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CAPÍTULO QUATRO

Hiraṇyakaśipu Aterroriza o Universo

Este capítulo descreve na íntegra como Hiraṇyakaśipu, tendo obtido poder do senhor Brahmā, não soube aplicá-lo bem e, com isso, causou transtornos a todas as entidades vivas deste universo.

Através de severas austeridades, Hiraṇyakaśipu satisfez o senhor Brahmā e obteve as bênçãos que desejava. Após receber essas bênçãos, seu corpo, que fora quase totalmente consumido, foi revivido e tinha acentuada beleza e um brilho que lembrava ouro. Entretanto, incapaz de se esquecer do fato de que o Senhor Viṣṇu matara seu irmão, ele continuou a invejar o Senhor Viṣṇu. Nas dez direções e nos três mundos, Hiraṇyakaśipu subjugou todos, e colocou sob seu controle todas as entidades vivas, tanto os semideuses quanto os asuras. Tornando-se o dono de todos os ambientes, incluindo a residência de Indra, o qual ele expulsou, Hiraṇyakaśipu passou a desfrutar da vida com muitos deleites e, dessa maneira, enlouqueceu. À exceção do Senhor Viṣṇu, do senhor Brahmā e do senhor Śiva, todos os semideuses ficaram sob seu controle e começaram a servi-lo, mas, apesar de todo o seu poder material, ele estava insatisfeito porque era sempre arrogante e sentia orgulho de transgredir as regulações védicas. Todos os brāhmaṇas estavam descontentes com ele e, em verdade, rogaram-lhe maldições. Por fim, todas as entidades vivas do universo, representadas pelos semideuses e sábios, oraram ao Senhor Supremo para se libertarem do governo de Hiraṇyakaśipu.

O Senhor Viṣṇu informou aos semideuses que eles e as demais entidades vivas seriam salvos das condições temíveis criadas por Hiraṇyakaśipu. Como oprimia todos os semideuses, os seguidores dos Vedas, as vacas, os brāhmaṇas e as pessoas santas religiosas, e como invejava o Senhor Supremo, Hiraṇyakaśipu naturalmente seria morto sem demora. Como sua última maldade, Hiraṇyakaśipu atormentaria seu próprio filho Prahlāda, que era um mahā-bhāgavata, um vaiṣṇava elevado. Então, sua vida terminaria. Quando os semideuses obtiveram essa garantia que lhes foi dada pela Suprema Personalidade de Deus, todos ficaram satisfeitos, sabendo que os tormentos a eles infligidos por Hiraṇyakaśipu terminariam.

Enfim, Nārada Muni descreve as características de Prahlāda Mahārāja, o filho de Hiraṇyakaśipu, e descreve como o pai inveja o próprio filho qualificado. Nesse ponto da história, este capítulo termina.

VERSO 1:
Nārada Muni continuou: O senhor Brahmā estava muito satisfeito com as austeridades de Hiraṇyakaśipu, que eram difíceis de serem realizadas. Portanto, quando solicitado para conferir bênçãos, ele, sim, concedeu-as, embora fossem bênçãos raramente obtidas.
VERSO 2:
O senhor Brahmā disse: Ó Hiraṇyakaśipu, essas bênçãos que pediste são de difícil obtenção pela maior parte dos homens. Entretanto, ó meu filho, eu as concederei a ti, mesmo que, em geral, elas não sejam obteníveis.
VERSO 3:
Então, o senhor Brahmā, que concede bênçãos infalíveis, partiu, sendo adorado pelo melhor dos demônios, Hiraṇyakaśipu, e sendo louvado pelos grandes sábios e pessoas santas.
VERSO 4:
O demônio Hiraṇyakaśipu, recebendo, portanto, bênçãos do senhor Brahmā e adquirindo um brilhante corpo dourado, continuou a recordar a morte de seu irmão e, portanto, seguia invejando o Senhor Viṣṇu.
VERSOS 5-7:
Hiraṇyakaśipu se tornou o conquistador de todo o universo. Na verdade, esse grande demônio conquistou todos os planetas dos três mundos – superior, intermediário e inferior –, incluindo os planetas dos seres humanos, dos Gandharvas, dos Garuḍas, das grandes serpentes, dos Siddhas, Cāraṇas e Vidyādharas, dos grandes santos, de Yamarāja, dos Manus, dos Yakṣas, dos Rākṣasas, das Piśācas e seus amos, e dos mestres dos fantasmas e Bhūtas. Ele derrotou os governantes de todos os outros planetas onde há entidades vivas e os colocou sob seu controle. Conquistando as moradas de todos, ele lhes arrebatou o poder e a influência.
