

Vidura deu a Dhṛtarāṣṭra ótimos conselhos relativos à aliança política com os filhos de Pṛthā, os Pāṇḍavas. A primeira coisa que ele disse foi que ο Senhor Κṛṣṇa estava intimamente relacionado com eles como seu primo. Porque ο Senhor Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, Ele é adorado por todos os brāhmaṇas e semideuses, que são os controladores dos assuntos universais. Além disso, ο Senhor Kṛṣṇa e os membros de Sua família, a ordem real da dinastia Yadu, eram os vencedores de todos os reis do mundo.

Os kṣatriyas costumavam lutar com os reis de vários domínios e raptar suas belas filhas princesas após vencer seus parentes. Esse costume era louvável porque os kṣatriyas e as princesas casavam-se baseados unicamente no cavalheirismo do kṣatriya vencedor. Todos os jovens príncipes da dinastia Yadu casaram-se com as filhas de outros reis dessa maneira, pela força cavalheiresca, e, deste modo, foram os vencedores de todos os reis do mundo. Vidura queria fazer seu irmão mais velho entender que a luta com os Pāṇḍavas era muito perigosa porque eles eram apoiados pelo Senhor Kṛṣṇa, que, mesmo em Sua infância, vencera demônios como Κaṁsa e Jarāsandha, bem como semideuses como Brahmā e Indra. Portanto, todo ο poder universal estava nas mãos dos Pāṇḍavas.

Texto

sa eṣa doṣaḥ puruṣa-dviḍ āste
gṛhān praviṣṭo yam apatya-matyā
puṣṇāsi kṛṣṇād vimukho gata-śrīs
tyajāśv aśaivaṁ kula-kauśalāya

Sinônimos

saḥ — ele; eṣaḥ — este; doṣaḥ — ofensa personificada; puruṣa-dviṭ — invejoso do Senhor Kṛṣṇa; āste — existe; gṛhān — lar; praviṣṭaḥ — entrou; yam — a quem; apatyamatyā – pensando que é teu filho; puṣṇāsi — mantendo; kṛṣṇāt — de Kṛṣṇa; vimukhaḥ — em oposição; gata-śrīḥ — desprovido de todas as coisas auspiciosas; tyaja — abandona; āśu — o mais breve possível; aśaivam — inauspicioso; kula — família; kauśalāya — para ο bem de.

Tradução

Tu manténs a ofensa personificada, Duryodhana, como teu filho infalível, mas ele tem inveja do Senhor Κṛṣṇa. E por estares assim mantendo um não-devoto de Kṛṣṇa, estás desprovido de todas as qualidades auspiciosas. Livra-te dessa má sorte ο mais breve possível e faze ο bem para toda a família!

Comentário

Um bom filho é chamado apatya, aquele que não permite que seu pai caia. O filho pode proteger a alma do pai quando ο pai morre, oferecendo sacrifícios para satisfazer ο Senhor Supremo, Viṣṇu. Este costume ainda prevalece na Índia. Após a morte do pai, ο filho vai a Gayā e oferece sacrifícios aos pés de lótus de Viṣṇu e, deste modo, salva a alma do pai caso ο pai seja caído. Contudo, se ο filho já é um inimigo de Viṣṇu, como, então, com esta atitude hostil, poderá oferecer sacrifício aos pés de lótus de Viṣṇu? Ο Senhor Kṛṣṇa é, diretamente, a Personalidade de Deus, Viṣṇu, e Duryodhana era-Lhe hostil. Ele não seria, portanto, capaz de proteger seu pai, Dhṛtarāṣṭra, após a morte deste. Ele mesmo iria cair por causa de sua infidelidade para com Viṣṇu. Como, então, ele poderia proteger seu pai? Vidura aconselhou Dhṛtarāṣṭra a livrar-se desse filho tão indigno, Duryodhana, ο mais breve possível, caso ele estivesse realmente ansioso por zelar pelo bem de sua família.

Segundo as instruções morais de Cāṇakya Paṇḍita: “Para que serve um filho que não é nem um homem erudito nem devoto do Senhor?” Se ο filho não é devoto do Senhor Supremo, ele é apenas como olhos cegos – uma fonte de aborrecimentos. Pode ser que às vezes um médico aconselhe arrancar esses olhos inúteis de suas órbitas para que a pessoa se alivie dos incômodos constantes. Duryodhana era exatamente como olhos cegos e incômodos; ele seria uma fonte de muitas atribulações para a família de Dhṛtarāṣṭra, segundo previra Vidura. Vidura, portanto, aconselhou corretamente a seu irmão mais velho que se livrasse dessa fonte de aborrecimentos. Dhṛtarāṣṭra estava erradamente mantendo essa ofensa personificada sob a impressão equívoca de que Duryodhana era um bom filho, capaz de liberar seu pai.

Texto

ity ūcivāṁs tatra suyodhanena
pravṛddha-kopa-sphuritādhareṇa
asat-kṛtaḥ sat-spṛhaṇīya-śīlaḥ
kṣattā sakarṇānuja-saubalena

Sinônimos

iti — dessa maneira; ūcivān — enquanto falava; tatra — ali; suyodhanena — por Duryodhana; pravṛddha — cheio de; kopa — ira; sphurita — tremendo; adhareṇa — lábios; asat-kṛtaḥ — insultado; sat — respeitáveis; spṛhaṇīyaśīlaḥ – qualidades desejáveis; kṣattā — Vidura; sa — com; karṇa — Κarṇa; anuja — irmãos mais novos; saubalena — com Śakuni.

Tradução

Enquanto falava dessa maneira, Vidura, cujo caráter pessoal era apreciado por pessoas respeitáveis, foi insultado por Duryodhana, que estava cheio de ira e cujos lábios tremiam. Duryodhana estava na companhia de Karṇa, seus irmãos mais novos e Śakuni, seu tio materno.

Comentário

É dito que quando se dá um bom conselho a um tolo, ele fica irado, assim como dar leite a uma cobra apenas faz aumentar ο seu veneno. Ο santo Vidura era tão honrado que seu caráter era apreciado por todas as pessoas respeitáveis. Todavia, Duryodhana era tão tolo que ousou insultar Vidura. Isso foi devido a ele estar na má companhia de seu tio materno, Śakuni, como também de seu amigo Κarṇa, que sempre encorajavam Duryodhana em seus atos abomináveis.

Texto

ka enam atropajuhāva jihmaṁ
dāsyāḥ sutaṁ yad-balinaiva puṣṭaḥ
tasmin pratīpaḥ parakṛtya āste
nirvāsyatām āśu purāc chvasānaḥ

Sinônimos

kaḥ — quem; enam — este; atra — aqui; upajuhāva — mandou chamar; jihmam — desonesto; dāsyāḥ — de uma criada; sutam — filho; yat — cujo; balinā — por cuja subsistência; eva — certamente; puṣṭaḥ — crescido; tasmin — a ele: pratīpaḥ – inimizade; para-kṛtya — interesse do inimigo; āste — situado; nirvāsyatām — expulsa-ο; āśu — imediatamente; purāt — do palácio; śvasānaḥ — deixai-ο somente com a respiração.

Tradução

Quem mandou este filho de uma criada vir aqui? Ele é tão desonesto que defende ο interesse do inimigo contra aqueles que o criaram e ο sustentaram. Expulsai-o do palácio imediatamente e deixai-o apenas com a sua respiração.

Comentário

Quando se casavam, os reis kṣatriyas costumavam apossar-se de várias outras mocinhas juntamente com a princesa desposada. Essas moças servas do rei eram conhecidas como dāsīs, ou criadas. Pelo contato íntimo com o rei, as dāsīs acabavam tendo filhos. Esses filhos eram chamados dāsī-putras. Eles não tinham direito a uma posição real, mas eram sustentados e tinham outras facilidades como se fossem príncipes. Vidura era filho de uma dessas dāsīs, de modo que ele não era considerado um kṣatriya. Ο rei Dhṛtarāṣṭra era muito afetuoso com seu irmão mais novo dāsī-putra, Vidura, e Vidura era um grande amigo e conselheiro filosófico de Dhṛtarāṣṭra. Duryodhana sabia muito bem que Vidura era uma grande alma e um benquerente, mas, infelizmente, ele usou palavras ásperas para magoar seu tio inocente. Duryodhana não somente criticou o nascimento de Vidura, mas também o chamou de infiel porque ele parecia apoiar a causa de Yudhiṣṭhira, que Duryodhana considerava seu inimigo. Ele (Duryodhana) desejou que Vidura fosse imediatamente expulso do palácio e privado de todos os seus pertences. Se possível, ele gostaria de tê-lo visto chicoteado até que ele ficasse apenas respirando. Ele acusou Vidura de espião dos Pāṇḍavas porque Vidura aconselhou Dhṛtarāṣṭra a favor dos Pāṇḍavas. A situação da vida num palácio e as complexidades da diplomacia são tais que mesmo um indivíduo impecável como Vidura acabou sendo acusado de algo abominável e castigado. Vidura ficou espantado com aquele comportamento inesperado de seu sobrinho Duryodhana, e, antes que alguma coisa acontecesse de fato, decidiu deixar o palácio para sempre.

Texto

svayaṁ dhanur dvāri nidhāya māyāṁ
bhrātuḥ puro marmasu tāḍito ’pi
sa ittham atyulbaṇa-karṇa-bāṇair
gata-vyatho ’yād uru mānayānaḥ

Sinônimos

svayam — ele mesmo; dhanuḥ dvāri — arco na porta; nidhāya — mantendo; māyām — a natureza externa; bhrātuḥ — do irmão; puraḥ — do palácio; marmasu — no âmago do coração; tāḍitaḥ — sendo afligido; api — apesar de; saḥ — ele (Vidura); ittham — assim; atiulbaṇa – rigorosamente; karṇa — ouvido; bāṇaiḥ — pelas flechas; gatavyathaḥ – sem estar triste; ayāt — agitado; uru — grande; māna-yānaḥ — pensando assim.

Tradução

Tendo o ouvido trespassado por flechas e aflito no âmago de seu coração, Vidura largou seu arco na porta e deixou o palácio de seu irmão. Ele não estava triste, pois considerava que os atos da energia externa eram supremos.

