Skip to main content

CAPÍTULO QUATRO

Hiraṇyakaśipu Aterroriza o Universo

Este capítulo descreve na íntegra como Hiraṇyakaśipu, tendo obtido poder do senhor Brahmā, não soube aplicá-lo bem e, com isso, causou transtornos a todas as entidades vivas deste universo.

Através de severas austeridades, Hiraṇyakaśipu satisfez o senhor Brahmā e obteve as bênçãos que desejava. Após receber essas bênçãos, seu corpo, que fora quase totalmente consumido, foi revivido e tinha acentuada beleza e um brilho que lembrava ouro. Entretanto, incapaz de se esquecer do fato de que o Senhor Viṣṇu matara seu irmão, ele continuou a invejar o Senhor Viṣṇu. Nas dez direções e nos três mundos, Hiraṇyakaśipu subjugou todos, e colocou sob seu controle todas as entidades vivas, tanto os semideuses quanto os asuras. Tornando-se o dono de todos os ambientes, incluindo a residência de Indra, o qual ele expulsou, Hiraṇyakaśipu passou a desfrutar da vida com muitos deleites e, dessa maneira, enlouqueceu. À exceção do Senhor Viṣṇu, do senhor Brahmā e do senhor Śiva, todos os semideuses ficaram sob seu controle e começaram a servi-lo, mas, apesar de todo o seu poder material, ele estava insatisfeito porque era sempre arrogante e sentia orgulho de transgredir as regulações védicas. Todos os brāhmaṇas estavam descontentes com ele e, em verdade, rogaram-lhe maldições. Por fim, todas as entidades vivas do universo, representadas pelos semideuses e sábios, oraram ao Senhor Supremo para se libertarem do governo de Hiraṇyakaśipu.

O Senhor Viṣṇu informou aos semideuses que eles e as demais entidades vivas seriam salvos das condições temíveis criadas por Hiraṇyakaśipu. Como oprimia todos os semideuses, os seguidores dos Vedas, as vacas, os brāhmaṇas e as pessoas santas religiosas, e como invejava o Senhor Supremo, Hiraṇyakaśipu naturalmente seria morto sem demora. Como sua última maldade, Hiraṇyakaśipu atormentaria seu próprio filho Prahlāda, que era um mahā-bhāgavata, um vaiṣṇava elevado. Então, sua vida terminaria. Quando os semideuses obtiveram essa garantia que lhes foi dada pela Suprema Personalidade de Deus, todos ficaram satisfeitos, sabendo que os tormentos a eles infligidos por Hiraṇyakaśipu terminariam.

Enfim, Nārada Muni descreve as características de Prahlāda Mahārāja, o filho de Hiraṇyakaśipu, e descreve como o pai inveja o próprio filho qualificado. Nesse ponto da história, este capítulo termina.

Texto

śrī-nārada uvāca
evaṁ vṛtaḥ śata-dhṛtir
hiraṇyakaśipor atha
prādāt tat-tapasā prīto
varāṁs tasya sudurlabhān

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Śrī Nārada Muni disse; evam — assim; vṛtaḥ — solicitado; śata-dhṛtiḥ — senhor Brahmā; hiraṇyakaśipoḥ — de Hiraṇyakaśipu; atha — então; prādāt — concedeu; tat — suas; tapasā — com as difíceis austeridades; prītaḥ — estando satisfeito; varān — bênçãos; tasya — a Hiraṇyakaśipu; su-durlabhān — muito raramente obtidas.

Tradução

Nārada Muni continuou: O senhor Brahmā estava muito satisfeito com as austeridades de Hiraṇyakaśipu, que eram difíceis de serem realizadas. Portanto, quando solicitado para conferir bênçãos, ele, sim, concedeu-as, embora fossem bênçãos raramente obtidas.

Texto

śrī-brahmovāca
tāteme durlabhāḥ puṁsāṁ
yān vṛṇīṣe varān mama
tathāpi vitarāmy aṅga
varān yadyapi durlabhān

Sinônimos

śrī-brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; tāta — ó querido filho; ime — todas estas; durlabhāḥ — muito raramente obtidas; puṁsām — pelos homens; yān — aquelas que; vṛṇīṣe — pedes; varān — bênçãos; mama — a mim; tathāpi — mesmo assim; vitarāmi — concederei; aṅga — ó Hiraṇyakaśipu; varān — as bênçãos; yadyapi — embora; durlabhān — de um modo geral, não sejam acessíveis.

Tradução

O senhor Brahmā disse: Ó Hiraṇyakaśipu, essas bênçãos que pediste são de difícil obtenção pela maior parte dos homens. Entretanto, ó meu filho, eu as concederei a ti, mesmo que, em geral, elas não sejam obteníveis.

Comentário

SIGNIFICADO—Nem sempre as bênçãos materiais são dignas de serem chamadas de bênçãos. Se alguém acumula cada vez mais riquezas, a própria bênção pode tornar-se uma maldição, pois, assim como para alcançar opulência material neste mundo é preciso grande força e esforço, mantê-la também requer muito esforço. O senhor Brahmā informou a Hiraṇyakaśipu que, embora estivesse disposto a lhe oferecer tudo o que este pedira, Hiraṇyakaśipu teria muita dificuldade de manter o resultado das bênçãos. Entretanto, como havia prometido, o senhor Brahmā queria conceder todas as bênçãos pedidas. A palavra durlabhān indica que ninguém deve buscar receber bênçãos de que não possa desfrutar pacificamente.

Texto

tato jagāma bhagavān
amoghānugraho vibhuḥ
pūjito ’sura-varyeṇa
stūyamānaḥ prajeśvaraiḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; jagāma — partiu; bhagavān — o poderosíssimo senhor Brahmā; amogha — infalível; anugrahaḥ — cuja bênção; vibhuḥ — o supremo dentro deste universo; pūjitaḥ — sendo adorado; asura-varyeṇa — pelo demônio mais elevado (Hiraṇyakaśipu); stūyamānaḥ — sendo louvado; prajā-īśvaraiḥ — por muitos semideuses, os senhores de diferentes regiões.

Tradução

Então, o senhor Brahmā, que concede bênçãos infalíveis, partiu, sendo adorado pelo melhor dos demônios, Hiraṇyakaśipu, e sendo louvado pelos grandes sábios e pessoas santas.

Texto

evaṁ labdha-varo daityo
bibhrad dhemamayaṁ vapuḥ
bhagavaty akarod dveṣaṁ
bhrātur vadham anusmaran

Sinônimos

evam — assim; labdha-varaḥ — tendo obtido a dádiva desejada; daityaḥ — Hiraṇyakaśipu; bibhrat — adquirindo; hema-mayam — possuindo o brilho do ouro; vapuḥ — um corpo; bhagavati — ao Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus; akarot — manteve; dveṣam — inveja; bhrātuḥ vadham — o aniquilamento do seu irmão; anusmaran — sempre pensando em.

Tradução

O demônio Hiraṇyakaśipu, recebendo, portanto, bênçãos do senhor Brahmā e adquirindo um brilhante corpo dourado, continuou a recordar a morte de seu irmão e, portanto, seguia invejando o Senhor Viṣṇu.

Comentário

SIGNIFICADO—A pessoa demoníaca, mesmo após adquirir todas as opulências possíveis de serem obtidas neste universo, continua a invejar a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

sa vijitya diśaḥ sarvā
lokāṁś ca trīn mahāsuraḥ
devāsura-manuṣyendra-
gandharva-garuḍoragān
siddha-cāraṇa-vidyādhrān
ṛṣīn pitṛ-patīn manūn
yakṣa-rakṣaḥ-piśāceśān
preta-bhūta-patīn api
sarva-sattva-patīñ jitvā
vaśam ānīya viśva-jit
jahāra loka-pālānāṁ
sthānāni saha tejasā

Sinônimos

saḥ — ele (Hiraṇyakaśipu); vijitya — conquistando; diśaḥ — as direções; sarvāḥ — todas; lokān — sistemas planetários; ca — e; trīn — três (superior, intermediário e inferior); mahā-asuraḥ — o grande demônio; deva — os semideuses; asura — os demônios; manuṣya — dos seres humanos; indra — os reis; gandharva — os Gandharvas; garuḍa — os Garuḍas; uragān — as grandes serpentes; siddha — os Siddhas; cāraṇa — os Cāraṇas; vidyādhrān — os Vidyādharas; ṛṣīn — os grandes sábios e pessoas santas; pitṛ-patīn — Yamarāja e os outros líderes dos Pitās; manūn — todos os diferentes Manus; yakṣa — os Yakṣas; rakṣaḥ — os Rākṣasas; piśāca-īśān — os líderes de Piśācaloka; preta — dos Pretas; bhūta — e dos Bhūtas; patīn — os mestres; api — também; sarva-sattva-patīn — os mestres de todos os diferentes planetas; jitvā — subjugando; vaśam ānīya — colocando sob controle; viśva-jit — o conquistador de todo o universo; jahāra — usurpou; loka-pālānām — dos semideuses que administram os afazeres universais; sthānāni — os lugares; saha — com; tejasā — todo o poder deles.

Tradução

Hiraṇyakaśipu se tornou o conquistador de todo o universo. Na verdade, esse grande demônio conquistou todos os planetas dos três mundos – superior, intermediário e inferior –, incluindo os planetas dos seres humanos, dos Gandharvas, dos Garuḍas, das grandes serpentes, dos Siddhas, Cāraṇas e Vidyādharas, dos grandes santos, de Yamarāja, dos Manus, dos Yakṣas, dos Rākṣasas, das Piśācas e seus amos, e dos mestres dos fantasmas e Bhūtas. Ele derrotou os governantes de todos os outros planetas onde há entidades vivas e os colocou sob seu controle. Conquistando as moradas de todos, ele lhes arrebatou o poder e a influência.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra garuḍa, encontrada neste verso, indica que existem planetas de pássaros enormes como Garuḍa. Do mesmo modo, a palavra uraga indica que existem planetas habitados por grandes serpentes. Essas descrições dos vários planetas do universo podem desafiar os cientistas modernos, que pensam que, excetuando a Terra, todos os planetas são vazios. Esses cientistas alegam terem feito uma expedição à Lua, onde não encontraram entidades vivas, mas apenas grandes crateras cheias de poeiras e pedras, embora a Lua seja de fato tão brilhante que ilumina todo o universo como se ela própria fosse o Sol. Evidentemente, não é possível incutir nos cientistas modernos a informação védica a respeito do universo. Todavia, não estamos muito impressionados com as palavras dos cientistas que dizem que todos os outros planetas são vazios e que somente a Terra é repleta de entidades vivas.

