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Capítulo Treze

Descrição dos Descendentes de Dhruva Mahārāja

Texto

sūta uvāca
niśamya kauṣāraviṇopavarṇitaṁ
dhruvasya vaikuṇṭha-padādhirohaṇam
prarūḍha-bhāvo bhagavaty adhokṣaje
praṣṭuṁ punas taṁ viduraḥ pracakrame

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Sūta Gosvāmī disse; niśamya — após ouvir; kauṣāraviṇā — pelo sábio Maitreya; upavarṇitam — descrita; dhruvasya — de Mahārāja Dhruva; vaikuṇṭha-pada — à morada de Viṣṇu; adhirohaṇam — ascensão; prarūḍha — aumentada; bhāvaḥ — emoção devocional; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus; adhokṣaje — que está além do alcance da percepção direta; praṣṭum — perguntar; punaḥ — novamente; tam — a Maitreya; viduraḥ — Vidura; pracakrame — tentou.

Tradução

Sūta Gosvāmī, continuando a falar com todos os ṛṣis, encabeçados por Śaunaka, disse: Após ouvir Maitreya Ṛṣi descrever a ascensão de Dhruva Mahārāja à morada do Senhor Viṣṇu, Vidura ficou muito esclarecido sobre emoções devocionais e perguntou o seguinte a Maitreya.

Comentário

SIGNIFICADO—Como evidenciam as conversas entre Vidura e Maitreya, as atividades da Suprema Personalidade de Deus e dos devotos são tão fascinantes que nem o devoto que as descreve nem o devoto que as ouve se cansam, de modo algum, com as perguntas e respostas. O tema transcendental é tão bom que ninguém se cansa de ouvi-lo ou falá-lo. Os outros, que não são devotos, talvez pensem: “Como as pessoas podem devotar tanto tempo a meras conversas sobre Deus?” Os devotos, porém, nunca ficam satisfeitos ou saciados de ouvir e falar sobre a Suprema Personalidade de Deus ou sobre Seus devotos. Quanto mais ouvem e falam, mais sentem entusiasmo por ouvir. O canto do mantra Hare Kṛṣṇa consiste na simples repetição de três palavras, Hare, Kṛṣṇa e Rāma, mas, de qualquer modo, os devotos são capazes de cantar este mantra Hare Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia sem se sentirem fatigados.

Texto

vidura uvāca
ke te pracetaso nāma
kasyāpatyāni suvrata
kasyānvavāye prakhyātāḥ
kutra vā satram āsata

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura perguntou; ke — quem eram; te — eles; pracetasaḥ — os Pracetās; nāma — chamados; kasya — de quem; apatyāni — filhos; su-vrata — ó Maitreya, que fez uma promessa auspiciosa; kasya — cuja; anvavāye — na família; prakhyātāḥ — famosa; kutra — onde; — também; satram — o sacrifício; āsata — foi executado.

Tradução

Vidura perguntou a Maitreya: Ó avançadíssimo devoto, quem eram os Pracetās? A que família pertenciam? De quem eram filhos, e onde executaram os grandes sacrifícios?

Comentário

SIGNIFICADO—No capítulo anterior, Nārada cantou de forma magnífica três versos na arena sacrificatória dos Pracetās, o que foi outro ímpeto para Vidura fazer mais perguntas.

Texto

manye mahā-bhāgavataṁ
nāradaṁ deva-darśanam
yena proktaḥ kriyā-yogaḥ
paricaryā-vidhir hareḥ

Sinônimos

manye — acho; mahā-bhāgavatam — o maior de todos os devotos; nāradam — o sábio Nārada; deva — a Suprema Personalidade de Deus; darśanam — que se encontrou; yena — por quem; proktaḥ — falado; kriyā-yogaḥ — serviço devocional; paricaryā — para prestar serviço; vidhiḥ — o processo; hareḥ — à Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Vidura continuou: Sei que o grande sábio Nārada é o maior de todos os devotos. Ele compilou o processo pāñcarātrika de serviço devocional e se encontrou diretamente com a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Há duas maneiras diferentes de nos aproximarmos do Senhor Supremo. Uma se chama bhāgavata-mārga, ou o caminho do Śrīmad-Bhāgavatam, e a outra se chama pāñcarātrika-vidhi. Pāñcarātrika-vidhi é o método de adoração no templo, e bhāgavata-vidhi é o sistema de nove processos que começa com ouvir e cantar. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa aceita ambos os processos simultaneamente e, assim, capacita-nos a avançar estavelmente no caminho da compreensão da Suprema Personalidade de Deus. Este processo pāñcarātrika foi introduzido pela primeira vez pelo grande sábio Nārada, conforme Vidura menciona aqui.

Texto

sva-dharma-śīlaiḥ puruṣair
bhagavān yajña-pūruṣaḥ
ijyamāno bhaktimatā
nāradeneritaḥ kila

Sinônimos

sva-dharma-śīlaiḥ — executando deveres sacrificatórios; puruṣaiḥ — pelos homens; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; yajña-pūruṣaḥ — o desfrutador de todos os sacrifícios; ijyamānaḥ — sendo adorado; bhaktimatā — pelo devoto; nāradena — por Nārada; īritaḥ — descritas; kila — na verdade.

Tradução

Enquanto todos os Pracetās executavam rituais religiosos e cerimônias de sacrifício, adorando, assim, a Suprema Personalidade de Deus para Sua satisfação, o grande sábio Nārada descrevia as qualidades transcendentais de Dhruva Mahārāja.

Comentário

SIGNIFICADO—Nārada Muni está sempre glorificando os passatempos do Senhor. Neste verso, vemos que ele não somente glorifica o Senhor, mas também gosta de glorificar os devotos do Senhor. A missão do grande sábio Nārada é difundir a prática do serviço devocional ao Senhor. Com esse objetivo, ele compilou o Nārada-pañcarātra, um manual de serviço devocional para que os devotos possam sempre obter informações sobre como prestar serviço devocional e, assim, ocupar-se vinte e quatro horas por dia na execução de sacrifícios para o prazer da Suprema Personalidade de Deus. Como se afirma na Bhagavad-gītā, o Senhor criou quatro ordens de vida social, a saber, brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra. No Nārada-pañcarātra, descreve-se muito claramente como cada uma das ordens sociais pode satisfazer o Senhor Supremo. Na Bhagavad-gītā (18.45), afirma-se que sve sve karmaṇy abhirataḥ saṁsiddhiṁ labhate naraḥ: executando nossos deveres prescritos, podemos satisfazer o Senhor Supremo. No Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.13), também se afirma que svanuṣṭhitasya dharmasya saṁsiddhir hari-toṣaṇam: a perfeição do dever é buscarmos, através do cumprimento de nossos deveres específicos, satisfazermos a Suprema Personalidade de Deus. Enquanto os Pracetās executavam sacrifícios de acordo com essa orientação, Nārada Muni ficou satisfeito de ver essas atividades, e também quis glorificar Dhruva Mahārāja naquela arena de sacrifício.

Texto

yās tā devarṣiṇā tatra
varṇitā bhagavat-kathāḥ
mahyaṁ śuśrūṣave brahman
kārtsnyenācaṣṭum arhasi

Sinônimos

yāḥ — que; tāḥ — todos aqueles; devarṣiṇā — pelo grande sábio Nārada; tatra — ali; varṇitāḥ — narrou; bhagavat-kathāḥ — pregações pertinentes às atividades do Senhor; mahyam — a mim; śuśrūṣave — muito ansioso por ouvir; brahman — meu querido brāhmaṇa; kārtsnyena — plenamente; ācaṣṭum arhasi — explica, por favor.

Tradução

Meu querido brāhmaṇa, como é que Nārada Muni glorificou a Suprema Personalidade de Deus, e que passatempos ele descreveu naquele encontro? Estou muito ansioso por ouvi-los. Por favor, conta-me tudo sobre essa glorificação ao Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam é o registro do bhagavat-kathā, tópicos sobre os passatempos do Senhor. O que Vidura estava ansioso por ouvir de Maitreya também podemos ouvir cinco mil anos depois, contanto que estejamos muito ávidos por isso.

Texto

maitreya uvāca
dhruvasya cotkalaḥ putraḥ
pitari prasthite vanam
sārvabhauma-śriyaṁ naicchad
adhirājāsanaṁ pituḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya disse; dhruvasya — de Dhruva Mahārāja; ca — também; utkalaḥ — Utkala; putraḥ — filho; pitari — depois que o pai; prasthite — partiu; vanam — para a floresta; sārva-bhauma — incluindo todas as terras; śriyam — opulência; na aicchat — não desejou; adhirāja — real; āsanam — trono; pituḥ — do pai.

