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Capítulo Dezoito

Mahārāja Parīkṣit é Amaldiçoado por um Menino Brāhmaṇa

Texto

sūta uvāca
yo vai drauṇy-astra-vipluṣṭo
na mātur udare mṛtaḥ
anugrahād bhagavataḥ
kṛṣṇasyādbhuta-karmaṇaḥ

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Śrī Sūta Gosvāmī disse; yaḥ — aquele que; vai — certamente; drauṇiastra – pela arma do filho de Droṇa; vipluṣṭaḥ — queimado por; na — nunca; mātuḥ — da mãe; udare — no ventre; mṛtaḥ — encontrou sua morte; anugrahāt — pela misericórdia; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; kṛṣṇasya — Kṛṣṇa; adbhuta-karmaṇaḥ — que age maravilhosamente.

Tradução

Śrī Sūta Gosvāmī disse: Devido à misericórdia da Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, que age maravilhosamente, Mahārāja Parīkṣit, embora atacado pela arma do filho de Droṇa no ventre de sua mãe, não pôde ser queimado.

Comentário

SIGNIFICADOOs sábios de Naimiṣāraṇya ficaram admirados após ouvir sobre a maravilhosa administração de Mahārāja Parīkṣit, especialmente no tocante à punição contra a personalidade de Kali e a seu ato de fazê-lo completamente incapaz de causar qualquer mal dentro do reino. Sūta Gosvāmī estava igualmente ansioso por descrever o nascimento e a morte maravilhosos de Mahārāja Parīkṣit, e esse verso é enunciado por Sūta Gosvāmī para aumentar o interesse dos sábios de Naimiṣāraṇya.

Texto

brahma-kopotthitād yas tu
takṣakāt prāṇa-viplavāt
na sammumohorubhayād
bhagavaty arpitāśayaḥ

Sinônimos

brahma-kopa — fúria de um brāhmaṇa; utthitāt — causada por; yaḥ — que era; tu — mas; takṣakāt — pela serpente alada; prāṇaviplavāt – da dissolução da vida; na — nunca; sammumoha — estava dominado; uru-bhayāt — grande medo; bhagavati — à Personalidade de Deus; arpita — rendido; āśayaḥ — consciência.

Tradução

Além disso, Mahārāja Parīkṣit estava sempre conscientemente rendido à Personalidade de Deus e, portanto, não ficava temeroso nem dominado pelo medo devido à serpente alada que iria picá-lo devido à fúria de um menino brāhmaṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Um devoto rendido do Senhor chama-se nārāyaṇa-parāyaṇa. Uma pessoa assim nunca teme qualquer lugar ou pessoa, nem mesmo a morte. Para ele, nada é tão importante como o Senhor Supremo, e, assim, ele dá igual importância ao céu e ao inferno. Ele sabe bem que tanto o céu quanto o inferno são criações do Senhor, e, da mesma forma, a vida e a morte são diferentes condições de existência criadas pelo Senhor. Porém, em todas as condições e em todas as circunstâncias, a lembrança de Nārāyaṇa é essencial. O nārāyaṇa-parāyaṇa pratica isso constantemente. Mahārāja Parīkṣit era um desses devotos puros. Ele foi erroneamente amaldiçoado por um filho inexperiente de brāhmaṇa, que estava sob a influência de Kali, e Mahārāja Parīkṣit tomou isso como sendo enviado por Nārāyaṇa. Ele sabia que Nārāyaṇa (o Senhor Kṛṣṇa) o salvara quando ele estava sendo queimado no ventre de sua mãe, e, se ele tivesse que ser morto por uma picada de serpente, isso ocorreria certamente pela vontade do Senhor. O devoto nunca se opõe à vontade do Senhor; qualquer coisa enviada por Deus é uma bênção para o devoto. Assim sendo, Mahārāja Parīkṣit não temia essas coisas, tampouco elas o confundiam. Esse é o sinal de um devoto puro do Senhor.

Texto

utsṛjya sarvataḥ saṅgaṁ
vijñātājita-saṁsthitiḥ
vaiyāsaker jahau śiṣyo
gaṅgāyāṁ svaṁ kalevaram

Sinônimos

utsṛjya — após deixar de lado; sarvataḥ — tudo em volta; saṅgam — associação; vijñāta — tendo entendido; ajita — aquele que nunca é conquistado (a Personalidade de Deus); saṁsthitiḥ — posição verdadeira; vaiyāsakeḥ — ao filho de Vyāsa; jahau — abandonou; śiṣyaḥ — como discípulo; gaṅgāyām — às margens do Ganges; svam — seu próprio; kalevaram — corpo material.

Tradução

Além disso, após deixar todos os seus associados, o rei se rendeu como discípulo ao filho de Vyāsa [Śukadeva Gosvāmī] e, desse modo, foi capaz de entender a verdadeira posição da Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, a palavra ajita é significativa. A Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, é conhecido como Ajita, ou inconquistável, e Ele é assim sob todos os aspectos. Ninguém pode conhecer Sua verdadeira posição. Ele também é inconquistável pelo conhecimento. Temos ouvido sobre Seu dhāma, ou lugar, o eterno Goloka Vṛndāvana, mas há muitos eruditos que interpretam essa morada de diferentes maneiras. Porém, pela graça de um mestre espiritual como Śukadeva Gosvāmī, a quem o rei se entregou como o mais humilde discípulo, somos capazes de entender a verdadeira posição do Senhor, Sua morada eterna e Sua parafernália transcendental naquele dhāma, ou morada. Conhecendo a posição transcendental do Senhor e o método transcendental pelo qual uma pessoa pode aproximar-se desse dhāma transcendental, o rei estava confiante sobre seu destino final e, por saber disso, conseguiu deixar de lado todas as coisas materiais, mesmo seu próprio corpo, sem qualquer dificuldade de apego. Na Bhagavad-gītā, afirma-se que paraṁ dṛṣṭvā nivartate: Uma pessoa pode abandonar toda ligação com o apego material quando é capaz de ver o param, ou a qualidade superior das coisas. A partir da Bhagavad-gītā, compreendemos a qualidade da energia do Senhor que é superior à qualidade material de energia, e, pela graça de um mestre espiritual autêntico, como Śukadeva Gosvāmī, é completamente possível conhecer tudo sobre a energia superior do Senhor, pela qual o Senhor manifesta Seu nome eterno, qualidades, passatempos, parafernália e variedades. A menos que se entenda totalmente essa energia superior ou eterna do Senhor, não é possível deixar a energia material, por mais que se especule teoricamente sobre a verdadeira natureza da Verdade Absoluta. Pela graça do Senhor Kṛṣṇa, Mahārāja Parīkṣit foi capaz de receber a misericórdia de uma personalidade como Śukadeva Gosvāmī e, assim, pôde conhecer a verdadeira posição do Senhor inconquistável. É muito difícil encontrar o Senhor a partir das literaturas védicas, mas é muito fácil conhecê-lO mediante a misericórdia de um devoto liberado como Śukadeva Gosvāmī.

Texto

nottamaśloka-vārtānāṁ
juṣatāṁ tat-kathāmṛtam
syāt sambhramo ’nta-kāle ’pi
smaratāṁ tat-padāmbujam

Sinônimos

na — nunca; uttama-śloka — a Personalidade de Deus, a quem os hinos védicos celebram; vārtānām — daqueles que vivem deles; juṣatām — daqueles que estão ocupados em; tat — Seus; kathā-amṛtam — tópicos transcendentais sobre Ele; syāt — assim acontece; sambhramaḥ — concepção errônea; anta — no fim; kāle — a tempo; api — também; smaratām — lembrando-se; tat — Seus; pada-ambujam — pés de lótus.

Tradução

Isso sucedeu porque aqueles que dedicam suas vidas aos tópicos transcendentais da Personalidade de Deus, sobre quem cantam os hinos védicos, e que estão constantemente ocupados em lembrar-se dos pés de lótus do Senhor, não correm o risco de ter concepções errôneas mesmo no momento final de suas vidas.

Comentário

SIGNIFICADO—A perfeição máxima da vida é alcançada ao se lembrar da natureza transcendental do Senhor no momento final de nossa vida. Essa perfeição da vida torna-se possível para alguém que tenha aprendido a verdadeira natureza transcendental do Senhor a partir dos hinos védicos cantados por uma alma liberada como Śukadeva Gosvāmī ou por alguém nessa linha de sucessão discipular. Não há benefício em ouvir os hinos védicos de algum especulador mental. Quando os mesmos são ouvidos de uma verdadeira alma autorrealizada e são adequadamente entendidos pelo serviço e submissão, tudo se torna claro e evidente. Assim, um discípulo submisso é capaz de viver transcendentalmente e continuar assim até o fim da vida. Através da adaptação científica, uma pessoa é capaz de lembrar-se do Senhor mesmo no fim da vida, quando o poder de lembrança se afrouxa devido à desorganização das membranas corpóreas. Para um homem comum, é muito difícil lembrar-se das coisas como elas são no momento da morte, mas, pela graça do Senhor e de Seus devotos fidedignos, os mestres espirituais, podemos obter essa oportunidade sem dificuldade. E foi isso o que aconteceu no caso de Mahārāja Parīkṣit.

Texto

tāvat kalir na prabhavet
praviṣṭo ’pīha sarvataḥ
yāvad īśo mahān urvyām
ābhimanyava eka-rāṭ

Sinônimos

tāvat — enquanto; kaliḥ — a personalidade de Kali; na — não pode; prabhavet — prosperar; praviṣṭaḥ — penetrado; api — muito embora; iha — aqui; sarvataḥ — em toda parte; yāvat — enquanto; īśaḥ — o senhor; mahān — grande; urvyām — poderoso; ābhimanyavaḥ — o filho de Abhimanyu; eka-rāṭ — o único imperador.

Tradução

Enquanto o grande e poderoso filho de Abhimanyu permanecer como imperador do mundo, não haverá possibilidade de que a personalidade de Kali floresça.

Comentário

SIGNIFICADO—Como já explicamos, a personalidade de Kali havia entrado na jurisdição desta Terra há muito tempo, e estava procurando uma oportunidade de espalhar sua influência por todo o mundo. Ele, entretanto, não podia fazer isso satisfatoriamente, devido à presença de Mahārāja Parīkṣit. Assim funciona um bom governo. Os elementos perturbadores, como a personalidade de Kali, tentarão sempre estender suas atividades nefastas, mas é dever do estado idôneo impedi-los por todos os meios. Embora Mahārāja Parīkṣit atribuísse lugares para a personalidade de Kali, ao mesmo tempo ele não deu nenhuma oportunidade à personalidade de Kali de desencaminhar os cidadãos.

Texto

yasminn ahani yarhy eva
bhagavān utsasarja gām
tadaivehānuvṛtto ’sāv
adharma-prabhavaḥ kaliḥ

Sinônimos

yasmin — naquele; ahani — mesmo dia; yarhi eva — no mesmo momento; bhagavān — a Personalidade de Deus; utsasarja — deixou de lado; gām — a Terra; tadā — naquele momento; eva — certamente; iha — neste mundo; anuvṛttaḥ — seguiu; asau — ele; adharma — irreligião; prabhavaḥ — acelerando; kaliḥ — a personalidade da desavença.

Tradução

No mesmo dia e momento em que a Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, deixou esta Terra, a personalidade de Kali, que promove todos os tipos de atividades irreligiosas, veio a este mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—A Personalidade de Deus e Seu santo nome, qualidades etc. são todos idênticos. A personalidade de Kali não era capaz de entrar na jurisdição da Terra devido à presença da Personalidade de Deus. E, da mesma forma, se há um arranjo para o constante cantar dos santos nomes, qualidades, etc. da Suprema Personalidade de Deus, não há absolutamente nenhuma possibilidade de a personalidade de Kali entrar. Esta é a técnica para se expulsar a personalidade de Kali do mundo. Na sociedade humana modernizada, há grandes avanços na ciência material, como o invento do rádio para propagar o som no ar. Assim, ao invés de vibrar algum som maçante para o gozo dos sentidos, se o estado providenciasse a distribuição do som transcendental fazendo ressoar o santo nome, a fama e as atividades do Senhor, como são autorizados na Bhagavad-gītā ou no Śrīmad-Bhāgavatam, seria criada, então, uma condição favorável, e os princípios da religião seriam restabelecidos no mundo, e, assim, os líderes executivos, que estão muito ansiosos por expulsar a corrupção do mundo, seriam exitosos. Nada é mau se usado adequadamente para o serviço ao Senhor.

Texto

nānudveṣṭi kaliṁ samrāṭ
sāraṅga iva sāra-bhuk
kuśalāny āśu siddhyanti
netarāṇi kṛtāni yat

Sinônimos

na — nunca; anudveṣṭi — invejoso; kalim — da personalidade de Kali; samrāṭ — o imperador; sāram-ga — realista, como as abelhas; iva — como; sāra-bhuk — aquele que aceita a substância; kuśalāni — objetos auspiciosos; āśu — imediatamente; siddhyanti — tornam-se bem-sucedidos; na — nunca; itarāṇi — que são inauspiciosos; kṛtāni — sendo executados; yat — tanto quanto.

Tradução

Mahārāja Parīkṣit era um realista, assim como as abelhas que aceitam somente a essência [de uma flor]. Ele sabia perfeitamente bem que, nesta era de Kali, as coisas auspiciosas produzem bons efeitos imediatamente, ao passo que os atos inauspiciosos têm que ser realmente executados [para surtirem efeito]. Assim, ele nunca teve inveja da personalidade de Kali.

