Skip to main content

Capítulo Sete

Outras Perguntas de Vidura

Texto

śrī-śuka uvāca
evaṁ bruvāṇaṁ maitreyaṁ
dvaipāyana-suto budhaḥ
prīṇayann iva bhāratyā
viduraḥ pratyabhāṣata

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — deste modo; bruvāṇam — falando; maitreyam — ao sábio Maitreya; dvaipāyanasutaḥ – o filho de Dvaipāyana; budhaḥ — erudito; prīṇayan — de uma maneira agradável; iva — por assim dizer; bhāratyā — sob a forma de um pedido; viduraḥ — Vidura; pratyabhāṣata — exprimiu.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, enquanto Maitreya, ο grande sábio, falava deste modo, Vidura, ο erudito filho de Dvaipāyana Vyāsa, fez um pedido de uma maneira agradável, perguntando ο seguinte.

Texto

vidura uvāca
brahman kathaṁ bhagavataś
cin-mātrasyāvikāriṇaḥ
līlayā cāpi yujyeran
nirguṇasya guṇāḥ kriyāḥ

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura disse; brahman — ό brāhmaṇa; katham — como; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; citmātrasya – do todo espiritual completo; avikāriṇaḥ — do imutável; līlayā — por Seu passatempo; ca — ou; api — mesmo que seja assim; yujyeran — acontecem; nirguṇasya — que é isento dos modos da natureza; guṇāḥ — modos da natureza; kriyāḥ — atividades.

Tradução

Śrī Vidura disse: Ó grande brāhmaṇa, uma vez que a Suprema Personalidade de Deus é ο todo espiritual completo e é imutável, como é que Ele está relacionado aos modos materiais da natureza e suas atividades? Se isso é um passatempo dEle, como é que as atividades do imutável acontecem e manifestam qualidades sem οs modos da natureza?

Comentário

Como se descreveu no capítulo anterior, a diferença entre a Superalma, ο Senhor Supremo e as entidades vivas, é que as atividades do Senhor ao criar a manifestação cósmica são executadas por Ele através da atuação de Suas energias multifárias, mas esta manifestação é desconcertante para as entidades vivas. Ο Senhor é, portanto, ο senhor das energias, ao passo que as entidades vivas são subjugadas por elas. Por ter feito várias perguntas sobre as atividades transcendentais, Vidura está esclarecendo a concepção errônea de que, quando ο Senhor desce à Terra em Sua encarnação ou aparece pessoalmente com todas as Suas potências, Ele também Se sujeita à influência de māyā, tal qual uma entidade viva comum. Esse é geralmente ο cálculo de filósofos menos inteligentes que consideram que a posição do Senhor e a das entidades vivas estão no mesmo nível. Vidura está ouvindo ο grande sábio Maitreya refutar esses argumentos. Ο Senhor é descrito neste verso como cin-mātra, ou completamente espiritual. A Personalidade de Deus tem potências ilimitadas para criar e manifestar muitas coisas maravilhosas, tanto temporárias quanto permanentes. Porque este mundo material é criação de Sua energia externa, ele parece ser temporário; é manifesto a determinados intervalos, é mantido por algum tempo e é novamente dissolvido e conservado em Sua própria energia. Como se descreve na Bhagavad-gītā (8.19), bhūtvā bhūtvā pralīyate. Contudo, a criação de Sua potência interna, ο mundo espiritual, não é uma manifestação temporária como ο mundo material, mas, sim, uma manifestação eterna e plena de conhecimento, opulência, energia, força, beleza e glória transcendentais. Essas manifestações das potências do Senhor são eternas e, portanto, chamadas nirguṇa, ou isentas de todos os vestígios dos modos da natureza material, inclusive o modo da bondade material. Ο mundo espiritual é transcendental inclusive à bondade material e, por conseguinte, é imutável. Uma vez que ο Senhor Supremo dessas qualidades eternas e imutáveis nunca é subjugado por nenhum tipo de influência material, como pode alguém conceber que Suas atividades e Sua forma estão sob a influência da māyā ilusória, como acontece com as entidades vivas?

Um ilusionista ou mágico faz muitos prodígios com suas mágicas e artes. Ele pode tornar-se uma vaca através de suas táticas mágicas, apesar do que ele não é aquela vaca, mas, ao mesmo tempo, a vaca manifestada pela mágica não é diferente dele. Analogamente, a potência material não é diferente do Senhor porque é uma emanação dEle, mas, ao mesmo tempo, essa manifestação de potência não é ο Senhor Supremo. Ο conhecimento e a potência transcendentais do Senhor permanecem sempre os mesmos; não mudam nem quando se manifestam no mundo material. Como se declara na Bhagavad-gītā, ο Senhor desce à Terra através de Sua própria potência interna, daí não haver possibilidade de Ele Se tornar materialmente contaminado, alterado ou afetado pelos modos da natureza material. Ο Senhor é saguṇa através de Sua própria potência interna, mas, ao mesmo tempo, Ele é nirguṇa, visto que não está em contato com a energia material. As restrições da prisão se aplicam aos prisioneiros que são condenados pela lei do rei, mas ο rei não é de forma alguma afetado por tais implicações, mesmo que visite a prisão por sua boa vontade. No Viṣṇu Purāṇa, declara-se que as seis opulências do Senhor não são diferentes dEle. As opulências de conhecimento, força, riqueza, potência, beleza e renúncia transcendentais são idênticas à Personalidade de Deus. Quando Ele pessoalmente manifesta essas opulências nο mundo material, elas não têm ligação com os modos da natureza material. A própria palavra cin-mātratva é a garantia de que as atividades do Senhor são sempre transcendentais; mesmo quando são manifestas no mundo material. Suas atividades são como a própria Suprema Personalidade de Deus, ou devotos liberados, como Śukadeva Gosvāmī, não se atrairiam por elas. Vidura perguntou como as atividades do Senhor podem estar nos modos da natureza material, como às vezes calculam erradamente as pessoas com um fundo insuficiente de conhecimento. Ο inebriamento pelas qualidades materiais se deve à diferença entre ο corpo material e a alma espiritual. As atividades da alma condicionada se manifestam por intermédio dos modos da natureza material e são, portanto, de aspecto pervertido. Contudo, ο corpo do Senhor e ο próprio Senhor são iguais, e, quando as atividades do Senhor se manifestam, certamente elas não são diferentes em nenhum aspecto. A conclusão é que as pessoas que consideram as atividades do Senhor como sendo materiais estão certamente equivocadas.

Texto

krīḍāyām udyamo ’rbhasya
kāmaś cikrīḍiṣānyataḥ
svatas-tṛptasya ca kathaṁ
nivṛttasya sadānyataḥ

Sinônimos

krīḍāyām — quanto a brincar; udyamaḥ — entusiasmo; arbhasya — dos meninos; kāmaḥ — desejo; cikrīḍiṣā — disposição para brincar; anyataḥ — com outros meninos; svataḥtṛptasya – para aquele que é satisfeito consigo mesmo; ca — também; katham — para que; nivṛttasya — aquele que é desapegado; sadā — sempre; anyataḥ — de outro modo.

Tradução

Os meninos têm entusiasmo para brincar com outros meninos ou com várias diversões porque são estimulados pelo desejo. No entanto, nãο há possibilidade de ο Senhor ter esse tipo de desejo, visto que Ele é satisfeito conSigo mesmo e desapegado de todas as coisas, sempre.

Comentário

Uma vez que a Suprema Personalidade de Deus é único e inigualável, não é possível que possa existir algo além dEle. Ele Se expande através de Suas energias em formas múltiplas de autoexpansões e também de expansões separadas, assim como ο fogo se expande através do calor e da luz. Já que não há outra existência além do próprio Senhor, ο contato do Senhor com qualquer coisa manifesta Seu contato conSigo mesmo. Na Bhagavad-gītā (9.4), ο Senhor diz:

mayā tatam idaṁ sarvaṁ
jagad avyakta-mūrtinā
mat-sthāni sarva-bhūtāni
na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ

“A manifestação completa da situação cósmica é uma expansão do próprio Senhor sob Seu aspecto impessoal. Todas as coisas se situam nEle unicamente, apesar do que Ele não está nelas.” Essa é a opulência do apego e desapego do Senhor. Ele é apegado a tudo, mas é desapegado de tudo.

Texto

asrākṣīd bhagavān viśvaṁ
guṇa-mayyātma-māyayā
tayā saṁsthāpayaty etad
bhūyaḥ pratyapidhāsyati

Sinônimos

asrākṣīt — provoca a criação; bhagavān — a Personalidade de Deus; viśvam — ο universo; guṇa-mayyā — dotada com os três modos da natureza material; ātma — o eu; māyayā — pela potência; tayā — através dela; saṁsthāpayati — mantém; etat — todos estes; bhūyaḥ — depois novamente; praty-apidhāsyati — dissolve reciprocamente também.

Tradução

Através de Sua potência autoprotegida dos três modos da natureza material, ο Senhor provoca a criação deste universo. Através dela, Ele mantém a criação e reciprocamente a dissolve, repetidas vezes.

Comentário

Este universo cósmico é criado pelo Senhor para as entidades vivas que são arrebatadas pelo pensamento ilusório de se tornarem unas com Ele pela imitação. Os três modos da natureza material se destinam a confundir mais ainda as almas condicionadas. A entidade viva condicionada, desorientada pela energia ilusória, considera-se como uma parte da criação material devido ao esquecimento de sua identidade espiritual e, deste modo, envolve-se em atividades materiais, vida após vida. Este mundo material não se destina ao objetivo do próprio Senhor, mas, sim, às almas condicionadas que quiseram ser controladoras devido ao abuso de sua diminuta independência dada por Deus. Assim, as almas condicionadas se sujeitam à repetição de nascimentos e mortes.

Texto

deśataḥ kālato yo ’sāv
avasthātaḥ svato ’nyataḥ
aviluptāvabodhātmā
sa yujyetājayā katham

Sinônimos

deśataḥ — circunstancial; kālataḥ — pela influência do tempo; yaḥ — aquele que; asau — a entidade viva; avasthātaḥ — pela situação; svataḥ — pelo sonho; anyataḥ — por outras; avilupta — extinta; avabodha — consciência; ātmā — eu puro; saḥ — ela; yujyeta — enredada; ajayā — com ignorância; katham — como isto acontece.