Comentário

Um devoto puro do Senhor nunca é perturbado por uma posição incômoda criada pela energia externa do Senhor. Na Bhagavad-gītā (3.27), declara-se:

prakṛteḥ kriyamāṇāni
guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ
ahaṅkāra-vimūḍhātmā
kartāham iti manyate

Uma alma condicionada está absorta na existência material sob a influência de diferentes modos da energia externa. Absorta no falso ego, ela pensa que é ela mesma que está fazendo tudo. A energia externa do Senhor, a natureza material, está completamente sob o controle do Senhor Supremo, e a alma condicionada está completamente nas garras da energia externa. Portanto, a alma condicionada está completamente sob o controle da lei do Senhor. Porém, devido à ilusão apenas, ela se considera independente em suas atividades. Duryodhana estava agindo sob esta influência da natureza externa, pela qual seria subjugado por fim. Ele não pôde aceitar o bom conselho de Vidura, senão que, ao contrário, insultou essa grande alma, que era o benquerente de toda a sua família. Vidura pôde entender isso porque ele era um devoto puro do Senhor. Apesar de ter sido tão gravemente insultado pelas palavras de Duryodhana, Vidura pôde ver que Duryodhana, sob a influência de māyā, a energia externa, estava avançando no caminho que o conduziria à sua própria ruína. Portanto, ele considerou os atos da energia externa como sendo supremos. Contudo, ele também viu como a energia interna do Senhor o ajudou naquela situação em particular. O devoto tem sempre uma atitude renunciada porque as atrações mundanas não podem satisfazê-lo de modo algum. Vidura nunca se sentiu atraído pelo palácio real de seu irmão. Ele esteve sempre pronto a deixar o local e dedicar-se completamente ao transcendental serviço amoroso ao Senhor. Agora ele obtivera esta oportunidade pela graça de Duryodhana, e, em vez de ficar triste com as ásperas palavras de insulto, internamente ele agradeceu a Duryodhana, visto que tal incidente lhe deu a oportunidade de viver sozinho em um local santo e de ocupar-se completamente no serviço devocional ao Senhor. A palavra gata-vyathaḥ (sem estar triste) é significativa aqui porque Vidura aliviou-se das tribulações que incomodam todo homem envolvido em atividades materiais. Portanto, ele achou que não havia necessidade de defender seu irmão com seu arco porque seu irmão estava destinado à ruína. Assim, ele deixou o palácio antes que Duryodhana pudesse agir. Māyā, a energia suprema do Senhor, agiu neste incidente tanto interna quanto externamente.

Texto

sa nirgataḥ kaurava-puṇya-labdho
gajāhvayāt tīrtha-padaḥ padāni
anvākramat puṇya-cikīrṣayorvyām
adhiṣṭhito yāni sahasra-mūrtiḥ

Sinônimos

saḥ — ele (Vidura); nirgataḥ — depois de ter deixado; kaurava — a dinastia Kuru; puṇya — piedade; labdhaḥ — assim obtidas; gaja-āhvayāt — de Hastināpura; tīrtha-padaḥ — do Senhor Supremo; padāni — peregrinações; anvākramat — refugiou-se; puṇya — piedade; cikīrṣayā — assim desejando; urvyām — de alto grau; adhiṣṭhitaḥ — situadas; yāni — todas estas; sahasra — milhares; mūrtiḥ — formas.

Tradução

Por sua piedade, Vidura obteve as vantagens dos piedosos Kauravas. Após deixar Hastināpura, refugiou-se em muitos locais de peregrinação, que são os pés de lótus do Senhor. Desejando alcançar uma vida piedosa de alto grau, viajou a locais santos onde se encontram milhares de formas transcendentais do Senhor.

Comentário

Vidura era indubitavelmente uma alma altamente elevada e piedosa, ou não teria nascido na família Kaurava. Ter parentesco elevado, possuir riqueza, ser altamente erudito e ter grande beleza pessoal – tudo isto se deve a atos piedosos passados. Essas posses piedosas, porém, não são suficientes para se obter a graça do Senhor e se ocupar em Seu transcendental serviço amoroso. Vidura considerava-se menos piedoso e, por isso, decidiu viajar a todos os importantes locais de peregrinação no mundo a fim de alcançar um grau maior de piedade e se aproximar mais do Senhor. Naquela época, o Senhor Kṛṣṇa estava pessoalmente presente no mundo, de modo que Vidura poderia ter-se aproximado de Kṛṣṇa diretamente, mas ele não o fez porque não estava suficientemente livre de pecados. Não podemos nos dedicar cem por cento ao Senhor a menos e até que nos livremos completamente de todos os efeitos de pecados. Vidura estava consciente de que, devido ao contato com os diplomáticos Dhṛtarāṣṭra e Duryodhana, ele perdera sua piedade e não estava apto, portanto, para se associar imediatamente com o Senhor. Na Bhagavad-gītā (7.28), isso é confirmado no seguinte verso:

yeṣāṁ tv anta-gataṁ pāpaṁ
janānāṁ puṇya-karmaṇām
te dvandva-moha-nirmuktā
bhajante māṁ dṛḍha-vratāḥ

As pessoas que são asuras pecaminosos, como Kaṁsa e Jarāsandha, não podem pensar no Senhor Kṛṣṇa como sendo a Suprema Personalidade de Deus, a Verdade Absoluta. Somente aqueles que são devotos puros, aqueles que seguem os princípios reguladores da vida religiosa prescritos nas escrituras, é que são capazes de se ocupar em karma-yoga e, depois, em jñāna-yoga e, depois disso, através da meditação pura, podem entender a consciência pura. Quando a consciência de Deus se desenvolve, pode-se tirar proveito da companhia dos devotos puros. Syān mahat-sevayā viprāḥ puṇya-tīrtha-niṣevaṇāt: uma pessoa é capaz de se associar com o Senhor mesmo durante sua existência nesta vida atual.

Os locais de peregrinação destinam-se a erradicar os pecados dos peregrinos, e estão distribuídos por todo o universo só para dar oportunidade a todos os interessados em atingirem a existência pura e a realização de Deus. Entretanto, não devemos ficar satisfeitos apenas por visitar os locais de peregrinação e cumprir nossos deveres prescritos; devemos estar ansiosos por encontrar as grandes almas que já se encontram nesses locais, ocupadas no serviço ao Senhor. Em cada local de peregrinação, o Senhor está presente em Suas várias formas transcendentais.

Essas formas são chamadas arcā-mūrtis, ou formas do Senhor que podem ser facilmente apreciadas pelo homem comum. O Senhor é transcendental a nossos sentidos mundanos. Não podemos vê-lO com nossos olhos atuais, nem podemos ouvi-lO com nossos ouvidos atuais. À medida que ingressamos no serviço ao Senhor ou à proporção que nossas vidas vão se livrando dos pecados, podemos perceber o Senhor. Mas, mesmo que não estejamos livres dos pecados, o Senhor é bondoso o suficiente para nos dar a oportunidade de vê-lO em Suas arcā-mūrtis no templo. O Senhor é todo-poderoso, daí Ele poder aceitar nosso serviço através da apresentação de Sua forma arcā. Portanto, ninguém deve pensar tolamente que a arcā no templo é um ídolo. Essa arcā-mūrti não é um ídolo, mas, isto sim, o próprio Senhor, e, à medida que nos livramos dos pecados, somos capazes de conhecer a importância da arcā-mūrti. Por isso, a orientação de um devoto puro é sempre necessária.

Na terra de Bhāratavarṣa, há muitas centenas e milhares de locais de peregrinação distribuídos por todo o país, e, pela prática tradicional, o homem comum visita esses locais santos durante todas as estações do ano. Algumas das representações arcā do Senhor situadas em diferentes locais de peregrinação são mencionadas aqui. O Senhor está presente em Mathurā (a terra natal do Senhor Kṛṣṇa) como Ādi-keśava; o Senhor está presente em Purī (Orissa) como o Senhor Jagannātha (também conhecido como Puruṣottama); Ele está presente em Allahabad (Prayāga) como Bindu-mādhava; na colina Mandara, Ele está presente como Madhusūdana. No Ānandāraṇya, Ele é conhecido como Vāsudeva, Padmanābha e Janārdana; em Viṣṇukāñcī, Ele é conhecido como Viṣṇu; e em Māyāpur, Ele é conhecido como Hari. Há milhões e bilhões de tais formas arcā do Senhor distribuídas por todo o universo. Todas essas arcā-mūrtis são resumidas no Caitanya-caritāmṛta com as seguintes palavras:

sarvatra prakāśa tāṅra — bhakte sukha dite
jagatera adharma nāśi’ dharma sthāpite

“O Senhor Se distribui assim por todo o universo apenas para dar prazer aos devotos, para dar ao homem comum a oportunidade de erradicar seus pecados e para estabelecer os princípios religiosos no mundo.”

Texto

pureṣu puṇyopavanādri-kuñjeṣv
apaṅka-toyeṣu sarit-saraḥsu
ananta-liṅgaiḥ samalaṅkṛteṣu
cacāra tīrthāyataneṣv ananyaḥ

Sinônimos

pureṣu — locais santos, como Ayodhyā, Dvārakā e Mathurā; puṇya — piedade; upavana — o ar; adri — colina; kuñjeṣu — nos pomares; apaṅka — sem pecado; toyeṣu — na água; sarit — rio; saraḥsu — lagos; ananta-liṅgaiḥ — as formas do Ilimitado; samalaṅkṛteṣu — estando assim decorados; cacāra — realizou; tīrtha — locais de peregrinação; āyataneṣu terras santas; ananyaḥ — sozinho ou só vendo Kṛṣṇa.

Tradução

Ele começou a viajar sozinho, pensando somente em Kṛṣṇa, por vários locais santos, tais como Ayodhyā, Dvārakā e Mathurā. Viajou por onde o bosque, a colina, o pomar, o rio e o lago são todos puros e impecáveis e onde as formas do Ilimitado decoram os templos. Assim ele fez a peregrinação.

Comentário

Pode ser que estas formas arcā do Senhor sejam consideradas ídolos pelos ateístas, mas isso não importa para pessoas como Vidura ou os muitos outros servos do Senhor. Aqui se menciona que as formas do Senhor são ananta-liṅga. Essas formas do Senhor têm potência ilimitada, a mesma potência que o próprio Senhor. Não há diferença entre as potências da arcā e as potências das formas pessoais do Senhor. O exemplo da caixa do correio e a agência do correio pode ser aplicado aqui. As pequenas caixas do correio distribuídas por toda a cidade têm a mesma potência que o sistema postal em geral. O dever da agência do correio é levar cartas de um lugar para outro. Se uma pessoa colocar cartas nas caixas do correio autorizadas pela central do correio, não resta dúvida de que a função de levar as cartas será executada. Analogamente, a arcā-mūrti pode transmitir a mesma potência ilimitada que o Senhor transmite quando está presente em pessoa. Por isso, Vidura não podia ver nada senão Kṛṣṇa nas diferentes formas arcā, e foi capaz, por fim, de perceber somente Kṛṣṇa e nada mais.

