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Capítulo Treze

Dhṛtarāṣṭra Deixa o Lar

Texto

sūta uvāca
viduras tīrtha-yātrāyāṁ
maitreyād ātmano gatim
jñātvāgād dhāstinapuraṁ
tayāvāpta-vivitsitaḥ

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Śrī Sūta Gosvāmī disse; viduraḥ — Vidura; tīrtha-yātrāyām — enquanto viajava a diferentes lugares de peregrinação; maitreyāt — da parte do grande sábio Maitreya; ātmanaḥ — do eu; gatim — destino; jñātvā — por conhecê-lo; āgāt — voltou; hāstinapuram – a cidade de Hastināpura; tayā — por aquele conhecimento; avāpta — suficientemente um ganhador; vivitsitaḥ — sendo bem versado em tudo que é cognoscível.

Tradução

Śrī Sūta Gosvāmī disse: Enquanto viajava peregrinando, Vidura recebeu da parte do grande sábio Maitreya o conhecimento do destino do eu e, então, regressou a Hastināpura. Ele se tornou tão bem versado no assunto como havia desejado.

Comentário

SIGNIFICADO—Vidura: Uma das figuras proeminentes na história do Mahābhārata. Foi concebido por Vyāsadeva no ventre da criada de Ambikā, mãe de Mahārāja Pāṇḍu. É a encarnação de Yamarāja. Amaldiçoado por Maṇḍūka Muni, tornou-se um śūdra. Narra-se a história da seguinte maneira.

Certa vez, a polícia estadual capturou alguns ladrões que haviam se escondido no eremitério de Maṇḍūka Muni. Os agentes da polícia, como de costume, prenderam todos os ladrões, juntamente com Maṇḍūka Muni. O magistrado, em particular, puniu o muni com a pena de morte, pelo trespasse com uma lança. Quando já iam trespassá-lo com a lança, as notícias chegaram ao rei, o qual imediatamente suspendeu a pena, levando em consideração que o réu era um grande muni. O rei pediu pessoalmente perdão ao muni pelo erro de seus homens, e o santo foi imediatamente a Yamarāja, o qual prescreve o destino dos seres vivos. Yamarāja, sendo questionado pelo muni, respondeu que o muni, em sua infância, trespassara uma formiga com uma palha afiada e, por essa razão, ele foi posto em dificuldade. O muni julgou insensato da parte de Yamarāja que ele fosse punido por sua inocência infantil, de modo que o muni amaldiçoou Yamarāja a se tornar um śūdra, e essa encarnação śūdra de Yamarāja veio a ser conhecida como Vidura, o irmão śūdra de Dhṛtarāṣṭra e Mahārāja Pāṇḍu. Mas esse filho śūdra da dinastia Kuru foi igualmente tratado por Bhīṣmadeva, juntamente com seus outros sobrinhos, e, no devido tempo, Vidura se casou com uma jovem que também havia nascido do ventre de uma śūdrāṇī e de um brāhmaṇa. Embora Vidura não tivesse herdado a propriedade de seu pai (o irmão de Bhīṣmadeva), ele, ainda assim, recebeu suficientes bens do estado da parte de Dhṛtarāṣṭra, o irmão mais velho de Vidura. Vidura era muito apegado a seu irmão mais velho e, por todo o tempo, ele tentava guiá-lo ao caminho correto. Durante a guerra fratricida de Kurukṣetra, Vidura repetidamente implorou a seu irmão mais velho que fizesse justiça aos filhos de Pāṇḍu, mas Duryodhana não gostou de tais interferências de seu tio, e, assim, ele praticamente insultou Vidura. O resultado foi que Vidura deixou o lar para peregrinar e receber instruções de Maitreya.

Texto

yāvataḥ kṛtavān praśnān
kṣattā kauṣāravāgrataḥ
jātaika-bhaktir govinde
tebhyaś copararāma ha

Sinônimos

yāvataḥ — tudo que; kṛtavān — ele apresentou; praśnān — perguntas; kṣattā — um nome de Vidura; kauṣārava — um nome de Maitreya; agrataḥ — na presença de; jāta — tendo amadurecido; eka — um; bhaktiḥ — serviço transcendental amoroso; govinde — ao Senhor Kṛṣṇa; tebhyaḥ — a respeito de perguntas posteriores; ca — e; upararāma — deixou de; ha — no passado.

Tradução

Após fazer muitas perguntas e se estabelecer em serviço transcendental amoroso ao Senhor Kṛṣṇa, Vidura deixou de interrogar Maitreya Muni.

Comentário

SIGNIFICADO—Vidura deixou de fazer perguntas a Maitreya Muni quando foi convencido por Maitreya Muni de que o summum bonum da vida é se estabelecer, enfim, no transcendental serviço amoroso ao Senhor Śrī Kṛṣṇa, que é Govinda, ou aquele que satisfaz Seus devotos sob todos os aspectos. A alma condicionada, o ser vivo na existência material, busca a felicidade empregando seus sentidos nos modos do materialismo, mas isso não pode lhe dar satisfação. Então, ela busca a Verdade Suprema através do método especulativo empírico e dos feitos intelectuais. Contudo, se ela não encontra a meta última, desce mais uma vez às atividades materiais e se ocupa em várias obras filantrópicas e altruístas, que não podem lhe dar satisfação. Desse modo, nem as atividades fruitivas, nem a especulação filosófica seca podem satisfazer alguém, pois, por natureza, um ser vivo é o servo eterno do Supremo Senhor Śrī Kṛṣṇa, e todas as literaturas védicas o orientam a esse fim último. A Bhagavad-gītā (15.15) confirma essa afirmativa.

Assim como Vidura, uma alma condicionada inquisitiva deve aproximar-se de um mestre espiritual fidedigno como Maitreya e, através de perguntas inteligentes, deve tentar saber tudo sobre karma (atividades fruitivas), jñāna (pesquisa filosófica da Verdade Suprema) e yoga (o processo vinculatório de compreensão espiritual). Aquele que não é seriamente inclinado a fazer perguntas a um mestre espiritual não precisa adotar um mestre espiritual de fachada, tampouco uma pessoa que seja mestre espiritual de outrem deve se fazer passar por mestre espiritual se é incapaz de ocupar seu discípulo definitivamente no transcendental serviço amoroso ao Senhor Śrī Kṛṣṇa. Vidura foi bem-sucedido em se aproximar de um mestre espiritual como Maitreya, e obteve a meta última da vida: bhakti a Govinda. Desse modo, não havia nada mais a se conhecer a seguir sobre o progresso espiritual.

Texto

taṁ bandhum āgataṁ dṛṣṭvā
dharma-putraḥ sahānujaḥ
dhṛtarāṣṭro yuyutsuś ca
sūtaḥ śāradvataḥ pṛthā
gāndhārī draupadī brahman
subhadrā cottarā kṛpī
anyāś ca jāmayaḥ pāṇḍor
jñātayaḥ sasutāḥ striyaḥ

Sinônimos

am — lhe; bandhum — parente; āgatam — tendo chegado ali; dṛṣṭvā — ao verem isto; dharma-putraḥ — Yudhiṣṭhira; saha-anujaḥ — juntamente com seus irmãos mais novos; dhṛtarāṣṭraḥ — Dhṛtarāṣṭra; yuyutsuḥ — Sātyaki; ca — e; sūtaḥ — Sañjaya; śāradvataḥ — Kṛpācārya; pṛthā — Kuntī; gāndhārī — Gāndhārī; draupadī — Draupadī; brahman — ó brāhmaṇas; subhadrā — Subhadrā; ca — e; uttarā — Uttarā; kṛpī — Kṛpī; anyāḥ — outras; ca — e; jāmayaḥ — esposas de outros membros familiares; pāṇḍoḥ — dos Pāṇḍavas; jñātayaḥ — membros familiares; sa-sutāḥ — juntamente com seus filhos; striyaḥ — as senhoras.

Tradução

Quando viram Vidura retornar ao palácio, todos os habitantes – Mahārāja Yudhiṣṭhira, seus irmãos mais novos, Dhṛtarāṣṭra, Sātyaki, Sañjaya, Kṛpācārya, Kuntī, Gāndhārī, Draupadī, Subhadrā, Uttarā, Kṛpī, muitas outras esposas dos Kauravas e outras senhoras com filhos – todos se apressaram em sua direção com grande deleite. Parecia que eles haviam recobrado sua consciência após um longo período.

Comentário

SIGNIFICADO—Gāndhārī: A dama casta ideal na história do mundo. Era filha de Mahārāja Subala, o rei de Gāndhāra (agora Kandahar, em Kabul), e, quando solteira, adorou o senhor Śiva. O senhor Śiva é geralmente adorado pelas solteiras hindus para obterem um bom esposo. Gāndhārī satisfez o senhor Śiva e, por obter dele a bênção de poder ter cem filhos, ela foi dada em casamento a Dhṛtarāṣṭra, apesar de este ser cego de nascença. Quando Gāndhārī soube que seu futuro esposo era um homem cego, ela, para seguir seu companheiro de vida, decidiu voluntariamente se tornar cega. Desse modo, cobriu seus olhos com muitas tiras de seda, e se casou com Dhṛtarāṣṭra sob a orientação de seu irmão mais velho, Śakuni. Ela era a mais bela moça de sua época, e era igualmente qualificada em suas qualidades femininas, estimadas por todos os membros da corte Kaurava. Contudo, apesar de suas boas qualidades, ela tinha os defeitos naturais de uma mulher, e ficou com inveja de Kuntī quando esta deu à luz um menino. Então, Gāndhārī ficou irada e deu uma pancada em seu próprio abdômen. Como resultado, ela deu à luz unicamente um amontoado de carne, mas, uma vez que era devota de Vyāsadeva, pela instrução de Vyāsadeva o amontoado foi dividido em cem partes, e cada parte gradualmente se desenvolveu até se tornar um menino. Desse modo, sua ambição de ser mãe de cem filhos foi satisfeita, e ela começou a nutrir todas as crianças de acordo com sua elevada posição. Quando aconteceram as intrigas da Guerra de Kurukṣetra, ela não era a favor da luta contra os Pāṇḍavas; ao contrário, ela censurou Dhṛtarāṣṭra, seu esposo, por tal guerra fratricida. Ela desejava que o estado fosse dividido em duas partes, uma para os filhos de Pāṇḍu e outra para os seus próprios filhos. Ela ficou muito abatida quando todos os seus filhos morreram na Guerra de Kurukṣetra, e quis amaldiçoar Bhīmasena e Yudhiṣṭhira, mas foi impedida por Vyāsadeva. Seu luto pela morte de Duryodhana e Duḥśāsana diante do Senhor Kṛṣṇa foi digno de compaixão, e o Senhor Kṛṣṇa a apaziguou com mensagens transcendentais. Ela ficou igualmente aflita pela morte de Karṇa, e descreveu ao Senhor Kṛṣṇa a lamentação da esposa de Karṇa. Foi apaziguada por Śrīla Vyāsadeva quando este lhe mostrou seus filhos mortos, então promovidos aos reinos celestiais. Morreu juntamente com seu esposo nas selvas dos Himālayas, próximo às nascentes do Ganges, imolando-se num incêndio florestal. Mahārāja Yudhiṣṭhira executou a cerimônia fúnebre de seus tios.

Pṛthā: Filha de Mahārāja Śūrasena e irmã de Vasudeva, pai do Senhor Kṛṣṇa. Mais tarde, foi adotada por Mahārāja Kuntibhoja e, desde então, passou a ser conhecida como Kuntī. É a encarnação da potência de sucesso da Personalidade de Deus. Os cidadãos celestiais dos planetas superiores costumavam visitar o palácio do rei Kuntibhoja, e Kuntī se ocupava em recepcioná-los. Também serviu ao grande sábio místico Durvāsā, e, estando satisfeito com seu serviço fiel, Durvāsā Muni lhe deu um mantra pelo qual lhe seria possível chamar qualquer semideus que lhe aprouvesse. Por curiosidade, ela chamou imediatamente o deus do Sol, que desejou unir-se a ela, mas ela se recusou. O deus do Sol, porém, assegurou que ela estaria imune a qualquer adulteração de sua virgindade, momento no qual ela concordou com sua proposta. Como resultado dessa união entre os dois, ela ficou grávida, e dela nasceu Karṇa. Pela graça do Sol, ela se converteu novamente numa moça virgem, mas, temendo seus pais, abandonou a criança recém-nascida, Karṇa. Depois disso, quando realmente escolheu seu próprio esposo, deu preferência a Pāṇḍu como seu esposo. Mais tarde, Mahārāja Pāṇḍu quis retirar-se da vida familiar e adotar a ordem de vida renunciada. Kuntī se recusou a permitir que seu esposo adotasse tal vida, mas, por fim, Mahārāja Pāṇḍu lhe deu permissão de se tornar mãe de filhos chamando outras personalidades convenientes. A princípio, Kuntī não aceitou semelhante proposta, mas, quando Pāṇḍu apresentou exemplos vívidos, ela concordou. Assim, em virtude do mantra concedido por Durvāsā Muni, ela chamou Dharmarāja, e, então, Yudhiṣṭhira nasceu. Ela chamou o semideus Vāyu (ar), e, então, Bhīma nasceu. Ela chamou Indra, o rei do céu, e, então, Arjuna nasceu. Os outros dois filhos, chamados Nakula e Sahadeva, foram gerados pelo próprio Pāṇḍu no ventre de Mādrī. Mais tarde, Mahārāja Pāṇḍu morreu em idade prematura, motivo pelo qual Kuntī ficou tão aflita que desmaiou. As duas co-esposas, Kuntī e Mādrī, decidiram que Kuntī deveria viver para a manutenção dos cinco filhos pequenos, os Pāṇḍavas, e Mādrī deveria aceitar os rituais satī, encontrando voluntariamente a morte, junto de seu esposo. Essa deliberação foi aprovada por grandes sábios, como Śataśṛṅga e outros, presentes na ocasião.

Posteriormente, quando os Pāṇḍavas foram banidos do reino pelas intrigas de Duryodhana, Kuntī seguiu seus filhos, e enfrentou igualmente todo tipo de dificuldades durante aqueles dias. Durante a vida na floresta, uma jovem demônia, Hiḍimbā, quis Bhima como seu esposo. Bhīma se recusou, mas, quando a garota se dirigiu a Kuntī e Yudhiṣṭhira, eles ordenaram a Bhima que aceitasse sua proposta e lhe desse um filho. Como resultado dessa combinação, nasceu Ghaṭotkaca, o qual lutou com grande bravura contra os Kauravas ao lado de seu pai. Em sua vida de floresta, eles viveram com uma família brāhmaṇa que estava em apuros por causa de certo demônio, Bakāsura, e Kuntī mandou Bhīma matar Bakāsura para proteger a família brāhmaṇa contra os transtornos causados pelo demônio. Ela aconselhou Yudhiṣṭhira a partir para Pāñcāladeśa. Draupadī foi ganha nesse Pāñcāladeśa por parte de Arjuna, mas, por ordem de Kuntī, todos os cinco irmãos Pāṇḍavas se tornaram igualmente os esposos de Pāñcālī, ou Draupadī. Ela se casou com os cinco Pāṇḍavas na presença de Vyāsadeva. Kuntīdevī jamais esqueceu seu primeiro filho, Karṇa, e, após a morte de Karṇa no Campo de Batalha de Kurukṣetra, ela se lamentou e admitiu diante de seus outros filhos que Karṇa era seu filho mais velho, anterior a seu casamento com Mahārāja Pāṇḍu. Suas orações ao Senhor após a Guerra de Kurukṣetra, quando o Senhor Kṛṣṇa voltava para casa, são explicadas com primor. Mais tarde, ela foi à floresta com Gāndhārī para praticar severas penitências. Ela costumava comer alguma refeição a cada trinta dias. Finalmente, sentou-se em meditação profunda e logo foi reduzida a cinzas num incêndio florestal.

Draupadī: A castíssima filha de Mahārāja Drupada é uma encarnação parcial da deusa Śacī, esposa de Indra. Mahārāja Drupada executou um grande sacrifício sob a superintendência do sábio Yaja. Com a primeira oferenda, nasceu Dhṛṣṭadyumna, e, com a segunda oferenda, nasceu Draupadī. Portanto, ela é irmã de Dhṛṣṭadyumna, e também é chamada de Pāñcālī. Os cinco Pāṇḍavas se casaram com ela como uma esposa comum, e cada um deles teve um filho com ela. Mahārāja Yudhiṣṭhira gerou um filho chamado Pratibhit, Bhīmasena gerou um filho chamado Sutasoma, Arjuna gerou Śrutakīrti, Nakula gerou Śatānīka, e Sahadeva gerou Śrutakarmā. Ela é descrita como uma dama belíssima, igual a sua sogra, Kuntī. Durante seu nascimento, houve uma mensagem aérea de que ela deveria ser chamada de Kṛṣṇā. A mesma mensagem também declarava que ela nascera para matar muitos kṣatriyas. Em virtude das bênçãos que recebera de Śaṅkara, ela obteve cinco esposos, igualmente qualificados. Quando preferiu escolher seu próprio esposo, príncipes e reis foram convidados de todos os países do mundo. Ela se casou com os Pāṇḍavas durante o exílio deles na floresta, mas, quando eles voltaram para casa, Mahārāja Drupada lhes deu imensas riquezas como dote. Ela foi bem recebida por todas as noras de Dhṛtarāṣṭra. Perdida na aposta de um jogo, foi arrastada à força para o salão de assembleia, e Duḥśāsana tentou ver sua beleza nua, embora estivessem presentes ali pessoas mais velhas como Bhīṣma e Droṇa. Era uma grande devota do Senhor Kṛṣṇa, e, por causa de suas orações, o próprio Senhor converteu-Se em vestes ilimitadas para salvá-la do insulto. Um demônio chamado Jaṭāsura raptou-a, mas seu segundo esposo, Bhīmasena, matou o demônio e a salvou. Ela salvou os Pāṇḍavas da maldição de Maharṣi Durvāsā, pela graça do Senhor Kṛṣṇa. Quando os Pāṇḍavas viviam incógnitos no palácio de Virāṭa, Kīcaka foi atraído por sua extraordinária beleza, e, por um arranjo com Bhīma, o demônio foi morto e ela foi salva. Afligiu-se muito quando seus cinco filhos foram mortos por Aśvatthāmā. E, por fim, ela acompanhou seu esposo Yudhiṣṭhira e outros e caiu no caminho. A causa de sua queda foi explicada por Yudhiṣṭhira, mas, quando Yudhiṣṭhira entrou no planeta celestial, ele viu Draupadī gloriosamente presente ali como a deusa da fortuna no planeta celestial.

Subhadrā: Filha de Vasudeva e irmã do Senhor Śrī Kṛṣṇa. Era não apenas uma filha muito querida de Vasudeva, mas também uma irmã muito querida de Kṛṣṇa e Baladeva. Os dois irmãos e a irmã são representados no famoso templo de Jagannātha em Purī, e o templo ainda é visitado diariamente por milhares de peregrinos. Esse templo é uma lembrança da visita do Senhor a Kurukṣetra durante a ocasião de um eclipse solar, e Seu subsequente encontro com os habitantes de Vṛndāvana. O encontro de Rādhā e Kṛṣṇa durante essa ocasião é uma história muito poética, e o Senhor Śrī Caitanya, no êxtase de Rādhārāṇī, sempre anelava pelo Senhor Śrī Kṛṣṇa em Jagannātha Purī. Enquanto Arjuna esteve em Dvārakā, ele desejou ter Subhadrā como sua rainha e expressou seu desejo ao Senhor Kṛṣṇa. Śrī Kṛṣṇa sabia que Seu irmão mais velho, o Senhor Baladeva, estava providenciando seu casamento em algum outro lugar, e, uma vez que não ousava Se opor ao arranjo de Baladeva, Ele aconselhou Arjuna a raptar Subhadrā. Assim, quando todos eles estavam numa viagem de recreação na colina Raivata, Arjuna conseguiu raptar Subhadrā de acordo com o plano de Śrī Kṛṣṇa. Śrī Baladeva ficou muito irado com Arjuna e quis matá-lo, mas o Senhor Kṛṣṇa implorou a Seu irmão que perdoasse Arjuna. Então, Subhadrā se casou devidamente com Arjuna, e Abhimanyu nasceu de Subhadrā. Com a morte prematura de Abhimanyu, Subhadrā se afligiu imensamente, mas, com o nascimento de Parīkṣit, ela ficou feliz e consolada.