Tradução

A alma pura é consciência pura, e sua consciência nunca é extinta, seja devido a circunstâncias, tempo, situações, sonhos ou outras causas. Como, então, ela se enreda na ignorância?

Comentário

A consciência do ser vivo está sempre presente e nunca muda sob nenhuma circunstância, como se mencionou acima. Quando o homem se locomove de um lugar para outro, ele se conscientiza de que mudou de posição. Ele está sempre presente no passado, no presente e no futuro, assim como a eletricidade. Podemos nos lembrar de incidentes do passado e podemos, também, conjeturar sobre ο futuro com base na experiência do passado. Nunca nos esquecemos de nossa identidade pessoal, mesmo que sejamos colocados em circunstâncias incômodas. Como, então, a entidade viva pode se esquecer de sua verdadeira identidade como alma espiritual pura e se identificar com a matéria, a menos que seja influenciada por algo que está além dela? A conclusão é que a entidade viva é influenciada pela potência avidyā, como se confirma tanto no Viṣṇu Purāṇa, quanto no começo do Śrīmad-Bhāgavatam. Na Bhagavad-gītā (7.5), menciona-se que a entidade viva é parā prakṛti, e, no Viṣṇu Purāṇa, menciona-se que ela é parā śakti. Ela é parte integrante do Senhor Supremo como a potência, e não como ο potente. Ο potente pode manifestar muitas potências, mas a potência não pode igualar-se ao potente em nenhum estágio. Uma potência pode ser subjugada por outra potência, mas, para ο potente, todas as potências estão sob controle. A potência jīva, ou a kṣetrajña-śakti do Senhor, tem a tendência a ser dominada pela potência externa, avidyā-karma-saṁjñā, e, dessa maneira, é posta sob as circunstâncias incômodas da existência material. A entidade viva não pode se esquecer de sua verdadeira identidade a menos que seja influenciada pela potência avidyā. Por estar sujeita à influência da potência avidyā, a entidade viva não pode, de forma alguma, igualar-se ao potente supremo.

Texto

bhagavān eka evaiṣa
sarva-kṣetreṣv avasthitaḥ
amuṣya durbhagatvaṁ vā
kleśo vā karmabhiḥ kutaḥ

Sinônimos

bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; ekaḥ — sozinho; eva eṣaḥ — todos estes; sarva — tudo; kṣetreṣu — nas entidades vivas; avasthitaḥ — situado; amuṣya — das entidades vivas; durbhagatvam — infortúnio; — ou; kleśaḥ — sofrimentos; — ou; karmabhiḥ — pelas atividades; kutaḥ — para que.

Tradução

Ο Senhor, como a Superalma, está situado no coração de todo ser vivo. Por que, então, as atividades das entidades vivas resultam em infortúnio e sofrimentos?

Comentário

A próxima pergunta feita por Vidura a Maitreya é: “Por que as entidades vivas estão sujeitas a tantos sofrimentos e infortúnios apesar da presença do Senhor em seus corações como a Superalma?” Ο corpo é considerado uma árvore frutífera, e a entidade viva e ο Senhor como a Superalma são como dois pássaros pousados nessa árvore. A alma individual está comendo ο fruto da árvore, mas a Superalma, o Senhor, está testemunhando as atividades do outro pássaro. Um cidadão do estado pode estar em miséria por falta de supervisão suficiente da autoridade do estado, mas como pode ser possível que o cidadão sofra por causa de outros cidadãos, enquanto ο chefe do estado está pessoalmente presente? De outro ponto de vista, entende-se que a entidade viva jīva é qualitativamente igual ao Senhor, e, por conseguinte, seu conhecimento na situação de vida pura não pode ser coberto pela ignorância, especialmente na presença do Senhor Supremo. Como, então, a entidade viva se sujeita à ignorância, coberta pela influência de māyā? Ο Senhor é ο pai e protetor de toda entidade viva, sendo conhecido como ο bhūta-bhṛt, ou ο mantenedor das entidades vivas. Por que, então, a entidade viva se sujeitaria a tantos sofrimentos e infortúnios? Não devia ser assim, mas, na realidade, vemos que isso acontece em toda parte. Em razão disso, Vidura formula esta pergunta para obter uma solução.

Texto

etasmin me mano vidvan
khidyate ’jñāna-saṅkaṭe
tan naḥ parāṇuda vibho
kaśmalaṁ mānasaṁ mahat

Sinônimos

etasmin — nisto; me — minha; manaḥ — mente; vidvan — o erudito; khidyate — está incomodando; ajñāna — ignorância; saṅkaṭe — na aflição; tat — por isso; naḥ — minha; parāṇuda — desanuvies; vibho — ó grandioso; kaśmalam — ilusão; mānasam — relativa à mente; mahat — grande.

Tradução

Ó grandioso e erudito, minha mente está muito iludida pela aflição desta ignorância, e, por isso, peço-te que a desanuvies.

Comentário

A confusão mental representada aqui por Vidura ocorre para algumas entidades vivas, mas não para todas, pois, se todos fossem confusos, não haveria possibilidade de autoridades superiores apresentarem soluções.

Texto

śrī-śuka uvāca
sa itthaṁ coditaḥ kṣattrā
tattva-jijñāsunā muniḥ
pratyāha bhagavac-cittaḥ
smayann iva gata-smayaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; saḥ — ele (Maitreya Muni); ittham — dessa maneira; coditaḥ — sendo estimulado; kṣattrā — por Vidura; tattva-jijñāsunā — por aquele que estava ansioso por inquirir a fim de conhecer a verdade; muniḥ — ο grande sábio; pratyāha — respondeu; bhagavatcittaḥ – consciente de Deus; smayan — perguntando-se; iva — como se; gata-smayaḥ — sem hesitação.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, Maitreya, sendo assim estimulado pelo curioso Vidura, a princípio pareceu surpreso, mas, em seguida, respondeu-lhe sem hesitação, pois era totalmente consciente de Deus.

Comentário

Uma vez que ο grande sábio Maitreya era plenamente consciente de Deus, ele não tinha motivo para se surpreender com as perguntas contraditórias feitas por Vidura. Portanto, embora como um devoto ele externamente tivesse demonstrado surpresa, como se não soubesse como responder àquelas perguntas, logo ele ficou perfeitamente estabelecido e respondeu devidamente a Vidura. Yasmin vijñāte sarvam evaṁ vijñātaṁ bhavati. (Muṇḍaka Upaniṣad 1.3). Qualquer um que seja devoto do Senhor conhece ο Senhor até certo ponto, e ο serviço devocional ao Senhor o capacita a conhecer tudo pela graça do Senhor. Apesar de ο devoto aparentemente se exprimir como sendo ignorante, ele é pleno de conhecimento sobre todos os assuntos complexos.

Texto

maitreya uvāca
seyaṁ bhagavato māyā
yan nayena virudhyate
īśvarasya vimuktasya
kārpaṇyam uta bandhanam

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; iyam — tal afirmação; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; māyā — ilusão; yat — aquilo que; nayena — pela lógica; virudhyate — torna-se contraditório; īśvarasya — da Suprema Personalidade de Deus; vimuktasya — do eternamente liberado; kārpaṇyam — insuficiência; uta — como também, para não falar de; bandhanam — cativeiro.

Tradução

Śrī Maitreya disse: Determinadas almas condicionadas propõem a teoria de que ο Brahman Supremo, ou a Personalidade de Deus, é dominado pela ilusão, ou māyā, e, ao mesmo tempo, afirmam que Ele não é condicionado. Isso contradiz toda a lógica.

Comentário

Às vezes, parece que a Suprema Personalidade de Deus, que é cem por cento espiritual, não pode ser a causa da potência ilusória que cobre ο conhecimento da alma individual. Mas, na realidade, não há dúvida de que a energia externa ilusória também é parte integrante do Senhor Supremo. Quando Vyāsadeva compreendeu a Suprema Personalidade de Deus, ele viu ο Senhor juntamente com Sua potência externa, que cobre ο conhecimento puro das entidades vivas individuais. A razão pela qual a energia externa atua dessa maneira pode ser considerada como se segue, como analisam grandes comentadores, tais como Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura e Śrīla Jīva Gosvāmī. Embora a energia material ilusória seja distinta da energia espiritual, ela é uma das muitas energias do Senhor, e, por conseguinte, os modos materiais da natureza (ο modo da bondade etc.) são certamente qualidades do Senhor. A energia e a Personalidade de Deus energética não sãο diferentes, e, embora tal energia seja igual ao Senhor, Ele nunca é dominado por ela. Apesar de as entidades vivas serem partes integrantes do Senhor, são dominadas pela energia material. Ο inconcebível yogam aiśvaram do Senhor, como se menciona na Bhagavad-gītā (9.5), é entendido de forma equivocada pelos filósofos semelhantes a rãs. A fim de apoiar uma teoria de que Nārāyaṇa (ο próprio Senhor) torna-Se um daridra-nārāyaṇa, um homem pobre, eles propõem que a energia material supera ο Senhor Supremo. Śrīla Jīva Gosvāmī e Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, entretanto, apresentam um ótimo exemplo para explicar isso. Eles dizem que embora ο Sol seja todo luz, as nuvens, a escuridão e a neve são partes integrantes do Sol. Sem ο Sol, não é possível que ο céu seja carregado de nuvens ou escuridão, nem é possível nevar na terra. Apesar de a vida ser sustentada pelo Sol, a mesma vida também é perturbada pela escuridão e pela neve produzidas pelo Sol. Também é um fato, todavia, que ο próprio Sol nunca é dominado pela escuridão, nuvens ou neve; ο Sol está muito além de tais distúrbios. Somente aqueles que têm um fundo insuficiente de conhecimento dizem que ο Sol é encoberto por uma nuvem ou pela escuridão. Analogamente, ο Brahman Supremo, ou ο Parabrahman, a Personalidade de Deus, nunca é afetado pela influência da energia material, embora esta seja uma de Suas energias (parāsya śaktir vividhaiva śrūyate).