Texto

gāṁ paryaṭan medhya-vivikta-vṛttiḥ
sadāpluto ’dhaḥ śayano ’vadhūtaḥ
alakṣitaḥ svair avadhūta-veṣo
vratāni cere hari-toṣaṇāni

Sinônimos

gām — Terra; paryaṭan — atravessando; medhya — pura; vivikta-vṛttiḥ — vivendo com uma ocupação independente; sadā — sempre; āplutaḥ — santificado; adhaḥ — na terra; śayanaḥ — deitando; avadhūtaḥ — descuidado (do cabelo etc.); alakṣitaḥ — sem ser visto; svaiḥ — sozinho; avadhūta-veṣaḥ — vestido como um mendicante; vratāni — votos; cere — cumpridos; hari-toṣaṇāni — que satisfaziam o Senhor.

Tradução

Enquanto atravessava assim a Terra, ele simplesmente cumpria deveres para satisfazer o Supremo Senhor Hari. Sua ocupação era pura e independente. Ele estava constantemente santificado por tomar seu banho em locais santos, embora estivesse vestido como um mendicante, não cortasse o cabelo nem tivesse uma cama na qual pudesse se deitar. Deste modo, sempre passava despercebido por seus vários parentes.

Comentário

O dever de um peregrino é, antes de mais nada, satisfazer o Supremo Senhor Hari. Enquanto uma pessoa viaja como um peregrino, ela não deve se preocupar com satisfazer a sociedade. Ela deve permanecer sempre absorta na função de satisfazer o Senhor. Santificada assim em pensamento e ação, ela é capaz de compreender o Senhor Supremo através do processo da viagem de peregrinação.

Texto

itthaṁ vrajan bhāratam eva varṣaṁ
kālena yāvad gatavān prabhāsam
tāvac chaśāsa kṣitim eka cakrām
ekātapatrām ajitena pārthaḥ

Sinônimos

ittham — assim; vrajan — enquanto viajava; bhāratam — Índia; eva — apenas; varṣam — extensão de terra; kālena — com o transcorrer do tempo; yāvat — quando; gatavān — visitou; prabhāsam — o local de peregrinação chamado Prabhāsa; tāvat — naquela época; śaśāsa — governado; kṣitim — o mundo; ekacakrām – por uma única força militar; eka — única; ātapatrām — bandeira; ajitena — pela misericórdia do inconquistável Kṛṣṇa; pārthaḥ — Mahārāja Yudhiṣṭhira.

Tradução

Assim, enquanto viajava a todos os locais de peregrinação na terra de Bhāratavarṣa, ele visitou Prabhāsa-kṣetra. Mahārāja Yudhiṣṭhira era o imperador naquela época e mantinha o mundo sob uma única força militar e sob uma única bandeira.

Comentário

Há mais de cinco mil anos, enquanto o santo Vidura estava viajando pela Terra como um peregrino, a Índia era conhecida como Bhāratavarṣa, como é conhecida ainda hoje em dia. A história do mundo não pode dar nenhum relatório sistemático de fatos ocorridos há mais de três mil anos. O mundo inteiro estivera anteriormente sob a bandeira e força militar de Mahārāja Yudhiṣṭhira, que era o imperador do mundo. Atualmente, há centenas e milhares de bandeiras tremulando nas Nações Unidas, mas, durante a época de Vidura, havia, pela graça de Ajita, o Senhor Kṛṣṇa, apenas uma bandeira. As nações do mundo estão muito ansiosas por novamente ter um único estado sob uma única bandeira, mas, para isso, elas devem buscar a graça do Senhor Kṛṣṇa, que é a única pessoa que pode nos ajudar a nos tornarmos uma única nação mundial.

Texto

tatrātha śuśrāva suhṛd-vinaṣṭiṁ
vanaṁ yathā veṇuja-vahni-saṁśrayam
saṁspardhayā dagdham athānuśocan
sarasvatīṁ pratyag iyāya tūṣṇīm

Sinônimos

tatra — ali; atha — depois disso; śuśrāva — ouviu; suhṛt — parentes; vinaṣṭim — todos mortos; vanam — floresta; yathā — assim como; veṇuja-vahni — incêndio causado pelos bambus; saṁśrayam — fricção de um com outro; saṁspardhayā — pela paixão violenta; dagdham — queimada; atha — assim; anuśocan — pensando; sarasvatīm — o rio Sarasvatī; pratyak — rumo ao oeste; iyāya — foi; tūṣṇīm — silenciosamente.

Tradução

Em Prabhāsa, no local de peregrinação, ele ficou sabendo que todos os seus parentes tinham morrido devido a uma paixão violenta, assim como toda uma floresta é queimada devido ao incêndio produzido por uma fricção de bambus. Depois disso, ele procedeu rumo ao oeste, onde flui o rio Sarasvatī.

Comentário

Tanto os Kauravas quanto os Yādavas eram parentes de Vidura, e Vidura ouviu falar de sua extinção devido a uma guerra fratricida. A comparação da fricção dos bambus da floresta à fricção das sociedades humanas apaixonadas é apropriada. O mundo inteiro é comparado a uma floresta. A qualquer momento pode deflagrar um incêndio na floresta causado por uma fricção. Ninguém vai à floresta para atear-lhe fogo, mas, devido a uma simples fricção entre bambus, acontece o incêndio, que queima toda a floresta. Analogamente, na floresta maior da transação mundana, o fogo da guerra acontece por causa da paixão violenta das almas condicionadas iludidas pela energia externa. Esse fogo mundano só pode ser apagado pela água da nuvem-misericórdia dos santos, assim como o fogo de uma floresta só pode ser apagado pelas chuvas que caem de uma nuvem.

Texto

tasyāṁ tritasyośanaso manoś ca
pṛthor athāgner asitasya vāyoḥ
tīrthaṁ sudāsasya gavāṁ guhasya
yac chrāddhadevasya sa āsiṣeve

Sinônimos

tasyām — às margens do rio Sarasvatī; tritasya — o local de peregrinação chamado Trita; uśanasaḥ — o local de peregrinação chamado Uśanā; manoḥ ca — como também do local de peregrinação chamado Manu; pṛthoh — o de Pṛthu; atha — depois disso; agneḥ — o de Agni; asitasya — o de Asita; vāyoḥ — o de Vāyu; tīrtham — locais de peregrinações; sudāsasya — chamado Sudāsa; gavām — o de Go; guhasya — o de Guha; yat — em seguida; śrāddhadevasya — chamado Śrāddhadeva; saḥ — Vidura; āsiṣeve — visitou e executou os rituais devidamente.

Tradução

Às margens do rio Sarasvatī, havia onze locais de peregrinação, a saber, (1) Trita, (2) Uśanā, (3) Manu, (4) Pṛthu, (5) Agni, (6) Asita, (7) Vāyu, (8) Sudāsa, (9) Go, (10) Guha e (11) Śrāddhadeva. Vidura visitou todos eles e executou os devidos rituais.

Texto

anyāni ceha dvija-deva-devaiḥ
kṛtāni nānāyatanāni viṣṇoḥ
pratyaṅga-mukhyāṅkita-mandirāṇi
yad-darśanāt kṛṣṇam anusmaranti

Sinônimos

anyāni — outros; ca — também; iha — aqui; dvija-deva — pelos grandes sábios; devaiḥ — e os semideuses; kṛtāni — estabelecidos por; nānā — vários; āyatanāni — várias formas; viṣṇoḥ — da Suprema Personalidade de Deus; prati — cada; aṅga — parte; mukhya — os principais; aṅkita — marcados; mandirāṇi — templos; yat — que; darśanāt — vendo-os à distância; kṛṣṇam — a original Personalidade de Deus; anusmaranti — faz lembrar constantemente.

Tradução

Havia, também, muitos outros templos de várias formas de Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, estabelecidos por grandes sábios e semideuses. Esses templos eram marcados com os principais emblemas do Senhor e sempre faziam as pessoas se lembrarem do Senhor Kṛṣṇa, a original Personalidade de Deus.

Comentário

A sociedade humana é dividida em quatro ordens sociais de vida e em quatro divisões espirituais, que se aplicam a cada pessoa individual. Este sistema é chamado varṇāśrama-dharma e tem sido discutido em muitos lugares desta grande literatura. Os sábios, ou as pessoas que se dedicam completamente à elevação espiritual de toda a sociedade humana, eram conhecidos como dvija-devas, os melhores entre os duas vezes nascidos. Os habitantes dos planetas superiores, do planeta Lua para cima, eram conhecidos como devas. Tanto os dvija-devas quanto os devas sempre estabelecem templos do Senhor Viṣṇu em Suas várias formas, tais como Govinda, Madhusūdana, Nṛsiṁha, Mādhava, Keśava, Nārāyaṇa, Padmanābha, Pārtha-sārathi e muitas outras. O Senhor Se expande em formas inumeráveis, mas nenhuma delas é diferente das outras. O Senhor Viṣṇu tem quatro mãos, e cada mão segura um artigo específico – um búzio, uma roda, uma maça ou uma flor de lótus. Desses quatro emblemas, o cakra, ou roda, é o principal. Sendo a forma original de Viṣṇu, o Senhor Kṛṣṇa tem apenas um emblema, a saber, a roda, daí Ele às vezes ser chamado de “o Cakrī”. O cakra do Senhor é o símbolo do poder com o qual o Senhor controla toda a manifestação. Os topos dos templos de Viṣṇu são marcados com o símbolo da roda para que as pessoas tenham a oportunidade de ver o símbolo a uma longa distância e se lembrarem imediatamente do Senhor Kṛṣṇa. O propósito de se construírem templos muito altos é dar às pessoas a oportunidade de vê-los à distância. Esse costume é observado na Índia sempre que se constrói um novo templo, e parece que esse costume data de uma época anterior à história registrada. A propaganda tola feita pelos ateístas de que os templos só vieram a ser construídos nos últimos tempos é refutada aqui, pois Vidura visitou esses templos há pelo menos cinco mil anos, e os templos de Viṣṇu já existiam muitíssimo tempo antes de Vidura visitá-los. Os grandes sábios e semideuses nunca estabeleceram estátuas de homens ou semideuses, senão que estabeleceram templos de Viṣṇu para o benefício dos homens comuns, de modo a elevá-los à plataforma da consciência de Deus.

