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CAPÍTULO TRÊS

O Plano de Hiraṇyakaśipu de Tornar-se Imortal

Este capítulo descreve como Hiraṇyakaśipu executou uma rigorosa série de austeridades para obter vantagens materiais, pondo, assim, todo o universo em grande aflição. Mesmo o senhor Brahmā, a principal personalidade deste universo, ficou um pouco perturbado e foi pessoalmente ver por que Hiraṇyakaśipu estava ocupado em austeridades tão rigorosas.

Hiraṇyakaśipu queria tornar-se imortal. Ele não desejava ser derrotado por ninguém, nem ser acometido de velhice e doença, nem ser acossado por nenhum oponente. Assim, ele queria tornar-se o governante absoluto de todo o universo. Com esse desejo, ele entrou no vale da montanha Mandara e começou a praticar uma classe de rigorosas austeridades e meditação. Vendo Hiraṇyakaśipu ocupado nessas austeridades, os semideuses retornaram aos seus respectivos lares, mas, enquanto Hiraṇyakaśipu se encontrava nesse estado, uma espécie de fogo começou a chispar em sua cabeça, perturbando todo o universo e seus habitantes, incluindo os pássaros, os animais selvagens e os semideuses. Quando todos os planetas superiores e inferiores se tornaram muito quentes a ponto de ficarem praticamente inabitáveis, os semideuses, estando aflitos, saíram de suas moradas nos planetas superiores e foram ter com o senhor Brahmā, rogando-lhe que interrompesse o calor excessivo. Os semideuses revelaram ao senhor Brahmā a ambição de Hiraṇyakaśipu, que desejava tornar-se imortal, e, com esse propósito, buscava exceder sua curta duração de vida, e que desejava ser o mestre de todos os sistemas planetários, inclusive Dhruvaloka.

Ao tomar conhecimento do objetivo que levou Hiraṇyakaśipu a praticar essa meditação austera, o senhor Brahmā, acompanhado do grande sábio Bhṛgu e de grandes personalidades, tais como Dakṣa, foi ter com Hiraṇyakaśipu. Então, com a água do seu kamaṇḍalu, uma espécie de cântaro, borrifou a cabeça de Hiraṇyakaśipu.

Hiraṇyakaśipu, o rei dos Daityas, prostrou-se diante do senhor Brahmā, o criador deste universo, prestando vezes e mais vezes suas respeitosas reverências e oferecendo orações. Quando o senhor Brahmā concordou em outorgar-lhe suas bênçãos, ele pediu para não ser morto por nenhuma entidade viva, para não ser morto em nenhum lugar, coberto ou descoberto, para não morrer nem de dia, nem de noite, para não ser morto por nenhuma arma, nem na terra, nem no ar, e para não ser morto por nenhum ser humano, animal, semideus ou qualquer outra entidade, vivente ou não-vivente. Continuando, pediu para ter supremacia sobre todo o universo e solicitou as oito perfeições ióguicas, tais como aṇimā e laghimā.

VERSO 1:
Nārada Muni disse a Mahārāja Yudhiṣṭhira: O rei demoníaco Hiraṇyakaśipu queria ser invencível e livre da velhice e decrepitude do corpo. Ele queria receber todas as perfeições ióguicas, tais como aṇimā e laghimā, ser imortal, e ser o único rei de todo o universo, incluindo Brahmaloka.
VERSO 2:
No vale da colina Mandara, Hiraṇyakaśipu se colocou a executar suas austeridades, apoiando-se nos dedos dos pés, mantendo seus braços erguidos e olhando para o céu. Embora essa posição fosse extremamente difícil, ele a aceitou como um meio de alcançar a perfeição.
VERSO 3:
A partir do cabelo da cabeça de Hiraṇyakaśipu, emanava uma luz refulgente, tão brilhante e intolerável como os raios solares no momento da dissolução. Ao verem que estavam sendo realizadas essas rigorosas penitências, os semideuses, que estiveram vagando por todo o planeta, agora regressavam às suas respectivas moradas.