Texto

pratyujjagmuḥ praharṣeṇa
prāṇaṁ tanva ivāgatam
abhisaṅgamya vidhivat
pariṣvaṅgābhivādanaiḥ

Sinônimos

prati — em direção a; ujjagmuḥ — foram; praharṣeṇa — com grande deleite; prāṇam — vida; tanvaḥ — do corpo; iva — como; āgatam — retornaram; abhisaṅgamya — aproximando-se; vidhi-vat — na forma devida; pariṣvaṅga — abraçando-se; abhivādanaiḥ — com reverências.

Tradução

Todos se aproximaram dele com grande deleite, como se a vida houvesse retornado a seus corpos. Eles trocaram reverências e deram boas-vindas uns aos outros, abraçando-se.

Comentário

SIGNIFICADO—Na ausência da consciência, os membros do corpo permanecem inativos. Todavia, quando a consciência retorna, os membros e os sentidos se tornam ativos, e a própria existência se torna deleitosa. Vidura era tão querido pelos membros da família Kaurava que sua longa ausência do palácio era comparável à inatividade. Todos eles estavam sentindo forte saudade de Vidura, daí seu regresso ao palácio ter sido motivo de alegria para todos.

Texto

mumucuḥ prema-bāṣpaughaṁ
virahautkaṇṭhya-kātarāḥ
rājā tam arhayāṁ cakre
kṛtāsana-parigraham

Sinônimos

mumucuḥ — emanaram; prema — afetuosos; bāṣpa-ogham — lágrimas de emoção; viraha — separação; autkaṇṭhya — ansiedade; kātarāḥ — estando aflitos; rājā — rei Yudhiṣṭhira; tam — a ele (Vidura); arhayām cakre — ofereceu; kṛta — execução de; āsana — arranjos para se sentar; parigraham — arranjo de.

Tradução

Devido às ansiedades e à longa separação, todos eles choraram de afeição. Então, o rei Yudhiṣṭhira providenciou que lhe oferecessem um assento e acolhida.

Texto

taṁ bhuktavantaṁ viśrāntam
āsīnaṁ sukham āsane
praśrayāvanato rājā
prāha teṣāṁ ca śṛṇvatām

Sinônimos

tam — a ele (Vidura); bhuktavantam — após o alimentar suntuosamente; viśrāntam — e tendo repousado; āsīnam — estando sentado; sukham āsane — num assento confortável; praśrayaavanataḥ – naturalmente muito amável e manso; rājā — rei Yudhiṣṭhira; prāha — começou a falar; teṣām ca — e por eles; śṛṇvatām — sendo ouvido.

Tradução

Após comer com suntuosidade e descansar o bastante, Vidura se sentou confortavelmente. Então, o rei começou a falar com ele, e todos ali presentes ouviam-no.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei Yudhiṣṭhira também era perito em recepcionar, mesmo no caso de seus membros familiares. Vidura foi bem recebido por todos os membros familiares, com troca de abraços e reverências. Depois disso, foram providenciados um banho e um suntuoso jantar, após o que se ofereceu a ele suficiente repouso. Terminado seu descanso, foi-lhe oferecido um lugar confortável para se sentar, e, então, o rei começou a falar sobre todos os acontecimentos familiares e outros mais. Essa é a maneira apropriada de receber um amigo querido, ou mesmo um inimigo. Segundo os códigos morais indianos, mesmo um inimigo recebido em casa deve ser tão bem recebido que não sinta nenhuma situação temerosa. Um inimigo sempre teme seu inimigo, mas isso não deve acontecer quando ele é recepcionado em casa por seu inimigo. Isso significa que uma pessoa, quando recebida em casa, deve ser tratada como um parente; o que dizer, então, de um membro familiar como Vidura, que era um benquerente de todos os membros da família? Assim, Yudhiṣṭhira começou a falar, na presença de todos os outros membros.

Texto

yudhiṣṭhira uvāca
api smaratha no yuṣmat-
pakṣa-cchāyā-samedhitān
vipad-gaṇād viṣāgnyāder
mocitā yat samātṛkāḥ

Sinônimos

yudhiṣṭhiraḥ uvāca — Mahārāja Yudhiṣṭhira disse; api — se; smaratha — te lembras; naḥ — nos; yuṣmat — de ti; pakṣa — parcialidade conosco, como as asas de um pássaro; chāyā — proteção; samedhitān — nós que fomos criados por ti; vipat-gaṇāt — de vários tipos de calamidades; viṣa — pela administração de veneno; agni-ādeḥ — ateando fogo; mocitāḥ — libertados de; yat — o que fizeste; sa — juntamente com; mātṛkāḥ — nossa mãe.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Meu tio, tu te lembras de como sempre nos protegeste, juntamente com nossa mãe, de todas as espécies de calamidades? Tua parcialidade, como as asas de um pássaro, salvou-nos do envenenamento e do incêndio premeditado.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido à morte de Pāṇḍu em idade prematura, seus filhos pequenos e sua viúva foram objeto de cuidado especial por parte de todos os membros mais velhos da família, especialmente Bhīṣmadeva e Mahātmā Vidura. Vidura era mais ou menos parcial com os Pāṇḍavas devido à situação política deles. Embora Dhṛtarāṣṭra fosse igualmente cuidadoso com os filhos pequenos de Mahārāja Pāṇḍu, ele era um dos elementos que tramavam varrer para fora os descendentes de Pāṇḍu e substituí-los colocando os filhos de Dhṛtarāṣṭra como os governantes do reino. Mahātmā Vidura pôde acompanhar esse plano secreto de Dhṛtarāṣṭra e companhia, e, por isso, embora fosse um servo fiel de seu irmão mais velho, Dhṛtarāṣṭra, Vidura não gostava das ambições políticas dele em favor de seus próprios filhos. Portanto, ele era muito cuidadoso quanto à proteção dos Pāṇḍavas e de sua mãe viúva. Desse modo, ele era, por assim dizer, parcial com os Pāṇḍavas, preferindo-os aos filhos de Dhṛtarāṣṭra, embora todos eles fossem igualmente queridos sob seu olhar comum. Ele era igualmente afeiçoado a ambos os grupos de sobrinhos, no sentido de que sempre repreendia Duryodhana por sua política ardilosa contra seus primos. Ele sempre criticava seu irmão mais velho por sua política de encorajamento a seus filhos e, ao mesmo tempo, estava sempre alerta para dar proteção especial aos Pāṇḍavas. Todas essas diferentes atividades de Vidura dentro da política palaciana o tornaram famoso como parcial com os Pāṇḍavas. Mahārāja Yudhiṣṭhira se referiu à história passada de Vidura, antes de sua partida do lar para uma prolongada viagem de peregrinação. Mahārāja Yudhiṣṭhira o lembrou de que ele fora igualmente bondoso e parcial com seus sobrinhos crescidos, mesmo após a Guerra de Kurukṣetra, um grande desastre familiar.

Antes da Guerra de Kurukṣetra, a política de Dhṛtarāṣṭra era de pacífica aniquilação de seus sobrinhos; portanto, ele mandou Purocana construir uma casa em Vāraṇāvata, e, quando a construção foi terminada, Dhṛtarāṣṭra desejou que a família de seu irmão vivesse ali por algum tempo. Quando os Pāṇḍavas se puseram a caminho de Vāraṇāvata, na presença de todos os membros da família real, Vidura, com muito tato, deu instruções aos Pāṇḍavas sobre o futuro plano de Dhṛtarāṣṭra. Isso está especificamente descrito no Mahābhārata (Ādi-parva 114). Ele indicou indiretamente: “Uma arma, que não é feita de aço ou qualquer outro elemento material, pode ser mais afiada para matar um inimigo, e aquele que sabe disso nunca é morto.” Isto é, ele avisou que o grupo dos Pāṇḍavas estava sendo enviado a Vāraṇāvata para ser morto e, portanto, aconselhou a Yudhiṣṭhira que tivesse muito cuidado em seu novo palácio residencial. Ele também deu pistas sobre o incêndio e disse que o fogo não pode extinguir a alma, mas pode aniquilar o corpo material. Contudo, aquele que protege a alma pode viver. Kuntī não podia acompanhar essa conversa indireta entre Mahārāja Yudhiṣṭhira e Vidura, e, assim, quando perguntou a seu filho sobre o significado da conversa, Yudhiṣṭhira respondeu que, a partir das palavras de Vidura, entendia-se que havia uma previsão de incêndio na casa para onde eles estavam indo. Mais tarde, Vidura foi disfarçado até os Pāṇḍavas e os informou de que o vigia da residência atearia fogo à casa na décima quarta noite da lua minguante. Tal era o plano secreto de Dhṛtarāṣṭra para que os Pāṇḍavas morressem todos de uma vez, juntamente com sua mãe. E, pelo aviso de Vidura, os Pāṇḍavas escaparam através de um túnel subterrâneo, de modo que Dhṛtarāṣṭra não ficasse sabendo de sua fuga, tanto que, após atearem fogo, os Kauravas estavam tão certos da morte dos Pāṇḍavas que Dhṛtarāṣṭra executou os últimos ritos fúnebres com grande alegria. E, durante o período de luto, todos os membros do palácio ficaram dominados pela lamentação, mas Vidura não o estava, por saber que os Pāṇḍavas estavam vivos em alguma parte. Há muitos exemplos de calamidades assim, sendo que, em cada uma delas, Vidura protegeu os Pāṇḍavas por um lado e, por outro lado, tentou dissuadir seu irmão Dhṛtarāṣṭra de sua política ardilosa. Assim, ele era sempre parcial com os Pāṇḍavas, tal como um pássaro protege seus ovos com as asas.

Texto

kayā vṛttyā vartitaṁ vaś
caradbhiḥ kṣiti-maṇḍalam
tīrthāni kṣetra-mukhyāni
sevitānīha bhūtale

Sinônimos

kayā — por que; vṛttyā — meios; vartitam — mantinhas tua subsistência; vaḥ — vossa graça; caradbhiḥ — enquanto viajavas; kṣiti-maṇḍalam — sobre a face da Terra; tīrthāni — locais de peregrinação; kṣetra-mukhyāni — os principais lugares sagrados; sevitāni — servidos por ti; iha — neste mundo; bhūtale — neste planeta.

Tradução

Enquanto viajavas sobre a face da Terra, como mantinhas a tua subsistência? Em que lugares santos e locais de peregrinação prestaste serviço?

Comentário

SIGNIFICADO—Vidura saíra do palácio para se desapegar dos afazeres domésticos, especialmente das intrigas políticas. Como se mencionou aqui antes, ele foi praticamente insultado por Duryodhana tê-lo chamado de filho de śūdrāṇī, embora não fosse inapropriado falar livremente no caso da própria avó. A mãe de Vidura, embora uma śūdrāṇī, era avó de Duryodhana, e palavras jocosas são às vezes permitidas entre neto e avó. No entanto, como a observação era um fato real, tratava-se de uma conversa desagradável para Vidura, e foi recebida como um insulto direto. Portanto, ele decidiu deixar a casa de seus parentes e se preparar para a ordem de vida renunciada. Esse estágio preparatório se chama vānaprastha-āśrama, ou vida retirada para viajar e visitar os locais sagrados sobre a face da Terra. Nos locais sagrados da Índia, tais como Vṛndāvana, Hardwar, Jagannātha Purī e Prayāga, há muitos grandes devotos, e há ainda refeitórios gratuitos para as pessoas que desejam avançar espiritualmente. Mahārāja Yudhiṣṭhira estava curioso de saber se Vidura se mantivera pela misericórdia dos refeitórios gratuitos (chatras).

Texto

bhavad-vidhā bhāgavatās
tīrtha-bhūtāḥ svayaṁ vibho
tīrthī-kurvanti tīrthāni
svāntaḥ-sthena gadābhṛtā

Sinônimos

bhavat — vossa graça; vidhāḥ — como; bhāgavatāḥ — devotos; tīrtha — os lugares sagrados de peregrinação; bhūtāḥ — convertidos em; svayam — pessoalmente; vibho — ó poderoso; tīrthī-kurvanti — transformado num local sagrado de peregrinação; tīrthāni — os lugares sagrados; sva-antaḥ-sthena — tendo sido situado no coração; gadā-bhṛtā — a Personalidade de Deus.

Tradução

Meu senhor, devotos como vossa graça são, em verdade, lugares santos personificados. Porque carregas a Personalidade de Deus dentro de teu coração, convertes todos os lugares em locais de peregrinação.

Comentário

SIGNIFICADO—A Personalidade de Deus é onipresente através de Suas diversas potências espalhadas por toda parte, assim como o poder da eletricidade se distribui por toda parte dentro do espaço. Analogamente, a onipresença do Senhor é percebida e manifestada por Seus devotos imaculados como Vidura, assim como a eletricidade se manifesta na lâmpada. Um devoto puro como Vidura sempre sente a presença do Senhor em todo lugar. Ele vê tudo na potência do Senhor e o Senhor em tudo. Os locais sagrados em toda a Terra se destinam a purificar a consciência poluída do ser humano através de uma atmosfera saturada com a presença dos devotos imaculados do Senhor. Qualquer pessoa que visite um local sagrado deve procurar os devotos puros que residem em tais lugares santos, aprender com eles, tentar aplicar suas instruções na vida prática e, assim, preparar-se gradualmente para a salvação final, voltando ao Supremo. Ir a algum lugar sagrado de peregrinação não significa apenas se banhar no Ganges ou no Yamunā, ou visitar os templos situados nesses lugares. Deve-se, também, buscar representantes de Vidura que não tenham outro desejo na vida exceto servir à Personalidade de Deus. A Personalidade de Deus está sempre com esses devotos puros por causa de seu serviço impoluto, que não tem vestígio algum de ação fruitiva ou especulação utópica. Eles estão executando verdadeiro serviço ao Senhor, especificamente pelo processo de ouvir e cantar. Os devotos puros ouvem das autoridades e recitam, cantam e escrevem sobre as glórias do Senhor. Mahāmuni Vyāsadeva ouviu de Nārada e, então, cantou na forma escrita; Śukadeva Gosvāmī estudou com seu pai e descreveu a Parīkṣit. Esse é o processo do Śrīmad-Bhāgavatam. Assim, através de suas ações, os devotos puros do Senhor podem converter qualquer lugar em um local de peregrinação, e os lugares sagrados são dignos desse nome apenas por causa deles. Tais devotos puros são capazes de retificar a atmosfera poluída de qualquer lugar, para não falar de um lugar sagrado que se tornou profano devido às ações duvidosas de pessoas interesseiras que tentam adotar uma vida profissional à custa da reputação do lugar sagrado.

Texto

api naḥ suhṛdas tāta
bāndhavāḥ kṛṣṇa-devatāḥ
dṛṣṭāḥ śrutā vā yadavaḥ
sva-puryāṁ sukham āsate

Sinônimos

api — acaso; naḥ — nossos; suhṛdaḥ — benquerentes; tāta — ó meu tio; bāndhavāḥ — amigos; kṛṣṇa-devatāḥ — aqueles que estão sempre absortos no serviço ao Senhor Śrī Kṛṣṇa; dṛṣṭāḥ — por vê-los; śrutāḥ — ou por ouvir sobre eles; — ou; yadavaḥ — os descendentes de Yadu; sva-puryām — juntamente com seu lugar de residência; sukham āsate — se eles estão todos felizes.

Tradução

Meu tio, deves ter visitado Dvārakā. Naquele lugar sagrado estão nossos amigos e benquerentes, os descendentes de Yadu, que estão sempre absortos no serviço ao Senhor Śrī Kṛṣṇa. Deves tê-los visto ou ouvido sobre eles. Acaso eles vivem felizes em suas residências?

Comentário

SIGNIFICADO—A expressão kṛṣṇa-devatāḥ em particular, isto é, aqueles que estão sempre absortos no serviço ao Senhor Kṛṣṇa, é significativa. Os Yādavas e os Pāṇḍavas, que estavam sempre absortos pensando no Senhor Kṛṣṇa e em Suas diferentes atividades transcendentais, eram todos devotos puros do Senhor, como Vidura. Vidura abandonou o lar para se devotar completamente ao serviço ao Senhor, mas os Pāṇḍavas e os Yādavas estavam sempre absortos pensando no Senhor Kṛṣṇa. Assim, não há diferença entre suas qualidades devocionais puras. Quer permaneça no lar, quer deixe o lar, a verdadeira qualificação do devoto puro é tornar-se absorto em pensar favoravelmente em Kṛṣṇa, isto é, sabendo bem que o Senhor Kṛṣṇa é a Absoluta Personalidade de Deus. Kaṁsa, Jarāsandha, Śiśupāla e outros demônios como eles também estavam sempre absortos pensando no Senhor Kṛṣṇa, mas eles se absorviam de maneira diferente, ou seja, desfavoravelmente, ou pensando que Ele era apenas um homem poderoso. Portanto, Kaṁsa e Śiśupāla não estão no mesmo nível que devotos puros como Vidura, os Pāṇḍavas e os Yādavas.

Mahārāja Yudhiṣṭhira também estava absorto pensando no Senhor Kṛṣṇa e Seus associados em Dvārakā. De outro modo, ele não poderia ter perguntado sobre eles a Vidura. Mahārāja Yudhiṣṭhira estava, portanto, no mesmo nível de devoção que Vidura, embora ocupado nos afazeres estatais do reinado do mundo.

Texto

ity ukto dharma-rājena
sarvaṁ tat samavarṇayat
yathānubhūtaṁ kramaśo
vinā yadu-kula-kṣayam

Sinônimos

iti — assim; uktaḥ — sendo interrogado; dharma-rājena — pelo rei Yudhiṣṭhira; sarvam — tudo; tat — que; samavarṇayat — descreveu adequadamente; yathā-anubhūtam — como experimentara; kramaśaḥ — um após o outro; vinā — sem; yadu-kula-kṣayam — aniquilação da dinastia Yadu.

Tradução

Sendo assim interrogado por Mahārāja Yudhiṣṭhira, Mahātmā Vidura descreveu pouco a pouco tudo que experimentara pessoalmente, exceto a notícia da aniquilação da dinastia Yadu.

Texto

nanv apriyaṁ durviṣahaṁ
nṛṇāṁ svayam upasthitam
nāvedayat sakaruṇo
duḥkhitān draṣṭum akṣamaḥ

Sinônimos

nanu — de fato; apriyam — desagradável; durviṣaham — insuportável; nṛṇām — da humanidade; svayam — à sua própria maneira; upasthitam — aparecimento; na — não; āvedayat — expressou; sakaruṇaḥ — compassivo; duḥkhitān — desolados; draṣṭum — ver; akṣamaḥ — incapaz.

Tradução

O compassivo Mahātmā Vidura não suportava ver os Pāṇḍavas desolados em momento algum. Portanto, ele não revelou esse incidente desagradável e insuportável, porque as calamidades vêm por si mesmas.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo o Nīti-śāstra (leis cívicas), não se deve falar uma verdade desagradável que cause aflição a outras pessoas. A aflição vem a nós por si mesma, através das leis da natureza; assim, não devemos agravá-la com a propaganda. Para uma alma compassiva como Vidura, especialmente em suas relações com os Pāṇḍavas, era quase impossível revelar uma notícia desagradável como a da aniquilação da dinastia Yadu. Assim sendo, ele propositalmente se absteve de falar.