Tradução

O grande sábio Maitreya respondeu: Meu querido Vidura, quando Mahārāja Dhruva partiu para a floresta, seu filho, Utkala, não desejou aceitar o opulento trono de seu pai, que se destinava ao governante de todas as terras deste planeta.

Texto

sa janmanopaśāntātmā
niḥsaṅgaḥ sama-darśanaḥ
dadarśa loke vitatam
ātmānaṁ lokam ātmani

Sinônimos

saḥ — seu filho Utkala; janmanā — desde que nasceu; upaśānta — muitíssimo satisfeito; ātmā — alma; niḥsaṅgaḥ — sem apego; sama-darśanaḥ — equânime; dadarśa — via; loke — no mundo; vitatam — espalhada; ātmānam — a Superalma; lokam — todo o mundo; ātmani — na Superalma.

Tradução

Desde seu nascimento, Utkala estava plenamente satisfeito e desapegado do mundo. Ele era equânime, pois podia ver tudo repousando na Superalma e a Superalma presente no coração de todos.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sintomas e características de Utkala, o filho de Mahārāja Dhruva, são os de um mahā-bhāgavata. Como se afirma na Bhagavad-gītā (6.30), yo māṁ paśyati sarvatra sarvaṁ ca mayi paśyati: um devoto altamente avançado vê a Suprema Personalidade de Deus em toda parte, e também vê tudo repousando no Supremo. Confirma-se também na Bhagavad-gītā (9.4) que mayā tatam idaṁ sarvaṁ jagad avyakta-mūrtinā: o Senhor Kṛṣṇa espalha-Se por todo o universo sob Seu aspecto impessoal. Tudo repousa nEle, mas isso não significa que tudo é o próprio Senhor. Um devoto mahā-bhāgavata altamente avançado vê as coisas com este espírito: ele vê a mesma Superalma, Paramātmā, existindo dentro do coração de todos, independentemente da discriminação baseada nas diferentes formas materiais das entidades vivas. Ele vê todos como partes integrantes da Suprema Personalidade de Deus. O mahā-bhāgavata, que experimenta a presença da Divindade Suprema em toda parte, nunca perde o Senhor Supremo de vista, tampouco o Senhor Supremo o perde de vista. Isso só é possível para quem é avançado em amor a Deus.

Texto

ātmānaṁ brahma-nirvāṇaṁ
pratyastamita-vigraham
avabodha-rasaikātmyam
ānandam anusantatam
avyavacchinna-yogāgni-
dagdha-karma-malāśayaḥ
svarūpam avarundhāno
nātmano ’nyaṁ tadaikṣata

Sinônimos

ātmānam — o eu; brahma — espírito; nirvāṇam — extinção da existência material; pratyastamita — terminada; vigraham — separação; avabodha-rasa — com o espírito de conhecimento; eka-ātmyam — unidade; ānandam — bem-aventurança; anusantatam — expandida; avyavacchinna — contínua; yoga — pela prática de yoga; agni — pelo fogo; dagdha — queimados; karma — desejos fruitivos; mala — sujos; āśayaḥ — em sua mente; svarūpam — posição constitucional; avarundhānaḥ — compreendendo; na — não; ātmanaḥ — além da Alma Suprema; anyam — nada mais; tadā — então; aikṣata — via.

Tradução

Através da expansão de seu conhecimento do Brahman Supremo, ele já alcançara a liberação do cativeiro do corpo. Esta liberação é conhecida como nirvāṇa. Ele se encontrava em bem-aventurança transcendental, e continuava sempre naquela existência bem-aventurada, que se expandia cada vez mais. Isso lhe era possível através da prática contínua de bhakti-yoga, que é comparada ao fogo porque consome todas as sujeiras materiais. Ele estava sempre situado em sua posição constitucional de autorrealização, e não podia ver nada além do Senhor Supremo e nada além de ele mesmo ocupado em prestar serviço devocional.

Comentário

SIGNIFICADO—Esses dois versos explicam o seguinte verso da Bhagavad-gītā (18.54):

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

“Aquele que está transcendentalmente situado compreende de imediato o Brahman Supremo e se enche de alegria. Ele jamais se lamenta, tampouco deseja ter algo. Tem a mesma disposição para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele alcança o serviço devocional puro a Mim.” O Senhor Caitanya também explica isso em Seu Śikṣāṣṭaka, no início do primeiro verso:

ceto-darpaṇa-mārjanaṁ bhava-mahā-dāvāgni-nirvāpaṇaṁ
śreyaḥ-kairava-candrikā-vitaraṇaṁ vidyā-vadhū-jīvanam

O sistema de bhakti-yoga é o mais elevado sistema de yoga, e, nesse sistema, o canto do santo nome do Senhor é a principal prática de serviço devocional. Cantando o santo nome, pode-se alcançar a perfeição do nirvāṇa, ou o libertar-se da existência material e, assim, expandir a vida bem-aventurada de existência espiritual, conforme descreve o Senhor Caitanya (ānandāmbudhi-vardhanam). Quem se situa nessa posição já não tem interesse algum na opulência material ou mesmo em um trono real e na soberania de todo um planeta. Essa situação se chama viraktir anyatra syāt. Ela é o resultado do serviço devocional.

Quanto mais avançamos em serviço devocional, mais nos desapegamos da opulência material e das atividades materiais. Assim é a natureza espiritual – plena de bem-aventurança. Descreve-se isso também na Bhagavad-gītā (2.59). Paraṁ dṛṣṭvā nivartate: deixamos de participar do gozo material ao saborearmos a vida bem-aventurada em existência espiritual, que é superior. Através do avanço em conhecimento espiritual, que é considerado como o fogo abrasador, todos os desejos materiais reduzem-se a cinzas. A perfeição do yoga místico é possível quando se está continuamente em contato com a Suprema Personalidade de Deus através da prática de serviço devocional. O devoto sempre pensa na Pessoa Suprema, a cada passo de sua vida. Toda alma condicionada está cheia das reações de sua vida passada, mas toda sujeira imediatamente se reduz a cinzas caso se execute serviço devocional. Descreve-se isso no Nārada-pañcarātra: sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam.

Texto

jaḍāndha-badhironmatta-
mūkākṛtir atan-matiḥ
lakṣitaḥ pathi bālānāṁ
praśāntārcir ivānalaḥ

Sinônimos

jaḍa — tolo; andha — cego; badhira — surdo; unmatta — louco; mūka — mudo; ākṛtiḥ — aparência; a-tat — não assim; matiḥ — sua inteligência; lakṣitaḥ — era visto; pathi — na rua; bālānām — pelos menos inteligentes; praśānta — acalmado; arciḥ — com chamas; iva — como; analaḥ — fogo.

Tradução

Para as pessoas menos inteligentes na rua, Utkala parecia tolo, cego, surdo, mudo e louco, embora, na verdade, não o fosse. Ele permanecia como o fogo coberto de cinzas, sem chamas abrasantes.

Comentário

SIGNIFICADO—Para evitar situações contraditórias, incômodas e desfavoráveis criadas por pessoas materialistas, uma grande pessoa santa como Jaḍa Bharata ou Utkala permanece silenciosa. Os menos inteligentes consideram tais pessoas santas loucas, surdas ou mudas. De fato, o devoto avançado evita falar com pessoas que não estão na vida devocional, mas, com aqueles que estão na vida devocional, ele conversa amistosamente, e fala aos inocentes para a iluminação deles. Praticamente, o mundo inteiro está cheio de não-devotos, e, assim, uma classe de devotos muito avançados chama-se bhajanānandī. Os que são goṣṭhy-ānandīs, contudo, pregam para aumentar o número de devotos. Porém, mesmo tais pregadores também evitam elementos opostos que tenham uma disposição desfavorável à vida espiritual.

Texto

matvā taṁ jaḍam unmattaṁ
kula-vṛddhāḥ samantriṇaḥ
vatsaraṁ bhūpatiṁ cakrur
yavīyāṁsaṁ bhrameḥ sutam

Sinônimos

matvā — achando; tam — Utkala; jaḍam — sem inteligência; unmattam — louco; kula-vṛddhāḥ — os membros mais velhos da família; samantriṇaḥ — com os ministros; vatsaram — Vatsara; bhū-patim — governante do mundo; cakruḥ — eles fizeram; yavīyāṁsam — mais novo; bhrameḥ — de Bhrami; sutam — filho.