Texto

devodyāna-śriyā juṣṭam
adhyāste sma tri-piṣṭapam
mahendra-bhavanaṁ sākṣān
nirmitaṁ viśvakarmaṇā
trailokya-lakṣmy-āyatanam
adhyuvāsākhilarddhimat

Sinônimos

deva-udyāna — do famoso jardim dos semideuses; śriyā — pelas opulências; juṣṭam — enriquecido; adhyāste sma — permaneceu em; tri-piṣṭapam — o sistema planetário superior, onde residem vários semideuses; mahendra-bhavanam — o palácio de Indra, o rei dos céus; sākṣāt — diretamente; nirmitam — construído; viśvakarmaṇā — pelo famoso arquiteto dos semideuses, Viśvakarmā; trailokya — de todos os três mundos; lakṣmī-āyatanam — a residência da deusa da fortuna; adhyuvāsa — vivesse em; akhila-ṛddhi-mat — possuindo a opulência de todo o universo.

Tradução

Hiraṇyakaśipu, que possuía toda a opulência, passou a residir no céu, onde existe o famoso jardim Nandana, desfrutado pelos semideuses. De fato, ele residia no opulentíssimo palácio de Indra, o rei dos céus. O palácio fora construído diretamente por Viśvakarmā, o arquiteto dos semideuses, e sua estrutura tinha tamanha beleza que parecia residir ali a deusa da fortuna de todo o universo.

Comentário

SIGNIFICADO—Através desta descrição, parece que todos os planetas celestiais do sistema planetário superior são milhares e milhares de vezes mais opulentos do que o sistema planetário inferior no qual vivemos. Viśvakarmā, o famoso arquiteto celestial, é conhecido como o construtor de muitos edifícios maravilhosos nos planetas superiores, onde não apenas existem belos edifícios, mas também muitos jardins e parques opulentos, descritos como nandana-devodyāna, jardins completamente dignos de serem desfrutados pelos semideuses. É consultando as escrituras autorizadas, tais como os textos védicos, que devemos tomar conhecimento da descrição do sistema planetário superior e suas opulências. Os telescópios e outros instrumentos imperfeitos dos cientistas são inadequados para se avaliar o sistema planetário superior. Embora esses instrumentos sejam necessários porque a visão dos ditos cientistas é imperfeita, os próprios instrumentos também são imperfeitos. Portanto, os planetas superiores não podem ser apreciados pelos homens imperfeitos que usam instrumentos imperfeitos, fabricados pelo próprio homem. Porém, a informação direta, conforme recebida da literatura védica, é perfeita. Portanto, não podemos aceitar a afirmação de que, tirante esta Terra, os planetas não possuem residências opulentas.

Texto

yatra vidruma-sopānā
mahā-mārakatā bhuvaḥ
yatra sphāṭika-kuḍyāni
vaidūrya-stambha-paṅktayaḥ
yatra citra-vitānāni
padmarāgāsanāni ca
payaḥ-phena-nibhāḥ śayyā
muktādāma-paricchadāḥ
kūjadbhir nūpurair devyaḥ
śabda-yantya itas tataḥ
ratna-sthalīṣu paśyanti
sudatīḥ sundaraṁ mukham
tasmin mahendra-bhavane mahā-balo
mahā-manā nirjita-loka eka-rāṭ
reme ’bhivandyāṅghri-yugaḥ surādibhiḥ
pratāpitair ūrjita-caṇḍa-śāsanaḥ

Sinônimos

yatra — onde (a residência do rei Indra); vidruma-sopānāḥ — degraus feitos de coral; mahā-mārakatāḥ — esmeralda; bhuvaḥ — assoalhos; yatra — onde; sphāṭika — cristal; kuḍyāni — paredes; vaidūrya — da pedra vaidūrya; stambha — de pilares; paṅktayaḥ — linhas; yatra — onde; citra — maravilhosos; vitānāni — dosséis; padmarāga — cravejados de rubis; āsanāni — assentos; ca — também; payaḥ — do leite; phena — a espuma; nibhāḥ — assim como; śayyāḥ — colchas; muktādāma — de pérolas; paricchadāḥ — tendo franjas; kūjadbhiḥ — tilintando; nūpuraiḥ — com sinos de tornozelos; devyaḥ — damas celestiais; śabda-yantyaḥ — emitindo doces vibrações; itaḥ tataḥ — aqui e ali; ratnasthalīṣu – nos lugares cravejados de joias e pedras preciosas; paśyanti — veem; su-datīḥ — tendo belos dentes; sundaram — belíssimos; mukham — rostos; tasmin — nisto; mahendra-bhavane — a residência do rei celestial; mahā-balaḥ — o poderosíssimo; mahā-manāḥ — muito circunspecto; nirjita-lokaḥ — tendo todos sob seu controle; eka-rāṭ — o poderoso ditador; reme — desfrutava; abhivandya — adorados; aṅghri-yugaḥ — cujos pés; sura-ādibhiḥ — pelos semideuses; pratāpitaiḥ — estando perturbados; ūrjita — excessivo; caṇḍa — despótico; śāsanaḥ — cujo governo.

Tradução

Os degraus da residência do rei Indra eram feitos de coral, o chão estava incrustrado de esmeraldas valiosas, as paredes eram de cristal, e as colunas, de pedra vaidūrya. Os maravilhosos dosséis eram belamente decorados, os assentos eram cravejados de rubis, e a colcha de seda, tão branca como espuma, era enfeitada com pérolas. As damas do palácio, que receberam como bênção belos dentes e os rostos mais maravilhosamente belos, caminhavam de um canto a outro do palácio, com seus sinos de tornozelo tilintando melodiosamente, e viam seus belos reflexos nas pedras preciosas. Os semideuses, entretanto, estando muito oprimidos, tinham que se prostrar e oferecer reverências aos pés de Hiraṇyakaśipu, que os castigava muito severamente e sem razão alguma. Assim, Hiraṇyakaśipu vivia no palácio e, com tirania, governava todos.

Comentário

SIGNIFICADO—Nos planetas celestiais, Hiraṇyakaśipu era tão poderoso que todos os semideuses, com exceção do senhor Brahmā, do senhor Śiva e do Senhor Viṣṇu, eram forçados a se ocupar a seu serviço. Na verdade, eles temiam ser punidos severamente caso não lhe obedecessem. Śrīla Viśvanātha Cakravartī compara Hiraṇyakaśipu a Mahārāja Vena, que também era ateísta e desdenhava as cerimônias ritualísticas mencionadas nos Vedas. No entanto, Mahārāja Vena temia alguns grandes sábios, tais como Bhṛgu, ao passo que Hiraṇyakaśipu governava de maneira tal que, exceto o Senhor Viṣṇu, o senhor Brahmā e o senhor Śiva, todos o temiam. Hiraṇyakaśipu estava tão atento ao fato de que a ira dos grandes sábios, tais como Bhṛgu, poderia reduzi-lo a cinzas que, à força de austeridades, suplantou-lhes o poder, chegando até mesmo a subordiná-los. Parece que, mesmo nos sistemas planetários superiores, aos quais as pessoas são promovidas através de atividades piedosas, asuras como Hiraṇyakaśipu criam distúrbios. Nos três mundos, ninguém pode viver em paz e prosperidade e livre de perturbações.

Texto

tam aṅga mattaṁ madhunoru-gandhinā
vivṛtta-tāmrākṣam aśeṣa-dhiṣṇya-pāḥ
upāsatopāyana-pāṇibhir vinā
tribhis tapo-yoga-balaujasāṁ padam

Sinônimos

tam — a ele (Hiraṇyakaśipu); aṅga — ó querido rei; mattam — embriagado; madhunā — pelo vinho; uru-gandhinā — de cheiro forte; vivṛtta — girando; tāmra-akṣam — tendo olhos de cobre; aśeṣa-dhiṣṇya-pāḥ — os principais homens de todos os planetas; upāsata — adoravam; upāyana — com parafernália completa; pāṇibhiḥ — com suas próprias mãos; vinā — sem; tribhiḥ — as três deidades principais (Senhor Viṣṇu, senhor Brahmā e senhor Śiva); tapaḥ — da austeridade; yoga — do poder místico; bala — da força física; ojasām — e do poder dos sentidos; padam — a morada.

Tradução

Ó meu querido rei, Hiraṇyakaśipu estava sempre bêbado, sob os efeitos de vinhos e bebidas de cheiro forte, de modo que seus olhos de cobre estavam sempre girando. Entretanto, porque executara poderosamente grandes austeridades em yoga místico, embora ele fosse abominável, todos os semideuses – com exceção dos três principais, a saber, o senhor Brahmā, o senhor Śiva e o Senhor Viṣṇu – adoravam-no pessoalmente, tentando satisfazê-lo levando-lhe vários presentes com suas próprias mãos.

Comentário

SIGNIFICADO—No Skanda Purāṇa, encontramos esta descrição: upāyanaṁ daduḥ sarve vinā devān hiraṇyakaḥ. Hiraṇyakaśipu era tão poderoso que, com exceção dos três principais semideuses – a saber, o senhor Brahmā, o senhor Śiva e o Senhor Viṣṇu –, todos se ocupavam a seu serviço. Madhvācārya diz: ādityā vasavo rudrās tri-vidhā hi surā yataḥ. Existem três classes de semideuses – os Ādityas, os Vasus e os Rudras – depois dos quais estão categorizados os outros semideuses, tais como os Maruts e os Sādhyas (marutaś caiva viśve ca sādhyāś caiva ca tad-gatāh). Portanto, todos os semideuses são chamados de tri-piṣṭapa, e a mesma palavra tri se aplica ao senhor Brahmā, ao senhor Śiva e ao Senhor Viṣṇu.