Texto

kañcit kālam athāvātsīt
sat-kṛto devavat sukham
bhrātur jyeṣṭhasya śreyas-kṛt
sarveṣāṁ sukham āvahan

Sinônimos

kañcit — por alguns dias; kālam — tempo; atha — assim; avātsīt — residiu; sat-kṛtaḥ — sendo bem tratado; deva-vat — assim como uma personalidade divina; sukham — amenidades; bhrātuḥ — do irmão; jyeṣṭhasya — do mais velho; śreyaḥ-kṛt — para lhe fazer o bem; sarveṣām — todos os demais; sukham — felicidade; āvahan — tornou possível.

Tradução

Então, Mahātmā Vidura, sendo tratado como uma pessoa divina por seus parentes, permaneceu ali por um determinado período apenas para retificar a mentalidade de seu irmão mais velho e, dessa maneira, alegrar a todos os demais.

Comentário

SIGNIFICADO—Pessoas santas como Vidura devem ser tratadas tão bem como um habitante do céu. Naqueles dias, os habitantes dos planetas celestiais costumavam visitar lares como o de Mahārāja Yudhiṣṭhira, e, às vezes, pessoas como Arjuna e outros costumavam visitar os planetas superiores. Nārada é um homem do espaço que pode viajar irrestritamente, não apenas entre os universos materiais, mas também até os universos espirituais. Mesmo Nārada costumava visitar o palácio de Mahārāja Yudhiṣṭhira, isso para não falar de outros semideuses celestiais. É apenas a cultura espiritual das pessoas interessadas que possibilita as viagens interplanetárias, mesmo no corpo atual. Portanto, Mahārāja Yudhiṣṭhira recebeu Vidura à maneira da recepção oferecida aos semideuses.

Mahātmā Vidura já havia adotado a ordem de vida renunciada, de modo que ele não retornou a seu palácio paterno para desfrutar de alguns confortos materiais. Por sua própria misericórdia, ele aceitou o que lhe foi oferecido por Mahārāja Yudhiṣṭhira, mas o propósito de ele viver no palácio era liberar seu irmão mais velho, Dhṛtarāṣṭra, que estava muito apegado materialmente. Dhṛtarāṣṭra perdeu todo o seu Estado e descendentes na luta contra Mahārāja Yudhiṣṭhira e ainda assim, devido a sua condição de desamparo, não se sentia envergonhado de aceitar a caridade e hospitalidade de Mahārāja Yudhiṣṭhira. Da parte de Mahārāja Yudhiṣṭhira, era completamente correto manter seu tio de maneira conveniente, mas a aceitação de hospitalidade tão magnânima por parte de Dhṛtarāṣṭra não era nem um pouco desejável. Ele a aceitava porque pensava não haver alternativa. Vidura veio particularmente para iluminar Dhṛtarāṣṭra e para elevá-lo ao status superior de cognição espiritual. É dever das almas iluminadas libertar as caídas, e Vidura veio por essa razão. Todavia, as conversas sobre iluminação espiritual são tão renovadoras que, enquanto instruía Dhṛtarāṣṭra, Vidura atraiu a atenção de todos os membros da família, e todos eles se compraziam em ouvi-lo pacientemente. Esse é o caminho da compreensão espiritual. A mensagem deve ser ouvida atentamente e, se falada por uma alma realizada, agirá no coração adormecido da alma condicionada. E, através da audição contínua, pode-se alcançar o estágio perfeito de autorrealização.

Texto

abibhrad aryamā daṇḍaṁ
yathāvad agha-kāriṣu
yāvad dadhāra śūdratvaṁ
śāpād varṣa-śataṁ yamaḥ

Sinônimos

abibhrat — administrou; aryamā — Aryamā; daṇḍam — punição; yathāvat — como era apropriado; agha-kāriṣu — às pessoas que cometeram pecados; yāvat — enquanto; dadhāra — aceitou; śūdratvam — o tabernáculo de um śūdra; sāpāt — como resultado de uma maldição; varṣa-śatam — por cem anos; yamaḥ — Yamarāja.

Tradução

Enquanto Vidura fazia o papel de um śūdra, tendo sido amaldiçoado por Maṇḍūka Muni, Aryamā assumira o posto de Yamarāja para punir aqueles que cometeram atos pecaminosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Vidura, nascido no ventre de uma mulher śūdra, foi proibido até mesmo de receber uma parte da herança real juntamente com seus irmãos Dhṛtarāṣṭra e Pāṇḍu. Como, então, ele podia ocupar o posto de pregador para instruir reis e kṣatriyas tão eruditos como Dhṛtarāṣṭra e Mahārāja Yudhiṣṭhira? A primeira resposta é que, muito embora se aceite que ele era um śūdra por nascimento, porque renunciara ao mundo para iluminação espiritual, através da autoridade de Ṛṣi Maitreya, e fora completamente educado por ele no conhecimento transcendental, ele era totalmente competente para ocupar o posto de um ācārya, ou preceptor espiritual. Segundo Śrī Caitanya Mahāprabhu, qualquer pessoa que seja versada no conhecimento transcendental, ou a ciência do Supremo, seja ela brāhmaṇa ou śūdra, chefe de família ou sannyāsī, está apta a converter-se em mestre espiritual. Mesmo nos códigos morais ordinários (mantidos por Cāṇakya Paṇḍita, o grande político e moralista), não há mal algum em receber lições de alguém que, por nascimento, possa ser inferior a um śūdra. Essa é uma parte da resposta. A outra é que Vidura não era de fato śūdra. Ele tinha de representar o papel de śūdra durante cem anos, por maldição de Maṇḍūka Muni. Ele era a encarnação de Yamarāja, um dos doze mahājanas, no mesmo nível de personalidades elevadas tais como Brahmā, Nārada, Śiva, Kapila, Bhīṣma, Prahlāda etc. Sendo um mahājana, é dever de Yamarāja pregar o culto da devoção às pessoas do mundo, como o fazem Nārada, Brahmā e outros mahājanas. Yamarāja, porém, está sempre atarefado em seu reino plutônico, castigando os executores de atos pecaminosos. Yamarāja é delegado pelo Senhor a um planeta em particular, distante centenas de milhares de quilômetros do planeta Terra, para levar para ali as almas corruptas, após a morte, e condená-las de acordo com suas respectivas atividades pecaminosas. Assim, Yamarāja tem pouquíssimo tempo disponível para deixar as responsabilidades de seu cargo de castigar os malfeitores. Há mais malfeitores do que homens íntegros. Portanto, Yamarāja tem que trabalhar mais que outros semideuses que também são agentes autorizados do Senhor Supremo. Porém, ele queria pregar as glórias do Senhor e, por isso, pela vontade do Senhor, foi amaldiçoado por Maṇḍūka Muni a vir ao mundo na encarnação de Vidura e trabalhar arduamente como um grande devoto. Um devoto assim não é nem śūdra nem brāhmaṇa. Ele é transcendental a essas divisões da sociedade mundana, assim como a Personalidade de Deus assume Sua encarnação como javali, mas não é nem javali nem Brahmā. Ele está acima de todas as criaturas mundanas. O Senhor e Seus diferentes devotos autorizados têm às vezes que representar o papel de muitas criaturas inferiores para resgatar as almas condicionadas, mas tanto o Senhor quanto Seus devotos puros estão sempre na posição transcendental. Quando Yamarāja se encarnou desse modo como Vidura, seu posto foi ocupado por Aryamā, um dos muitos filhos de Kaśyapa e Aditi. Os ādityas são filhos de Aditi, e há doze ādityas. Aryamā é um dos doze ādityas e, portanto, foi-lhe completamente possível encarregar-se do posto de Yamarāja durante sua ausência de cem anos, sob a forma de Vidura. A conclusão é que Vidura nunca foi śūdra, mas era superior ao tipo mais puro de brāhmaṇa.

Texto

yudhiṣṭhiro labdha-rājyo
dṛṣṭvā pautraṁ kulan-dharam
bhrātṛbhir loka-pālābhair
mumude parayā śriyā

Sinônimos

yudhiṣṭhiraḥ — Yudhiṣṭhira; labdha-rājyaḥ — possuindo seu reino paterno; dṛṣṭvā — observando; pautram — o neto; kulam-dharam — competente para a dinastia; bhrātṛbhiḥ — pelos irmãos; loka-pālābhaiḥ — que eram todos administradores peritos; mumude — gozou a vida; parayā — incomum; śriyā — opulência.

Tradução

Tendo conquistado seu reino e observado o nascimento de um neto competente para continuar a nobre tradição de sua família, Mahārāja Yudhiṣṭhira reinou pacificamente e desfrutou de incomum opulência obtendo a cooperação de seus irmãos mais novos, que eram todos administradores habilidosos para as pessoas em geral.

Comentário

SIGNIFICADO—Tanto Mahārāja Yudhiṣṭhira quanto Arjuna estavam infelizes desde o começo da Batalha de Kurukṣetra, mas, embora não quisessem matar seus próprios homens na luta, isso tinha de ser feito por questão de dever, pois isso fora planejado pela vontade suprema do Senhor Śrī Kṛṣṇa. Após a batalha, Mahārāja Yudhiṣṭhira ficou infeliz com tal matança em massa. Praticamente não havia ninguém para continuar a dinastia Kuru depois deles, os Pāṇḍavas. A única e derradeira esperança era a criança no ventre de sua nora, Uttarā, e ela também foi atacada por Aśvatthāmā; porém, pela graça do Senhor, a criança foi salva. Então, após o abrandamento de todas as condições perturbadoras e do restabelecimento da ordem pacífica do Estado, e após ver que a criança sobrevivente, Parīkṣit, estava bem satisfeita, Mahārāja Yudhiṣṭhira sentiu certo alívio como ser humano, embora não sentisse a menor atração pela felicidade material, que é sempre ilusória e temporária.

Texto

evaṁ gṛheṣu saktānāṁ
pramattānāṁ tad-īhayā
atyakrāmad avijñātaḥ
kālaḥ parama-dustaraḥ

Sinônimos

evam — assim; gṛheṣu — nos afazeres familiares; saktānām — de pessoas que são demasiadamente apegadas; pramattānām — insanamente apegados; tat-īhayā — absortos nesses pensamentos; atyakrāmat — sobrepujados; avijñātaḥ — imperceptivelmente; kālaḥ — tempo eterno; parama — supremamente; dustaraḥ — insuperável.

Tradução

Sem ser notado, o tempo insuperável e eterno derrota aqueles que são demasiadamente apegados aos afazeres familiares e estão sempre absortos pensando neles.

Comentário

SIGNIFICADO—“Agora sou feliz; tenho tudo em ordem; meu saldo bancário é mais que suficiente; agora posso dar a meus filhos bastante status; sou bem-sucedido; os pobres sannyāsīs pedintes dependem de Deus, mas vêm mendigar de mim; por isso, sou superior ao Deus Supremo.” Esses são alguns dos pensamentos que absorvem o chefe de família loucamente apegado e cego para a passagem do tempo eterno. A duração de nossa vida foi fixada, e ninguém é capaz de aumentá-la nem mesmo um segundo além do tempo programado, ordenado pela vontade suprema. Esse tempo valioso, especialmente para o ser humano, deve ser gasto com zelo, pois mesmo um segundo passado imperceptivelmente não pode ser reposto, nem mesmo em troca de milhares de moedas de ouro acumuladas com trabalho árduo. Todos os segundos da vida humana se destinam a dar uma solução final aos problemas da vida, isto é, a repetição de nascimentos e mortes e o envolvimento no ciclo de 8.400.000 diferentes espécies de vida. O corpo material, sujeito a nascimento e morte, doenças e velhice, é a causa de todos os sofrimentos do ser vivo. Por outro lado, o ser vivo é eterno; ele nunca nasce, nem morre. As pessoas tolas esquecem esse problema. Elas não sabem de modo algum como resolver os problemas da vida, senão que se absorvem em afazeres familiares temporários, desconhecendo que o tempo eterno está passando imperceptivelmente e que a medida de duração de vida delas diminui a cada segundo, sem qualquer solução para o grande problema, ou seja, a repetição de nascimento e morte, doença e velhice. Isso se chama ilusão.

Mas essa ilusão não pode atuar sobre alguém que está desperto para o serviço devocional ao Senhor. Yudhiṣṭhira Mahārāja e seus irmãos, os Pāṇḍavas, estavam todos ocupados no serviço ao Senhor Śrī Kṛṣṇa, e sentiam pouquíssima atração pela felicidade ilusória deste mundo material. Como discutimos anteriormente, Mahārāja Yudhiṣṭhira estava fixo no serviço ao Senhor Mukunda (o Senhor, aquele que pode conceder a salvação) e, portanto, não sentia nenhuma atração por tais confortos da vida que estão disponíveis no reino do céu, porque mesmo a felicidade obtida no planeta Brahmaloka também é temporária e ilusória. Uma vez que o ser vivo é eterno, ele só pode ser feliz na morada eterna do reino de Deus (paravyoma), da qual ninguém retorna a esta região de repetidos nascimento e morte, doenças e velhice. Portanto, qualquer conforto da vida, ou qualquer felicidade material que não garanta uma vida eterna, é simples ilusão para o ser vivo eterno. A pessoa que entende isso realmente é erudita, e uma pessoa erudita assim pode sacrificar qualquer acúmulo de felicidade material para alcançar a meta desejada, conhecida como brahma-sukham, ou felicidade absoluta. Os verdadeiros transcendentalistas têm fome dessa felicidade, e, assim como não se pode fazer um homem faminto feliz com qualquer conforto da vida exceto com alimento, o homem faminto de felicidade eterna e absoluta não pode ficar satisfeito com nenhum acúmulo de felicidade material. Assim sendo, a instrução descrita neste verso não pode se aplicar a Mahārāja Yudhiṣṭhira ou a seus irmãos e à sua mãe. Ela se destinava a pessoas como Dhṛtarāṣṭra, para quem Vidura veio especialmente para transmitir esta lição.

Texto

viduras tad abhipretya
dhṛtarāṣṭram abhāṣata
rājan nirgamyatāṁ śīghraṁ
paśyedaṁ bhayam āgatam

Sinônimos

viduraḥ — Mahātmā Vidura; tat — isto; abhipretya — sabendo bem; dhṛtarāṣṭram — a Dhṛtarāṣṭra; abhāṣata — disse; rājan — ó rei; nirgamyatām — por favor, sai imediatamente; śīghram — sem a menor demora; paśya — vê só; idam — este; bhayam — temor; āgatam — já chegou.

Tradução

Mahātmā Vidura sabia de tudo isso, de modo que se dirigiu a Dhṛtarāṣṭra, dizendo: Meu caro rei, por favor, parte daqui imediatamente. Não demores. Vê só como o temor te dominou.

Comentário

SIGNIFICADO—A morte cruel não se importa com ninguém, seja ele Dhṛtarāṣṭra ou mesmo Mahārāja Yudhiṣṭhira; portanto, a instrução espiritual, como foi dada ao velho Dhṛtarāṣṭra, era igualmente aplicável ao jovem Mahārāja Yudhiṣṭhira. De fato, todos no palácio real, incluindo o rei e seus irmãos e sua mãe, estavam assistindo à conferência tomados de êxtase. Vidura, no entanto, sabia que essas instruções se destinavam em especial a Dhṛtarāṣṭra, que era demasiadamente materialista. A palavra rājan se refere especialmente a Dhṛtarāṣṭra, de maneira significativa. Dhṛtarāṣṭra era o filho mais velho de seu pai e, portanto, de acordo com a lei, ele tinha que ser instalado no trono de Hastināpura. Contudo, porque era cego de nascença, era desqualificado para assumir seus direitos legítimos. Mas ele não podia se esquecer de sua privação, e seu desapontamento foi de certa maneira compensado após a morte de Pāṇḍu, seu irmão mais novo. Seu irmão mais novo havia deixado para trás alguns filhos pequenos, e Dhṛtarāṣṭra se tornou o tutor natural deles. No fundo do coração, porém, ele queria converter-se no rei verdadeiro e passar o reino a seus próprios filhos, encabeçados por Duryodhana. Com todas essas ambições imperiais, Dhṛtarāṣṭra queria tornar-se rei, e forjou conspirações de todas as espécies em consulta com seu cunhado Śakuni. Todavia, tudo falhou pela vontade do Senhor, e, no final de contas, mesmo após perder tudo, homens e dinheiro, ele queria permanecer como rei, por ser o tio mais velho de Mahārāja Yudhiṣṭhira. Mahārāja Yudhiṣṭhira, por questão de dever, mantinha Dhṛtarāṣṭra, com honras reais, e Dhṛtarāṣṭra passava alegremente seus dias contados, na ilusão de ser o rei ou o tio real do rei Yudhiṣṭhira. Vidura, como santo atencioso e afetuoso irmão caçula de Dhṛtarāṣṭra, queria acordar Dhṛtarāṣṭra de seu torpor doentio e decrépito. Vidura, portanto, dirigiu-se sarcasticamente a Dhṛtarāṣṭra, como o “rei”, coisa que, na verdade, ele não era. Todos são servos do tempo eterno, e, por isso, ninguém pode ser rei neste mundo material. Rei significa a pessoa que pode ordenar. Um afamado rei inglês quis dar ordens ao tempo e à maré, mas o tempo e a maré se recusaram a obedecer a sua ordem. De tal modo, qualquer pessoa é, no mundo material, um rei falso, e Dhṛtarāṣṭra foi particularmente lembrado dessa falsa posição e das verdadeiras e temíveis consequências que, naquela altura, aguardavam-no. Vidura pediu-lhe que saísse de imediato, caso quisesse salvar-se da terrível condição que dele se aproximava rapidamente. Ele não pediu o mesmo a Mahārāja Yudhiṣṭhira porque sabia que um rei como Mahārāja Yudhiṣṭhira é consciente de todas as situações amedrontadoras deste mundo frágil e cuidaria de si mesmo, no devido tempo, mesmo que Vidura não estivesse presente no momento.

Texto

pratikriyā na yasyeha
kutaścit karhicit prabho
sa eṣa bhagavān kālaḥ
sarveṣāṁ naḥ samāgataḥ

Sinônimos

pratikriyā — medida remediadora; na — não há nenhuma; yasya — da qual; iha — neste mundo material; kutaścit — por quaisquer meios; karhicit — ou por ninguém; prabho — ó meu senhor; saḥ — isso; eṣaḥ — positivamente; bhagavān — a Personalidade de Deus; kālaḥ — tempo eterno; sarveṣām — de todos; naḥ — nós; samāgataḥ — chegou.

Tradução

Nenhuma pessoa neste mundo material pode remediar tão terrível situação. Meu senhor, é a Suprema Personalidade de Deus, como o tempo eterno [kāla], que Se aproxima de todos nós.

Comentário

SIGNIFICADO—Não há nenhum poder superior que possa deter as mãos cruéis da morte. Ninguém quer morrer, por mais aguda que seja a fonte dos sofrimentos corpóreos. Mesmo nos dias de suposto avanço do conhecimento científico, não há remédio para a velhice ou para a morte. O tempo cruel serve à velhice, que é o anúncio da chegada da morte, e ninguém pode se recusar a aceitar a intimação ou o julgamento supremo do tempo eterno. Explica-se isso diante de Dhṛtarāṣṭra porque ele poderia pedir a Vidura que encontrasse alguma medida remediadora para a iminente situação temerosa, como ele tinha ordenado muitas vezes antes. Antes de ordenar, contudo, Vidura informou a Dhṛtarāṣṭra que não havia como obter remédio de ninguém ou de qualquer fonte neste mundo material. E porque não há tal coisa no mundo material, a morte é idêntica à Suprema Personalidade de Deus, como o próprio Senhor diz na Bhagavad-gītā (10.34).