Tradução

Por essa razão, os ministros e todos os membros mais velhos da família achavam que Utkala não tinha inteligência e, de fato, era louco. Assim, seu irmão mais novo, chamado Vatsara, filho de Bhrami, foi elevado ao trono real e se tornou rei do mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—Parece que, embora houvesse monarquia, não era, de modo algum, uma autocracia. Havia membros familiares mais velhos e ministros que podiam fazer mudanças e eleger a pessoa apropriada para o trono, embora o trono pudesse ser ocupado somente pela família real. Também nos dias modernos, onde quer que haja monarquia, às vezes os ministros e membros mais velhos da família escolhem um membro da família real para ocupar o trono em detrimento de outro.

Texto

svarvīthir vatsarasyeṣṭā
bhāryāsūta ṣaḍ-ātmajān
puṣpārṇaṁ tigmaketuṁ ca
iṣam ūrjaṁ vasuṁ jayam

Sinônimos

svarvīthiḥ — Svarvīthi; vatsarasya — do rei Vatsara; iṣṭā — muito querida; bhāryā — esposa; asūta — deu à luz; ṣaṭ — seis; ātmajān — filhos; puṣpārṇam — Puṣpārṇa; tigmaketum — Tigmaketu; ca — também; iṣam — Iṣa; ūrjam — Ūrja; vasum — Vasu; jayam — Jaya.

Tradução

O rei Vatsara tinha uma esposa muito querida cujo nome era Svarvīthi, e ela deu à luz seis filhos, chamados Puṣpārṇa, Tigmaketu, Iṣa, Ūrja, Vasu e Jaya.

Comentário

SIGNIFICADO—A esposa de Vatsara é mencionada aqui como iṣṭā, que significa “adorável”. Em outras palavras, parece que a esposa de Vatsara tinha todas as boas qualidades; por exemplo, ela era sempre muito fiel, obediente e afetuosa com seu esposo. Tinha todas as boas qualidades para administrar os afazeres domésticos. Se esposo e esposa são dotados de boas qualidades e vivem pacificamente, deles nascem bons filhos, e, dessa maneira, toda a família é feliz e próspera.

Texto

puṣpārṇasya prabhā bhāryā
doṣā ca dve babhūvatuḥ
prātar madhyandinaṁ sāyam
iti hy āsan prabhā-sutāḥ

Sinônimos

puṣpārṇasya — de Puṣpārṇa; prabhā — Prabhā; bhāryā — esposa; doṣā — Doṣā; ca — também; dve — duas; babhūvatuḥ — eram; prātaḥ — Prātar; madhyandinam — Madhyandinam; sāyam — Sāyam; iti — assim; hi — certamente; āsan — eram; prabhā-sutāḥ — filhos de Prabhā.

Tradução

Puṣpārṇa teve duas esposas, chamadas Prabhā e Doṣā. Prabhā teve três filhos, chamados Prātar, Madhyandinam e Sāyam.

Texto

pradoṣo niśitho vyuṣṭa
iti doṣā-sutās trayaḥ
vyuṣṭaḥ sutaṁ puṣkariṇyāṁ
sarvatejasam ādadhe

Sinônimos

pradoṣaḥ — Pradoṣa; niśithaḥ — Niśitha; vyuṣṭaḥ — Vyuṣṭa; iti — assim; doṣā — de Doṣā; sutāḥ — filhos; trayaḥ — três; vyuṣṭaḥ — Vyuṣṭa; sutam — filho; puṣkariṇyām — em Puṣkariṇī; sarva-tejasam — chamado Sarvatejā (todo-poderoso); ādadhe — gerou.

Tradução

Doṣā teve três filhos – Pradoṣa, Niśitha e Vyuṣṭa. A esposa de Vyuṣṭa chamava-se Puṣkariṇī, e deu à luz um filho poderosíssimo chamado Sarvatejā.

Texto

sa cakṣuḥ sutam ākūtyāṁ
patnyāṁ manum avāpa ha
manor asūta mahiṣī
virajān naḍvalā sutān
puruṁ kutsaṁ tritaṁ dyumnaṁ
satyavantam ṛtaṁ vratam
agniṣṭomam atīrātraṁ
pradyumnaṁ śibim ulmukam

Sinônimos

saḥ — ele (Sarvatejā); cakṣuḥ — chamado Cakṣuḥ; sutam — filho; ākūtyām — em Ākūti; patnyām — esposa; manum — Cākṣuṣa Manu; avāpa — obteve; ha — de fato; manoḥ — de Manu; asūta — deu à luz; mahiṣī — rainha; virajān — sem paixão; naḍvalā — Naḍvalā; sutān — filhos; purum — Puru; kutsam — Kutsa; tritam — Trita; dyumnam — Dyumna; satyavantam — Satyavān; ṛtam — Ṛta; vratam — Vrata; agniṣṭomam — Agniṣṭoma; atīrātram — Atīrātra; pradyumnam — Pradyumna; śibim — Śibi; ulmukam — Ulmuka.

Tradução

A esposa de Sarvatejā, Ākūti, deu à luz um filho chamado Cākṣuṣa, que se tornou o sexto Manu no final do milênio de Manu. Naḍvalā, a esposa de Cākṣuṣa Manu, deu à luz os seguintes filhos impecáveis: Puru, Kutsa, Trita, Dyumna, Satyavān, Ṛta, Vrata, Agniṣṭoma, Atīrātra, Pradyumna, Śibi e Ulmuka.

Texto

ulmuko ’janayat putrān
puṣkariṇyāṁ ṣaḍ uttamān
aṅgaṁ sumanasaṁ khyātiṁ
kratum aṅgirasaṁ gayam

Sinônimos

ulmukaḥ — Ulmuka; ajanayat — gerou; putrān — filhos; puṣkariṇyām — em Puṣkariṇī, sua esposa; ṣaṭ — seis; uttamān — ótimos; aṅgam — Aṅga; sumanasam — Sumanā; khyātim — Khyāti; kratum — Kratu; aṅgirasam — Aṅgirā; gayam — Gaya.

Tradução

Dos doze filhos, Ulmuka gerou seis filhos com sua esposa Puṣkariṇī. Todos eles eram ótimos filhos, e seus nomes eram Aṅga, Sumanā, Khyāti, Kratu, Aṅgirā e Gaya.

Texto

sunīthāṅgasya yā patnī
suṣuve venam ulbaṇam
yad-dauḥśīlyāt sa rājarṣir
nirviṇṇo niragāt purāt

Sinônimos

sunīthā — Sunīthā; aṅgasya — de Aṅga; — aquela que; patnī — a esposa; suṣuve — deu à luz; venam — Vena; ulbaṇam — muito desonesto; yat — cujo; dauḥśīlyāt — por causa do mau caráter; saḥ — ele; rāja-ṛṣiḥ — o santo rei Aṅga; nirviṇṇaḥ — muito desapontado; niragāt — partiu; purāt — do lar.

Tradução

A esposa de Aṅga, Sunīthā, deu à luz um filho chamado Vena, que era muito desonesto. Ficando muito desapontado com o mau caráter de Vena, o santo rei Aṅga deixou o lar e seu reino e rumou para a floresta.

Texto

yam aṅga śepuḥ kupitā
vāg-vajrā munayaḥ kila
gatāsos tasya bhūyas te
mamanthur dakṣiṇaṁ karam
arājake tadā loke
dasyubhiḥ pīḍitāḥ prajāḥ
jāto nārāyaṇāṁśena
pṛthur ādyaḥ kṣitīśvaraḥ

Sinônimos

yam — àquele (Vena) que; aṅga — meu querido Vidura; śepuḥ — eles amaldiçoaram; kupitāḥ — estando irados; vāk-vajrāḥ — cujas palavras são fortes como um raio; munayaḥ — grandes sábios; kila — na verdade; gata-asoḥ tasya — depois que ele morreu; bhūyaḥ — além disso; te — eles; mamanthuḥ — centrifugaram; dakṣiṇam — direita; karam — mão; arājake — estando sem rei; tadā — então; loke — o mundo; dasyubhiḥ — por ladrões e trapaceiros; pīḍitāḥ — sofrendo; prajāḥ — todos os cidadãos; jātaḥ — adveio; nārāyaṇa — da Suprema Personalidade de Deus; aṁśena — por uma representação parcial; pṛthuḥ — Pṛthu; ādyaḥ — original; kṣiti-īśvaraḥ — governante do mundo.

