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Capítulo Quatorze

A História do Rei Vena

Texto

maitreya uvāca
bhṛgv-ādayas te munayo
lokānāṁ kṣema-darśinaḥ
goptary asati vai nṝṇāṁ
paśyantaḥ paśu-sāmyatām

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya continuou; bhṛgu-ādayaḥ — liderados por Bhṛgu; te — todos eles; munayaḥ — os grandes sábios; lokānām — das pessoas; kṣema-darśinaḥ — que sempre aspiram ao bem-estar; goptari — o rei; asati — estando ausente; vai — decerto; nṝṇām — de todos os cidadãos; paśyantaḥ — tendo compreendido; paśu-sāmyatām — existência ao nível dos animais.

Tradução

O grande sábio Maitreya continuou: Ó grande herói Vidura, os grandes sábios, liderados por Bhṛgu, viviam pensando no bem-estar das pessoas em geral. Ao verem que, na ausência do rei Aṅga, não havia quem protegesse os interesses do povo, compreenderam que, sem um governante, as pessoas se tornariam independentes e desreguladas.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a expressão significativa é kṣema-darśinaḥ, que se refere àqueles que sempre zelam pelo bem-estar das pessoas em geral. Todos os grandes sábios liderados por Bhṛgu viviam pensando em como elevar todas as pessoas do universo à plataforma espiritual. Na verdade, eles aconselhavam os reis de todos os planetas a governarem as pessoas, tendo em mente essa meta última de vida. Os grandes sábios costumavam aconselhar o líder do estado, ou o rei, e esse, por sua vez, governava o povo de acordo com a instrução deles. Após o desaparecimento do rei Aṅga, não havia quem seguisse as instruções dos grandes sábios. Em consequência disso, todos os cidadãos ficaram tão indisciplinados que podiam ser comparados a animais. Como se descreve na Bhagavad-gītā (4.13), a sociedade humana deve ser dividida em quatro ordens, conforme qualidade e trabalho. Em toda sociedade, deve haver uma classe inteligente, uma classe administrativa, uma classe produtiva e uma classe trabalhadora. Na democracia moderna, essas divisões científicas estão invertidas, e, através de votos, śūdras, ou trabalhadores, são escolhidos para postos administrativos. Desconhecendo a meta última da vida, semelhantes pessoas caprichosamente decretam leis, sem conhecimento do objetivo da vida. O resultado disso é que ninguém é feliz.

Texto

vīra-mātaram āhūya
sunīthāṁ brahma-vādinaḥ
prakṛty-asammataṁ venam
abhyaṣiñcan patiṁ bhuvaḥ

Sinônimos

vīra — de Vena; mātaram — mãe; āhūya — chamando; sunīthām — chamada Sunīthā; brahma-vādinaḥ — os grandes sábios eruditos nos Vedas; prakṛti — pelos ministros; asammatam — não aprovado por; venam — Vena; abhyaṣiñcan — entronaram; patim — o mestre; bhuvaḥ — do mundo.

Tradução

Os grandes sábios, então, chamaram a rainha mãe, Sunīthā, e, com a permissão dela, instalaram Vena no trono como o mestre do mundo. Contudo, nenhum ministro concordou com isso.

Texto

śrutvā nṛpāsana-gataṁ
venam atyugra-śāsanam
nililyur dasyavaḥ sadyaḥ
sarpa-trastā ivākhavaḥ

Sinônimos

śrutvā — após ouvir; nṛpa — do rei; āsana-gatam — ascendeu ao trono; venam — Vena; ati — muito; ugra — severo; śāsanam — punidor; nililyuḥ — esconderam-se; dasyavaḥ — todos os ladrões; sadyaḥ — imediatamente; sarpa — de serpentes; trastāḥ — estando com medo; iva — como; ākhavaḥ — ratos.

Tradução

Já se sabia que Vena era muito severo e cruel; portanto, assim que ouviram falar de sua ascensão ao trono real, todos os ladrões e trapaceiros do estado ficaram com muito medo dele. Na verdade, eles se escondiam aqui e ali como ratos se escondem de serpentes.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando o governo é muito fraco, os ladrões e trapaceiros prosperam. Do mesmo modo, quando o governo é muito forte, todos os ladrões e trapaceiros desaparecem ou se escondem. Evidentemente, Vena não era um rei muito bom, mas era conhecido como cruel e severo. Assim, o estado ao menos se viu livre de ladrões e trapaceiros.

Texto

sa ārūḍha-nṛpa-sthāna
unnaddho ’ṣṭa-vibhūtibhiḥ
avamene mahā-bhāgān
stabdhaḥ sambhāvitaḥ svataḥ

Sinônimos

saḥ — rei Vena; ārūḍha — ascendeu a; nṛpa-sthānaḥ — o assento do rei; unnaddhaḥ — muito orgulhoso; aṣṭa — oito; vibhūtibhiḥ — por opulências; avamene — passou a insultar; mahā-bhāgān — grandes personalidades; stabdhaḥ — inconsiderado; sambhāvitaḥ — considerado grande; svataḥ — por ele mesmo.

Tradução

Ao ascender ao trono, o rei se tornou todo-poderoso, com oito espécies de opulências. Em consequência disso, ficou demasiadamente orgulhoso. Devido a seu falso prestígio, ele se considerava superior a qualquer pessoa e, deste modo, passou a insultar grandes personalidades.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a expressão aṣṭa-vibhūtibhiḥ, significando “por oito opulências”, é muito importante. Supõe-se que o rei possua oito espécies de opulências. Em virtude da prática do yoga místico, os reis geralmente obtinham essas oito opulências. Esses reis eram chamados de rājarṣis, reis que eram também grandes sábios. Praticando o yoga místico, um rājarṣi podia tornar-se menor que o menor, maior que o maior, e podia conseguir qualquer coisa que desejasse. Além disso, o rājarṣi podia criar um reino, manter todos sob seu controle e governá-los. Essas eram algumas das opulências de um rei. O rei Vena, entretanto, não era um yogī experiente, mas, de qualquer modo, orgulhava-se muito de sua posição real. Como não era muito ponderado, começou a abusar de seu poder e insultar grandes personalidades.

Texto

evaṁ madāndha utsikto
niraṅkuśa iva dvipaḥ
paryaṭan ratham āsthāya
kampayann iva rodasī

Sinônimos

evam — assim; mada-andhaḥ — estando cego com poder; utsiktaḥ — orgulhoso; niraṅkuśaḥ — descontrolado; iva — como; dvipaḥ — um elefante; paryaṭan — viajando; ratham — uma quadriga; āsthāya — tendo montado; kampayan — fazendo tremer; iva — na verdade; rodasī — o céu e a terra.

Tradução

Ficando cego demais devido a suas opulências, o rei Vena montou em uma quadriga e, como um elefante descontrolado, colocou-se a viajar pelo reino, fazendo o céu e a terra tremerem aonde quer que fosse.

Texto

na yaṣṭavyaṁ na dātavyaṁ
na hotavyaṁ dvijāḥ kvacit
iti nyavārayad dharmaṁ
bherī-ghoṣeṇa sarvaśaḥ

Sinônimos

na — não; yaṣṭavyam — nenhum sacrifício pode ser executado; na — não; dātavyam — nenhuma caridade pode ser feita; na — não; hotavyam — nenhuma manteiga clarificada pode ser oferecida; dvijāḥ — ó duas vezes nascido; kvacit — em momento algum; iti — assim; nyavārayat — ele suspendeu; dharmam — o cumprimento de princípios religiosos; bherī — dos timbales; ghoṣeṇa — com o som; sarvaśaḥ — em toda parte.

Tradução

Todos os duas vezes nascidos [brāhmaṇas] foram proibidos, a partir daquele momento, de executar qualquer sacrifício, como também foram proibidos de fazer caridade ou oferecer manteiga clarificada. Assim, o rei Vena fez soar timbales por toda a região. Em outras palavras, ele suspendeu todas as espécies de rituais religiosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Os atos cometidos outrora pelo rei Vena estão sendo executados atualmente por governos ateístas em todo o mundo. A situação do mundo é tão tensa que, a qualquer momento, os governos podem baixar declarações suspendendo rituais religiosos. O mundo chegará a tal estado de degradação que será impossível os homens piedosos viverem no planeta. Portanto, as pessoas sensatas devem praticar a consciência de Kṛṣṇa com grande seriedade, para que possam voltar ao lar, voltar ao Supremo, sem ter de sofrer mais as condições dolorosas predominantes neste universo.

Texto

venasyāvekṣya munayo
durvṛttasya viceṣṭitam
vimṛśya loka-vyasanaṁ
kṛpayocuḥ sma satriṇaḥ

Sinônimos

venasya — do rei Vena; āvekṣya — após observarem; munayaḥ — todos os grandes sábios; durvṛttasya — do grande trapaceiro; viceṣṭitam — atividades; vimṛśya — considerando; loka-vyasanam — perigo para as pessoas em geral; kṛpayā — por compaixão; ūcuḥ — falaram; sma — no passado; satriṇaḥ — os realizadores dos sacrifícios.