A morte não pode ser detida por ninguém nem por nenhuma fonte dentro deste mundo material. Hiraṇyakaśipu queria ser imortal e se submeteu a um rigoroso tipo de penitência, em virtude do qual todo o universo estremeceu, e o próprio Brahmā aproximou-se para dissuadir Hiraṇyakaśipu desse tipo rigoroso de penitência. Hiraṇyakaśipu pediu a Brahmā que lhe concedesse a bênção da imortalidade, mas Brahmā disse que ele mesmo estava sujeito à morte, apesar de viver no planeta mais elevado do universo, e assim, como ele poderia conceder-lhe a bênção da imortalidade? Desse modo, há morte mesmo no planeta mais elevado deste universo, isso para não falar de outros planetas, que são muitíssimo inferiores em qualidade a Brahmaloka, o planeta onde Brahmā reside. Onde quer que haja influência do tempo eterno, há este conjunto de tribulações, a saber, nascimento, doença, velhice e morte, e todas elas são invencíveis.

Texto

yena caivābhipanno ’yaṁ
prāṇaiḥ priyatamair api
janaḥ sadyo viyujyeta
kim utānyair dhanādibhiḥ

Sinônimos

yena — impelido por esse tempo; ca — e; eva — certamente; abhipannaḥ — dominado; ayam — esta; prāṇaiḥ — com vida; priya-tamaiḥ — que é tão querida para todos; api — muito embora; janaḥ — pessoa; sadyaḥ — imediatamente; viyujyeta — entrega; kim uta anyaiḥ — o que dizer de outras coisas; dhana-ādibhiḥ — tais como riqueza, honra, filhos, terra e lar.

Tradução

Quem quer que esteja sob a influência do kāla supremo [o tempo eterno] tem que entregar sua vida tão querida, e o que dizer de outras coisas, como riqueza, honra, filhos, terra e lar?

Comentário

SIGNIFICADO—Um grande cientista indiano, atarefado no setor de planejamento, foi subitamente chamado pelo invencível tempo eterno enquanto ia assistir a uma reunião muito importante da comissão de planejamentos, e teve de entregar sua vida, esposa, filhos, casa, terra, riquezas etc. Durante a dominação política da Índia e sua divisão em Paquistão e Hindustão, muitos indianos ricos e influentes tiveram que entregar a vida, propriedade e honra devido à influência do tempo, e há centenas e milhares de exemplos desses em todo o mundo, em todo o universo, que são todos efeitos da influência do tempo. Portanto, conclui-se que não há ser vivo assaz poderoso dentro do universo que possa superar a influência do tempo. Muitos poetas têm escrito versos lamentando a influência do tempo. Muitas devastações têm acontecido através dos universos devido à influência do tempo, e ninguém pôde detê-las de modo algum. Mesmo em nossa vida diária, muitas coisas sobre as quais não temos controle vêm e vão, mas temos de sofrê-las ou tolerá-las sem nenhum remédio. Esse é o resultado do tempo.

Texto

pitṛ-bhrātṛ-suhṛt-putrā
hatās te vigataṁ vayam
ātmā ca jarayā grastaḥ
para-geham upāsase

Sinônimos

pitṛ — pai; bhrātṛirmão; suhṛt — benquerentes; putrāḥ — filhos; hatāḥ — todos mortos; te — teus; vigatam — consumiste; vayam — idade; ātmā — o corpo; ca — também; jarayā — pela invalidez; grastaḥ — dominado; para-geham — lar alheio; upāsase — tu vives.

Tradução

Teu pai, teu irmão, teus benquerentes e filhos estão todos mortos e desaparecidos. Tu mesmo já consumiste a maior parte de tua vida, teu corpo agora está tomado pela invalidez e vives em uma casa alheia.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei está sendo lembrado de sua condição precária, sob a influência do tempo eterno, e, por sua experiência passada, ele deveria ter sido mais inteligente para ver o que estava por acontecer com sua própria vida. Seu pai, Vicitravīrya, morrera há muito tempo, quando ele e seus irmãos mais novos eram todos crianças pequenas, e foi devido aos cuidados e à bondade de Bhīmadeva que eles foram criados adequadamente. Entretanto, seu irmão Pāṇḍu também morreu. Depois, no Campo de Batalha de Kurukṣetra, seus cem filhos e seus netos morreram todos, juntamente com todos os outros benquerentes, como Bhiṣmadeva, Droṇācārya, Karṇa e muitos outros reis e amigos. Desse modo, ele havia perdido todos os homens e todo o dinheiro, e agora estava vivendo à mercê de seu sobrinho, a quem havia colocado em várias situações difíceis. E, apesar de todos esses reveses, ele pensava que prolongaria sua vida cada vez mais. Vidura queria mostrar a Dhṛtarāṣṭra que todos têm de se proteger através de suas ações e da graça do Senhor. Devemos executar nosso dever fielmente, dependendo da autoridade suprema para o resultado. Nenhum amigo, nenhum filho, nenhum pai, nenhum irmão, nenhum estado nem pessoa alguma podem proteger alguém que não é protegido pelo Senhor Supremo. Deve-se, portanto, buscar a proteção do Senhor Supremo, pois a forma humana de vida se destina a buscar essa proteção. Dhṛtarāṣṭra foi alertado ainda mais acerca de suas precárias condições pelas seguintes palavras.

Texto

andhaḥ puraiva vadhiro
manda-prajñāś ca sāmprataṁ
viśīrṇa-danto mandāgniḥ
sarāgaḥ kapham udvahan

Sinônimos

andhaḥ — cego; purā — desde o começo; eva — certamente; vadhiraḥ — deficiente auditivo; manda-prajñāḥ — memória encurtada; ca — e; sāmpratam — recentemente; viśīrṇa — afrouxados; dantaḥ — dentes; manda-agniḥ — deficiência hepática; sa-rāgaḥ — com som; kapham — expectorando muito muco; udvahan — saindo.

Tradução

Sofres de cegueira desde o nascimento, e recentemente te converteste em deficiente auditivo. Tua memória está reduzida, e tua inteligência está perturbada. Tens os dentes frouxos, tens deficiência hepática e estás expectorando muco.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sintomas da velhice, que já haviam se desenvolvido em Dhṛtarāṣṭra, foram-lhe apontados, um após outro, como aviso de que a morte estava se aproximando muito rapidamente, e, ainda assim, ele estava tolamente descuidado em relação a seu futuro. Os sinais que Vidura apontou no corpo de Dhṛtarāṣṭra eram indícios de apakṣaya, ou a decrepitude do corpo material antes do golpe final da morte. O corpo nasce, desenvolve-se, permanece, cria outros corpos, degenera e, então, dissipa-se. Os tolos, porém, pretendem fazer arranjos permanentes para o corpo perecível e pensam que seu Estado, filhos, sociedade, país e assim por diante, darão proteção a eles. Com essas ideias tolas, eles se deixam dominar por ocupações passageiras e esquecem-se completamente de que terão de abandonar este corpo temporário e receber um novo, para conseguir outra vez novo período de sociedade, amizade e amor, o que, no final, tornará a perecer. Eles se esquecem de sua identidade permanente e tornam-se tolamente ativos em ocupações impermanentes, esquecendo-se por completo de seu principal dever. Santos e sábios como Vidura se aproximam desses tolos a fim de despertá-los para a verdadeira situação, mas eles tomam tais sādhus e santos por parasitas da sociedade, e quase todos eles recusam-se a ouvir as palavras de tais sādhus e santos, embora deem boas-vindas a sādhus de mera aparência e ditos santos que podem satisfazer seus sentidos. Vidura não era um sādhu para satisfazer o os sentimentos impróprios que Dhṛtarāṣṭra desenvolveu. Ele estava mostrando corretamente as reais condições da vida e como podemos nos salvar dessas catástrofes.

Texto

aho mahīyasī jantor
jīvitāśā yathā bhavān
bhīmāpavarjitaṁ piṇḍam
ādatte gṛha-pālavat

Sinônimos

aho — ai de mim; mahīyasī — poderosas; jantoḥ — dos seres vivos; jīvita-āśā — esperança de vida; yathā — tanto quanto; bhavān — tu estás; bhīma — de Bhīmasena (um irmão de Yudhiṣṭhira); apavarjitam — restos; piṇḍam — alimento; ādatte — comidos por; gṛha-pāla-vat — como um cão doméstico.

Tradução

Ai de mim! Quão poderosas são as esperanças dos seres vivos de continuarem vivendo! Em verdade, estás vivendo como um cão doméstico e comes os restos de alimento dados por Bhīma.

Comentário

SIGNIFICADO—Um sādhu nunca deve adular reis ou homens ricos para viver confortavelmente à custa deles. O dever de um sādhu é dizer aos chefes de família a verdade crua da vida, para que eles se conscientizem da vida precária na existência material. Dhṛtarāṣṭra era um exemplo típico de um velho apegado à vida familiar. Ele se tornara um indigente no verdadeiro sentido, apesar do que desejava viver confortavelmente na casa dos Pāṇḍavas, entre os quais Bhīma é especialmente mencionado porque matou pessoalmente dois filhos proeminentes de Dhṛtarāṣṭra, a saber, Duryodhana e Duḥśāsana. Esses dois filhos eram muito queridos por Dhṛtarāṣṭra, devido a suas atividades notórias e perversas, e Bhīma é particularmente mencionado porque matou esses dois filhos tão estimados. Por que Dhṛtarāṣṭra vivia ali na casa dos Pāṇḍavas? Porque ele queria continuar vivendo confortavelmente, mesmo correndo o risco de todo tipo de humilhação. Vidura, portanto, ficou atônito ao ver quão poderoso é o impulso de continuar vivendo. Esse senso de continuar vivendo indica que o ser vivo é eternamente uma entidade viva e não quer mudar de habitação corpórea. O tolo não sabe que recebe um período particular de existência corpórea para que ele se submeta a um período de aprisionamento, e assim se concede o corpo humano, depois de muitos e muitos nascimentos e mortes, como oportunidade de autorrealização para voltar ao lar, voltar ao Supremo. Porém, pessoas como Dhṛtarāṣṭra tentam fazer planos para viver em tal situação numa posição confortável com lucros e interesses, pois eles não veem as coisas como elas são. Dhṛtarāṣṭra é cego e mantém a esperança de viver confortavelmente em meio a todos os tipos de reveses da vida. Um sādhu como Vidura se destina a despertar essas pessoas cegas e, dessa maneira, ajudá-las a voltar ao Supremo, onde a vida é eterna. Uma vez lá, ninguém quer voltar a este mundo material de misérias. Podemos apenas imaginar quanta responsabilidade envolve a tarefa confiada a um sādhu como Mahātmā Vidura.

Texto

agnir nisṛṣṭo dattaś ca
garo dārāś ca dūṣitāḥ
hṛtaṁ kṣetraṁ dhanaṁ yeṣāṁ
tad-dattair asubhiḥ kiyat

Sinônimos

agniḥ — fogo; nisṛṣṭaḥ — ateado; dattaḥ — dado; ca — e; garaḥ — veneno; dārāḥ — mulher casada; ca — e; dūṣitāḥ — insultaste; hṛtam — usurpaste; kṣetram — reino; dhanam — riqueza; yeṣām — daqueles; tat — deles; dattaiḥ — dada por; asubhiḥ — subsistindo; kiyat — é desnecessário.

Tradução

Não há necessidade de viver uma vida degradada e subsistir da caridade daqueles que tentaste matar por meio do incêndio premeditado e do envenenamento. Também insultaste uma das esposas deles, e usurpaste seu reino e riqueza.

Comentário

SIGNIFICADO—O sistema varṇāśrama de religião reserva parte da vida de uma pessoa inteiramente para o propósito de autorrealização e obtenção da salvação na forma humana de vida. Esta é uma divisão rotineira da vida, mas pessoas como Dhṛtarāṣṭra, mesmo em sua idade madura e decrépita, querem permanecer em casa, mesmo numa condição degradada de aceitar caridade dos inimigos. Vidura queria chamar-lhe a atenção para isso e lhe demonstrou que era melhor morrer como seus filhos a aceitar tão humilhante caridade. Cinco mil anos atrás, havia um Dhṛtarāṣṭra, mas, atualmente, há Dhṛtarāṣṭras em todos os lares. Os políticos em especial não se retiram de suas atividades políticas a menos que sejam arrastados pela mão cruel da morte, ou mortos por algum elemento opositor. Aferrar-se à vida familiar até o fim da vida humana é o tipo mais grosseiro de degradação, e é absolutamente necessário que os Viduras eduquem também estes Dhṛtarāṣṭras da atualidade.

Texto

tasyāpi tava deho ’yaṁ
kṛpaṇasya jijīviṣoḥ
paraity anicchato jīrṇo
jarayā vāsasī iva

Sinônimos

tasya — disto; api — apesar de; tava — teu; dehaḥ — corpo; ayam — este; kṛpaṇasya — daquele que é mesquinho; jijīviṣoḥ — de ti que desejas a vida; paraiti — degenerará; anicchataḥ — mesmo contra a vontade; jīrṇaḥ — deteriorado; jarayā — velhas; vāsasī — roupas; iva — como.

Tradução

Apesar de tua relutância em morrer e de teu desejo de viver, mesmo à custa da honra e do prestígio, teu corpo mesquinho certamente irá se degenerar e deteriorar como uma roupa velha.

Comentário

SIGNIFICADO—As palavras kṛpaṇasya jijīviṣoḥ são significativas. Há duas classes de homens: uma é o kṛpaṇa, e outra é o brāhmaṇa. O kṛpaṇa, ou o homem mesquinho, não tem juízo formado sobre seu corpo material, mas o brāhmaṇa tem uma apreciação acertada de si mesmo e do corpo material. Por ter uma compreensão errada de seu corpo material, o kṛpaṇa quer desfrutar de prazer dos sentidos com o máximo de sua força e, mesmo na velhice, ele deseja tornar-se jovem mediante tratamento médico ou de outra maneira. Dhṛtarāṣṭra é chamado aqui de kṛpaṇa porque, sem qualquer compreensão de seu corpo material, ele quer viver a qualquer custo. Vidura está tentando abrir seus olhos para que ele veja que não poderá viver mais que o tempo estabelecido e que deve preparar-se para a morte. Uma vez que a morte é inevitável, por que ele deveria aceitar uma posição tão humilhante para viver? É melhor trilhar o caminho correto, mesmo correndo o risco de morrer. A vida humana destina-se a acabar com todos os tipos de misérias da existência material, e a vida deve ser regulada para que se possa alcançar a meta desejada. Dhṛtarāṣṭra, devido a sua errônea concepção de vida, já tinha desperdiçado oitenta por cento da energia que possuía, de modo que lhe convinha usar os dias restantes de sua vida mesquinha para o bem último. Uma vida assim é chamada de miserável porque não se pode utilizar adequadamente o dom da forma de vida humana. Apenas por boa fortuna um homem mesquinho assim pode encontrar uma alma autorrealizada como Vidura e, através de sua instrução, escapar da necedade da existência material.

Texto

gata-svārtham imaṁ dehaṁ
virakto mukta-bandhanaḥ
avijñāta-gatir jahyāt
sa vai dhīra udāhṛtaḥ

Sinônimos

gata-sva-artham — sem ser adequadamente utilizado; imam — este; deham — corpo material; viraktaḥ — com indiferença; mukta — estando livre; bandhanaḥ — de todas as obrigações; avijñāta-gatiḥ — destino desconhecido; jahyāt — deve-se abandonar este corpo; saḥ — uma pessoa assim; vai — certamente; dhīraḥ — imperturbável; udāhṛtaḥ — afirma-se que é.

Tradução

Aquele que vai para um lugar remoto e desconhecido e, livre de todas as obrigações, abandona o corpo material, quando este se torna inútil, é denominado “imperturbável”.

Comentário

SIGNIFICADO—Narottama Dāsa Ṭhākura, um grande devoto e ācārya da seita Gauḍīya Vaiṣṇava, canta: “Meu Senhor, tenho simplesmente desperdiçado minha vida. Tendo obtido este corpo humano, negligenciei adorar Vossa Onipotência e, por isso, tenho bebido veneno voluntariamente.” Em outras palavras, o corpo humano se destina especialmente ao cultivo de conhecimento do serviço devocional ao Senhor, sem o qual a vida se torna cheia de ansiedades e condições miseráveis. Portanto, aquele que desperdiça sua vida sem essas atividades culturais é aconselhado a deixar o lar sem o conhecimento de amigos e parentes e, livrando-se assim de todas as obrigações de família, sociedade, país etc., abandonar o corpo em algum lugar desconhecido, para que os outros não saibam onde e como ele encontrou a morte. Dhīra significa aquele que não se perturba, mesmo quando há provocações o bastante para isso. Uma pessoa não pode abandonar uma confortável vida familiar devido a sua relação afetuosa para com esposa e filhos. A autorrealização é obstruída por essa indevida afeição pela família, e alguém que seja realmente capaz de esquecer essa relação é chamado de imperturbável, ou dhīra. Esse é, contudo, o caminho da renúncia baseado numa vida frustrada, mas a estabilização dessa renúncia somente é possível pela associação com santos fidedignos e almas autorrealizadas, pela qual a pessoa possa ocupar-se no serviço devocional amoroso ao Senhor. Rendição sincera aos pés de lótus do Senhor é possível pelo despertar do sentido transcendental de serviço. Isso se torna possível pela associação com devotos puros do Senhor. Dhṛtarāṣṭra teve a fortuna de ter um irmão cuja própria companhia era uma fonte de liberação para sua vida frustrada.

Texto

yaḥ svakāt parato veha
jāta-nirveda ātmavān
hṛdi kṛtvā hariṁ gehāt
pravrajet sa narottamaḥ

Sinônimos

yaḥ — qualquer um que; svakāt — por seu próprio despertar; parataḥ — ou por ouvir de outra pessoa; iha — aqui neste mundo; jāta — torna-se; nirvedaḥ — indiferente ao apego material; ātmavān — consciência; hṛdi — no coração; kṛtvā — tendo sido levados por; harim — a Personalidade de Deus; gehāt — do lar; pravrajet — vai-se embora; saḥ — ele é; nara-uttamaḥ — o ser humano de primeira classe.

Tradução

Ele é certamente um homem de primeira classe, que desperta e compreende, seja por si próprio ou através de outros, a falsidade e miséria deste mundo material, e assim abandona o lar e depende plenamente da Personalidade de Deus, que mora em seu coração.

Comentário

SIGNIFICADO—Há três classes de transcendentalistas, a saber, (1) o dhīra, ou aquele que não se perturba por estar afastado da convivência familiar, (2) a pessoa na ordem de vida renunciada, um sannyāsī por sentimento frustrado, (3) um devoto sincero do Senhor, que desperta em si a consciência de Deus, ouvindo e cantando, e deixa o lar dependendo completamente da Personalidade de Deus, que mora em seu coração. A ideia é que a ordem de vida renunciada, após uma vida de sentimentos frustrados no mundo material, pode ser uma ponte no caminho da autorrealização, mas a verdadeira perfeição no caminho da liberação se alcança quando a pessoa adquiriu o hábito de depender plenamente da Suprema Personalidade de Deus, que mora no coração de todos como Paramātmā. Uma pessoa pode viver sozinha na mais obscura selva e longe do lar, mas um devoto resoluto sabe muito bem que não está sozinho. A Suprema Personalidade de Deus está com ele e pode proteger Seu devoto sincero em qualquer circunstância embaraçosa. Portanto, deve-se praticar o serviço devocional em casa, ouvindo e cantando o santo nome, qualidade, forma, passatempos, séquito e assim por diante, na companhia de devotos puros, e essa prática ajudará a pessoa a despertar-se para a consciência de Deus na proporção de sua sinceridade de propósito. Aquele que deseja benefícios materiais por tais atividades devocionais não pode depender de modo algum da Suprema Personalidade de Deus, embora Ele Se encontre no coração de todos. Tampouco o Senhor dá qualquer orientação a pessoas que O adoram em troca de ganhos materiais. Esses devotos materialistas podem ser abençoados pelo Senhor com benefícios materiais, mas não podem alcançar o estágio de ser humano de primeira classe, como se menciona acima. Há muitos exemplos de tais devotos sinceros na história do mundo, especialmente na Índia, e eles são nossos guias no caminho da autorrealização. Mahātmā Vidura é um desses grandes devotos do Senhor, e todos nós devemos tentar seguir seus passos de lótus rumo à autorrealização.