Comentário

SIGNIFICADO—A era de Kali é chamada de era caída. Nesta era caída, porque os seres vivos estão numa posição incômoda, o Senhor Supremo lhes dá algumas facilidades especiais. Assim, pela vontade do Senhor, um ser vivo não se torna vítima de um ato pecaminoso até que o ato seja realmente executado. Em outras eras, simplesmente por pensar em executar um ato pecaminoso, uma pessoa se tornava vítima do ato. Pelo contrário, um ser vivo, nesta era, recebe os resultados de atos piedosos simplesmente por pensar neles. Mahārāja Parīkṣit, sendo o rei mais erudito e experiente, pela graça do Senhor, não era desnecessariamente invejoso da personalidade de Kali porque ele não pretendia dar-lhe nenhuma oportunidade para executar qualquer ato pecaminoso. Ele protegeu seus súditos de caírem vítimas dos atos pecaminosos da era de Kali e, ao mesmo tempo, deu plena facilidade para a era de Kali, ao lhe designar alguns lugares específicos. No final do Śrīmad-Bhāgavatam, afirma-se que, muito embora todas as atividades nefastas da personalidade de Kali estejam presentes, há uma grande vantagem na era de Kali. Podemos alcançar a salvação simplesmente cantando o santo nome do Senhor. Desse modo, Mahārāja Parīkṣit fez um esforço organizado para propagar o canto do santo nome do Senhor e, assim, ele salvou os cidadãos das garras de Kali. É unicamente devido a essa vantagem que grandes sábios às vezes desejam todo o bem para a era de Kali. Nos Vedas, também se diz que, através de conversas sobre as atividades do Senhor Kṛṣṇa, podemos livrar-nos de todas as desvantagens da era de Kali. No início do Śrīmad-Bhāgavatam, também se diz que, pela recitação do Śrīmad-Bhāgavatam, o Senhor Supremo torna-Se imediatamente cativado dentro de nosso coração. Essas são algumas das grandes vantagens da era de Kali, e Mahārāja Parīkṣit aproveitou todas as vantagens e, sendo fiel a seu culto vaiṣṇavite, não cogitou nenhum mal contra a era de Kali.

Texto

kiṁ nu bāleṣu śūreṇa
kalinā dhīra-bhīruṇā
apramattaḥ pramatteṣu
yo vṛko nṛṣu vartate

Sinônimos

kim — que; nu — pode ser; bāleṣu — entre as pessoas menos inteligentes; śūreṇa — pela poderosa; kalinā — pela personalidade de Kali; dhīra — autocontrolados; bhīruṇā — por alguém que tem medo de; apramattaḥ — aquele que é zeloso; pramatteṣu — entre os descuidados; yaḥ — aquele que; vṛkaḥ — tigre; nṛṣu — entre os homens; vartate — existe.

Tradução

Mahārāja Parīkṣit considerou que os homens menos inteligentes poderiam julgar a personalidade de Kali muito poderosa, mas que aqueles que fossem autocontrolados nada teriam a temer. O rei era poderoso como um tigre e zelava pelas pessoas tolas e descuidadas.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqueles que não são devotos do Senhor são descuidados e sem inteligência. A menos que a pessoa seja totalmente inteligente, ela não pode ser um devoto do Senhor. Aqueles que não são devotos do Senhor tornam-se vítimas das ações de Kali. Não será possível criar uma condição sadia na sociedade a menos que estejamos preparados para aceitar os modos de ação adotados por Mahārāja Parīkṣit, isto é, a propagação do serviço devocional ao Senhor para o homem comum.

Texto

upavarṇitam etad vaḥ
puṇyaṁ pārīkṣitaṁ mayā
vāsudeva-kathopetam
ākhyānaṁ yad apṛcchata

Sinônimos

upavarṇitam — quase tudo descrito; etat — todas essas; vaḥ — a vós; puṇyam — piedoso; pārīkṣitam — sobre Mahārāja Parīkṣit; mayā — por mim; vāsudeva — do Senhor Kṛṣṇa; kathā — narrações; upetam — em relação com; ākhyānam — afirmações; yat — que; apṛcchata — vós me perguntastes.

Tradução

Ó sábios, conforme vós me perguntastes, agora já descrevi quase tudo a respeito das narrações sobre o Senhor Kṛṣṇa no tocante à história do piedoso Mahārāja Parīkṣit.

Comentário

SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam é a história das atividades do Senhor. E as atividades do Senhor são realizadas em relação com os devotos do Senhor. Portanto, a história dos devotos não é diferente da história das atividades do Senhor Kṛṣṇa. Um devoto do Senhor considera em nível de igualdade tanto as atividades do Senhor quanto as de Seus devotos puros, pois todas elas são transcendentais.

Texto

yā yāḥ kathā bhagavataḥ
kathanīyoru-karmaṇaḥ
guṇa-karmāśrayāḥ pumbhiḥ
saṁsevyās tā bubhūṣubhiḥ

Sinônimos

yāḥ — tudo o que; yāḥ — e qualquer coisa que; kathāḥ — tópicos; bhagavataḥ — sobre a Personalidade de Deus; kathanīya — deviam ser falados por mim; uru-karmaṇaḥ — dEle, que age maravilhosamente; guṇa — qualidades transcendentais; karma — feitos incomuns; āśrayāḥ — envolvendo; pumbhiḥ — pelas pessoas; saṁsevyāḥ — que se deve ouvir; tāḥ — todas elas; bubhūṣubhiḥ — por aqueles que desejam seu próprio bem-estar.

Tradução

Aqueles que têm o desejo de alcançar a completa perfeição na vida devem ouvir submissamente todos os tópicos que estão vinculados com as atividades e qualidades transcendentais da Personalidade de Deus, que age maravilhosamente.

Comentário

SIGNIFICADO—A audição sistemática das atividades, qualidades e nomes transcendentais do Senhor Śrī Kṛṣṇa nos impulsiona rumo à vida eterna. Audição sistemática significa conhecê-lO gradualmente, de verdade e de fato, e esse ato de conhecê-lO de verdade e de fato significa atingir a vida eterna, como se afirma na Bhagavad-gītā. Essas atividades transcendentais e gloriosas do Senhor Śrī Kṛṣṇa são o remédio prescrito para neutralizar o processo de nascimento, morte, velhice e doença, que são considerados como as recompensas materiais para o ser vivo condicionado. A culminação desse estado perfectivo de vida é a meta da vida humana e a obtenção da bem-aventurança transcendental.

Texto

ṛṣaya ūcuḥ
sūta jīva samāḥ saumya
śāśvatīr viśadaṁ yaśaḥ
yas tvaṁ śaṁsasi kṛṣṇasya
martyānām amṛtaṁ hi naḥ

Sinônimos

ṛṣayaḥ ūcuḥ — os bons sábios disseram; sūta — ó Sūta Gosvāmī; jīva — desejamos que vivas por; samāḥ — muitos anos; saumya — grave; śāśvatīḥ — eterna; viśadam — particularmente; yaśaḥ — em fama; yaḥ tvam — porque tu; śaṁsasi — falando muito bem; kṛṣṇasya — do Senhor Śrī Kṛṣṇa; martyānām — daqueles que morrem; amṛtam — eternidade de vida; hi — certamente; naḥ — nossa.

Tradução

Os bons sábios disseram: Ó grave Sūta Gosvāmī! Que vivas muitos anos e tenhas fama eterna, pois estás falando muito bem sobre as atividades do Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus. Para seres mortais como nós, isso é exatamente como néctar.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando ouvimos sobre as qualidades e atividades transcendentais da Personalidade de Deus, podemos sempre lembrar o que o próprio Senhor fala na Bhagavad-gītā (4.9). Seus atos, mesmo quando Ele age na sociedade humana, são todos transcendentais, pois eles são todos acentuados pela energia espiritual do Senhor, que é distinta de Sua energia material. Como se afirma na Bhagavad-gītā, tais atos se chamam divyam. Isso significa que Ele não age nem nasce como um ser vivo comum sob a custódia da energia material. Tampouco Seu corpo é material ou mutável como os dos seres vivos comuns. E aquele que entende este fato, seja da parte do Senhor, seja das fontes autorizadas, não renasce após deixar o atual corpo material. Uma alma assim iluminada é admitida no reino espiritual do Senhor e ocupa-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Portanto, quanto mais ouvimos sobre as atividades transcendentais do Senhor, como são narradas na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam, tanto mais podemos conhecer Sua natureza transcendental e assim fazer progresso definitivo no caminho de volta ao Supremo.

Texto

karmaṇy asminn anāśvāse
dhūma-dhūmrātmanāṁ bhavān
āpāyayati govinda-
pāda-padmāsavaṁ madhu

Sinônimos

karmaṇi — realização de; asmin — nesta; anāśvāse — sem certeza; dhūma — fumaça; dhūmra-ātmanām — corpo e mente manchados; bhavān — Vossa Graça; āpāyayati — muito satisfatórios; govinda — a Personalidade de Deus; pāda — pés; padma-āsavam — néctar da flor de lótus; madhu — mel.

Tradução

Acabamos de dar início à realização desta atividade fruitiva, um fogo sacrificatório, sem ter certeza sobre seus resultados, devido às muitas imperfeições de nossa ação. Nossos corpos enegreceram-se por causa da fumaça, mas estamos realmente satisfeitos com o néctar dos pés de lótus da Personalidade de Deus, Govinda, que tu estás distribuindo.

Comentário

SIGNIFICADO—O fogo sacrificatório aceso pelos sábios de Naimiṣāraṇya estava certamente cheio de fumaça e de dúvidas por causa de muitas falhas. A primeira falha é que há aguda escassez de brāhmaṇas capazes de executar tais realizações exitosamente nesta era de Kali. Qualquer discrepância em tais sacrifícios estraga todo o desempenho, e o resultado é incerto, assim como se dá nos empreendimentos agrícolas. O bom resultado ao lavrar o campo de arroz depende da chuva providencial, de modo que o resultado é incerto. Analogamente, a realização de qualquer tipo de sacrifício nesta era de Kali é incerta. Brāhmaṇas cobiçosos e inescrupulosos da era de Kali induzem o público inocente a esses espetáculos sacrificatórios incertos, sem revelar o preceito escritural de que, na era de Kali, não há outra realização sacrificatória frutífera senão o sacrifício do canto congregacional do santo nome do Senhor. Sūta Gosvāmī estava narrando as atividades transcendentais do Senhor diante da congregação de sábios, e eles estavam realmente percebendo o resultado de ouvir essas atividades transcendentais. Podemos sentir isso na prática, assim como podemos sentir o resultado de comer alimentos. A compreensão espiritual atua dessa maneira.

Os sábios de Naimiṣāraṇya estavam sofrendo na prática por causa da fumaça de um fogo sacrificatório e tinham dúvidas sobre o resultado, mas, por ouvirem da parte de uma pessoa realizada como Sūta Gosvāmī, eles estavam plenamente satisfeitos. No Brahma-vaivarta Purāṇa, Viṣṇu diz a Śiva que, na era de Kali, os homens cheios de ansiedades de várias espécies podem esforçar-se em vão nas atividades fruitivas e especulações filosóficas, mas, quando eles se ocupam em serviço devocional, o resultado é certo e seguro, e não há perda de energia. Em outras palavras, coisa alguma realizada para a compreensão espiritual ou para o benefício material pode ser bem-sucedida sem o serviço devocional ao Senhor.

Texto

tulayāma lavenāpi
na svargaṁ nāpunar-bhavam
bhagavat-saṅgi-saṅgasya
martyānāṁ kim utāśiṣaḥ

Sinônimos

tulayāma — ser comparado a; lavena — por um momento; api — mesmo; na — nunca; svargam — planetas celestiais; na — nem; apunaḥ-bhavam — liberação da matéria; bhagavat-saṅgi — devoto do Senhor; saṅgasya — da associação; martyānām — aqueles cujo destino é a morte; kim — o que há; uta — para não falar de; āśiṣaḥ — bênção mundana.

Tradução

O valor de um momento de associação com o devoto do Senhor não pode nem mesmo ser comparado a alcançar os planetas celestiais ou à liberação da matéria, para não falar das bênçãos mundanas sob a forma de prosperidade material, que se destinam àqueles cujo destino é a morte.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando há alguns pontos semelhantes, é possível comparar uma coisa com outra. Não podemos comparar a associação de um devoto puro com nada material. Os homens que se entregam à felicidade material aspiram a alcançar os planetas celestiais como a Lua, Vênus e lndraloka, e aqueles que são avançados em especulações filosóficas materiais aspiram à liberação de todo o cativeiro material. Quando alguém se torna frustrado com todas as espécies de avanço material, ele deseja o tipo oposto de liberação, que se chama apunar-bhava, ou seja, não renascimento. Mas os devotos puros do Senhor não aspiram à felicidade obtida no reino celestial, nem aspiram à liberação do cativeiro material. Em outras palavras, para os devotos puros do Senhor, os prazeres materiais obteníveis nos planetas celestiais são como fantasmagoria, e porque já são liberados de todas as concepções materiais de prazer e aflição, eles são realmente liberados mesmo no mundo material. Isso significa que os devotos puros do Senhor estão situados numa existência transcendental, ou seja, no serviço amoroso ao Senhor, tanto no mundo material quanto no mundo espiritual. Assim como um servidor do governo é sempre o mesmo, seja no escritório, seja em casa, ou em qualquer lugar, da mesma forma um devoto nada tem a ver com nenhuma coisa material, pois ele está ocupado exclusivamente no transcendental serviço ao Senhor. Uma vez que ele nada tem a ver com nenhuma coisa material, que prazer ele pode obter de bênçãos materiais, como reinados ou outras soberanias, que acabam rapidamente com o fim do corpo? O serviço devocional é eterno; ele não tem fim, porque é espiritual. Portanto, uma vez que os bens de um devoto puro são completamente diferentes dos bens materiais, não há termos de comparação entre os dois. Sūta Gosvāmī era um devoto puro do Senhor, de modo que sua associação com os ṛṣis em Naimiṣāraṇya é única. No mundo material, a associação com materialistas grosseiros é verdadeiramente condenada. O materialista é denominado yoṣit-saṅgī, ou aquele que é muito apegado ao emaranhamento material (mulheres e outras parafernálias). Tal apego é condicionante porque afasta das bênçãos da vida e da prosperidade. E justamente o oposto é o bhāgavata-saṅgī, ou aquele que está sempre em contato com o nome, forma, qualidades etc. do Senhor. Essa associação é sempre desejável; ela é adorável, louvável, e podemos aceitá-la como a meta máxima da vida.

Texto

ko nāma tṛpyed rasavit kathāyāṁ
mahattamaikānta-parāyaṇasya
nāntaṁ guṇānām aguṇasya jagmur
yogeśvarā ye bhava-pādma-mukhyāḥ

Sinônimos

kaḥ — quem é ele; nāma — especificamente; tṛpyet — obtém plena satisfação; rasa-vit — hábil em saborear néctar doce; kathāyām — nos tópicos de; mahat-tama — o maior entre os seres vivos; ekānta — exclusivamente; parāyaṇasya — daquele que é o abrigo de; na — nunca; antam — fim; guṇānām — dos atributos; aguṇasya — da Transcendência; jagmuḥ — puderam verificar; yoga-iśvarāḥ — os senhores de poderes místicos; ye — todos eles; bhava — senhor Śiva; pādma — senhor Brahmā; mukhyāḥ — cabeças.