Texto

tatas tv ativrajya surāṣṭram ṛddhaṁ
sauvīra-matsyān kurujāṅgalāṁś ca
kālena tāvad yamunām upetya
tatroddhavaṁ bhāgavataṁ dadarśa

Sinônimos

tataḥ — dali; tu — mas; ativrajya — passando por; surāṣṭram — o reino de Surat; ṛddham — muito prósperas; sauvīra — o reino de Sauvīra; matsyān — o reino de Matsya; kurujāṅgalān — o reino que vai desde a Índia Ocidental até a província de Delhi; ca — também; kālena — no devido tempo; tāvat — logo que; yamunām — margem do rio Yamunā; upetya — chegando a; tatra — ali; uddhavam — Uddhava, um dos Yadus preeminentes; bhāgavatam — o grande devoto do Senhor Kṛṣṇa; dadarśa — viu.

Tradução

Depois disso, ele passou por províncias muito prósperas, tais como Surat, Sauvira e Matsya, e pela Índia Ocidental, conhecida como Kurujāṅgala. Por fim, ele chegou às margens do Yamunā, onde se encontrou com Uddhava, o grande devoto do Senhor Kṛṣṇa.

Comentário

A extensão de terra que compreende cerca de cento e vinte quilômetros quadrados e que vai da moderna Delhi até o distrito de Mathurā em Uttar Pradesh, incluindo uma parte do distrito Gurgaon, em Punjab (Índia Oriental), é considerada o mais elevado local de peregrinação em toda a Índia. Essa terra é sagrada porque o Senhor Kṛṣṇa viajou por ela muitas vezes. Desde o começo de Seu aparecimento, Ele esteve em Mathurā na casa de Kaṁsa, Seu tio materno, e foi criado por Seu pai adotivo, Mahārāja Nanda, em Vṛndāvana. Ainda existem muitos devotos do Senhor que caminham por ali em êxtase, em busca de Kṛṣṇa e Suas companheiras de infância, as gopīs. Não é que esses devotos se encontrem face a face com Kṛṣṇa nessa extensão de terra, mas a ávida procura por Kṛṣṇa de um devoto é tão boa quanto o fato de vê-lO pessoalmente. Como isso acontece não pode ser explicado, mas é algo que é realmente compreendido por aqueles que são devotos puros do Senhor. Filosoficamente, pode-se entender que o Senhor Kṛṣṇa e o lembrar-se dEle estão no plano absoluto e que a própria ideia de procurá-lO em Vṛndāvana em consciência de Deus pura dá mais prazer ao devoto do que vê-lO face a face. Esses devotos do Senhor veem-nO face a face a cada instante, como se confirma na Brahma-saṁhitā (5.38):

premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena
santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti
yaṁ śyāmasundaram acintya-guṇa-svarūpaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Aqueles que estão em êxtase de amor com a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Śyāmasundara [Kṛṣṇa], veem-nO sempre em seus corações devido ao amor e ao serviço devocional prestado ao Senhor.” Tanto Vidura quanto Uddhava eram devotos elevados e, em razão disso, ambos foram até as margens do Yamunā e se encontraram.

Texto

sa vāsudevānucaraṁ praśāntaṁ
bṛhaspateḥ prāk tanayaṁ pratītam
āliṅgya gāḍhaṁ praṇayena bhadraṁ
svānām apṛcchad bhagavat-prajānām

Sinônimos

saḥ — ele, Vidura; vāsudeva — Senhor Kṛṣṇa; anucaram — companheiro constante; praśāntam — muito sóbrio e amável; bṛhaspateḥ — de Bṛhaspati, o erudito mestre espiritual dos semideuses; prāk — anteriormente; tanayam — filho ou discípulo; pratītam — reconhecido; āliṅgya — abraçando; gāḍham — com muito sentimento; praṇayena — com amor; bhadram — auspicioso; svānām — sua própria; apṛcchat — perguntou; bhagavat — da Personalidade de Deus; prajānām — família.

Tradução

Então, devido a seu grande amor e sentimento, Vidura abraçou Uddhava, que era um companheiro constante do Senhor Kṛṣṇa e anteriormente fora um grande discípulo de Bṛhaspati. Vidura, então, perguntou-lhe quais eram as novidades da família do Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus.

Comentário

Vidura era mais velho que Uddhava, como um pai, de modo que, quando os dois se encontraram, Uddhava prostrou-se perante Vidura, e Vidura abraçou-o, dado que Uddhava era mais novo, como um filho. Pāṇḍu, o irmão de Vidura, era tio do Senhor Kṛṣṇa, e Uddhava era primo do Senhor Kṛṣṇa. De acordo com o costume social, portanto, Vidura devia ser respeitado por Uddhava como se fosse seu pai. Uddhava era um grande erudito em lógica, e era conhecido como filho ou discípulo de Bṛhaspati, o sacerdote altamente erudito e mestre espiritual dos semideuses. Vidura perguntou a Uddhava como estavam seus parentes, embora ele já soubesse que eles não estavam mais no mundo. Essa pergunta parece ser muito estranha, mas Śrīla Jīva Gosvāmī declara que a notícia foi chocante para Vidura, que por isso fez essa pergunta novamente devido à grande curiosidade. Assim, sua pergunta era psicológica, e não prática.

Texto

kaccit purāṇau puruṣau svanābhya-
pādmānuvṛttyeha kilāvatīrṇau
āsāta urvyāḥ kuśalaṁ vidhāya
kṛta-kṣaṇau kuśalaṁ śūra-gehe

Sinônimos

kaccit — se; purāṇau — as originais; puruṣau — Personalidades de Deus (Kṛṣṇa e Balarāma); svanābhya — Brahmā; pādma-anuvṛttyā — a pedido daquele que nasceu do lótus; iha — aqui; kila — certamente; avatīrṇau — encarnaram; āsāte — estão; urvyāḥ — no mundo; kuśalam — bem-estar; vidhāya — para fazerem isto; kṛta-kṣaṇau — os que elevam a prosperidade de todos; kuśalam — todos bem; śūra-gehe — na casa de Śūrasena.

Tradução

[Por favor, dize-me] se as originais Personalidades de Deus, que Se encarnaram a pedido de Brahmā [que nasceu da flor de lótus proveniente do Senhor] e que aumentaram a prosperidade do mundo elevando a todos, estão bem na casa de Śūrasena.

Comentário

O Senhor Kṛṣṇa e Balarāma não são duas Personalidades de Deus diferentes. Deus e único e inigualável, mas Ele Se expande em muitas formas sem que elas sejam separadas umas das outras. Todas elas são expansões plenárias. A expansão imediata do Senhor Kṛṣṇa é Baladeva e Brahmā, nascido da flor de lótus proveniente de Garbhodakaśāyī Viṣṇu, é uma expansão de Baladeva. Isso indica que Kṛṣṇa e Baladeva não estão sujeitos aos regulamentos do universo; pelo contrário, todo o universo está sob Seu jugo. Eles apareceram a pedido de Brahmā para libertar o mundo de um fardo, e aliviaram o mundo através das muitas atividades sobre-humanas para que todos se tornassem felizes e prósperos. Sem a graça do Senhor, ninguém pode se tornar feliz e próspero. E porque a felicidade da família dos devotos do Senhor depende da felicidade do Senhor, Vidura perguntou primeiro sobre o bem-estar do Senhor.

Texto

kaccit kurūṇāṁ paramaḥ suhṛn no
bhāmaḥ sa āste sukham aṅga śauriḥ
yo vai svasṝṇāṁ pitṛvad dadāti
varān vadānyo vara-tarpaṇena

Sinônimos

kaccit — se; kurūṇām — dos Kurus; paramaḥ — o maior; suhṛt — benquerente; naḥ — nosso; bhāmaḥ — cunhado; saḥ — ele; āste — está; sukham — feliz; aṅga — ó Uddhava; śauriḥ — Vasudeva; yaḥ — aquele que; vai — certamente; svasṇām — das irmãs; pitṛ-vat — como um pai; dadāti — dá; varān — tudo o que é desejável; vadānyaḥ — magnânimo; vara — esposa; tarpaṇena — satisfazendo.

Tradução

[Por favor, dize-me] se o melhor amigo dos Kurus, nosso cunhado Vasudeva, está bem. Ele é muito magnânimo. Ele é como um pai para suas irmãs, e é sempre gentil com suas esposas.

Comentário

O pai do Senhor Kṛṣṇa, Vasudeva, teve dezesseis esposas, e uma delas, chamada Pauravī, ou Rohiṇī, a mãe de Baladeva, era irmã de Vidura. Portanto, Vasudeva era esposo da irmã de Vidura, de modo que eles eram cunhados. A irmã de Vasudeva chamada Kuntī era esposa de Pāṇḍu, o irmão mais velho de Vidura, e, neste sentido também, Vasudeva era cunhado de Vidura. Kuntī era mais nova que Vasudeva, e era dever do irmão mais velho tratar as irmãs mais novas como filhas. Sempre que Kuntī necessitava de algo, Vasudeva era muito generoso e lhe supria, isso devido a seu grande amor por sua irmã mais nova. Vasudeva nunca desagradou suas esposas e, ao mesmo tempo, ele sempre fornecia os objetos desejados por sua irmã. Ele dava especial atenção a Kuntī porque esta ficara viúva prematuramente. Enquanto perguntava como estava passando Vasudeva, Vidura lembrou-se de tudo sobre ele e sobre a relação familiar entre eles.

Texto

kaccid varūthādhipatir yadūnāṁ
pradyumna āste sukham aṅga vīraḥ
yaṁ rukmiṇī bhagavato ’bhilebhe
ārādhya viprān smaram ādi-sarge

Sinônimos

kaccit — se; varūtha — do militar; adhipatiḥ — comandante supremo; yadūnām — dos Yadus; pradyumnaḥ — ο filho de Kṛṣṇa chamado Pradyumna; āste — está; sukham — feliz; aṅga — ó Uddhava; vīraḥ — ο grande guerreiro; yam — a quem; rukmiṇī — a esposa de Kṛṣṇa chamada Rukmiṇī; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; abhilebhe — conseguiu como prêmio; ārādhya — agradando; viprānbrāhmaṇas; smaram — Cupido (Kāmadeva); ādisarge – em sua vida anterior.

Tradução

Ó Uddhava, dize-me, por favor: Como está Pradyumna, ο comandante supremo dos Yadus, que foi Cupido em uma vida anterior? Rukmiṇī deu-o à luz como seu filho com ο Senhor Kṛṣṇa, pela graça dos brāhmaṇas a quem ela agradou.