Tradução

Meu querido Vidura, quando grandes sábios amaldiçoam, suas palavras são invencíveis como um raio. Assim, quando eles amaldiçoaram o rei Vena por estarem irados, ele morreu. Após sua morte, como não havia rei, todos os ladrões e trapaceiros prosperaram, o reino se tornou desregulado e todos os cidadãos sofreram muito. Vendo isso, os grandes sábios pegaram a mão direita de Vena e fizeram dela um eixo centrifugador, e, como resultado dessa centrifugação, o Senhor Viṣṇu, sob Sua representação parcial, fez Seu advento como o rei Pṛthu, o imperador original do mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—A monarquia é melhor do que a democracia porque, se a monarquia é muito forte, os princípios reguladores são muito bem mantidos no reino. Mesmo cem anos atrás, no estado de Kashmir, na Índia, o rei era tão forte que, se algum ladrão era capturado em seu reino e levado até ele, o rei imediatamente decepava as mãos do ladrão. Como resultado desse rigoroso castigo, praticamente não havia casos de roubo dentro do reino. Mesmo que alguém deixasse algo na rua, ninguém tocava nisso. A lei era que as coisas podiam ser apanhadas somente pelo proprietário e que ninguém mais deveria tocá-las. Na dita democracia, onde quer que haja um caso de roubo, a polícia vem e registra a ocorrência, mas geralmente não se captura o ladrão, nem se lhe aplica punição alguma. Como resultado de governos incapazes, no momento atual, os ladrões, saqueadores e trapaceiros são muito proeminentes em todo o mundo.

Texto

vidura uvāca
tasya śīla-nidheḥ sādhor
brahmaṇyasya mahātmanaḥ
rājñaḥ katham abhūd duṣṭā
prajā yad vimanā yayau

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura disse; tasya — dele (Aṅga); śīla-nidheḥ — reservatório de boas características; sādhoḥ — pessoa santa; brahmaṇyasya — amante da cultura bramânica; mahātmanaḥ — grande alma; rājñaḥ — do rei; katham — como; abhūt — era; duṣṭā — mau; prajā — filho; yat — pelo qual; vimanāḥ — sendo indiferente; yayau — ele deixou.

Tradução

Vidura perguntou ao sábio Maitreya: Meu querido brāhmaṇa, o rei Aṅga era muito amável. Ele tinha um caráter elevado e era uma personalidade santa e amante da cultura bramânica. Como uma grande alma assim obteve um filho tão mau como Vena, por causa do qual ele se tornou indiferente a seu reino e o deixou?

Comentário

SIGNIFICADO—Na vida familiar, o homem deve viver feliz com pai, mãe, esposa e filhos, mas, algumas vezes, sob determinadas condições, o pai, a mãe, o filho ou a esposa tornam-se inimigos. Cāṇakya Paṇḍita diz que o pai é inimigo quando fica muito endividado, a mãe é inimiga caso se case pela segunda vez, a esposa é inimiga quando é muito bela e o filho é inimigo quando é um patife tolo. Dessa maneira, quando um membro da família vira um inimigo é muito difícil viver na vida familiar ou permanecer um chefe de família. Geralmente, semelhantes situações ocorrem no mundo material. Portanto, segundo a cultura védica, o homem deve deixar os membros de sua família logo após seu quinquagésimo aniversário para poder devotar o resto de sua vida inteiramente à busca da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

kiṁ vāṁho vena uddiśya
brahma-daṇḍam ayūyujan
daṇḍa-vrata-dhare rājñi
munayo dharma-kovidāḥ

Sinônimos

kim — por qual motivo; — também; aṁhaḥ — atividades pecaminosas; vene — a Vena; uddiśya — vendo; brahma-daṇḍam — a maldição de um brāhmaṇa; ayūyujan — eles desejaram impor; daṇḍa-vrata-dhare — que carrega o açoite de castigo; rājñi — ao rei; munayaḥ — os grandes sábios; dharma-kovidāḥ — inteiramente versados em princípios religiosos.

Tradução

Vidura também perguntou: Como é que os grandes sábios, que eram inteiramente versados nos princípios religiosos, desejaram amaldiçoar o rei Vena, que pessoalmente carregava o açoite de castigo, e assim lhe impuseram a mais forte punição [brahma-śāpa]?

Comentário

SIGNIFICADO—Compreende-se que o rei tem o poder de punir a todos, mas, neste caso, parece que os grandes sábios o puniram. O rei certamente fizera algo muito grave; de outro modo, como os grandes sábios, que eram tidos como os mais magnânimos e tolerantes, poderiam, ainda assim, puni-lo, apesar da elevada consciência religiosa que eles tinham? Parece, também, que o rei não era independente da cultura bramânica. Acima do rei, estava o controle dos brāhmaṇas, e, caso necessário, os brāhmaṇas destronavam o rei ou o matavam, não com alguma arma, mas com o mantra de um brahma-śāpa. Tão poderosos eram os brāhmaṇas que, simplesmente lançando uma maldição, uma pessoa morria de imediato.

Texto

nāvadhyeyaḥ prajā-pālaḥ
prajābhir aghavān api
yad asau loka-pālānāṁ
bibharty ojaḥ sva-tejasā

Sinônimos

na — jamais; avadhyeyaḥ — ser insultado; prajā-pālaḥ — o rei; prajābhiḥ — pelos cidadãos; aghavān — alguma vez pecaminoso; api — mesmo que; yat — porque; asau — ele; loka-pālānām — de muitos reis; bibharti — mantém; ojaḥ — bravura; sva-tejasā — pela influência pessoal.

Tradução

É dever de todo cidadão no estado jamais insultar o rei, mesmo que ele às vezes pareça ter feito algo muito pecaminoso. Por causa de sua bravura, o rei é sempre mais influente que todos os outros líderes governamentais.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo a civilização védica, o rei é tido como o representante da Suprema Personalidade de Deus. Ele é chamado nara-nārāyaṇa, indicando que Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus, aparece na sociedade humana como o rei. É etiqueta que nem o brāhmaṇa nem o rei kṣatriya devem ser insultados pelos cidadãos, em tempo algum; mesmo se o rei parecer pecaminoso, os cidadãos não devem insultá-lo. Porém, no caso de Vena, parece que ele foi amaldiçoado pelos nara-devatās, de modo que se conclui que suas atividades pecaminosas foram muito graves.

Texto

etad ākhyāhi me brahman
sunīthātmaja-ceṣṭitam
śraddadhānāya bhaktāya
tvaṁ parāvara-vittamaḥ

Sinônimos

etat — todos esses; ākhyāhi — por favor, descreve; me — para mim; brahman — ó grande brāhmaṇa; sunīthā-ātmaja — do filho de Sunīthā, Vena; ceṣṭitam — atividades; śraddadhānāya — fiel; bhaktāya — a teu devoto; tvam — tu; para-avara — com passado e futuro; vit-tamaḥ — bem versado.

Tradução

Vidura pediu a Maitreya: Meu querido brāhmaṇa, és bem versado em todos os assuntos, tanto passados quanto futuros. Portanto, desejo ouvir-te falar de todas as atividades do rei Vena. Como sou teu devoto fiel, por favor, explica-me isto.

Comentário

SIGNIFICADO—Vidura aceitou Maitreya como seu mestre espiritual. O discípulo sempre faz perguntas ao mestre espiritual, e o mestre espiritual responde às perguntas, contanto que o discípulo seja muito amável e devotado. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura dizia que, pela misericórdia do mestre espiritual, somos abençoados com a misericórdia do Senhor Supremo. O mestre espiritual não se sente inclinado a revelar todos os segredos da ciência transcendental a menos que o discípulo seja muito submisso e devotado. Como se afirma na Bhagavad-gītā, o processo de receber conhecimento do mestre espiritual inclui submissão, perguntas e serviço.

Texto

maitreya uvāca
aṅgo ’śvamedhaṁ rājarṣir
ājahāra mahā-kratum
nājagmur devatās tasminn
āhūtā brahma-vādibhiḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya respondeu; aṅgaḥ — rei Aṅga; aśvamedham — sacrifício aśvamedha; rāja-ṛṣiḥ — o rei santo; ājahāra — executou; mahā-kratum — grande sacrifício; na — não; ājagmuḥ — vieram; devataḥ — os semideuses; tasmin — naquele sacrifício; āhūtāḥ — sendo convidados; brahma-vādibhiḥ — pelos brāhmaṇas peritos em executar sacrifícios.