Tradução

A Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa [Govinda], é o abrigo exclusivo para todos os grandes seres vivos, e Seus atributos transcendentais não podem sequer ser medidos por senhores de poderes místicos, tais como o senhor Śiva e o senhor Brahmā. Alguém hábil em saborear o néctar [rasa] poderia, algum dia, saciar-se plenamente ouvindo tópicos sobre Ele?

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Śiva e o senhor Brahmā são dois líderes dos semideuses. Eles são cheios de poderes místicos. Por exemplo, o senhor Śiva bebeu um oceano de veneno do qual uma só gota era suficiente para matar um ser vivo comum. De forma semelhante, Brahmā pôde criar muitos semideuses poderosos, incluindo o senhor Śiva. Assim, eles são īśvaras, ou senhores do universo. Entretanto, eles não são o poderoso supremo. O poderoso supremo é Govinda, o Senhor Kṛṣṇa. Ele é a Transcendência, e Seus atributos transcendentais não podem ser medidos nem mesmo por īśvaras poderosos como Śiva e Brahmā. Portanto, o Senhor Kṛṣṇa é o abrigo exclusivo dos maiores dentre todos os seres vivos. Brahmā está incluído entre os seres vivos, mas ele é maior do que todos nós. E por que o maior de todos os seres vivos é tão apegado aos tópicos transcendentais do Senhor Kṛṣṇa? Porque Ele é o reservatório de todo o desfrute. Todos desejam desfrutar de algum tipo de sabor em tudo, mas aquele que está ocupado no transcendental serviço amoroso ao Senhor pode obter prazer ilimitado dessa ocupação. O Senhor é ilimitado, e Seu nome, atributos, passatempos, séquito, variedades etc. são ilimitados, e aqueles que os saboreiam podem fazê-lo ilimitadamente e, ainda assim, não se sentirem saciados. Esse fato é confirmado no Padma Purāṇa:

ramante yogino ’nante
satyānanda-cid-ātmani
iti rāma-padenāsau
paraṁ brahmābhidhīyate

“Os místicos obtêm ilimitados prazeres transcendentais da Verdade Absoluta, e, portanto, a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, também é conhecida como Rāma.”

Não há fim para tais discursos transcendentais. Nos afazeres mundanos, existe a lei da saciedade, mas, na transcendência, essa saciedade não existe. Sūta Gosvāmī desejava continuar os tópicos sobre o Senhor Kṛṣṇa diante dos sábios de Naimiṣāraṇya, e os sábios também expressaram sua prontidão em continuar a ouvi-los da parte dele. Uma vez que o Senhor é transcendência e Seus atributos são transcendentais, esses discursos aumentam o espírito receptivo da audiência purificada.

Texto

tan no bhavān vai bhagavat-pradhāno
mahattamaikānta-parāyaṇasya
harer udāraṁ caritaṁ viśuddhaṁ
śuśrūṣatāṁ no vitanotu vidvan

Sinônimos

tat — portanto; naḥ — de nós; bhavān — Vossa Graça; vai — certamente; bhagavat — em relação com a Personalidade de Deus; pradhānaḥ — principalmente; mahat-tama — o maior de todos os grandes; ekānta — exclusivamente; parāyaṇasya — do abrigo; hareḥ — do Senhor; udāram — imparcial; caritam — atividades; viśuddham — transcendentais; śuśrūṣatām — aqueles que são receptivos; naḥ — nós; vitanotu — por favor, descreve; vidvan — ó erudito.

Tradução

Ó Sūta Gosvāmī, tu és um erudito e devoto puro do Senhor, pois a Personalidade de Deus é teu principal objeto de serviço. Portanto, descreve-nos, por favor, os passatempos do Senhor, que estão acima de toda a concepção material, porque estamos ansiosos por receber tais mensagens.

Comentário

SIGNIFICADO—O orador das atividades transcendentais do Senhor deve ter somente um objeto de adoração e serviço, o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. E a audiência para tais tópicos deve estar ansiosa por ouvir sobre Ele. Quando essa combinação é possível, ou seja, um orador qualificado e uma audiência qualificada, aí, então, é muito apropriado continuar a discorrer sobre a Transcendência. Os oradores profissionais e a audiência materialmente absorta não podem obter benefício real de tais discursos. Os oradores profissionais fazem um espetáculo de bhāgavata-saptāha com o propósito de manter a família, e a audiência materialmente disposta ouve esses discursos de bhāgavata-saptāha para algum benefício material, a saber, religiosidade, riqueza, gozo dos sentidos ou liberação. Tais discursos sobre o Bhāgavatam não são purificados da contaminação das qualidades materiais. Contudo, os discursos entre os santos de Naimiṣāraṇya e Śrī Sūta Gosvāmī estão no nível transcendental. Não há motivação de ganho material. Em tais discursos, tanto a audiência quanto o orador saboreiam ilimitado prazer transcendental e, portanto, podem continuar os tópicos por muitos milhares de anos. Os bhāgavata-saptāhas, porém, são mantidos por apenas sete dias, e, depois de terminado o espetáculo, tanto a audiência quanto o orador ocupam-se em atividades materiais, como de costume. Eles podem fazê-lo porque, como se explicou acima, o orador não é bhagavat-pradhāna e a audiência não é śuśrūṣatām.

Texto

sa vai mahā-bhāgavataḥ parīkṣid
yenāpavargākhyam adabhra-buddhiḥ
jñānena vaiyāsaki-śabditena
bheje khagendra-dhvaja-pāda-mūlam

Sinônimos

saḥ — ele; vai — certamente; mahā-bhāgavataḥ — devoto de primeira classe; parīkṣit — o rei; yena — pelos quais; apavarga-ākhyam — em nome da liberação; adabhra — fixa; buddhiḥ — inteligência; jñānena — pelo conhecimento; vaiyāsaki — o filho de Vyāsa; śabditena — vibrados por; bheje — transmitidos a; khaga-indra — Garuḍa, o rei dos pássaros; dhvaja — bandeira; pāda-mūlam — solas dos pés.

Tradução

Ó Sūta Gosvāmī, por favor, descreve esses tópicos sobre o Senhor pelos quais Mahārāja Parīkṣit, cuja inteligência estava fixa na liberação, alcançou os pés de lótus do Senhor, que é o abrigo de Garuḍa, o rei dos pássaros. Aqueles tópicos foram vibrados pelo filho de Vyāsa [Śrīla Śukadeva].

Comentário

SIGNIFICADO—Há certa controvérsia entre os estudantes no caminho da liberação. Tais estudantes transcendentais são conhecidos como impersonalistas e devotos do Senhor. O devoto do Senhor adora a forma transcendental do Senhor, ao passo que o impersonalista medita na refulgência deslumbrante, ou os raios corpóreos do Senhor, conhecidos como brahmajyoti. Aqui neste verso, declara-se que Mahārāja Parīkṣit alcançou os pés de lótus do Senhor pelas instruções de conhecimento transmitidas pelo filho de Vyāsadeva, Śrīla Śukadeva Gosvāmī. No começo, Śukadeva Gosvāmī também era impersonalista, como ele próprio admite no Bhāgavatam (2.1.9), mas, posteriormente, ele se atraiu pelos passatempos transcendentais do Senhor e, assim, tornou-se um devoto. Tais devotos com conhecimento perfeito chamam-se mahā-bhāgavatas, ou devotos de primeira classe. Há três classes de devotos, a saber, o prākṛta, o madhyama e o mahā-bhāgavata. Os prākṛtas, ou devotos de terceira classe, são adoradores de templo, sem conhecimento específico do Senhor e dos devotos do Senhor. O madhyama, ou o devoto de segunda classe, conhece bem o Senhor, os devotos do Senhor, os neófitos e também os não-devotos. Mas o mahā-bhāgavata, ou o devoto de primeira classe, vê tudo em relação com o Senhor, e o Senhor presente em relação a todos. Portanto, o mahā-bhāgavata não faz nenhuma distinção, particularmente entre um devoto e um não devoto. Mahārāja Parīkṣit era um desses devotos mahā-bhāgavatas porque foi iniciado por um devoto mahā-bhāgavata, Śukadeva Gosvāmī. Ele era igualmente bondoso mesmo com a personalidade de Kali, para não falar de outros.

Assim, há muitos exemplos nas histórias transcendentais do mundo de impersonalistas que, mais tarde, convertem-se em devotos. Contudo, jamais houve o caso de algum devoto se converter em impersonalista. Esse próprio fato prova que, na escada transcendental, o degrau ocupado por um devoto é superior ao degrau ocupado por um impersonalista. Também se afirma na Bhagavad-gītā (12.5) que as pessoas aferradas ao caminho impessoal se submetem a mais sofrimentos do que obtenção da realidade. Portanto, o conhecimento transmitido por Śukadeva Gosvāmī a Mahārāja Parīkṣit o ajudou a alcançar o serviço ao Senhor. E esse estágio de perfeição chama-se apavarga, ou o estágio perfeito de liberação. O mero conhecimento da liberação é um conhecimento material. A verdadeira liberdade do cativeiro material chama-se liberação, mas a consecução do transcendental serviço ao Senhor chama-se o estágio perfeito de liberação. Esse estágio é alcançado através do conhecimento e da renúncia, como já explicamos (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.12), e o conhecimento perfeito, da maneira como foi transmitido por Śrīla Śukadeva Gosvāmī, resulta na obtenção do transcendental serviço ao Senhor.

Texto

tan naḥ paraṁ puṇyam asaṁvṛtārtham
ākhyānam atyadbhuta-yoga-niṣṭham
ākhyāhy anantācaritopapannaṁ
pārīkṣitaṁ bhāgavatābhirāmam

Sinônimos

tat — portanto; naḥ — a nós; param — supremas; puṇyam — purificantes: asaṁvtaartham – como é; ākhyānam — narração; ati — muito; adbhuta — maravilhosas; yoganiṣṭham – repletas de bhakti-yoga; ākhyāhi — descreve; ananta — o Ilimitado; ācarita — atividades; upapannam — repletas de; pārīkṣitam — faladas a Mahārāja Parīkṣit; bhāgavata — dos devotos puros; abhirāmam — particularmente muito queridas.

Tradução

Assim, por favor, conta-nos as narrações do Ilimitado, pois elas são purificantes e supremas. Elas foram faladas a Mahārāja Parīkṣit, e são muito queridas pelos devotos puros, sendo repletas de bhakti-yoga.

Comentário

SIGNIFICADO—Aquilo que foi falado a Mahārāja Parīkṣit e que é muito querido pelos devotos puros é o Śrīmad-Bhāgavatam. O Śrīmad-Bhāgavatam está, principalmente, repleto de narrações das atividades do Ilimitado Supremo e é, portanto, a ciência de bhakti-yoga, ou o serviço devocional ao Senhor. Assim, ele é para, ou supremo, porque, embora esteja enriquecido com todo conhecimento e religião, ele está especificamente enriquecido com o serviço devocional ao Senhor.

Texto

sūta uvāca
aho vayaṁ janma-bhṛto ’dya hāsma
vṛddhānuvṛttyāpi viloma-jātāḥ
dauṣkulyam ādhiṁ vidhunoti śīghraṁ
mahattamānām abhidhāna-yogaḥ

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Sūta Gosvāmī disse; aho — como; vayam — nós; janma-bhṛtaḥ — promovidos em nascimento; adya — hoje; ha — claramente; āsma — nos tornamos; vṛddha-anuvṛttyā — por servir aqueles que são avançados em conhecimento; api — embora; vilomajātā – nascidos numa casta mista; dauṣkulyam — desqualificação de nascimento; ādhim — sofrimentos; vidhunoti — purifica; śīghram — muito rapidamente; mahat-tamānām — daqueles que são grandes; abhidhāna — conversa; yogaḥ — ligação.

Tradução

Śrī Sūta Gosvāmī disse: Ó Deus, embora tenhamos nascido numa casta mista, ainda assim somos promovidos em direito inato simplesmente por servirmos e seguirmos os grandiosos que são avançados em conhecimento. Mesmo por conversar com essas grandes almas, uma pessoa pode purificar-se rapidamente de todas as desqualificações resultantes de nascimentos inferiores.

Comentário

SIGNIFICADO—Sūta Gosvāmī não nasceu numa família brāhmaṇa. Ele nasceu numa família de casta mista, ou uma inculta família baixa. Contudo, por causa da associação com pessoas mais elevadas, como Śrī Śukadeva Gosvāmī e os grandes ṛṣis de Naimiṣāraṇya, certamente a desqualificação do nascimento inferior foi removida. O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu seguiu esse princípio em prosseguimento aos costumes védicos e, através de Sua associação transcendental, Ele elevou muitas pessoas de nascimento baixo, ou os desqualificados por nascimento ou ação, ao status do serviço devocional, e estabeleceu-os na posição de ācāryas, ou autoridades. Ele afirmou claramente que qualquer homem – seja lá quem for, quer seja brāhmaṇa ou śūdra por nascimento, ou chefe de família ou mendicante na ordem da sociedade –, se ele é versado na ciência de Kṛṣṇa, pode ser aceito como ācārya ou guru, mestre espiritual.

Sūta Gosvāmī aprendeu a ciência de Kṛṣṇa de grandes ṛṣis e de autoridades como Śukadeva Gosvāmī e Vyāsadeva, e ele era tão qualificado que mesmo os sábios de Naimiṣāraṇya queriam avidamente ouvir dele a ciência de Kṛṣṇa sob a forma do Śrīmad-Bhāgavatam. Assim, ele teve a dupla associação de grandes almas, ao ouvir e ao pregar. A ciência transcendental, ou a ciência de Kṛṣṇa, tem que ser aprendida das autoridades, e, quando alguém prega essa ciência, torna-se ainda mais qualificado. Desse modo, Sūta Gosvāmī tinha ambas as vantagens e, assim, ele certamente estava livre por completo das desqualificações de nascimento baixo e agonias mentais. Este verso prova definitivamente que Śrīla Śukadeva Gosvāmī não se recusou a ensinar a ciência transcendental a Sūta Gosvāmī, tampouco os sábios de Naimiṣāraṇya recusaram-se a ouvir lições dele por causa de seu baixo nascimento. Isso significa que, milhares de anos atrás, o nascimento inferior não era obstáculo para aprender ou pregar a ciência transcendental. A rigidez do chamado sistema de castas, na sociedade hindu, tornou-se proeminente apenas nos últimos cento e poucos anos, quando aumentou o número de dvija-bandhus, ou seja, os homens desqualificados nas famílias de castas superiores. O Senhor Śrī Caitanya reviveu o sistema védico original, e elevou Ṭhākura Haridāsa à posição de nāmācārya, ou seja, a autoridade na pregação das glórias do santo nome do Senhor, embora, por coincidência, Sua Santidade Śrīla Haridāsa Ṭhākura tivesse aparecido em uma família de maometanos.