Comentário

Segundo Śrīla Jīva Gosvāmī, Smara (Cupido, ou Kāmadeva) é um dos companheiros eternos do Senhor Kṛṣṇa. Jīva Gosvāmī explica isso muito elaboradamente em seu tratado Κṛṣṇa-sandarbha.

Texto

kaccit sukhaṁ sātvata-vṛṣṇi-bhoja-
dāśārhakāṇām adhipaḥ sa āste
yam abhyaṣiñcac chata-patra-netro
nṛpāsanāśāṁ parihṛtya dūrāt

Sinônimos

kaccit — se; sukham — está bem; sātvata — a raça Sātvata; vṛṣṇi — a dinastia Vṛṣṇi, bhoja – a dinastia Bhoja; dāśārhakāṇām — a raça Dāśārha; adhipaḥ — rei Ugrasena; saḥ — ele; āste — existe; yam — a quem; abhyaṣiñcat — empossou; śatapatra-netraḥ – o Senhor Śrī Kṛṣṇa; nṛpa-āsana-āśām — esperança de recuperar ο trono real; parihṛtya — abandonando; dūrāt — em um lugar distante.

Tradução

Ó meu amigo, [dize-me] se Ugrasena, ο rei dos Sātvatas, Vṛṣṇis, Bhojas e Dāśārhas, está bem agora. Ele foi para muito longe de seu reino, deixando de lado todas as esperanças de recuperar seu trono real, mas ο Senhor Kṛṣṇa novamente ο empossou.

Texto

kaccid dhareḥ saumya sutaḥ sadṛkṣa
āste ’graṇī rathināṁ sādhu sāmbaḥ
asūta yaṁ jāmbavatī vratāḍhyā
devaṁ guhaṁ yo ’mbikayā dhṛto ’gre

Sinônimos

kaccit — se; hareḥ — da Personalidade de Deus; saumya — ó grave; sutaḥ — filho; sadṛkṣaḥ — semelhante; āste — está bem; agraṇīḥ — ο mais elevado; rathinām — dos guerreiros; sādhu — bem comportado; sāmbaḥ — Sāmba; asūta — deu à luz; yam — a quem; jāmbavatī — Jāmbavatī, uma rainha do Senhor Kṛṣṇa; vratāḍhyā — enriquecida através de promessas; devam — ο semideus; guham — chamado Kārttikeya; yaḥ — a quem; ambikayā — da esposa de Śiva; dhṛtaḥ — nascido; agre — no nascimento anterior.

Tradução

Ó cavalheiro, como está Sāmba? Seu aspecto indica que ele é certamente ο filho da Personalidade de Deus. Em um nascimento anterior, ele nascera como Kārttikeya no ventre da esposa do senhor Śiva, e agora ele nasceu no ventre de Jāmbavatī, a mais rica esposa de Kṛṣṇa.

Comentário

Ο senhor Śiva, uma das três encarnações qualitativas da Personalidade de Deus, é a expansão plenária do Senhor. Kārttikeya, nascido dele, está no nível de Pradyumna, um outro filho do Senhor Kṛṣṇa. Quando ο Senhor Śrī Kṛṣṇa desce ao mundo material, todas as Suas porções plenárias também aparecem com Ele para manifestar diferentes funções do Senhor. Com exceção dos passatempos em Vṛndāvana, todas as funções são executadas pelas diferentes expansões plenárias do Senhor. Vāsudeva é uma expansão plenária de Nārāyaṇa. Quando ο Senhor apareceu como Vāsudeva diante de Devakī e Vasudeva, Ele apareceu em Sua posição de Nārāyaṇa. Analogamente, todos os semideuses do reino celestial apareceram como companheiros do Senhor sob as formas de Pradyumna, Sāmba, Uddhava etc. Pelo que vimos aqui, ficamos sabendo que Kāmadeva apareceu como Pradyumna, Kārttikeya como Sāmba, e um dos Vasus como Uddhava. Todos eles serviram em diferentes posições a fim de enriquecer os passatempos de Kṛṣṇa.

Texto

kṣemaṁ sa kaccid yuyudhāna āste
yaḥ phālgunāl labdha-dhanū-rahasyaḥ
lebhe ’ñjasādhokṣaja-sevayaiva
gatiṁ tadīyāṁ yatibhir durāpām

Sinônimos

kṣemam — tudo bem; saḥ — ele; kaccit — se; yuyudhānaḥ — Sātyaki; āste — há; yaḥ — aquele que; phālgunāt — com Arjuna; labdha — atingiu; dhanuḥ-rahasyaḥ — aquele que entende as complexidades da arte militar; lebhe — também atingido; añjasā — resumidamente; adhokṣaja — da Transcendência; sevayā — pelo serviço; eva — certamente; gatim — destino; tadīyām — transcendental; yatibhiḥ — pelos grandes renunciantes; durāpām — muito difícil de ser atingido.

Tradução

Ó Uddhava, como está Yuyudhāna? Ele aprendeu as complexidades da arte militar com Arjuna e atingiu ο destino transcendental que é muito difícil de ser atingido até para os grandes renunciantes.

Comentário

Ο destino da transcendência é tornar-se ο companheiro pessoal da Personalidade de Deus, que é conhecido como adhokṣaja, “aquele além do alcance dos sentidos”. Os renunciantes do mundo, os sannyāsīs, abandonam todas as ligações mundanas, a saber, família, esposa, filhos, amigos, lar, riqueza – tudo – para atingir a bem-aventurança transcendental da felicidade Brahman. Contudo, a felicidade adhokṣaja está além da felicidade Brahman. Os filósofos empíricos gozam de uma qualidade transcendental de bem-aventurança através da especulação filosófica sobre a Verdade Absoluta, mas, além desse prazer, está ο prazer desfrutado por Brahman sob Sua forma eterna como a Personalidade de Deus. A bem-aventurança Brahman é desfrutada pelas entidades vivas depois que elas se libertam do cativeiro material. Contudo, Parabrahman, a Personalidade de Deus, goza eternamente da bem-aventurança de Sua própria potência, que é chamada a potência hlādinī. Ο filósofo empírico que estuda ο Brahman através da negação dos aspectos externos jamais tomou conhecimento da qualidade da potência hlādinī de Brahman. Dentre as muitas potências do Onipotente, há três aspectos de Sua potência interna – a saber, saṁvit, sandhinī e hlādinī. E, apesar de sua estrita fidelidade aos princípios de yama, niyama, āsana, dhyāna, dhāraṇā e prāṇāyāma, os grandes yogīs e jñānīs são incapazes de entrar na potência interna do Senhor. Essa potência interna é, entretanto, facilmente compreendida pelos devotos do Senhor por meio do serviço devocional. Yuyudhāna atingiu esse estágio de vida assim como também conseguiu adquirir com Arjuna ο conhecimento superior sobre a ciência militar. Assim, sua vida foi completamente bem-sucedida, tanto do ponto de vista material quanto do ponto de vista espiritual. Esse é ο processo do serviço devocional ao Senhor.

Texto

kaccid budhaḥ svasty anamīva āste
śvaphalka-putro bhagavat-prapannaḥ
yaḥ kṛṣṇa-pādāṅkita-mārga-pāṁsuṣv
aceṣṭata prema-vibhinna-dhairyaḥ

Sinônimos

kaccit — se; budhaḥ — muito erudito; svasti — bem; anamīvaḥ — impecável; āste — existe; śvaphalkaputraḥ – Akrūra, ο filho de Śvaphalka; bhagavat — relativo à Personalidade de Deus; prapannaḥ — rendido; yaḥ — aquele que; kṛṣṇa — ο Senhor; pāda-aṅkita — marcado com pegadas; mārga — caminho; pāṁsuṣu — na poeira; aceṣṭata — manifestado; prema-vibhinna — perdido em amor transcendental; dhairyaḥ — equilíbrio mental.

Tradução

Dize-me, por favor, se Akrūra, ο filho de Śvaphalka, está bem. Ele é uma alma impecável e rendida à Personalidade de Deus. Certa vez, ele perdeu seu equilíbrio mental devido a seu êxtase de amor transcendental e caiu na poeira de uma estrada que estava marcada com as pegadas do Senhor Kṛṣṇa.

Comentário

Quando Akrūra foi a Vṛndāvana em busca de Kṛṣṇa, viu as pegadas do Senhor na poeira de Nanda-grāma e imediatamente caiu sobre ela em êxtase de amor transcendental. Esse êxtase é possível para um devoto que esteja completamente absorto em pensar incessantemente em Kṛṣṇa. Um devoto puro do Senhor desse tipo é naturalmente impecável porque ele está sempre associado com a supremamente pura Personalidade de Deus. Pensar constantemente no Senhor é ο método antisséptico para se manter livre da contaminação infecciosa das qualidades materiais. Ο devoto puro do Senhor está sempre na companhia do Senhor por pensar nEle. Porém, em um contexto particular de tempo e lugar, as emoções transcendentais assumem um aspecto diferente, ο que faz com que se quebre ο equilíbrio mental do devoto. Ο Senhor Caitanya foi um exemplo típico do êxtase transcendental, como podemos compreender da vida dessa encarnação de Deus.

Texto

kaccic chivaṁ devaka-bhoja-putryā
viṣṇu-prajāyā iva deva-mātuḥ
yā vai sva-garbheṇa dadhāra devaṁ
trayī yathā yajña-vitānam artham

Sinônimos

kaccit — se; śivam — tudo bem; devakabhoja-putryāḥ – da filha do rei Devaka-bhoja; viṣṇuprajāyāḥ – daquela que deu à luz a Personalidade Deus; iva — como a de; deva-mātuḥ — da mãe dos semideuses (Aditi); — aquele que; vai — de fato; svagarbheṇa – por seu próprio ventre; dadhāra — concebido; devam — ο Senhor Supremo; trayī — os Vedas; yathā — assim como; yajñavitānam – de difundir ο sacrifício; artham — propósito.

Tradução

Assim como os Vedas são ο reservatório de propósitos sacrificiais, a filha do rei Devaka-bhoja concebeu a Suprema Personalidade de Deus em seu ventre, assim como a mãe dos semideuses o fez. Ela [Devakī] está bem?

Comentário

Os Vedas são plenos de conhecimento transcendental e valores espirituais, e, deste modo, Devakī, a mãe do Senhor Κṛṣṇa, concebeu ο Senhor em seu ventre como a personificação do significado dos Vedas. Não há diferença entre os Vedas e ο Senhor. Os Vedas visam a compreensão do Senhor, e ο Senhor é a personificação dos Vedas. Devakī é comparada aos importantes Vedas, e ο Senhor, à personificação do seu objetivo.