Texto

jagur mahendrāsanam ojasā sthitaṁ
viśvāvasus tumburur asmad-ādayaḥ
gandharva-siddhā ṛṣayo ’stuvan muhur
vidyādharāś cāpsarasaś ca pāṇḍava

Sinônimos

jaguḥ — glorificado; mahendra-āsanam — o trono do rei Indra; ojasā — pelo poder pessoal; sthitam — situado em; viśvāvasuḥ — o principal cantor dos Gandharvas; tumburuḥ — outro cantor Gandharva; asmat-ādayaḥ — incluindo nós mesmos (Nārada e outros também glorificavam Hiraṇyakaśipu); gandharva — os habitantes de Gandharva-loka; siddhāḥ — os habitantes de Siddhaloka; ṛṣayaḥ — os grandes sábios e pessoas santas; astuvan — oferecíamos orações; muhuḥ — repetidas vezes; vidyādharāḥ — os habitantes de Vidyādhara-loka; ca — e; apsarasaḥ — os habitantes de Apsaroloka; ca — e; pāṇḍava — ó descendente de Pāṇḍu.

Tradução

Ó Mahārāja Yudhiṣṭhira, descendente de Pāṇḍu, em virtude de seu poder pessoal, Hiraṇyakaśipu, estando situado no trono do rei Indra, controlava os habitantes de todos os outros planetas. Os dois Gandharvas Viśvāvasu e Tumburu, eu e os Vidyādharas, as Apsarās e os sábios, todos nós, repetidas vezes, oferecíamos-lhe orações apenas para glorificá-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes, os asuras se tornam tão poderosos que podem ocupar a seu serviço até mesmo Nārada Muni e devotos semelhantes. Isso não significa que Nārada fosse subordinado a Hiraṇyakaśipu. Algumas vezes, entretanto, neste mundo material, pode acontecer que grandes personalidades, mesmo grandes devotos, também sejam controladas pelos asuras.

Texto

sa eva varṇāśramibhiḥ
kratubhir bhūri-dakṣiṇaiḥ
ijyamāno havir-bhāgān
agrahīt svena tejasā

Sinônimos

saḥ — ele (Hiraṇyakaśipu); eva — na verdade; varṇa-āśramibhiḥ — pelas pessoas que seguiam estritamente os princípios reguladores, contidos nos quatro varṇas e quatro āśramas; kratubhiḥ — através das cerimônias ritualísticas; bhūri — abundantes; dakṣiṇaiḥ — oferecidas com presentes; ijyamānaḥ — sendo adorado; haviḥ-bhāgān — as porções das oblações; agrahīt — usurpava; svena — pelo seu próprio; tejasā — poder.

Tradução

Sendo adorado pelos sacrifícios que os seguidores estritos dos princípios de varṇa e āśrama ofereciam com grandes presentes, Hiraṇyakaśipu, em vez de apresentar aos semideuses uma parte das oblações, ficava com todas elas.

Texto

akṛṣṭa-pacyā tasyāsīt
sapta-dvīpavatī mahī
tathā kāma-dughā gāvo
nānāścarya-padaṁ nabhaḥ

Sinônimos

akṛṣṭa-pacyā — produzindo grãos sem ser cultivada ou arada; tasya — de Hiraṇyakaśipu; āsīt — estava; sapta-dvīpa-vatī — consistindo em sete ilhas; mahī — a Terra; tathā — do mesmo modo que; kāma-dughāḥ — que podem dar tanto leite quanto se deseje; gāvaḥ — vacas; nānā — várias; āścarya-padam — coisas maravilhosas; nabhaḥ — o céu.

Tradução

Como se estivesse com medo de Hiraṇyakaśipu, o planeta Terra, que consiste em sete ilhas, produzia grãos alimentícios mesmo sem ter sido cultivado. Assim, ele se parecia com as vacas surabhi do mundo espiritual, ou com as kāma-dughās do céu. A Terra produzia suficientes grãos alimentícios, as vacas supriam leite em profusão, e o espaço exterior era belamente decorado com fenômenos maravilhosos.

Texto

ratnākarāś ca ratnaughāṁs
tat-patnyaś cohur ūrmibhiḥ
kṣāra-sīdhu-ghṛta-kṣaudra-
dadhi-kṣīrāmṛtodakāḥ

Sinônimos

ratnākarāḥ — os mares e oceanos; ca — e; ratna-oghān — várias classes de gemas e pedras preciosas; tat-patnyaḥ — as esposas dos oceanos e mares, a saber, os rios; ca — também; ūhuḥ — carregavam; ūrmibhiḥ — com suas ondas; kṣāra — o oceano salgado; sīdhu — o oceano de vinho; ghṛta — o oceano de manteiga clarificada; kṣaudra — o oceano de caldo de cana; dadhi — o oceano de iogurte; kṣīra — o oceano de leite; amṛta — e o oceano muito doce; udakāḥ — água.

Tradução

Através do fluxo de suas ondas, os vários oceanos do universo, juntamente com seus tributários, os rios, que são comparados às suas esposas, forneciam várias classes de joias e pedras preciosas para o uso de Hiraṇyakaśipu. Estes eram os oceanos de água salgada, de caldo de cana, de vinho, de manteiga clarificada, leite, iogurte e água doce.

Comentário

SIGNIFICADO—A água dos mares e oceanos deste planeta, e disto temos experiência, é salgada, mas outros planetas dentro do universo contêm oceanos de caldo de cana, bebida alcoólica, ghī, leite e água doce. Os rios são figurativamente descritos como esposas dos oceanos e mares porque, como tributários, correm rumo aos oceanos e mares, assim como esposas apegadas a seus esposos. Os cientistas modernos tentam viajar a outros planetas, mas não sabem quantas classes de diferentes oceanos e mares existem dentro do universo. De acordo com a sua experiência, a Lua está cheia de poeira, mas isso não explica como é que ela, a uma distância de milhões de quilômetros, derrama sobre nós seus raios suavizantes. Quanto a nós, seguimos a autoridade de Vyāsadeva e Śukadeva Gosvāmī, que descreveram a situação universal de acordo com a literatura védica. Essas autoridades diferem dos cientistas modernos, os quais, através de sua experiência sensorial imperfeita, concluem que somente este planeta é habitado por seres vivos, ao passo que os outros planetas ou são todos vazios ou cheios de poeira.

Texto

śailā droṇībhir ākrīḍaṁ
sarvartuṣu guṇān drumāḥ
dadhāra loka-pālānām
eka eva pṛthag guṇān

Sinônimos

śailāḥ — as colinas e montanhas; droṇībhiḥ — com os vales situados entre elas; ākrīḍam — locais aprazíveis para Hiraṇyakaśipu; sarva — todas; ṛtuṣu — nas estações do ano; guṇān — diferentes qualidades (frutas e flores); drumāḥ — as plantas e árvores; dadhāra — executava; loka-pālānām — dos outros semideuses encarregados de vários departamentos de atividade natural; ekaḥ — sozinho; eva — na verdade; pṛthak — diferentes; guṇān — qualidades

Tradução

Os vales situados entre as montanhas se tornaram campos de prazer para Hiraṇyakaśipu, por cuja influência todas as árvores e plantas produziam frutas e flores profusamente em todas as estações. As qualidades através das quais ocorre o derramamento de água, o ressecamento e a queima, todas as quais pertencem aos três níveis departamentais do universo, a saber, Indra, Vāyu e Agni, eram todas dirigidas unicamente por Hiraṇyakaśipu, sem a assistência dos semideuses.

Comentário

SIGNIFICADO—No começo do Śrīmad-Bhāgavatam, afirma-se que tejo-vāri-mṛdāṁ yathā vinimayaḥ: este mundo material é conduzido por fogo, água e terra, que se combinam e assumem formas. Aqui se menciona que os três modos da natureza (pṛthag guṇān) agem sob a direção de vários semideuses. Por exemplo, o rei Indra está encarregado de derramar água, o semideus Vāyu controla o ar e faz com que tudo seque, ao passo que o semideus que controla o fogo queima tudo. Hiraṇyakaśipu, porém, em virtude de sua austera realização de yoga místico, tornou-se tão poderoso que, sozinho, encarregava-se de tudo, sem precisar da assistência prestada pelos semideuses.

Texto

sa itthaṁ nirjita-kakub
eka-rāḍ viṣayān priyān
yathopajoṣaṁ bhuñjāno
nātṛpyad ajitendriyaḥ

Sinônimos

saḥ — ele (Hiraṇyakaśipu); ittham — assim; nirjita — controlou; kakub — todas as direções dentro do universo; eka-rāṭ — o único imperador de todo o universo; viṣayān — objetos dos sentidos materiais; priyān — muito agradáveis; yathā-upajoṣam — tanto quanto possível; bhuñjānaḥ — desfrutando dos; na — não; atṛpyat — estava satisfeito; ajita-indriyaḥ — sendo incapaz de dominar os sentidos.

Tradução

Apesar de alcançar o poder de controlar todas as direções e apesar de desfrutar fartamente de toda variedade do cobiçado gozo dos sentidos, Hiraṇyakaśipu estava insatisfeito porque, em vez de dominar seus sentidos, permanecia servo deles.

Comentário

SIGNIFICADO—Este é um exemplo da vida de um asura. Os ateístas podem avançar materialmente e criar uma situação muitíssimo confortável para os sentidos, mas, como são controlados pelos sentidos, não podem ficar satisfeitos. Este é o efeito da civilização moderna. Os materialistas são muito avançados no tocante a desfrutar de dinheiro e mulheres, mas a insatisfação prevalece na sociedade humana porque, sem a consciência de Kṛṣṇa, a sociedade humana não pode ser feliz nem pacífica. No que diz respeito ao gozo dos sentidos materiais, os materialistas podem continuar aumentando seu gozo até onde a imaginação lhes permita, mas, como são servos dos seus sentidos, as pessoas nesta condição material não podem ficar satisfeitas. Hiraṇyakaśipu era um exemplo vívido desse estado de insatisfação humana.

Texto

evam aiśvarya-mattasya
dṛptasyocchāstra-vartinaḥ
kālo mahān vyatīyāya
brahma-śāpam upeyuṣaḥ

Sinônimos

evam — assim; aiśvarya-mattasya — de alguém que estava embriagado pelas opulências; dṛptasya — grandemente orgulhoso; ut-śāstravartinaḥ — transgredindo os princípios reguladores mencionados nos śāstras; kālaḥ — duração do tempo; mahān — uma grande; vyatīyāya — passou; brahma-śāpam — uma maldição lançada por brāhmaṇas elevados; upeyuṣaḥ — tendo obtido.