Tal é o poder dos devotos puros do Senhor. A água do Ganges é aceita como pura, e uma pessoa pode purificar-se após tomar banho nas águas do Ganges. No entanto, no que diz respeito aos grandes devotos do Senhor, eles podem purificar uma alma degradada mesmo por serem vistos pela pessoa de nascimento baixo, para não falar de se associarem a ela. O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu queria purificar toda a atmosfera do mundo poluído enviando pregadores qualificados por todo o mundo; cabe aos indianos, portanto, dedicarem-se a essa tarefa cientificamente e, assim, executarem a melhor espécie de trabalho humanitário. As doenças mentais da geração atual são mais agudas do que as doenças corpóreas; é bastante acertado e apropriado dedicar-se à pregação do Śrīmad-Bhāgavatam em todo o mundo, sem demora. Mahattamānām abhidhāna também significa dicionário de grandes devotos, ou um livro repleto das palavras de grandes devotos. Esse dicionário das palavras de grandes devotos e do Senhor está nos Vedas e literaturas afins, em especial no Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

kutaḥ punar gṛṇato nāma tasya
mahattamaikānta-parāyaṇasya
yo ’nanta-śaktir bhagavān ananto
mahad-guṇatvād yam anantam āhuḥ

Sinônimos

kutaḥ — o que dizer; punaḥ — novamente; gṛṇataḥ — aquele que canta; nāma — santo nome; tasya — Seu; mahat-tama — grandes devotos; ekānta — exclusiva; parāyaṇasya — daquele que se refugia em; yaḥ — Ele que; ananta — é o Ilimitado; śaktiḥ — potência; bhagavān — a Personalidade de Deus; anantaḥ — imensurável; mahat — grandes; guṇatvāt — por causa de tais atributos; yam — quem; anantam — chamado Ananta; āhuḥ — é chamado.

Tradução

E o que dizer daqueles que estão sob a direção dos grandes devotos, cantando o santo nome do Ilimitado, que tem potência ilimitada? A Personalidade de Deus, ilimitado em potência e transcendental por atributos, chama-se Ananta [Ilimitado].

Comentário

SIGNIFICADO—Os dvija-bandhus, homens menos inteligentes e incultos nascidos nas castas superiores, apresentam muitos argumentos contra a conversão de homens de casta inferior em brāhmaṇas ainda nesta vida. Eles argumentam que o nascimento numa família de śūdras ou menos que śūdras acontece por causa dos atos pecaminosos anteriores de uma pessoa, e que, portanto, ela tem que completar os períodos desvantajosos decorrentes do nascimento inferior. Para responder a esses falsos lógicos, o Śrīmad-Bhāgavatam afirma que quem canta o santo nome do Senhor sob a direção de um devoto puro pode livrar-se imediatamente das desvantagens consequentes ao nascimento em uma casta inferior. Um devoto puro do Senhor não comete ofensa alguma enquanto canta o santo nome do Senhor. Há dez diferentes ofensas no cantar do santo nome do Senhor. Cantar o santo nome sob a direção de um devoto puro é canto inofensivo. O canto inofensivo do santo nome do Senhor é transcendental e, portanto, tal canto pode nos purificar imediatamente dos efeitos de toda espécie de pecados anteriores. Esse canto inofensivo indica que a pessoa entendeu plenamente a natureza transcendental do santo nome e, desse modo, rendeu-se ao Senhor. Transcendentalmente, o santo nome do Senhor e o próprio Senhor são idênticos, sendo absolutos. O santo nome do Senhor é tão poderoso como o Senhor. O Senhor é a todo-poderosa Personalidade de Deus e tem nomes inumeráveis, que são todos não diferentes dEle e também são igualmente poderosos. Na última palavra da Bhagavad-gītā, o Senhor afirma que aquele que se rende plenamente a Ele é protegido de todos os pecados pela graça do Senhor. Uma vez que Seu nome e Ele mesmo são idênticos, o santo nome do Senhor pode proteger o devoto de todos os efeitos dos pecados. O canto do santo nome do Senhor pode, sem dúvida, livrar-nos das desvantagens de um nascimento em casta inferior. O poder ilimitado do Senhor se estende continuamente através da expansão ilimitada dos devotos e das encarnações, e, assim, todos os devotos do Senhor e todas as encarnações também podem ser igualmente sobrecarregados com a potência do Senhor. Uma vez que o devoto esteja sobrecarregado com a potência do Senhor, mesmo sendo uma fração dela, a desqualificação decorrente do nascimento inferior não pode criar obstáculos no caminho.

Texto

etāvatālaṁ nanu sūcitena
guṇair asāmyānatiśāyanasya
hitvetarān prārthayato vibhūtir
yasyāṅghri-reṇuṁ juṣate ’nabhīpsoḥ

Sinônimos

etāvatā — até agora; alam — desnecessário; nanu — se realmente; sūcitena — pela descrição; guṇaiḥ — pelos atributos; asāmya — imensurável; anatiśāyanasya – daquele que é insuperável; hitvā — deixando de lado; itarān — outros; prārthayataḥ — daqueles que pedem; vibhūtiḥ — favor da deusa da fortuna; yasya — aquele cujos; aṅghri — pés; reṇum — poeira; juṣate — serve; anabhīpsoḥ — de alguém que não deseja.

Tradução

Agora está confirmado que Ele [a Personalidade de Deus] é ilimitado e que não há ninguém igual a Ele. Consequentemente, ninguém pode falar dEle de forma adequada. Grandes semideuses não podem obter o favor da deusa da fortuna nem mesmo por orações, mas essa mesma deusa presta serviço ao Senhor, embora Ele não deseje receber tal serviço.

Comentário

SIGNIFICADO—A Personalidade de Deus, ou o Parameśvara Parabrahman, de acordo com os śrutis, nada tem a fazer. Não existe alguém igual a Ele. Tampouco alguém pode excedê-lO. Ele tem potências ilimitadas, e todos os Seus atos são executados sistematicamente, à Sua maneira natural e perfeita. Assim, a Suprema Personalidade de Deus é plena em Si mesma, e não precisa receber nada de ninguém, incluindo dos grandiosos semideuses, como Brahmā. Outros pedem o favor da deusa da fortuna, e, a despeito de tais orações, ela se nega a conceder esses favores. Mas, ainda assim, ela presta serviço à Suprema Personalidade de Deus, embora Ele não precise receber dela coisa alguma. A Personalidade de Deus, sob Seu aspecto Garbhodakaśāyī Viṣṇu, gera Brahmā, a primeira pessoa criada no mundo material, a partir do caule de lótus do Seu umbigo, e não no ventre da deusa da fortuna, que está eternamente ocupada em Seu serviço. Esses são alguns exemplos de Sua independência e perfeição completas. Ele nada ter a fazer não significa que Ele seja impessoal. Ele é transcendentalmente tão repleto de potências inconcebíveis que, apenas por Sua vontade, tudo é feito sem esforço físico ou pessoal. Portanto, Ele é chamado de Yogeśvara, o senhor de todos os poderes místicos.

Texto

athāpi yat-pāda-nakhāvasṛṣṭaṁ
jagad viriñcopahṛtārhaṇāmbhaḥ
seśaṁ punāty anyatamo mukundāt
ko nāma loke bhagavat-padārthaḥ

Sinônimos

atha — portanto; api — certamente; yat — cujas; pāda-nakha — unhas dos pés; avasṛṣṭam — emanando; jagat — todo o universo; viriñca — Brahmājī; upahṛta — recolheu; arhaṇa — adoração; ambhaḥ — água; sa — juntamente com; īśam — senhor Śiva; punāti — purifica; anyatamaḥ — quem mais; mukundāt — além da Personalidade de Deus Śrī Kṛṣṇa; kaḥ — quem; nāma — nome; loke — dentro do mundo; bhagavat — Senhor Supremo; pada — posição; arthaḥ — digno.

Tradução

Quem pode ser digno do nome do Senhor Supremo além da Personalidade de Deus Śrī Kṛṣṇa? Brahmājī recolheu a água que emana das unhas de Seus pés para oferecê-la ao senhor Śiva como uma adoração de boas-vindas. Essa mesma água [o Ganges] está purificando todo o universo, incluindo o senhor Śiva.

Comentário

SIGNIFICADO—O conceito que fazem os ignorantes de muitos deuses nas literaturas védicas é completamente errado. O Senhor é único e incomparável, mas expande-Se em muitas formas, e isso está confirmado nos Vedas. Essas expansões do Senhor são ilimitadas, mas algumas delas são as entidades vivas. As entidades vivas não são tão poderosas como as expansões plenárias do Senhor, de modo que há dois tipos diferentes de expansões. Geralmente, o senhor Brahmā é uma das entidades vivas, e o senhor Śiva é o termo médio entre o Senhor e as entidades vivas. Em outras palavras, mesmo semideuses como o senhor Brahmā e o senhor Śiva, que são os principais entre todos os semideuses, nunca são iguais ou superiores ao Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus. A deusa da fortuna, Lakṣmī, e semideuses todo-poderosos como Brahmā e Śiva, ocupam-se na adoração a Viṣṇu ou ao Senhor Kṛṣṇa; portanto, quem pode ser mais poderoso que Mukunda (o Senhor Kṛṣṇa) para ser realmente chamado de Suprema Personalidade de Deus? A deusa da fortuna, Lakṣmījī, o senhor Brahmā e o senhor Śiva não são independentemente poderosos; eles são poderosos como expansões do Senhor Supremo, e todos eles estão ocupados no transcendental serviço amoroso ao Senhor, o mesmo acontecendo com as entidades vivas. Há quatro seitas de devotos adoradores do Senhor, e as principais entre elas são o Brahmā-sampradāya, o Rudra-sampradāya e o Śrī-sampradāya, descendendo diretamente do senhor Brahmā, do senhor Śiva e da deusa da fortuna, Lakṣmī, respectivamente. Além dos três sampradāyas acima mencionados, há o Kumāra-sampradāya, descendendo de Sanat-kumāra. Todos os quatro sampradāyas originais até hoje ocupam-se escrupulosamente no transcendental serviço amoroso ao Senhor, e todas declaram que o Senhor Kṛṣṇa, Mukunda, é a Suprema Personalidade de Deus, e nenhuma outra personalidade é igual a Ele ou superior a Ele.

Texto

yatrānuraktāḥ sahasaiva dhīrā
vyapohya dehādiṣu saṅgam ūḍham
vrajanti tat pārama-haṁsyam antyaṁ
yasminn ahiṁsopaśamaḥ sva-dharmaḥ

Sinônimos

yatra — a quem; anuraktāḥ — firmemente apegadas; sahasā — subitamente; eva — certamente; dhīrāḥ — autocontroladas; vyapohya — deixando de lado; deha — o corpo grosseiro e a mente sutil; ādiṣu — em relação a; saṅgam — apego; ūḍham — adotado; vrajanti — partir; tat — esta; pārama-haṁsyam — o estágio máximo de perfeição; antyam — e além disso; yasmin — no qual; ahiṁsā — não-violência; upaśamaḥ — e renúncia; sva-dharmaḥ — ocupação consequente.

Tradução

As pessoas autocontroladas que são apegadas ao Supremo Senhor Śrī Kṛṣṇa podem abandonar subitamente o mundo do apego material, incluindo o corpo grosseiro e a mente sutil, e podem partir para alcançar a perfeição máxima da ordem de vida renunciada e, consequentemente, não-violência e renúncia.

Comentário

SIGNIFICADO—Somente o autocontrolado pode apegar-se gradualmente à Suprema Personalidade de Deus. Autocontrolado significa não inclinado ao gozo dos sentidos desnecessário. E aqueles que não são autocontrolados entregam-se ao gozo dos sentidos. A especulação filosófica árida é um gozo dos sentidos sutil da mente. O gozo dos sentidos nos conduz ao caminho da escuridão. Aqueles que são autocontrolados podem progredir no caminho da liberação da vida condicionada da existência material. Os Vedas, portanto, prescrevem que não devemos trilhar o caminho da escuridão, senão que devemos realizar uma marcha progressiva rumo ao caminho da luz, ou liberação. Na verdade, o autocontrole não é alcançado por restringirmos os sentidos artificialmente do gozo material, mas por tornarmo-nos verdadeiramente apegados ao Senhor Supremo ocupando nossos sentidos imaculados no transcendental serviço ao Senhor. Os sentidos não podem ser restringidos à força, mas podem receber uma ocupação adequada. Os sentidos purificados, portanto, estão sempre ocupados no transcendental serviço ao Senhor. Esse estágio perfectivo de ocupação sensorial chama-se bhakti-yoga. Assim, aqueles que se apegam aos meios de bhakti-yoga são realmente autocontrolados e podem abandonar rapidamente seu apego doméstico ou corpóreo em favor do serviço ao Senhor. Esse é chamado o estágio paramahaṁsa. Os haṁsas, ou cisnes, aceitam somente o leite de uma mistura de leite com água. Analogamente, aqueles que aceitam o serviço ao Senhor ao invés do serviço a māyā chamam-se paramahaṁsas. Eles são naturalmente qualificados com todos os bons atributos, tais como ausência de orgulho, libertação da vaidade, não-violência, tolerância, simplicidade, respeitabilidade, adoração, devoção e sinceridade. Todas essas qualidades divinas existem espontaneamente no devoto do Senhor. Tais paramahaṁsas, que são completamente entregues ao serviço ao Senhor, são muito raros. Eles são muito raros mesmo entre as almas liberadas. Real não-violência significa ausência de inveja. Neste mundo, todos têm inveja do próximo. Contudo, um paramahaṁsa perfeito, sendo completamente entregue ao serviço ao Senhor, é perfeitamente não-invejoso. Ele ama todos os seres vivos em relação com o Senhor Supremo. Renúncia verdadeira significa perfeita dependência de Deus. Todo ser vivo é dependente de alguém, porque essa é sua natureza. Na verdade, todos dependem da misericórdia do Senhor Supremo, mas, quando nos esquecemos de nossa relação com o Senhor, tornamo-nos dependentes das condições da natureza material. Renúncia significa renunciar à nossa dependência das condições da natureza material e, assim, tornarmo-nos completamente dependentes da misericórdia do Senhor. Independência verdadeira significa fé completa na misericórdia do Senhor, sem dependência das condições da matéria. Esse estágio paramahaṁsa é o estágio perfectivo mais elevado em bhakti-yoga, o processo de serviço devocional ao Senhor Supremo.