Tradução

Śrī Maitreya respondeu: Meu querido Vidura, certa vez, o grande rei Aṅga providenciou a realização do grande sacrifício conhecido como aśvamedha. Todos os brāhmaṇas peritos ali presentes sabiam como convidar os semideuses, mas, apesar de seus esforços, nenhum semideus participou ou compareceu àquele sacrifício.

Comentário

SIGNIFICADO—Um sacrifício védico não é uma realização ordinária. Os semideuses costumavam participar de tais sacrifícios, e os animais sacrificados em tais realizações reencarnavam-se com uma vida nova. Nesta era de Kali, não há brāhmaṇas poderosos que possam convidar os semideuses ou dar vida renovada a animais. Antigamente, os brāhmaṇas bem versados nos mantras védicos podiam mostrar a potência dos mantras, mas, nesta era, por não haver tais brāhmaṇas, todos esses sacrifícios são proibidos. O sacrifício no qual cavalos eram oferecidos chamava-se aśvamedha. Às vezes, vacas eram sacrificadas (gavālambha), não para fins alimentares, mas para lhes dar nova vida a fim de mostrar a potência do mantra. Nesta era, portanto, o único yajña prático é o saṅkīrtana-yajña, ou o canto do mantra Hare Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia.

Texto

tam ūcur vismitās tatra
yajamānam athartvijaḥ
havīṁṣi hūyamānāni
na te gṛhṇanti devatāḥ

Sinônimos

tam — ao rei Aṅga; ūcuḥ — disseram; vismitāḥ — admirados; tatra — ali; yajamānam — ao instituidor do sacrifício; atha — então; ṛtvijaḥ — os sacerdotes; havīṁṣi — oferendas de manteiga clarificada; hūyamānāni — sendo oferecidas; na — não; te — eles; gṛhṇanti — aceitam; devatāḥ — os semideuses.

Tradução

Os sacerdotes ocupados no sacrifício informaram, então, ao rei Aṅga: Ó rei, estamos oferecendo corretamente a manteiga clarificada no sacrifício, mas, apesar de todos os nossos esforços, os semideuses não a aceitam.

Texto

rājan havīṁṣy aduṣṭāni
śraddhayāsāditāni te
chandāṁsy ayāta-yāmāni
yojitāni dhṛta-vrataiḥ

Sinônimos

rājan — ó rei; havīṁṣi — oferendas sacrificatórias; aduṣṭāni — não poluída; śraddhayā — com grande fé e cuidado; āsāditāni — coletada; te — teu; chandāṁsi — os mantras; ayāta-yāmāni — não deficientes; yojitāni — devidamente executadas; dhṛta-vrataiḥ — por brāhmaṇas qualificados.

Tradução

Ó rei, sabemos que a parafernália para executar o sacrifício foi muito bem coletada por ti com grande fé e cuidado e não está poluída. Nosso cântico dos hinos védicos também não é deficiente de modo algum, pois todos os brāhmaṇas e sacerdotes aqui presentes são peritos e estão executando as práticas adequadamente.

Comentário

SIGNIFICADO—Os brāhmaṇas versados nessa ciência têm experiência em pronunciar um mantra védico na cadência métrica correta. A combinação do mantra e das palavras em sânscrito deve ser entoada com pronúncia correta, ou não surtirá o efeito desejado. Nesta era, os brāhmaṇas não são nem versados no idioma sânscrito, nem muito puros na vida prática. Porém, cantando o mantra Hare Kṛṣṇa, pode-se obter o mais elevado benefício das práticas sacrificatórias. Mesmo que o mantra Hare Kṛṣṇa não seja entoado corretamente, ele tem tanta potência que quem o canta obtém o efeito.

Texto

na vidāmeha devānāṁ
helanaṁ vayam aṇv api
yan na gṛhṇanti bhāgān svān
ye devāḥ karma-sākṣiṇaḥ

Sinônimos

na — não; vidāma — podemos encontrar; iha — a este respeito; devānām — dos semideuses; helanam — insulto, negligência; vayam — nós; aṇu — diminuta; api — mesmo; yat — devido a que; na — não; gṛhṇanti — aceitam; bhāgān — quinhões; svān — próprios; ye — que; devāḥ — os semideuses; karma-sākṣiṇaḥ — testemunhas do sacrifício.

Tradução

Querido rei, não vemos a razão pela qual os semideuses teriam se sentido insultados ou negligenciados de alguma maneira, mas, mesmo assim, os semideuses que são testemunhas do sacrifício não aceitam seus quinhões. Não sabemos por que isso acontece.

Comentário

SIGNIFICADO—Indica-se nesta passagem que, se há negligência da parte do sacerdote, os semideuses não aceitam seus quinhões nos sacrifícios. Do mesmo modo, no serviço devocional, há ofensas conhecidas como sevā-aparādha. Aqueles que se dedicam a adorar as Deidades, Rādhā e Kṛṣṇa, no templo, devem evitar tais ofensas em serviço. As ofensas em serviço são descritas no Néctar da Devoção. Se apenas fizermos um espetáculo de prestação de serviços à Deidade, mas não nos importarmos com o sevā-aparādha, decerto a Deidade de Rādhā-Kṛṣṇa não aceitará as oferendas de tais não-devotos. Devotos ocupados em adoração no templo não devem, portanto, inventar seus próprios métodos, senão que devem seguir estritamente os princípios reguladores relacionados à limpeza. Só então as oferendas serão aceitas.

Texto

maitreya uvāca
aṅgo dvija-vacaḥ śrutvā
yajamānaḥ sudurmanāḥ
tat praṣṭuṁ vyasṛjad vācaṁ
sadasyāṁs tad-anujñayā

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya respondeu; aṅgaḥ — rei Aṅga; dvija-vacaḥ — as palavras dos brāhmaṇas; śrutvā — após ouvir; yajamānaḥ — o realizador do sacrifício; sudurmanāḥ — muito aflito na mente; tat — sobre isso; praṣṭum — a fim de perguntar; vyasṛjat vācam — ele falou; sadasyān — aos sacerdotes; tat — a eles; anujñayā — pedindo permissão.

Tradução

Maitreya explicou que o rei Aṅga, após ouvir as afirmações dos sacerdotes, ficou muito aflito. Nesse momento, ele pediu permissão aos sacerdotes para quebrar seu silêncio e perguntou o seguinte a todos os sacerdotes presentes na arena de sacrifício.

Texto

nāgacchanty āhutā devā
na gṛhṇanti grahān iha
sadasas-patayo brūta
kim avadyaṁ mayā kṛtam

Sinônimos

na — não; āgacchanti — estão vindo; āhutāḥ — sendo convidados; devāḥ — os semideuses; na — não; gṛhṇanti — estão aceitando; grahān — quinhões; iha — no sacrifício; sadasaḥ-patayaḥ — meus queridos sacerdotes; brūta — por favor, dizei-me; kim — o que; avadyam — ofensa; mayā — por mim; kṛtam — foi cometida.

Tradução

O rei Aṅga dirigiu-se assim à ordem sacerdotal: Meus queridos sacerdotes, por favor, dizei-me que ofensa cometi. Embora convidados, os semideuses não participam do sacrifício nem aceitam seus quinhões.

Texto

sadasas-pataya ūcuḥ
nara-deveha bhavato
nāghaṁ tāvan manāk sthitam
asty ekaṁ prāktanam aghaṁ
yad ihedṛk tvam aprajaḥ

Sinônimos

sadasaḥ-patayaḥ ūcuḥ — os sacerdotes líderes disseram; nara-deva — ó rei; iha — nesta vida; bhavataḥ — de ti; na — não; agham — atividades pecaminosas; tāvat manāk — nem mesmo a mais leve; sthitam — situada; asti — há; ekam — uma; prāktanam — no nascimento anterior; agham — atividade pecaminosa; yat — pela qual; iha — nesta vida; īdṛk — assim; tvam — tu; aprajaḥ — sem nenhum filho.

Tradução

Os sacerdotes líderes disseram: Ó rei, não encontramos nenhuma atividade pecaminosa nesta vida, nem mesmo dentro de tua mente, de modo que não és nem um pouco ofensivo. Mas podemos ver que, em tua vida anterior, executaste atividades pecaminosas devido às quais, apesar de teres todas as qualificações, não tens filho algum.