Texto

athodīcīṁ diśaṁ yātu
svair ajñāta-gatir bhavān
ito ’rvāk prāyaśaḥ kālaḥ
puṁsāṁ guṇa-vikarṣaṇaḥ

Sinônimos

atha — portanto; udīcīm — parte setentrional; diśam — direção; yātu — por favor, parte; svaiḥ — por teus parentes; ajñāta — sem conhecimento; gatiḥ — movimentos; bhavān — de ti mesmo; itaḥ — depois disso; arvāk — chegará; prāyaśaḥ — geralmente; kālaḥ — tempo; puṁsām — dos homens; guṇa — qualidades; vikarṣaṇaḥ — diminuindo.

Tradução

Portanto, por favor, parte imediatamente para o norte, sem deixar teus parentes saberem, pois logo chegará o tempo que diminuirá as boas qualidades dos homens.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma pessoa pode compensar sua vida de frustrações convertendo-se num dhīra, ou deixando voluntariamente o lar sem se comunicar com seus parentes. Vidura aconselhou seu irmão mais velho a adotar este caminho sem demora, porque a era de Kali estava se aproximando muito rapidamente. Uma alma condicionada já é degradada pelo contato com a matéria, e, ainda assim, em Kali-yuga, as boas qualidades do homem se degradarão até o mais baixo nível. Dhṛtarāṣṭra foi aconselhado a deixar o lar antes que Kali-yuga se aproximasse, porque a atmosfera que foi criada por Vidura, por suas valiosas instruções sobre os fatos da vida, desapareceria gradualmente devido à influência da era que se aproximava com rapidez. Tornar-se um narottama, ou ser humano de primeira classe completamente dependente do Supremo Senhor Śrī Kṛṣṇa, não é possível para nenhum homem ordinário. Na Bhagavad-gītā (7.28), afirma-se que quem se alivia completamente de todos os vestígios de atividades pecaminosas pode, por si só, depender do Supremo Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus. Dhṛtarāṣṭra foi aconselhado por Vidura a se tornar pelo menos um dhīra no início, se lhe fosse impossível tornar-se sannyāsī ou narottama. O esforço persistente na trilha da autorrealização ajuda uma pessoa a se elevar do estágio de dhīra às condições de um narottama. O estágio dhīra alcança-se após prolongada prática do sistema de yoga, mas, pela graça de Vidura, pode-se alcançar esse estágio de imediato, simplesmente por desejar adotar os meios do estágio dhīra, que é o estágio preparatório para sannyāsa. O estágio sannyāsa é o estágio preparatório de paramahaṁsa, ou o devoto de primeira classe do Senhor.

Texto

evaṁ rājā vidureṇānujena
prajñā-cakṣur bodhita ājamīḍhaḥ
chittvā sveṣu sneha-pāśān draḍhimno
niścakrāma bhrātṛ-sandarśitādhvā

Sinônimos

evam — assim; rājā — rei Dhṛtarāṣṭra; vidureṇa anujena — por seu irmão mais novo, Vidura; prajñā — conhecimento introspectivo; cakṣuḥ — olhos; bodhitaḥ — sendo entendido; ājamīḍhaḥ — Dhṛtarāṣṭra, descendente da família de Ajamīḍha; chittvā — rompendo; sveṣu — quanto aos parentes; sneha-pāśān — forte rede da afeição; draḍhimnaḥ — por causa da perseverança; niścakrāma — saiu; bhrātṛ — por seu irmão; sandarśita — orientação a; adhvā — o caminho da liberação.

Tradução

Assim, Mahārāja Dhṛtarāṣṭra, o descendente da família de Ajamīḍha, firmemente convencido através de conhecimento introspectivo [prajñā], rompeu de uma vez a forte rede da afeição familiar, com determinação resoluta. Desse modo, ele imediatamente deixou o lar para empreender o caminho da liberação, conforme orientação de Vidura, seu irmão mais novo.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu, o grande pregador dos princípios do Śrīmad-Bhāgavatam, enfatiza a importância da companhia de sādhus, devotos puros do Senhor. Ele dizia que, mesmo por um momento de associação com um devoto puro, pode-se alcançar toda a perfeição. Não nos sentimos envergonhados de admitir que esse fato foi experimentado em nossa vida prática. Se não tivéssemos sido favorecidos por Sua Divina Graça Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja, através de nosso primeiro encontro de apenas alguns minutos, teria sido impossível que aceitássemos esta grandiosa tarefa de descrever o Śrīmad-Bhāgavatam em inglês. Se não o tivéssemos visto naquele momento oportuno, poderíamos ter-nos tornado um grande magnata dos negócios, mas jamais teríamos sido capazes de trilhar o caminho da liberação e nos ocuparmos no verdadeiro serviço ao Senhor, sob as instruções de Sua Divina Graça. Aqui, há outro exemplo prático pela ação da companhia que Dhṛtarāṣṭra recebeu de Vidura. Mahārāja Dhṛtarāṣṭra estava fortemente emaranhado na rede de afinidades materiais relacionadas com política, economia e apego familiar, e fez tudo que pôde para obter assim chamado êxito nos projetos que planejou, mas se frustrou do começo ao fim quanto às suas atividades materiais. E, todavia, apesar de sua vida de fracassos, ele alcançou o maior de todos os sucessos em autorrealização, através das instruções convincentes de um devoto puro do Senhor, que é o típico símbolo de um sādhu. As escrituras prescrevem, portanto, que devemos nos associar somente com sādhus, rejeitando todos os outros tipos de associação, e, por fazê-lo, teremos ampla oportunidade de ouvir os sādhus, que podem cortar em pedaços as amarras da afeição ilusória no mundo material. É um fato que o mundo material é uma grande ilusão, pois tudo parece ser uma realidade tangível, mas, no momento seguinte, evapora-se como a espuma impetuosa do mar, ou como a nuvem no céu. Uma nuvem no céu indubitavelmente parece ser realidade, porque chove, e, devido às chuvas, surge muita vegetação temporária; porém, em última instância, tudo desaparece, ou seja, a nuvem, a chuva e a vegetação, tudo no seu devido tempo. Mas o céu permanece, e as variedades do céu, ou as luminárias, também permanecem para sempre. De forma semelhante, a Verdade Absoluta, que é comparada ao céu, permanece eternamente, e a ilusão temporária, como uma nuvem, surge e desaparece. Os seres vivos tolos se sentem atraídos pela nuvem temporária, mas os homens inteligentes estão mais interessados no céu eterno, com toda a sua variedade.

Texto

patiṁ prayāntaṁ subalasya putrī
pati-vratā cānujagāma sādhvī
himālayaṁ nyasta-daṇḍa-praharṣaṁ
manasvinām iva sat samprahāraḥ

Sinônimos

patim — seu esposo; prayāntam — enquanto deixava o lar; subalasya — do rei Subala; putrī — a filha digna; pati-vratā — devotada a seu esposo; ca — também; anujagāma — seguiu; sādhvī — a casta; himālayam — rumo às montanhas dos Himālayas; nyasta-daṇḍa — aquele que aceita o bastão da ordem renunciada; praharṣam — objeto de deleite; manasvinām — dos grandes lutadores; iva — como; sat — legítimo; samprahāraḥ — bom açoite.

Tradução

A amável e casta Gāndhārī, que era filha do rei Subala de Kandahar [ou Gāndhāra], seguiu seu esposo, vendo que ele se dirigia para as montanhas dos Himālayas, que são o deleite daqueles que aceitam o bastão da ordem de vida renunciada, tal como os lutadores que aceitam um bom açoite do inimigo.

Comentário

SIGNIFICADO—Saubalinī, ou Gāndhārī, filha do rei Subala e esposa do rei Dhṛtarāṣṭra, era ideal como esposa devotada a seu marido. A civilização védica prepara especialmente esposas castas e devotadas, das quais Gāndhārī é uma dentre muitas mencionadas na história. Lakṣmījī Sītādevī também era filha de um grande rei, mas seguiu seu esposo, o Senhor Rāmacandra, em direção à floresta. Da mesma forma, na qualidade de mulher, Gāndhārī poderia ter permanecido em casa ou na casa de seu pai, mas, como senhora casta e amável, seguiu seu esposo sem mais considerações. Vidura transmitiu a Dhṛtarāṣṭra instruções para a ordem de vida renunciada, e Gāndhārī ficou ao lado de seu esposo. Mas ele não pediu que ela o seguisse, visto que, naquela ocasião, estava plenamente determinado, assim como um grande guerreiro que se defronta com todos os tipos de perigos no campo de batalha. Ele já não se sentia atraído à sua dita esposa ou ditos parentes, e decidiu partir sozinho, mas, como uma senhora casta, Gāndhārī decidiu seguir seu esposo até o último momento. Mahārāja Dhṛtarāṣṭra aceitou a ordem de vānaprastha, e, nesse estágio, a esposa tem permissão de permanecer como serva voluntária, mas, no estágio sannyāsa, nenhuma esposa pode ficar com seu ex-marido. O sannyāsī é considerado um homem morto do ponto de vista civil, motivo pelo qual a esposa, civilmente, torna-se viúva, sem nenhum vínculo com seu ex-marido. Mahārāja Dhṛtarāṣṭra não negou essa oportunidade a sua fiel esposa, e ela seguiu seu esposo por sua própria conta e risco.

Os sannyāsīs aceitam um bastão como sinal da ordem de vida renunciada. Há dois tipos de sannyāsīs. Aqueles que seguem a filosofia māyāvāda, encabeçados por Śrīpāda Śaṅkarācārya, aceitam apenas uma vara (eka-daṇḍa), mas aqueles que seguem a filosofia vaiṣṇavite aceitam três varas combinadas (tri-daṇḍa). Os sannyāsīs māyāvādīs são ekadaṇḍi-svāmīs, ao passo que os sannyāsīs vaiṣṇavas são conhecidos como tridaṇḍi-svāmīs, ou, mais distintamente, tridaṇḍi-gosvāmīs, para serem diferenciados dos filósofos māyāvādīs. A maioria dos ekadaṇḍi-svāmīs gosta dos Himālayas, mas os sannyāsīs vaiṣṇavas gostam de Vṛndāvana e Purī. Os sannyāsīs vaiṣṇavas são narottamas, ao passo que os sannyāsīs māyāvādīs são dhīras. Mahārāja Dhṛtarāṣṭra foi aconselhado a seguir os dhīras porque, àquela altura, seria difícil que ele se tornasse um narottama.

Texto

ajāta-śatruḥ kṛta-maitro hutāgnir
viprān natvā tila-go-bhūmi-rukmaiḥ
gṛhaṁ praviṣṭo guru-vandanāya
na cāpaśyat pitarau saubalīṁ ca

Sinônimos

ajāta — nunca nascera; śatruḥ — inimigo; kṛta — tendo executado; maitraḥ — adorando os semideuses; huta-agniḥ — e oferecendo combustível no fogo; viprān — os brāhmaṇas; natvā — oferecendo reverências; tila-go-bhūmi-rukmaiḥ — juntamente com cereais, vacas, terra e ouro; gṛham — dentro do palácio; praviṣṭaḥ — tendo entrado em; guru-vandanāya — oferecendo respeitos aos membros mais velhos; na — não; ca — também; apaśyat — ver; pitarau — seus tios; saubalīm — Gāndhārī; ca — também.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira, que jamais teve inimigos, executou seus deveres matutinos diários orando, oferecendo sacrifício de fogo ao deus do Sol e oferecendo reverências, cereais, vacas, terra e ouro aos brāhmaṇas. Em seguida, entrou no palácio para oferecer respeitos aos mais velhos. Contudo, não conseguiu encontrar seus tios ou sua tia, a filha do rei Subala.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Yudhiṣṭhira era o mais piedoso dos reis porque praticava pessoalmente os deveres piedosos diários, prescritos para os chefes de família. Os chefes de família são solicitados a acordarem de manhã cedo e, após banharem-se, devem oferecer respeitos às Deidades em casa com orações, oferecendo combustível no fogo sagrado, dando aos brāhmaṇas, em caridade, terra, vacas, cereais, ouro etc., e, finalmente, oferecendo os devidos respeitos e reverências aos membros mais velhos. Uma pessoa que não está preparada para praticar as injunções prescritas nos śāstras não pode ser um bom homem simplesmente por conhecer livros. Os chefes de família modernos são habituados a diferentes modos de vida, como acordar tarde e, então, tomar chá na cama, sem nenhuma espécie de limpeza e sem nenhum processo purificatório como se menciona acima. As crianças são levadas a praticar aquilo que os pais praticam, de forma que toda a geração desliza rumo ao inferno. Não se pode esperar nada de bom deles, a menos que se associem com sādhus. Como Dhṛtarāṣṭra, a pessoa materialista pode receber lições de um sādhu como Vidura e, assim, purificar-se dos efeitos da vida moderna.

Mahārāja Yudhiṣṭhira, contudo, não pôde encontrar no palácio seus dois tios, Dhṛtarāṣṭra e Vidura, juntamente com Gāndhārī, a filha do rei Subala. Ele estava ansioso por vê-los e, portanto, perguntou a Sañjaya, o secretário particular de Dhṛtarāṣṭra.

Texto

tatra sañjayam āsīnaṁ
papracchodvigna-mānasaḥ
gāvalgaṇe kva nas tāto
vṛddho hīnaś ca netrayoḥ

Sinônimos

tatra — ali; sañjayam — a Sañjaya; āsīnam — sentado; papraccha — ele perguntou a; udvigna-mānasaḥ — cheio de ansiedade; gāvalgaṇe — o filho de Gavalgaṇa, Sañjaya; kva — onde está; naḥ — nosso; tātaḥ — tio; vṛddhaḥ — velho; hīnaḥ ca — e desprovido de; netrayoḥ — os olhos.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira, cheio de ansiedade, dirigiu-se a Sañjaya, que estava sentado ali, e disse: Ó Sañjaya, onde está nosso tio, que é idoso e cego?

Texto

ambā ca hata-putrārtā
pitṛvyaḥ kva gataḥ suhṛt
api mayy akṛta-prajñe
hata-bandhuḥ sa bhāryayā
āśaṁsamānaḥ śamalaṁ
gaṅgāyāṁ duḥkhito ’patat

Sinônimos

ambā — tia-mãe; ca — e; hata-putrā — que havia perdido todos os seu filhos; ārtā — em estado pesaroso; pitṛvyaḥ — tio Vidura; kva — onde; gataḥ — ido; suhṛt — benquerente; api — acaso; mayi — a mim; akṛtaprajñe – ingrato; hata-bandhuḥ — aquele que perdeu todos os seu filhos; saḥ — Dhṛtarāṣṭra; bhāryayā — com sua esposa; aśaṁsamānaḥ — com mente duvidosa; śamalam — ofensas; gaṅgāyām — na água do Ganges; duḥkhitaḥ — com mente aflita; apatat — caiu.

Tradução

Onde está meu benquerente, tio Vidura, e mãe Gāndhārī, que está muito aflita devido à morte de todos os seus filhos? Meu tio Dhṛtarāṣṭra também estava muito mortificado devido à morte de todos os seus filhos e netos. Não há dúvidas de que sou muito ingrato. Teria ele, portanto, levado minhas ofensas muito a sério e, juntamente com sua esposa, se atirado ao Ganges?

Comentário

SIGNIFICADO—Os Pāṇḍavas, especialmente Mahārāja Yudhiṣṭhira e Arjuna, previram os efeitos posteriores da Guerra de Kurukṣetra, daí Arjuna ter-se recusado a executar a luta. A luta aconteceu pela vontade do Senhor, mas os efeitos do luto familiar, como eles haviam pensada antes, tornaram-se realidade. Mahārāja Yudhiṣṭhira estava sempre consciente do profundo estado de pesar de seu tio Dhṛtarāṣṭra e de sua tia Gāndhārī e, por isso, ele teve todo o cuidado possível com eles em sua velhice e condições de aflição. Quando, então, ele não pôde encontrar seu tio e sua tia no palácio, naturalmente suas dúvidas surgiram, e ele conjeturou que eles teriam se afogado na água do Ganges. Ele se julgou ingrato porque, quando os Pāṇḍavas ficaram órfãos, Mahārāja Dhṛtarāṣṭra lhes dera condições de vida próprias da realeza e, em troca, ele havia matado todos os filhos de Dhṛtarāṣṭra na Guerra de Kurukṣetra. Sendo um homem piedoso, Mahārāja Yudhiṣṭhira levou em conta todas as suas maldades inevitáveis e nunca pensou nas maldades de seu tio e companhia. Dhṛtarāṣṭra tinha sofrido os efeitos de suas próprias maldades, pela vontade do Senhor, mas Mahārāja Yudhiṣṭhira pensava apenas em termos de suas maldades inevitáveis. Essa é a natureza de um bom homem e devoto do Senhor. Um devoto nunca vê falhas nos outros, senão que tenta encontrar suas próprias falhas e, assim, retifica as mesmas na medida do possível.

Texto

pitary uparate pāṇḍau
sarvān naḥ suhṛdaḥ śiśūn
arakṣatāṁ vyasanataḥ
pitṛvyau kva gatāv itaḥ

Sinônimos

pitari — a meu pai; uparate — queda; pāṇḍau — Mahārāja Pāṇḍu; sarvān — todos; naḥ — de nós; suhṛdaḥ — benquerentes; śiśūn — crianças pequenas; arakṣatām — protegeram; vyasanataḥ — de todas as espécies de perigos; pitṛvyau — tios; kva — onde; gatau — partiram; itaḥ — deste lugar.

Tradução

Quando meu pai, Pāṇḍu, caiu, e todos nós éramos crianças pequenas, esses dois tios nos deram proteção contra todas as espécies de calamidades. Eles eram sempre nossos agradáveis benquerentes. Ai de mim! Para onde eles terão partido?

Texto

sūta uvāca
kṛpayā sneha-vaiklavyāt
sūto viraha-karśitaḥ
ātmeśvaram acakṣāṇo
na pratyāhātipīḍitaḥ

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Sūta Gosvāmī disse; kṛpayā — devido à grande compaixão; sneha-vaiklavyāt — confusão mental devido à afeição profunda; sūtaḥ — Sañjaya; viraha-karśitaḥ — aflito pela separação; ātma-īśvaram — seu amo; acakṣāṇaḥ — não vendo; na — não; pratyāha — respondeu; ati-pīḍitaḥ — estando demasiadamente aflito.

Tradução

Sūta Gosvāmī disse: Devido à compaixão e agitação mental, Sañjaya, não vendo seu próprio amo, Dhṛtarāṣṭra, afligiu-se e não pôde responder adequadamente a Mahārāja Yudhiṣṭhira.

Comentário

SIGNIFICADO—Sañjaya foi o assistente pessoal de Mahārāja Dhṛtarāṣṭra durante muito tempo e, em razão disso, teve oportunidade de estudar a vida de Dhṛtarāṣṭra. E quando viu, finalmente, que Dhṛtarāṣṭra havia deixado o lar sem ele saber, seu pesar não teve limites. Ele sentia grande compaixão por Dhṛtarāṣṭra, porque, na disputa da Guerra de Kurukṣetra, o rei Dhṛtarāṣṭra havia perdido tudo, homens e dinheiro, e, por fim, o rei e a rainha tiveram que deixar o lar em total frustração. Ele estudou a situação à sua própria maneira, pois não sabia que a visão interior de Dhṛtarāṣṭra fora despertada por Vidura e que, portanto, ele deixara o lar com entusiasmada alegria, para uma vida melhor após a partida do poço escuro do lar. A menos que alguém esteja convencido de que a vida após a renúncia à presente vida será melhor, ele não pode abraçar a ordem de vida renunciada apenas vestindo-se de roupas artificiais ou ficando fora de casa.