Tradução

Assim, Hiraṇyakaśipu passou um longo tempo muito orgulhoso de suas opulências e transgredindo as leis e regulações mencionadas nos śāstras autorizados. Portanto, ele estava dando ensejo a que uma maldição fosse lançada pelos quatro Kumāras, que eram grandes brāhmaṇas.

Comentário

SIGNIFICADO—Há muitos exemplos nos quais os demônios, após alcançarem opulências materiais, tornaram-se tão extremamente orgulhosos que transgrediram as leis e regulações presentes nos śāstras autorizados. Hiraṇyakaśipu agia dessa maneira. Como se afirma na Bhagavad-gītā (16.23):

yaḥ śāstra-vidhim utsṛjya
vartate kāma-kārataḥ
na sa siddhim avāpnoti
na sukhaṁ na parāṁ gatim

“Aquele que põe de lado os preceitos das escrituras e age conforme os próprios caprichos não alcança a perfeição, a felicidade, nem o destino supremo.” A palavra śāstra se refere àquilo que controla nossas atividades. Não podemos violar ou transgredir as leis e princípios reguladores mencionados nos śāstras. A Bhagavad-gītā confirma isso repetidamente.

tasmāc chāstraṁ pramāṇaṁ te
kāryākārya-vyavasthitau
jñātvā śāstra-vidhānoktaṁ
karma kartum ihārhasi

“É através das normas dadas nas escrituras que se deve, portanto, entender o que é dever e o que não é dever. Conhecendo essas regras e regulações, todos devem agir de modo a elevarem-se gradualmente.” (Bhagavad-gītā 16.24) Deve-se agir de acordo com a direção dos śāstras, mas a energia material é tão poderosa que, tão logo alguém se torna materialmente abastado, começa a violar as leis dos śāstras. Logo que viola as leis dos śāstras, a pessoa adentra o caminho da destruição.

Texto

tasyogra-daṇḍa-saṁvignāḥ
sarve lokāḥ sapālakāḥ
anyatrālabdha-śaraṇāḥ
śaraṇaṁ yayur acyutam

Sinônimos

tasya — dele (Hiraṇyakaśipu); ugra-daṇḍa — pelo castigo muito aterrador; saṁvignāḥ — perturbados; sarve — todos; lokāḥ — os planetas; sa-pālakāḥ — com seus principais governantes; anyatra — em nenhuma outra parte; alabdha — não obtendo; śaraṇāḥ — refúgio; śaraṇam — em busca de refúgio; yayuḥ — aproximaram-se da; acyutam — Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Todos, incluindo os governantes dos vários planetas, estavam extremamente aflitos devido à severa punição que Hiraṇyakaśipu lhes infligia. Temerosos e perturbados, incapazes de encontrar algum outro refúgio, eles, por fim, renderam-se a Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (5.29):

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

“Quem tem plena consciência de Mim, conhecendo-Me como o beneficiário último de todos os sacrifícios e austeridades, o Senhor Supremo de todos os planetas e semideuses, e o benfeitor e benquerente de todas as entidades vivas, obtém paz, aliviando-se das dores e sofrimentos materiais.” Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, realmente é o melhor amigo de todos. Quem está passando por aflição ou sofrimento deseja refugiar-se em um amigo benquerente. O maior amigo benquerente é o Senhor Śrī Kṛṣṇa. Portanto, todos os habitantes dos vários planetas, sentindo-se incapazes de encontrar algum outro refúgio, foram obrigados a buscar abrigo aos pés de lótus do amigo supremo. Se, desde o começo, buscarmos o refúgio do amigo supremo, não haverá por que temer algum perigo. É dito que, se um cachorro está nadando e alguém quer cruzar o oceano se agarrando à cauda do cachorro, é certamente um tolo. Do mesmo modo, se a pessoa aflita busca refúgio em um semideus, ela é tola, porque seus esforços serão infrutíferos. Em todas as circunstâncias, deve-se buscar o refúgio da Suprema Personalidade de Deus. Então, não haverá perigo em situação alguma.

Texto

tasyai namo ’stu kāṣṭhāyai
yatrātmā harir īśvaraḥ
yad gatvā na nivartante
śāntāḥ sannyāsino ’malāḥ
iti te saṁyatātmānaḥ
samāhita-dhiyo ’malāḥ
upatasthur hṛṣīkeśaṁ
vinidrā vāyu-bhojanāḥ

Sinônimos

tasyai — a esta; namaḥ — nossas respeitosas reverências; astu — que haja; kāṣṭhāyai — direção; yatra — onde; ātmā — a Superalma; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; īśvaraḥ — o controlador supremo; yat — a qual; gatvā — aproximando-se de; na — nunca; nivartante — retornam; śāntāḥ — pacíficas; sannyāsinaḥ — pessoas santas, na ordem de vida renunciada; amalāḥ — puras; iti — assim; te — elas; saṁyata-ātmānaḥ — tendo controlado suas mentes; samāhita — estável; dhiyaḥ — de inteligência; amalāḥ — purificadas; upatasthuḥ — adoraram; hṛṣīkeśam — o mestre dos sentidos; vinidrāḥ — sem dormir; vāyu-bhojanāḥ — comendo apenas ar.

Tradução

“Ofereçamos nossas respeitosas reverências à direção onde a Suprema Personalidade de Deus situa-Se, aonde aquelas almas purificadas, que estão na ordem de vida renunciada, as grandes pessoas santas, vão e, tendo chegado lá, jamais retornam.” Sem dormir, controlando por completo suas mentes e vivendo apenas de sua respiração, as deidades que predominam os vários planetas começaram a adorar Hṛṣīkeśa com esta meditação.

Comentário

SIGNIFICADO—As duas palavras tasyai kāṣṭhāyai são muito expressivas. Em toda parte, em todas as direções, em todos os corações e em todos os átomos, a Suprema Personalidade de Deus situa-Se através de Seus aspectos Brahman e Paramātmā. Então, qual o propósito de se dizer tasyai kāṣṭhāyai, “naquela direção onde Hari está situado”? Durante a época de Hiraṇyakaśipu, sua influência se espalhava por toda parte, mas ele não podia impor sua influência nos lugares onde a Suprema Personalidade de Deus executava Seus passatempos. Nesta Terra, por exemplo, há lugares como Vṛndāvana e Ayodhyā, que são chamados dhāmas. No dhāma, não existe a influência de Kali-yuga ou de algum demônio. Se alguém se refugia nesses dhāmas, a adoração ao Senhor se torna muito fácil e se verifica que a pessoa obtém rapidamente o avanço espiritual. Na Índia, de fato, ainda se pode ir a Vṛndāvana e a lugares semelhantes para se alcançar muito rapidamente os resultados das atividades espirituais.

Texto

teṣām āvirabhūd vāṇī
arūpā megha-niḥsvanā
sannādayantī kakubhaḥ
sādhūnām abhayaṅkarī

Sinônimos

teṣām — diante de todos eles; āvirabhūt — apareceu; vāṇī — uma voz; arūpā — sem forma; megha-niḥsvanā — ecoando como o som de uma nuvem; sannādayantī — fazendo vibrar; kakubhaḥ — todas as direções; sādhūnām — das pessoas santas; abhayaṅkarī — afastando a temerosa situação.

Tradução

Então, ressoou diante deles uma vibração sonora transcendental, proveniente de uma personalidade invisível aos olhos materiais. A voz era tão grave como o som de uma nuvem, e era muito encorajadora, afastando todo o temor.

Texto

mā bhaiṣṭa vibudha-śreṣṭhāḥ
sarveṣāṁ bhadram astu vaḥ
mad-darśanaṁ hi bhūtānāṁ
sarva-śreyopapattaye
jñātam etasya daurātmyaṁ
daiteyāpasadasya yat
tasya śāntiṁ kariṣyāmi
kālaṁ tāvat pratīkṣata

Sinônimos

— não; bhaiṣṭa — vos amedronteis; vibudha-śreṣṭhāḥ — ó melhores das pessoas eruditas; sarveṣām — de todos; bhadram — a boa fortuna; astu — que haja; vaḥ — a vós; mat-darśanam — o processo de Me ver (ou oferecer-Me orações ou ouvir acerca de Mim, todos os quais são absolutos); hi — na verdade; bhūtānām — de todas as entidades vivas; sarva-śreya — de toda a boa fortuna; upapattaye — para a obtenção; jñātam — conhecidas; etasya — disto; daurātmyam — as atividades nefastas; daiteya-apasadasya — do grande demônio, Hiraṇyakaśipu; yat — o qual; tasya — disto; śāntim — interrupção; kariṣyāmi — farei; kālam — tempo; tāvat — até esse; pratīkṣata — simplesmente esperai.

Tradução

A voz do Senhor vibrou as seguintes palavras: Ó melhor das pessoas eruditas, não vos amedronteis! Desejo-vos toda a boa fortuna. Tornai-vos Meus devotos, ouvindo e cantando acerca de Mim e oferecendo-Me orações, pois essas atividades certamente visam a conceder bênçãos a todas as entidades vivas. Sei tudo sobre as façanhas de Hiraṇyakaśipu e, sem dúvidas, darei um fim a todas elas muito em breve. Por favor, tende paciência e esperai esse momento chegar.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes, as pessoas anseiam por ver Deus. Em referência à palavra mad-darśanam, “vendo-Me”, mencionada neste verso, deve-se notar que, na Bhagavad-gītā, o Senhor diz: bhaktyā mam abhijānāti. Em outras palavras, nossa habilidade para entender a Suprema Personalidade de Deus, vê-lO ou falar com Ele depende do nosso avanço em serviço devocional, o qual é chamado de bhakti. Em bhakti, existem nove diferentes atividades: śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam/ arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ sakhyam ātma-nivedanam. Porque todas essas atividades devocionais são absolutas, não há diferença substancial entre adorar a Deidade no templo, ver a Deidade e cantar Suas glórias. Na verdade, todas essas maneiras são empregadas para vermos o Senhor, pois tudo o que fazemos em serviço devocional serve para nos colocar diretamente em contato com Ele. A vibração da voz do Senhor ecoou diante de todos os devotos, e, embora não vissem a pessoa que estava vibrando o som, eles estavam encontrando ou vendo o Senhor, porque ofereciam orações e porque a vibração do Senhor se fazia presente. Ao contrário das leis do mundo material, não há diferença entre ver o Senhor, oferecer-Lhe orações e ouvir a vibração transcendental. Os devotos puros, portanto, estão plenamente satisfeitos, glorificando o Senhor. Essa glorificação se chama kīrtana. Realizar kīrtana e ouvir a vibração do som Hare Kṛṣṇa são de fato a mesma coisa que ver a Suprema Personalidade de Deus diretamente. A pessoa deve compreender essa posição e, então, será capaz de entender a natureza absoluta das atividades do Senhor.