VERSO 8:
Hiraṇyakaśipu, que possuía toda a opulência, passou a residir no céu, onde existe o famoso jardim Nandana, desfrutado pelos semideuses. De fato, ele residia no opulentíssimo palácio de Indra, o rei dos céus. O palácio fora construído diretamente por Viśvakarmā, o arquiteto dos semideuses, e sua estrutura tinha tamanha beleza que parecia residir ali a deusa da fortuna de todo o universo.
VERSOS 9-12:
Os degraus da residência do rei Indra eram feitos de coral, o chão estava incrustrado de esmeraldas valiosas, as paredes eram de cristal, e as colunas, de pedra vaidūrya. Os maravilhosos dosséis eram belamente decorados, os assentos eram cravejados de rubis, e a colcha de seda, tão branca como espuma, era enfeitada com pérolas. As damas do palácio, que receberam como bênção belos dentes e os rostos mais maravilhosamente belos, caminhavam de um canto a outro do palácio, com seus sinos de tornozelo tilintando melodiosamente, e viam seus belos reflexos nas pedras preciosas. Os semideuses, entretanto, estando muito oprimidos, tinham que se prostrar e oferecer reverências aos pés de Hiraṇyakaśipu, que os castigava muito severamente e sem razão alguma. Assim, Hiraṇyakaśipu vivia no palácio e, com tirania, governava todos.
VERSO 13:
Ó meu querido rei, Hiraṇyakaśipu estava sempre bêbado, sob os efeitos de vinhos e bebidas de cheiro forte, de modo que seus olhos de cobre estavam sempre girando. Entretanto, porque executara poderosamente grandes austeridades em yoga místico, embora ele fosse abominável, todos os semideuses – com exceção dos três principais, a saber, o senhor Brahmā, o senhor Śiva e o Senhor Viṣṇu – adoravam-no pessoalmente, tentando satisfazê-lo levando-lhe vários presentes com suas próprias mãos.
VERSO 14:
Ó Mahārāja Yudhiṣṭhira, descendente de Pāṇḍu, em virtude de seu poder pessoal, Hiraṇyakaśipu, estando situado no trono do rei Indra, controlava os habitantes de todos os outros planetas. Os dois Gandharvas Viśvāvasu e Tumburu, eu e os Vidyādharas, as Apsarās e os sábios, todos nós, repetidas vezes, oferecíamos-lhe orações apenas para glorificá-lo.
VERSO 15:
Sendo adorado pelos sacrifícios que os seguidores estritos dos princípios de varṇa e āśrama ofereciam com grandes presentes, Hiraṇyakaśipu, em vez de apresentar aos semideuses uma parte das oblações, ficava com todas elas.
VERSO 16:
Como se estivesse com medo de Hiraṇyakaśipu, o planeta Terra, que consiste em sete ilhas, produzia grãos alimentícios mesmo sem ter sido cultivado. Assim, ele se parecia com as vacas surabhi do mundo espiritual, ou com as kāma-dughās do céu. A Terra produzia suficientes grãos alimentícios, as vacas supriam leite em profusão, e o espaço exterior era belamente decorado com fenômenos maravilhosos.
VERSO 17:
Através do fluxo de suas ondas, os vários oceanos do universo, juntamente com seus tributários, os rios, que são comparados às suas esposas, forneciam várias classes de joias e pedras preciosas para o uso de Hiraṇyakaśipu. Estes eram os oceanos de água salgada, de caldo de cana, de vinho, de manteiga clarificada, leite, iogurte e água doce.
VERSO 18:
Os vales situados entre as montanhas se tornaram campos de prazer para Hiraṇyakaśipu, por cuja influência todas as árvores e plantas produziam frutas e flores profusamente em todas as estações. As qualidades através das quais ocorre o derramamento de água, o ressecamento e a queima, todas as quais pertencem aos três níveis departamentais do universo, a saber, Indra, Vāyu e Agni, eram todas dirigidas unicamente por Hiraṇyakaśipu, sem a assistência dos semideuses.
VERSO 19:
Apesar de alcançar o poder de controlar todas as direções e apesar de desfrutar fartamente de toda variedade do cobiçado gozo dos sentidos, Hiraṇyakaśipu estava insatisfeito porque, em vez de dominar seus sentidos, permanecia servo deles.