Texto

ahaṁ hi pṛṣṭo ’ryamaṇo bhavadbhir
ācakṣa ātmāvagamo ’tra yāvān
nabhaḥ patanty ātma-samaṁ patattriṇas
tathā samaṁ viṣṇu-gatiṁ vipaścitaḥ

Sinônimos

aham — minha humilde pessoa; hi — certamente; pṛṣṭaḥ — solicitado por vós; aryamaṇaḥ — tão poderosos como o Sol; bhavadbhiḥ — por vós; ācakṣe — posso descrever; ātmaavagamaḥ – no que diz respeito ao meu conhecimento; atra — aqui; yāvān — até a altura; nabhaḥ — céu; patanti — voam; ātma-samam — tanto quanto podem; patattriṇaḥ — os pássaros; tathā — assim; samam — analogamente; viṣṇu-gatim — conhecimento de Viṣṇu; vipaścitaḥ — muito embora eruditos.

Tradução

Ó ṛṣis tão poderosamente puros como o Sol, tentarei descrever-vos os passatempos transcendentais de Viṣṇu de acordo com o meu conhecimento. Assim como os pássaros voam no céu tanto quanto lhes permitem suas capacidades, da mesma forma os devotos eruditos descrevem o Senhor tanto quanto lhes permitem suas compreensões.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Verdade Absoluta é ilimitada. Nenhum ser vivo pode conhecer o ilimitado com sua capacidade limitada. O Senhor é impessoal, pessoal e localizado. Através de Seu aspecto impessoal, Ele é o Brahman onipenetrante; através de Seu aspecto localizado, Ele está presente no coração de todos como a Alma Suprema, e, através de Seu aspecto pessoal último, Ele é o objeto de serviço transcendental amoroso da parte de Seus afortunados associados, os devotos puros. Os passatempos do Senhor em diferentes aspectos só podem ser avaliados parcialmente pelos grandes devotos eruditos. Assim, Śrīla Sūta Gosvāmī toma corretamente essa posição de descrever os passatempos do Senhor na medida em que os compreendeu. De fato, somente o próprio Senhor pode descrever-Se, e Seus devotos eruditos também podem descrevê-lO na medida em que o Senhor lhes dá o poder de descrição.

Texto

ekadā dhanur udyamya
vicaran mṛgayāṁ vane
mṛgān anugataḥ śrāntaḥ
kṣudhitas tṛṣito bhṛśam
jalāśayam acakṣāṇaḥ
praviveśa tam āśramam
dadarśa munim āsīnaṁ
śāntaṁ mīlita-locanam

Sinônimos

ekadā — certa vez; dhanuḥ — arco e flechas; udyamya — empunhando firmemente; vicaran — perseguia; mṛgayām — caçada; vane — na floresta; mṛgān — veados; anugataḥ — enquanto perseguia; śrāntaḥ — fatigado; kṣudhitaḥ — faminto; tṛṣitaḥ — estando sedento; bhṛśam — extremamente; jala-āśayam — reservatório d’água; acakṣāṇaḥ — enquanto procurava; praviveśa — entrou em; tam — aquele famoso; āśramam — eremitério de Śamīka Ṛṣi; dadarśa — viu; munim — o sábio; āsīnam — sentado; śāntam — completamente silencioso; mīlita — fechados; locanam — olhos.

Tradução

Certa vez, Mahārāja Parīkṣit, enquanto se ocupava em caçar na floresta com arco e flechas, sentiu-se extremamente fatigado, faminto e sedento enquanto perseguia os veados. Enquanto procurava um reservatório d’água, ele entrou no eremitério do famoso Śamīka Ṛṣi e viu o sábio sentado silenciosamente com os olhos fechados.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Supremo é tão bondoso com Seus devotos puros que, no momento adequado, Ele chama esses devotos de volta para Ele e, assim, cria uma circunstância auspiciosa para o devoto. Mahārāja Parīkṣit era um devoto puro do Senhor, e não havia razão para ele se tornar extremamente fatigado, faminto e sedento, porque o devoto do Senhor jamais fica perturbado por tais demandas corpóreas. Entretanto, pelo desejo do Senhor, mesmo um devoto assim pode ficar aparentemente fatigado e sedento, simplesmente para criar uma situação favorável para sua renúncia às atividades mundanas. É preciso abandonar todo o apego às relações mundanas antes de se tornar apto a voltar ao Supremo, e, desse modo, quando um devoto está demasiadamente absorto em afazeres mundanos, o Senhor cria uma situação para causar indiferença. O Senhor Supremo nunca Se esquece de Seu devoto puro, mesmo que este esteja ocupado em supostos afazeres mundanos. O devoto pode entender uma coisa como sinal do Senhor, embora outros a julguem desfavorável e frustrante. Mahārāja Parīkṣit se tornaria o meio para a revelação do Śrīmad-Bhāgavatam pelo Senhor Śrī Kṛṣṇa, assim como seu avô Arjuna fora o intermediário para a Bhagavad-gītā. Se Arjuna não tivesse sido dominado por uma ilusão de afeição familiar, pela vontade do Senhor, a Bhagavad-gītā não teria sido falada pelo próprio Senhor para o bem de todos os interessados. De forma semelhante, se Mahārāja Parīkṣit não tivesse se sentido fatigado, faminto e sedento naquele momento, o Śrīmad-Bhāgavatam não teria sido falado por Śrīla Śukadeva Gosvāmī, a principal autoridade do Śrīmad-Bhāgavatam. Assim, temos um prelúdio para as circunstâncias sob as quais o Śrīmad-Bhāgavatam seria falado para o benefício de todos os interessados. O prelúdio, portanto, começa com as palavras “certa vez”.

Texto

pratiruddhendriya-prāṇa-
mano-buddhim upāratam
sthāna-trayāt paraṁ prāptaṁ
brahma-bhūtam avikriyam

Sinônimos

pratiruddha — retraídos; indriya — os órgãos sensoriais; prāṇa — ar da respiração; manaḥ — a mente; buddhim — inteligência; upāratam — inativos; sthāna — lugares; trayāt — dos três; param — transcendental; prāptam — alcançado; brahma-bhūtam — qualitativamente igual ao Absoluto Supremo; avikriyam — não afetado.

Tradução

Os órgãos sensoriais, a respiração, a mente e a inteligência do muni estavam todos retraídos das atividades materiais, e ele estava situado num transe à parte dos três estados de consciência [vigília, sonho e inconsciência], tendo alcançado a posição transcendental de igualdade qualitativa com o Absoluto Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Parece que o muni, em cujo eremitério entrara o rei, estava em transe ióguico. A posição transcendental é alcançada por três processos, a saber, o processo de jñāna, ou conhecimento teórico da transcendência; o processo de yoga, ou realização verdadeira do transe através da manipulação das funções fisiológicas e psicológicas do corpo, e o aprovadíssimo processo de bhakti-yoga, ou a ocupação dos sentidos no serviço devocional ao Senhor. Na Bhagavad-gītā, também temos a informação do desenvolvimento gradual de percepção da matéria à entidade viva. Nossa mente e nosso corpo materiais desenvolvem-se a partir da entidade viva, a alma, e, sendo influenciados pelas três qualidades da matéria, esquecemo-nos de nossa verdadeira identidade. O processo de jñāna especula teoricamente sobre a realidade da alma. Todavia, bhakti-yoga de fato ocupa a alma espiritual em atividades. A percepção da matéria é transcendida até estados ainda mais sutis dos sentidos. Os sentidos são transcendidos até a mente mais sutil e, então, até as atividades respiratórias e, gradualmente, até a inteligência. Além da inteligência, a alma viva é compreendida pelas atividades mecânicas do sistema de yoga, ou a prática de meditação com restrição dos sentidos, regulação do sistema respiratório e aplicação da inteligência para elevar-se à posição transcendental. Esse transe interrompe todas as atividades materiais do corpo. O rei viu o muni nessa posição. Ele também viu o muni da seguinte maneira.

Texto

viprakīrṇa-jaṭācchannaṁ
rauraveṇājinena ca
viśuṣyat-tālur udakaṁ
tathā-bhūtam ayācata

Sinônimos

viprakīrṇa — todo espalhado; jaṭaācchannam – coberto com cabelos longos e escorridos; rauraveṇa — pela pele de veado; ajinena — com a pele; ca — também; viśuṣyat — seco; tāluḥ — palato; udakam — água; tathā-bhūtam — naquele estado; ayācata — pediu-lhe.

Tradução

O sábio em meditação estava coberto com pele de veado, e seu cabelo longo e escorrido espalhava-se sobre todo o seu corpo. O rei, cujo palato estava seco de sede, pediu-lhe água.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei, estando com sede, pediu água ao sábio. Que tal grande devoto e rei pedisse água para um sábio absorto em transe foi certamente algo providencial. De outro modo, não haveria possibilidade desse acontecimento único. Assim, Mahārāja Parīkṣit foi colocado numa posição incômoda para que o Śrīmad-Bhāgavatam pudesse ser gradualmente revelado.

Texto

alabdha-tṛṇa-bhūmy-ādir
asamprāptārghya-sūnṛtaḥ
avajñātam ivātmānaṁ
manyamānaś cukopa ha

Sinônimos

alabdha — não tendo sido recebido; tṛṇa — assento; bhūmi — cômodo; ādiḥ — e assim por diante; asamprāpta — não recebido apropriadamente; arghya — água para recepção; sūnṛtaḥ — palavras doces; avajñātam — sendo assim negligenciado; iva — assim; ātmānam — pessoalmente; manyamānaḥ — pensando assim; cukopa — enfureceu-se; ha — dessa maneira.

Tradução

Como o rei não foi recebido com as boas-vindas formais, não lhe tendo sido ofertado um assento, um cômodo, água e palavras agradáveis, ele se considerou negligenciado e, pensando assim, enfureceu-se.

Comentário

SIGNIFICADO—A lei da recepção nos códigos dos princípios védicos estabelece que mesmo que se receba um inimigo em casa, ele deve ser recebido com todo o respeito. Ele não deve ter oportunidade de compreender que veio à casa de um inimigo. Quando o Senhor Kṛṣṇa, acompanhado por Arjuna e Bhīma, aproximou-Se de Jarāsandha em Magadha, os respeitáveis inimigos receberam uma recepção real da parte do rei Jarāsandha. O hóspede inimigo, chamado Bhīma, lutaria contra Jarāsandha, apesar do que eles receberam uma grandiosa recepção. À noite, eles costumavam sentar-se juntos como amigos e hóspedes, e, durante o dia, eles lutavam, arriscando vida e morte. Essa era a lei da hospitalidade. A lei de hospitalidade prescreve que um homem pobre, que nada tem a oferecer para seu hóspede, deve ser bom o bastante para oferecer uma esteira de palha como assento, um copo d’água potável e algumas palavras graciosas. Portanto, para receber um visitante, seja amigo ou inimigo, não há despesas. É somente uma questão de boas maneiras.

Quando Mahārāja Parīkṣit adentrou a porta de Śamīka Ṛṣi, ele não esperava uma recepção real por parte do ṛṣi porque ele sabia que os santos e ṛṣis não são homens materialmente ricos. Contudo, ele nunca esperou que lhe seriam negados um assento de palha, um copo d’água e algumas palavras agradáveis. Ele não era um visitante ordinário, nem era inimigo do ṛṣi, daí a fria recepção por parte do ṛṣi ter deixado o rei muito atônito. De fato, o rei estava certo ao enfurecer-se com o ṛṣi quando ele precisava muito de um copo d’água. Para o rei, não era antinatural enfurecer-se numa situação grave assim, mas, porque o próprio rei não era nada menos que um grande santo, seu furor e a atitude que tomou foram surpreendentes. Assim, deve-se aceitar que isso foi determinado pela vontade suprema do Senhor. O rei era um grande devoto do Senhor, e o santo também era tão bom como o rei. Contudo, pela vontade do Senhor, as circunstâncias que foram criadas se transformaram na forma pela qual o rei se desapegou das ligações familiares e atividades governamentais, tornando-se, assim, uma alma completamente rendida aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa. O misericordioso Senhor às vezes cria essas situações incômodas para Seus devotos puros com o objetivo de retirá-los do lamaçal da existência material e levá-los em Sua própria direção. Mas, externamente, as situações parecem ser frustrantes para os devotos. Os devotos do Senhor estão sempre sob a proteção do Senhor, e, em qualquer condição, de frustração ou de sucesso, o Senhor é o guia supremo para os devotos. Os devotos puros, portanto, aceitam todas as condições de frustração como bênçãos do Senhor.

Texto

abhūta-pūrvaḥ sahasā
kṣut-tṛḍbhyām arditātmanaḥ
brāhmaṇaṁ praty abhūd brahman
matsaro manyur eva ca

Sinônimos

abhūta-pūrvaḥ — sem precedentes; sahasā — circunstancialmente; kṣut — fome; tṛḍbhyām — bem como pela sede; ardita — estando aflito; ātmanaḥ — de sua pessoa; brāhmaṇam — a um brāhmaṇa; prati — contra; abhūt — tornou-se; brahman — ó brāhmaṇas; matsaraḥ — invejoso; manyuḥ — irado; eva — assim; ca — e.

Tradução

Ó brāhmaṇas, tendo sido perturbado pelas circunstâncias que o fizeram sedento e faminto, o rei dirigiu contra o sábio sua ira e sua inveja, algo que ele nunca dirigira a um brāhmaṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Para um rei como Mahārāja Parīkṣit, tornar-se irado e invejoso, especialmente em relação a um sábio e brāhmaṇa, era indubitavelmente algo sem precedentes. O rei sabia bem que os brāhmaṇas, os sábios, as crianças, as mulheres e os anciãos estão sempre além da jurisdição das punições. Da mesma forma, embora cometa um grande erro, o rei nunca deve ser considerado um malfeitor. Neste caso, porém, Mahārāja Parīkṣit ficou com raiva e inveja do sábio devido à sua sede e fome, pela vontade do Senhor. O rei tinha razão de punir seus súditos por receberem-no friamente ou negligenciá-lo, mas, porque o réu era um sábio e um brāhmaṇa, isso era sem precedentes. Assim como o Senhor nunca tem inveja de ninguém, o devoto do Senhor jamais tem inveja de ninguém. A única justificativa para o comportamento de Mahārāja Parīkṣit é que isso foi determinado pelo Senhor.