Tradução

Portanto, todos os grandes sábios reuniram-se e, após observarem as atrocidades do cruel Vena, concluíram que um grande perigo e uma catástrofe ameaçavam as pessoas do mundo. Assim, por compaixão, começaram a deliberar entre si, pois eram eles os realizadores dos sacrifícios.

Comentário

SIGNIFICADO—Antes de o rei Vena ser entronado, todos os grandes sábios estavam muito ansiosos pelo bem-estar da sociedade. Ao verem que o rei Vena era muito irresponsável, cruel e atroz, eles recomeçaram a pensar no bem-estar das pessoas. Deve-se compreender que sábios, pessoas santas e devotos não são indiferentes ao bem-estar das pessoas. Os karmīs comuns estão atarefados adquirindo dinheiro para o gozo dos sentidos, e os jñānīs comuns mantêm-se socialmente alienados enquanto especulam sobre a liberação, mas os verdadeiros devotos e pessoas santas estão sempre preocupados em ver como as pessoas podem ser felizes tanto material quanto espiritualmente. Portanto, os grandes sábios começaram a consultar-se sobre como escapar da perigosa atmosfera criada pelo rei Vena.

Texto

aho ubhayataḥ prāptaṁ
lokasya vyasanaṁ mahat
dāruṇy ubhayato dīpte
iva taskara-pālayoḥ

Sinônimos

aho — oh!; ubhayataḥ — de ambos os lados; prāptam — recebido; lokasya — das pessoas em geral; vyasanam — perigo; mahat — grande; dāruṇi — uma lenha; ubhayataḥ — de ambos os lados; dīpte — ardendo; iva — como; taskara — de ladrões e trapaceiros; pālayoḥ — e do rei.

Tradução

Ao consultarem-se entre si, os grandes sábios viram que, de todos os lados, as pessoas estavam em uma posição perigosa. Quando um fogo arde em ambos os extremos de uma lenha, as formigas no meio ficam em uma situação muito perigosa. Analogamente, naquele momento, as pessoas em geral estavam em uma posição perigosa devido ao rei irresponsável por um lado e devido a ladrões e trapaceiros por outro.

Texto

arājaka-bhayād eṣa
kṛto rājātad-arhaṇaḥ
tato ’py āsīd bhayaṁ tv adya
kathaṁ syāt svasti dehinām

Sinônimos

arājaka — estando sem rei; bhayāt — por temor; eṣaḥ — este Vena; kṛtaḥ — foi feito; rājā — o rei; a-tat-arhaṇaḥ — embora desqualificado para isso; tataḥ — dele; api — também; āsīt — havia; bhayam — perigo; tu — então; adya — agora; katham — como; syāt — pode haver; svasti — felicidade; dehinām — das pessoas em geral.

Tradução

Pensando em salvar o estado da irregularidade, os sábios se puseram a considerar que foi devido a uma crise política que eles entronaram Vena, embora ele não fosse qualificado. Mas agora as pessoas estavam sendo perturbadas pelo próprio rei! Em tais circunstâncias, como o povo poderia ser feliz?

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (18.5), afirma-se que mesmo na ordem renunciada não se deve abandonar o sacrifício, a caridade e a penitência. Os brahmacārīs devem executar sacrifícios, os gṛhasthas devem fazer caridade e os que estão na ordem de vida renunciada (os vānaprasthas e sannyāsīs) devem praticar penitências e austeridades. Esses são os procedimentos pelos quais todos podem elevar-se à plataforma espiritual. Ao verem que o rei Vena interrompera todas essas funções, os sábios e pessoas santas ficaram muito preocupados com o progresso das pessoas. As pessoas santas pregam a consciência de Deus, ou consciência de Kṛṣṇa, porque anseiam por salvar a população em geral dos perigos da vida animalesca. É preciso haver um bom governo para fazer com que os cidadãos realmente executem seus rituais religiosos e ladrões e trapaceiros sejam reprimidos. Fazendo-se isso, o povo pode avançar pacificamente em consciência espiritual e fazer de sua vida um êxito.

Texto

aher iva payaḥ-poṣaḥ
poṣakasyāpy anartha-bhṛt
venaḥ prakṛtyaiva khalaḥ
sunīthā-garbha-sambhavaḥ

Sinônimos

aheḥ — de uma serpente; iva — como; payaḥ — com leite; poṣaḥ — a manutenção; poṣakasya — do mantenedor; api — mesmo; anartha — contra o interesse; bhṛt — torna-se; venaḥ — rei Vena; prakṛtyā — por natureza; eva — certamente; khalaḥ — perverso; sunīthā — de Sunīthā, mãe de Vena; garbha — o ventre; sambhavaḥ — nascido de.

Tradução

Os sábios se puseram a pensar consigo: Como nasceu do ventre de Sunīthā, o rei Vena é muito perverso por natureza. Apoiar esse rei malicioso é exatamente como alimentar uma serpente com leite. Agora ele se tornou a fonte de todas as dificuldades.

Comentário

SIGNIFICADO—As pessoas santas geralmente vivem à parte das atividades sociais e do modo de vida materialista. As pessoas santas apoiaram o rei Vena simplesmente para que ele protegesse os cidadãos das mãos de ladrões e trapaceiros, mas, após sua ascensão ao trono, ele se tornou uma fonte de problemas para os sábios. As pessoas santas estão especialmente interessadas em executar sacrifícios e austeridades para o avanço da vida espiritual, mas Vena, em vez de sentir-se agradecido pela misericórdia dos santos, tornou-se inimigo deles, visto que os proibiu de executarem seus deveres normais. Uma serpente mantida com leite e bananas apenas armazena veneno em suas presas, à espera do dia em que possa picar seu dono.

Texto

nirūpitaḥ prajā-pālaḥ
sa jighāṁsati vai prajāḥ
tathāpi sāntvayemāmuṁ
nāsmāṁs tat-pātakaṁ spṛśet

Sinônimos

nirūpitaḥ — designamos; prajā-pālaḥ — o rei; saḥ — ele; jighāṁsati — deseja prejudicar; vai — certamente; prajāḥ — os cidadãos; tathā api — não obstante; sāntvayema — devemos apaziguar; amum — a ele; na — não; asmān — a nós; tat — seu; pātakam — resultado pecaminoso; spṛśet — talvez afete.

Tradução

Designamos este Vena como rei do estado a fim de proteger os cidadãos, mas agora ele se tornou o inimigo dos cidadãos. Apesar de todas essas discrepâncias, devemos imediatamente tentar apaziguá-lo. Fazendo isso, talvez não sejamos afetados pelos resultados pecaminosos causados por ele.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sábios santos escolheram o rei Vena para tornar-se o rei, mas ele se revelou perverso, em razão do que os sábios estavam com muito medo de incorrer em reações pecaminosas. A lei do karma proíbe uma pessoa inclusive de associar-se com indivíduos perversos. Escolhendo Vena para assumir o trono, os sábios santos certamente se associaram com ele. O rei Vena tornou-se enfim tão perverso que os sábios santos realmente ficaram com medo de serem contaminados por suas atividades. Assim, antes de tomar qualquer medida contra ele, os sábios tentaram apaziguá-lo e corrigi-lo para que ele abandonasse sua má conduta.

Texto

tad-vidvadbhir asad-vṛtto
veno ’smābhiḥ kṛto nṛpaḥ
sāntvito yadi no vācaṁ
na grahīṣyaty adharma-kṛt
loka-dhikkāra-sandagdhaṁ
dahiṣyāmaḥ sva-tejasā

Sinônimos

tat — sua natureza perversa; vidvadbhiḥ — conscientes de; asat-vṛttaḥ — ímpio; venaḥ — Vena; asmābhiḥ — por nós; kṛtaḥ — foi feito; nṛpaḥ — rei; sāntvitaḥ — (apesar de) ser apaziguado; yadi — se; naḥ — nossas; vācam — palavras; na — não; grahīṣyati — ele aceitará; adharma-kṛt — o mais perverso; loka-dhik-kāra — pela condenação pública; sandagdham — queimado; dahiṣyāmaḥ — queimaremos; sva-tejasā — através de nossos poderes.

Tradução

Os sábios santos continuaram a pensar: É claro que estávamos completamente cientes de sua natureza perversa. Apesar disso, nós entronizamos Vena. Se não pudermos persuadi-lo a aceitar nosso conselho, ele será condenado pelo público, e nós nos aliaremos a eles. Assim, através de nossos poderes, nós o reduziremos a cinzas.

Comentário

SIGNIFICADO—Pessoas santas não estão interessadas em questões políticas, mas estão sempre pensando no bem-estar das pessoas em geral. Consequentemente, às vezes elas são obrigadas a se rebaixar ao campo político e tomar medidas para corrigir o governo ou a realeza desencaminhados. Entretanto, em Kali-yuga, as pessoas santas não são tão poderosas como eram no passado. Em virtude de seu poder espiritual, eram capazes de reduzir a cinzas qualquer homem pecaminoso. Hoje em dia, as pessoas santas não têm semelhante poder devido à influência da era de Kali. Na verdade, os brāhmaṇas nem mesmo têm o poder de executar sacrifícios nos quais se põem animais no fogo para que obtenham uma vida nova. Nessas circunstâncias, ao invés de participar ativamente da política, as pessoas santas devem ocupar-se em cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Pela graça do Senhor Caitanya, simplesmente cantando esse mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, a população em geral pode obter todos os benefícios sem implicações políticas.

