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CAPÍTULO CINCO

Os Ensinamentos do Senhor Ṛṣabhadeva aos Seus Filhos

Neste capítulo, descreve-se bhāgavata-dharma, os princípios religiosos em serviço devocional que transcendem os princípios religiosos que visam à liberação e à mitigação do sofrimento material. Nele, afirma-se que, ao contrário de cães e porcos, o ser humano não deve trabalhar arduamente, na tentativa de obter gozo dos sentidos. A vida humana destina-se especialmente a que possamos reviver nossa relação com o Senhor Supremo, e, para esse fim, devemos aceitar toda espécie de austeridades e penitências. Através de atividades austeras, podemos tirar de nossos corações a contaminação material e, em consequência disso, situarmo-nos na plataforma espiritual. Para atingir essa perfeição, devemos refugiar-nos em um devoto e servi-lo. Então, a porta da liberação se abrirá. Aqueles que são materialmente apegados a mulheres e ao gozo dos sentidos aos poucos vão-se enredando em consciência material e continuam a sofrer as dores ligadas a nascimento, velhice, doença e morte. Aqueles que se ocupam no bem-estar geral e que não estão apegados aos filhos e à família chamam-se mahātmās. Aqueles que estão ocupados em gozo dos sentidos, que agem piedosa ou impiamente, não podem entender o propósito da alma. Portanto, devem aproximar-se de um devoto altamente elevado e aceitá-lo como mestre espiritual. Associando-se com semelhante mestre espiritual, serão capazes de entender o propósito da vida. Sob as suas instruções, podem alcançar o serviço devocional ao Senhor, desapegar-se das coisas materiais e tolerar a dor e a aflição materiais. Então, poderão ver com equanimidade todas as entidades vivas e desejarão conhecer temas transcendentais com grande avidez. Esforçando-se persistentemente em satisfazer Kṛṣṇa, desapegam-se de esposas, filhos e lares. Eles perdem o interesse em desperdiçar seu tempo. Dessa maneira, tornam-se autorrealizados. A pessoa que é avançada em conhecimento espiritual não ocupa ninguém em atividades materiais. E aquele que não consegue transmitir o serviço devocional e, então, libertar outrem, não deve tornar-se mestre espiritual, pai, mãe, semideus ou esposo. Ao instruir seus cem filhos, o Senhor Ṛṣabhadeva os aconselhou a aceitarem seu irmão mais velho, Bharata, como seu guia e senhor e, portanto, servi-lo. Entre todas as entidades vivas, os brāhmaṇas são os melhores, e, acima dos brāhmaṇas, os vaiṣṇavas se situam em uma posição ainda melhor. Servir a um vaiṣṇava significa servir à Suprema Personalidade de Deus. Assim, para instruir a população em geral, Śukadeva Gosvāmī descreve as características de Mahārāja Bharata e a cerimônia sacrificatória executada pelo Senhor Ṛṣabhadeva.

Texto

ṛṣabha uvāca
nāyaṁ deho deha-bhājāṁ nṛloke
kaṣṭān kāmān arhate viḍ-bhujāṁ ye
tapo divyaṁ putrakā yena sattvaṁ
śuddhyed yasmād brahma-saukhyaṁ tv anantam

Sinônimos

ṛṣabhaḥ uvāca — o Senhor Ṛṣabhadeva disse; na — não; ayam — este; dehaḥ — corpo; deha-bhājām — de todas as entidades vivas que aceitaram corpos materiais; nṛ-loke — neste mundo; kaṣṭān — problemático; kāmān — gozo dos sentidos; arhate — merece; viṭ-bhujām — dos comedores de excremento; ye — as quais; tapaḥ — austeridades e penitências; divyam — divino; putrakāḥ — Meus queridos filhos; yena — mediante as quais; sattvam — o coração; śuddhyet — purifica-se; yasmāt — a partir daí; brahma-saukhyam — felicidade espiritual; tu — decerto; anantam — infindável.