Não há motivo para se afirmar que ο Brahman Supremo é dominado pela energia ilusória. As nuvens, a escuridão e a neve só podem cobrir uma porção muito insignificante dos raios do Sol. Analogamente, os modos da natureza material podem reagir sobre as entidades vivas semelhantes a raios. É por infortúnio da entidade viva, o que certamente tem sua razão de ser, que a influência da energia material atua sobre sua consciência pura e bem-aventurança eterna. Essa cobertura da consciência pura e bem-aventurança eterna se deve a avidyā-karmā-saṁjñā, a energia que atua sobre as entidades vivas infinitesimais que abusam de sua independência diminuta. De acordo com ο Viṣṇu Purāṇa, a Bhagavad-gītā e todos os outros textos védicos, as entidades vivas são geradas da energia taṭasthā do Senhor e, deste modo, são sempre a energia do Senhor, e não ο energético. As entidades vivas são como os raios do Sol. Embora, como se explicou anteriormente, não haja diferença qualitativa entra ο Sol e seus raios, às vezes os raios do Sol são dominados por outra energia do Sol, a saber, pelas nuvens ou pela neve. Analogamente, embora as entidades vivas sejam qualitativamente iguais à energia superior do Senhor, elas têm a tendência de ser dominadas pela energia material inferior. Nos hinos védicos, afirma-se que as entidades vivas são como as centelhas de um fogo. As centelhas do fogo também são fogo, mas a potência inflamável das centelhas é diferente da do fogo original. Quando as centelhas se afastam do contato com o fogo original, elas ficam sob a influência de uma atmosfera não inflamável; deste modo, retêm a potência para se unir novamente ao fogo como centelhas, mas não como o fogo original. As centelhas podem ficar permanentemente dentro do fogo original como suas partes integrantes, mas, no momento em que se separam do fogo original, seus infortúnios e sofrimentos começam. A conclusão clara é que ο Senhor Supremo, que é ο fogo original, nunca é dominado, mas as centelhas infinitesimais do fogo podem ser dominadas pelo efeito ilusório de māyā. Dizer que ο Senhor Supremo é dominado por Sua própria energia material é um argumento muito ridículo. Ο Senhor é ο mestre da energia material, mas as entidades vivas estão no estado condicionado, controladas pela energia material. Essa é a versão da Bhagavad-gītā. Os filósofos semelhantes a rãs que apresentam o argumento de que ο Senhor Supremo é dominado pelo modo material da bondade são eles mesmos iludidos pela mesma energia material, embora se julguem almas liberadas. Eles sustentam seus argumentos com um falso e laborioso malabarismo de palavras, que é uma dádiva da mesma energia ilusória do Senhor. Mas os pobres filósofos semelhantes a rãs, devido a um falso sentido de conhecimento, não podem entender a situação.

No sexto canto, nono capítulo, trigésimo quarto verso, do Śrīmad-Bhāgavatam, declara-se:

duravabodha iva tavāyaṁ vihāra-yogo yad aśaraṇo ’śarīra idam anavekṣitāsmat-samavāya ātmanaivāvikriyamāṇena saguṇam aguṇaḥ sṛjasi pāsi harasi.

Assim, os semideuses oraram ao Senhor Supremo, dizendo que, embora Suas atividades sejam muito difíceis de serem compreendidas, elas podem, não obstante, ser entendidas até certo ponto por aqueles que sinceramente se ocupam no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Os semideuses admitiram que, embora ο Senhor esteja à parte da influência material ou da criação material, Ele cria, mantém e aniquila toda a manifestação cósmica através da atuação dos semideuses.

Texto

yad arthena vināmuṣya
puṁsa ātma-viparyayaḥ
pratīyata upadraṣṭuḥ
sva-śiraś chedanādikaḥ

Sinônimos

yat — assim; arthena — um objetivo ou sentido; vinā — sem; amuṣya — de uma dessas; puṁsaḥ — da entidade viva; ātmaviparyayaḥ – perturbada com a autoidentificação; pratīyate — assim parece; upadraṣṭuḥ — do observador superficial; svaśiraḥ – própria cabeça; chedana-ādikaḥ — sendo cortada.

Tradução

A entidade viva está em uma situação difícil no que diz respeito à sua autoidentidade. Ela não tem bases concretas, assim como um homem que, sonhando, vê sua cabeça sendo cortada.

Comentário

Certa vez, um professor numa escola ameaçou seu aluno dizendo que lhe cortaria a cabeça e a penduraria na parede para que a criança pudesse ver que sua cabeça tinha sido cortada. A criança ficou amedrontada e parou com sua travessura. Da mesma forma, os sofrimentos da alma pura e ο rompimento de sua autoidentificação são manejados pela energia externa do Senhor, a qual controla as entidades vivas perversas que querem se opor à vontade do Senhor. Na realidade, não há cativeiro nem sofrimento para a entidade viva, tampouco ela perde seu conhecimento puro em algum momento. Em sua consciência pura, quando pensa com um pouco de seriedade sobre sua posição, ela pode entender que é eternamente subordinada à misericórdia do Supremo e que sua tentativa de se tornar una com ο Senhor Supremo é uma falsa ilusão. Vida após vida, a entidade viva tenta falsamente assenhorear-se da natureza material e tornar-se ο senhor do mundo material, mas sem resultado tangível. Por fim, frustrada, ela abandona suas atividades materiais e tenta tornar-se una com ο Senhor e especular com muito malabarismo de palavras, mas sem sucesso.

Essas atividades são executadas sob ο ditame da energia ilusória. Essa experiência se compara à experiência de ver a própria cabeça sendo cortada em um sonho. Ο homem cuja cabeça foi cortada também vê que sua cabeça foi cortada. Se a cabeça de uma pessoa é cortada, ela perde a faculdade da visão. Portanto, se um homem vê que sua cabeça foi cortada, isso significa que ele pensa assim numa alucinação. De forma análogo, a entidade viva é eternamente subordinada ao Senhor Supremo e tem em si esse conhecimento, mas, artificialmente, ela pensa que é ο próprio Deus e que, apesar de ser Deus, perdeu seu conhecimento devido a māyā. Essa concepção não tem sentido, assim como não tem sentido ver a própria cabeça sendo cortada. Esse é o processo pelo qual ο conhecimento é encoberto. Ε como essa condição artificial e rebelde da entidade viva lhe dá todos os tipos de incômodos, subentende-se que ela deve adotar sua vida normal como um devoto do Senhor e aliviar-se da concepção errônea de se julgar Deus. A dita liberação de se julgar Deus é a última reação avidyā pela qual a entidade viva é enredada. A conclusão é que a entidade viva desprovida do eterno e transcendental serviço ao Senhor fica iludida de muitas maneiras. Mesmo em sua vida condicionada, ela é ο servo eterno do Senhor. Sua servidão sob ο encanto da māyā ilusória também é uma manifestação de sua eterna condição de serviço. Por ter se rebelado contra ο serviço ao Senhor, ela é consequentemente posta para servir māyā. Ainda está servindo, mas de uma forma pervertida. Querendo sair do serviço sob ο cativeiro material, em seguida ela deseja tornar-se una com ο Senhor. Essa é outra ilusão. Ο melhor caminho, portanto, é render-se ao Senhor, livrando-se, assim, da māyā ilusória para sempre, como se confirma na Bhagavad-gītā (7.14):

daivī hy eṣā guṇa-mayī
mama māyā duratyayā
mām eva ye prapadyante
māyām etāṁ taranti te

Texto

yathā jale candramasaḥ
kampādis tat-kṛto guṇaḥ
dṛśyate ’sann api draṣṭur
ātmano ’nātmano guṇaḥ

Sinônimos

yathā — como; jale — na água; candramasaḥ — da Lua; kampa-ādiḥ — tremendo etc.; tat-kṛtaḥ — feito pela água; guṇaḥ — qualidade; dṛśyate — assim é vista; asan api — sem existência; draṣṭuḥ — de quem vê; ātmanaḥ — do eu; anātmanaḥ — de outro que não seja ο eu; guṇaḥ — qualidade.

Tradução

A Lua refletida na água parece tremer aos olhos de quem a vê devido a estar associada à qualidade da água. Da mesma forma, ο eu associado à matéria parece qualificar-se como matéria.

Comentário

A Alma Suprema, a Personalidade de Deus, compara-Se à Lua no céu, e as entidades vivas se comparam ao reflexo da Lua na água. A Lua no céu está fixa e não parece tremer como a Lua na água. Na verdade, assim como a Lua original no céu, a Lua refletida na água também não deveria tremer, mas, por estar associada à água, ο reflexo parece tremer, embora, na realidade, a Lua seja fixa. A água movimenta-se, mas a Lua não. Analogamente, as entidades vivas parecem estar contaminadas por qualidades materiais, tais como ilusão, lamentação e sofrimentos, embora tais qualidades estejam completamente ausentes na alma pura. A palavra pratīyate, que significa “aparentemente” e “não de fato” (como a experiência em que se vê a cabeça sendo cortada em um sonho), é significativa nesta passagem. Ο reflexo da Lua na água são os raios separados da Lua, e não a Lua em si. As partes integrantes separadas do Senhor, envolvidas na água da existência material, têm a qualidade de tremer, ao passo que ο Senhor é como a própria Lua no céu, que não está em contato com a água de modo algum. A luz do Sol e da Lua refletidas na matéria fazem a matéria brilhar e ser digna de louvor. Os sintomas vitais são comparados à luz do Sol e da Lua iluminando manifestações materiais como as árvores o as montanhas. Ο reflexo do Sol ou da Lua é aceito como ο Sol ou a Lua verdadeiros por homens menos inteligentes, e a filosofia monista pura desenvolve-se a partir dessas ideias. De fato, a luz do Sol e da Lua são realmente diferentes do próprio Sol e da própria Lua, embora estejam sempre ligados. A luz da Lua espalhada por todo ο céu parece ser impessoal, mas ο planeta Lua, tal como ele é, é pessoal, e entidades vivas no planeta Lua também são pessoais. Nos raios da Lua, diferentes entidades materiais parecem ser comparativamente mais ou menos importantes. A luz da Lua no Taj Mahal parece ser mais bela do que a mesma luz em um lugar selvagem. Embora a luz da Lua seja a mesma em toda parte, devido a ser apreciada de formas diferentes, ela parece ser diferente. Analogamente, a luz do Senhor está igualmente distribuída por toda parte, mas, por ser recebida de formas diferentes, ela parece ser diferente. Não devemos, portanto, aceitar que ο reflexo da Lua na água é real e entender errado toda a situação através da filosofia monista. A qualidade de tremer da Lua também é variável. Quando a água está serena, não há tremor. Uma alma condicionada mais determinada treme menos, mas, devido à ligação com a matéria, a qualidade de tremer está mais ou menos presente em toda parte.