Texto

evam adhyavasāyainaṁ
munayo gūḍha-manyavaḥ
upavrajyābruvan venaṁ
sāntvayitvā ca sāmabhiḥ

Sinônimos

evam — assim; adhyavasāya — tendo decidido; enam — a ele; munayaḥ — os grandes sábios; gūḍha-manyavaḥ — dissimulando sua ira; upavrajya — tendo-se aproximado; abruvan — falaram; venam — ao rei Vena; sāntvayitvā — após apaziguarem; ca — também; sāmabhiḥ — com palavras doces.

Tradução

Tendo tomado essa decisão, os grandes sábios se aproximaram do rei Vena. Dissimulando sua verdadeira ira, eles o apaziguaram com palavras doces e, então, falaram-lhe o seguinte.

Texto

munaya ūcuḥ
nṛpa-varya nibodhaitad
yat te vijñāpayāma bhoḥ
āyuḥ-śrī-bala-kīrtīnāṁ
tava tāta vivardhanam

Sinônimos

munayaḥ ūcuḥ — os grandes sábios disseram; nṛpa-varya — ó melhor dos reis; nibodha — por favor, procura entender; etat — isto; yat — que; te — a ti; vijñāpayāma — ensinaremos; bhoḥ — ó rei; āyuḥ — duração de vida; śrī — opulências; bala — força; kīrtīnām — boa reputação; tava — tua; tāta — querido filho; vivardhanam — que aumentarão.

Tradução

Os grandes sábios disseram: Querido rei, viemos dar-te bons conselhos. Por favor, ouve-nos com muita atenção. Assim fazendo, a duração de tua vida e tua opulência, força e reputação aumentarão.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo a civilização védica, o rei, em uma monarquia, é aconselhado por pessoas santas e sábios. Aceitando o conselho deles, ele pode tornar-se o poder executivo máximo, e todos em seu reino serão felizes, pacíficos e prósperos. Os grandes reis eram muito responsáveis em aceitar as instruções dadas por grandes personalidades santas. Os reis aceitavam instruções dadas por grandes sábios como Parāśara, Vyāsadeva, Nārada, Devala e Asita. Em outras palavras, primeiro eles aceitavam a autoridade de pessoas santas e, depois, exerciam seu poder monárquico. Infelizmente, na atual era de Kali, o líder governamental não segue as instruções dadas pelas pessoas santas; portanto, nem os cidadãos nem os homens do governo são muito felizes. A duração de vida deles é reduzida e quase todos são miseráveis e desprovidos de força corpórea e poder espiritual. Se os cidadãos querem ser felizes e prósperos nesta era democrática, não devem eleger patifes e tolos que não têm respeito pelas pessoas santas.

Texto

dharma ācaritaḥ puṁsāṁ
vāṅ-manaḥ-kāya-buddhibhiḥ
lokān viśokān vitaraty
athānantyam asaṅginām

Sinônimos

dharmaḥ — princípios religiosos; ācaritaḥ — executados; puṁsām — para pessoas; vāk — com palavras; manaḥ — mente; kāya — corpo; buddhibhiḥ — e com inteligência; lokān — os planetas; viśokān — sem sofrimento; vitarati — concedem; atha — decerto; ānantyam — ilimitada felicidade, liberação; asaṅginām — para os que estão livres da influência material.

Tradução

Aqueles que vivem de acordo com os princípios religiosos e que os seguem com palavras, mente, corpo e inteligência elevam-se ao reino celestial, que é desprovido de todo sofrimento. Livrando-se assim da influência material, eles atingem ilimitada felicidade na vida.

Comentário

SIGNIFICADO—A instrução dada pelos sábios santos nesta passagem é que o rei ou líder do governo deve ser exemplar, vivendo uma vida religiosa. Como se afirma na Bhagavad-gītā, religião significa adorar a Suprema Personalidade de Deus. Não se deve simplesmente fazer um espetáculo de vida religiosa; deve-se, antes, praticar serviço devocional perfeitamente com palavras, mente, corpo e boa inteligência. Fazendo isso, o rei ou líder governamental não somente se libertará da contaminação dos modos materiais da natureza, mas o público em geral também o fará, e todos gradualmente se elevarão ao reino de Deus e voltarão ao lar, voltarão ao Supremo. As instruções dadas nesta passagem constituem um resumo de como o líder do governo deve exercer seu poder como dirigente e, assim, atingir a felicidade, não apenas nesta vida, mas também na vida após a morte.

Texto

sa te mā vinaśed vīra
prajānāṁ kṣema-lakṣaṇaḥ
yasmin vinaṣṭe nṛpatir
aiśvaryād avarohati

Sinônimos

saḥ — esta vida espiritual; te — por ti; — não; vinaśet — seja arruinada; vīra — ó herói; prajānām — da população; kṣema-lakṣaṇaḥ — a causa da prosperidade; yasmin — a qual; vinaṣṭe — sendo arruinada; nṛpatiḥ — o rei; aiśvaryāt — da opulência; avarohati — cai.

Tradução

Os sábios continuaram: Ó grande herói, por essa razão não deves ser a causa da ruína da vida espiritual da população em geral. Se a vida espiritual deles for arruinada devido a tuas atividades, certamente cairás de tua opulenta posição real.

Comentário

SIGNIFICADO—Em tempos antigos, em praticamente todas as partes do mundo, havia monarquias, mas, aos poucos, conforme a monarquia se desviou da vida ideal de religião para a vida ateísta de gozo dos sentidos, as monarquias foram abolidas em todo o mundo. Entretanto, meramente abolir a monarquia e substituí-la pela democracia não é suficiente a menos que os homens do governo sejam religiosos e sigam os passos de grandes personalidades religiosas.

Texto

rājann asādhv-amātyebhyaś
corādibhyaḥ prajā nṛpaḥ
rakṣan yathā baliṁ gṛhṇann
iha pretya ca modate

Sinônimos

rājan — ó rei; asādhu — perversos; amātyebhyaḥ — de ministros; cora-ādibhyaḥ — de ladrões e trapaceiros; prajāḥ — os cidadãos; nṛpaḥ — o rei; rakṣan — protegendo; yathā — de acordo com; balim — impostos; gṛhṇan — aceitando; iha — neste mundo; pretya — após a morte; ca — também; modate — goza.

Tradução

As pessoas santas continuaram: Quando o rei protege os cidadãos das perturbações de ministros perversos, bem como de ladrões e trapaceiros, ele pode, em virtude de tais atividades piedosas, aceitar impostos dados por seus súditos. Assim, um rei piedoso pode certamente desfrutar neste mundo, bem como na vida após a morte.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso descreve muito bem o dever do rei piedoso. Seu primeiro e principal dever é proteger os cidadãos contra ladrões e trapaceiros, bem como contra ministros que não passem de ladrões e trapaceiros. Antigamente, os ministros eram apontados pelo rei, e não eleitos. Consequentemente, se o rei não era muito piedoso ou estrito, os ministros tornavam-se ladrões e trapaceiros e exploravam os cidadãos inocentes. É dever do rei garantir que não haja aumento de ladrões e trapaceiros, nem no secretariado governamental, nem nos setores do funcionalismo público. Se um rei não pode proteger os cidadãos contra ladrões e trapaceiros tanto no serviço executivo do governo quanto no funcionalismo público, ele não tem direito de cobrar-lhes impostos. Em outras palavras, o rei ou o governo que cobra impostos dos cidadãos só poderá fazê-lo se for capaz de proteger os cidadãos contra ladrões e trapaceiros.

O décimo segundo canto do Śrīmad-Bhāgavatam (12.1.40) apresenta uma descrição desses ladrões e trapaceiros no serviço governamental. Afirma-se que prajās te bhakṣayiṣyanti mlecchā rājanya-rūpiṇaḥ: “Esses mlecchas orgulhosos [pessoas que são inferiores a śūdras], fazendo-se passar por reis, irão tiranizar seus súditos, e esses súditos, por sua vez, cultivarão as práticas mais viciosas. Assim, praticando maus hábitos e comportando-se tolamente, os súditos serão como seus governantes.” A ideia é que, nos dias democráticos de Kali-yuga, a população em geral cairá ao nível de śūdras. Como se afirma (kalau śūdra-sambhavaḥ), praticamente toda a população do mundo será de śūdras. Śūdra é um homem de quarta classe cuja única aptidão é o trabalho para as três castas sociais superiores. Sendo homens de quarta classe, os śūdras não são muito inteligentes. Uma vez que a população é caída nestes dias democráticos, eles só podem eleger uma pessoa de sua categoria, mas o governo não pode funcionar muito bem quando é dirigido por śūdras. Os homens de segunda classe, conhecidos como kṣatriyas, destinam-se especialmente a governar os países sob a orientação de pessoas santas (brāhmaṇas) que são tidas como muito inteligentes. Em outras eras – em Satya-yuga, Tretā-yuga e Dvāpara-yuga –, a população em geral não era tão degradada, e o líder do governo nunca era eleito. O rei era a personalidade executiva suprema, e, se encontrava algum ministro roubando como se fosse ladrão e trapaceiro, imediatamente mandava matá-lo ou o despedia do serviço. Assim como era dever do rei matar ladrões e trapaceiros, do mesmo modo, era seu dever matar imediatamente ministros desonestos no serviço do governo. Através de tão estrita vigilância, o rei podia dirigir o governo muito bem, e os cidadãos sentiam-se felizes de ter um rei assim. A conclusão é que, a não ser que o rei seja perfeitamente capaz de proteger os cidadãos de ladrões e trapaceiros, ele não tem direito a cobrar impostos dos cidadãos para seu próprio gozo dos sentidos. Entretanto, se ele dá toda a proteção aos cidadãos e cobra impostos deles, pode viver muito alegre e pacificamente nesta vida e, no final desta vida, elevar-se ao reino celestial ou mesmo aos Vaikuṇṭhas, onde será feliz em todos os sentidos.