Tradução

O Senhor Ṛṣabhadeva disse aos Seus filhos: Meus queridos rapazes, entre todas as entidades vivas que aceitaram corpos materiais neste mundo, aquele que recebeu esta forma humana não deve trabalhar arduamente dia e noite com o simples propósito de satisfazer seus sentidos, pois isso se encontra disponível inclusive para os cães e porcos, meros comedores de excremento. A pessoa deve ocupar-se em penitências e austeridades para alcançar a posição divina do serviço devocional. Através dessa atividade, seu coração purifica-se e, ao situar-se nessa posição, obtém uma vida bem-aventurada e eterna, que transcende a felicidade material e continua para sempre.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, o Senhor Ṛṣabhadeva fala a Seus filhos sobre a importância da vida humana. A palavra deha-bhāk refere-se a todo aquele que aceita um corpo material, mas a entidade viva que recebe a forma humana deve agir de maneira diferente de como agem os animais. Animais como cães e porcos desfrutam dos sentidos ao comerem fezes. Após passarem por muitas dificuldades o dia todo, os seres humanos tentam desfrutar à noite, comendo, bebendo, fazendo sexo e dormindo. Ao mesmo tempo, precisam defender-se de modo adequado. Isso, todavia, não é civilização humana. Vida humana significa submeter-se voluntariamente a sofrimentos para obter avanço na vida espiritual. É óbvio que existe sofrimento na vida dos animais e das plantas, que estão sofrendo por causa de seus erros passados. No entanto, para alcançar a vida divina, os seres humanos devem aceitar voluntariamente o sofrimento sob a forma de austeridades e penitências. Após alcançar a vida divina, todos poderão desfrutar de felicidade eterna. Afinal, toda entidade viva esforça-se em gozar de felicidade, mas, enquanto se encontrar engaiolada no corpo material, terá que experimentar várias espécies de sofrimentos. Na forma humana, encontra-se uma inteligência superior para agir de acordo com motivações superiores e obter felicidade eterna ao retornar ao Supremo.

É significativo neste verso que o governante e guardião natural, o pai, deva educar os subordinados e criá-los em consciência de Kṛṣṇa. Desprovido de consciência de Kṛṣṇa, todo ser vivo sofre perpetuamente neste ciclo de nascimentos e mortes. Para libertá-lo desse cativeiro e capacitá-lo a tornar-se bem-aventurado e feliz, é preciso lhe ensinar bhakti-yoga. Uma civilização tola deixa de ensinar à população como ela deve agir para elevar-se à plataforma de bhakti-yoga. Quem não tem consciência de Kṛṣṇa é um mero porco ou cão. As instruções de Ṛṣabhadeva são muito relevantes no momento atual. A educação treina as pessoas a trabalharem muito arduamente para satisfazerem seus sentidos, e não lhes aponta qualquer meta sublime na vida. O homem se coloca a caminho para ganhar sua subsistência, deixando o lar de manhã bem cedo, pegando a condução local e se deslocando em um veículo superlotado, onde tem que permanecer por uma ou duas horas até alcançar o seu local de trabalho. No escritório, trabalha arduamente das nove às cinco; então, gasta mais duas ou três horas para voltar à sua casa. Depois de comer, ele faz sexo e dorme. Em troca de todos esses inconvenientes, sua única felicidade é um pouco de sexo. Yan maithunādi-gṛhamedhi-sukhaṁ hi tuccham. Ṛṣabhadeva afirma claramente que a vida humana não se destina a essa classe de existência, da qual mesmo os cães e os porcos desfrutam. Na verdade, os cães e os porcos não precisam trabalhar tão arduamente para gozar de sexo. O ser humano deve esforçar-se para viver de maneira diferente, e não buscar imitar os cães e os porcos. Menciona-se aqui a saída. A vida humana se destina a tapasya, austeridade e penitência. Através de tapasya, podemos escapar das garras materiais. Quando alguém se situa em consciência de Kṛṣṇa, em serviço devocional, sua felicidade está garantida eternamente. Adotando bhakti-yoga, o serviço devocional, sua existência se purifica. Vida após vida, a entidade viva busca por felicidade, mas só poderá solucionar todos os seus problemas quando passar a praticar bhakti-yoga. Nesse momento, ela se qualifica de imediato a voltar ao lar, voltar ao Supremo. Como confirma a Bhagavad-gītā (4.9):

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, mas alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.”

Texto

mahat-sevāṁ dvāram āhur vimuktes
tamo-dvāraṁ yoṣitāṁ saṅgi-saṅgam
mahāntas te sama-cittāḥ praśāntā
vimanyavaḥ suhṛdaḥ sādhavo ye

Sinônimos

mahat-sevām — serviço a pessoas espiritualmente avançadas chamadas mahātmās; dvāram — o caminho; āhuḥ — eles dizem; vimukteḥ — da liberação; tamaḥ-dvāram — o caminho para o calabouço de uma condição de vida escura e infernal; yoṣitām — de mulheres; saṅgi — de associados; saṅgam — associação; mahāntaḥ — altamente avançadas em compreensão espiritual; te — eles; sama-cittāḥ — pessoas que veem a todos como uma identidade espiritual; praśāntāḥ — muito pacíficas, situadas em Brahman ou Bhagavān; vimanyavaḥ — sem ira (devemos distribuir consciência de Kṛṣṇa às pessoas hostis sem sentir raiva delas); suhṛdaḥ — benquerentes de todos; sādhavaḥ — devotos qualificados, sem comportamento abominável; ye — aqueles que.