Texto

sa tu brahma-ṛṣer aṁse
gatāsum uragaṁ ruṣā
vinirgacchan dhanuṣ-koṭyā
nidhāya puram āgataḥ

Sinônimos

saḥ — o rei; tu — contudo; brahma-ṛṣeḥ — do brāhmaṇa sábio; aṁse — sobre o ombro; gata-asum — morta; uragam — serpente; ruṣā — com ira; vinirgacchan — ao partir; dhanuḥ-koṭyā — com a ponta do arco; nidhāya — colocando-a; puram — palácio; āgataḥ — retornou.

Tradução

Sendo assim insultado, o rei, enquanto se retirava, pegou uma serpente morta com seu arco e, tomado de raiva, colocou-a sobre o ombro do sábio. Então, ele retornou a seu palácio.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei tratou o sábio olho por olho, dente por dente, embora não estivesse de modo algum habituado a ações tão disparatadas. Pela vontade do Senhor, enquanto ia embora, o rei encontrou uma serpente morta diante dele, e pensou que o sábio, que o havia recebido friamente, poderia assim ser recompensado friamente ao se oferecer a ele uma guirlanda de serpente morta. No decorrer ordinário dos relacionamentos, isso não era muito antinatural, porém, no caso do relacionamento de Mahārāja Parīkṣit com um brāhmaṇa sábio, isso era certamente algo sem precedentes. Isso aconteceu dessa maneira pela vontade do Senhor.

Texto

eṣa kiṁ nibhṛtāśeṣa-
karaṇo mīlitekṣaṇaḥ
mṛṣā-samādhir āhosvit
kiṁ nu syāt kṣatra-bandhubhiḥ

Sinônimos

eṣaḥ — este; kim — se; nibhṛtaaśeṣa – espírito meditativo; karaṇaḥ — sentidos; mīlita — fechados; īkṣaṇaḥ — olhos; mṛṣā — falso; samādhiḥ — transe; āho — permanece; svit — se é assim; kim — ou se; nu — mas; syāt — pode ser; kṣatrabandhubhiḥ – pelo kṣatriya inferior.

Tradução

Ao retornar, ele começou a considerar e raciocinar consigo mesmo se o sábio estava realmente em meditação, com os sentidos concentrados e os olhos fechados, ou se ele havia somente fingido transe, apenas para evitar de receber um kṣatriya inferior.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei, sendo um devoto do Senhor, não aprovou sua própria ação e, assim, começou a se perguntar se o sábio estava realmente em transe ou estava apenas dissimulando para evitar de receber o rei, que era um kṣatriya e, portanto, de casta inferior. O arrependimento vem à mente de uma boa alma logo que ela comete algum erro. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura e Śrīla Jīva Gosvāmī não acreditam que a ação do rei fosse devido a suas maldades passadas. O Senhor arranjou as coisas dessa maneira apenas para chamar o rei de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, o plano foi feito pela vontade do Senhor, e, pela vontade do Senhor, criou-se a situação de frustração. O plano era que, por sua suposta má ação, o rei seria amaldiçoado por um inexperiente menino brāhmaṇa, contaminado pela influência de Kali, e, assim, o rei deixaria o conforto do lar para sempre. Suas relações com Śrīla Śukadeva Gosvāmī proporcionariam a apresentação do grande Śrīmad-Bhāgavatam, que é considerado a encarnação de livro do Senhor. Essa encarnação de livro do Senhor fornece muitas informações fascinantes acerca dos passatempos transcendentais do Senhor, como Sua rāsa-līlā com as espirituais donzelas vaqueirinhas de Vrajabhūmi. Esse passatempo específico do Senhor tem um significado especial, pois qualquer pessoa que aprenda adequadamente esse passatempo em particular do Senhor, certamente será dissuadida do desejo sexual mundano e será posta no caminho do sublime serviço devocional ao Senhor. A frustração mundana do devoto puro se destina a elevar o devoto a uma posição transcendental superior. O Senhor criou o prelúdio da Guerra de Kurukṣetra ao colocar Arjuna e os Pāṇḍavas em frustração, devido à intriga de seus primos-irmãos. Isso se deu com o objetivo de encarnar a representação sonora do Senhor, a Bhagavad-gītā. Assim, por colocar o rei Parīkṣit numa situação incômoda, a encarnação do Śrīmad-Bhāgavatam foi criada pela vontade do Senhor. O fato de ele ter sido atormentado pela fome e pela sede foi somente uma encenação, dado que o rei havia suportado mais coisas, mesmo no ventre de sua mãe. Ele não se perturbara nem um pouco com o calor escaldante do brahmāstra lançado por Aśvatthāmā. A condição aflitiva do rei certamente era sem precedentes. Os devotos como Mahārāja Parīkṣit são poderosos o bastante para suportar tais aflições, pela vontade do Senhor, e eles nunca se perturbam. Portanto, a situação neste caso foi toda planejada pelo Senhor.

Texto

tasya putro ’titejasvī
viharan bālako ’rbhakaiḥ
rājñāghaṁ prāpitaṁ tātaṁ
śrutvā tatredam abravīt

Sinônimos

tasya — seu (do sábio); putraḥ — filho; ati — extremamente; tejasvī — poderoso; viharan — enquanto brincava; bālakaḥ — com meninos; arbhakaiḥ — que eram todos infantis; rājñā — pelo rei; agham — aflição; prāpitam — fez ter; tātam — o pai; śrutvā — ao ouvir; tatra — sem mais demora; idam — isso; abravīt — falou.

Tradução

O sábio tinha um filho que era muito poderoso, uma vez que era filho de um brāhmaṇa. Enquanto brincava com meninos inexperientes, ele ficou sabendo da aflição de seu pai, que fora ocasionada pelo rei. Sem mais demora, o menino começou a falar o seguinte.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido ao bom governo de Mahārāja Parīkṣit, mesmo um menino de tenra idade, que brincava com outros meninos inexperientes, podia tornar-se tão poderoso como um brāhmaṇa qualificado. Esse menino era conhecido como Śṛṅgi, e ele foi bem treinado em brahmacarya por seu pai, de modo que ele podia ser tão poderoso como um brāhmaṇa, mesmo naquela idade. No entanto, porque a era de Kali estava procurando uma oportunidade de arruinar a herança cultural das quatro ordens de vida, o menino inexperiente deu uma chance para a era de Kali entrar no campo da cultura védica. O ódio às ordens de vida inferiores começou a partir deste menino brāhmaṇa, sob a influência de Kali, e, assim, a vida cultural começou a se degenerar dia após dia. A primeira vítima da injustiça bramânica foi Mahārāja Parīkṣit, e, desse modo, a proteção dada pelo rei contra a investida de Kali foi afrouxada.

Texto

aho adharmaḥ pālānāṁ
pīvnāṁ bali-bhujām iva
svāminy aghaṁ yad dāsānāṁ
dvāra-pānāṁ śunām iva

Sinônimos

aho — vede só; adharmaḥ — irreligião; pālānām — dos governantes; pīvnām — daquele que é criado; bali-bhujām — como os corvos; iva — como; svāmini — ao mestre; agham — pecado; yat — que é; dāsānām — dos servos; dvāra-pānām — mantendo guarda à porta; śunām — dos cães; iva — como.

Tradução

[Śṛṅgi, o filho do brāhmaṇa, disse:] Oh! Vede só os pecados dos governantes que, como corvos e cães de guarda à porta, perpetram pecados contra seus senhores, contrariando os princípios que regem os servos.

Comentário

SIGNIFICADO—Os brāhmaṇas são considerados a cabeça e o cérebro do corpo social, e os kṣatriyas são considerados os braços do corpo social. Os braços são necessários para proteger o corpo de todos os males, mas os braços devem agir de acordo com as orientações da cabeça e do cérebro. Esse é o arranjo natural feito pela ordem suprema, pois se confirma na Bhagavad-gītā que as quatro ordens ou castas sociais, a saber, os brāhmaṇas, os kṣatriyas, os vaiśyas e os śūdras, são dispostas de acordo com a qualidade e o trabalho feito por eles. Naturalmente, o filho de um brāhmaṇa tem uma boa oportunidade de se tornar um brāhmaṇa através da orientação de seu pai qualificado, assim como o filho de um médico praticante tem uma boa oportunidade de se tornar um médico praticante qualificado. Assim, o sistema de castas é bastante científico. O filho deve aproveitar-se das qualificações do pai e, desse modo, tornar-se um brāhmaṇa ou um médico praticante, e não outra coisa. Sem ser qualificado, ninguém pode tornar-se um brāhmaṇa ou médico praticante, e esse é o veredito de todas as escrituras e ordens sociais. Aqui, Śṛṅgi, um filho qualificado de um grande brāhmaṇa, alcançou o necessário poder bramânico tanto por nascimento quanto por treinamento, mas ele carecia de cultura porque era um menino inexperiente. Pela influência de Kali, o filho do brāhmaṇa ficou envaidecido com o poder bramânico e, assim, comparou erroneamente Mahārāja Parīkṣit aos corvos e cães de guarda. Decerto, o rei é o cão de guarda do estado, no sentido de que ele mantém olhos vigilantes sobre as fronteiras do estado para sua proteção e defesa, mas tratá-lo de cão de guarda é sinal de um menino inculto. Desse modo, a queda dos poderes bramânicos começou logo que eles deram importância ao direito de nascimento sem a devida cultura. A queda da casta dos brāhmaṇas começou na era de Kali. E, uma vez que os brāhmaṇas são as cabeças da ordem social, todas as outras ordens da sociedade também começaram a deteriorar-se. Esse início de deterioração bramânica foi muito deplorado pelo pai de Śṛṅgi, como observaremos adiante.

Texto

brāhmaṇaiḥ kṣatra-bandhur hi
gṛha-pālo nirūpitaḥ
sa kathaṁ tad-gṛhe dvāḥ-sthaḥ
sabhāṇḍaṁ bhoktum arhati

Sinônimos

brāhmaṇaiḥ — pela ordem bramânica; kṣatra-bandhuḥ — os filhos dos kṣatriyas; hi — certamente; gṛha-pālaḥ — o cão de guarda; nirūpitaḥ — designado; saḥ — ele; katham — com que fundamento; tatgṛhe – na casa dele (do dono); dvāḥsthaḥ – manter-se à porta; sabhāṇḍam – no mesmo prato; bhoktum — comer; arhati — merece.

Tradução

Os descendentes das ordens reais são claramente designados como cães de guarda e devem manter-se à porta. Com que fundamento os cães podem entrar na casa e exigir jantar com o dono no mesmo prato?

Comentário

SIGNIFICADO—O inexperiente menino brāhmaṇa certamente sabia que o rei pediu água a seu pai e o pai não respondeu. Ele tentou explicar a falta de hospitalidade de seu pai de maneira insolente, digna de um menino inculto. Ele não estava nem um pouco pesaroso pelo fato de o rei não ter sido bem recebido. Ao contrário, justificou o ato errôneo da maneira característica dos brāhmaṇas de Kali-yuga. Ele comparou o rei a um cão de guarda e, desse modo, considerou errado que o rei entrasse na casa de um brāhmaṇa e pedisse água do mesmo pote. Certamente o cão é criado por seu dono, mas isso não significa que o cão possa exigir comida e bebida do mesmo pote. Essa mentalidade de falso prestígio é a causa da queda da perfeita ordem social, e podemos ver que, a princípio, ela foi iniciada pelo filho inexperiente de um brāhmaṇa. Assim como o cachorro nunca tem permissão de entrar dentro da casa, embora ele seja criado pelo dono, analogamente, de acordo com Śṛṅgi, o rei não tinha direito algum de entrar na casa de Śamīka Ṛṣi. Segundo a opinião do menino, o rei, e não o seu pai, estava errado, e, assim, ele justificou o silêncio de seu pai.

Texto

kṛṣṇe gate bhagavati
śāstary utpatha-gāminām
tad bhinna-setūn adyāhaṁ
śāsmi paśyata me balam

Sinônimos

kṛṣṇe — Senhor Kṛṣṇa; gate — tendo partido deste mundo; bhagavati — a Personalidade de Deus; śāstari — o governante supremo; utpatha-gāminām — daqueles que são arrogantes; tat bhinna — estando separados; setūn — o protetor; adya — hoje; aham — eu próprio; śāsmi — castigarei; paśyata — vede só; me — meu; balam — poder.

Tradução

Após a partida do Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus e governante supremo de todos, esses indivíduos arrogantes têm florescido, uma vez que nosso protetor Se foi. Portanto, eu próprio me encarregarei disso e os castigarei. Testemunhai o meu poder!

Comentário

SIGNIFICADO—O brāhmaṇa inexperiente, envaidecido por um pequeno brahma-tejas, influenciou-se pelo encanto de Kali-yuga. Mahārāja Parīkṣit deu licença a Kali para viver em quatro lugares, como se mencionou anteriormente, mas, devido a seu governo muito hábil, a personalidade de Kali mal podia encontrar os lugares a ela atribuídos. A personalidade da Kali-yuga, portanto, estava buscando a oportunidade para estabelecer sua autoridade e, pela graça do Senhor, encontrou uma brecha no vaidoso e inexperiente filho de brāhmaṇa. O pequeno brāhmaṇa queria mostrar seu poder de destruição e teve a audácia de punir tão grande rei como Mahārāja Parīkṣit. Ele queria tomar o lugar do Senhor Kṛṣṇa após Sua partida. Esses são os principais sinais dos arrogantes que querem tomar o lugar de Śrī Kṛṣṇa sob a influência da era de Kali. Uma pessoa arrogante com um pouco de poder quer tornar-se uma encarnação do Senhor. Tem havido muitas encarnações falsas após a partida do Senhor Kṛṣṇa da superfície do globo, e elas estão desencaminhando o público inocente ao aceitarem a obediência espiritual da massa popular em geral para manter o falso prestígio. Em outras palavras, a personalidade de Kali obteve a oportunidade de reinar através desse Śṛṅgi, filho de brāhmaṇa.

Texto

ity uktvā roṣa-tāmrākṣo
vayasyān ṛṣi-bālakaḥ
kauśiky-āpa upaspṛśya
vāg-vajraṁ visasarja ha

Sinônimos

ti — assim; uktvā — dizendo; roṣa-tāmraakṣaḥ – com olhos vermelhos devido a estar irado; vayasyān — com os companheiros de folguedos; ṛṣi-bālakaḥ — o filho do ṛṣi; kauśikī — o rio Kauśikā; āpaḥ — água; upaspṛśya — tocando; vāk — palavras; vajram — tempestade; visasarja — lançou; ha — no passado.