Texto

yasya rāṣṭre pure caiva
bhagavān yajña-pūruṣaḥ
ijyate svena dharmeṇa
janair varṇāśramānvitaiḥ

Sinônimos

yasya — cujo; rāṣṭre — no estado ou reino; pure — nas cidades; ca — também; eva — decerto; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; yajña-pūruṣaḥ — que é o desfrutador de todos os sacrifícios; ijyate — é adorado; svena — sua própria; dharmeṇa — pela ocupação; janaiḥ — pelas pessoas; varṇa-āśrama — o sistema de oito ordens sociais; anvitaiḥ — que seguem.

Tradução

Piedoso é o rei em cujo estado e cidades a população em geral observa estritamente o sistema de oito ordens sociais de varṇa e āśrama, e onde todos os cidadãos se dedicam a adorar a Suprema Personalidade de Deus através de suas ocupações específicas.

Comentário

SIGNIFICADO—O dever do estado e o dever do cidadão são muito bem explicados neste verso. As atividades do líder do governo, ou rei, bem como as atividades dos cidadãos, devem ser orientadas de tal forma que, em última análise, todos se ocupem em serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus. O rei, ou líder do governo, é tido como o representante da Suprema Personalidade de Deus e, por isso, deve cuidar para que tudo corra bem e os cidadãos estejam situados na ordem social científica, composta de quatro varṇas e quatro āśramas. No Viṣṇu Purāṇa, afirma-se que, se as pessoas não forem educadas ou não estiverem situadas na ordem social científica composta de quatro varṇas (brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra) e quatro āśramas (brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa), a sociedade jamais poderá ser considerada uma verdadeira sociedade humana, tampouco poderá fazer qualquer avanço rumo à meta última da vida humana. É dever do governo cuidar para que as coisas funcionem em termos de varṇa e āśrama. Como se afirma nesta passagem, bhagavān yajña-pūruṣaḥ – a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é o yajña-pūruṣa. Como se afirma na Bhagavad-gītā (5.29), bhoktāraṁ yajña-tapasām. Kṛṣṇa é o objetivo último de todo sacrifício. Ele também é o desfrutador de todos os sacrifícios; portanto, Ele é conhecido como yajña-pūruṣa. O termo yajña-pūruṣa indica o Senhor Viṣṇu, ou o Senhor Kṛṣṇa, ou qualquer Personalidade de Deus na categoria de viṣṇu-tattva. Na sociedade humana perfeita, as pessoas situam-se nas ordens de varṇa e āśrama e se dedicam a adorar o Senhor Viṣṇu através de suas respectivas atividades. Todo cidadão que tenha uma ocupação presta serviço mediante as ações resultantes de suas atividades. Essa é a perfeição da vida. Como se afirma na Bhagavad-gītā (18.46):

yataḥ pravṛttir bhūtānāṁ
yena sarvam idaṁ tatam
sva-karmaṇā tam abhyarcya
siddhiṁ vindati mānavaḥ

“Adorando o Senhor, que é a fonte de todos os seres e é onipenetrante, o homem pode, ao cumprir seu próprio dever, alcançar a perfeição.”

Assim, os brāhmaṇas, kṣatriyas, śūdras e vaiśyas devem executar seus deveres prescritos da maneira como esses deveres são estabelecidos nos śāstras. Dessa maneira, todos podem satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu. O rei, ou líder do governo, deve zelar para que os cidadãos se ocupem dessa maneira. Em outras palavras, o estado ou o governo não devem se desviar de seu dever declarando que o estado é secular, e que não têm interesse em saber se as pessoas estão ou não avançando no varṇāśrama-dharma. Hoje em dia, as pessoas ocupadas no serviço governamental e as pessoas que dirigem os cidadãos não têm respeito pelo varṇāśrama-dharma. Elas complacentemente acham que o estado é secular. Em um governo assim, ninguém pode ser feliz. É preciso que o povo siga o varṇāśrama-dharma, e o rei deve cuidar para que o estejam seguindo bem.

Texto

tasya rājño mahā-bhāga
bhagavān bhūta-bhāvanaḥ
parituṣyati viśvātmā
tiṣṭhato nija-śāsane

Sinônimos

tasya — com ele; rājñaḥ — o rei; mahā-bhāga — ó nobre; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; bhūta-bhāvanaḥ — que é a causa original da manifestação cósmica; parituṣyati — fica satisfeito; viśva-ātmā — a Superalma de todo o universo; tiṣṭhataḥ — estando situado; nija-śāsane — em sua própria situação governamental.

Tradução

Ó nobre, se o rei cuidar para que a Suprema Personalidade de Deus, a causa original da manifestação cósmica e a Superalma dentro de todos, seja adorada, o Senhor ficará satisfeito.

Comentário

SIGNIFICADO—É um fato que o dever do governo é cuidar para que a Suprema Personalidade de Deus fique satisfeita com as atividades do povo, bem como com as atividades do governo. Não há possibilidade de felicidade se o governo ou os cidadãos não fazem ideia de Bhagavān, a Suprema Personalidade de Deus, que é a causa original da manifestação cósmica, ou se eles desconhecem bhūta-bhāvana, que é viśvātmā, ou a Superalma, a alma da alma de todos. A conclusão é que, sem se ocupar em serviço devocional, nem os cidadãos nem o governo podem ser felizes de modo algum. No momento atual, nem o rei nem o corpo administrativo estão interessados em cuidar para que as pessoas se ocupem em serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus. Ao contrário, estão mais interessados em aprimorar a maquinaria de gozo dos sentidos. Em consequência disso, estão se envolvendo cada vez mais no complexo mecanismo das estritas leis da natureza. As pessoas devem libertar-se do enredamento dos três modos da natureza material, e o único processo pelo qual isso é possível é render-se à Suprema Personalidade de Deus. Aconselha-se isso na Bhagavad-gītā. Infelizmente, nem o governo nem a população em geral fazem qualquer ideia disso; eles só estão interessados em gozo dos sentidos e em serem felizes nesta vida. A expressão nija-śāsane (“em seu próprio dever governamental”) indica que tanto o governo quanto os cidadãos são responsáveis pela execução de varṇāśrama-dharma. Uma vez que a população esteja situada no varṇāśrama-dharma, há toda a possibilidade de vida verdadeira e prosperidade tanto neste mundo quanto no próximo.

Texto

tasmiṁs tuṣṭe kim aprāpyaṁ
jagatām īśvareśvare
lokāḥ sapālā hy etasmai
haranti balim ādṛtāḥ

Sinônimos

tasmin — quando Ele; tuṣṭe — está satisfeito; kim — o que; aprāpyam — impossível de se obter; jagatām — do universo; īśvara-īśvare — o controlador dos controladores; lokāḥ — os habitantes dos planetas; sapālāḥ — com as deidades que os presidem; hi — por essa razão; etasmai — a Ele; haranti — oferecem; balim — parafernália para adoração; ādṛtāḥ — com grande prazer.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus é adorada pelos grandes semideuses, controladores dos afazeres universais. Quando Ele está satisfeito, nada é impossível de se obter. Por essa razão, todos os semideuses, deidades que presidem diferentes planetas, bem como os habitantes de seus planetas, sentem grande prazer em oferecer toda espécie de parafernália para Sua adoração.

Comentário

SIGNIFICADO—Toda a civilização védica está resumida neste verso: todas as entidades vivas, quer neste planeta, quer em outros planetas, devem satisfazer a Suprema Personalidade de Deus mediante seus respectivos deveres. Quando Ele está satisfeito, todas as necessidades da vida são automaticamente supridas. Nos Vedas, também se afirma: eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān. (Kaṭha Upaniṣad 2.2.13) Os Vedas dão-nos a entender que Ele supre as necessidades de todos, e podemos realmente ver que os animais inferiores, os pássaros e as abelhas, não têm negócio ou profissão, apesar do que não estão morrendo por falta de alimento. Todos eles vivem à mercê da natureza, que lhes supre tudo de que necessitam – a saber, o comer, o dormir, o acasalar-se e o defender-se.