Tradução

Somente consegue alcançar o caminho que o liberta do cativeiro material aquele que presta serviço a pessoas espirituais avançadíssimas. Essas pessoas são ou impersonalistas ou devotos. Caso alguém deseje mergulhar na existência do Senhor, ou caso deseje associar-se com a Personalidade de Deus, deve prestar serviço aos mahātmās. Para aqueles que não estão interessados nessas atividades, que se associam com pessoas ávidas por mulheres e sexo, o caminho do inferno está de portas abertas. Os mahātmās são equânimes. Eles não veem diferença alguma entre as entidades vivas. São muito pacíficos e ocupam-se plenamente em serviço devocional. Não ficam irados e trabalham para o benefício de todos. Não se comportam de maneiras abomináveis e são conhecidos como mahātmās.

Comentário

SIGNIFICADO—O corpo humano é como uma encruzilhada. Podemos pegar o caminho da liberação ou o caminho que leva a condições infernais. Nesta passagem, descreve-se como podemos escolher um desses caminhos. No caminho da liberação, associamo-nos com mahātmās, e, no caminho do cativeiro, associamo-nos com pessoas apegadas ao gozo dos sentidos e a mulheres. Existem duas classes de mahātmās – o impersonalista e o devoto. Embora suas metas finais sejam diferentes, o processo de emancipação é praticamente o mesmo. Ambos desejam a felicidade eterna. Um deles busca felicidade no Brahman impessoal, o outro a procura associando-se com a Suprema Personalidade de Deus. Como descrito no primeiro verso, brahma-saukhyam. Brahman significa “espiritual” ou “eterno”; tanto o impersonalista quanto o devoto buscam a vida bem-aventurada e eterna. Em qualquer caso, aconselha-se que todos se tornem perfeitos. Nas palavras do Caitanya-caritāmṛta (Madhya 22.87):

asat-saṅga-tyāga, — ei vaiṣṇava-ācāra
‘strī-saṅgī’ — eka asādhu, ‘kṛṣṇābhakta’ āra

Para permanecermos desapegados dos modos da natureza material, devemos evitar a companhia de pessoas asat, materialistas. Existem duas classes de materialistas. Uma delas está apegada a mulheres e ao gozo dos sentidos, e a outra são simplesmente os não-devotos. O aspecto positivo é associar-se com os mahātmās, e o aspecto negativo é evitar os não-devotos e os “caçadores de mulheres”.

Texto

ye vā mayīśe kṛta-sauhṛdārthā
janeṣu dehambhara-vārtikeṣu
gṛheṣu jāyātmaja-rātimatsu
na prīti-yuktā yāvad-arthāś ca loke

Sinônimos

ye — aqueles que; — ou; mayi — a Mim; īśe — a Suprema Personalidade de Deus; kṛta-sauhṛda-arthāḥ — muito ansiosos por desenvolver amor (em uma relação de dāsya, sakhya, vātsalya ou mādhurya); janeṣu — para as pessoas; dehambhara-vārtikeṣu — cujo único interesse é manter o corpo, e não a salvação espiritual; gṛheṣu — ao lar; jāyā — esposa; ātma-ja — filhos; rāti — riquezas ou amigos; matsu — consistindo em; na — não; prīti-yuktāḥ — muito apegadas; yāvat-arthāḥ — que vivem coletando apenas o necessário; ca — e; loke — no mundo material.

Tradução

Aqueles que estão interessados em reviver a consciência de Kṛṣṇa e em intensificar seu amor por Deus não gostam de fazer nada que não esteja relacionado com Kṛṣṇa. Eles não estão interessados em associar-se com pessoas ocupadas em manter seus corpos, comer, dormir, acasalar-se e defender-se. Eles não estão apegados a seus lares, mesmo que sejam pais de família. Tampouco estão apegados a esposa, filhos, amigos ou riquezas. Ao mesmo tempo, não são indiferentes à execução de seus deveres. Semelhantes pessoas estão interessadas em coletar apenas o dinheiro suficiente para a manutenção de suas vidas.