Texto

vimṛjyāśrūṇi pāṇibhyāṁ
viṣṭabhyātmānam ātmanā
ajāta-śatruṁ pratyūce
prabhoḥ pādāv anusmaran

Sinônimos

vimṛjya — enxugando; aśrūṇi — lágrimas dos olhos; pāṇibhyām — com as mãos; viṣṭabhya — situado; ātmānam — a mente; ātmanā — com a inteligência; ajāta-śatrum — a Mahārāja Yudhiṣṭhira; pratyūce — começou a responder; prabhoḥ — de seu amo; pādau — pés; anusmaran — pensando depois.

Tradução

Primeiro, ele apaziguou aos poucos sua mente com a inteligência, e, enxugando suas lágrimas e pensando nos pés de seu amo, Dhṛtarāṣṭra, começou a responder a Mahārāja Yudhiṣṭhira.

Texto

sañjaya uvāca
nāhaṁ veda vyavasitaṁ
pitror vaḥ kula-nandana
gāndhāryā vā mahā-bāho
muṣito ’smi mahātmabhiḥ

Sinônimos

sañjayaḥ uvāca — Sañjaya disse; na — não; aham — eu; veda — sei; vyavasitam — determinação; pitroḥ — de teus tios; vaḥ — teus; kula-nandana — ó descendente da dinastia Kuru; gāndhāryāḥ — de Gāndhārī; — ou; mahā-bāho — ó grande rei; muṣitaḥ — enganado; asmi — fui; mahā-ātmabhiḥ — por aquelas grandes almas.

Tradução

Sañjaya disse: Meu caro descendente da dinastia Kuru, eu não tenho informações sobre o que teus dois tios e Gāndhārī determinaram. Ó rei, fui enganado por aquelas grandes almas.

Comentário

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SIGNIFICADO—Pode ser surpreendente saber que grandes almas enganem os outros, mas é um fato que grandes almas enganam os outros por uma grande causa. Afirma-se que o Senhor Kṛṣṇa também aconselhou Yudhiṣṭhira a dizer uma mentira diante de Droṇācārya, e isso também foi por uma grande causa. O Senhor queria isso, e, portanto, era uma grande causa. A satisfação do Senhor é o critério para qualquer pessoa de boa fé, e a perfeição máxima da vida é satisfazer o Senhor através de nosso dever ocupacional. Esse é o veredito da Gītā e do Bhāgavatam. Dhṛtarāṣṭra e Vidura, seguidos por Gāndhārī, não revelaram sua determinação a Sañjaya, embora este estivesse constantemente com Dhṛtarāṣṭra como seu assistente pessoal. Sañjaya jamais pensou que Dhṛtarāṣṭra pudesse executar algum ato sem consultá-lo. Contudo, a partida do lar por parte de Dhṛtarāṣṭra foi tão confidencial que não pôde nem mesmo ser revelada a Sañjaya. Sanātana Gosvāmī também enganou o guarda da prisão enquanto partia para ver Śrī Caitanya Mahāprabhu, e, de forma similar, Raghunātha Dāsa Gosvāmī também enganou seu sacerdote e deixou o lar para sempre para satisfazer o Senhor. Para satisfazer o Senhor, tudo é bom, pois isso está em relação com a Verdade Absoluta. Tivemos também igual oportunidade de enganar nossos membros familiares e deixar o lar para nos ocupar no serviço ao Śrīmad-Bhāgavatam. Tal enganação foi necessária em favor de uma grande causa, e ninguém saiu perdendo com essa fraude transcendental.

Texto

athājagāma bhagavān
nāradaḥ saha-tumburuḥ
pratyutthāyābhivādyāha
sānujo ’bhyarcayan munim

Sinônimos

atha — depois disso; ājagāma — chegou; bhagavān — a personalidade divina; nāradaḥ — Nārada; saha-tumburuḥ — juntamente com seu tumburu (instrumento musical); pratyutthāya — tendo se levantado de seus assentos; abhivādya — oferecendo-lhe as devidas reverências; āha — disse; sa-anujaḥ — juntamente com seus irmãos mais novos; abhyarcayan — assim, enquanto recebiam-no de maneira adequada; munim — o sábio.

Tradução

Enquanto Sañjaya falava dessa maneira, Śrī Nārada, o poderoso devoto do Senhor, apareceu em cena carregando seu tumburu. Mahārāja Yudhiṣṭhira e seus irmãos receberam-no adequadamente, levantando-se de seus assentos e lhe oferecendo reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—Devarṣi Nārada é descrito aqui como bhagavān por ser o devoto mais confidencial do Senhor. O Senhor e Seus devotos muito confidenciais são tratados no mesmo nível por aqueles que estão realmente ocupados no serviço amoroso ao Senhor. Esses devotos confidenciais do Senhor são muitíssimo queridos ao Senhor porque viajam por toda parte para pregar as glórias do Senhor de diferentes maneiras, e tentam ao máximo converter os não-devotos do Senhor em devotos, a fim de levá-los à plataforma de sanidade. Na verdade, um ser vivo não pode ser um não-devoto do Senhor por causa de sua posição constitucional, mas, quando alguém se torna um não-devoto ou descrente, deve-se entender que a pessoa em questão não está dentro de condições sadias de vida. Os devotos confidenciais do Senhor tratam esses seres vivos iludidos e, por isso, eles são muito agradáveis aos olhos do Senhor. O Senhor diz na Bhagavad-gītā que ninguém é mais querido a Ele do que a pessoa que realmente prega as glórias do Senhor para converter os descrentes e não-devotos. Personalidades como Nārada devem receber todos os devidos respeitos, como aqueles que se oferecem à própria Suprema Personalidade de Deus, e Mahārāja Yudhiṣṭhira, juntamente com seus nobres irmãos, estabelecem um exemplo para os outros ao recepcionarem um devoto puro do Senhor como Nārada, que não tinha outra ocupação além de cantar as glórias do Senhor, acompanhadas de sua vīṇā, um instrumento musical de cordas.

Texto

yudhiṣṭhira uvāca
nāhaṁ veda gatiṁ pitror
bhagavan kva gatāv itaḥ
ambā vā hata-putrārtā
kva gatā ca tapasvinī

Sinônimos

yudhiṣṭhiraḥ uvāca — Mahārāja Yudhiṣṭhira disse; na — não; aham — eu mesmo; veda — sei disso; gatim — partida; pitroḥ — dos tios; bhagavān — ó personalidade divina; kva — onde; gatau — ido; itaḥ — deste lugar; ambā — tia-mãe; — ou; hata-putrā — destituída de seus filhos; ārtā — aflita; kva — onde; gatā — ido; ca — também; tapasvinī — asceta.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Ó personalidade divina, eu não sei para onde foram meus dois tios. Tampouco posso encontrar minha tia asceta, que está ferida de aflição pela perda de todos os seus filhos.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Yudhiṣṭhira, uma boa alma e devoto do Senhor, estava sempre consciente da grande perda de sua tia e de seus sofrimentos como uma asceta. Um asceta nunca se deixa perturbar por qualquer tipo de sofrimento, o que o faz forte e determinado no caminho do progresso espiritual. A rainha Gāndhārī é um exemplo típico de asceta devido a seu maravilhoso caráter em muitas situações dolorosas. Ela era uma mulher ideal como mãe, esposa e asceta, e, na história do mundo, tal caráter numa mulher é raramente encontrado.

Texto

karṇadhāra ivāpāre
bhagavān pāra-darśakaḥ
athābabhāṣe bhagavān
nārado muni-sattamaḥ

Sinônimos

karṇa-dhāraḥ — capitão do navio; iva — como; apāre — nos extensos oceanos; bhagavān — representante do Senhor; pāra-darśakaḥ — aquele que pode dar orientações até o outro lado; atha — assim; ābabhāṣe — começou a falar; bhagavān — a personalidade divina; nāradaḥ — o grande sábio Nārada; muni-sat-tamaḥ — o maior entre os devotos filósofos.

Tradução

“Tu és como um capitão de navio num grande oceano e podes dirigir-nos a nosso destino.” Sendo assim interpelado, a personalidade divina, Devarṣi Nārada, o maior dos devotos filósofos, começou a falar.

Comentário

SIGNIFICADO—Há diferentes tipos de filósofos, e os maiores de todos são aqueles que viram a Personalidade de Deus e renderam-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Dentre todos esses devotos puros do Senhor, Devarṣi Nārada é o principal e, por isso, é descrito aqui como o maior de todos os devotos filósofos. A menos que alguém se torne um filósofo suficientemente erudito, por ouvir a filosofia vedānta de um mestre espiritual autêntico, ele não pode ser um devoto erudito e filósofo. É preciso ser muito fiel, erudito e renunciado, pois, de outro modo, não se pode ser um devoto puro. O devoto puro do Senhor nos pode dar orientações para além da necedade. Devarṣi Nārada costumava visitar o palácio de Mahārāja Yudhiṣṭhira porque os Pāṇḍavas eram todos devotos puros do Senhor, e o Devarṣi estava sempre pronto a lhes dar bons conselhos sempre que necessário.

Texto

nārada uvāca
mā kañcana śuco rājan
yad īśvara-vaśaṁ jagat
lokāḥ sapālā yasyeme
vahanti balim īśituḥ
sa saṁyunakti bhūtāni
sa eva viyunakti ca

Sinônimos

nāradaḥ uvāca — Nārada disse; — nunca; kañcana — de todos os modos; śucaḥ — te lamentes; rājan — ó rei; yat — porque; īśvaravaśam – sob o controle do Senhor Supremo; jagat — mundo; lokāḥ — todos os seres vivos; sapālāḥ – incluindo seus líderes; yasya — cujo; ime — todos esses; vahanti — mantêm; balim — meios de adoração; īśituḥ — para serem protegidos; saḥ — Ele; saṁyunakti — une; bhūtāni — todos os seres vivos; saḥ — Ele; eva — também; viyunakti — dispersa; ca — e.

Tradução

Śrī Nārada disse: Ó rei piedoso, não te lamentes por ninguém, pois todos estão sob o controle do Senhor Supremo. Portanto, todos os seres vivos e seus líderes executam adoração para serem bem protegidos. É unicamente Ele que os une e dispersa.

Comentário

SIGNIFICADO—Todo ser vivo, neste mundo material ou no mundo espiritual, está sob o controle do Senhor Supremo, a Personalidade de Deus. Começando de Brahmājī, o líder deste universo, e descendo até a formiga insignificante, todos estão sendo orientados pela ordem do Senhor Supremo. Desse modo, a posição constitucional do ser vivo é de subordinação, sob o controle do Senhor. O ser vivo tolo, especialmente o homem, rebela-se artificialmente contra a lei do Supremo e, assim, é castigado como um asura, ou violador da lei. Cada ser vivo é posto numa posição particular pela ordem do Senhor Supremo e novamente é deslocado daí pela ordem do Senhor Supremo ou de Seus agentes autorizados. Brahmā, Śiva, Indra, Candra, Mahārāja Yudhiṣṭhira, ou, na história moderna, Napoleão, Akbar, Alexandre, Gandhi, Shubhash e Nero são todos servos do Senhor, e são colocados e removidos de suas respectivas posições pela vontade suprema do Senhor. Nenhum deles é independente. Mesmo que esses homens ou líderes se rebelem a ponto de não reconhecerem a supremacia do Senhor, eles são postos sob leis ainda mais rigorosas do mundo material, através de diferentes misérias. Apenas o tolo, portanto, diz que Deus não existe. Mahārāja Yudhiṣṭhira estava sendo convencido dessa verdade nua e crua, porque sentia profundamente o pesar pela súbita partida de seus velhos tios e de sua tia. Mahārāja Dhṛtarāṣṭra foi posto em tal situação por efeito de seus atos passados; ele já tinha sofrido ou desfrutado os benefícios que lhe cabiam no passado, mas, devido à sua boa sorte, ele, de alguma forma, tinha um bom irmão mais novo, Vidura, através de cuja instrução ele partiu para alcançar a salvação, encerrando todas as questões ligadas a este mundo material.

Ordinariamente, não podemos mudar, através de planos, o curso da felicidade e da aflição que nos cabe. Todos têm de aceitá-las como elas vêm, sob o arranjo sutil de kāla, ou seja, o tempo invencível. Não adianta tentar neutralizá-las. O melhor, portanto, é que nos esforcemos por alcançar a salvação, e essa prerrogativa é dada apenas ao homem, por causa da condição desenvolvida de suas atividades mentais e inteligência. Apenas para o homem há diferentes instruções védicas para a obtenção da salvação, durante a forma humana de existência. Aquele que utiliza mal esta oportunidade de inteligência avançada, na verdade, é condenado e posto sob diferentes tipos de misérias, seja na vida atual, seja na futura. É assim que o Supremo controla a todos.

Texto

yathā gāvo nasi protās
tantyāṁ baddhāś ca dāmabhiḥ
vāk-tantyāṁ nāmabhir baddhā
vahanti balim īśituḥ

Sinônimos

yathā — assim como; gāvaḥ — vaca; nasi — pelo nariz; protāḥ — amarrada; tantyām — pela corda; baddhāḥ — atados por; ca — também; dāmabhiḥ — pelas cordas; vāk-tantyām — na rede dos hinos védicos; nāmabhiḥ — pelas nomenclaturas; baddhāḥ — condicionados; vahanti — executam; balim — ordens; īśituḥ — por serem controlados pelo Senhor Supremo.

Tradução

Assim como uma vaca, amarrada pelo nariz com uma longa corda, está condicionada, da mesma forma, os seres humanos estão atados pelos diferentes preceitos védicos e são condicionados a obedecer às ordens do Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Todo ser vivo, seja homem, animal ou pássaro, pensa que é livre por si mesmo, mas, na verdade, ninguém está livre das rigorosas leis do Senhor. As leis do Senhor são rigorosas porque não podem ser desobedecidas em nenhuma circunstância. As leis feitas pelo homem podem ser burladas por astuciosos fora-da-lei, mas, nos códigos do legislador supremo, não existe a menor possibilidade de negligenciar as leis. Uma leve mudança no curso da lei feita por Deus pode dar origem a um grave perigo a ser defrontado pelo violador da lei. Essas leis do Supremo são geralmente conhecidas como os códigos da religião, sob diferentes condições, mas o princípio da religião é o mesmo em toda parte, ou seja, obedecer às ordens do Deus Supremo, aos códigos da religião. Essa é a condição da existência material. Todos os seres vivos no mundo material têm aceitado o risco da vida condicionada por sua própria escolha e estão, deste modo, apanhados na armadilha das leis da natureza material. O único caminho para sair do enredamento é concordar em obedecer ao Supremo. Porém, em vez de se livrarem das garras de māyā, ou ilusão, os seres humanos tolos se deixam atar por diferentes nomenclaturas, sendo designados como brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas, śūdras, hindus, maometanos, indianos, europeus, americanos, chineses e muitas outras, e, assim, eles executam as ordens do Senhor Supremo sob a influência dos respectivos preceitos legislativos ou escriturais. As leis estatutárias do estado são imperfeitas imitações e réplicas dos códigos religiosos. O estado secular, ou o estado sem Deus, permite aos cidadãos romperem as leis de Deus, mas os pune por desobedecerem às leis do estado; o resultado é que as pessoas em geral sofrem mais por romperem as leis de Deus que por obedecerem às leis imperfeitas fabricadas pelo homem. Todo homem é imperfeito por constituição, sob condições de existência material, e não existe a menor possibilidade de que até o homem mais avançado materialmente possa promulgar uma legislação perfeita. Por outro lado, não há tal imperfeição nas leis de Deus. Se os líderes são educados nas leis de Deus, não há necessidade de transitórias câmaras legislativas de homens sem objetivo. Há necessidade de mudanças nas leis transitórias do homem, mas não há mudanças nas leis feitas por Deus porque a todo-perfeita Personalidade de Deus as faz perfeitas. Os códigos da religião, ou preceitos escriturais, são feitos por representantes liberados de Deus, considerando diferentes condições de vida, e, por cumprirem as ordens do Senhor, os seres vivos condicionados gradualmente se livram das garras da existência material. A posição verdadeira do ser vivo é, contudo, a de servo eterno do Senhor Supremo. Em seu estado liberado, ele presta serviço ao Senhor com amor transcendental e, assim, desfruta de uma vida de plena liberdade, às vezes mesmo em nível de igualdade com o Senhor, ou às vezes mais que o Senhor. Todavia, no mundo material condicionado, todo ser vivo quer ser o Senhor de outros seres vivos, e assim, pela ilusão de māyā, essa mentalidade de assenhorear-se passa a ser a causa da extensão da vida condicional no futuro. Desse modo, no mundo material, o ser vivo fica ainda mais condicionado, até que se renda ao Senhor, revivendo seu estado original de servidão eterna. Essa é a instrução final da Bhagavad-gītā e de todas as outras escrituras reconhecidas do mundo.

Texto

yathā krīḍopaskarāṇāṁ
saṁyoga-vigamāv iha
icchayā krīḍituḥ syātāṁ
tathaiveśecchayā nṛṇām

Sinônimos

yathā — assim como; kriḍā-upaskarāṇām — brinquedos; saṁyoga — união; vigamau — desunião; iha — neste mundo; icchayā — pela vontade de; krīḍituḥ — apenas para representar um papel; syātām — acontece; tathā — assim também; eva — certamente; īśa — o Senhor Supremo; icchayā — pela vontade de; nṛṇām — dos seres humanos.

Tradução

Assim como uma pessoa brincando junta e dispersa seus brinquedos de acordo com sua livre vontade; da mesma forma, a vontade suprema do Senhor reúne os homens e os separa.

Comentário

SIGNIFICADO—Podemos ter certeza de que a posição particular na qual estamos agora colocados é um arranjo da vontade suprema, de acordo com nossos próprios atos no passado. O Senhor Supremo está presente, como o Paramātmā localizado, no coração de todo ser vivo, como se diz na Bhagavad-gītā (13.23), e, por causa disso, Ele conhece tudo sobre nossas atividades em cada estágio de nossas vidas. Ele confere as reações de nossas ações colocando-nos em algum lugar em particular. O filho de um homem rico já nasce em berço de ouro, mas essa criança que nasceu como filho do homem rico merecia aquele lugar e, portanto, é colocada ali pela vontade do Senhor. E, no momento particular em que a criança tenha de ser removida daquele lugar, ela também é carregada pela vontade do Supremo, mesmo que a criança ou o pai não queiram separar-se da feliz relação. A mesma coisa também acontece no caso de um homem pobre. Nem o homem rico, nem o homem pobre têm qualquer controle sobre tais encontros e separações entre os seres vivos. O exemplo de alguém que brinca e seus brinquedos não deve ser interpretado de forma errada. Alguém poderia argumentar que, uma vez que o Senhor está fadado a conceder os resultados reativos de nossas próprias ações, o exemplo de alguém que brinca não pode ser aplicado. Não é o caso, no entanto. Devemos sempre nos lembrar de que o Senhor é a vontade suprema, e Ele não está sujeito a nenhuma lei. Geralmente, a lei do karma é que uma pessoa recebe os resultados de suas próprias ações, mas, em casos especiais, pela vontade do Senhor, essas ações resultantes também são alteradas. Mas tal mudança pode ser aplicada somente pela vontade do Senhor, e de ninguém mais. Portanto, o exemplo de alguém brincando, citado neste verso, é inteiramente apropriado, pois a Vontade Suprema é absolutamente livre para fazer qualquer coisa que deseje, e, porque Ele é todo-perfeito, não há erro em nenhuma de Suas ações ou reações. O Senhor procede com essas mudanças de ações resultantes especialmente quando um devoto puro está envolvido. Na Bhagavad-gītā (9.30-31), assegura-se que o Senhor salva um devoto puro, que tenha se rendido a Ele sem reservas, de todas as espécies de reações de pecados, e, quanto a isso, não há dúvidas. Existem centenas de exemplos de reações mudadas pelo Senhor na história do mundo. Se o Senhor é capaz de mudar as reações dos feitos passados de alguém, certamente Ele próprio não está sujeito a nenhuma ação ou reação de Seus próprios feitos. Ele é perfeito e transcendental a todas as leis.