A sociedade humana, contudo, tem artificialmente criado um tipo de civilização que faz a pessoa esquecer-se de sua relação com a Suprema Personalidade de Deus. A sociedade moderna chega inclusive a fazer com que esqueçamos a graça e a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus. Em consequência disso, o homem civilizado moderno vive infeliz e carente de coisas. As pessoas não sabem que a meta última da vida é aproximar-se do Senhor Viṣṇu e satisfazê-lO. Elas têm adotado este modo de vida materialista como se fosse tudo e se deixam cativar por atividades materialistas. Na verdade, seus líderes vivem encorajando-as a trilhar este caminho, e a população em geral, ignorante das leis de Deus, acompanha seus líderes cegos no caminho decadente da infelicidade. A fim de corrigir esta situação mundial, todas as pessoas devem ser treinadas na consciência de Kṛṣṇa e agir de acordo com o sistema varṇāśrama. Além disso, o estado deve providenciar para que as pessoas se ocupem em satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Esse é o dever principal do estado. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa foi iniciado para convencer a população em geral a adotar o melhor processo pelo qual possa satisfazer a Suprema Personalidade de Deus e, assim, resolver todos os problemas.

Texto

taṁ sarva-lokāmara-yajña-saṅgrahaṁ
trayīmayaṁ dravyamayaṁ tapomayam
yajñair vicitrair yajato bhavāya te
rājan sva-deśān anuroddhum arhasi

Sinônimos

tam — a Ele; sarva-loka — em todos os planetas; amara — com as deidades predominantes; yajña — sacrifícios; saṅgraham — que aceita; trayī-mayam — o somatório dos três Vedas; dravya-mayam — o proprietário de toda a parafernália; tapaḥ-mayam — a meta de toda a austeridade; yajñaiḥ — mediante sacrifícios; vicitraiḥ — diversos; yajataḥ — adorando; bhavāya — para elevação; te — tua; rājan — ó rei; sva-deśān — teus compatriotas; anuroddhum — orientar; arhasi — deves.

Tradução

Querido rei, a Suprema Personalidade de Deus, juntamente com as deidades predominantes, é o desfrutador dos resultados de todos os sacrifícios em todos os planetas. O Senhor Supremo é o somatório dos três Vedas, o proprietário de tudo e a meta última de toda austeridade. Portanto, teus compatriotas devem ocupar-se em executar diversos sacrifícios para tua elevação. Na verdade, deves sempre orientá-los a oferecerem sacrifícios.

Texto

yajñena yuṣmad-viṣaye dvijātibhir
vitāyamānena surāḥ kalā hareḥ
sviṣṭāḥ sutuṣṭāḥ pradiśanti vāñchitaṁ
tad-dhelanaṁ nārhasi vīra ceṣṭitum

Sinônimos

yajñena — pelo sacrifício; yuṣmat — teu; viṣaye — no reino; dvijātibhiḥ — pelos brāhmaṇas; vitāyamānena — sendo executado; surāḥ — todos os semideuses; kalāḥ — expansões; hareḥ — da Personalidade de Deus; su-iṣṭāḥ — sendo devidamente adorados; su-tuṣṭāḥ — muito satisfeitos; pradiśanti — darão; vāñchitam — resultado desejado; tat-helanam — desrespeito a eles; na — não; arhasi — deves; vīra — ó herói; ceṣṭitum — fazer.

Tradução

Quando todos os brāhmaṇas se dedicarem a executar sacrifícios em teu reino, todos os semideuses, que são expansões plenárias do Senhor, ficarão muito satisfeitos com as atividades deles e te darão o resultado que desejas. Portanto, ó herói, não suspendas as realizações de sacrifício. Se o fizeres, desrespeitarás os semideuses.

Texto

vena uvāca
bāliśā bata yūyaṁ vā
adharme dharma-māninaḥ
ye vṛttidaṁ patiṁ hitvā
jāraṁ patim upāsate

Sinônimos

venaḥ — rei Vena; uvāca — respondeu; bāliśāḥ — infantil; bata — oh!; yūyam — todos vós; — de fato; adharme — em princípios irreligiosos; dharma-māninaḥ — aceitando como religioso; ye — todos vós que; vṛttidam — provendo a manutenção; patim — esposo; hitvā — abandonando; jāram — amante; patim — esposo; upāsate — adoração.

Tradução

O rei Vena respondeu: Vós não sois em nada experientes. É muito lamentável que estejais defendendo algo que não é religioso e aceitando-o como religioso. Na verdade, acho que estais abandonando vosso verdadeiro esposo, que vos mantém, e andais à procura de algum amante para adorá-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei Vena era tão tolo que acusou os sábios santos de serem inexperientes como criancinhas. Em outras palavras, ele os estava acusando de não terem conhecimento perfeito. Dessa maneira, ele podia rejeitar o conselho deles e fazer acusações contra eles, comparando-os a uma mulher que não se importa com o esposo que a mantém, mas que procura satisfazer um amante que não a mantém. O objetivo deste símile é evidente. É dever dos kṣatriyas ocupar os brāhmaṇas em diferentes classes de atividades religiosas, e o rei é tido como o mantenedor dos brāhmaṇas. Se os brāhmaṇas não adoram o rei, mas, em vez disso, recorrem aos semideuses, eles são tão poluídos como mulheres incastas.

Texto

avajānanty amī mūḍhā
nṛpa-rūpiṇam īśvaram
nānuvindanti te bhadram
iha loke paratra ca

Sinônimos

avajānanti — desrespeitam; amī — aqueles (que); mūḍhāḥ — sendo ignorantes; nṛpa-rūpiṇam — sob a forma do rei; īśvaram — a Personalidade de Deus; na — não; anuvindanti — experimentam; te — eles; bhadram — felicidade; iha — neste; loke — mundo; paratra — após a morte; ca — também.

Tradução

Aqueles que, por ignorância grosseira, não adoram o rei, que é realmente a Suprema Personalidade de Deus, não experimentam felicidade, nem neste mundo, nem no mundo após a morte.

Texto

ko yajña-puruṣo nāma
yatra vo bhaktir īdṛśī
bhartṛ-sneha-vidūrāṇāṁ
yathā jāre kuyoṣitām

Sinônimos

kaḥ — quem (é); yajña-puruṣaḥ — o desfrutador de todos os sacrifícios; nāma — chamado; yatra — a quem; vaḥ — vosso; bhaktiḥ — serviço devocional; īdṛśī — tão grande; bhartṛ — pelo esposo; sneha — afeição; vidūrāṇām — desprovida de; yathā — como; jāre — ao amante; ku-yoṣitām — de mulheres incastas.

Tradução

Sois tão devotados aos semideuses, mas quem são eles? Na verdade, vossa afeição por esses semideuses é exatamente como a afeição de uma mulher incasta que menospreza sua vida familiar e dá toda a atenção a seu amante.

Texto

viṣṇur viriñco giriśa
indro vāyur yamo raviḥ
parjanyo dhanadaḥ somaḥ
kṣitir agnir apāmpatiḥ
ete cānye ca vibudhāḥ
prabhavo vara-śāpayoḥ
dehe bhavanti nṛpateḥ
sarva-devamayo nṛpaḥ

Sinônimos

viṣṇuḥ — Senhor Viṣṇu; viriñcaḥ — senhor Brahmā; giriśaḥ — senhor Śiva; indraḥ — senhor Indra; vāyuḥ — Vāyu, o diretor do ar; yamaḥ — Yama, o superintendente da morte; raviḥ — o deus do Sol; parjanyaḥ — o diretor da chuva; dhana-daḥ — Kuvera, o tesoureiro; somaḥ — o deus da Lua; kṣitiḥ — a deidade predominante da terra; agniḥ — o deus do fogo; apām-patiḥ — Varuṇa, o senhor das águas; ete — todos esses; ca — e; anye — outros; ca — também; vibudhāḥ — semideuses; prabhavaḥ — competentes; vara-śāpayoḥ — tanto na bênção quanto na maldição; dehe — no corpo; bhavanti — residem; nṛpateḥ — do rei; sarva-devamayaḥ — compreendendo todos os semideuses; nṛpaḥ — o rei.

Tradução

O Senhor Viṣṇu; o senhor Brahmā; o senhor Śiva; o senhor Indra; Vāyu, o senhor do ar; Yama, o superintendente da morte; o deus do Sol; o diretor da chuva; Kuvera, o tesoureiro; o deus da Lua; a deidade predominante da terra; Agni, o deus do fogo; Varuṇa, o senhor das águas, e todos os outros que são grandes e competentes para abençoar ou amaldiçoar – todos residem no corpo do rei. Por essa razão, o rei é conhecido como o reservatório de todos os semideuses, que são meras partes integrantes do corpo do rei.

Comentário

SIGNIFICADO—Há muitos demônios que se julgam o Supremo e se fazem passar por diretores do Sol, da Lua e de outros planetas. Isso se deve ao orgulho falso. De forma semelhante, o rei Vena desenvolveu uma mentalidade demoníaca e se fazia passar pela Suprema Personalidade de Deus. Tais demônios são numerosos nesta era de Kali, e todos eles são condenados por grandes sábios e pessoas santas.