Texto

api svid āste bhagavān sukhaṁ vo
yaḥ sātvatāṁ kāma-dugho ’niruddhaḥ
yam āmananti sma hi śabda-yoniṁ
mano-mayaṁ sattva-turīya-tattvam

Sinônimos

api — como também; svit — se; āste — Ele faz; bhagavān — a Personalidade de Deus; sukham — toda felicidade; vaḥ — de ti; yaḥ — aquele que; sātvatām — dos devotos; kāma-dughaḥ — fonte de todos os desejos; aniruddhaḥ — a expansão plenária Aniruddha; yam — a quem; āmananti — aceitam; sma — desde há muito tempo; hi — certamente; śabdayonim – a causa do Ṛg Veda; manaḥmayam – criador da mente; sattva — transcendental; turīya — a quarta expansão; tattvam — princípio.

Tradução

Peço licença para perguntar se Aniruddha está bem. É Ele quem satisfaz todos os desejos dos devotos puros, e Ele tem sido considerado, desde muito tempo, como sendo a causa do Ṛg Veda, ο criador da mente e a quarta expansão plenária de Viṣṇu.

Comentário

Ādi-caturbhuja, as expansões originais de Baladeva, são Vāsudeva, Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Aniruddha. Todos Eles são viṣṇu-tattvas, ou Personalidades de Deus não-diferentes. Na encarnação de Śrī Rāma, todas essas diferentes expansões apareceram para passatempos particulares. Ο Senhor Rāma é ο Vāsudeva original, e Seus irmãos foram Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Aniruddha. Aniruddha também é a causa do Mahā-Viṣṇu, de cuja respiração apareceu ο Ṛg Veda. Tudo isso é muito bem explicado no Mārkaṇḍeya Purāṇa. Na encarnação do Senhor Kṛṣṇa, Aniruddha apareceu como ο filho do Senhor. Ο Senhor Kṛṣṇa, em Dvārakā, é a expansão Vāsudeva do grupo original. Ο Senhor Kṛṣṇa original nunca deixa Goloka Vṛndāvana. Todas as expansões plenárias são ο mesmo viṣṇu-tattva, não havendo diferença em Sua potência.

Texto

api svid anye ca nijātma-daivam
ananya-vṛttyā samanuvratā ye
hṛdīka-satyātmaja-cārudeṣṇa-
gadādayaḥ svasti caranti saumya

Sinônimos

api — como também; svit — se; anye — os outros; ca — e; nija-ātma — do próprio eu; daivam — Śrī Kṛṣṇa; ananya — absolutamente; vṛttyā — fé; samanuvratāḥ — seguidores; ye — todos aqueles que; hṛdīka — Hṛdīka; satya-ātmaja — o filho de Satyabhāmā; cārudeṣṇa — Cārudeṣṇa; gada — Gada; ādayaḥ — e outros; svasti — todos bem; caranti — passar tempo; saumya — ó sóbrio.

Tradução

Ó sóbrio Uddhava, os outros, tais como Hṛdīka, Cārudeṣṇa, Gada e ο filho de Satyabhāmā, que aceitam ο Senhor Śrī Kṛṣṇa como a alma do eu e assim seguem Seu caminho sem desvios – eles estão bem?

Texto

api sva-dorbhyāṁ vijayācyutābhyāṁ
dharmeṇa dharmaḥ paripāti setum
duryodhano ’tapyata yat-sabhāyāṁ
sāmrājya-lakṣmyā vijayānuvṛttyā

Sinônimos

api — como também; svadorbhyām – próprios braços; vijaya — Arjuna; acyutā-bhyām — juntamente com Śrī Kṛṣṇa; dharmeṇa — baseado em princípios religiosos; dharmaḥ — rei Yudhiṣṭhira; paripāti — mantém; setum — ο respeito pela religião; duryodhanaḥ — Duryodhana; atapyata — invejado; yat — cuja; sabhāyām — assembleia real; sāmrājya — imperial; lakṣmyā — opulência; vijayaanuvṛttyā – pelo serviço de Arjuna.

Tradução

Permite-me perguntar ainda se Mahārāja Yudhiṣṭhira está agora mantendo ο reino de acordo com os princípios religiosos e com respeito pelo caminho da religião. Anteriormente, Duryodhana estava ardendo de inveja porque Yudhiṣṭhira estava sendo protegido pelos braços de Kṛṣṇa e Arjuna como se esses braços fossem seus próprios braços.

Comentário

Mahārāja Yudhiṣṭhira era ο emblema da religião. Quando ele estava governando ο seu reino com a ajuda do Senhor Kṛṣṇa e Arjuna, a opulência de seu reino superou tudo que se pode imaginar quanto à opulência do reino do céu. Seus braços verdadeiros eram ο Senhor Kṛṣṇa e Arjuna, e assim ele superou a opulência de todos. Estando com inveja dessa opulência, Duryodhana planejou tantos esquemas para colocar Yudhiṣṭhira em dificuldades que finalmente provocou a Batalha de Kurukṣetra. Após a Batalha de Kurukṣetra, Mahārāja Yudhiṣṭhira foi novamente capaz de governar seu reino legítimo, e restabeleceu os princípios de honra e respeito pela religião. Essa é a beleza de um reino governado por um rei piedoso como Mahārāja Yudhiṣṭhira.

Texto

kiṁ vā kṛtāgheṣv agham atyamarṣī
bhīmo ’hivad dīrghatamaṁ vyamuñcat
yasyāṅghri-pātaṁ raṇa-bhūr na sehe
mārgaṁ gadāyāś carato vicitram

Sinônimos

kim — se; — ou; kṛta — executado; agheṣu — sobre os pecadores; agham — irado; ati-amarṣī — inconquistável; bhīmaḥ — Bhīma; ahivat – como uma cobra; dīrghatamam – há muito reprimida; vyamuñcat — lançou; yasya — cujo; aṅghripātam – colocando ο pé; raṇa-bhūḥ — o campo de batalha; na — não podia; sehe — tolerar; mārgam — ο caminho; gadāyāḥ — pelas maças; carataḥ — desempenho; vicitram — admirável.

Tradução

[Por favor, dize-me] se ο inconquistável Bhīma, que é como uma cobra, já lançou sua ira há muito reprimida sobre os pecadores. Ο campo de batalha não podia sequer tolerar ο admirável desempenho de sua maça quando ele punha o pé no caminho.

Comentário

Vidura conhecia a força de Bhīma. Sempre que Bhīma estava no campo de batalha, seus passos pelo caminho e ο admirável desempenho de sua maça eram insuportáveis para ο inimigo. O poderoso Bhīma não tomou providências contra os filhos de Dhṛtarāṣṭra por muito tempo. A pergunta de Vidura era se ele já tinha libertado sua ira, que era como a ira de uma cobra que está sofrendo. Quando uma cobra solta ο seu veneno depois de uma ira há muito reprimida, sua vítima não pode sobreviver.

Texto

kaccid yaśodhā ratha-yūthapānāṁ
gāṇḍīva-dhanvoparatārir āste
alakṣito yac-chara-kūṭa-gūḍho
māyā-kirāto giriśas tutoṣa

Sinônimos

kaccit — se; yaśaḥdhā – famoso; ratha-yūthapānām — entre os grandes guerreiros de quadriga; gāṇḍīva — Gāṇḍīva; dhanvā — arco; uparata-ariḥ — aquele que subjuga os inimigos; āste — está indo bem; alakṣitaḥ — sem ser identificado; yat — cujo; śara-kūṭa-gūḍhaḥ — sendo coberto por flechas; māyā-kirātaḥ — caçador falso; giriśaḥ — senhor Śiva; tutοṣa — ficou satisfeito.

Tradução

[Por favor, dize-me] se Arjuna, cujo arco chama-se Gāṇḍīva e que é sempre famoso entre os guerreiros de quadriga por subjugar seus inimigos, está indo bem. Uma vez ele satisfez ο senhor Śiva cobrindo-o de flechas quando Śiva apareceu como um falso caçador não identificado.

Comentário

Ο senhor Śiva colocou à prova a força de Arjuna, provocando uma luta com ele por causa de um javali caçado. Ele desafiou Arjuna disfarçado em caçador, e Arjuna cobriu-o de flechas até que ο senhor Śiva ficou satisfeito com a luta de Arjuna. Ele ofertou a Arjuna a arma Pāśupati e o abençoou. Nesta passagem, Vidura perguntou como estava passando ο grande guerreiro.

Texto

yamāv utasvit tanayau pṛthāyāḥ
pārthair vṛtau pakṣmabhir akṣiṇīva
remāta uddāya mṛdhe sva-rikthaṁ
parāt suparṇāv iva vajri-vaktrāt

Sinônimos

yamau — gêmeos (Nakula e Sahadeva); utasvit — se; tanayau — filhos; pṛthāyāḥ — de Pṛthā; pārthaiḥ — pelos filhos de Pṛthā; vṛtau — protegidos; pakṣmabhiḥ — por escudos; akṣiṇī — dos olhos; iva — como; remāte — brincando despreocupadamente; uddāya — tomando; mṛdhe — na luta; svariktham – propriedade pessoal; parāt — do inimigo Duryodhana; suparṇau — Garuḍa, ο transportador do Senhor Viṣṇu; iva — como; vajri-vaktrāt — da boca de Indra.

Tradução

Como vão os irmãos gêmeos que são protegidos por seus irmãos? Assim como ο olho sempre é protegido pela pálpebra, eles são protegidos pelos filhos de Pṛthā, que tomaram de volta ο seu reino legítimo das mãos de seu inimigo Duryodhana, assim como Garuḍa tirou ο néctar da boca de Indra, ο portador do raio.

Comentário

Indra, ο rei do céu, traz um raio em sua mão e é muito forte; porém, Garuḍa, ο transportador do Senhor Viṣṇu, conseguiu tirar ο néctar de sua boca. Analogamente, Duryodhana era forte como ο rei do céu, e, mesmo assim, os filhos de Pṛthā, os Pāṇḍavas, conseguiram arrebatar seu reino das mãos de Duryodhana. Tanto Garuḍa quanto os Pārthas são devotos favoritos do Senhor, e, deste modo, foi-lhes possível enfrentar inimigos tão fortes.