VERSO 20:
Assim, Hiraṇyakaśipu passou um longo tempo muito orgulhoso de suas opulências e transgredindo as leis e regulações mencionadas nos śāstras autorizados. Portanto, ele estava dando ensejo a que uma maldição fosse lançada pelos quatro Kumāras, que eram grandes brāhmaṇas.
VERSO 21:
Todos, incluindo os governantes dos vários planetas, estavam extremamente aflitos devido à severa punição que Hiraṇyakaśipu lhes infligia. Temerosos e perturbados, incapazes de encontrar algum outro refúgio, eles, por fim, renderam-se a Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus.
VERSOS 22-23:
“Ofereçamos nossas respeitosas reverências à direção onde a Suprema Personalidade de Deus situa-Se, aonde aquelas almas purificadas, que estão na ordem de vida renunciada, as grandes pessoas santas, vão e, tendo chegado lá, jamais retornam.” Sem dormir, controlando por completo suas mentes e vivendo apenas de sua respiração, as deidades que predominam os vários planetas começaram a adorar Hṛṣīkeśa com esta meditação.
VERSO 24:
Então, ressoou diante deles uma vibração sonora transcendental, proveniente de uma personalidade invisível aos olhos materiais. A voz era tão grave como o som de uma nuvem, e era muito encorajadora, afastando todo o temor.
VERSOS 25-26:
A voz do Senhor vibrou as seguintes palavras: Ó melhor das pessoas eruditas, não vos amedronteis! Desejo-vos toda a boa fortuna. Tornai-vos Meus devotos, ouvindo e cantando acerca de Mim e oferecendo-Me orações, pois essas atividades certamente visam a conceder bênçãos a todas as entidades vivas. Sei tudo sobre as façanhas de Hiraṇyakaśipu e, sem dúvidas, darei um fim a todas elas muito em breve. Por favor, tende paciência e esperai esse momento chegar.
VERSO 27:
Quando alguém inveja os semideuses, que representam a Suprema Personalidade de Deus, os Vedas, que fornecem todo o conhecimento, as vacas, os brāhmaṇas, os vaiṣṇavas e os princípios religiosos, e, finalmente, a Mim, a Suprema Personalidade de Deus, ele e sua civilização serão exterminados sem demora.
VERSO 28:
Quando Hiraṇyakaśipu atormentar o grande devoto Prahlāda, seu próprio filho, que, pacífico e sóbrio, não tem inimigos, Eu matarei Hiraṇyakaśipu de imediato, apesar das bênçãos de Brahmā.
VERSO 29:
O grande santo Nārada Muni prosseguiu: Quando a Suprema Personalidade de Deus, o mestre espiritual de todos, deu essas garantias a todos os semideuses que vivem nos planetas celestiais, eles Lhe ofereceram respeitosas reverências e retornaram, confiantes de que o demônio Hiraṇyakaśipu agora estava praticamente morto.
VERSO 30:
Hiraṇyakaśipu tinha quatro filhos maravilhosos e bem qualificados, dos quais Prahlāda era o melhor. Na verdade, como era um devoto imaculado da Personalidade de Deus, Prahlāda era um reservatório de todas as qualidades transcendentais.
VERSOS 31-32:
[Neste ensejo, descrevem-se as qualidades de Mahārāja Prahlāda, o filho de Hiraṇyakaśipu.] Ele tinha toda a cultura de um brāhmaṇa qualificado, tendo ótimo caráter e determinação para entender a Verdade Absoluta. Exercia pleno controle sobre seus sentidos e sua mente. Tal qual a Superalma, era bondoso para com todas as entidades vivas e era o melhor amigo de todos. Para as pessoas respeitáveis, agia exatamente como um servo dócil; para o pobre, era como um pai; aos seus iguais, era apegado como um irmão compassivo, e seus professores, mestres espirituais e irmãos espirituais mais velhos, ele os considerava como estando no mesmo nível que a Suprema Personalidade de Deus. Ele era inteiramente livre do orgulho desnatural que poderia ter surgido em razão de sua boa educação, riqueza, beleza, aristocracia e assim por diante.
VERSO 33:
Embora tivesse nascido em família de asuras, Prahlāda Mahārāja não era um asura, senão que era um grande devoto do Senhor Viṣṇu. Ao contrário dos asuras, ele jamais invejava os vaiṣṇavas. Ele não se perturbava quando posto em perigo, nem tinha interesse, direto ou indireto, nas atividades fruitivas descritas nos Vedas. Na verdade, ele considerava inúteis todas as coisas materiais e, portanto, estava inteiramente desprovido de desejos materiais. Ele sempre controlava seus sentidos e ar vital e, tendo inteligência e determinação firmes, subjugava todos os desejos luxuriosos.