Texto

sa vai nivṛtti-dharmeṇa
vāsudevānukampayā
bhagavad-bhakti-yogena
tirodhatte śanair iha

Sinônimos

saḥ — esta; vai — também; nivṛtti — desapego; dharmeṇa — pela ocupação: vāsudeva – a Suprema Personalidade de Deus; anukampayā — pela misericórdia de; bhagavat — em relação com a Personalidade de Deus; tirodhatte — reduz; śanaiḥ — gradualmente; iha — nesta existência.

Tradução

Contudo, essa concepção errônea de autoidentidade pode ser reduzida gradualmente pela misericórdia da Personalidade de Deus, Vāsudeva, através do processo de serviço devocional ao Senhor no modo do desapego.

Comentário

A qualidade de tremer da existência material, que provém da identificação com a matéria ou de julgar-se Deus sob a influência material da especulação filosófica, pode ser erradicada através do serviço devocional ao Senhor, pela misericórdia da Personalidade de Deus, Vāsudeva. Como se discutiu no primeiro canto, porque a aplicação do serviço devocional ao Senhor Vāsudeva provoca ο conhecimento puro, ela rapidamente nos separa da concepção material de vida e, desta maneira, revive nossa condição normal de existência espiritual, mesmo nesta vida, livrando-nos dos ventos materiais que nos fazem tremer. Somente ο conhecimento no serviço devocional é que pode nos elevar em direção ao caminho da liberação. Ο desenvolvimento de conhecimento com ο objetivo de se conhecer tudo, sem se prestar serviço devocional, é considerado esforço infrutífero, e não se pode obter ο resultado desejado através de tal trabalho gratuito. Ο Senhor Vāsudeva só Se satisfaz com ο serviço devocional, e, deste modo, Sua misericórdia é compreendida na companhia de devotos puros do Senhor. Os devotos puros do Senhor são transcendentais a todos os desejos materiais, incluindo ο desejo dos resultados de atividades fruitivas e da especulação filosófica. Se alguém quer adquirir a misericórdia do Senhor, tem que se associar com devotos puros. Somente essa associação pode, aos poucos, aliviar-nos dos elementos trêmulos.

Texto

yadendriyoparāmo ’tha
draṣṭrātmani pare harau
vilīyante tadā kleśāḥ
saṁsuptasyeva kṛtsnaśaḥ

Sinônimos

yadā — quando; indriya — sentidos; uparāmaḥ — saciados; atha — deste modo; draṣṭṛ-ātmani — aο vidente, a Superalma; pare — na Transcendência; harau — à Suprema Personalidade de Deus; vilīyante — imergem em; tadā — nesse momento; kleśāḥ — sofrimentos; saṁsuptasya — aquele que gozou de um sono profundo; iva — como; kṛtsnaśaḥ — completamente.

Tradução

Quando os sentidos se satisfazem na vidente Superalma, a Personalidade de Deus, e imergem nΕle, todos os sofrimentos são completamente subjugados, assim como acontece após um sono profundo.

Comentário

Ο tremor da entidade viva que foi descrito anteriormente se deve aos sentidos. Uma vez que toda a existência material se destina ao gozo dos sentidos, os sentidos são ο instrumento das atividades materiais e provocam ο tremor da alma imperturbável. Por isso, os sentidos devem se desapegar de todas essas atividades materiais. Segundo os impersonalistas, os sentidos são impedidos de trabalhar ao se fundir a alma na Superalma Brahman. Os devotos, entretanto, não impedem os sentidos materiais de agir, senão que ocupam seus sentidos transcendentais no serviço à Transcendência, a Suprema Personalidade de Deus. De qualquer modo, as atividades dos sentidos no campo material devem ser paradas através do cultivo de conhecimento, e, se possível, serem ocupadas no serviço ao Senhor. Os sentidos são transcendentais por natureza, mas suas atividades tornam-se poluídas quando são contaminadas pela matéria. Temos que tratar dos sentidos para curá-los da doença material, e não os impedir de agir, como sugere ο impersonalista. Na Bhagavad-gītā (2.59), afirma-se que só paramos com todas as atividades materiais quando nos satisfazemos pelo contato com uma ocupação melhor. A consciência é ativa por natureza e não pode ser impedida de funcionar. Reprimir uma criança travessa não é ο verdadeiro remédio. Deve-se dar uma ocupação melhor à criança para que ela pare automaticamente de fazer travessuras. Da mesma forma, as perversas atividades dos sentidos só podem ser paradas com uma ocupação melhor que tenha relação com a Suprema Personalidade de Deus. Quando os olhos são empregados para ver a bela forma do Senhor, a língua empregada para saborear prasāda, ou os restos do alimento oferecido ao Senhor, os ouvidos empregados para ouvir Suas glórias, as mãos para limpar ο templo do Senhor, as pernas para visitar Seus templos – ou seja, quando todos os sentidos são ocupados na variedade transcendental – somente então é que os sentidos transcendentais ficam saciados e eternamente livres da ocupação material. Ο Senhor, como a Superalma que reside no coração de todos e como a Suprema Personalidade de Deus no mundo transcendental, que está muito além da criação material, é quem vê todas as nossas atividades. Nossas atividades têm que estar tão transcendentalmente saturadas que o Senhor bondosamente nos contemple favoravelmente e nos ocupe em Seu serviço transcendental; só então é que os sentidos poderão se satisfazer por completo e não serão mais molestados pela atração material.

Texto

aśeṣa-saṅkleśa-śamaṁ vidhatte
guṇānuvāda-śravaṇaṁ murāreḥ
kiṁ vā punas tac-caraṇāravinda-
parāga-sevā-ratir ātma-labdhā

Sinônimos

aśeṣa — ilimitadas; saṅkleśa — condições de sofrimento; śamam — descontinuação; vidhatte — podem executar; guṇaanuvāda – do nome, forma, qualidades, passatempos, séquito, parafernália etc. transcendentais; śravaṇam — ouvir e cantar; murāreḥ — de Murāri (Śrī Kṛṣṇa), a Personalidade de Deus; kim — o que dizer de; punaḥ — outra vez; tat — Seus; caraṇaaravinda – pés de lótus; parāga-sevā — pelo serviço à poeira aromática; ratiḥ — atração; ātmalabdhā – aqueles que lοgraram essa autorrealização.

Tradução

Simplesmente por cantar e ouvir ο nome, a forma etc. transcendentais de Śrī Κṛṣṇa, a Personalidade de Deus, pode-se lograr a cessação das ilimitadas condições de sofrimento. O que dizer, então, daqueles que atingiram a atração por servir ao aroma da poeira dos pés de lótus do Senhor?

Comentário

Dois diferentes métodos para controlar os sentidos materiais são recomendados na sabedoria védica escritural. Um deles é ο processo de jñāna, ou ο caminho do entendimento filosófico do Supremo – Brahman, Paramātmā e Bhagavān. O outro é ο da ocupação direta no transcendental serviço amoroso e devocional ao Senhor. Desses dois métodos mais populares, ο caminho do serviço devocional é recomendado aqui como sendo ο melhor, pois uma pessoa no caminho do serviço devocional não tem que esperar pela consecução dos resultados fruitivos de atividades piedosas ou pelos resultados do conhecimento. Os dois estágios de execução de serviço devocional são, primeiro, ο estágio em que praticamos ο serviço devocional com nossos sentidos atuais sob os regulamentos das escrituras reconhecidas e, segundo, aquele em que atingimos apego sincero a servir as partículas de poeira dos pés de lótus do Senhor. Ο primeiro estágio chama-se sādhana-bhakti, ou serviço devocional para ο neófito, o qual é prestado sob a orientação de um devoto puro, e ο segundo estágio chama-se rāga-bhakti, no qual ο devoto maduro automaticamente aceita vários serviços ao Senhor devido ao apego sincero. O grande sábio Maitreya fornece agora a resposta final a todas as perguntas de Vidura; ο serviço devocional ao Senhor é ο meio último para mitigar todas as condições de sofrimento da existência material. O caminho do conhecimento e ο caminho das ginásticas místicas podem ser adotados como um meio para se alcançar ο objetivo, mas, a menos que estejam misturados com bhakti, ou serviço devocional, não são capazes de conceder ο resultado desejado. Praticando sādhana-bhakti, podemos elevar-nos gradualmente ao estágio de rāga-bhakti, e, executando rāga-bhakti no transcendental serviço amoroso, podemos até mesmo controlar ο Poderoso Senhor Supremo.

Texto

vidura uvāca
sañchinnaḥ saṁśayo mahyaṁ
tava sūktāsinā vibho
ubhayatrāpi bhagavan
mano me sampradhāvati

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura disse; sañchinnaḥ — eliminadas; saṁśayaḥ — dúvidas; mahyam — para mim; tava — tuas; sūktaasinā – com a arma de palavras convincentes; vibho — ó meu senhor; ubhayatra api — tanto sobre Deus quanto sobre a entidade viva; bhagavan — ό poderoso; manaḥ — mente; me — minha; sampradhāvati — compenetrada perfeitamente.

Tradução

Vidura disse: Ó poderoso sábio, meu senhor, todas as minhas dúvidas sobre a Suprema Personalidade de Deus e as entidades vivas acabam de ser eliminadas por tuas convincentes palavras. Agora minha mente está adentrando essas palavras perfeitamente.

Comentário

A ciência de Kṛṣṇa, ou a ciência de Deus e das entidades vivas, é tão sutil que mesmo uma personalidade como Vidura tem de consultar pessoas como ο sábio Maitreya. As dúvidas sobre ο eterno relacionamento do Senhor com a entidade viva são criadas por especuladores mentais de diferentes maneiras, mas ο fato conclusivo é que ο relacionamento de Deus com a entidade viva é um relacionamento de predominador e predominado. O Senhor é ο eterno predominador, e as entidades vivas são eternamente predominadas. Ο verdadeiro conhecimento desse relacionamento implica em despertar a consciência perdida para esse padrão, e ο processo para esse restabelecimento é ο serviço devocional ao Senhor. Entendendo claramente esse assunto com autoridades como ο sábio Maitreya, podemos nos situar no conhecimento verdadeiro, e a mente perturbada pode, então, fixar-se no caminho progressivo.