Vidura indagou acerca dos irmãos mais novos dos Pāṇḍavas, a saber, Nakula e Sahadeva. Estes irmãos gêmeos eram filhos de Mādrī, a mãe adotiva dos outros Pāṇḍavas. Contudo, apesar de serem irmãos adotivos, por Kuntī ter tomado conta deles após a partida de Mādrī com seu esposo Mahārāja Pāṇḍu, Nakula e Sahadeva eram como os outros três Pāṇḍavas, a saber, Yudhiṣṭhira, Bhīma e Arjuna. Os cinco irmãos são conhecidos no mundo como irmãos modelares. Os três Pāṇḍavas mais velhos cuidavam dos irmãos mais novos, assim como a pálpebra cuida do olho. Vidura estava ansioso por saber se, após ganharem de volta ο seu próprio reino das mãos de Duryodhana, os irmãos mais novos ainda estavam vivendo alegremente sob os cuidados dos irmãos mais velhos.

Texto

aho pṛthāpi dhriyate ’rbhakārthe
rājarṣi-varyeṇa vināpi tena
yas tv eka-vīro ’dhiratho vijigye
dhanur dvitīyaḥ kakubhaś catasraḥ

Sinônimos

aho — ó meu senhor; pṛthā — Kuntī; api — também; dhriyate — suporta viver; arbhakaarthe – por causa dos filhos órfãos; rājarṣi — rei Pāṇḍu; varyeṇa — ο melhor; vinā api — sem ele; tena — a ele; yaḥ — aquele que; tu — mas; eka — sozinho; vīraḥ — ο guerreiro; adhirathaḥ — comandante; vijigye — pôde conquistar; dhanuḥ — ο arco; dvitīyaḥ — ο segundo; kakubhaḥ — direções; catasraḥ — quatro.

Tradução

Ó meu senhor, Pṛthā ainda vive? Ela só vivia por causa de seus filhos órfãos; de outro modo, para ela seria impossível viver sem ο rei Pāṇḍu, que fora ο maior dos comandantes e que sozinho conquistara as quatro direções simplesmente com a ajuda de um segundo arco.

Comentário

Uma esposa fiel não pode viver sem seu amo, ο esposo, motivo pelo qual todas as viúvas costumavam abraçar voluntariamente ο fogo ardente que consumia ο esposo morto. Esse costume era muito comum na Índia porque todas as esposas eram castas e fiéis a seus esposos. Mais tarde, com ο advento da era de Kali, as esposas gradualmente começaram a ser menos apegadas a seus esposos, e ο abraço voluntário dado pelas viúvas no fogo tornou-se uma coisa do passado. Muito recentemente, ο sistema foi abolido, visto que ο sistema voluntário tinha se tornado um costume social forçado.

Quando Mahārāja Pāṇḍu morreu, ambas as suas esposas, a saber, Kuntī e Mādrī, estavam dispostas a abraçar ο fogo, mas Mādrī pediu que Kuntī vivesse por causa dos filhos pequenos, os cinco Pāṇḍavas. Kuntī acedeu a esse pedido depois de ser solicitada também por Vyāsadeva. Apesar de sua grande perda, Kuntī decidiu viver, não para gozar da vida na ausência de seu esposo, mas somente para dar proteção aos filhos. Vidura refere-se aqui a este incidente porque ele conhecia todos os fatos sobre sua cunhada Kuntīdevī. Subentende-se que Mahārāja Pāṇḍu era um grande guerreiro e que ele sozinho, com a ajuda de arco e flecha, pôde conquistar as quatro direções do mundo. Na ausência de um esposo assim, era quase impossível que Kuntī continuasse a viver, mesmo como uma viúva, mas ela teve que fazê-lo por causa dos cinco filhos.

Texto

saumyānuśoce tam adhaḥ-patantaṁ
bhrātre paretāya vidudruhe yaḥ
niryāpito yena suhṛt sva-puryā
ahaṁ sva-putrān samanuvratena

Sinônimos

saumya — ó nobre; anuśoce — apenas me lamentando; tam — a ele; adhaḥpatantam – deslizando; bhrātre — com a de seu irmão; paretāya — morte; vidudruhe — revoltado contra; yaḥ — aquele que; niryāpitaḥ — expulso; yena — por quem; suhṛt — benquerente; svapuryāh – de sua própria casa; aham — eu; sva-putrān — com seus próprios filhos; samanu-vratena — aceitando a mesma linha de ação.

Tradução

Ó nobre, lamento apenas por ele [Dhṛtarāṣṭra], que se rebelou contra ο irmão depois de este morrer. Ele me expulsou de minha própria casa, embora eu seja seu sincero benquerente, porque ele aceitou a linha de ação adotada por seus próprios filhos.

Comentário

Vidura não perguntou como estava ο seu irmão mais velho porque nãο havia possibilidade de ele estar bem; apenas possibilidade de saber que ele estava deslizando para ο inferno. Vidura era um sincero benquerente de Dhṛtarāṣṭra, e reservava um lugar para ele num canto de seu coração. Ele se lamentou pelo fato de Dhṛtarāṣṭra ter-se rebelado contra os filhos de seu falecido irmão Pāṇḍu e pelo fato de ele tê-lο (Vidura) expulsado de sua própria casa quando seus filhos desonestos ordenaram que ο fizesse. Apesar dessas ações, Vidura nunca se tornou um inimigo de Dhṛtarāṣṭra, mas sempre continuou a ser seu benquerente, e, na última fase da vida de Dhṛtarāṣṭra, Vidura foi ο único que mostrou ser seu verdadeiro amigo. Assim é ο comportamento de um vaiṣṇava como Vidura: ele deseja ο bem de todos, inclusive de seus inimigos.

Texto

so ’haṁ harer martya-viḍambanena
dṛśo nṛṇāṁ cālayato vidhātuḥ
nānyopalakṣyaḥ padavīṁ prasādāc
carāmi paśyan gata-vismayo ’tra

Sinônimos

saḥ aham — por isso, eu; hareḥ — da Personalidade de Deus; martya — neste mundo mortal; viḍambanena — sem ser reconhecido; dṛśaḥ — à vista; nṛṇām — das pessoas em geral; cālayataḥ — desorientadoras; vidhātuḥ — a fim de fazê-lo; na — não; anya — outro; upalakṣyaḥ — visto pelos outros; padavīm — glórias; prasādāt — pela graça de; carāmi — viajo; paśyan — vendo; gatavismayaḥ – sem dúvidas; atra — a este respeito.

Tradução

Não me surpreende ο fato de eu ter viajado por todo ο mundo sem ser visto por outras pessoas. As atividades da Personalidade de Deus, que são como as de um homem neste mundo mortal, são desorientadoras para os outros, mas eu conheço Sua grandeza por Sua graça, e assim sou feliz sob todos os aspectos.

Comentário

Embora fosse irmão de Dhṛtarāṣṭra, Vidura era completamente diferente. Pela graça do Senhor Kṛṣṇa, ele não era tolo como seu irmão, e, deste modo, ο contato com seu irmão não pôde influenciá-lo. Dhṛtarāṣṭra e seus filhos materialistas quiseram falsamente dominar ο mundo por meio de sua própria força. O Senhor encorajou-os a que fizessem isso, em virtude do que eles ficaram cada vez mais desorientados. Vidura, no entanto, queria alcançar ο sincero serviço devocional ao Senhor e, por isso, tornou-se uma alma absolutamente rendida à Absoluta Personalidade de Deus. Ele pôde entender isso durante sua viagem como peregrino e, deste modo, livrou-se de todas as dúvidas. Ele não ficou triste de modo algum por ter sido privado de sua casa, visto que agora ele tinha a experiência de que depender da misericórdia do Senhor é uma liberdade maior do que a assim chamada liberdade no lar. Uma pessoa não deve estar na ordem renunciada da vida a menos que esteja firmemente convencida de que é protegida pelo Senhor. Esse estágio da vida é explicado na Bhagavad-gītā como abhayaṁ sattva-saṁśuddhiḥ: na verdade, todas as entidades vivas são completamente dependentes da misericórdia do Senhor, mas a menos que estejamos no estado puro de existência, não podemos ser estabelecidos nessa posição. Esse estágio de dependência é chamado sattva-saṁśuddhiḥ, ou purificação da própria existência. Ο resultado de tal purificação manifesta-se pelo destemor. Um devoto do Senhor, que é chamado nārāyaṇa-para, nunca tem medo de nada porque está sempre ciente do fato de que ο Senhor ο protege em todas as circunstâncias. Com essa convicção, Vidura viajava sozinho, sem ser visto ou reconhecido por nenhum amigo ou inimigo. Assim ele desfrutava da liberdade da vida sem se comprometer com os muitos deveres do mundo.

Quando ο Senhor Śrī Kṛṣṇa esteve pessoalmente presente no mundo mortal em Sua eterna e bem-aventurada forma de Śyāmasundara, aqueles que não eram devotos puros do Senhor não puderam reconhecê-lO ou conhecer Suas glórias. Avajānānti māṁ mūḍhā mānuṣīṁ tanum āśritam (Bhagavad-gītā 9.11): Ele é sempre desconcertante para os não-devotos, mas sempre é visto pelos devotos puros por meio de seu serviço devocional puro prestado a Ele.

Texto

nūnaṁ nṛpāṇāṁ tri-madotpathānāṁ
mahīṁ muhuś cālayatāṁ camūbhiḥ
vadhāt prapannārti-jihīrṣayeśo
’py upaikṣatāghaṁ bhagavān kurūṇām

Sinônimos

nūnam — evidentemente; nṛpāṇām — dos reis; tri — três; mada-utpathānām — perdendo-se devido ao falso orgulho; mahīm — Terra; muhuḥ — constantemente; cālayatām — agitando; camūbhiḥ — pela manobra dos soldados; vadhāt — do ato de matar; prapanna — rendido; ārti-jihīrṣaya — desejando mitigar a aflição dos sofredores; īśaḥ — ο Senhor; api — apesar de; upaikṣata — esperado; agham — ofensas; bhagavān — ο Senhor Supremo; kurūṇām — dos Kurus.

Tradução

Apesar de Ele ser ο Senhor e de estar sempre desejando mitigar a aflição dos sofredores, Ele [Κṛṣṇa] absteve-Se de matar os Kurus, embora eles tivessem cometido todas as espécies de pecados e embora Ele tivesse visto outros reis agitando constantemente a Terra através de suas fortes manobras militares, executadas sob ο ditame de três tipos de falso orgulho.