Comentário

SIGNIFICADO—O propósito do matrimônio é gerar filhos, pois o filho é necessário para libertar seu pai e antepassados de qualquer condição de vida infernal em que eles possam estar. Cāṇakya Paṇḍita, portanto, diz que putra-hīnaṁ gṛhaṁ śūnyam: sem um filho, a vida familiar é simplesmente abominável. O rei Aṅga era um rei muito piedoso nesta vida, mas, devido a suas atividades pecaminosas anteriores, ele não conseguia ter um filho. Conclui-se, portanto, que, se uma pessoa não consegue ter filhos, isso se deve à sua vida pecaminosa passada.

Texto

tathā sādhaya bhadraṁ te
ātmānaṁ suprajaṁ nṛpa
iṣṭas te putra-kāmasya
putraṁ dāsyati yajña-bhuk

Sinônimos

tathā — portanto; sādhaya — executa o sacrifício para obter; bhadram — boa fortuna; te — a ti; ātmānam — teu próprio; su-prajam — bom filho; nṛpa — ó rei; iṣṭaḥ — sendo adorado; te — por ti; putra-kāmasya — desejando ter um filho; putram — um filho; dāsyati — Ele dará; yajña-bhuk — o Senhor, o desfrutador do sacrifício.

Tradução

Ó rei, desejamos toda boa fortuna a ti. Não tens um filho, mas, se orares imediatamente ao Senhor Supremo e Lhe pedires um filho, e se executares o sacrifício indicado para esse propósito, o desfrutador do sacrifício, a Suprema Personalidade de Deus, satisfará o teu desejo.

Texto

tathā sva-bhāgadheyāni
grahīṣyanti divaukasaḥ
yad yajña-puruṣaḥ sākṣād
apatyāya harir vṛtaḥ

Sinônimos

tathā — por isso; sva-bhāga-dheyāni — seus quinhões no sacrifício; grahīṣyanti — aceitarão; diva-okasaḥ — todos os semideuses; yat — porque; yajña-puruṣaḥ — o desfrutador de todos os sacrifícios, sākṣāt – diretamente; apatyāya — para o propósito de obter um filho; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; vṛtaḥ — for convidado.

Tradução

Quando Hari, o desfrutador supremo de todos os sacrifícios, for convidado a satisfazer teu desejo de ter um filho, todos os semideuses virão com Ele e receberão seus quinhões no sacrifício.

Comentário

SIGNIFICADO—Sempre que se executa um sacrifício, ele se destina à satisfação do Senhor Viṣṇu, o desfrutador dos frutos de todos os sacrifícios, e, quando o Senhor Viṣṇu concorda em vir a uma arena de sacrifício, todos os semideuses naturalmente acompanham seu amo, e seus quinhões são oferecidos em tais sacrifícios. A conclusão é que os sacrifícios realizados se destinam ao Senhor Viṣṇu, e não aos semideuses.

Texto

tāṁs tān kāmān harir dadyād
yān yān kāmayate janaḥ
ārādhito yathaivaiṣa
tathā puṁsāṁ phalodayaḥ

Sinônimos

tān tān — aqueles; kāmān — objetos desejados; hariḥ — o Senhor; dadyāt — outorgará; yān yān — qualquer coisa que; kāmayate — desejos; janaḥ — a pessoa; ārādhitaḥ — sendo adorado; yathā — como; eva — certamente; eṣaḥ — o Senhor; tathā — da mesma forma; puṁsām — dos homens; phala-udayaḥ — o resultado.

Tradução

O realizador dos sacrifícios [sob atividades karma-kāṇḍa] alcança a satisfação do desejo em troca do qual ele adora o Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā, o Senhor diz que outorga bênçãos ao adorador de acordo com o desejo deste. A Suprema Personalidade de Deus proporciona a todas as entidades vivas condicionadas dentro deste mundo material plena liberdade para agirem à sua própria maneira. A Seu devoto, porém, Ele diz que, ao invés de agir dessa maneira, é melhor render-se a Ele, pois Ele Se encarregará do devoto. Essa é a diferença entre um devoto e um trabalhador fruitivo. O trabalhador fruitivo goza apenas dos frutos de suas próprias atividades, mas o devoto, estando sob a orientação do Senhor Supremo, simplesmente avança em serviço devocional, para alcançar a meta última da vida – voltar ao lar, voltar ao Supremo. A palavra significativa deste verso é kāmān, que significa “desejos de gozo dos sentidos”. Um devoto está desprovido de todo kāmān. Ele é anyābhilāṣitā-śūnya: o devoto está sempre desprovido de todos os desejos de gozo dos sentidos. Seu único objetivo é satisfazer ou agradar os sentidos do Senhor. É essa a diferença entre o karmī e o devoto.

Texto

iti vyavasitā viprās
tasya rājñaḥ prajātaye
puroḍāśaṁ niravapan
śipi-viṣṭāya viṣṇave

Sinônimos

iti — assim; vyavasitāḥ — tendo decidido; viprāḥ — os brāhmaṇas; tasya — seu; rājñaḥ — do rei; prajātaye — para o propósito de gerar um filho; puroḍāśam — a parafernália do sacrifício; niravapan — ofereceram; śipi-viṣṭāya — ao Senhor, que está situado no fogo do sacrifício; viṣṇave — ao Senhor Viṣṇu.

Tradução

Assim, em nome do filho desejado pelo rei Aṅga, decidiram oferecer oblações ao Senhor Viṣṇu, que está situado no coração de todas as entidades vivas.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo os rituais sacrificatórios, às vezes animais são sacrificados na arena do yajña. Sacrificam-se tais animais, não para matá-los, mas para dar-lhes uma vida nova. Tal ação servia de experimento para observar se os mantras védicos estavam sendo pronunciados corretamente. Algumas vezes, matam-se pequenos animais em um laboratório médico para investigar efeitos terapêuticos. Em uma clínica médica, os animais não podem ser revividos, mas, na arena do yajña, quando se sacrificavam animais, estes novamente recebiam a vida por meio da potência de mantras védicos. A expressão śipi-viṣṭāya aparece neste verso. Śipi significa “as chamas do sacrifício”. No fogo sacrificatório, caso se ofereçam as oblações às chamas, o Senhor Viṣṇu situa-Se ali na forma das chamas. Portanto, o Senhor Viṣṇu é conhecido como Śipiviṣṭa.

Texto

tasmāt puruṣa uttasthau
hema-māly amalāmbaraḥ
hiraṇmayena pātreṇa
siddham ādāya pāyasam

Sinônimos

tasmāt — daquele fogo; puruṣaḥ — uma pessoa; uttasthau — apareceu; hema-mālī — com uma guirlanda dourada; amala-ambaraḥ — com vestes brancas; hiraṇmayena — dourado; pātreṇa — com um pote; siddham — cozido; ādāya — trazendo consigo; pāyasam — arroz cozido no leite.

Tradução

Logo que a oblação foi oferecida no fogo, apareceu uma pessoa do fogo do altar, usando uma guirlanda dourada e roupa branca. Ele trazia consigo um pote dourado cheio de arroz cozido no leite.

Texto

sa viprānumato rājā
gṛhītvāñjalinaudanam
avaghrāya mudā yuktaḥ
prādāt patnyā udāra-dhīḥ

Sinônimos

saḥ — ele; vipra — dos brāhmaṇas; anumataḥ — pedindo permissão; rājā — o rei; gṛhītvā — tomando; añjalinā — na concha formada pelas palmas de suas mãos; odanam — arroz fervido no leite; avaghrāya — após cheirar; mudā — com grande deleite; yuktaḥ — fixo; prādāt — ofereceu; patnyai — a sua esposa; udāra-dhīḥ — de mentalidade liberal.