VERSO 4:
Devido às severas austeridades de Hiraṇyakaśipu, surgiu um fogo de sua cabeça, e esse fogo e sua fumaça se espalharam por todo o céu e passaram a envolver os planetas superiores e inferiores, todos os quais se tornaram muitíssimo quentes.
VERSO 5:
Devido ao poder de suas rigorosas austeridades, todos os rios e oceanos ficaram agitados; a superfície do globo, com suas montanhas e ilhas, começou a tremer, e as estrelas e os planetas caíram. Todas as direções ficaram incandescentes.
VERSO 6:
Sofrendo queimaduras e extremamente perturbados devido às rigorosas penitências de Hiraṇyakaśipu, todos os semideuses deixaram os planetas onde residiam e foram ao planeta do senhor Brahmā, onde transmitiram ao criador a seguinte informação: Ó senhor dos semideuses, ó mestre do universo, devido ao fogo que emana da cabeça de Hiraṇyakaśipu e que foi produzido em consequência de suas severas austeridades, ficamos tão perturbados que, incapazes de permanecermos em nossos planetas, viemos ter contigo.
VERSO 7:
Ó ilustre personalidade, ó líder do universo, se achares conveniente, por favor, antes que todos os vossos obedientes súditos sejam aniquilados, encerra essas perturbações, que só servem para tudo destruir.
VERSO 8:
Hiraṇyakaśipu se submeteu a uma rigorosíssima classe de austeridades. Embora não ignores qual é o plano dele, por favor, ouve enquanto revelamos as suas intenções.
VERSOS 9-10:
“À força de severas austeridades, poder místico e transe, foi que o senhor Brahmā, a pessoa suprema deste universo, obteve seu elevado posto. Consequentemente, após criar o universo, ele se tornou o semideus mais adorável dentro dele. Como sou eterno e o tempo é eterno, devo dedicar-me a essas austeridades, poder místico e transe por muitos e muitos nascimentos e, dessa maneira, ocuparei o mesmo posto controlado pelo senhor Brahmā.”
VERSO 11:
“Em virtude de minhas severas austeridades, reverterei os resultados das atividades piedosas e impiedosas. Modificarei todas as práticas estabelecidas dentro deste mundo. Mesmo Dhruvaloka será aniquilado no final do milênio. Portanto, qual a utilidade dele? Preferirei permanecer na posição de Brahmā.”
VERSO 12:
Ó senhor, fontes fidedignas nos contaram que, para obter o teu posto, Hiraṇyakaśipu está agora ocupado em rigorosas austeridades. És o mestre dos três mundos. Por favor, não percas tempo e toma todas as medidas que julgares cabíveis.
VERSO 13:
Ó senhor Brahmā, tua posição dentro deste universo é, sem dúvidas, muito auspiciosa para todos, especialmente para as vacas e os brāhmaṇas. A cultura bramânica e a proteção às vacas podem ser cada vez mais glorificadas, e assim toda espécie de felicidade, opulência e boa fortuna materiais automaticamente aumentarão. Mas se Hiraṇyakaśipu ocupar o teu trono, tudo estará perdido.
VERSO 14:
Ó rei, recebendo esta informação que lhe foi transmitida pelos semideuses, o poderosíssimo senhor Brahmā, acompanhado de Bhṛgu, Dakṣa e outros grandes sábios, imediatamente partiu rumo ao local onde Hiraṇyakaśipu executava suas penitências e austeridades.
VERSOS 15-16:
O senhor Brahmā, carregado por seu aeroplano, um cisne, primeiramente não pôde ver onde estava Hiraṇyakaśipu, pois o corpo de Hiraṇyakaśipu estava coberto por um formigueiro, gramas e bambus. Visto que Hiraṇyakaśipu estava ali havia muito tempo, as formigas haviam devorado sua pele, gordura, carne e sangue. Então, o senhor Brahmā e os semideuses conseguiram localizá-lo. Ele parecia um sol coberto pelas nuvens, aquecendo o mundo inteiro com suas austeridades. Surpreso, o senhor Brahmā começou a sorrir e, então, dirigiu-lhe as seguintes palavras.