Texto

sādhv etad vyāhṛtaṁ vidvan
nātma-māyāyanaṁ hareḥ
ābhāty apārthaṁ nirmūlaṁ
viśva-mūlaṁ na yad bahiḥ

Sinônimos

sādhu — como não podiam deixar de ser; etat — todas essas explicações; vyāhṛtam — assim faladas; vidvan — ό erudito; na — não; ātma — ο eu; māyā — energia; ayanam — movimento; ābhāti — parece; apārtham — sem sentido; nirmūlam — sem fonte; viśvamūlam – a origem é ο Supremo; na — nãο; yat — que; bahiḥ — fora.

Tradução

Ó sábio erudito, tuas explicações são excelentes, como não poderiam deixar de ser. As perturbações da alma condicionada não têm outra fonte senão ο movimento da energia externa do Senhor.

Comentário

Ο desejo ilegal da entidade viva de tornar-se una com ο Senhor sob todos os aspectos é a causa fundamental de toda a manifestação material, pois, do contrário, ο Senhor não teria necessidade de criar esta manifestação, mesmo que fosse para Seus passatempos. A alma condicionada, sob ο encanto da energia externa do Senhor, sofre falsamente muitos incidentes desventurados na vida material. O Senhor é ο predominador da energia externa, māyā, ao passo que a entidade viva é predominada pela mesma māyā sob a condição material. A tentativa falsa da entidade viva de ocupar a posição de predominador, que cabe ao Senhor, é a causa de seu cativeiro material, e a tentativa da alma condicionada de tornar-se una com ο Senhor é a última armadilha de māyā.

Texto

yaś ca mūḍhatamo loke
yaś ca buddheḥ paraṁ gataḥ
tāv ubhau sukham edhete
kliśyaty antarito janaḥ

Sinônimos

yaḥ — aquele que é; ca — também; mūḍha-tamaḥ — ο mais baixo dos tolos; loke — no mundo; yaḥ ca — e aquele que é; buddheḥ — de inteligência; param — transcendental; gataḥ — ido; tau — deles; ubhau — ambos; sukham — felicidade; edhete — desfrutam; kliśyati — sofrem; antaritaḥ — situadas entre; janaḥ — pessoas.

Tradução

Tanto o mais baixo dos tolos quanto aquele que é transcendental a toda inteligência desfrutam de felicidade, ao passo que as pessoas situadas entre eles sofrem as dores materiais.

Comentário

Os mais baixos dos tolos não entendem as dores materiais; eles passam suas vidas alegremente e não indagam acerca dos sofrimentos da vida. Essas pessoas estão quase no nível dos animais, que, embora aos olhos dos superiores estejam sempre sofrendo na vida, não têm conhecimento das aflições materiais. A vida de um porco é degradada quanto a seu padrão de felicidade, que implica viver em um lugar imundo, entregar-se ao gozo sexual em todos os momentos oportunos e esforçar-se arduamente na luta pela vida; mas isso é desconhecido para ο porco. Analogamente, os seres humanos que não têm conhecimento dos sofrimentos da existência material e são felizes na vida sexual e no trabalho árduo são os mais baixos dos tolos. Contudo, por não terem consciência dos sofrimentos, eles supostamente gozam da assim chamada felicidade. A outra classe de homens, os que são liberados e estão situados na posição transcendental acima da inteligência, são realmente felizes e são chamados paramahaṁsas. Todavia, as pessoas que não são nem como os porcos e cachorros, nem estão no nível dos paramahaṁsas, sentem as dores materiais, e, para elas, é necessária a indagação acerca da Verdade Suprema. Ο Vedānta-sūtra declara: athāto brahma-jijñāsā: “Agora devemos indagar acerca do Brahman.” Essa indagação é necessária para aqueles que estão entre os paramahaṁsas e os tolos que se esqueceram da questão da autorrealização no meio da vida de gozo dos sentidos.

Texto

arthābhāvaṁ viniścitya
pratītasyāpi nātmanaḥ
tāṁ cāpi yuṣmac-caraṇa-
sevayāhaṁ parāṇude

Sinônimos

artha-abhāvam — sem substância; viniścitya — sendo verificado; pratītasya — dos valores aparentes; api — também; na — nunca; ātmanaḥ — do eu; tām — isto; ca — também; api — deste modo; yuṣmat — teus; caraṇa — pés; sevayā — pelo serviço; aham — eu próprio; parāṇude — serei capaz de abandonar.

Tradução

Contudo, meu caro senhor, sou grato à tua pessoa porque agora posso entender que esta manifestação material não tem substância, apesar de parecer real. Estou convencido de que, servindo teus pés, serei capaz de abandonar a falsa concepção.

Comentário

Os sofrimentos da alma condicionada são superficiais e não têm valor intrínseco, como ο cortar da cabeça em um sonho. No entanto, embora essa declaração seja teoricamente verdadeira, é muito difícil que ο homem comum ou ο neófito no caminho transcendental compreendam-na de forma prática. Todavia, por servirmos aos pés de grandes personalidades como Maitreya Muni e por nos associarmos constantemente com eles, capacitamo-nos a abandonar a falsa ideia de que a alma sofre de dores materiais.

Texto

yat-sevayā bhagavataḥ
kūṭa-sthasya madhu-dviṣaḥ
rati-rāso bhavet tīvraḥ
pādayor vyasanārdanaḥ

Sinônimos

yat — a quem; sevayā — pelo serviço; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; kūṭasthasya – do imutável; madhudviṣaḥ – o inimigo do asura Madhu; ratirāsaḥ – apego em diferentes relacionamentos; bhavet — desenvolve; tīvraḥ — muito extático; pādayoḥ — dos pés; vyasana — aflições; ardanaḥ — subjugando.

Tradução

Servindo aos pés do mestre espiritual, tornamo-nos aptos a desenvolver o êxtase transcendental no serviço à Personalidade de Deus, que é ο imutável inimigo do demônio Madhu e cujo serviço subjuga nossas aflições materiais.

Comentário

A companhia de um mestre espiritual fidedigno como ο sábio Maitreya pode ser de absoluto auxílio para se atingir ο transcendental apego ao serviço direto ao Senhor. Ο Senhor é ο inimigo do demônio Madhu, ou, em outras palavras, Ele é ο inimigo dos sofrimentos de Seu devoto puro. A palavra rati-rāsaḥ é significativa neste verso. Ο serviço ao Senhor é prestado em diferentes doçuras (relacionamentos) transcendentais: neutra, ativa, amistosa, parental e conjugal. A entidade viva na posição liberada do transcendental serviço ao Senhor se atrai por uma das doçuras supramencionadas, e, ao se ocupar no transcendental serviço amoroso ao Senhor, ο apego ao serviço no mundo material é automaticamente subjugado. Como se declara na Bhagavad-gītā (2.59), rasa-varjaṁ raso ’py asya paraṁ dṛṣṭvā nivartate.

Texto

durāpā hy alpa-tapasaḥ
sevā vaikuṇṭha-vartmasu
yatropagīyate nityaṁ
deva-devo janārdanaḥ

Sinônimos

durāpā — raramente obtenível; hi — certamente; alpa-tapasaḥ — daquele que é pobre em austeridade; sevā — serviço; vaikuṇṭha — ο reino transcendental de Deus; vartmasu — no caminho de; yatra — em que; upagīyate — é glorificado; nityam — sempre; deva — dos semideuses; devaḥ — ο Senhor; janaardana – o controlador das entidades vivas.

Tradução

As pessoas que são pobres em austeridade dificilmente poderão obter ο serviço aos devotos puros que estão avançando no caminho de volta ao reino de Deus, os Vaikuṇṭhas. Os devotos puros ocupam-se cem por cento em glorificar ο Senhor Supremo, que é ο Senhor dos semideuses e ο controlador de todas as entidades vivas.

Comentário

Ο caminho da liberação, como é recomendado por todas as autoridades, consiste em servir aos transcendentalistas mahātmās. No que diz respeito à Bhagavad-gī, os mahātmās são os devotos puros que estão no caminho para Vaikuṇṭha, ο reino de Deus, e que sempre cantam e ouvem as glórias do Senhor, ao invés de conversarem sobre filosofia árida e infrutífera. Esse sistema da associação tem sido recomendado desde tempos imemoriais, mas, nesta era de desavenças e hipocrisia, ele é especialmente recomendado pelo Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu. Mesmo que uma pessoa não tenha fundos de austeridade favorável, se ela se refugia nos mahātmās, que estão ocupados em cantar e ouvir as glórias do Senhor, certamente progredirá no caminho de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Texto

sṛṣṭvāgre mahad-ādīni
sa-vikārāṇy anukramāt
tebhyo virājam uddhṛtya
tam anu prāviśad vibhuḥ

Sinônimos

sṛṣṭvā — após criar; agre — no começo; mahat-ādīni — a energia material total; sa-vikārāṇi — juntamente com os órgãos dos sentidos; anukramāt — por um processo gradual de diferenciação; tebhyaḥ — daí; virājam — a gigantesca forma universal; uddhṛtya — manifestando; tam — após ο que; anu — posteriormente; prāviśat — entrou; vibhuḥ — ο Supremo.

Tradução

Após criar a energia material total, ο mahat-tattva, e desse modo manifestar a gigantesca forma universal com sentidos e órgãos dos sentidos, ο Senhor Supremo entrou nela.

Comentário

Totalmente satisfeito com as respostas do sábio Maitreya, Vidura quis entender as porções restantes da função criadora do Senhor, aproveitando a indicação dos tópicos anteriores.