Comentário

SIGNIFICADO—Quer seja impersonalista, quer seja devoto, quem está de fato interessado em avançar espiritualmente não deve associar-se com aqueles que estão apenas interessados em manter o corpo através do dito avanço da civilização. Aqueles que estão interessados em vida espiritual não devem apegar-se aos confortos domésticos, gozando da companhia de esposa, filhos, amigos e assim por diante. Mesmo o gṛhastha que precisa ganhar sua subsistência deve ficar satisfeito coletando somente o dinheiro necessário para manter sua vida. Ninguém deve ter mais do que isso e nem menos do que isso. Conforme indicado nesta passagem, o chefe de família deve esforçar-se para ganhar dinheiro a ser empregado na execução de bhakti-yoga – śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam/ arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ sakhyam ātma-nivedanam. O chefe de família deve levar uma vida tal que possa obter plena oportunidade de ouvir e cantar. Ele deve adorar a Deidade no lar, participar dos festivais, convidar amigos e lhes servir prasāda. O chefe de família deve ganhar dinheiro para esse propósito, e não para o gozo dos sentidos.

Texto

nūnaṁ pramattaḥ kurute vikarma
yad indriya-prītaya āpṛṇoti
na sādhu manye yata ātmano ’yam
asann api kleśada āsa dehaḥ

Sinônimos

nūnam — na verdade; pramattaḥ — louco; kurute — executa; vikarma — atividades pecaminosas proibidas nas escrituras; yat — quando; indriya-prītaye — para o gozo dos sentidos; āpṛṇoti — ocupa-se; na — não; sādhu — digno; manye — acho; yataḥ — pelo qual; ātmanaḥ — da alma; ayam — isto; asan — sendo temporário; api — embora; kleśa-daḥ — causando sofrimento; āsa — tornou-se possível; dehaḥ — o corpo.

Tradução

Ao considerar que o gozo dos sentidos é a meta da vida, é certo que a pessoa deseja loucamente uma vida materialista e ocupa-se em toda espécie de atividades pecaminosas. Ela não sabe que, devido a seus erros passados, já recebeu um corpo que, embora temporário, é a causa de seu sofrimento. Na verdade, a entidade viva não precisaria receber nenhum corpo material, mas, para poder satisfazer seus sentidos, ela recebe um corpo material. Portanto, acho que não é digno de um homem inteligente envolver-se de novo em atividades de gozo dos sentidos, visto que, em razão disso, continuará perpetuamente recebendo corpos materiais, um após o outro.

Comentário

SIGNIFICADO—Mendigar, usurpar e roubar para viver desfrutando dos sentidos são atividades condenadas neste verso, pois tal consciência leva a pessoa a uma condição tenebrosa e infernal. As quatro atividades pecaminosas são: sexo ilícito, consumo de carne, intoxicação e jogos de azar. São esses os meios pelos quais alguém recebe outro corpo material cheio de sofrimentos. Nos Vedas, declara-se: asaṅgo hy ayaṁ puruṣaḥ. A entidade viva não está realmente ligada a este mundo material, mas, devido à sua tendência a desfrutar dos sentidos materiais, ela é posta na condição material. Devemos aperfeiçoar nossa vida associando-nos com os devotos. Não devemos ampliar nosso envolvimento com o corpo material.

Texto

parābhavas tāvad abodha-jāto
yāvan na jijñāsata ātma-tattvam
yāvat kriyās tāvad idaṁ mano vai
karmātmakaṁ yena śarīra-bandhaḥ

Sinônimos

parābhavaḥ — derrota, sofrimento; tāvat — enquanto; abodha-jātaḥ — produzidas da ignorância; yāvat — por todo o tempo em que; na — não; jijñāsate — pergunta sobre; ātma-tattvam — a verdade do eu; yāvat — por todo o tempo em que; kriyāḥ — atividades fruitivas; tāvat — enquanto; idam — esta; manaḥ — mente; vai — na verdade; karma-ātmakam — absorta em atividades materiais; yena — pelas quais; śarīra-bandhaḥ — cativeiro neste corpo material.

Tradução

Enquanto alguém não indagar sobre os valores espirituais da vida, ele é derrotado e se sujeita aos sofrimentos que surgem da ignorância. Seja pecaminoso ou piedoso, o karma cobra seus resultados. Se a pessoa se envolve com qualquer espécie de karma, sua mente se chama karmātmaka, colorida com atividades fruitivas. Enquanto a mente for impura, a consciência será turva, e, enquanto a pessoa estiver absorta em atividades fruitivas, terá de aceitar corpos materiais.