Tradução

O rei era muito liberal e, após pedir permissão aos sacerdotes, pegou a preparação na concha formada pelas palmas de suas mãos e, após cheirar seu aroma, ofereceu uma porção à sua esposa.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra udāra-dhīḥ é significativa a este respeito. A esposa do rei, Sunīthā, não era digna de aceitar essa bênção, mas o rei era tão liberal que, sem hesitar, ofereceu à sua esposa a prasāda na forma de arroz cozido no leite recebida do yajña-puruṣa. Evidentemente, tudo é designado pela Suprema Personalidade de Deus. Como se explicará em versos posteriores, este incidente não foi muito favorável para o rei. Uma vez que o rei era muito liberal, a Suprema Personalidade de Deus, a fim de aumentar seu desapego deste mundo material, quis que nascesse um filho cruel da rainha para que o rei tivesse que deixar o lar. Como se afirmou acima, o Senhor Viṣṇu satisfaz os desejos dos karmīs conforme eles o queiram, mas o desejo de um devoto Ele satisfaz de maneira diferente para que o devoto possa aproximar-se dEle gradualmente. Confirma-se isso na Bhagavad-gītā (dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ yena mām upayānti te). O Senhor proporciona ao devoto a oportunidade de progredir cada vez mais para que ele possa voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

sā tat puṁ-savanaṁ rājñī
prāśya vai patyur ādadhe
garbhaṁ kāla upāvṛtte
kumāraṁ suṣuve ’prajā

Sinônimos

— ela; tat — aquela comida; pum-savanam — que produz um varão; rājñī — a rainha; prāśya — comendo; vai — na verdade; patyuḥ — do esposo; ādadhe — concebido; garbham — gravidez; kāle — quando chegado o devido momento; upāvṛtte — apareceu; kumāram — um filho; suṣuve — deu à luz; aprajā — não tendo filho.

Tradução

Embora a rainha não tivesse filho, após comer aquele alimento, que tinha o poder de produzir um varão, ela foi engravidada pelo esposo e, no devido curso do tempo, deu à luz um filho.

Comentário

SIGNIFICADO—Entre as dez classes de processos purificatórios, há o puṁ-savanam, em que a esposa recebe um pouco de prasāda, ou restos dos alimentos oferecidos ao Senhor Viṣṇu, de modo que, após o intercurso sexual com seu esposo, ela possa conceber um filho.

Texto

sa bāla eva puruṣo
mātāmaham anuvrataḥ
adharmāṁśodbhavaṁ mṛtyuṁ
tenābhavad adhārmikaḥ

Sinônimos

saḥ — aquele; bālaḥ — menino; eva — certamente; puruṣaḥ — masculino; mātā-maham — avô materno; anuvrataḥ — um seguidor de; adharma — da irreligião; aṁśa — de uma porção; udbhavam — que apareceu; mṛtyum — morte; tena — por isto; abhavat — tornou-se; adhārmikaḥ — irreligioso.

Tradução

Aquele menino nasceu parcialmente na dinastia da irreligião. Seu avô era a morte personificada, e o menino cresceu como seu seguidor; ele se tornou uma pessoa altamente irreligiosa.

Comentário

SIGNIFICADO—A mãe da criança, Sunīthā, era filha da morte personificada. De um modo geral, a filha herda as qualificações de seu pai, e o filho adquire as da mãe. Assim, de acordo com a verdade axiomática de que duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si, o filho nascido do rei Aṅga tornou-se seguidor de seu avô materno. Segundo o smṛti-śāstra, o filho geralmente segue os princípios da casa de seu tio materno. Narāṇāṁ mātula-karma significa que um filho geralmente segue as qualidades de sua família materna. Se a família materna é muito corrupta ou pecaminosa, a criança, mesmo que nasça de um bom pai, torna-se vítima da família materna. Segundo a civilização védica, portanto, antes de ocorrer o casamento, faz-se um levantamento de dados sobre as famílias do rapaz e da moça. Se, de acordo com os cálculos astrológicos, a combinação é perfeita, então se realiza o casamento. Às vezes, entretanto, comete-se um erro, e a vida familiar se torna frustrante.

Parece que o rei Aṅga não tinha uma esposa muito boa na pessoa de Sunīthā, porque ela era filha da morte personificada. Às vezes, o Senhor providencia uma esposa desventurada para Seu devoto para que ele gradualmente, devido às circunstâncias familiares, desapegue-se de sua esposa e do lar e progrida na vida devocional. Parece que, pelo arranjo da Suprema Personalidade de Deus, o rei Aṅga, embora fosse devoto piedoso, obteve uma esposa desventurada como Sunīthā e, mais tarde, um mau filho como Vena. O resultado, porém, foi que ele se libertou inteiramente do emaranhamento da vida familiar e deixou o lar para voltar ao Supremo.

Texto

sa śarāsanam udyamya
mṛgayur vana-gocaraḥ
hanty asādhur mṛgān dīnān
veno ’sāv ity arauj janaḥ

Sinônimos

saḥ — esse menino chamado Vena; śarāsanam — seu arco; udyamya — tomando; mṛgayuḥ — o caçador; vana-gocaraḥ — indo à floresta; hanti — matava; asādhuḥ — sendo muito cruel; mṛgān — veados; dīnān — pobres; venaḥ — Vena; asau — eis aí; iti — assim; araut — lamentavam-se; janaḥ — todas as pessoas.

Tradução

Após fixar seu arco e flecha, o menino cruel costumava ir à floresta e matar desnecessariamente veados inocentes. Onde quer que ele aparecesse, todas as pessoas se lamentavam assim: “Aí vem o cruel Vena! Aí vem o cruel Vena!”

Comentário

SIGNIFICADO—Os kṣatriyas têm permissão de caçar na floresta com o objetivo de aprender a arte de matar, e não para comê-los ou para qualquer outro propósito. Os reis kṣatriyas às vezes se viam na obrigação de decepar a cabeça de algum criminoso no estado. Por essa razão, os kṣatriyas tinham permissão de caçar na floresta. Como esse filho do rei Aṅga, Vena, nascera de uma mãe ruim, ele era muito cruel e costumava ir à floresta para matar animais desnecessariamente. Todos os habitantes da vizinhança ficavam amedrontados com sua presença, e gritavam: “Vena está vindo! Vena está vindo!” Assim, desde o início de sua vida, os cidadãos se aterrorizavam com ele.

Texto

ākrīḍe krīḍato bālān
vayasyān atidāruṇaḥ
prasahya niranukrośaḥ
paśu-māram amārayat

Sinônimos

ākrīḍe — no parque de diversões; krīḍataḥ — enquanto brincava; bālān — rapazes; vayasyān — de sua idade; ati-dāruṇaḥ — muito cruel; prasahya — à força; niranukrośaḥ — sem nenhuma misericórdia; paśumāram – como se estivesse abatendo animais; amārayat — matava.

Tradução

Tão cruel era o rapaz que, enquanto brincava com jovens de sua idade, ele os matava sem nenhuma misericórdia, como se eles fossem animais destinados ao abate.

Texto

taṁ vicakṣya khalaṁ putraṁ
śāsanair vividhair nṛpaḥ
yadā na śāsituṁ kalpo
bhṛśam āsīt sudurmanāḥ

Sinônimos

tam — a ele; vicakṣya — observando; khalam — cruel; putram — filho; śāsanaiḥ — com castigos; vividhaiḥ — diferentes espécies de; nṛpaḥ — o rei; yadā — quando; na — não; śāsitum — de controlar; kalpaḥ — era capaz; bhṛśam — muito; āsīt — ficava; su-durmanāḥ — aflito.

Tradução

Após ver o comportamento cruel e inclemente de seu filho, Vena, o rei Aṅga o castigava de diferentes maneiras para corrigi-lo, mas era incapaz de conduzi-lo ao caminho da nobreza. Assim, ele ficava muito aflito.

Texto

prāyeṇābhyarcito devo
ye ’prajā gṛha-medhinaḥ
kad-apatya-bhṛtaṁ duḥkhaṁ
ye na vindanti durbharam

Sinônimos

prāyeṇa — provavelmente; abhyarcitaḥ — foi adorado; devaḥ — o Senhor; ye — aqueles que; aprajāḥ — sem filhos; gṛha-medhinaḥ — pessoas que vivem no lar; kad-apatya — por um filho mau; bhṛtam — causada; duḥkham — infelicidade; ye — aqueles que; na — não; vindanti — sofrem; durbharam — insuportável.

Tradução

O rei pensava consigo mesmo: Pessoas que não têm filhos são decerto afortunadas. Elas devem ter adorado o Senhor em suas vidas anteriores para não terem de sofrer a insuportável infelicidade causada por um filho mau.

Comentário

SIGNIFICADO—Declara-se que um casal deve ter filhos, ou sua vida familiar é vazia. Mas um filho nascido sem boas qualidades é como um olho cego. Um olho cego não tem utilidade para ver: é apenas fonte de dores insuportáveis. O rei, portanto, julgava-se muito desventurado por ter um filho mau como Vena.