Texto

yan manyase dhruvaṁ lokam
adhruvaṁ vā na cobhayam
sarvathā na hi śocyās te
snehād anyatra mohajāt

Sinônimos

yat — muito embora; manyase — penses; dhruvam — Verdade Absoluta; lokam — pessoas; adhruvam — irrealidade; — ou; na — ou não; ca — também; ubhayam — ou de ambas as formas; sarvathā — em todas as circunstâncias; na — nunca; hi — certamente; śocyāḥ — motivo de lamentação; te — eles; snehāt — em virtude da afeição; anyatra — ou de outro modo; moha-jāt — devido à confusão.

Tradução

Ó rei, em toda circunstância, quer consideres a alma como um princípio eterno, ou o corpo material como sendo perecível, ou tudo como existindo na Verdade Absoluta impessoal, ou tudo como sendo uma combinação inexplicável de matéria e espírito, os sentimentos de separação se devem unicamente à afeição ilusória e a nada mais.

Comentário

SIGNIFICADO—O fato real é que todo ser vivo é parte integrante individual do Ser Supremo, e sua posição constitucional é de serviço cooperativo subordinado. Seja em sua existência material condicionada, seja em sua posição liberada de pleno conhecimento e eternidade, a entidade viva está eternamente sob o controle do Senhor Supremo. Porém, aqueles que não são familiarizados com o conhecimento verdadeiro apresentam muitas proposições especulativas sobre a posição real da entidade viva. Admite-se, contudo, em todas as escolas filosóficas, que o ser vivo é eterno e que o invólucro corpóreo de cinco elementos materiais é perecível e temporário. A entidade viva eterna transmigra de um corpo material a outro, pela lei do karma, e os corpos materiais são perecíveis por suas estruturas fundamentais. Assim sendo, não há nada para se lamentar no caso de a alma ser transferida a outro corpo, ou de perecer o corpo material em determinado estágio. Também há outros que acreditam na imersão da alma espiritual no Espírito Supremo, quando ela se livra do engaiolamento material, e há outros, também, que não acreditam na existência do espírito ou alma, mas acreditam na matéria tangível. Em nossa experiência diária, encontramos tantas transformações da matéria de uma forma para outra, mas não nos lamentamos por esses aspectos mutantes. Em qualquer dos casos acima, a força da energia divina é imparável; ninguém tem nenhum controle sobre ela, de modo que não há motivo para tristeza.

Texto

tasmāj jahy aṅga vaiklavyam
ajñāna-kṛtam ātmanaḥ
kathaṁ tv anāthāḥ kṛpaṇā
varteraṁs te ca māṁ vinā

Sinônimos

tasmāt — portanto; jahi — abandona; aṅga — ó rei; vaiklavyam — disparidade mental; ajñāna — ignorância; kṛtam — decorrente de; ātmanaḥ — de ti mesmo; katham — como; tu — mas; anāthāḥ — desamparadas; kṛpaṇāḥ — pobres criaturas; varteran — ser capazes de sobreviver; te — eles; ca — também; mām — mim; vinā — sem.

Tradução

Portanto, abandona tua ansiedade decorrente da ignorância do eu. Agora estás pensando em como eles, pobres criaturas desamparadas, existirão sem ti.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando pensamos em nossos amigos e parentes como dependentes de nós, isso se deve à ignorância. Toda criatura viva recebe toda a proteção, por ordem do Senhor Supremo, em termos de sua posição adquirida no mundo. O Senhor é conhecido como bhūta-bhṛt, aquele que dá proteção a todos os seres vivos. Devemos apenas desempenhar nossos deveres, pois ninguém mais além do Senhor Supremo pode proteger alguém. Isso se explica mais claramente no verso seguinte.

Texto

kāla-karma-guṇādhīno
deho ’yaṁ pāñca-bhautikaḥ
katham anyāṁs tu gopāyet
sarpa-grasto yathā param

Sinônimos

kāla — tempo eterno; karma — ação; guṇa — modos da natureza; adhīnaḥ — sob o controle de; dehaḥ — corpo e mente materiais; ayam — este; pāñcabhautikaḥ – feito de cinco elementos; katham — como; anyān — outros; tu — mas; gopāyet — dar proteção; sarpa-grastaḥ — aquele que é picado pela serpente; yathā — assim como; param — outros.

Tradução

Este corpo material grosseiro, feito de cinco elementos, já está sob o controle do tempo eterno [kāla], da ação [karma] e dos modos da natureza material [guṇa]. Como ele pode, então, já estando na boca da serpente, proteger os outros?

Comentário

SIGNIFICADO—Os movimentos mundiais de libertação, através de propaganda política, econômica, social e cultural, não podem beneficiar a ninguém, pois eles são controlados por poder superior. Um ser vivo condicionado está sob total controle da natureza material, representada pelo tempo eterno e pelas atividades sob o ditame dos diferentes modos da natureza. Há três modos materiais da natureza, a saber, bondade, paixão e ignorância. A menos que estejamos situados no modo da bondade, não podemos ver as coisas como elas são. O apaixonado e o ignorante não podem nem mesmo ver as coisas como elas são. Portanto, uma pessoa que é apaixonada e ignorante não pode dirigir suas atividades para o caminho correto. Somente o homem na qualidade da bondade pode ser útil até certo ponto. A maioria das pessoas são apaixonadas e ignorantes, de forma que seus planos e projetos dificilmente podem fazer algum bem aos outros. Acima dos modos da natureza, está o tempo eterno, que é chamado de kāla porque muda o aspecto de tudo no mundo material. Mesmo que sejamos capazes de fazer algo temporariamente benéfico, o tempo cuidará para que o bom projeto seja frustrado no decorrer do tempo. A única coisa que se pode fazer é escapar do tempo eterno, kāla, que é comparado a kāla-sarpa, ou a cobra venenosa, cuja picada é sempre letal. Ninguém pode salvar-se da picada de uma cobra. O melhor remédio para sairmos do domínio do kāla serpentino, ou de seus integrantes, os modos da natureza, é bhakti-yoga, como se recomenda na Bhagavad-gītā (14.26). O projeto perfectivo mais elevado de atividades filantrópicas é ocuparmos todos no ato de pregar bhakti-yoga em todo o mundo, visto que somente isso pode salvar as pessoas do controle de māyā, ou da natureza material, representada por kāla, karma e guṇa, como descritos acima. A Bhagavad-gītā (14.26) confirma isso definitivamente.

Texto

ahastāni sahastānām
apadāni catuṣ-padām
phalgūni tatra mahatāṁ
jīvo jīvasya jīvanam

Sinônimos

ahastāni — aqueles que são desprovidos de mãos; sa-hastānām — daqueles que são dotados de mãos; apadāni — aqueles que são desprovidos de pernas; catuḥ-padām — daqueles que têm quatro pernas; phalgūni — aqueles que são fracos; tatra — ali; mahatām — do poderoso; jīvaḥ — o ser vivo; jīvasya — do ser vivo; jīvanam — subsistência.

Tradução

Aqueles que são desprovidos de mãos são presas para aqueles que têm mãos; aqueles que são desprovidos de pernas são presas para os quadrúpedes. O fraco é a subsistência do forte, e a regra geral mantém que um ser vivo é alimento para outro.

Comentário

SIGNIFICADO—Existe, pela vontade suprema, uma lei sistemática de subsistência na luta pela vida, e não há como escapar, seja lá qual for a soma de planejamentos. Os seres vivos que vieram ao mundo material contra a vontade do Ser Supremo estão sob o controle de um poder supremo, chamado māyā-śakti, o agente delegado pelo Senhor, e essa daivī māyā destina-se a beliscar as almas condicionadas através das três espécies de misérias, uma das quais é explicada aqui neste verso: o fraco é a subsistência do forte. Ninguém é forte o bastante para se proteger da investida do mais forte, e, pela vontade do Senhor, existem categorias sistemáticas de fraco, mais forte e fortíssimo. Não há nada a se lamentar quando um tigre come um animal mais fraco, inclusive o próprio homem, porque essa é a lei do Senhor Supremo. Contudo, embora a lei declare que um ser humano deve subsistir de outro ser vivo, há também a lei do bom senso, dado que o ser humano se destina a obedecer às leis das escrituras. Isso é impossível para outros animais. O ser humano se destina à autorrealização e, para esse propósito, ele não deve comer nada que não seja primeiramente oferecido ao Senhor. O Senhor aceita, de Seu devoto, todos os tipos de preparações feitas de vegetais, frutas, folhas e cereais. Frutas, folhas e leite, em diversas combinações, podem ser oferecidos ao Senhor, e depois que o Senhor aceita o alimento, o devoto pode compartilhar da prasāda, através da qual todo o sofrimento na luta pela vida vai sendo gradualmente mitigado. Isso se confirma na Bhagavad-gītā (9.26). Mesmo aqueles que estão acostumados a comer animais podem oferecer alimentos, não diretamente ao Senhor, mas a um agente do Senhor, sob determinadas condições de ritos religiosos. Os preceitos das escrituras destinam-se, não a encorajar os comedores de animais, mas a restringi-los através de princípios regulados.

Cada ser vivo é fonte de subsistência para outros seres vivos mais fortes. Ninguém deve estar muito ansioso por sua subsistência, em nenhuma circunstância, porque há seres vivos em toda parte, e nenhum ser vivo morre à mingua em lugar algum por falta de comida. Mahārāja Yudhiṣṭhira é aconselhado, por Nārada, a não se preocupar com o sofrimento de seus tios por falta de alimento, pois eles podiam viver dos vegetais acessíveis nas selvas como prasāda do Senhor Supremo e, deste modo, realizar o caminho da salvação.

A exploração do ser vivo mais fraco pelo mais forte é a lei natural da existência; há sempre uma tentativa de devorar o mais fraco em diferentes reinos de seres vivos. Não há possibilidade de impedir essa tendência por meios artificiais, sob condições materiais; isso só pode ser impedido despertando o senso espiritual do ser humano, pela prática de regulações espirituais. Os princípios reguladores espirituais, contudo, não permitem ao homem, por um lado, abater os animais mais fracos e, por outro lado, permitem ensinar aos outros a coexistência pacífica. Se o homem não permite aos animais a coexistência pacífica, como pode esperar coexistência pacífica na sociedade humana? Os líderes cegos devem, portanto, entender o Ser Supremo e, então, tentarem implantar o reino de Deus. O reino de Deus, ou Rāma-rājya, é impossível sem o despertar da consciência de Deus na mente da massa de pessoas do mundo.

Texto

tad idaṁ bhagavān rājann
eka ātmātmanāṁ sva-dṛk
antaro ’nantaro bhāti
paśya taṁ māyayorudhā

Sinônimos

tat — portanto; idam — esta manifestação; bhagavān — a Personalidade de Deus; rājan — ó rei; ekaḥ — único e incomparável; ātmā — a Superalma; ātmanām — através de Suas energias; sva-dṛk — qualitativamente como Ele; antaraḥ — sem; anantaraḥ — dentro e por Si próprio; bhāti — assim manifesta; paśya — ater-te; tam — somente a Ele; māyayā — pelas manifestações de diferentes energias; urudhā — parece ser muitos.

Tradução

Portanto, ó rei, tu deves ater-te apenas ao Senhor Supremo, que é único e incomparável e que Se manifesta através de diferentes energias e está dentro e fora.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, é único e incomparável, mas Se manifesta através de diferentes energias porque é bem-aventurado por natureza. Os seres vivos também são manifestações de Sua energia marginal, qualitativamente unos com o Senhor, e há inúmeros seres vivos dentro e fora das energias externa e interna do Senhor. Uma vez que o mundo espiritual é uma manifestação da energia interna do Senhor, os seres vivos dentro dessa potência interna são qualitativamente unos com o Senhor, sem contaminação da potência externa. Embora qualitativamente uno com o Senhor, o ser vivo, devido à contaminação do mundo material, manifesta-se de modo pervertido e, portanto, experimenta as ditas felicidade e tristeza no mundo material. Essas experiências são todas efêmeras e não afetam a alma espiritual. A percepção dessa felicidade e dessa tristeza efêmeras deve-se unicamente ao esquecimento de suas qualidades (do ser vivo), que são iguais às do Senhor. Existe, contudo, um fluxo regular a partir do próprio Senhor, por dentro e por fora, pelo qual se retifica a condição caída do ser vivo. A partir de dentro, Ele corrige os seres vivos que o desejam, sob a forma do Paramātmā localizado, e, a partir de fora, Ele corrige através de Suas manifestações: o mestre espiritual e as escrituras reveladas. Devemos voltar-nos para o Senhor; não devemos nos deixar perturbar pelas ditas manifestações de felicidade e tristeza, mas devemos tentar cooperar com o Senhor em Suas atividades externas para correção das almas caídas. Unicamente por Sua ordem é que alguém deve tornar-se um mestre espiritual e cooperar com o Senhor. Não devemos tornar-nos mestres espirituais para nosso benefício pessoal, em troca de algum ganho material, ou como uma abertura para negócios, ou como ocupação para ganhar a vida. Os mestres espirituais fidedignos que se voltam para o Senhor Supremo para cooperar com Ele são, na verdade, qualitativamente unos com o Senhor, e as pessoas esquecidas são apenas reflexos pervertidos. Yudhiṣṭhira Mahārāja é aconselhado por Nārada, portanto, a não se deixar perturbar pelos afazeres da dita felicidade e dita tristeza, mas a se ater apenas ao Senhor, a executar a missão para a qual o Senhor desceu. Esse era seu dever primordial.

Texto

so ’yam adya mahārāja
bhagavān bhūta-bhāvanaḥ
kāla-rūpo ’vatīrṇo ’syām
abhāvāya sura-dviṣām

Sinônimos

saḥ — este Senhor Supremo; ayam — o Senhor Śrī Kṛṣṇa; adya — no momento; mahārāja — ó rei; bhagavān — a Personalidade de Deus; bhūta-bhāvanaḥ — o criador ou pai de tudo criado; kāla-rūpaḥ — no disfarce do tempo que tudo devora; avatīrṇaḥ — desceu; asyām — ao mundo; abhāvāya — para eliminar; sura-dviṣām — aqueles que são contra a vontade do Senhor.

Tradução

Esta Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, no disfarce do tempo que tudo devora [kāla-rūpa], desce agora à Terra para eliminar do mundo os invejosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Há duas classes de seres humanos, a saber, o invejoso e o obediente. Uma vez que o Senhor Supremo é único e é o pai de todos os seres vivos, os seres vivos invejosos também são Seus filhos, mas eles são conhecidos como asuras. Mas os seres vivos que são obedientes ao pai supremo são chamados de devatās, ou semideuses, porque não estão contaminados pelo conceito material de vida. Os asuras são não apenas invejosos do Senhor, negando até mesmo a existência do Senhor, mas também são invejosos de todos os outros seres vivos. O predomínio de asuras no mundo é ocasionalmente retificado pelo Senhor, quando Ele os elimina do mundo e estabelece um governo de devatās como os Pāṇḍavas. Sua designação como kāla, em disfarce, é significativa. Ele não é perigoso de modo algum, senão que é a forma transcendental de eternidade, conhecimento e bem-aventurança. Para os devotos, Sua forma verdadeira é revelada, e, para os não-devotos, Ele aparece como kāla-rūpa, que é a forma causal. Essa forma causal do Senhor não é nada agradável para os asuras, e, portanto, eles consideram que o Senhor é destituído de forma, para sentirem que estão seguros e não serão aniquilados pelo Senhor.

Texto

niṣpāditaṁ deva-kṛtyam
avaśeṣaṁ pratīkṣate
tāvad yūyam avekṣadhvaṁ
bhaved yāvad iheśvaraḥ

Sinônimos

niṣpāditam — executou; deva-kṛtyam — o que tinha de ser feito em favor dos semideuses; avaśeṣam — o repouso; pratīkṣate — sendo aguardado; tāvat — até esse momento; yūyam — todos vós, os Pāṇḍavas; avekṣadhvam — observai e esperai; bhavet — deveis; yāvat — enquanto; iha — neste mundo; īśvaraḥ — o Senhor Supremo.

Tradução

O Senhor já cumpriu Seus deveres para ajudar os semideuses, e Ele está aguardando pelo restante. Vós Pāṇḍavas deveis aguardar enquanto o Senhor estiver aqui na Terra.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor desce de Sua morada (Kṛṣṇaloka), o planeta mais elevado no céu espiritual, para ajudar os semideuses administradores deste mundo material quando eles são muito molestados pelos asuras, que são invejosos não somente do Senhor, mas também de Seus devotos. Como se mencionou acima, os seres vivos condicionados entram em contato com a natureza material por sua própria escolha, ditada por um forte desejo de assenhorearem-se dos recursos do mundo material e tornarem-se senhores de imitação de tudo que contemplam. Todos estão tentando tornar-se um Deus de imitação; há uma mordaz competição entre tais deuses de imitação, e esses competidores são geralmente conhecidos como asuras. Quando há demasiados asuras no mundo, o mundo se transforma em um inferno para aqueles que são devotos do Senhor. Devido ao crescimento dos asuras, a massa de pessoas, que são geralmente devotadas ao Senhor por natureza, e os devotos puros do Senhor, incluindo os semideuses nos planetas superiores, oram ao Senhor por alívio, e o Senhor ou desce pessoalmente de Sua morada ou delega alguém dentre Seus devotos para reparar a condição caída da sociedade humana, ou mesmo da sociedade animal. Tais perturbações acontecem não apenas na sociedade humana, mas também entre os animais, pássaros ou outros seres vivos, incluindo os semideuses nos planetas superiores. O Senhor Śrī Kṛṣṇa desceu pessoalmente para aniquilar asuras como Kaṁsa, Jarāsandha e Śiśupāla, e, durante o reinado de Mahārāja Yudhiṣṭhira, quase todos esses asuras foram mortos pelo Senhor. Agora, Ele estava esperando a aniquilação de Sua própria dinastia, chamada Yadu-vaṁśa, que apareceu neste mundo por Sua vontade. Ele queria levá-los embora antes de Sua própria partida para Sua morada eterna. Nārada, como Vidura, não revelou a iminente aniquilação da dinastia Yadu, mas, indiretamente, deu a entender ao rei e a seus irmãos que deviam esperar até que o incidente acontecesse e o Senhor partisse.

Texto

dhṛtarāṣṭraḥ saha bhrātrā
gāndhāryā ca sva-bhāryayā
dakṣiṇena himavata
ṛṣīṇām āśramaṁ gataḥ

Sinônimos

dhṛtarāṣṭraḥ — Dhṛtarāṣṭra; saha — juntamente com; bhrātrā — seu irmão Vidura; gāndhāryā — Gāndhārī também; ca — e; svabhāryayā – sua própria esposa; dakṣiṇena — pelo lado meridional; himavataḥ — das montanhas dos Himālayas; ṛṣīṇām — dos ṛṣis; āśramam — abrigados; gataḥ — ele foi.

Tradução

Ó rei, teu tio Dhṛtarāṣṭra, seu irmão Vidura e sua esposa Gāndhārī foram para o lado meridional das montanhas dos Himālayas, onde se refugiam os grandes sábios.

Comentário

SIGNIFICADO—Para apaziguar o pesaroso Mahārāja Yudhiṣṭhira, Nārada falou primeiramente do ponto de vista filosófico, após o que começou a descrever os movimentos futuros de seu tio, que ele podia ver através de seus poderes de previsão. Então, começou a descrever o seguinte.

Texto

srotobhiḥ saptabhir yā vai
svardhunī saptadhā vyadhāt
saptānāṁ prītaye nānā
sapta-srotaḥ pracakṣate

Sinônimos

srotobhiḥ — pelas correntes; saptabhiḥ — por sete (divisões); — o rio; vai — certamente; svardhunī — o sagrado Ganges; saptadhā — sete ramos; vyadhāt — criados; saptānām — dos sete; prītaye — para a satisfação de; nānā — vários; saptasrotaḥ – sete fontes; pracakṣate — conhecido pelo nome.