Texto

tasmān māṁ karmabhir viprā
yajadhvaṁ gata-matsarāḥ
baliṁ ca mahyaṁ harata
matto ’nyaḥ ko ’gra-bhuk pumān

Sinônimos

tasmāt — por esta razão; mām — a mim; karmabhiḥ — através de atividades ritualísticas; viprāḥ — ó brāhmaṇas; yajadhvam — adoração; gata — sem; matsarāḥ — sendo invejosos; balim — parafernália para adoração; ca — também; mahyam — a mim; harata — trazei; mattaḥ — do que eu; anyaḥ — outro; kaḥ — quem (é); agra-bhuk — o desfrutador das primeiras oblações; pumān — personalidade.

Tradução

O rei Vena prosseguiu: Por essa razão, ó brāhmaṇas, deveis abandonar vossa inveja de mim e, através de vossas atividades ritualísticas, deveis adorar-me e oferecer-me toda parafernália. Se fordes inteligentes, devereis saber que não existe personalidade superior a mim, que possa aceitar as primeiras oblações de todos os sacrifícios.

Comentário

SIGNIFICADO—Como o próprio Kṛṣṇa afirma em toda a Bhagavad-gītā, não há verdade superior a Ele. O rei Vena estava imitando a Suprema Personalidade de Deus e também falava por orgulho falso, fazendo-se passar pelo Senhor Supremo. Todas essas são características de uma pessoa demoníaca.

Texto

maitreya uvāca
itthaṁ viparyaya-matiḥ
pāpīyān utpathaṁ gataḥ
anunīyamānas tad-yācñāṁ
na cakre bhraṣṭa-maṅgalaḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; ittham — assim; viparyaya-matiḥ — alguém que tenha desenvolvido uma inteligência perversa; pāpīyān — muito pecaminosa; utpatham — do caminho correto; gataḥ — tendo saído; anunīyamānaḥ — recebendo todo respeito; tat-yācñām — o pedido dos sábios; na — não; cakre — aceitou; bhraṣṭa — desprovido de; maṅgalaḥ — toda a boa fortuna.

Tradução

O grande sábio Maitreya continuou: Assim, o rei, que perdera a inteligência devido à sua vida pecaminosa e por ter-se desviado do caminho correto, perdeu, em verdade, toda boa fortuna. Ele não pôde aceitar os pedidos dos grandes sábios, que os levaram até o rei com grande respeito, em virtude do que ele se condenou.

Comentário

SIGNIFICADO—Os demônios certamente não podem ter fé alguma nas palavras das autoridades. De fato, eles são sempre desrespeitosos com as autoridades. Eles inventam seus próprios princípios religiosos e desobedecem a grandes personalidades, como Vyāsa e Nārada, e desobedecem inclusive à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa. No mesmo momento em que alguém desobedece a uma autoridade, torna-se muito pecaminoso e perde sua boa fortuna. O rei era tão arrogante e insolente que ousou desrespeitar as grandes personalidades santas, o que lhe trouxe a ruína.

Texto

iti te ’sat-kṛtās tena
dvijāḥ paṇḍita-māninā
bhagnāyāṁ bhavya-yācñāyāṁ
tasmai vidura cukrudhuḥ

Sinônimos

iti — assim; te — todos os grandes sábios; asat-kṛtāḥ — sendo insultados; tena — pelo rei; dvijāḥ — os brāhmaṇas; paṇḍita-māninā — julgando-se muito erudito; bhagnāyām — estando partidos; bhavya — auspicioso; yācñāyām — o pedido deles; tasmai — com ele; vidura — ó Vidura; cukrudhuḥ — ficaram muito irados.

Tradução

Meu querido Vidura, toda boa fortuna a ti. O rei tolo, que se julgava muito erudito, insultou assim os grandes sábios, e esses, ofendidos diante das palavras do rei, ficaram muito irados com ele.

Texto

hanyatāṁ hanyatām eṣa
pāpaḥ prakṛti-dāruṇaḥ
jīvañ jagad asāv āśu
kurute bhasmasād dhruvam

Sinônimos

hanyatām — matai-o; hanyatām — matai-o; eṣaḥ — este rei; pāpaḥ — representante do pecado; prakṛti — por natureza; dāruṇaḥ — mais terrível; jīvan — enquanto viver; jagat — o mundo inteiro; asau — ele; āśu — muito em breve; kurute — fará; bhasmasāt — em cinzas; dhruvam — certamente.

Tradução

Todos os sábios, grandiosos e santos, exclamaram de imediato: Matai-o! Matai-o! Ele é a pessoa mais terrível e pecaminosa. Se ele viver, certamente reduzirá o mundo inteiro a cinzas em pouquíssimo tempo.

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, as pessoas santas são muito bondosas com todas as classes de entidades vivas, mas não ficam infelizes quando se mata uma serpente ou um escorpião. Não é bom que pessoas santas matem, mas elas são encorajadas a matar os demônios, que são exatamente como serpentes e escorpiões. Portanto, todos os sábios santos decidiram matar o rei Vena, que era tão terrível e perigoso para toda a sociedade humana. Podemos apreciar até que ponto os sábios santos realmente controlavam o rei. Se o rei ou o governo se torna demoníaco, é dever de uma pessoa santa derrubar o governo e substituí-lo por pessoas merecedoras que sigam as ordens e instruções de pessoas santas.

Texto

nāyam arhaty asad-vṛtto
naradeva-varāsanam
yo ’dhiyajña-patiṁ viṣṇuṁ
vinindaty anapatrapaḥ

Sinônimos

na — de forma alguma; ayam — este homem; arhati — merece; asat-vṛttaḥ — cheio de atividades ímpias; nara-deva — do rei mundano ou deus mundano; vara-āsanam — o trono elevado; yaḥ — aquele que; adhiyajña-patim — o senhor de todos os sacrifícios; viṣṇum — o Senhor Viṣṇu; vinindati — insulta; anapatrapaḥ — desavergonhado.

Tradução

Os sábios santos continuaram: Este homem insolente e ímpio não merece de forma alguma sentar-se no trono. Ele é tão desavergonhado que ousou insultar inclusive a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Viṣṇu.

Comentário

SIGNIFICADO—Não se deve, em momento algum, tolerar blasfêmias e insultos contra o Senhor Viṣṇu ou Seus devotos. De um modo geral, o devoto é muito humilde e manso, e ele reluta em iniciar algum tipo de desentendimento com outros. Tampouco inveja alguém. Contudo, o devoto puro se enche imediatamente de ira quando vê que o Senhor Viṣṇu ou Seu devoto são insultados. Esse é o dever do devoto. Embora o devoto mantenha uma atitude mansa e amável, é um grande erro de sua parte se ele permanece silencioso quando o Senhor ou Seu devoto são blasfemados.

Texto

ko vainaṁ paricakṣīta
venam ekam ṛte ’śubham
prāpta īdṛśam aiśvaryaṁ
yad-anugraha-bhājanaḥ

Sinônimos

kaḥ — quem; — na realidade; enam — o Senhor; paricakṣīta — blasfemaria; venam — rei Vena; ekam — único; ṛte — além de; aśubham — inauspicioso; prāptaḥ — tendo obtido; īdṛśam — assim; aiśvaryam — opulência; yat — cuja; anugraha — misericórdia; bhājanaḥ — recebendo.

Tradução

Além do rei Vena, que é simplesmente inauspicioso, quem blasfemaria a Suprema Personalidade de Deus, por cuja misericórdia recebemos todas as espécies de fortuna e opulência?

Comentário

SIGNIFICADO—Quando a sociedade humana se torna ateísta, individual ou coletivamente, e blasfema a autoridade da Suprema Personalidade de Deus, ela certamente está destinada à ruína. Uma civilização assim convida todas as espécies de má fortuna por não apreciar a misericórdia do Senhor.

Texto

itthaṁ vyavasitā hantum
ṛṣayo rūḍha-manyavaḥ
nijaghnur huṅkṛtair venaṁ
hatam acyuta-nindayā

Sinônimos

ittham — assim; vyavasitāḥ — decidiram; hantum — matar; ṛṣayaḥ — os sábios; rūḍha — manifesta; manyavaḥ — sua ira; nijaghnuḥ — eles mataram; hum-kṛtaiḥ — com palavras iradas ou com sons de hum; venam — rei Vena; hatam — morto; acyuta — contra a Suprema Personalidade de Deus; nindayā — pela blasfêmia.

Tradução

Manifestando assim sua ira dissimulada, os grandes sábios imediatamente decidiram matar o rei. O rei Vena já era dado como morto devido à sua blasfêmia contra a Suprema Personalidade de Deus. Deste modo, sem usar arma alguma, os sábios mataram o rei Vena simplesmente com palavras altissonantes.

Texto

ṛṣibhiḥ svāśrama-padaṁ
gate putra-kalevaram
sunīthā pālayām āsa
vidyā-yogena śocatī

Sinônimos

ṛṣibhiḥ — pelos sábios; sva-āśramapadam – a seus respectivos eremitérios; gate — tendo retornado; putra — do filho dela; kalevaram — o corpo; sunīthā — Sunīthā, a mãe do rei Vena; pālayām āsa — preservou; vidyā-yogena — mediante mantras e ingredientes; śocatī — enquanto se lamentava.