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, as pessoas pensam que devemos agir muito piedosamente para livrarmo-nos do sofrimento, mas isso não é verdade. Muito embora alguém se ocupe em atividades piedosas e em especulação, ainda assim será derrotado. Sua única meta deve ser emancipar-se das garras de māyā e de todas as atividades materiais. O conhecimento especulativo e as atividades piedosas não resolvem os problemas da vida material. Para entender sua posição espiritual, a pessoa deve ser indagadora. Como afirma a Bhagavad-gītā (4.37):

yathaidhāṁsi samiddho ’gnir
bhasmasāt kurute ’rjuna
jñānāgniḥ sarva-karmāṇi
bhasmasāt kurute tathā

“Assim como o fogo ardente transforma a lenha em cinzas, ó Arjuna, do mesmo modo, o fogo do conhecimento reduz a cinzas todas as reações às atividades materiais.”

Quem não entende o eu e suas atividades deve ser considerado como estando no cativeiro material. O Śrīmad-Bhāgavatam (10.2.32) também diz o seguinte: ye ’nye ’ravindākṣa vimukta-māninas tvayy asta-bhāvād aviśuddha-buddhayaḥ. A pessoa que não conhece o serviço devocional pode julgar-se liberada, mas, na verdade, não o é. Āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ: semelhantes pessoas podem aproximar-se da refulgência Brahman impessoal, mas recaem no gozo material, pois não conhecem o serviço devocional. Enquanto alguém estiver interessado em karma e jñāna, continuará se sujeitando aos sofrimentos da vida material – nascimento, velhice, doença e morte. Os karmīs certamente recebem um corpo após o outro. Quanto aos jñānīs, enquanto não se promoverem à compreensão máxima, terão que retornar ao mundo material. Como explica a Bhagavad-gītā (7.19), bahūnāṁ janmanām ante jñānavān māṁ prapadyate. O importante é conhecer Kṛṣṇa, Vāsudeva, como tudo e render-se a Ele. Os karmīs não sabem disso, mas o devoto que está inteiramente ocupado em serviço devocional ao Senhor sabe muito bem o que é karma e jñāna; portanto, o devoto puro não se interessa mais por karma nem por jñāna. Anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam. O verdadeiro bhakta não é atingido por nenhum vestígio de karma e jñāna. Seu único propósito na vida é servir ao Senhor.

Texto

evaṁ manaḥ karma-vaśaṁ prayuṅkte
avidyayātmany upadhīyamāne
prītir na yāvan mayi vāsudeve
na mucyate deha-yogena tāvat

Sinônimos

evam — assim; manaḥ — a mente; karma-vaśam — subjugada pelas atividades fruitivas; prayuṅkte — age; avidyayā — pela ignorância; ātmani — quando a entidade viva; upadhīyamāne — está coberta; prītiḥ — amor; na — não; yāvat — enquanto; mayi — a Mim; vāsudeve — Vāsudeva, Kṛṣṇa; na — não; mucyate — se livra; deha-yogena — do contato com o corpo material; tāvat — enquanto.

Tradução

Quando a entidade viva está coberta pelo modo da ignorância, ela não entende o ser vivo individual e o ser vivo supremo, e sua mente é subjugada por atividades fruitivas. Portanto, enquanto alguém não adquirir amor pelo Senhor Vāsudeva, que não é outrem senão Eu mesmo, por certo que ele não deixará de aceitar repetidos corpos materiais.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando a mente está poluída por atividades fruitivas, a entidade viva deseja elevar-se de uma posição material a outra. Geralmente, para melhorar sua condição econômica, todos se dedicam a trabalhar arduamente dia e noite. Mesmo quando alguém compreende os rituais védicos, interessa-se por promoções a planetas celestiais, desconhecendo que seu verdadeiro interesse é voltar ao lar, voltar ao Supremo. Agindo na plataforma das atividades fruitivas, em diferentes espécies e formas, a pessoa vagueia por todo o universo. Enquanto não entrar em contato com um devoto do Senhor, um guru, ela não se apegará ao serviço do Senhor Vāsudeva. O conhecimento acerca de Vāsudeva requer muitos nascimentos para ser entendido. Como confirma a Bhagavad-gītā (7.19): vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā sudurlabhaḥ. Após lutar pela existência durante muitos nascimentos, a pessoa talvez se refugie aos pés de lótus de Vāsudeva, Kṛṣṇa. Quando isso acontecer, ela se tornará um verdadeiro sábio e se renderá a Ele. Esse é o único método para acabar com a repetição de nascimentos e mortes. Confirma-se isso no Caitanya-caritāmṛta (Madhya 19.151), nas instruções dadas por Śrī Caitanya Mahāprabhu a Śrīla Rūpa Gosvāmī no Daśāśvamedha-ghāṭa.