VERSO 17:
O senhor Brahmā disse: Ó filho de Kaśyapa Muni, por favor, levanta-te; por favor, levanta-te. Desejo-te toda a boa fortuna. Atingiste a perfeição da realização de tuas austeridades, de modo que posso conferir-te uma bênção. Podes pedir-me o que quiseres, e tentarei satisfazer o teu desejo.
VERSO 18:
Fiquei muito atônito de ver a tua pertinácia. Apesar de comido e ferido por toda classe de vermes e formigas, manténs o teu ar vital circulando em teus ossos. É certo que isso é admirável.
VERSO 19:
Nem mesmo pessoas santas, tais como Bhṛgu, nascidas anteriormente, puderam realizar austeridades tão severas, tampouco no futuro alguém será capaz de executá-las. Quem, nestes três mundos, poderia manter-se vivo durante cem anos celestiais sem nem mesmo beber água?
VERSO 20:
Meu querido filho de Diti, com tua grande determinação e austeridade, fizeste o que era impossível mesmo para grandes pessoas santas e, dessa maneira, certamente me conquistaste.
VERSO 21:
Por essa razão, ó melhor dos asuras, basta que manifestes o teu desejo e estarei preparado para outorgar todas as bênçãos a ti. Pertenço ao mundo celestial dos semideuses, que não morrem como os seres humanos. Portanto, embora estejas sujeito à morte, teu encontro comigo não será em vão.
VERSO 22:
Śrī Nārada Muni prosseguiu: Após falar essas palavras a Hiraṇyakaśipu, o senhor Brahmā, aquele que é o ser original deste universo e é extremamente poderoso, borrifou com a transcendental e infalível água espiritual de seu kamaṇḍalu o corpo de Hiraṇyakaśipu, que fora completamente arruinado pelas formigas e traças. Dessa maneira, ele vivificou Hiraṇyakaśipu.
VERSO 23:
Logo que foi borrifado com a água do cântaro do senhor Brahmā, Hiraṇyakaśipu se levantou, dotado de um corpo perfeito, cujos membros eram tão fortes que poderiam suportar o golpe de um raio. Com força física e brilho corpóreo semelhante ao ouro derretido, ele, ao emergir do formigueiro, era um homem completamente jovem, de modo que se assemelhava ao fogo que emerge da lenha.
VERSO 24:
Vendo que, no céu, o senhor Brahmā estava presente diante dele e era carregado por seu cisne, seu aeroplano, Hiraṇyakaśipu ficou extremamente satisfeito. Ele se estirou ao chão de imediato, colocando sua testa no chão, e começou a expressar seus agradecimentos ao senhor.
VERSO 25:
Então, levantando-se do chão e vendo o senhor Brahmā diante dele, o cabeça dos Daityas ficou dominado por grande júbilo. Com lágrimas em seus olhos, todo o seu corpo trêmulo, começou a orar com uma atitude humilde, de mãos postas e com a voz embargada, desejoso de agradar o senhor Brahmā.
VERSOS 26-27:
Que eu ofereça minhas respeitosas reverências ao supremo senhor deste universo. No final de cada dia de sua vida, o universo, sofrendo a influência do tempo, cobre-se de uma densa escuridão, e depois, mais uma vez, quando surge seu novo dia, esse senhor autorrefulgente, com seu brilho pessoal, manifesta, mantém e destrói toda a manifestação cósmica através da energia material, que está envolta nos três modos da natureza material. Ele, o senhor Brahmā, é o refúgio dos modos da natureza – sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa.