Texto

yadā deveṣu vedeṣu
goṣu vipreṣu sādhuṣu
dharme mayi ca vidveṣaḥ
sa vā āśu vinaśyati

Sinônimos

yadā — quando; deveṣu — dos semideuses; vedeṣu — das escrituras védicas; goṣu — das vacas; vipreṣu — dos brāhmaṇas; sādhuṣu — das pessoas santas; dharme — dos princípios religiosos; mayi — de Mim, a Suprema Personalidade de Deus; ca — e; vidveṣaḥ — invejosa; saḥ — tal pessoa; vai — na verdade; āśu — brevemente; vinaśyati — será exterminada.

Tradução

Quando alguém inveja os semideuses, que representam a Suprema Personalidade de Deus, os Vedas, que fornecem todo o conhecimento, as vacas, os brāhmaṇas, os vaiṣṇavas e os princípios religiosos, e, finalmente, a Mim, a Suprema Personalidade de Deus, ele e sua civilização serão exterminados sem demora.

Texto

nirvairāya praśāntāya
sva-sutāya mahātmane
prahrādāya yadā druhyed
dhaniṣye ’pi varorjitam

Sinônimos

nirvairāya — que não tem inimigos; praśāntāya — muito sóbrio e pacífico; sva-sutāya — ao seu próprio filho; mahā-ātmane — que é um grande devoto; prahrādāya — Prahlāda Mahārāja; yadā — quando; druhyet — cometer violência; haniṣye — matarei; api — embora; vara-ūrjitam — tenha recebido as bênçãos do senhor Brahmā.

Tradução

Quando Hiraṇyakaśipu atormentar o grande devoto Prahlāda, seu próprio filho, que, pacífico e sóbrio, não tem inimigos, Eu matarei Hiraṇyakaśipu de imediato, apesar das bênçãos de Brahmā.

Comentário

SIGNIFICADO—De todas as atividades pecaminosas, a ofensa ao devoto puro, ou ao vaiṣṇava, é a mais grave. Uma ofensa aos pés de lótus de um vaiṣṇava é tão desastrosa que Śrī Caitanya Mahāprabhu a compara a um elefante louco que entra em um jardim e causa um grande estrago, arrancando muitas plantas e árvores. Se alguém é um ofensor aos pés de lótus de um brāhmaṇa ou vaiṣṇava, suas ofensas desarraigarão todas as suas atividades auspiciosas. Portanto, todos devem ter muito cuidado e evitar cometer vaiṣṇava-aparādha, ou ofensas aos pés de lótus dos vaiṣṇavas. Aqui, o Senhor diz claramente que, embora Hiraṇyakaśipu tivesse recebido bênçãos do senhor Brahmā, elas se tornariam inválidas e nulas logo que ele cometesse uma ofensa aos pés de lótus de Prahlāda Mahārāja, seu próprio filho. Nesta passagem, um vaiṣṇava como Prahlāda Mahārāja é descrito como nirvaira, aquele que não tem inimigos. Em outra passagem do Śrīmad-Bhāgavatam (3.25.21), afirma-se que ajāta-śatravaḥ śāntāḥ sādhavaḥ sādhu-bhūṣaṇāḥ: O devoto não tem inimigos, ele é pacífico, segue as escrituras, e todas as suas características são sublimes. O devoto não cria inimizade com ninguém, mas, se alguém se torna seu inimigo, essa pessoa será subjugada pela Suprema Personalidade de Deus, apesar de todas as bênçãos que acaso tenha recebido de outras fontes. Hiraṇyakaśipu decerto estava colhendo os frutos de suas austeridades, mas aqui o Senhor diz que, tão logo cometesse uma ofensa aos pés de lótus de Prahlāda Mahārāja, Hiraṇyakaśipu estaria destruído. A longevidade, opulência, beleza, educação e tudo o que alguém possa ter como resultado de atividades piedosas não pode protegê-lo se ele cometer ofensas aos pés de lótus de um vaiṣṇava. Apesar de tudo o que alguém possua, se ele ofender os pés de lótus de um vaiṣṇava, essa pessoa será aniquilada.

Texto

śrī-nārada uvāca
ity uktā loka-guruṇā
taṁ praṇamya divaukasaḥ
nyavartanta gatodvegā
menire cāsuraṁ hatam

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — o grande santo Nārada Muni disse; iti — assim; uktāḥ — tendo sido comunicados; loka-guruṇā — pelo supremo mestre espiritual de todos; tam — a Ele; praṇamya — oferecendo reverências; diva-okasaḥ — todos os semideuses; nyavartanta — retornaram; gata-udvegāḥ — aliviados de todas as ansiedades; menire — eles consideraram; ca — também; asuram — o demônio (Hiraṇyakaśipu); hatam — morto.

Tradução

O grande santo Nārada Muni prosseguiu: Quando a Suprema Personalidade de Deus, o mestre espiritual de todos, deu essas garantias a todos os semideuses que vivem nos planetas celestiais, eles Lhe ofereceram respeitosas reverências e retornaram, confiantes de que o demônio Hiraṇyakaśipu agora estava praticamente morto.

Comentário

SIGNIFICADO—Os homens menos inteligentes, sempre ocupados em adorar os semideuses, devem notar que, quando atormentados pelos demônios, os semideuses, para obter alívio, aproximam-se da Suprema Personalidade de Deus. Uma vez que os semideuses recorrem à Suprema Personalidade de Deus, por que não deveriam os adoradores dos semideuses se aproximar do Senhor Supremo para dEle obter todos os benefícios que desejem? O Śrīmad-Bhāgavatam (2.3.10) diz:

akāmaḥ sarva-kāmo vā
mokṣa-kāma udāra-dhīḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
yajeta puruṣaṁ param

“Quer deseje tudo, quer deseje nada, quer deseje imergir na existência do Senhor, o indivíduo será inteligente somente se adorar o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, prestando-Lhe transcendental serviço amoroso.” Quer alguém seja karmī, jñānī ou yogī, se deseja que uma determinada bênção se realize, mesmo que seja material, ele deve aproximar-se do Senhor Supremo e orar a Ele, pois, dessa maneira, a bênção se concretizará. Para a realização de algum desejo, não é necessário fazer contato com semideuses individuais.

Texto

tasya daitya-pateḥ putrāś
catvāraḥ paramādbhutāḥ
prahrādo ’bhūn mahāṁs teṣāṁ
guṇair mahad-upāsakaḥ

Sinônimos

tasya — dele (Hiraṇyakaśipu); daitya-pateḥ — o rei dos Daityas; putrāḥ — filhos; catvāraḥ — quatro; parama-adbhutāḥ — muito qualificados e maravilhosos; prahrādaḥ — aquele chamado Prahlāda; abhūt — era; mahān — o maior; teṣām — de todos eles; guṇaiḥ — com qualidades transcendentais; mahat-upāsakaḥ — sendo um devoto imaculado da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Hiraṇyakaśipu tinha quatro filhos maravilhosos e bem qualificados, dos quais Prahlāda era o melhor. Na verdade, como era um devoto imaculado da Personalidade de Deus, Prahlāda era um reservatório de todas as qualidades transcendentais.

Comentário

yasyāsti bhaktir bhagavaty akiñcanā
sarvair guṇais tatra samāsate surāḥ

“Naquele que deposita em Kṛṣṇa fé inabalável, todas as boas qualidades de Kṛṣṇa e dos semideuses manifestam-se consistentemente.” (Śrīmad-Bhāgavatam 5.18.12) Nesta passagem, louva-se Prahlāda Mahārāja porque ele tinha todas as boas qualidades encontradas em quem adora a Suprema Personalidade de Deus. Portanto, o devoto puro, que não é interesseiro, tem todas as boas qualidades, materiais e espirituais. Se alguém é espiritualmente avançado e, portanto, um leal e magnânimo devoto do Senhor, todas as boas qualidades se manifestam em seu ser. Por outro lado, harāv abhaktasya kuto mahad-guṇāḥ: mesmo que um não devoto possua algumas qualidades materiais positiva, elas não têm valor algum. É esse o veredito dos Vedas.

Texto

brahmaṇyaḥ śīla-sampannaḥ
satya-sandho jitendriyaḥ
ātmavat sarva-bhūtānām
eka-priya-suhṛttamaḥ
dāsavat sannatāryāṅghriḥ
pitṛvad dīna-vatsalaḥ
bhrātṛvat sadṛśe snigdho
guruṣv īśvara-bhāvanaḥ
vidyārtha-rūpa-janmāḍhyo
māna-stambha-vivarjitaḥ

Sinônimos

brahmaṇyaḥ — culto como um bom brāhmaṇa; śīla-sampannaḥ — possuindo todas as boas qualidades; satya-sandhaḥ — determinado a entender a Verdade Absoluta; jita-indriyaḥ — exercendo pleno controle sobre os sentidos e a mente; ātma-vat — tal qual a Superalma; sarva-bhūtānām — de todas as entidades vivas; eka-priya — o amado; suhṛt-tamaḥ — o melhor amigo; dāsa-vat — como um servo dócil; sannata — sempre obediente; ārya-aṅghriḥ — aos pés de lótus das pessoas grandiosas; pitṛ-vat — exatamente como um pai; dīna-vatsalaḥ — bondoso com o pobre; bhrātṛ-vat — exatamente como um irmão; sadṛśe — com seus iguais; snigdhaḥ — muito afetuoso; guruṣu — aos mestres espirituais; īśvara-bhāvanaḥ — que considerava exatamente como a Suprema Personalidade de Deus; vidyā — educação; artha — riqueza; rūpa — beleza; janma — aristocracia ou nobreza; āḍhyaḥ — dotado de; māna — orgulho; stambha — insolência; vivarjitaḥ — inteiramente livre de.