VERSO 34:
Ó rei, as boas qualidades de Prahlāda Mahārāja continuam sendo glorificadas pelos santos e vaiṣṇavas eruditos. Assim como todas as boas qualidades sempre se encontram na Suprema Personalidade de Deus, elas também existem eternamente em Seu devoto Prahlāda Mahārāja.
VERSO 35:
Em toda assembleia onde há comentários sobre santos e devotos, ó rei Yudhiṣṭhira, mesmo os inimigos dos demônios, a saber, os semideuses, citam Prahlāda Mahārāja como exemplo de um devoto grandioso. É muito fácil depreender que também farias o mesmo.
VERSO 36:
Quem poderia listar as inúmeras qualidades transcendentais de Prahlāda Mahārāja? Sua fé em Vāsudeva, o Senhor Kṛṣṇa [o filho de Vasudeva], é inabalável, e sua devoção a Ele é imaculada. Devido ao seu serviço devocional anterior, seu apego ao Senhor Kṛṣṇa era natural. Embora suas boas qualidades não possam ser enumeradas, elas provam que ele era uma grande alma [mahātmā].
VERSO 37:
Desde o começo de sua infância, Prahlāda Mahārāja não tinha interesse pelas diversões pueris. Na verdade, ele abandonava todas elas e permanecia calado e distante, estando plenamente absorto em consciência de Kṛṣṇa. Como sua mente era sempre afetada pela consciência de Kṛṣṇa, ele não era capaz de entender como o mundo, absorto por completo nas atividades do gozo dos sentidos, podia seguir adiante.
VERSO 38:
Prahlāda Mahārāja estava sempre absorto em pensar em Kṛṣṇa. Assim, sendo sempre abraçado pelo Senhor, ele não sabia como é que suas necessidades físicas, tais como sentar-se, caminhar, comer, deitar-se, beber e falar, eram automaticamente executadas.
VERSO 39:
Devido ao avanço em consciência de Kṛṣṇa, ora ele chorava, ora ria, ora expressava júbilo, ora cantava bem alto.
VERSO 40:
Às vezes, ao ver a Suprema Personalidade de Deus, Prahlāda Mahārāja bradava em completa ansiedade. Às vezes, ele perdia sua timidez e ficava em júbilo e começava a dançar em êxtase, ao passo que, outras vezes, estando plenamente absorto em pensar em Kṛṣna, agia como se fosse Kṛṣṇa e imitava os passatempos do Senhor.
VERSO 41:
Às vezes, sentindo o contato das mãos de lótus do Senhor, ele se tornava espiritualmente feliz e permanecia silencioso, com seus pelos arrepiados e lágrimas caindo de seus olhos semicerrados devido a seu amor pelo Senhor.
VERSO 42:
Devido à sua associação com devotos perfeitos e imaculados que nada tinham a ver com algo material, Prahlāda Mahārāja constantemente se ocupava a serviço dos pés de lótus do Senhor. Vendo seus aspectos físicos quando ele estava em êxtase perfeito, as pessoas de escassa compreensão espiritual se purificavam. Em outras palavras, Prahlāda Mahārāja lhes outorgava bem-aventurança transcendental.
VERSO 43:
Meu querido rei Yudhiṣṭhira, o demônio Hiraṇyakaśipu atormentava este sublime e afortunado devoto, embora Prahlāda fosse seu próprio filho.
VERSO 44:
Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Ó melhor dos santos entre os semideuses, ó melhor dos líderes espirituais, como foi que Hiraṇyakaśipu causou tantos problemas a Prahlāda Mahārāja, um santo puro e sublime, embora Prahlāda fosse seu próprio filho? Desejo que me contes tudo o que diz respeito a este assunto.
VERSO 45:
O pai e a mãe sempre têm afeto pelos seus filhos. Quando os filhos são desobedientes, os pais os castigam, não devido a algum tipo de inimizade, mas apenas para a instrução e o bem-estar do filho. Como Hiraṇyakaśipu, o pai de Prahlāda Mahārāja, castigava um filho tão nobre? Anseio entender isso.
VERSO 46:
Mahārāja Yudhiṣṭhira perguntou também: Como pôde um pai ser tão violento com seu elevado filho, que era obediente, tinha bom comportamento e respeitava o seu pai? Ó brāhmaṇa, ó mestre, jamais tomei conhecimento de tão grande contradição em que um pai afetuoso pune seu nobre filho com a intenção de matá-lo. Por favor, dissipa todas as nossas dúvidas a esse respeito.