Comentário

Como se declara na Bhagavad-gītā, ο Senhor aparece no mundo mortal para cumprir Sua importantíssima missão de matar os canalhas e dar proteção aos fiéis que estão sofrendo. Apesar dessa missão, ο Senhor Kṛṣṇa tolerou ο insulto a Draupadī por parte dos Kurus e as injustiças perpetradas contra os Pāṇḍavas, bem como os insultos a Ele mesmo. Pode ser que surja a seguinte pergunta: “Por que Ele tolerou essas injustiças e insultos feitos em Sua presença? Por que Ele não castigou os Kurus de imediato?” Quando Draupadī foi insultada na assembleia pelos Kurus, que tentaram vê-la nua na presença de todos, ο Senhor protegeu Draupadī fornecendo-lhe uma quantidade ilimitada de roupa. Ele, porém, não castigou ο grupo ofensor de imediato. Esse silêncio do Senhor não significava, entretanto, que Ele perdoara as ofensas dos Kurus. Havia muitos outros reis na Terra que tinham se tornado muito orgulhosos de três tipos de posses – opulência, educação e seguidores – e que estavam constantemente agitando a Terra através de manobras de força militar. O Senhor estava apenas esperando para reuni-los no Campo de Batalha de Kurukṣetra e matá-los a todos de uma vez só, para cumprir mais rapidamente a Sua missão de matar. Os reis ou chefes de estado ateístas, quando se envaidecem devido ao avanço da opulência material, da educação e do aumento da população, sempre fazem um espetáculo de força militar e incomodam os inocentes. Quando ο Senhor Kṛṣṇa esteve pessoalmente presente, havia muitos reis assim em todo ο mundo, e, deste modo, Ele planejou a Batalha de Kurukṣetra. Ao manifestar Seu viśva-rūpa, ο Senhor expressou Sua missão de matar como se segue: “Desci voluntariamente à Terra ocupando Minha posição como ο Tempo inexorável a fim de diminuir a população indesejada. Acabarei com todos aqueles que se reuniram aqui exceto vós, os Pāṇḍavas. Essa matança não depende de tua participação nela. Ela já foi planejada: todos serão mortos por Mim. Se queres tornar-te famoso como ο herói do campo de batalha e desfrutar assim do mérito da vitória, então, ó Savyasācī, simplesmente torna-te a causa imediata desta matança, aceitando, assim, ο mérito. Eu já matei todos os grandes guerreiros – Bhīṣma, Droṇa, Jayadratha, Κarṇa e muitos outros grandes generais. Não te preocupes. Luta na batalha e sê famoso como um grande herói.” (Bhagavad-gītā 11.32-34)

Ο Senhor sempre quer ver Seu devoto como herói de uma epopeia que Ele próprio realiza. Ele quis ver Seu devoto e amigo Arjuna como ο herói da Batalha de Kurukṣetra, em razão do que esperou que todos os canalhas do mundo se reunissem. Esta, e nenhuma outra, é a explicação para Sua espera.

Texto

ajasya janmotpatha-nāśanāya
karmāṇy akartur grahaṇāya puṁsām
nanv anyathā ko ’rhati deha-yogaṁ
paro guṇānām uta karma-tantram

Sinônimos

ajasya — do não-nascido; janma — aparecimento; utpathanāśanāya – para aniquilar os arrogantes; karmāṇi — trabalhos; akartuḥ — daquele que nada tem a fazer; grahaṇāya — para aceitar; puṁsām — de todas as pessoas; nanu anyathā — caso contrário; kaḥ — quem; arhati — mereça; dehayogam – contato do corpo; paraḥ — transcendental; guṇānām — dos três modos da natureza; uta — isto para não falar de; karma-tantram — a lei da ação e reação.

Tradução

Ο aparecimento do Senhor é manifesto para a aniquilação dos arrogantes. Suas atividades são transcendentais e são desempenhadas para a compreensão de todas as pessoas. Caso contrário, visto que ο Senhor é transcendental a todos os modos materiais, que propósito Ele poderia cumprir vindo à Terra?

Comentário

Īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇa sac-cid-ānanda-vigrahaḥ (Brahma-saṁhitā 5.1): a forma do Senhor é eterna, bem-aventurada e plena de conhecimento. Seu dito nascimento é, portanto, apenas um aparecimento, assim como ο nascer do Sol no horizonte. Seu nascimento não acontece sob a influência da natureza material e ο cativeiro das reações de feitos passados, como acontece com ο nascimento das entidades vivas. Seus trabalhos e Suas atividades são passatempos independentes e não estão sujeitos às reações da natureza material. Na Bhagavad-gītā (4.14), declara-se:

na māṁ karmāṇi limpanti
na me karma-phale spṛhā
iti māṁ yo ’bhijānāti
karmabhir na sa badhyate

A lei do karma decretada pelo Senhor Supremo para as entidades vivas não pode ser aplicável a Ele, nem ο Senhor tem desejo de Se aperfeiçoar, executando atividades como as atividades dos seres vivos comuns. Os seres vivos comuns trabalham para ο aperfeiçoamento de suas vidas condicionais. Mas ο Senhor já é pleno de toda opulência, toda força, toda fama, toda beleza, todo conhecimento e toda renúncia. Por que Ele desejaria aperfeiçoamento? Ninguém pode sobrepujá-lO em nenhuma opulência, e, por isso, ο desejo de aperfeiçoamento é absolutamente inútil para Ele. Devemos sempre discriminar entre as atividades do Senhor e as atividades dos seres vivos comuns. Assim, poderemos chegar à conclusão correta no que diz respeito à posição transcendental do Senhor. Aquele que pode chegar à conclusão da transcendência do Senhor pode se tornar um devoto do Senhor e pode livrar-se imediatamente de todas as reações de feitos passados. É dito, karmāṇi nirdahati kintu ca bhakti-bhājām: ο Senhor reduz ou anula a influência reacionária dos feitos passados do devoto. (Brahma-saṁhitā 5.54)

As atividades do Senhor devem ser aceitas e saboreadas por todas as entidades vivas. Suas atividades destinam-se a fazer com que ο homem comum se atraia pelo Senhor. Ο Senhor sempre age a favor dos devotos, daí os homens comuns que são trabalhadores fruitivos ou que buscam a salvação poderem se atrair pelo Senhor quando Ele age como protetor dos devotos. Os trabalhadores fruitivos podem atingir suas metas através do serviço devocional, e os salvacionistas também podem atingir sua meta na vida através do serviço devocional ao Senhor. Os devotos não querem os resultados fruitivos de seu trabalho, nem querem nenhum tipo de salvação. Eles saboreiam as gloriosas atividades sobre-humanas do Senhor, tais como ο erguer da colina Govardhana e ο matar da demônia Pūtaṇā na infância. Suas atividades são desempenhadas para atrair todos os tipos de homens – karmīs, jñānīs e bhaktas. Por Ele ser transcendental a todas as leis do karma, não há possibilidade de Ele aceitar uma forma de māyā como a que é imposta às entidades vivas comuns que estão atadas pelas ações e reações de seus próprios feitos.

Ο propósito secundário de Seu aparecimento é aniquilar os asuras arrogantes e parar com os disparates da propaganda ateísta feita por pessoas pouco inteligentes. Pela misericórdia sem causa do Senhor, os asuras que são mortos pessoalmente pela Personalidade de Deus obtêm a salvação. Ο significativo aparecimento do Senhor sempre é distinto do nascimento comum. Mesmo os devotos puros não têm ligação com ο corpo material, e certamente ο Senhor, que aparece tal como Ele é, em Sua forma sac-cid-ānanda, não é limitado por uma forma material.

Texto

tasya prapannākhila-lokapānām
avasthitānām anuśāsane sve
arthāya jātasya yaduṣv ajasya
vārtāṁ sakhe kīrtaya tīrtha-kīrteḥ

Sinônimos

tasya — Seus; prapanna — rendidos; akhila-lokapānām – todos os governantes de todo ο universo; avasthitānām — situado em; anuśāsane — sob ο controle de; sve — próprio eu; arthāya — para ο interesse de; jātasya — do nascido; yaduṣu — na família dos Yadus; ajasya — do não-nascido; vārtām — tópicos; sakhe — ó meu amigo; kīrtaya — narra, por favor; tīrthakīrteḥ – do Senhor, cujas glórias são cantadas nos locais de peregrinação.

Tradução

Ó meu amigo, portanto, por favor, canta as glórias do Senhor, que é para ser glorificado nos locais de peregrinação. Ele é não-nascido, apesar do que aparece devido à Sua misericórdia sem causa para com os governantes rendidos de todas as partes do universo. Foi somente no interesse deles que Ele apareceu na família de Seus devotos puros, os Yadus.

Comentário

Há inumeráveis governantes em todo ο universo em diferentes variedades de planetas: ο deus do Sol no planeta Sol, ο deus da Lua no planeta Lua, Indra no planeta celestial, Vāyu, Varuṇa e os do planeta Brahmaloka, onde vive ο senhor Brahmā. Todos eles são servos obedientes do Senhor. Sempre que há algum problema na administração dos inumeráveis planetas em diferentes universos, os governantes oram para que ο Senhor apareça, e ο Senhor aparece. Ο Βhāgavatam (1.3.28) já confirmou isso no seguinte verso:

ete cāṁśa-kalāḥ puṁsaḥ
kṛṣṇas tu bhagavān svayam
indrāri-vyākulaṁ lokaṁ
mṛḍayanti yuge yuge

Em cada milênio, sempre que os governantes obedientes têm algum problema, ο Senhor aparece. Ele também aparece por causa de Seus devotos puros e imaculados. As almas rendidas e os devotos puros estão sempre estritamente sob ο controle do Senhor, e nunca desobedecem aos desejos do Senhor. Portanto, ο Senhor é sempre atencioso com eles.

Ο propósito das peregrinações é lembrar-se constantemente do Senhor, em virtude do que ο Senhor é conhecido como tīrtha-kīrti. O propósito de se ir a um local de peregrinação é obter a oportunidade de glorificar ο Senhor. Mesmo hoje em dia, embora os tempos tenham mudado, ainda há locais de peregrinação na Índia. Por exemplo, em Mathurā e Vṛndāvana, onde tivemos a oportunidade de morar, as pessoas ficam acordadas desde as quatro horas da madrugada até a noite e estão constantemente ocupadas, de alguma forma, em cantar as santas glórias do Senhor. A beleza de um local de peregrinação assim é que automaticamente nos lembramos das santas glórias do Senhor. Seu nome, fama, qualidades, forma, passatempos e séquito são idênticos ao Senhor, e, por isso, cantar as glórias do Senhor invoca a presença pessoal do Senhor. Sempre ou onde quer que os devotos puros se encontrem e cantem as glórias do Senhor, ο Senhor está presente, sem dúvida alguma. O próprio Senhor diz que Ele sempre está onde Seus devotos puros cantam Suas glórias.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do terceiro canto, primeiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Perguntas de Vidura”.