Tradução

[Neste ensejo, descrevem-se as qualidades de Mahārāja Prahlāda, o filho de Hiraṇyakaśipu.] Ele tinha toda a cultura de um brāhmaṇa qualificado, tendo ótimo caráter e determinação para entender a Verdade Absoluta. Exercia pleno controle sobre seus sentidos e sua mente. Tal qual a Superalma, era bondoso para com todas as entidades vivas e era o melhor amigo de todos. Para as pessoas respeitáveis, agia exatamente como um servo dócil; para o pobre, era como um pai; aos seus iguais, era apegado como um irmão compassivo, e seus professores, mestres espirituais e irmãos espirituais mais velhos, ele os considerava como estando no mesmo nível que a Suprema Personalidade de Deus. Ele era inteiramente livre do orgulho desnatural que poderia ter surgido em razão de sua boa educação, riqueza, beleza, aristocracia e assim por diante.

Comentário

SIGNIFICADO—Essas são algumas das qualificações do vaiṣṇava. O vaiṣṇava é automaticamente um brāhmaṇa porque o vaiṣṇava tem todas as boas qualidades do brāhmaṇa.

śamo damas tapaḥ śaucaṁ
kṣāntir ārjavam eva ca
jñānaṁ vijñānam āstikyaṁ
brahma-karma svabhāva-jam

“Tranquilidade, autocontrole, austeridade, pureza, tolerância, honestidade, conhecimento, sabedoria e religiosidade – são estas as qualidades naturais com as quais os brāhmaṇas agem.” (Bhagavad-gītā 18.42) Estas qualidades se manifestam no corpo do vaiṣṇava. Portanto, como indicam aqui as palavras brahmaṇyaḥ śīla-sampannaḥ, o vaiṣṇava perfeito também é um brāhmaṇa perfeito. O vaiṣṇava está sempre determinado a compreender a Verdade Absoluta, e, para entender a Verdade Absoluta, precisa-se exercer pleno controle sobre os sentidos e a mente. Prahlāda Mahārāja possuía todas essas qualidades. O vaiṣṇava sempre é benquerente de todos. Os seis Gosvāmīs, por exemplo, são descritos com as seguintes palavras: dhīrādhīra-jana-priyau. Eles mantinham um bom relacionamento com a nobreza e com a plebe. O vaiṣṇava deve ser igual com todos, independentemente das posições em que estejam situados. Ātmavat: o vaiṣṇava deve ser como o Paramātmā. Īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati. O Paramātmā não odeia ninguém; de fato, Ele está no coração de um brāhmaṇa, mas também está inclusive no coração de um porco. Assim como a Lua jamais se recusa a derramar mesmo sobre o lar de um caṇḍāla seus raios agradáveis, o vaiṣṇava jamais se recusa a agir em prol do bem-estar alheio. Portanto, o vaiṣṇava sempre obedece ao mestre espiritual (ārya). A palavra ārya se refere àquele que é avançado em conhecimento. Alguém cujo conhecimento é deficiente não pode ser chamado ārya. Na época atual, entretanto, usa-se a palavra ārya para se referir àqueles que são ímpios. Essa é a desafortunada situação de Kali-yuga.

A palavra guru se aplica ao mestre espiritual que inicia seu discípulo no avanço da ciência de Kṛṣṇa, ou consciência de Kṛṣṇa, como afirma Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura (śrī-bhagavan-mantropadeśake gurāv ity arthaḥ).

Texto

nodvigna-citto vyasaneṣu niḥspṛhaḥ
śruteṣu dṛṣṭeṣu guṇeṣv avastu-dṛk
dāntendriya-prāṇa-śarīra-dhīḥ sadā
praśānta-kāmo rahitāsuro ’suraḥ

Sinônimos

na — não; udvigna — agitada; cittaḥ — cuja consciência; vyasaneṣu — em condições perigosas; niḥspṛhaḥ — sem desejo; śruteṣu — de coisas que as pessoas comentam (em especial, a elevação aos planetas celestiais devido às atividades piedosas); dṛṣṭeṣu — bem como de coisas temporárias que se veem; guṇeṣu — os objetos do gozo dos sentidos sob os modos da natureza material; avastu-dṛk — vendo como se fossem insubstanciais; dānta — controlando; indriya — os sentidos; prāṇa — a força viva; śarīra — o corpo; dhīḥ — e inteligência; sadā — sempre; praśānta — calmos; kāmaḥ — cujos desejos materiais; rahita — completamente desprovido de; asuraḥ — natureza demoníaca; asuraḥ — embora nascido em família demoníaca.

Tradução

Embora tivesse nascido em família de asuras, Prahlāda Mahārāja não era um asura, senão que era um grande devoto do Senhor Viṣṇu. Ao contrário dos asuras, ele jamais invejava os vaiṣṇavas. Ele não se perturbava quando posto em perigo, nem tinha interesse, direto ou indireto, nas atividades fruitivas descritas nos Vedas. Na verdade, ele considerava inúteis todas as coisas materiais e, portanto, estava inteiramente desprovido de desejos materiais. Ele sempre controlava seus sentidos e ar vital e, tendo inteligência e determinação firmes, subjugava todos os desejos luxuriosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, comprovamos que não é o simples nascimento que determinará se um homem é qualificado ou desqualificado. Embora fosse um asura por nascimento, Prahlāda Mahārāja possuía todas as qualidades de um brāhmaṇa perfeito (brahmaṇyaḥ śīla-sampannaḥ). Sob a orientação de um mestre espiritual, todos podem tornar-se brāhmaṇas plenamente qualificados. Prahlāda Mahārāja fornece um vívido exemplo de como pensar no mestre espiritual e aceitar com muita calma as suas orientações.

Texto

yasmin mahad-guṇā rājan
gṛhyante kavibhir muhuḥ
na te ’dhunā pidhīyante
yathā bhagavatīśvare

Sinônimos

yasmin — em quem; mahat-guṇāḥ — elevadas qualidades transcendentais; rājan — ó rei; gṛhyante — são glorificadas; kavibhiḥ — pelas pessoas que são circunspectas e avançadas em conhecimento; muhuḥ — sempre; na — não; te — essas; adhunā — hoje; pidhīyante — são obscuras; yathā — assim como; bhagavati — na Suprema Personalidade de Deus; īśvare — o controlador supremo.

Tradução

Ó rei, as boas qualidades de Prahlāda Mahārāja continuam sendo glorificadas pelos santos e vaiṣṇavas eruditos. Assim como todas as boas qualidades sempre se encontram na Suprema Personalidade de Deus, elas também existem eternamente em Seu devoto Prahlāda Mahārāja.

Comentário

SIGNIFICADO—Através das escrituras autorizadas, tomamos conhecimento de que Prahlāda Mahārāja ainda vive em Vaikuṇṭhaloka bem como neste mundo material, no planeta Sutala. Essa qualidade transcendental em que a pessoa existe simultaneamente em diferentes lugares é outra qualificação da Suprema Personalidade de Deus. Goloka eva nivasaty akhilātma-bhūtaḥ: o Senhor aparece no âmago do coração de todos, mas existe em Seu próprio planeta, Goloka Vṛndāvana. Devido ao serviço devocional imaculado, o devoto adquire qualidades quase iguais às do Senhor. Os seres vivos comuns não podem atingir esse grau de qualificação, mas os devotos podem ser quase tão qualificados como a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

yaṁ sādhu-gāthā-sadasi
ripavo ’pi surā nṛpa
pratimānaṁ prakurvanti
kim utānye bhavādṛśāḥ

Sinônimos

yam — quem; sādhu-gāthā-sadasi — em uma assembleia onde pessoas santas se reúnem ou onde se comentam as características sublimes; ripavaḥ — pessoas que eram tidas como inimigas de Prahlāda Mahārāja (mesmo um devoto como Prahlāda Mahārāja tinha inimigos, incluindo seu próprio pai); api — mesmo; surāḥ — os semideuses (os semideuses são inimigos dos demônios, e, uma vez que Prahlāda Mahārāja nasceu em família de demônios, os semideuses certamente eram seus inimigos); nṛpa — ó rei Yudhiṣṭhira; pratimānam — um exemplo marcante do melhor entre os devotos; prakurvanti — eles fazem; kim uta — o que falar de; anye — outras; bhavādṛśāḥ — personalidades insignes como tu.

Tradução

Em toda assembleia onde há comentários sobre santos e devotos, ó rei Yudhiṣṭhira, mesmo os inimigos dos demônios, a saber, os semideuses, citam Prahlāda Mahārāja como exemplo de um devoto grandioso. É muito fácil depreender que também farias o mesmo.

Texto

guṇair alam asaṅkhyeyair
māhātmyaṁ tasya sūcyate
vāsudeve bhagavati
yasya naisargikī ratiḥ

Sinônimos

guṇaiḥ — com qualidades espirituais; alam — é dispensável; asaṅkhyeyaiḥ — que são inúmeras; māhātmyam — a grandeza; tasya — dele (Prahlāda Mahārāja); sūcyate — é indicada; vāsudeve — ao Senhor Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva; bhagavati — a Suprema Personalidade de Deus; yasya — de quem; naisargikī — natural; ratiḥ — apego.

Tradução

Quem poderia listar as inúmeras qualidades transcendentais de Prahlāda Mahārāja? Sua fé em Vāsudeva, o Senhor Kṛṣṇa [o filho de Vasudeva], é inabalável, e sua devoção a Ele é imaculada. Devido ao seu serviço devocional anterior, seu apego ao Senhor Kṛṣṇa era natural. Embora suas boas qualidades não possam ser enumeradas, elas provam que ele era uma grande alma [mahātmā].

Comentário

SIGNIFICADO—Ao orar às dez encarnações, Jayadeva Gosvāmī diz: keśava dhṛta-narahari-rūpa jaya jagad-īśa hare. Prahlāda Mahārāja era devoto do Senhor Nṛsiṁha, que é Keśava, o próprio Kṛṣṇa. Portanto, quando este verso diz vāsudeve bhagavati, deve-se entender que o apego de Prahlāda Mahārāja a Nṛsiṁhadeva era apego a Kṛṣṇa, Vāsudeva, o filho de Vasudeva. Prahlāda Mahārāja, portanto, é descrito como um grandioso mahātmā. Como o próprio Senhor confirma na Bhagavad-gītā (7.19):

bahūnāṁ janmanām ante
jñānavān māṁ prapadyate
vāsudevaḥ sarvam iti
sa mahātmā sudurlabhaḥ

“Depois de muitos nascimentos e mortes, aquele que tem verdadeiro conhecimento rende-se a Mim, sabendo que sou a causa de todas as causas e de tudo o que existe. Semelhante grande alma é muito rara.” Um grande devoto de Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva, é uma grande alma que somente a muito custo alguém consegue descobrir. O apego de Prahlāda Mahārāja a Kṛṣṇa será explicado no próximo verso. Kṛṣṇa-graha-gṛhītātmā. O coração de Prahlāda Mahārāja estava sempre repleto de pensamentos acerca de Kṛṣṇa. Logo, Prahlāda Mahārāja é o devoto cuja consciência de Kṛṣṇa é exemplar.