VERSO 28:
Ofereço minhas reverências à original personalidade deste universo, o senhor Brahmā, que é conhecedor e pode utilizar sua mente e inteligência perceptiva para criar esta manifestação cósmica. É em razão de suas atividades que tudo no universo é visível. Ele, portanto, é a causa de todas as manifestações.
VERSO 29:
Vossa Onipotência, sendo a origem da vida deste mundo material, é o mestre e controlador das entidades vivas, móveis e imóveis, e tu lhes infundes a consciência. Manténs a mente e os sentidos funcionais e cognoscitivos e, portanto, és o grandioso controlador de todos os elementos materiais e suas qualidades, e és o controlador de todos os desejos.
VERSO 30:
Meu querido senhor, através de tua forma como os Vedas personificados e através do conhecimento relacionado com as atividades de todos os brāhmaṇas yájñicos, difundes as cerimônias ritualísticas védicas em que se executam as sete classes de sacrifícios, encabeçados pelo agniṣṭoma. Na verdade, inspiras os brāhmaṇas yájñicos a realizarem os rituais mencionados nos três Vedas. Sendo a Alma Suprema, a Superalma de todas as entidades vivas, não tens começo nem fim e, onisciente, estás além dos limites impostos pelo tempo e espaço.
VERSO 31:
Ó meu senhor, Vossa Onipotência está eternamente desperto, vendo tudo o que acontece. Como o tempo eterno, reduzes a duração da vida de todas as entidades vivas, fazendo influir nelas tuas diferentes partes, tais como momentos, segundos, minutos e horas. Entretanto, és imutável, repousando em um lugar como a Superalma, testemunha e Senhor Supremo, o não-nascido e onipenetrante controlador que é a causa da vida de todas as entidades vivas.
VERSO 32:
Não há nada que esteja desvinculado de ti, quer nos refiramos ao melhor, quer ao inferior, ao fixo ou ao móvel. O conhecimento proveniente dos textos védicos, tais como as Upaniṣads, e de todos os sub-ramos do conhecimento védico original forma o teu corpo externo. És Hiraṇyagarbha, o reservatório do universo, mas, estando situado como o controlador supremo, és transcendental ao mundo material, que consiste nos três modos da natureza material.
VERSO 33:
Ó meu senhor, estando imutavelmente situado em tua própria morada, expandes tua forma universal, que, então, adentra esta manifestação cósmica, o que parece indicar que saboreias o mundo material. És Brahman, a Superalma, o mais velho, a Personalidade de Deus.
VERSO 34:
Que eu ofereça minhas respeitosas reverências ao Supremo, que, sob Sua forma ilimitada e imanifesta, expandiu a manifestação cósmica, a forma da totalidade do universo. Ele possui energias externas e internas e a energia mista, chamada de potência marginal, que consiste em todas as entidades vivas.
VERSO 35:
Ó meu senhor, ó melhor dos outorgadores de bênçãos, se fizeres a gentileza de me conceder a bênção que desejo, por favor, não deixes que eu seja morto por nenhuma das entidades vivas que criaste.
VERSO 36:
Concede-me que eu não morra dentro de nenhuma residência ou fora de alguma residência, nem durante o dia nem durante a noite, tampouco no chão ou no céu. Determina que eu não seja morto por nenhum ser que não tenhas criado, nem por nenhuma arma, nem por nenhum ser humano ou animal.
VERSOS 37-38:
Determina que eu não seja morto por nenhuma entidade, vivente ou não-vivente. Determina, também, que eu não seja morto por nenhum semideus ou demônio ou por alguma das grandes serpentes dos planetas inferiores. Uma vez que ninguém pode te matar no campo de batalha, não tens competidor. Portanto, concede-me a bênção de que eu também não tenha rivais. Outorga-me controle exclusivo sobre todas as entidades vivas e deidades dirigentes, e confere-me todas as glórias que surgem a partir dessa posição. Ademais, providencia-me todos os poderes místicos obtidos através de longas austeridades e através da prática do yoga, pois eles não podem ser invalidados em tempo algum.