Texto

yam āhur ādyaṁ puruṣaṁ
sahasrāṅghry-ūru-bāhukam
yatra viśva ime lokāḥ
sa-vikāśaṁ ta āsate

Sinônimos

yam — que; āhuḥ — é chamada; ādyam — original; puruṣam — encarnação para a manifestação cósmica; sahasra — milhares; aṅghri — pernas; ūru — coxas; bāhukam — mãos; yatra — em que; viśvaḥ — ο universo; ime — todos estes; lokāḥ — planetas; sa-vikāśam — com desenvolvimentos respectivos; te — todos eles; āsate — vivendo.

Tradução

A encarnação puruṣa deitada no Oceano Causal é chamada ο puruṣa original nas criações materiais, e, sob Sua forma virāṭ, na qual vivem todos os planetas e seus habitantes, Ele tem muitos milhares de pernas e mãos.

Comentário

Ο primeiro puruṣa é Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, ο segundo puruṣa é Garbhodakaśāyī Viṣṇu, e ο terceiro puruṣa é Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, em quem se contempla o virāṭ-puruṣa, a gigantesca forma na qual flutuam todos os planetas com seus diferentes desenvolvimentos e habitantes.

Texto

yasmin daśa-vidhaḥ prāṇaḥ
sendriyārthendriyas tri-vṛt
tvayerito yato varṇās
tad-vibhūtīr vadasva naḥ

Sinônimos

yasmin — em que; daśavidhaḥ – dez tipos de; prāṇaḥ — ar vital; sa — com; indriya — sentidos; artha — interesse; indriyaḥ — dos sentidos; tri-vṛt — três tipos de vigor vital; tvayā — por ti; yataḥ — de onde; varṇāḥ — quatro divisões específicas; tat-vibhūtīḥ — poder; vadasva — descreve, por favor; naḥ — para mim.

Tradução

Ó grandioso brāhmaṇa, tu me disseste que a gigantesca forma viraṭ e Seus sentidos, objetos dos sentidos e dez tipos de ar vital existem com três tipos de vigor vital. Agora, se quiseres, por favor, explica-me os diferentes poderes das divisões específicas.

Texto

yatra putraiś ca pautraiś ca
naptṛbhiḥ saha gotrajaiḥ
prajā vicitrākṛtaya
āsan yābhir idaṁ tatam

Sinônimos

yatra — em que; putraiḥ — juntamente com os filhos; ca — e; pautraiḥ — juntamente com os netos; ca — também; naptṛbhiḥ — com os netos das filhas; saha — juntamente com; gotra-jaiḥ — da mesma família; prajāḥ — gerações; vicitra — de diferentes tipos; ākṛtayaḥ — assim feito; āsan — existem; yābhiḥ — por quem; idam — todos estes planetas; tatam — espalhados.

Tradução

Ó meu senhor, acho que ο poder manifesto sob as formas de filhos, netos e membros familiares espalha-se por todo ο universo em diferentes variedades e espécies.

Texto

prajāpatīnāṁ sa patiś
cakḷpe kān prajāpatīn
sargāṁś caivānusargāṁś ca
manūn manvantarādhipān

Sinônimos

prajā-patīnām — dos semideuses como Brahmā e outros; saḥ — ele; patiḥ — líder; cakḷpe — decidiu; kān — todos que; prajāpatīn — pais das entidades vivas; sargān — gerações; ca — também; eva — certamente; anusargān — gerações posteriores; ca — e; manūn — os Manus; manvantara-adhipān — as mudanças destes.

Tradução

Ó brāhmaṇa erudito, descreve, por favor, como ο líder de todos os semideuses, a saber, Prajāpati, Brahmā, decidiu estabelecer os vários Manus, os cabeças das eras. Descreve também, por favor, os Manus e os descendentes desses Μanus.

Comentário

A raça humana, ou manuṣya-sara, descende dos Manus, filhos e netos do Prajāpati, Brahmā. Os descendentes de Μanu residem em todos os diferentes planetas e governam todo ο universo.

Texto

upary adhaś ca ye lokā
bhūmer mitrātmajāsate
teṣāṁ saṁsthāṁ pramāṇaṁ ca
bhūr-lokasya ca varṇaya

Sinônimos

upari — sobre a cabeça; adhaḥ — abaixo; ca — também; ye — que; lokāḥ — planetas; bhūmeḥ — da Terra; mitra-ātmaja — ó filho Mitra (Maitreya Muni); āsate — existem; teṣām — deles; saṁsthām — situação; pramāṇam ca — também sua dimensão; bhūḥlokasya – dos planetas terrestres; ca — também; varṇaya — por favor, descreve.

Tradução

Ó filho de Mitrā, por favor, descreve como os planetas estão situados acima da Terra bem como abaixo dela, e também, favor, menciona a dimensão deles, bem como a dos planetas terrestres.

Comentário

Yasmin vijñāte sarvam evaṁ vijñātaṁ bhavati. (Muṇḍaka Upaniṣad 1.3) Esse hino védico declara enfaticamente que ο devoto do Senhor conhece todas coisas materiais e espirituais relacionadas ao Senhor. Os devotos não são simplesmente emotivos, como concebem erradamente homens menos inteligentes. Sua orientação é prática. Eles conhecem tudo que existe e todos os detalhes do domínio do Senhor sobre as diferentes criações.

Texto

tiryaṅ-mānuṣa-devānāṁ
sarīsṛpa-patattriṇām
vada naḥ sarga-saṁvyūhaṁ
gārbha-sveda-dvijodbhidām

Sinônimos

tiryak — sub-humanos; mānuṣa — seres humanos; devānām — dos seres sobre-humanos, ou semideuses; sarīsṛpa — répteis; patattriṇām — dos pássaros; vada — por favor, descreve; naḥ — para mim; sarga — geração; saṁvyūham — divisões específicas; gārbha — embrionário; sveda — transpiração; dvija — duas vezes nascidos; udbhidām — dos planetas etc.

Tradução

Por favor, descreve também os seres vivos sob diferentes classificações: sub-humanos, humanos, aqueles que nascem do embrião, os que nascem da transpiração, os que são duas vezes nascidos [pássaros] e as plantas e vegetais. Por favor, descreve também suas gerações e subdivisões.

Texto

guṇāvatārair viśvasya
sarga-sthity-apyayāśrayam
sṛjataḥ śrīnivāsasya
vyācakṣvodāra-vikramam

Sinônimos

guṇa — modos da natureza material; avatāraiḥ — das encarnações; viśvasya — do universo; sarga — criação; sthiti — manutenção; apyaya — destruição; āśrayam — e descanso último: sṛjataḥ – daquele que cria; śrīnivāsasya — da Personalidade de Deus; vyācakṣva — por favor, descreve; udāra — magnânimas; vikramam — atividades específicas.

Tradução

Por favor, descreve também as encarnações dos modos materiais da natureza – Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara – e descreve, por favor, a encarnação da Suprema Personalidade de Deus e Suas magnânimas atividades.

Comentário

Embora Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara, as três encarnações dos modos da natureza material, sejam as principais deidades para a criação, manutenção e destruição da manifestação cósmica, eles não são a autoridade final. A Suprema Personalidade de Deus, ο Senhor Kṛṣṇa, é a meta última, a causa de todas as causas. Ele é ο āśraya, ou o descanso final de todas as coisas.

Texto

varṇāśrama-vibhāgāṁś ca
rūpa-śīla-svabhāvataḥ
ṛṣīṇāṁ janma-karmāṇi
vedasya ca vikarṣaṇam

Sinônimos

varṇa-āśrama — as quatro divisões de posições sociais e ordens de cultura espiritual; vibhāgān — respectivas divisões; ca — também; rūpa — características pessoais; śīlasvabhāvataḥ – caráter pessoal; ṛṣīṇām — dos sábios; janma — nascimento; karmāṇi — atividades; vedasya — dos Vedas; ca — e; vikarṣaṇam — categorias.

Tradução

Ó grande sábio, por favor, descreve as classes e as ordens da sociedade humana em termos dos sintomas, comportamento e as características de equilíbrio mental e controle dos sentidos. Por favor, descreve também os nascimentos dos grandes sábios e as categorias dos Vedas.

Comentário

As quatro classes e ordens da sociedade humana – brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras, como também os brahmacārīs, gṛhasthas, vānaprasthas e sannyāsīs – são classificações sob ο ponto de vista de qualidade, educação, cultura e avanço espiritual atingidos por se praticar ο controle da mente e dos sentidos. Todas essas classes baseiam-se na natureza particular de cada pessoa individual, e não no princípio do nascimento. Ο nascimento não é mencionado neste verso porque o nascimento é irrelevante. Vidura é famoso na história como tendo nascido de mãe śūdrāṇī, mas ele é mais do que um brāhmaṇa por qualificação porque, nesta passagem, vemos que ele é discípulo de um grande sábio, Maitreya Muni. A menos que se alcance pelo menos qualificações bramânicas, não se pode entender os hinos védicos. Ο Mahābhārata é também uma divisão dos Vedas, mas se destina às mulheres, aos śūdras e aos dvija-bandhus, os filhos indignos da divisão superior. A divisão menos inteligente da sociedade pode aproveitar-se das instruções védicas simplesmente por estudar ο Mahābhārata.

Texto

yajñasya ca vitānāni
yogasya ca pathaḥ prabho
naiṣkarmyasya ca sāṅkhyasya
tantraṁ vā bhagavat-smṛtam

Sinônimos

yajñasya — de sacrifícios; ca — também: vitānāni – expansões; yogasya — dos poderes místicos; ca — também; pathaḥ — métodos; prabho — ό meu senhor; naiṣkarmyasya — de conhecimento; ca — e; sāṅkhyasya — de estudos analíticos; tantram — ο caminho do serviço devocional; — bem como; bhagavat — em relação com a Personalidade de Deus; smṛtam — princípios reguladores.

Tradução

Por favor, descreve também as expansões de diferentes sacrifícios e os caminhos dos poderes místicos, do estudo analítico de conhecimento e do serviço devocional, todos com seus respectivos regulamentos.

Comentário

A palavra tantram é significativa nesta passagem. Às vezes tantram é entendido equivocadamente como sendo a ciência espiritual negra de pessoas materialistas ocupadas no gozo dos sentidos, mas aqui tantram significa a ciência do serviço devocional compilada por Śrīla Nārada Muni. Pode-se tirar proveito dessas explicações reguladoras do caminho do serviço devocional e fazer avanço progressivo no serviço devocional ao Senhor. A filosofia sāṅkhya é ο princípio básico para se adquirir conhecimento, como será explicado pelo sábio Μaitreya. A filosofia sāṅkhya enunciada por Kapiladeva, ο filho de Devahūti, é a verdadeira fonte de conhecimento sobre a Verdade Suprema. Conhecimento que não se baseia na filosofia sāṅkhya é especulação mental e não pode dar trazer nenhum benefício tangível.