Tradução

O filho do ṛṣi, com seus olhos vermelhos de ira, tocou a água do rio Kauśika enquanto falava com seus companheiros de folguedos e descarregou a seguinte tempestade de palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—As circunstâncias sob as quais Mahārāja Parīkṣit foi amaldiçoado eram simplesmente infantis, como se depreende deste verso. Śṛṅgi estava mostrando sua insolência entre seus companheiros de folguedos, que eram inocentes. Qualquer homem são o teria impedido de causar um mal tão grande a toda a sociedade humana. Ao matar um rei como Mahārāja Parīkṣit, apenas para fazer uma exibição de poder bramânico adquirido, o inexperiente filho de brāhmaṇa cometeu um grande erro.

Texto

iti laṅghita-maryādaṁ
takṣakaḥ saptame ’hani
daṅkṣyati sma kulāṅgāraṁ
codito me tata-druham

Sinônimos

iti — da seguinte maneira; laṅghita — ultrapassando; maryādam — etiqueta; takṣakaḥ — serpente alada; saptame — no sétimo; ahani — dia; daṅkṣyati — picará; sma — certamente; kulaaṅgāram – o mais vil da dinastia; coditaḥ — tendo feito; me — meu; tatadruham – hostilidade contra o pai.

Tradução

O filho do brāhmaṇa amaldiçoou o rei da seguinte maneira: No sétimo dia a partir de hoje, uma serpente alada picará o mais vil desta dinastia [Mahārāja Parīkṣit], pois ele violou as leis da etiqueta ao insultar meu pai.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim teve início a má utilização do poder bramânico, e, pouco a pouco, os brāhmaṇas na era de Kali tornaram-se destituídos tanto de poderes bramânicos quanto de cultura. O menino brāhmaṇa considerou Mahārāja Parīkṣit como um kulāṅgāra, ou o mais vil da dinastia, mas, na verdade, o próprio menino brāhmaṇa o era, porque unicamente a partir dele é que a casta brāhmaṇa ficou sem poder, assim como uma serpente cujos dentes venenosos são quebrados. A serpente é temível enquanto tem seus dentes venenosos; de outra forma, ela só causa medo às crianças. A personalidade de Kali conquistou primeiro o menino brāhmaṇa, e, gradualmente, as outras castas. Assim, todo o sistema científico de ordens da sociedade nesta era assumiu a forma de um sistema de castas vicioso, que agora está sendo extirpado por outra classe de homens de igual maneira influenciados pela era de Kali. Devemos ver a causa fundamental da viciação e não tentar condenar o sistema em si, sem conhecimento de seu valor científico.

Texto

tato ’bhyetyāśramaṁ bālo
gale sarpa-kalevaram
pitaraṁ vīkṣya duḥkhārto
mukta-kaṇṭho ruroda ha

Sinônimos

tataḥ — a seguir; abhyetya — após entrar em; āśramam — o eremitério; bālaḥ — menino; gale sarpa — a serpente no ombro; kalevaram — corpo; pitaram — do pai; vīkṣya — tendo visto; duḥkha-ārtaḥ — em estado aflitivo; mukta-kaṇṭhaḥ — muito alto; ruroda — chorou; ha — no passado.

Tradução

A seguir, quando o menino regressou ao eremitério, viu uma serpente no ombro de seu pai e, movido pela aflição, chorou muito alto.

Comentário

SIGNIFICADO—O menin bno estava descontente porque cometera um grande erro, e ele queria aliviar-se do peso em seu coração através do choro. Desse modo, após entrar no eremitério e ver seu pai naquelas condições, chorou em altas vozes buscando aliviar-se. Mas já era tarde demais. O pai só pôde deplorar todo o incidente.

Texto

sa vā āṅgiraso brahman
śrutvā suta-vilāpanam
unmīlya śanakair netre
dṛṣṭvā cāṁse mṛtoragam

Sinônimos

saḥ — ele; vai — também; āṅgirasaḥ — o ṛṣi nascido na família de Aṅgirā; brahman — ó Śaunaka; śrutvā — ao ouvir; suta — seu filho; vilāpanam — chorando de aflição; unmīlya — abrindo; śanakaiḥ — gradualmente; netre — pelos olhos; dṛṣṭvā — ao ver; ca — também; aṁse — no ombro; mṛta — morta; uragam — serpente.

Tradução

Ó brāhmaṇas, ao ouvir seu filho chorando, o ṛṣi, que nascera na família de Aṅgirā Muni, gradualmente abriu seus olhos e viu a serpente morta em torno de seu pescoço.

Texto

visṛjya taṁ ca papraccha
vatsa kasmād dhi rodiṣi
kena vā te ’pakṛtam
ity uktaḥ sa nyavedayat

Sinônimos

visṛjya — atirando de lado; tam — aquela; ca — também; papraccha — perguntou; vatsa — meu querido filho; kasmāt — por que; hi — certamente; rodiṣi — chorando; kena — por quem; — de outro modo; te — eles; apakṛtam — mal comportado; iti — assim; uktaḥ — sendo interrogado; saḥ — o menino; nyavedayat — informou sobre tudo.

Tradução

Atirou de lado a serpente morta e perguntou a seu filho por que ele estava chorando, se alguém lhe fizera mal. Ao ouvir isso, o filho explicou-lhe o que tinha acontecido.

Comentário

SIGNIFICADO—O pai não levou muito a sério a serpente morta em seu pescoço. Ele simplesmente a jogou fora. Na verdade, não havia nada de seriamente errado no ato de Mahārāja Parīkṣit, mas o filho tolo levou isso muito a sério e, influenciado por Kali, amaldiçoou o rei e, desse modo, encerrou mais um capítulo de uma história feliz.

Texto

niśamya śaptam atad-arhaṁ narendraṁ
sa brāhmaṇo nātmajam abhyanandat
aho batāṁho mahad adya te kṛtam
alpīyasi droha urur damo dhṛtaḥ

Sinônimos

niśamya — após ouvir; śaptam — amaldiçoado; atadarham – nunca devesse ser condenado; naraindram – ao rei, o melhor da humanidade; saḥ — este; brāhmaṇaḥ — o brāhmaṇa-ṛṣi; na — não; ātmajam – seu próprio filho; abhyanandat — congratulou-se; aho — ai de mim; bata — afligindo; aṁhaḥ — pecados; mahat — grandes; adya — hoje; te — tu próprio; kṛtam — executaste; alpīyasi — insignificante; drohe — ofensa; uruḥ — muito grande; damaḥ — punição; dhṛtaḥ — aplicou.

Tradução

O filho contou ao pai que havia amaldiçoado o rei, embora este nunca devesse ter sido condenado, pois era o melhor entre todos os seres humanos. O ṛṣi não pôde congratular-se com seu filho, mas, ao invés disso, começou a lamentar-se, dizendo: Ai de mim! Meu filho cometeu um ato pecaminoso terrível, aplicando uma pesada punição a uma ofensa insignificante.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei é o melhor de todos os seres humanos. Ele é o representante de Deus e nunca deve ser condenado por quaisquer de suas ações. Em outras palavras, o rei não pode cometer erros. Pode ser que o rei mande enforcar um réu filho de brāhmaṇa, mas ele não se torna pecaminoso por matar um brāhmaṇa. Mesmo que haja algo errado com o rei, ele jamais deve ser condenado. Pode ser que um médico praticante mate um paciente por tratamento incorreto, mas um matador assim nunca é condenado à morte. O que dizer, então, de um rei bom e piedoso como Mahārāja Parīkṣit? No modo de vida védico, o rei é treinado para tornar-se rājarṣi, ou grande santo, embora esteja governando como rei. É apenas através do bom governo do rei que os cidadãos podem viver pacificamente e sem qualquer medo. Os rājarṣis governavam seus reinos tão bem e piedosamente que seus súditos os respeitavam como se eles fossem o Senhor. Essa é a instrução dos Vedas. O rei se chama narendra, ou o melhor entre os seres humanos. Como, então, um rei como Mahārāja Parīkṣit poderia ser condenado por um filho de brāhmaṇa inexperiente e vaidoso, muito embora este tivesse alcançado os poderes de um brāhmaṇa qualificado?

Como Śamīka Ṛṣi era um brāhmaṇa bom e experiente, ele não aprovou as ações de seu filho condenado. Ele começou a lamentar-se por tudo o que seu filho havia feito. O rei estava além da jurisdição das maldições como uma regra geral, e o que dizer de um rei bom como Mahārāja Parīkṣit. A ofensa do rei fora das mais insignificantes, e sua condenação à morte fora certamente um grande pecado de Śṛṅgi. Portanto, o ṛṣi Śamīka deplorou todo o incidente.

Texto

na vai nṛbhir nara-devaṁ parākhyaṁ
sammātum arhasy avipakva-buddhe
yat-tejasā durviṣaheṇa guptā
vindanti bhadrāṇy akutobhayāḥ prajāḥ

Sinônimos

na — nunca; vai — como uma questão de fato; nṛbhiḥ — por homem algum; nara-devam — ao homem-deus; para-ākhyam — que é transcendental; sammātum — colocar em pé de igualdade; arhasi — pelos poderes; avipakva — verde ou imaturo; buddhe — inteligência; yat — de quem; tejasā — pelos poderes; durviṣahena — insuperáveis; guptāḥ — protegidos; vindanti — desfrutam; bhadrāṇi — toda a prosperidade; akutaḥ-bhayāḥ — completamente defendidos; prajāḥ — os súditos.

Tradução

Ó meu filho, tua inteligência é imatura e, portanto, não tens conhecimento de que o rei, que é o melhor entre os seres humanos, é tão bom como a Personalidade de Deus. Ele nunca deve ser posto em pé de igualdade com os homens comuns. Os cidadãos do estado vivem em prosperidade, sendo protegidos pelos seus poderes insuperáveis.

Texto

alakṣyamāṇe nara-deva-nāmni
rathāṅga-pāṇāv ayam aṅga lokaḥ
tadā hi caura-pracuro vinaṅkṣyaty
arakṣyamāṇo ’vivarūthavat kṣaṇāt

Sinônimos

alakṣyamāṇe — sendo abolido; nara-deva — monárquico; nāmni — do nome; ratha-aṅga-pāṇau — o representante do Senhor; ayam — este; aṅga — ó meu filho; lokaḥ — este mundo; tadā hi — de imediato; caura — ladrões; pracuraḥ — demasiados; vinaṅkṣyati — aniquilam; arakṣyamāṇaḥ — não estando protegidos; avivarūtha-vat — como cordeiros; kṣaṇāt — de imediato.

Tradução

Meu caro filho, o Senhor, que carrega a roda de uma quadriga, é representado pelo regime monárquico, e, quando esse regime é abolido, todo o mundo se enche de ladrões, que então aniquilam imediatamente os súditos desprotegidos como se fossem cordeiros dispersos.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo o Śrīmad-Bhāgavatam, o regime monárquico representa o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus. Afirma-se que o rei é o representante da Absoluta Personalidade de Deus porque ele é treinado na aquisição de qualidades divinas para proteger os seres vivos. A Guerra de Kurukṣetra foi planejada pelo Senhor para estabelecer o verdadeiro representante do Senhor, Mahārāja Yudhiṣṭhira. Um rei ideal, inteiramente treinado através da cultura e do serviço devocional com espírito marcial, torna-se um rei perfeito. Essa monarquia pessoal é muito melhor que a dita democracia, sem treinamento nem responsabilidade. Os ladrões e assaltantes da democracia moderna buscam a eleição pela farsa dos votos, e os ladrões e assaltantes bem-sucedidos devoram as massas populares. Um monarca treinado é muito melhor do que milhares de assaltantes ministeriais inúteis, e aqui se indica que, pela abolição de um regime monárquico como o de Mahārāja Parīkṣit, as massas populares tornam-se abertas a muitos ataques da era de Kali. Elas nunca são felizes numa forma de democracia tão largamente alardeada. O resultado de tal administração sem rei é descrito nos versos seguintes.

Texto

tad adya naḥ pāpam upaity ananvayaṁ
yan naṣṭa-nāthasya vasor vilumpakāt
parasparaṁ ghnanti śapanti vṛñjate
paśūn striyo ’rthān puru-dasyavo janāḥ

Sinônimos

tat — por esta razão; adya — a partir deste dia; naḥ — sobre nós; pāpam — reação do pecado; upaiti — dominarão; ananvayam — convulsões; yat — porque; naṣṭa — abolida; nāthasya — da monarquia; vasoḥ — da riqueza; vilumpakāt — sendo saqueados; parasparam — entre si; ghnanti — matarão; śapanti — farão mal; vṛñjate — roubarão; paśūn — animais; striyaḥ — mulheres; arthān — riquezas; puru — muito; dasyavaḥ — ladrões; janāḥ — as massas populares.

Tradução

Devido ao término dos regimes monárquicos e ao saque da riqueza do povo por parte de ladrões e salteadores, haverá grandes convulsões sociais. O povo será morto e ferido, e os animais e as mulheres serão raptados. E nós seremos os responsáveis por todos esses pecados.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra naḥ (nós) é muito significativa neste verso. O sábio toma corretamente os brāhmaṇas, como uma comunidade, como sendo responsáveis pela eliminação do governo monárquico, dando, assim, oportunidade aos supostos democratas, os quais, em geral, são assaltantes da riqueza dos súditos do estado. Os ditos democratas se apoderam da máquina administrativa sem responsabilizar-se em dar uma condição próspera aos cidadãos. Todos tomam seus postos em troca de gozo pessoal, e assim, ao invés de um único rei, crescem inúmeros reis irresponsáveis para cobrar impostos dos cidadãos. Aqui se prevê que, na ausência de um bom governo monárquico, todos serão causa de perturbação para os demais mediante o assalto às riquezas, aos animais, às mulheres etc.

Texto

tadārya-dharmaḥ pravilīyate nṛṇāṁ
varṇāśramācāra-yutas trayīmayaḥ
tato ’rtha-kāmābhiniveśitātmanāṁ
śunāṁ kapīnām iva varṇa-saṅkaraḥ

Sinônimos

tadā — nessa altura; ārya — civilização progressista; dharmaḥ — ocupações; pravilīyate — é sistematicamente destruída; nṛṇām — da humanidade; varṇa — casta; āśrama — ordens da sociedade; ācārayutaḥ – compostas de boa maneira; trayī-mayaḥ — em termos dos preceitos védicos; tataḥ — depois disso; artha — desenvolvimento econômico; kāma-abhiniveśita — plenamente absortas no gozo dos sentidos; ātmanām — dos homens; śunām — como cães; kapīnām — como macacos; iva — assim; varṇa-saṅkaraḥ — população indesejada.