Tradução

O lugar se chama Saptasrota [“dividido por sete”] porque ali as águas do sagrado Ganges foram divididas em sete braços. Isso foi feito para a satisfação dos sete grandes ṛṣis.

Texto

snātvānusavanaṁ tasmin
hutvā cāgnīn yathā-vidhi
ab-bhakṣa upaśāntātmā
sa āste vigataiṣaṇaḥ

Sinônimos

snātvā — tomando banho; anusavanam — três vezes, regularmente (manhã, meio-dia e noite); tasmin — no Ganges dividido em sete; hutvā — executando o sacrifício Agni-hotra; ca — também; agnīn — no fogo; yathā-vidhi — justamente de acordo com os dogmas das escrituras; ap-bhakṣaḥ — jejuando por beber apenas água; upaśānta — completamente controlados; ātmā — os sentidos grosseiros e a mente sutil; saḥ — Dhṛtarāṣṭra; āste — ele se situaria; vigata — desprovido de; eṣaṇaḥ — pensamentos em relação ao bem-estar da família.

Tradução

Às margens de Saptasrota, Dhṛtarāṣṭra está agora se iniciando em aṣṭāṅga-yoga, banhando-se três vezes por dia – de manhã, ao meio-dia e à noite –, executando o sacrifício de fogo, Agni-hotra, e bebendo apenas água. Isso ajuda a pessoa a controlar a mente e os sentidos, e a liberta completamente de pensamentos de afeição familiar.

Comentário

SIGNIFICADO—O sistema de yoga é um processo mecânico de controlar os sentidos e a mente e desviá-los da matéria para o espírito. Os processos preliminares são a postura sentada, meditação, pensamentos espirituais, manipulação do ar que circula dentro do corpo e gradual estabelecimento em transe, voltando-se para a Pessoa Absoluta, Paramātmā. Tais maneiras mecânicas de elevação à plataforma espiritual prescrevem alguns tipos de princípios reguladores, como tomar banho três vezes ao dia, jejuar tanto quanto possível, sentar-se e concentrar a mente em temas espirituais e, assim, livrar-se gradualmente de viṣaya, ou objetivos materiais. Existência material significa estar absorto em objetivos materiais, que são simplesmente ilusórios. Lar, país, família, sociedade, filhos, propriedade e negócios são algumas das coberturas materiais do espírito, ātmā, e o sistema de yoga nos ajuda a nos libertarmos de todos esses pensamentos ilusórios e gradualmente nos voltarmos para a Pessoa Absoluta, Paramātmā. Devido à associação e educação materiais, aprendemos simplesmente a nos concentrar em coisas inconsistentes, mas yoga é o processo de esquecê-las por completo. Os ditos yogīs e sistemas de yoga modernos manifestam algumas façanhas mágicas, e as pessoas ignorantes são atraídas por tais coisas falsas, ou aceitam o sistema de yoga como um processo curativo barato para doenças do corpo grosseiro. Mas, de fato, o sistema de yoga é o processo de aprender a esquecer o que adquirimos através da luta pela vida. Dhṛtarāṣṭra estava todo o tempo ocupado em melhorar os afazeres familiares através da elevação do padrão de vida de seus filhos, e através da usurpação da propriedade dos Pāṇḍavas para o benefício de seus próprios filhos. Esses afazeres são habituais no homem grosseiramente materialista e desconhecedor da força espiritual. Ele não vê como isso pode arrastá-lo do céu ao inferno. Pela graça de seu irmão mais novo, Vidura, Dhṛtarāṣṭra foi iluminado e pôde ver suas ocupações grosseiramente ilusórias, e, devido a tal iluminação, foi capaz de deixar o lar para a compreensão espiritual. Śrī Nāradadeva estava justamente predizendo o caminho de seu progresso espiritual em um lugar santificado pelo fluxo do celestial Ganges. Beber apenas água, sem nenhum alimento sólido, também é considerado jejum. Isso é necessário para o avanço no conhecimento espiritual. Um homem tolo quer ser um yogī barato, sem observar os princípios reguladores. Um homem que não tem controle sobre a língua a princípio, não pode tornar-se um yogī. Yogī e bhogī são dois termos opostos. O bhogī, ou o indivíduo que farreia, come e bebe, não pode ser um yogī, pois o yogī nunca tem permissão de comer e beber irrestritamente. Podemos notar, para o nosso proveito, como Dhṛtarāṣṭra começou seu sistema de yoga bebendo apenas água e sentando calmamente em um lugar com uma atmosfera espiritual, profundamente absorto em pensamentos sobre o Senhor Hari, a Personalidade de Deus.

Texto

jitāsano jita-śvāsaḥ
pratyāhṛta-ṣaḍ-indriyaḥ
hari-bhāvanayā dhvasta-
rajaḥ-sattva-tamo-malaḥ

Sinônimos

jita-āsanaḥ — aquele que controla a postura sentada; jitaśvāsaḥ – aquele que controla o processo respiratório; pratyāhṛta — voltando; ṣaṭ — seis; indriyaḥ — sentidos; hari — a Absoluta Personalidade de Deus; bhāvanayā — absortos em; dhvasta — conquistados; rajaḥ — paixão; sattva — bondade; tamaḥ — ignorância; malaḥ — contaminações.

Tradução

Aquele que domina as posturas sentadas [os āsanas ióguicos] e o processo respiratório pode fixar os sentidos na Absoluta Personalidade de Deus e, desse modo, tornar-se imune às contaminações dos modos da natureza material, a saber, bondade mundana, paixão e ignorância.

Comentário

SIGNIFICADO—As atividades preliminares do caminho do yoga são āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra, dhyāna, dhāraṇā etc. Mahārāja Dhṛtarāṣṭra alcançaria sucesso nessas ações preliminares porque estava sentado em um lugar santificado e estava se concentrando em um único objetivo, a saber, a Suprema Personalidade de Deus (Hari). Assim, todos os seus sentidos estavam sendo ocupados no serviço ao Senhor. Esse processo ajuda diretamente o devoto a libertar-se das contaminações dos três modos materiais da natureza. Mesmo o modo mais elevado, o modo material da bondade, também é causa de cativeiro material, isso para não falar das outras qualidades, isto é, paixão e ignorância. Paixão e ignorância aumentam a tendência material de anseio por desfrute material, e um forte senso de luxúria provoca o acúmulo de riqueza e poder. Alguém que tenha conquistado essas duas mentalidades baixas e tenha se elevado à plataforma de bondade, que é plena de conhecimento e moralidade, também não pode controlar os sentidos, a saber, os olhos, a língua, o nariz, o ouvido e o tato. Mas alguém que tenha se rendido aos pés de lótus do Senhor Hari, como se mencionou acima, pode transcender todas as influências dos modos da natureza material e se fixar no serviço ao Senhor. O processo de bhakti-yoga, portanto, aplica diretamente os sentidos no serviço amoroso ao Senhor. Isso proíbe o executante de se ocupar em atividades materiais. Esse processo de converter os sentidos do apego material ao transcendental serviço amoroso ao Senhor chama-se pratyāhāra, e o processo em si chama-se prāṇāyāma, terminando, por fim, em samādhi, ou absorção em satisfazer o Supremo Senhor Hari por todos os meios.

Texto

vijñānātmani saṁyojya
kṣetrajñe pravilāpya tam
brahmaṇy ātmānam ādhāre
ghaṭāmbaram ivāmbare

Sinônimos

vijñāna — identidade purificada; ātmani — na inteligência; saṁyojya — fixando perfeitamente; kṣetra jñe — quanto ao ser vivo; pravilāpya — imergindo; tam — a ele; brahmaṇi — no Supremo; ātmānam — ser vivo puro; ādhāre — no reservatório; ghaṭa-ambaram — céu dentro do bloqueio; iva — como; ambare — no céu supremo.

Tradução

Dhṛtarāṣṭra terá que amalgamar sua identidade pura com a inteligência e, então, imergir no Ser Supremo, com conhecimento de sua unidade qualitativa, como uma entidade viva, com o Brahman Supremo. Livrando-se do céu limitado, ele terá de se elevar ao céu espiritual.

Comentário

SIGNIFICADO—O ser vivo, devido a seu desejo de assenhorear-se do mundo material e negar-se a cooperar com o Senhor Supremo, entra em contato com a soma total do mundo material, ou seja, o mahat-tattva, e, a partir do mahat-tattva, desenvolve-se a sua falsa identificação com o mundo material, inteligência, mente e sentidos. Isso cobre sua identidade espiritual pura. Através do processo ióguico, quando sua identidade pura é compreendida em autorrealização, a pessoa tem que reverter à posição original, amalgamando os cinco elementos grosseiros e os elementos sutis, mente e inteligência, novamente no mahat-tattva. Desse modo, livrando-se das garras do mahat-tattva, ela tem de imergir na existência da Superalma. Em outras palavras, ela tem de compreender que, qualitativamente, não é diferente da Superalma, e, deste modo, ela transcende o céu material, através de sua inteligência pura e idêntica, tornando-se assim ocupada no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Esse é o desenvolvimento perfectivo mais elevado da identidade espiritual, que foi alcançado por Dhṛtarāṣṭra, pela graça de Vidura e do Senhor. A misericórdia do Senhor lhe foi concedida através de seu contato pessoal com Vidura, e, quando ele estava realmente praticando as instruções de Vidura, o Senhor o auxiliou a alcançar o estágio perfectivo mais elevado.

Um devoto puro do Senhor não vive em nenhum planeta do céu material, tampouco sente qualquer contato com os elementos materiais. Seu dito corpo material não existe, estando saturado da corrente espiritual de interesses idênticos aos do Senhor, e, assim sendo, ele está permanentemente livre de todas as contaminações da totalidade do mahat-tattva. Ele está sempre no céu espiritual, o qual ele alcança por ser transcendental às sétuplas coberturas materiais, como efeito de seu serviço devocional. As almas condicionadas estão dentro das coberturas, ao passo que a alma liberada está muito além da cobertura.

Texto

dhvasta-māyā-guṇodarko
niruddha-karaṇāśayaḥ
nivartitākhilāhāra
āste sthāṇur ivācalaḥ
tasyāntarāyo maivābhūḥ
sannyastākhila-karmaṇaḥ

Sinônimos

dhvasta — sendo destruído; māyā-guṇa — os modos da natureza material; udarkaḥ — efeitos posteriores; niruddha — estando suspensas; karaṇa-āśayaḥ — os sentidos e a mente; nivartita — parado; akhila — todos; āhāraḥ — alimento para os sentidos; āste — está sentado; sthāṇuḥ — imóvel; iva — como; acalaḥ — fixo; tasya — seu; antarāyaḥ — obstáculos; eva — nunca assim; abhūḥ — ser; sannyasta — renunciado; akhila — todas as espécies; karmaṇaḥ — deveres materiais.

Tradução

Ele terá de suspender todas as ações dos sentidos, mesmo aquelas vindas de fora, e não poderá ser afetado pelas interações dos sentidos, que são influenciados pelos modos da natureza material. Após renunciar todos os deveres materiais, deverá situar-se imóvel, além de todas as fontes de obstáculos no caminho.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhṛtarāṣṭra havia alcançado, através do processo ióguico, o estágio de negação de todos os tipos de reações materiais. Os efeitos dos modos materiais da natureza arrastam a vítima a desejos infatigáveis de desfrutar da matéria, mas pode-se escapar desse falso desfrute através do processo ióguico. Todos os sentidos estão sempre ocupados em buscar seu alimento, e assim a alma condicionada é assaltada por todos os lados e não tem oportunidade de fixar-se em nenhuma busca. Nārada aconselhou Mahārāja Yudhiṣṭhira a não perturbar seu tio tentando trazê-lo de volta para casa. Agora, ele estava além da atração de qualquer coisa material. Os modos materiais da natureza (os guṇas) têm suas diferentes modalidades de ação, mas, acima dos modos materiais da natureza, está o modo espiritual, que é absoluto. Nirguṇa significa sem reação. O modo espiritual e seus efeitos são idênticos, motivo pelo qual a qualidade espiritual distingue-se de sua contraparte material pela palavra nirguṇa. Após a completa suspensão dos modos materiais da natureza, a pessoa é admitida na esfera espiritual, e a ação ditada pelos modos espirituais se chama serviço devocional, ou bhakti. Portanto, bhakti é nirguṇa alcançado pelo contato direto com o Absoluto.

Texto

sa vā adyatanād rājan
parataḥ pañcame ’hani
kalevaraṁ hāsyati svaṁ
tac ca bhasmī-bhaviṣyati

Sinônimos

saḥ — ele; — com toda a probabilidade; adya — hoje; tanāt — a partir de; rājan — o rei; parataḥ — adiante; pañcame — no quinto; ahani — dia; kalevaram — corpo; hāsyati — abandonará; svam — seu próprio; tat — este; ca — também; bhasmī — cinzas; bhaviṣyati — ele se converterá em.

Tradução

Ó rei, ele abandonará seu corpo mais provavelmente no quinto dia a partir de hoje. E seu corpo se converterá em cinzas.

Comentário

SIGNIFICADO—A profecia de Nārada Muni proibia Yudhiṣṭhira Mahārāja de ir ao lugar onde estava seu tio, mesmo porque, após abandonar o corpo por seu próprio poder místico, Dhṛtarāṣṭra não teria necessidade de nenhuma cerimônia fúnebre; Nārada Muni indicou que seu corpo, por si só, viraria cinzas. A perfeição do sistema de yoga é alcançada através desse poder místico. O yogī é capaz de abandonar seu corpo por sua própria escolha e pode alcançar qualquer planeta que deseje, convertendo o corpo atual em cinzas através do fogo ateado por ele mesmo.

Texto

dahyamāne ’gnibhir dehe
patyuḥ patnī sahoṭaje
bahiḥ sthitā patiṁ sādhvī
tam agnim anu vekṣyati

Sinônimos

dahyamāne — enquanto estiver queimando; agnibhiḥ — pelo fogo; dehe — o corpo; paryuḥ — do esposo; patnī — a esposa; sahauṭaje – juntamente com a cabana de palha; bahiḥ — de fora; sthitā — situada; patim — ao esposo; sādhvī — a dama casta; tam — este; agnim — fogo; anu vekṣyati — olhando com grande atenção entrará no fogo.

Tradução

Enquanto estiver de fora, observando seu esposo, que se queimará no fogo do poder místico juntamente com sua cabana de palha, sua casta esposa entrará no fogo com absoluta atenção.

Comentário

SIGNIFICADO—Gāndhārī era uma dama casta e ideal, companheira inseparável de seu esposo por toda a vida. Sendo assim, quando viu seu esposo ardendo no fogo do yoga místico, juntamente com sua cabana de palha, ela se desesperou. Ela deixara o lar após perder seus cem filhos e, na floresta, viu que seu amadíssimo esposo também estava ardendo. Agora, ela se sentiria realmente sozinha, daí ter entrado no fogo de seu esposo e o acompanhado em direção à morte. Essa entrada de uma dama casta no fogo do esposo morto chama-se rito satī, e a ação é considerada como a mais perfeita para uma mulher. Num período posterior, o rito satī se tornou um detestável costume criminoso, porque a cerimônia era imposta mesmo a mulheres que não a desejavam. Nesta era caída, não é possível para mulher alguma seguir o rito satī da maneira casta como foi feito por Gāndhārī e outras, em eras passadas. Uma mulher casta como Gāndhārī sentiria a separação do esposo como mais ardente do que o fogo verdadeiro. Uma dama assim pode observar o rito satī voluntariamente, não havendo imposição criminosa por parte de ninguém. Quando o rito se tornou apenas uma formalidade e se aplicava à força a senhoras obrigando-as a seguirem este princípio, realmente tornou-se criminoso, de maneira que a cerimônia teve de ser proibida pela lei do estado. Essa profecia de Nārada Muni a Mahārāja Yudhiṣṭhira o proibia de ir até sua tia enviuvada.

Texto

viduras tu tad āścaryaṁ
niśāmya kuru-nandana
harṣa-śoka-yutas tasmād
gantā tīrtha-niṣevakaḥ

Sinônimos

viduraḥ — Vidura também; tu — mas; tat — aquele incidente; āścaryam — maravilhoso; niśāmya — vendo; kurunandana – ó filho da dinastia Kuru; harṣa — deleite; śoka — pesar; yutaḥ — comovido por; tasmāt — daquele lugar; gantā — se afastará; tīrtha — lugar de peregrinação; niṣevakaḥ — para se animar.

Tradução

Vidura, comovido pelo deleite bem como pelo pesar, deixará, então, aquele lugar de peregrinação sagrada.

Comentário

SIGNIFICADO—Vidura ficou atônito de ver a maravilhosa partida de seu irmão Dhṛtarāṣṭra como um yogī liberado, pois, em sua vida passada, ele fora muito apegado ao materialismo. É claro que foi unicamente devido a Vidura que seu irmão alcançou a desejável meta da vida. Vidura ficou, portanto, satisfeito de saber disso. Porém, estava pesaroso de não ter conseguido fazer de seu irmão um devoto puro. Isso não foi feito por Vidura devido a que Dhṛtarāṣṭra havia sido inimigo dos Pāṇḍavas, que eram todos devotos puros do Senhor. Uma ofensa aos pés de um vaiṣṇava é mais perigosa do que uma ofensa aos pés de lótus do Senhor. Vidura foi certamente liberal em conceder misericórdia a seu irmão Dhṛtarāṣṭra, cuja vida passada fora muito materialista. Mas, em última análise, o resultado de tal misericórdia certamente dependia da vontade do Senhor Supremo na presente vida dele, portanto, Dhṛtarāṣṭra alcançou apenas a liberação, e, após muitos de tais estados liberados de vida, pode-se atingir o estágio de serviço devocional. Vidura certamente ficou muito atormentado diante da morte de seu irmão e de sua cunhada, e o único remédio para mitigar essa lamentação era sair em peregrinação. Desse modo, Mahārāja Yudhiṣṭhira não teve nenhuma chance de chamar de volta Vidura, seu tio sobrevivente.

Texto

ity uktvāthāruhat svargaṁ
nāradaḥ saha-tumburuḥ
yudhiṣṭhiro vacas tasya
hṛdi kṛtvājahāc chucaḥ

Sinônimos

iti — assim; uktvā — tendo interpelado; atha — depois disso; āruhat — ascendeu; svargam — ao espaço exterior; nāradaḥ — o grande sábio Nārada; saha — junto com; tumburuḥ — seu instrumento de cordas; yudhiṣṭhiraḥ — Mahārāja Yudhiṣṭhira; vacaḥ — instruções; tasya — de suas; hṛdi kṛtvā — guardando no coração; ajahāt — abandonou; śucaḥ — todas as lamentações.

Tradução

Tendo falado dessa maneira, o grande sábio Nārada, juntamente com sua vīṇā, ascendeu ao espaço exterior. Yudhiṣṭhira guardou suas instruções em seu coração e, em razão disso, foi capaz de desvencilhar-se de todas as lamentações.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Nāradajī é um eterno homem do espaço, tendo sido dotado de corpo espiritual pela graça do Senhor. Ele pode viajar nos espaços exteriores dos mundos material e espiritual, sem restrições, e pode aproximar-se de qualquer planeta no espaço ilimitado, em questão de segundos. Já discutimos sua vida anterior como o filho de uma criada. Devido à sua associação com devotos puros, ele foi elevado à posição de eterno homem do espaço, tendo, assim, plena liberdade de movimento. Deve-se, portanto, tentar seguir os passos de Nārada Muni, e não fazer um esforço infrutífero para se alcançar outros planetas através de meios mecânicos. Mahārāja Yudhiṣṭhira era um rei piedoso, de forma que podia, de vez em quando, ver Nārada Muni. Qualquer pessoa que deseje ver Nārada Muni deve, primeiramente, ser piedosa e seguir os passos de Nārada Muni.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do primeiro canto, décimo terceiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Dhṛtarāṣṭra Deixa o Lar”.