Texto

pāṣaṇḍa-patha-vaiṣamyaṁ
pratiloma-niveśanam
jīvasya gatayo yāś ca
yāvatīr guṇa-karmajāḥ

Sinônimos

pāṣaṇḍa-patha — o caminho dos infiéis; vaiṣamyam — imperfeição pela contradição; pratilοma — hibridismo; niveśanam — situação; jīvasya — das entidades vivas; gatayaḥ — movimentos; yāḥ — como são; ca — também; yāvatīḥ — tantos quantos; guṇa — modos da natureza material; karma-jāḥ — gerados por diferentes trabalhos.

Tradução

Por favor, descreve também as imperfeições e as contradições dos ateístas infiéis, a situação do hibridismo e os movimentos das entidades vivas em várias espécies de vida de acordo com seus modos da natureza e trabalho em particular.

Comentário

A combinação de entidades vivas em diferentes modos da natureza material é chamada hibridismo. Os ateístas infiéis não creem na existência de Deus, e, deste modo, seus caminhos de filosofia são contraditórios. As filosofias ateístas nunca concordam umas com as outras. Diferentes espécies de vida são evidência das variedades de misturas dos modos da natureza material.

Texto

dharmārtha-kāma-mokṣāṇāṁ
nimittāny avirodhataḥ
vārtāyā daṇḍa-nīteś ca
śrutasya ca vidhiṁ pṛthak

Sinônimos

dharma — religiosidade; artha — desenvolvimento econômico; kāma — gozo dos sentidos; mokṣāṇām — salvação; nimittāni — causas; avirodhataḥ — sem ser contraditórias; vārtāyāḥ — sobre os princípios dos meios de vida; daṇḍanīteḥ – de lei e ordem; ca — também; śrutasya — dos códigos das escrituras; ca — também; vidhim — regulamentos; pṛthak — diferentes.

Tradução

Descreve também, por favor, as causas não-contraditórias da religiosidade, do desenvolvimento econômico, do gozo dos sentidos e da salvação, bem como os diferentes meios de vida e diferentes processos de lei e ordem tal como são mencionados nas escrituras reveladas.

Texto

śrāddhasya ca vidhiṁ brahman
pitṝṇāṁ sargam eva ca
graha-nakṣatra-tārāṇāṁ
kālāvayava-saṁsthitim

Sinônimos

śrāddhasya — dos periódicos oferecimentos de respeitos; ca — também; vidhim — regulamentos; brahman — ό brāhmaṇa; pitṝṇām — dos antepassados; sargam — criação; eva — como; ca — também; graha — sistema planetário; nakṣatra — as estrelas; tārāṇām — astros; kāla — tempo; avayava — duração; saṁsthitim — situações.

Tradução

Por favor, explica também os regulamentos para se oferecer respeitos aos antepassados, a criação de Pitṛloka, ο horário nos planetas, estrelas e astros, e suas respectivas situações.

Comentário

As durações de tempo de dia e noite, bem como os meses e os anos, são distintos nos diferentes planetas, estrelas e astros. Os planetas superiores, como a Lua e Vênus, têm dimensões de tempo diferentes das dimensões de tempo da Terra. Afirma-se que seis meses deste planeta Terra equivalem a um dia dos planetas superiores. Na Bhagavad-gītā, calcula-se que a duração de um dia em Brahmaloka é de mil vezes os quatro yugas, ou seja, 4.300.000 anos multiplicados por 1.000. Ε ο mês e ano em Brahmaloka são calculados nessa medida.

Texto

dānasya tapaso vāpi
yac ceṣṭā-pūrtayoḥ phalam
pravāsa-sthasya yo dharmo
yaś ca puṁsa utāpadi

Sinônimos

dānasya — da caridade; tapasaḥ — da penitência; vāpi — lago; yat — aquilo que; ca — e; iṣṭā — esforço; pūrtayoḥ — de reservatórios d’água; phalam — resultado fruitivo; pravāsasthasya – aquele que está longe do lar; yaḥ — aquilo que; dharmaḥ — dever; yaḥ ca — e que; puṁsaḥ — do homem; uta — descrito; āpadi — em perigo.

Tradução

Por favor, descreve também os resultados fruitivos da caridade, da penitência e de se cavar reservatórios d’água. Descreve, por favor, a situação das pessoas que estão longe do lar e também ο dever de um homem em uma posição incômoda.

Comentário

A escavação de reservatórios d’água para uso público é uma grande obra de caridade, e retirar-se da vida familiar após os cinquenta anos de idade é um grande ato de penitência executado pelo ser humano sóbrio.

Texto

yena vā bhagavāṁs tuṣyed
dharma-yonir janārdanaḥ
samprasīdati vā yeṣām
etad ākhyāhi me ’nagha

Sinônimos

yena — através do que; — ou; bhagavān — a Personalidade de Deus; tuṣyet — é satisfeito; dharma-yoniḥ — o pai de toda religião; janārdanaḥ — ο controlador de todos os seres vivos; samprasīdati — completamente satisfeito; — isto, aquilo; yeṣām — daqueles; etat — todos estes; ākhyāhi — por favor, descreve; me — para mim; anagha — sem pecados.

Tradução

Ó impecável, porque a Personalidade de Deus, ο controlador de todas entidades vivas, é ο pai de toda religião e de todos aqueles que são candidatos às atividades religiosas, por favor, descreve como Ele pode ser completamente satisfeito.

Comentário

Todas as atividades religiosas destinam-se, em última análise, a satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. O Senhor é ο pai de todos os princípios religiosos. Como se declara na Bhagavad-gītā (7.16), quatro tipos de homens piedosos – ο necessitado, ο aflito, o esclarecido e ο curioso – aproximam-se do Senhor no serviço devocional, sendo a sua devoção misturada com afeição material. Acima deles, porém, estão os devotos puros, cuja devoção não é manchada por nenhum matiz material de trabalho fruitivo ou conhecimento especulativo. Aqueles que são apenas hereges durante suas vidas são comparados a demônios. (Bhagavad-gītā 7.15) Eles são privados de todo conhecimento, apesar de qualquer carreira educacional acadêmica que exerçam. Tais hereges não são, de forma alguma, candidatos a satisfazer ο Senhor.

Texto

anuvratānāṁ śiṣyāṇāṁ
putrāṇāṁ ca dvijottama
anāpṛṣṭam api brūyur
guravo dīna-vatsalāḥ

Sinônimos

anuvratānām — os seguidores; śiṣyāṇām — dos discípulos; putrāṇām — dos filhos; ca — também; dvija-uttama — ó melhor entre os brāhmaṇas; anāpṛṣṭam — aquilo que não é pedido; api — apesar de; brūyuḥ — por favor, descreve; guravaḥ — os mestres espirituais; dīna-vatsalāḥ — que são bondosos com os necessitados.

Tradução

Ó melhor entre os brāhmaṇas, aqueles que são mestres espirituais são muito bondosos com os necessitados. Eles são sempre gentis com seus seguidores, discípulos e filhos, e, mesmo sem lhe pedirem, o mestre espiritual descreve tudo aquilo que é conhecimento.

Comentário

Há muitos assuntos que devem ser conhecidos através do mestre espiritual fidedigno. Os seguidores, discípulos e filhos estão em nível de igualdade para com ο mestre espiritual fidedigno, e ele sempre é bondoso com eles e sempre lhes fala sobre assuntos transcendentais, mesmo que eles não lhe perguntem. Essa é a natureza do mestre espiritual fidedigno. Vidura pediu a Maitreya Muni para falar de assuntos sobre os quais ele não tivesse perguntado.

Texto

tattvānāṁ bhagavaṁs teṣāṁ
katidhā pratisaṅkramaḥ
tatremaṁ ka upāsīran
ka u svid anuśerate

Sinônimos

tattvānām — dos elementos da natureza; bhagavan — ó grande sábio; teṣām — deles; katidhā — quantas; pratisaṅkramaḥ — dissoluções; tatra — em seguida; imam — aο Senhor Supremo; ke — quem são eles; upāsīran — sendo salvos; ke — quem são eles; u — quem; svit — pode; anuśerate — servir ao Senhor enquanto Ele dorme.

Tradução

Por favor, descreve quantas dissoluções existem para os elementos da natureza material e quem sobrevive após as dissoluções para servir aο Senhor enquanto Ele dorme.

Comentário

Na Brahma-saṁhitā (5.47-48), afirma-se que todas as manifestações materiais com inumeráveis universos aparecem e desaparecem com a respiração de Mahā-Viṣṇu, que está deitado em yoga-nidrā, ou sono místico.

yaḥ kāraṇārṇava-jale bhajati sma yoga-
nidrām ananta-jagad-aṇḍa-saroma-kūpaḥ
ādhāra-śaktim avalambya parāṁ sva-mūrtiṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
yasyaika-niśvasita-kālam athāvalambya
jīvanti loma-vilajā jagad-aṇḍa-nāthāḥ
viṣṇur mahān sa iha yasya kalā-viśeṣo
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Govinda, a fundamental e Suprema Personalidade de Deus (o Senhor Kṛṣṇa), deita-Se dormindo ilimitadamente no Oceano Causal a fim de criar ilimitado número de universos durante esse sono. Ele Se deita na água através de Sua própria potência interna, e eu adoro essa original Divindade Suprema.”

“Devido à Sua respiração, surgem inumeráveis universos, e, quando Ele inspira, ocorre a dissolução de todos os senhores dos universos. Essa porção plenária do Senhor Supremo é chamada Mahā-Viṣṇu, e Ele é uma parte da parte do Senhor Κṛṣṇa. Eu adoro Govinda, ο Senhor original.”