Tradução

Após todos os sábios retornarem a seus respectivos eremitérios, Sunīthā, a mãe do rei Vena, encheu-se de pesar devido à morte de seu filho. Ela decidiu preservar o corpo morto de seu filho mediante a aplicação de determinados ingredientes e entoando mantras [mantra-yogena].

Texto

ekadā munayas te tu
sarasvat-salilāplutāḥ
hutvāgnīn sat-kathāś cakrur
upaviṣṭāḥ sarit-taṭe

Sinônimos

ekadā — certa vez; munayaḥ — todas aquelas grandes pessoas santas; te — elas; tu — então; sarasvat — do rio Sarasvatī; salila — na água; āplutāḥ — banharam-se; hutvā — oferecendo oblações; agnīn — aos fogos; satkathāḥ – conversas sobre temas transcendentais; cakruḥ — começaram a fazer; upaviṣṭāḥ — sentados; sarit-taṭe — às margens do rio.

Tradução

Certa vez, as mesmas pessoas santas, após tomarem seu banho no rio Sarasvatī, puseram-se a executar seus deveres diários, oferecendo oblações nos fogos de sacrifício. Depois disso, sentados às margens do rio, começaram a conversar sobre a pessoa transcendental e Seus passatempos.

Texto

vīkṣyotthitāṁs tadotpātān
āhur loka-bhayaṅkarān
apy abhadram anāthāyā
dasyubhyo na bhaved bhuvaḥ

Sinônimos

vīkṣya — tendo visto; utthitān — desenvolvidas; tadā — então; utpātān — perturbações; āhuḥ — começaram a dizer; loka — na sociedade; bhayam-karān — causando pânico; api — se; abhadram — infortúnio; anāthāyāḥ — não tendo governante; dasyubhyaḥ — de ladrões e trapaceiros; na — não; bhavet — talvez aconteça; bhuvaḥ — do mundo.

Tradução

Naquela época, várias perturbações em todo o país estavam deixando a sociedade em pânico. Portanto, todos os sábios puseram-se a falar entre si: Já que o rei foi morto e não há quem proteja o mundo, as pessoas em geral poderão ser acometidas de infortúnio por causa de ladrões e trapaceiros.

Comentário

SIGNIFICADO—Sempre que há perturbações no estado, ou situação de pânico, a propriedade e as vidas dos cidadãos ficam em perigo. Isso é causado pelo surgimento de vários ladrões e trapaceiros. Em um momento como esse, subentende-se que o governante (o governo) está morto. Todos esses infortúnios aconteceram devido à morte do rei Vena. Assim, as pessoas santas ficaram muito ansiosas acerca da segurança das pessoas em geral. A conclusão é que, muito embora as pessoas santas nada tenham a ver com afazeres políticos, elas sempre têm compaixão das pessoas em geral. Logo, mesmo que se mantenham sempre à parte da sociedade, as pessoas santas, por misericórdia e compaixão, consideram como os cidadãos podem executar pacificamente seus rituais e seguir as regras e regulações do varṇāśrama-dharma. Essa era a preocupação daqueles sábios. Na de Kali, nada está em ordem. Portanto, as pessoas santas devem adotar o cantar do mantra Hare Kṛṣṇa, como recomendam os śāstras:

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalaṁ
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

Para a prosperidade espiritual e material, todos devem cantar devotadamente o mantra Hare Kṛṣṇa.

Texto

evaṁ mṛśanta ṛṣayo
dhāvatāṁ sarvato-diśam
pāṁsuḥ samutthito bhūriś
corāṇām abhilumpatām

Sinônimos

evam — assim; mṛśantaḥ — enquanto consideravam; ṛṣayaḥ — as grandes pessoas santas; dhāvatām — correndo; sarvataḥ-diśam — de todos os lados; pāṁsuḥ — poeira; samutthitaḥ — surgiu; bhūriḥ — muita; corāṇām — de ladrões e trapaceiros; abhilumpatām — ocupados em saquear.

Tradução

Enquanto continuavam a conversar dessa maneira, os grandes sábios viram uma tempestade de poeira surgir de todos os lados. Essa tempestade era causada pelo correr de ladrões e trapaceiros, que estavam saqueando os cidadãos.

Comentário

SIGNIFICADO—Ladrões e trapaceiros simplesmente aguardam algum levante político a fim de aproveitar-se da oportunidade para saquear as pessoas em geral. É sempre necessário um governo forte para manter ladrões e trapaceiros inativos em sua profissão.

Texto

tad upadravam ājñāya
lokasya vasu lumpatām
bhartary uparate tasminn
anyonyaṁ ca jighāṁ-satām
cora-prāyaṁ jana-padaṁ
hīna-sattvam arājakam
lokān nāvārayañ chaktā
api tad-doṣa-darśinaḥ

Sinônimos

tat — nessa hora; upadravam — o distúrbio; ājñāya — entendendo; lokasya — das pessoas em geral; vasu — riquezas; lumpatām — por aqueles que estavam saqueando; bhartari — o protetor; uparate — estando morto; tasmin — rei Vena; anyonyam — um ao outro; ca — também; jighāṁ satām — desejando matar; cora-prāyam — cheio de ladrões; jana-padam — o estado; hīna — desprovido de; sattvam — regulação; arājakam — sem rei; lokān — os ladrões e trapaceiros; na — não; avārayan — eles subjugaram; śaktāḥ — capazes de fazê-lo; api — embora; tat-doṣa — essa perturbação; darśinaḥ — considerando.

Tradução

Ao verem a tempestade de poeira, as pessoas santas puderam entender que havia muitas irregularidades devido à morte do rei Vena. Sem governo, o estado estava desprovido de lei e ordem, e consequentemente houve uma grande insurreição de trapaceiros e ladrões assassinos, que estavam saqueando as riquezas das pessoas em geral. Embora os grandes sábios pudessem deter os distúrbios através de seus poderes – assim como puderam matar o rei –, eles consideraram impróprio da sua parte fazê-lo. Assim, não tentaram deter o transtorno.

Comentário

SIGNIFICADO—As pessoas santas e grandes sábios mataram o rei Vena devido à emergência, mas preferiram não fazer parte do governo a fim de subjugar a insurreição de ladrões e trapaceiros, que ocorreu após a morte do rei Vena. Matar não é dever de brāhmaṇas e pessoas santas, embora eles às vezes possam fazê-lo em caso de emergência. Eles podiam matar todos os ladrões e trapaceiros através dos poderes de seus mantras, mas julgaram que era dever dos reis kṣatriyas fazê-lo. Assim, recusaram-se a participar do assunto da matança.

Texto

brāhmaṇaḥ sama-dṛk śānto
dīnānāṁ samupekṣakaḥ
sravate brahma tasyāpi
bhinna-bhāṇḍāt payo yathā

Sinônimos

brāhmaṇaḥ — um brāhmaṇa; sama-dṛk — equânime; śāntaḥ — pacífico; dīnānām — os pobres; samupekṣakaḥ — menosprezando grosseiramente; sravate — diminui; brahma — poder espiritual; tasya — seu; api — decerto; bhinna-bhāṇḍāt — de um pote rachado; payaḥ — água; yathā — assim como.

Tradução

Os grandes sábios puseram-se a pensar que, embora um brāhmaṇa seja pacífico e imparcial por ser equânime com todos, ainda assim não é seu dever menosprezar os pobres seres humanos. Tal menosprezo faz com que o poder espiritual de um brāhmaṇa diminua, assim como um pote rachado deixa vazar a água contida nele.

Comentário

SIGNIFICADO—Os brāhmaṇas, o setor mais elevado da sociedade humana, são, na sua maioria, devotos. De um modo geral, eles não estão a par dos acontecimentos do mundo material porque vivem ocupados com suas atividades de avanço espiritual. Todavia, quando há calamidades na sociedade humana, eles não podem permanecer imparciais. Se não fazem algo para aliviar a condição aflita da sociedade humana, declara-se que, devido a tal menosprezo, seu conhecimento espiritual diminui. Quase todos os sábios vão aos Himalaias em busca de seu benefício pessoal, mas Prahlāda Mahārāja disse que não queria somente a liberação. Ele decidiu esperar até que fosse capaz de liberar todas as almas caídas do mundo.

Em sua elevada condição, os brāhmaṇas são chamados de vaiṣṇavas. Há duas classes de brāhmaṇas – a saber, brāhmaṇa-paṇḍita e brāhmaṇa-vaiṣṇava. Um brāhmaṇa qualificado é naturalmente muito erudito, mas, quando sua erudição é avançada ao ponto de compreender a Suprema Personalidade de Deus, ele se torna um brāhmaṇa-vaiṣṇava. A menos que alguém se torne um vaiṣṇava, sua perfeição de cultura bramânica é incompleta.

As pessoas santas consideraram muito sabiamente que, embora o rei Vena fosse muito pecaminoso, ele nascera em uma família descendente de Dhruva Mahārāja. Portanto, o sêmen da família deveria ser protegido pela Suprema Personalidade de Deus, Keśava. De tal modo, os sábios queriam tomar algumas medidas para aliviar a situação. Por falta de um rei, tudo estava em desordem e confusão.