Texto

nyasta-krīḍanako bālo
jaḍavat tan-manastayā
kṛṣṇa-graha-gṛhītātmā
na veda jagad īdṛśam

Sinônimos

nyasta — tendo abandonado; krīḍanakaḥ — todas as atividades esportivas ou tendências a diversões infantis; bālaḥ — um menino; jaḍa-vat — como se estivesse apático, sem atividades; tat-manastayā — estando plenamente absorto em Kṛṣṇa; kṛṣṇa-graha — a Kṛṣṇa, que é como uma forte influência (como um graha, ou influência planetária); gṛhīta-ātmā — cuja mente se sentia atraída por completo; na — não; veda — compreendia; jagat — todo o mundo material; īdṛśam — como isto.

Tradução

Desde o começo de sua infância, Prahlāda Mahārāja não tinha interesse pelas diversões pueris. Na verdade, ele abandonava todas elas e permanecia calado e distante, estando plenamente absorto em consciência de Kṛṣṇa. Como sua mente era sempre afetada pela consciência de Kṛṣṇa, ele não era capaz de entender como o mundo, absorto por completo nas atividades do gozo dos sentidos, podia seguir adiante.

Comentário

SIGNIFICADO—Prahlāda Mahārāja é o exemplo vívido de uma grande personalidade inteiramente absorta em consciência de Kṛṣṇa. No Caitanya-caritāmṛta (Madhya 8.274), afirma-se:

sthāvara-jaṅgama dekhe, nā dekhe tāra mūrti
sarvatra haya nija iṣṭa-deva-sphūrti

Uma pessoa em completa consciência de Kṛṣṇa, embora situada neste mundo material, consegue ver apenas Kṛṣṇa, em toda e qualquer parte. Isso é o sinal de um mahā-bhāgavata. Devido à sua atitude de amor puro por Kṛṣṇa, o mahā-bhāgavata vê Kṛṣṇa em toda parte. Como se confirma na Brahma-saṁhitā (5.38):

premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena
santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti
yaṁ śyāmasundaram acintya-guṇa-svarūpaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro Govinda, o Senhor primordial, que sempre é visto pelo devoto cujos olhos estão untados com o bálsamo do amor. Ele é visto sob Sua eterna forma de Śyāmasundara, situado dentro do coração do devoto.” Um devoto sublime, ou mahātmā, que é raramente visto, permanece em plena consciência de Kṛṣṇa e vê constantemente o Senhor no âmago de seu coração. Algumas vezes, afirma-se que, quando alguém está sob a influência de planetas desfavoráveis, tais como Saturno, Rāhu ou Ketu, ele não pode avançar em nenhuma atividade prospectiva. De maneira exatamente oposta, Prahlāda Mahārāja era influenciado por Kṛṣṇa, o planeta supremo, de modo que não podia pensar no mundo material, nem podia viver sem consciência de Kṛṣṇa. Isso caracteriza o mahā-bhāgavata. Mesmo o inimigo de Kṛṣṇa, o mahā-bhāgavata também o vê ocupado a serviço de Kṛṣṇa. Outro exemplo grosseiro é que tudo parece amarelo aos olhos de um paciente ictérico. Do mesmo modo, para o mahā-bhāgavata, todas as pessoas, com exceção dele mesmo, parecem ocupadas a serviço de Kṛṣṇa.

Prahlāda Mahārāja é um mahā-bhāgavata conceituado, o devoto supremo. No verso anterior, afirmou-se que ele tinha um apego natural (naisargikī ratiḥ) e, neste verso, descrevem-se os sintomas desse apego natural a Kṛṣṇa. Embora fosse apenas um menino, Prahlāda Mahārāja não estava interessado em brincadeiras. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.42), viraktir anyatra ca: a característica da consciência de Kṛṣṇa perfeita é que a pessoa perde o interesse por todas as atividades materiais. Um menininho deixar de brincar é algo impossível, mas Prahlāda Mahārāja, estando situado no serviço devocional de primeira classe, estava sempre absorto no transe da consciência de Kṛṣṇa. Assim como um materialista está sempre absorto em pensar em ganhos materiais, um mahā-bhāgavata como Prahlāda Mahārāja sempre está absorto em pensar em Kṛṣṇa.

Texto

āsīnaḥ paryaṭann aśnan
śayānaḥ prapiban bruvan
nānusandhatta etāni
govinda-parirambhitaḥ

Sinônimos

āsīnaḥ — enquanto se sentava; paryaṭan — enquanto caminhava; aśnan — enquanto comia; śayānaḥ — enquanto se deitava; prapiban — enquanto bebia; bruvan — enquanto falava; na — não; anusandhatte — sabia; etāni — todas essas atividades; govinda — pela Suprema Personalidade de Deus, que vivifica os sentidos; parirambhitaḥ — sendo abraçado.

Tradução

Prahlāda Mahārāja estava sempre absorto em pensar em Kṛṣṇa. Assim, sendo sempre abraçado pelo Senhor, ele não sabia como é que suas necessidades físicas, tais como sentar-se, caminhar, comer, deitar-se, beber e falar, eram automaticamente executadas.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma criancinha, enquanto é cuidada por sua mãe, não sabe como as necessidades físicas, sob a forma de comer, dormir, deitar-se, urinar e evacuar, estão sendo satisfeitas. Ela simplesmente se alegra por estar no colo de sua mãe. Do mesmo modo, Prahlāda Mahārāja era tal qual uma criancinha sendo cuidada por Govinda. Suas atividades corpóreas necessárias eram executadas sem que ele tomasse conhecimento disso. Assim como um pai e uma mãe cuidam do seu filho, Govinda cuidava de Prahlāda Mahārāja, que sempre permanecia absorto em pensar em Govinda. Isso é a consciência de Kṛṣṇa. Prahlāda Mahārāja é o exemplo vívido da perfeição em consciência de Kṛṣṇa.

Texto

kvacid rudati vaikuṇṭha-
cintā-śabala-cetanaḥ
kvacid dhasati tac-cintā-
hlāda udgāyati kvacit

Sinônimos

kvacit — às vezes; rudati — chora; vaikuṇṭha-cintā — em pensar em Kṛṣṇa; śabala-cetanaḥ — cuja mente estava perplexa; kvacit — às vezes; hasati — ri; tat-cintā — de pensar nEle; āhlādaḥ — estando jubiloso; udgāyati — canta bem alto; kvacit — às vezes.

Tradução

Devido ao avanço em consciência de Kṛṣṇa, ora ele chorava, ora ria, ora expressava júbilo, ora cantava bem alto.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso continua esclarecendo a semelhança existente em um devoto e em uma criança. Se a mãe deixa seu filhinho na cama ou berço e vai participar de alguns compromissos familiares, o filho imediatamente compreende que sua mãe saiu e, portanto, começa a chorar. Mas assim que a mãe retorna e cuida do filho, ele sorri e fica feliz. Do mesmo modo, Prahlāda Mahārāja, estando sempre absorto em pensar em Kṛṣṇa, às vezes sentia saudades, pensando: “Onde está Kṛṣṇa?” Isso é explicado por Śrī Caitanya Mahāprabhu: śūnyāyitaṁ jagat sarvaṁ govinda-viraheṇa me. Ao sentir que Kṛṣṇa está invisível porque Se distanciou, o devoto elevado chora de saudades e, em seguida, ao ver que Kṛṣṇa retornou para cuidar dele, ri, assim como uma criança às vezes ri ao perceber que sua mãe está cuidando dela. Esses sintomas se chamam bhāva. Em O Néctar da Devoção, vários bhāvas, condições extáticas presentes no devoto, são descritos por completo. Esses bhāvas são visíveis nas atividades do devoto perfeito.

Texto

nadati kvacid utkaṇṭho
vilajjo nṛtyati kvacit
kvacit tad-bhāvanā-yuktas
tanmayo ’nucakāra ha

Sinônimos

nadati — brada (dirigindo-se ao Senhor: “Ó Kṛṣṇa”); kvacit — às vezes; utkaṇṭhaḥ — estando ansioso; vilajjaḥ — sem acanhamento; nṛtyati — ele dança; kvacit — às vezes; kvacit — às vezes; tatbhāvanā – em pensar em Kṛṣṇa; yuktaḥ — estando absorto; tat-mayaḥ — pensando como se tivesse passado a ser Kṛṣṇa; anucakāra — imitava; ha — na verdade.

Tradução

Às vezes, ao ver a Suprema Personalidade de Deus, Prahlāda Mahārāja bradava em completa ansiedade. Às vezes, ele perdia sua timidez e ficava em júbilo e começava a dançar em êxtase, ao passo que, outras vezes, estando plenamente absorto em pensar em Kṛṣna, agia como se fosse Kṛṣṇa e imitava os passatempos do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Havia ocasiões em que Prahlāda Mahārāja sentia que o Senhor estava distante dele e, portanto, chamava-O bem alto. Quando via que o Senhor estava diante dele, ficava cheio de júbilo. Em outras ocasiões, julgando-se uno com o Supremo, imitava os passatempos do Senhor. Com saudades do Senhor, às vezes mostrava sintomas de loucura. Os impersonalistas não valorizam esses sentimentos do devoto. Todos devem continuar adentrando-se na compreensão espiritual. A primeira fase é compreender o Brahman impessoal, mas se deve prosseguir e compreender o Paramātmā, até chegar na Suprema Personalidade de Deus, que é adorado pelos sentimentos transcendentais do devoto que convive com Ele em śānta, dāsya, sakhya, vātsalya ou mādhurya. Aqui, os sentimentos de Prahlāda Mahārāja estavam na doçura de vātsalya, amor e afeição filiais. Assim como uma criança chora quando afastada de sua mãe, Prahlāda Mahārāja, quando sentia que o Senhor estava distante dele, começava a chorar (nadati). Também, um devoto como Prahlāda, às vezes, vê que o Senhor está vindo de um lugar distante para apaziguá-lo, assim como uma mãe responde à criança dizendo: “Meu querido filho, não chore. Já estou indo.” Então, o devoto, não se deixando intimidar pelo ambiente e circunstâncias que o cercam, começa a dançar pensando: “Eis o meu Senhor! O meu Senhor está chegando!” E, então, o devoto, em êxtase completo, às vezes imita os passatempos do Senhor, assim como os vaqueirinhos imitavam o comportamento dos animais da floresta. Entretanto, ele não se transforma no Senhor realmente. Foi graças a seu avanço em compreensão espiritual que Prahlāda Mahārāja alcançou os êxtases espirituais descritos nesta passagem.