Após a dissolução das manifestações materiais, ο Senhor e Seu reino, que está além do Oceano Causal, não desaparecem, nem os habitantes, os companheiros do Senhor. Os companheiros do Senhor são muito mais numerosos do que as entidades vivas que se esqueceram do Senhor devido ao contato com a matéria. A explicação do impersonalista da palavra aham nos quatro versos do Bhāgavatam original – aham evāsam evāgre etc. – é refutada nesta passagem. Ο Senhor e Seus companheiros eternos permanecem após a dissolução. A pergunta de Vidura sobre essas pessoas é uma indicação clara da existência de toda a parafernália do Senhor. Isso também é confirmado no Kāśī-khaṇḍa, que é citado tanto por Jīva Gosvāmī, quanto por Śrīla Viśvanātha Cakravartī, que seguem os passos de Śrīla Śrīdhara Svāmī.

na cyavante hi yad-bhaktā
mahatyāṁ pralayāpadi
ato ’cyuto ’khile loke
sa ekaḥ sarva-go ’vyayaḥ

“Os devotos do Senhor nunca aniquilam suas existências individuais, e, mesmo após a dissolução de toda a manifestação cósmica, o Senhor e os devotos que se associam com Ele são sempre eternos, tanto no mundo material quanto no mundo espiritual.”

Texto

puruṣasya ca saṁsthānaṁ
svarūpaṁ vā parasya ca
jñānaṁ ca naigamaṁ yat tad
guru-śiṣya-prayojanam

Sinônimos

puruṣasya — da entidade viva; ca — também; saṁsthānam — existência; svarūpam — identidade; — ou; parasya — do Supremo; ca — também; jñānam — conhecimento; ca — também; naigamam — quanto às Upaniṣads; yat — isto; tat — ο mesmo; guru — mestre espiritual; śiṣya — discípulo; prayojanam — necessidade.

Tradução

Quais são as verdades relativas às entidades vivas e à Suprema Personalidade de Deus? Quais são as suas identidades? Quais são os valores específicos do conhecimento nos Vedas, e quais são as necessidades para ο mestre espiritual e seus discípulos?

Comentário

As entidades vivas são constitucionalmente servas do Senhor, que pode aceitar todos os tipos de serviços de todos. Afirma-se com clareza (Bhagavad-gītā 5.29) que ο Senhor é ο desfrutador supremo dos benefícios de todos os sacrifícios e penitências, ο proprietário de tudo que se manifesta e ο amigo de todas as entidades vivas. Essa é a Sua verdadeira identidade. Portanto, quando a entidade viva aceita essa propriedade suprema do Senhor e age com essa atitude, ela recupera sua identidade verdadeira. A fim de elevar a entidade viva a esse padrão de conhecimento, há necessidade da associação espiritual. Ο mestre espiritual fidedigno deseja que seus discípulos conheçam ο processo de prestar transcendental serviço ao Senhor, e os discípulos também sabem que têm de aprender sobre ο relacionamento eterno entre Deus e a entidade viva com uma alma autorrealizada. Para disseminar ο conhecimento transcendental, é preciso abster-se de atividades mundanas valendo-se da iluminação no conhecimento em termos da sabedoria védica. Essa é a essência de todas as perguntas feitas neste verso.

Texto

nimittāni ca tasyeha
proktāny anagha-sūribhiḥ
svato jñānaṁ kutaḥ puṁsāṁ
bhaktir vairāgyam eva vā

Sinônimos

nimittāni — a fonte do conhecimento; ca — também; tasya — de tal conhecimento; iha — neste mundo; proktāni — mencionado; anagha — imaculados; sūribhiḥ — pelos devotos; svataḥ — autossuficiente; jñānam — conhecimento; kutaḥ — como; puṁsām — da entidade viva; bhaktiḥ — serviço devocional; vairāgyam — desapego; eva — certamente; — também.

Tradução

Os devotos imaculados do Senhor mencionam a fonte desse conhecimento. Como alguém poderia ter conhecimento do serviço devocional e desapego sem a ajuda de tais devotos?

Comentário

Há muitas pessoas inexperientes que advogam a autorrealização sem a ajuda de um mestre espiritual. Elas não acreditam na necessidade de um mestre espiritual e tentam elas mesmas tomar ο seu lugar, propagando a teoria de que ο mestre espiritual não é necessário. O Śrīmad-Bhāgavatam, entretanto, não aprova esse ponto de vista. Mesmo ο grande erudito transcendental Vyāsadeva teve necessidade de um mestre espiritual, e, seguindo as instruções de Nārada, seu mestre espiritual, ele preparou esta sublime literatura, ο Śrīmad-Bhāgavatam. Até ο Senhor Caitanya, apesar de ser ο próprio Κṛṣṇa, aceitou um mestre espiritual; e mesmo ο Senhor Kṛṣṇa aceitou um mestre espiritual, Sāndīpani Muni, a fim de ser iluminado; e todos os ācāryas e santos do mundo tiveram mestres espirituais. Na Bhagavad-gītā, Arjuna aceitou ο Senhor Kṛṣṇa como seu mestre espiritual embora não houvesse necessidade de tal declaração formal. Assim, de qualquer modo, não há dúvida quanto à necessidade de se aceitar um mestre espiritual. A única estipulação é que ο mestre espiritual deve ser fidedigno, isto é, ο mestre espiritual deve estar na devida corrente de sucessão discipular, chamada sistema paramparā.

Os sūris são grandes eruditos, mas nem sempre são anaghas, ou imaculados. Ο anagha-sūri é aquele que é um devoto puro do Senhor. Aqueles que não são devotos puros do Senhor, ou que querem estar em nível de igualdade com Ele, não são anagha-sūris. Os devotos puros têm elaborado muitos livros de conhecimento com base nas escrituras autorizadas. Śrīla Rūpa Gosvāmī e seus auxiliares, sob as instruções do Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu, têm escrito várias literaturas para a orientação dos devotos em perspectiva, e qualquer um que seja muito sério quanto a elevar-se ao padrão de um devoto puro do Senhor deve tirar proveito dessas literaturas.

Texto

etān me pṛcchataḥ praśnān
hareḥ karma-vivitsayā
brūhi me ’jñasya mitratvād
ajayā naṣṭa-cakṣuṣaḥ

Sinônimos

etān — todas estas; me — minhas; pṛcchataḥ — daquele que pergunta; praśnān — perguntas; hareḥ — do Senhor Supremo; karma — passatempos; vivitsayā — desejando conhecer; brūhi — por favor, descreve; me — para mim; ajñasya — daquele que é ignorante; mitratvāt — por causa da amizade; ajayā — pela energia externa; naṣṭacakṣuṣaḥ – aqueles que perderam sua visão.

Tradução

Meu caro sábio, fiz todas essas perguntas com vista a conhecer os passatempos de Hari, a Suprema Personalidade de Deus. Como és o amigo de todos, por favor, descreve-os a todos aqueles que perderam sua visão.

Comentário

Vidura fez muitas variedades de perguntas com vista a entender os princípios do transcendental serviço amoroso ao Senhor. Como se declara na Bhagavad-gītā (2.41), ο serviço devocional ao Senhor é apenas um, e a mente do devoto não se desvia para as muitas ramificações de incertezas. Ο objetivo de Vidura era situar-se nesse serviço ao Senhor, em que submergimos sem nos desviar. Ele reivindicou a amizade de Maitreya Muni, não porque era filho de Maitreya, mas porque Maitreya era realmente ο amigo de todos que perderam sua visão espiritual devido à influência material.

Texto

sarve vedāś ca yajñāś ca
tapo dānāni cānagha
jīvābhaya-pradānasya
na kurvīran kalām api

Sinônimos

sarve — todos os tipos de; vedāḥ — divisões dos Vedas; ca — também; yajñāḥ — sacrifícios; ca — também; tapaḥ — penitências; dānāni — caridade; ca — e; anagha — ό imaculado; jīva — a entidade viva; abhaya — imunidade às dores materiais; pradānasya — daquele que dá esta certeza; na — não; kurvīran — podem ser igualadas; kalām — mesmo parcialmente; api — certamente.

Tradução

Ó imaculado, tuas respostas a todas essas perguntas concederão imunidade a todos os sofrimentos materiais. Essa caridade é superior a toda caridade, sacrifícios, penitências etc. dos Vedas.

Comentário

A mais elevada e perfeita obra de caridade é dar às pessoas em geral imunidade às ansiedades da existência material. Isso só pode ser feito executando-se atividades no serviço devocional ao Senhor. Tal conhecimento é incomparável. Ο cultivo de conhecimento nos Vedas, a execução de sacrifício e a distribuição de caridade magnânima – tudo isso junto não pode sequer formar uma parte da imunidade às dores da existência material que se obtém através do serviço devocional. A caridade de Maitreya Muni não apenas ajudará Vidura, mas, devido a sua natureza universal, também salvará todas as outras pessoas em todas as épocas. Por conseguinte, Maitreya é imortal.

Texto

śrī-śuka uvāca
sa ittham āpṛṣṭa-purāṇa-kalpaḥ
kuru-pradhānena muni-pradhānaḥ
pravṛddha-harṣo bhagavat-kathāyāṁ
sañcoditas taṁ prahasann ivāha

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; saḥ — ele; ittham — deste modo; āpṛṣṭa — sendo questionado; purāṇakalpaḥ – aquele que sabe como explicar os suplementos dos Vedas (os Purāṇas); kurupradhānena – pelo principal dos Kurus; munipradhānaḥ – o principal entre os sábios; pravṛddha — suficientemente enriquecido; harṣaḥ — satisfação; bhagavat — a Personalidade de Deus; kathāyām — tópicos de; sañcoditaḥ — sendo assim inspirado; tam — a Vidura; prahasan — com sorrisos; iva — assim; āha — respondeu.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Deste modo, ο principal dos sábios, que sempre teve entusiasmo para descrever tópicos relativos à Personalidade de Deus, começou a narrar a explicação descritiva dos Purāṇas, ao ser assim inspirado por Vidura. Εle ficou muito animado ao falar sobre as atividades transcendentais do Senhor.

Comentário

Grandes sábios eruditos, como Maitreya Muni, têm sempre muito entusiasmo para descrever as atividades transcendentais do Senhor. Maitreya Muni, sendo assim convidado por Vidura a falar, parecia estar sorrindo porque estava realmente sentindo bem-aventurança transcendental.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do terceiro canto, sétimo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Outras Perguntas de Vidura”.