Texto

nāṅgasya vaṁśo rājarṣer
eṣa saṁsthātum arhati
amogha-vīryā hi nṛpā
vaṁśe ’smin keśavāśrayāḥ

Sinônimos

na — não; aṅgasya — do rei Aṅga; vaṁśaḥ — linhagem familiar; rāja-ṛṣeḥ — do rei santo; eṣaḥ — esta; saṁsthātum — ser interrompida; arhati — devia; amogha — sem pecado, poderoso; vīryāḥ — o sêmen deles; hi — porque; nṛpāḥ — reis; vaṁśe — na família; asmin — esta; keśava — da Suprema Personalidade de Deus; āśrayāḥ — sob o abrigo.

Tradução

Os sábios decidiram que a descendência da família do santo rei Aṅga não devia ser interrompida, pois, nessa família, o sêmen era muito poderoso e os filhos tinham a tendência de se tornarem devotos do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—A pureza da sucessão hereditária chama-se amogha-vīrya. A sucessão seminal piedosa em famílias duas vezes nascidas, dos brāhmaṇas e kṣatriyas especialmente, bem como em famílias de vaiśyas, deve ser mantida muito pura através da observância dos processos purificatórios, a começar do garbhādhāna-saṁskāra, que é feito antes da concepção de um filho. A menos que esse processo purificatório seja seguido estritamente, em especial por brāhmaṇas, os descendentes familiares tornam-se impuros, e as atividades pecaminosas tornam-se visíveis na família pouco a pouco. Mahārāja Aṅga era muito puro devido à purificação do sêmen na família de Mahārāja Dhruva. Contudo, seu sêmen contaminou-se em contato com sua esposa, Sunīthā, que resultava ser a filha da morte personificada. Por causa desse sêmen poluído, produziu-se o rei Vena, o que foi uma catástrofe na família de Dhruva Mahārāja. Todas as pessoas santas e sábios consideraram esse ponto, e decidiram tomar medidas quanto a isso, como descrevem os versos seguintes.

Texto

viniścityaivam ṛṣayo
vipannasya mahīpateḥ
mamanthur ūruṁ tarasā
tatrāsīd bāhuko naraḥ

Sinônimos

viniścitya — decidindo; evam — assim; ṛṣayaḥ — os grandes sábios; vipannasya — morto; mahī-pateḥ — do rei; mamanthuḥ — agitaram; ūrum — as coxas; tarasā — com poder específico; tatra — em consequência disso; āsīt — nasceu; bāhukaḥ — chamado Bāhuka (anão); naraḥ — uma pessoa.

Tradução

Após tomarem essa decisão, as pessoas santas e sábios agitaram as coxas do corpo morto do rei Vena com muita força e segundo um método específico. Como resultado desse atrito, nasceu uma pessoa semelhante a um anão do corpo do rei Vena.

Comentário

SIGNIFICADO—O fato de nascer uma pessoa do atrito das coxas do rei Vena prova que a alma espiritual é individual e distinta do corpo. Os grandes sábios e pessoas santas puderam gerar outra pessoa do corpo do falecido rei Vena, mas não lhes foi possível fazer o rei Vena ressuscitar. O rei Vena havia falecido, e decerto assumira outro corpo. Os sábios e pessoas santas só estavam interessados no corpo de Vena por esse ser o resultado da sucessão seminal na família de Mahārāja Dhruva. Consequentemente, os ingredientes com os quais outro corpo podia ser produzido encontravam-se no corpo do rei Vena. Mediante determinado processo, ao agitarem as coxas do corpo morto, surgiu outro corpo. Apesar de morto, o corpo do rei Vena fora preservado com drogas e mantras entoados pela mãe do rei Vena. Dessa maneira, os ingredientes para a produção de outro corpo encontravam-se naquele corpo. Quando o corpo da pessoa chamada Bāhuka surgiu do corpo morto do rei Vena, não foi algo realmente muito prodigioso. Era simplesmente uma questão de saber como fazê-lo. Com o sêmen de um corpo, outro corpo é produzido, e os sintomas vitais são visíveis devido ao fato de a alma alojar-se nesse corpo. Não se deve pensar que era impossível outro corpo surgir do corpo morto de Mahārāja Vena. Obteve-se isso pela ação hábil dos sábios.

Texto

kāka-kṛṣṇo ’tihrasvāṅgo
hrasva-bāhur mahā-hanuḥ
hrasva-pān nimna-nāsāgro
raktākṣas tāmra-mūrdhajaḥ

Sinônimos

kāka-kṛṣṇaḥ — negro como um corvo; ati-hrasva — muito curtos; aṅgaḥ — seus membros; hrasva — curtos; bāhuḥ — seus braços; mahā — grandes; hanuḥ — suas mandíbulas; hrasva — curtas; pāt — suas pernas; nimna — achatado; nāsa-agraḥ — a ponta de seu nariz; rakta — avermelhados; akṣaḥ — seus olhos; tāmra — como o cobre; mūrdha-jaḥ — seu cabelo.

Tradução

Esta pessoa nascida das coxas do rei Vena foi chamada de Bāhuka, e sua tez era negra como a de um corvo. Todos os membros de seu corpo eram muito curtos, seus braços e pernas eram curtos, e suas mandíbulas eram muito largas. Seu nariz era achatado, seus olhos, avermelhados, e seu cabelo, da cor do cobre.

Texto

taṁ tu te ’vanataṁ dīnaṁ
kiṁ karomīti vādinam
niṣīdety abruvaṁs tāta
sa niṣādas tato ’bhavat

Sinônimos

tam — a ele; tu — então; te — os sábios; avanatam — prostrou-se; dīnam — manso; kim — o que; karomi — devo fazer; iti — assim; vādinam — perguntando; niṣīda — simplesmente senta-te; iti — assim; abruvan — eles responderam; tāta — meu querido Vidura; saḥ — ele; niṣādaḥ — chamado Niṣāda; tataḥ — depois disso; abhavat — tornou-se.

Tradução

Ele era muito submisso e manso e, logo após seu nascimento, prostrou-se e perguntou: “Senhores, o que devo fazer?” Os grandes sábios responderam: “Por favor, senta-te [niṣīda].” Assim nasceu Niṣāda, o pai da raça Naiṣāda.

Comentário

SIGNIFICADO—Os śāstras dizem que a cabeça do corpo representa os brāhmaṇas, os braços representam os kṣatriyas, o abdômen representa os vaiśyas, e as pernas, começando com as coxas, representam os śūdras. Às vezes, os śūdras são chamados de negros, ou kṛṣṇa. Os brāhmaṇas são chamados de śukla, ou brancos, e os kṣatriyas e os vaiśyas são uma mistura de branco e preto. Contudo, dizem que quem é extraordinariamente branco tem a pele dessa cor devido à lepra branca. Pode-se concluir que a cor branca ou dourada é a cor da casta superior, e a cor negra é dos śūdras.

Texto

tasya vaṁśyās tu naiṣādā
giri-kānana-gocarāḥ
yenāharaj jāyamāno
vena-kalmaṣam ulbaṇam

Sinônimos

tasya — seus (de Niṣāda); vaṁśyāḥ — descendentes; tu — então; naiṣādāḥ — chamados Naiṣādas; giri-kānana — as colinas e as florestas; gocarāḥ — habitando; yena — porque; aharat — ele tomou para si; jāyamānaḥ — tendo nascido; vena — do rei Vena; kalmaṣam — todas as classes de pecado; ulbaṇam — muito amedrontadores.

Tradução

Após o nascimento de Niṣāda, ele imediatamente se encarregou de todas as ações resultantes das atividades pecaminosas do rei Vena. De tal modo, essa classe Naiṣāda está sempre ocupada em atividades pecaminosas como roubar, saquear e caçar. Consequentemente, eles têm permissão de viver somente nas colinas e nas florestas.

Comentário

SIGNIFICADO—Os Naiṣādas não têm permissão de viver em cidades e centros urbanos porque são pecaminosos por natureza. De tal modo, seus corpos são muito feios, e suas ocupações também são pecaminosas. Devemos saber, entretanto, que mesmo esses homens pecaminosos (que às vezes são chamados de Kirātas) podem libertar-se de sua condição pecaminosa e atingir a mais elevada plataforma vaiṣṇava pela misericórdia de um devoto puro. A ocupação no transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor pode tornar qualquer pessoa, por mais pecaminosa que seja, digna de voltar ao lar, voltar ao Supremo. É preciso apenas livrar-se de toda a contaminação mediante o processo do serviço devocional. Dessa maneira, todos podem capacitar-se a voltar ao lar, voltar ao Supremo. O próprio Senhor confirma isso na Bhagavad-gītā (9.32):

māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim

“Ó filho de Pṛthā, aqueles que se refugiam em Mim, mesmo que tenham um nascimento inferior – as mulheres, os vaiśyas [mercadores], bem como os śūdras [trabalhadores] – podem aproximar-se do destino supremo.”

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, décimo quarto capítulo do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A História do Rei Vena”.