Texto

kvacid utpulakas tūṣṇīm
āste saṁsparśa-nirvṛtaḥ
aspanda-praṇayānanda-
salilāmīlitekṣaṇaḥ

Sinônimos

kvacit — às vezes; utpulakaḥ — com os pelos arrepiados; tūṣṇīm — inteiramente silencioso; āste — permanecia; saṁsparśa-nirvṛtaḥ — sentindo grande júbilo devido ao contato com o Senhor; aspanda — firme; praṇaya-ānanda — devido à bem-aventurança transcendental decorrente de uma relação amorosa; salila — cheios de lágrimas; āmīlita — semicerrados; īkṣaṇaḥ — cujos olhos.

Tradução

Às vezes, sentindo o contato das mãos de lótus do Senhor, ele se tornava espiritualmente feliz e permanecia silencioso, com seus pelos arrepiados e lágrimas caindo de seus olhos semicerrados devido a seu amor pelo Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao sentir saudades do Senhor, o devoto fica ansioso, querendo saber onde está o Senhor e, às vezes, ao sentir as dores da separação, as lágrimas caem de seus olhos semicerrados sem cessar. Como Śrī Caitanya Mahāprabhu afirma em Seu Śikṣāṣṭaka, yugāyitaṁ nimeṣeṇa cakṣuṣā prāvṛṣāyitam. As palavras cakṣuṣā prāvṛṣāyitam se referem às lágrimas que fluem incessantemente dos olhos do devoto. Essas características, que aparecem no êxtase devocional puro, eram visíveis no corpo de Prahlāda Mahārāja.

Texto

sa uttama-śloka-padāravindayor
niṣevayākiñcana-saṅga-labdhayā
tanvan parāṁ nirvṛtim ātmano muhur
duḥsaṅga-dīnasya manaḥ śamaṁ vyadhāt

Sinônimos

saḥ — ele (Prahlāda Mahārāja); uttama-śloka-pada-aravindayoḥ — aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, que é adorado com orações transcendentais; niṣevayā — através do serviço constante; akiñcana — dos devotos que nada têm a ver com o mundo material; saṅga — na companhia; labdhayā — obtida; tanvan — expandindo; param — superior; nirvṛtim — bem-aventurança; ātmanaḥ — da alma espiritual; muhuḥ — constantemente; duḥsaṅga-dīnasya — de uma pessoa pobre em compreensão espiritual devido à má associação; manaḥ — a mente; śamam — pacífica; vyadhāt — fazia.

Tradução

Devido à sua associação com devotos perfeitos e imaculados que nada tinham a ver com algo material, Prahlāda Mahārāja constantemente se ocupava a serviço dos pés de lótus do Senhor. Vendo seus aspectos físicos quando ele estava em êxtase perfeito, as pessoas de escassa compreensão espiritual se purificavam. Em outras palavras, Prahlāda Mahārāja lhes outorgava bem-aventurança transcendental.

Comentário

SIGNIFICADO—Aparentemente, Prahlāda Mahārāja era posto em circunstâncias nas quais sempre era torturado pelo seu pai. Nessas condições materiais, ninguém pode manter a mente imperturbável, mas, como bhakti é incondicional (ahaituky apratihatā), Prahlāda Mahārāja nunca se perturbava com os castigos infligidos por Hiraṇyakaśipu. Ao contrário, os sintomas corpóreos do seu amor extático pela Suprema Personalidade de Deus modificavam a mente de seus amigos, que também haviam nascidos em famílias ateístas. Em vez de se deixar perturbar pelos tormentos causados por seu pai, Prahlāda Mahārāja influenciava seus amigos e limpava suas mentes. O devoto jamais se contamina com as condições materiais, mas as pessoas sujeitas às condições materiais podem tornar-se espiritualmente avançadas e bem-aventuradas ao ver o comportamento do devoto puro.

Texto

tasmin mahā-bhāgavate
mahā-bhāge mahātmani
hiraṇyakaśipū rājann
akarod agham ātmaje

Sinônimos

tasmin — a ele; mahā-bhāgavate — um elevado devoto do Senhor; mahā-bhāge — afortunadíssimo; mahā-ātmani — magnânimo; hiraṇyakaśipuḥ — o demônio Hiraṇyakaśipu; rājan — ó rei; akarot — cometia; agham — grande pecado; ātma-je — contra seu próprio filho.

Tradução

Meu querido rei Yudhiṣṭhira, o demônio Hiraṇyakaśipu atormentava este sublime e afortunado devoto, embora Prahlāda fosse seu próprio filho.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando um demônio como Hiraṇyakaśipu, apesar de sua posição elevada devido a rigorosas austeridades, começa a hostilizar um devoto, ele começa a cair, e minguam os resultados de suas austeridades. Quem oprime um devoto puro perde todos os resultados de suas austeridades, penitências e atividades piedosas. Uma vez que Hiraṇyakaśipu agora estava inclinado a castigar seu elevadíssimo filho, o devoto Prahlāda Mahārāja, suas opulências começaram a se desvanecer.

Texto

śrī-yudhiṣṭhira uvāca
devarṣa etad icchāmo
vedituṁ tava suvrata
yad ātmajāya śuddhāya
pitādāt sādhave hy agham

Sinônimos

śrī-yudhiṣṭhiraḥ uvāca — Mahārāja Yudhiṣṭhira perguntou; deva-ṛṣe — ó melhor pessoa santa entre os semideuses; etat — isto; icchāmaḥ — desejamos; veditum — saber; tava — de ti; su-vrata — tendo a determinação de praticar o avanço espiritual; yat — porque; ātmajāya — a seu próprio filho; śuddhāya — que era puro e sublime; pitā — o pai, Hiraṇyakaśipu; adāt — deu; sādhave — um grande santo; hi — na verdade; agham — problema.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Ó melhor dos santos entre os semideuses, ó melhor dos líderes espirituais, como foi que Hiraṇyakaśipu causou tantos problemas a Prahlāda Mahārāja, um santo puro e sublime, embora Prahlāda fosse seu próprio filho? Desejo que me contes tudo o que diz respeito a este assunto.

Comentário

SIGNIFICADO—Para saber algo acerca da Suprema Personalidade de Deus e das características de Seu devoto puro, deve-se recorrer a autoridades como Devarṣi Nārada. Ninguém pode buscar em um leigo instruções sobre assuntos transcendentais. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (3.25.25), satāṁ prasaṅgān mama vīrya-saṁvido bhavanti hṛt-karṇa-rasāyanāḥ kathāḥ: é apenas na companhia dos devotos que a pessoa é devidamente capacitada para entender a posição do Senhor e de Seus devotos. Um devoto como Nārada Muni é chamado de suvrata. Su significa “bom”, e vrata, “voto”. Assim, a palavra suvrata se refere a alguém que não possui qualquer ligação com o mundo material, que é sempre ruim. Não pode entender temas espirituais quem procura um erudito materialista, envaidecido pelo conhecimento acadêmico. Como se afirma na Bhagavad-gītā (18.55), bhaktyā mām abhijānāti: é através do serviço devocional e com a ajuda de um devoto que se deve tentar entender Kṛṣṇa. Portanto, Yudhiṣṭhira Mahārāja tinha completa razão em querer que Śrī Nārada Muni continuasse expondo para ele a vida de Prahlāda Mahārāja.

Texto

putrān vipratikūlān svān
pitaraḥ putra-vatsalāḥ
upālabhante śikṣārthaṁ
naivāgham aparo yathā

Sinônimos

putrān — filhos; vipratikūlān — que agem contra a vontade do pai; svān — seus próprios; pitaraḥ — pais; putra-vatsalāḥ — tendo muito afeto pelos filhos; upālabhante — castigam; śikṣa-artham — para ensinar-lhes lições; na — não; eva — na verdade; agham — punição; aparaḥ — um inimigo; yathā — como.

Tradução

O pai e a mãe sempre têm afeto pelos seus filhos. Quando os filhos são desobedientes, os pais os castigam, não devido a algum tipo de inimizade, mas apenas para a instrução e o bem-estar do filho. Como Hiraṇyakaśipu, o pai de Prahlāda Mahārāja, castigava um filho tão nobre? Anseio entender isso.

Texto

kim utānuvaśān sādhūṁs
tādṛśān guru-devatān
etat kautūhalaṁ brahmann
asmākaṁ vidhama prabho
pituḥ putrāya yad dveṣo
maraṇāya prayojitaḥ

Sinônimos

kim uta — muito menos; anuvaśān — aos filhos perfeitos e obedientes; sādhūn — grandes devotos; tādṛśān — desta espécie; guru-devatān — honrando o pai como a Suprema Personalidade de Deus; etat — esta; kautūhalam — dúvida; brahman — ó brāhmaṇa; asmākam — nossa; vidhama — dissipa; prabho — ó meu senhor; pituḥ — do pai; putrāya — ao filho; yat — o qual; dveṣaḥ — inveja; maraṇāya — para matar; prayojitaḥ — aplicou.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira perguntou também: Como pôde um pai ser tão violento com seu elevado filho, que era obediente, tinha bom comportamento e respeitava o seu pai? Ó brāhmaṇa, ó mestre, jamais tomei conhecimento de tão grande contradição em que um pai afetuoso pune seu nobre filho com a intenção de matá-lo. Por favor, dissipa todas as nossas dúvidas a esse respeito.

Comentário

SIGNIFICADO—Na história da sociedade humana, raramente se encontra um pai afetuoso que castiga um filho nobre e devotado. Portanto, Mahārāja Yudhiṣṭhira queria que Nārada Muni lhe dissipasse as dúvidas.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do sétimo canto, quarto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado Hiraṇyakaśipu Aterroriza o Universo.