Tradução

Nessa altura, as pessoas em geral se desviarão sistematicamente do caminho de uma civilização progressista com respeito às ocupações qualitativas das castas e ordens da sociedade e aos preceitos védicos. Assim, elas se atrairão mais pelo desenvolvimento econômico para o gozo dos sentidos, e, como resultado, haverá população indesejada ao nível de cães e macacos.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui se prevê que, na ausência de um regime monárquico, as massas populares em geral serão constituídas de uma população indesejada semelhante a cães e macacos. Assim como os macacos são demasiadamente propensos sexualmente e os cães são desavergonhados no intercurso sexual, a massa da população em geral nascida de ligações ilegítimas sistematicamente se afastará do caminho védico das boas maneiras e das ocupações qualitativas nas castas e ordens de vida.

O modo de vida védico é a marcha progressiva da civilização dos arianos. Os arianos são progressistas em civilização védica. O destino da civilização védica é voltar ao Supremo, voltar ao lar, onde não há nascimento, morte, velhice nem doença. Os Vedas orientam todos a não permanecerem na escuridão do mundo material, mas a prosseguirem adiante rumo à luz do reino espiritual, muito além do céu material. O sistema qualitativo de castas e as ordens de vida são planejados cientificamente pelo Senhor e Seus representantes, os grandes ṛṣis. O modo perfeito de vida proporciona toda espécie de instruções tanto em tópicos materiais quanto espirituais. O modo védico de vida não permite que homem algum seja como os macacos e os cães. Uma civilização degradada no gozo dos sentidos e desenvolvimento econômico é o subproduto de um governo ateu ou sem rei, do povo, pelo povo e para o povo. O povo não deve, portanto, ressentir-se das pobres administrações eleitas por ele mesmo.

Texto

dharma-pālo nara-patiḥ
sa tu samrāḍ bṛhac-chravāḥ
sākṣān mahā-bhāgavato
rājarṣir haya-medhayāṭ
kṣut-tṛṭ-śrama-yuto dīno
naivāsmac chāpam arhati

Sinônimos

dharma-pālaḥ — o protetor da religião; nara-patiḥ — o rei; saḥ — ele; tu — mas; samrāṭ — imperador; bṛhat — altamente; śravāḥ — célebre; sākṣāt — diretamente; mahā-bhāgavataḥ — o devoto de primeira classe do Senhor; rāja-ṛṣiḥ — santo entre a ordem real; haya-medhayāṭ — grande realizador de sacrifícios de cavalos; kṣut — fome; tṛṭ — sede; śrama-yutaḥ — cansado ou fatigado; dīnaḥ — atingido; na — absolutamente; eva — assim; asmat — por nós; śāpam — maldição; arhati — merece.

Tradução

O imperador Parīkṣit é um rei piedoso. Ele é altamente célebre e um devoto de primeira classe da Personalidade de Deus. Ele é um santo entre a realeza e executou muitos sacrifícios de cavalos. Quando semelhante rei está cansado ou fatigado, sendo atingido pela fome e pela sede, ele não merece ser amaldiçoado de modo algum.

Comentário

SIGNIFICADO—Após explicar os códigos gerais relacionados à posição real e depois de afirmar que o rei não pode cometer erros e, portanto, nunca deve ser condenado, o sábio Śamīka quis dizer algo específico sobre o imperador Parīkṣit. A qualificação específica de Mahārāja Parīkṣit é resumida aqui. O rei, mesmo considerado somente como rei, era muito famoso como um governante que administrava os princípios religiosos da ordem real. Nos śāstras, prescrevem-se os deveres de todas as castas e ordens da sociedade. Todas as qualidades de um kṣatriya mencionadas na Bhagavad-gītā (18.43) estavam presentes na pessoa do imperador. Ele também era um grande devoto do Senhor e uma alma autorrealizada. Amaldiçoar semelhante rei, por ele estar cansado ou fatigado, com fome e sede, não foi apropriado de modo algum. Assim, Śamīka Ṛṣi admitiu, sob todos os pontos de vista, que Mahārāja Parīkṣit fora amaldiçoado da maneira mais injusta. Embora todos os brāhmaṇas estivessem à parte do incidente, ainda assim, devido à ação infantil de um menino brāhmaṇa, toda a situação do mundo se transformou. Desse modo, o ṛṣi Śamīka, um brāhmaṇa, tomou sobre si a responsabilidade de toda a deterioração da boa ordem do mundo.

Texto

apāpeṣu sva-bhṛtyeṣu
bālenāpakva-buddhinā
pāpaṁ kṛtaṁ tad bhagavān
sarvātmā kṣantum arhati

Sinônimos

apāpeṣu — àquele que está completamente livre de todos os pecados; sva-bhṛtyeṣu — àquele que é subordinado e merece ser protegido; bālena — por uma criança; apakva — que é imatura; buddhinā — pela inteligência; pāpam — ato pecaminoso; kṛtam — tem sido feito; tat bhagavān — portanto, a Personalidade de Deus; sarva-ātmā — que é onipenetrante; kṣantum — simplesmente para perdoar; arhati — merece.

Tradução

Então, o ṛṣi orou à onipenetrante Personalidade de Deus para que perdoasse seu filho imaturo, que não tinha inteligência e que cometera o grande pecado de amaldiçoar alguém que estava completamente livre de todos os pecados, que era subordinado e que merecia proteção.

Comentário

SIGNIFICADO—Todos são responsáveis pelas próprias ações, sejam piedosas ou pecaminosas. O ṛṣi Śamīka pôde prever que seu filho cometera um grande pecado ao amaldiçoar Mahārāja Parīkṣit, o qual merecia ser protegido pelos brāhmaṇas, pois era um governante piedoso e completamente livre de todos os pecados por ser um devoto de primeira classe do Senhor. Quando se comete uma ofensa ao devoto do Senhor, é muito difícil superar a reação. Os brāhmaṇas, estando na cabeça das ordens sociais, destinam-se a proteger seus subordinados, e não a amaldiçoá-los. Há ocasiões em que um brāhmaṇa pode amaldiçoar furiosamente um subordinado kṣatriya ou vaiśya etc., mas, no caso de Mahārāja Parīkṣit, não havia fundamento para isso, como já se explicou. O menino brāhmaṇa o fez devido à simples vaidade de ser filho de brāhmaṇa e, assim, tornou-se passível de punição pela lei de Deus. O Senhor nunca perdoa alguém que condene Seu devoto puro. Portanto, ao amaldiçoar o rei, o tolo Śṛṅgi cometera não apenas um pecado, mas também a maior ofensa. Portanto, o ṛṣi pôde prever que somente a Suprema Personalidade de Deus poderia salvar seu filho do ato pecaminoso. Portanto, ele orou diretamente pedindo perdão ao Senhor Supremo, o qual é o único que pode desfazer algo impossível de ser mudado. O apelo foi feito em nome de um menino tolo que não tinha desenvolvido inteligência alguma.

Pode-se levantar aqui a questão de que, se era desejo do Senhor que Mahārāja Parīkṣit fosse colocado naquela posição incômoda para que pudesse libertar-se da existência material, por que, então, um filho de brāhmaṇa era tido como responsável por esse ato ofensivo? A resposta é que o ato ofensivo fora executado por uma criança somente para que ela pudesse ser facilmente perdoada, e, assim, a oração do pai foi aceita. Mas caso se questione o motivo pelo qual a comunidade brāhmaṇa foi responsabilizada como um todo por permitir a presença de Kali nos afazeres do mundo, apresenta-se a seguinte resposta no Varāha Purāṇa: que os demônios, que agiram com hostilidade contra a Personalidade de Deus, mas não foram mortos pelo Senhor, obtiveram permissão de nascer nas famílias dos brāhmaṇas para aproveitarem-se da era de Kali. O Senhor todo-misericordioso deu-lhes uma oportunidade de nascerem em famílias de brāhmaṇas piedosos para que eles pudessem progredir no caminho da salvação. Mas os demônios, ao invés de utilizar a boa oportunidade, abusaram da cultura bramânica deixando-se inflar pela vaidade de terem-se tornado brāhmaṇas. O exemplo típico é o filho de Śamīka Ṛṣi, e todos os filhos tolos de brāhmaṇas são aqui aconselhados a não se tornarem tão tolos como Śṛṅgi e precaverem-se sempre contra as qualidades demoníacas que tiveram em seus nascimentos anteriores. É claro que o menino tolo teve o perdão do Senhor, mas outros, que talvez não tenham um pai como Śamīka Ṛṣi, serão postos em grande dificuldade se abusarem das vantagens obtidas pelo nascimento em família brāhmaṇa.

Texto

tiraskṛtā vipralabdhāḥ
śaptāḥ kṣiptā hatā api
nāsya tat pratikurvanti
tad-bhaktāḥ prabhavo ’pi hi

Sinônimos

tiraḥ-kṛtāḥ — sendo difamados; vipralabdhāḥ — sendo trapaceados; śaptāḥ — sendo amaldiçoados; kṣiptāḥ — perturbados pela negligência; hatāḥ — ou mesmo sendo mortos; api — também; na — nunca; asya — por todos esses atos; tat — os; pratikurvanti — neutralizar; tat — do Senhor; bhaktāḥ — devotos; prabhavaḥ — poderosos; api — embora; hi — certamente.

Tradução

Os devotos do Senhor são tão indulgentes que mesmo que sejam difamados, trapaceados, amaldiçoados, perturbados, negligenciados ou mesmo mortos, nunca têm inclinação a se vingarem.

Comentário

SIGNIFICADO—O ṛṣi Śamīka sabia também que o Senhor não perdoa a alguém que tenha cometido uma ofensa aos pés de lótus de um devoto. O Senhor pode somente orientar que se busque abrigo no devoto. O ṛṣi pensou consigo mesmo que, se Mahārāja Parīkṣit amaldiçoasse de volta o menino, ele poderia salvar-se. Porém, ele também sabia que o devoto puro é indiferente às vantagens ou reveses mundanos. Assim, os devotos nunca são propensos a revidar difamações pessoais, maldições, negligências etc. No que diz respeito a essas coisas, os devotos não ligam para questões pessoais. No entanto, no caso de elas serem executadas contra o Senhor e Seus devotos, os devotos tomam providências enérgicas. Aquela era uma questão pessoal, e, em razão disso, Śamīka Ṛṣi sabia que o rei não revidaria. Assim, não havia alternativa além de fazer um apelo ao Senhor para o menino imaturo.

Não é que apenas os brāhmaṇas sejam poderosos o bastante para amaldiçoar ou abençoar seus subordinados; o devoto do Senhor, mesmo que não seja um brāhmaṇa, é mais poderoso que um brāhmaṇa. Um devoto poderoso, todavia, nunca abusa do poder para benefício pessoal. Qualquer que seja o poder que o devoto tenha, sempre o utiliza apenas no serviço ao Senhor e Seus devotos.

Texto

iti putra-kṛtāghena
so ’nutapto mahā-muniḥ
svayaṁ viprakṛto rājñā
naivāghaṁ tad acintayat

Sinônimos

iti — dessa maneira; putra — filho; kṛta — feito por; aghena — pelo pecado; saḥ — ele (o muni); anutaptaḥ — lamentando-se; mahāmuniḥ – o sábio; svayam — pessoalmente; viprakṛtaḥ — sendo assim insultado; rājñā — pelo rei; na — não; eva — certamente; agham — o pecado; tat — que; acintayat — julgou isso.

Tradução

Dessa maneira, o sábio se lamentou pelo pecado cometido por seu próprio filho. Ele não levou muito a sério o insulto cometido pelo rei.

Comentário

SIGNIFICADO—Agora se esclarece todo o incidente. O fato de Mahārāja Parīkṣit ter enguirlandado o sábio com uma serpente morta não foi, de modo algum, uma ofensa muito séria, mas o fato de Śṛṅgi ter amaldiçoado o rei foi uma ofensa séria. A ofensa séria foi cometida por uma mera criança tola, em virtude do que ela merecia ser perdoada pelo Senhor Supremo, embora não fosse possível livrar-se da reação pecaminosa. Mahārāja Parīkṣit também não se importou com a maldição lançada contra ele por um brāhmaṇa tolo. Ao contrário, aproveitou-se totalmente da situação incômoda, e, pela grandiosa vontade do Senhor, Mahārāja Parīkṣit atingiu a perfeição máxima da vida através da graça de Śrīla Śukadeva Gosvāmī. Na verdade, esse era o desejo do Senhor, e Mahārāja Parīkṣit, o ṛṣi Śamīka e seu filho Śṛṅgi foram todos instrumentos no cumprimento do desejo do Senhor. Assim, nenhum deles foi posto em dificuldade porque tudo foi feito em conexão com a Pessoa Suprema.

Texto

prāyaśaḥ sādhavo loke
parair dvandveṣu yojitāḥ
na vyathanti na hṛṣyanti
yata ātmā ’guṇāśrayaḥ

Sinônimos

prāyaśaḥ — geralmente; sādhavaḥ — santos; loke — neste mundo; paraiḥ — por outros; dvandveṣu — em dualidade; yojitāḥ — estando ocupados; na — nunca; vyathanti — afligidos; na — tampouco; hṛṣyanti — sentem prazer; yataḥ — porque; ātmā — o eu; aguṇa-āśrayaḥ — transcendental.

Tradução

Em geral, os transcendentalistas, muito embora ocupados por outros nas dualidades do mundo material, não se afligem. Tampouco eles sentem prazer [em coisas mundanas], pois estão ocupados transcendentalmente.

Comentário

SIGNIFICADO—Os transcendentalistas são os filósofos empíricos, os místicos e os devotos do Senhor. Os filósofos empíricos intencionam alcançar a perfeição de se fundirem no ser do Absoluto, os místicos intencionam perceber a Superalma onipenetrante, e os devotos do Senhor ocupam-se no transcendental serviço amoroso à Personalidade de Deus. Uma vez que Brahman, Paramātmā e Bhagavān são diferentes fases da mesma Transcendência, todos esses transcendentalistas estão além dos três modos da natureza material. Aflição e felicidade materiais são produtos dos três modos, de forma que as causas dessa aflição e felicidade materiais nada têm a ver com os transcendentalistas. O rei era um devoto, e o ṛṣi era um místico. Portanto, ambos estavam desapegados do acontecimento acidental criado pela vontade suprema. A criança travessa foi um instrumento no cumprimento da vontade do Senhor.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do primeiro canto, décimo oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Mahārāja Parīkṣit é Amaldiçoado por um Menino Brāhmaṇa”.