Texto

yataḥ pāpīyasī kīrtir
adharmaś ca mahān nṛṇām
yato virodhaḥ sarveṣāṁ
yata ādhir anantakaḥ

Sinônimos

yataḥ — por causa de um filho mau; pāpīyasī — pecaminoso; kīrtiḥ — reputação; adharmaḥ — irreligião; ca — também; mahān — grande; nṛṇām — dos homens; yataḥ — das quais; virodhaḥ — desavenças; sarveṣām — de todas as pessoas; yataḥ — da qual; ādhiḥ — ansiedade; anantakaḥ — interminável.

Tradução

Um filho pecaminoso destrói a reputação de uma pessoa. Suas atividades irreligiosas no lar provocam irreligião e desavenças entre todos, e isso não cria nada além de uma ansiedade interminável.

Texto

kas taṁ prajāpadeśaṁ vai
moha-bandhanam ātmanaḥ
paṇḍito bahu manyeta
yad-arthāḥ kleśadā gṛhāḥ

Sinônimos

kaḥ — quem; tam — a ele; prajā-apadeśam — filho somente de nome; vai — decerto; moha — de ilusão; bandhanam — cativeiro; ātmanaḥ — para a alma; paṇḍitaḥ — homem inteligente; bahu manyeta — apreciaria; yat-arthāḥ — por causa de quem; kleśa-dāḥ — doloroso; gṛhāḥ — lar.

Tradução

Quem, caso ponderado e inteligente, desejaria um filho inútil assim? Semelhante filho nada mais é que um laço de ilusão para a entidade viva, e torna sua casa um lugar de sofrimentos.

Texto

kad-apatyaṁ varaṁ manye
sad-apatyāc chucāṁ padāt
nirvidyeta gṛhān martyo
yat-kleśa-nivahā gṛhāḥ

Sinônimos

kad-apatyam — filho mau; varam — melhor; manye — considero; satapatyāt – do que um filho bom; śucām — de pesar; padāt — a fonte; nirvidyeta — desapega-se; gṛhāt — do lar; martyaḥ — um homem mortal; yat — por causa de quem; kleśa-nivahāḥ — infernal; gṛhāḥ — lar.

Tradução

Então, o rei pensava: Um filho mau é melhor do que um filho bom porque um filho bom faz com que nos apeguemos ao lar, ao passo que um filho mau não. Um filho ruim cria um lar infernal, do qual um homem inteligente naturalmente se desapega com facilidade.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei começou a pensar em termos de apego e desapego do lar material. Segundo Prahlāda Mahārāja, o lar material é comparado a um poço camuflado. Se um homem cai em um poço camuflado, é muito difícil escapar dele e recomeçar a vida. Prahlāda Mahārāja aconselha que abandonemos esse poço camuflado da vida familiar logo que possível e nos dirijamos à floresta para nos refugiar na Suprema Personalidade de Deus. Segundo a civilização védica, essa renúncia ao lar mediante vānaprastha e sannyāsa é compulsória. Contudo, as pessoas são tão apegadas a seus lares que nem no momento da morte querem retirar-se da vida familiar. O rei Aṅga, portanto, pensando em termos de desapego, aceitou seu filho mau como um bom ímpeto para se desapegar da vida familiar. Portanto, ele considerou seu filho mau como um amigo, uma vez que esse o estava ajudando a desapegar-se de seu lar. Em última análise, é preciso aprender a desapegar-se do apego à vida material; portanto, se um filho mau, através de seu comportamento negativo, ajuda um chefe de família a ir-se embora do lar, isso é uma dádiva.

Texto

evaṁ sa nirviṇṇa-manā nṛpo gṛhān
niśītha utthāya mahodayodayāt
alabdha-nidro ’nupalakṣito nṛbhir
hitvā gato vena-suvaṁ prasuptām

Sinônimos

evam — assim; saḥ — ele; nirviṇṇa-manāḥ — estando mentalmente indiferente; nṛpaḥ — rei Aṅga; gṛhāt — do lar; niśīthe — na calada da noite; utthāya — levantando-se; mahā-udaya-udayāt — opulento devido às bênçãos de grandes almas; alabdha-nidraḥ — estando sem dormir; anupalakṣitaḥ — sem ser visto; nṛbhiḥ — pelas pessoas em geral; hitvā — abandonando; gataḥ — foi-se embora; vena-suvam — a mãe de Vena; prasuptām — dormindo profundamente.

Tradução

Pensando assim, o rei Aṅga não conseguia dormir à noite. Ele se tornou inteiramente indiferente à vida familiar. Certa vez, portanto, na calada da noite, levantou-se do leito e deixou a mãe de Vena [sua esposa], que dormia profundamente. Perdeu toda a atração por seu opulentíssimo reino e, sem ser visto por ninguém, abandonou muito silenciosamente seu lar e opulência e dirigiu-se para a floresta.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a expressão mahodayodayāt indica que as bênçãos de uma grande alma tornam uma pessoa materialmente opulenta, mas, quando ela abandona o apego à riqueza material, isso deve ser considerado uma bênção ainda maior da parte das grandes almas. Não foi tarefa muito fácil para o rei abandonar seu reino opulento e esposa jovem e fiel, mas foi certamente uma grande bênção da Suprema Personalidade de Deus o fato de ele poder abandonar o apego e ir-se embora para a floresta sem ser visto por ninguém. Há muitos casos de grandes almas que deixam o lar dessa maneira, na calada da noite, abandonando o apego a lar, esposa e dinheiro.

Texto

vijñāya nirvidya gataṁ patiṁ prajāḥ
purohitāmātya-suhṛd-gaṇādayaḥ
vicikyur urvyām atiśoka-kātarā
yathā nigūḍhaṁ puruṣaṁ kuyoginaḥ

Sinônimos

vijñāya — após ficarem sabendo; nirvidya — estando indiferente; gatam — partira; patim — o rei; prajāḥ — todos os cidadãos; purohita — sacerdotes; amātya — ministros; suhṛt — amigos; gaṇa-ādayaḥ — e pessoas em geral; vicikyuḥ — procurado; urvyām — na Terra; ati-śokakātarāḥ – estando muito pesarosos; yathā — assim como; nigūḍham — oculta; puruṣam — a Superalma; ku-yoginaḥ — místicos inexperientes.

Tradução

Ao ficarem sabendo que o rei deixara o lar com indiferença, todos os cidadãos, sacerdotes, ministros, amigos e pessoas em geral ficaram muito pesarosos. Eles saíram à procura dele em toda parte, assim como um místico menos experiente procura a Superalma, que está dentro de si.

Comentário

SIGNIFICADO—O exemplo da busca da Superalma dentro do coração por parte dos místicos menos inteligentes é muito instrutivo. Compreende-se a Verdade Absoluta sob três aspectos diferentes, a saber, o Brahman impessoal, o Paramātmā localizado e a Suprema Personalidade de Deus. Tais kuyoginaḥ, ou místicos menos inteligentes, podem, através da especulação mental, chegar ao ponto do Brahman impessoal, mas não podem encontrar a Superalma, que Se encontra dentro de cada entidade viva. Com a partida do rei, era certo que ele se encontrava em alguma outra parte, mas, como os cidadãos não sabiam como encontrá-lo, estavam frustrados como os místicos menos inteligentes.

Texto

alakṣayantaḥ padavīṁ prajāpater
hatodyamāḥ pratyupasṛtya te purīm
ṛṣīn sametān abhivandya sāśravo
nyavedayan paurava bhartṛ-viplavam

Sinônimos

alakṣayantaḥ — não encontrando; padavīm — nenhum vestígio; prajāpateḥ — do rei Aṅga; hata-udyamāḥ — tendo ficado desapontados; pratyupasṛtya — após regressarem; te — aqueles cidadãos; purīm — à cidade; ṛṣīn — os grandes sábios; sametān — reunidos; abhivandya — após prestarem respeitosas reverências; sa-aśravaḥ — com lágrimas nos olhos; nyavedayan — informaram; paurava — ó Vidura; bhartṛ — do rei; viplavam — a ausência.

Tradução

Como não conseguiram encontrar nenhum vestígio do rei após procurá-lo por toda parte, os cidadãos ficaram muito desapontados e regressaram à cidade, onde todos os grandes sábios do território estavam reunidos por causa da ausência do rei. Com lágrimas nos olhos, os cidadãos ofereceram respeitosas reverências aos sábios e lhes informaram detalhadamente que não foram capazes de encontrar o rei em parte alguma.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, décimo terceiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Descrição dos Descendentes de Dhruva Mahārāja”.