brahmāṇḍa bhramite kona bhāgyavān jīva
guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja

Em diferentes formas e corpos, a entidade viva vagueia por diferentes planetas, mas se, por acaso, ela entra em contato com um mestre espiritual fidedigno, então, pela graça do mestre espiritual, ela recebe o refúgio do Senhor Kṛṣṇa, e sua vida devocional começa.

Texto

yadā na paśyaty ayathā guṇehāṁ
svārthe pramattaḥ sahasā vipaścit
gata-smṛtir vindati tatra tāpān
āsādya maithunyam agāram ajñaḥ

Sinônimos

yadā — quando; na — não; paśyati — vê; ayathā — desnecessário; guṇa-īhām — esforço em satisfazer os sentidos; sva-arthe — em interesse próprio; pramattaḥ — louca; sahasā — muito brevemente; vipaścit — mesmo uma pessoa avançada em conhecimento; gata-smṛtiḥ — estando esquecida; vindati — obtém; tatra — ali; tāpān — sofrimentos materiais; āsādya — recebendo; maithunyam — baseado no ato sexual; agāram — um lar; ajñaḥ — sendo tola.

Tradução

Muito embora alguém possa ser muito sábio e erudito, trata-se de alguém insano caso não entenda que o esforço em satisfazer seus sentidos é um inútil desperdício de tempo. Estando esquecido de seu interesse próprio, ele tenta ser feliz no mundo material, centralizando seus interesses no seu lar, que tem por base o ato sexual e que o assedia com toda espécie de sofrimentos materiais. Dessa maneira, ele não passa de um animal muito tolo.

Comentário

SIGNIFICADO—Na fase inferior da vida devocional, ninguém é um devoto puro. Anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam: para ser um devoto puro, a pessoa precisa livrar-se de todos os desejos materiais e não deve deixar-se influenciar pelas atividades fruitivas e pelo conhecimento especulativo. Na plataforma inferior, a pessoa pode às vezes interessar-se por especulação filosófica com um vestígio de devoção. Nessa etapa, contudo, ela ainda se interessa pelo gozo dos sentidos e está contaminada pelos modos da natureza material. A influência de māyā é tão forte que, mesmo quem é avançado em conhecimento, esquece-se de que, na verdade, é um servo eterno de Kṛṣṇa. Portanto, permanece satisfeito em sua vida em família, que se centraliza no ato sexual. Entregando-se a uma vida de sexo, ele concorda em sofrer toda classe de sofrimentos materiais. Devido à ignorância, ele se deixa atar pelos grilhões das leis materiais.

Texto

puṁsaḥ striyā mithunī-bhāvam etaṁ
tayor mitho hṛdaya-granthim āhuḥ
ato gṛha-kṣetra-sutāpta-vittair
janasya moho ’yam ahaṁ mameti

Sinônimos

puṁsaḥ — de um macho; striyāḥ — de uma fêmea; mithunī-bhāvam — atração pela vida sexual; etam — esta; tayoḥ — de ambos; mithaḥ — entre um e outro; hṛdaya-granthim — o nó dos corações; āhuḥ — eles chamam; ataḥ — depois disso; gṛha — pelo lar; kṣetra — campo; suta — filhos; āpta — parentes; vittaiḥ — e pela riqueza; janasya — do ser vivo; mohaḥ — ilusão; ayam — isto; aham — eu; mama — meu; iti — assim.

Tradução

A atração entre macho e fêmea é o princípio básico da existência material. Com base nessa concepção errônea, que amarra os corações do homem e da mulher, a pessoa se sente atraída por seu corpo, lar, propriedades, filhos, parentes e riquezas. Dessa maneira, sua vida se enche de ilusões e ela pensa em termos de “eu e meu”.

Comentário

SIGNIFICADO—O sexo é um atrativo natural entre homem e mulher, e, quando eles se casam, sua relação se torna cada vez mais envolvente. Devido à intricada relação entre homem e mulher, existe uma ilusão em consequência da qual a pessoa pensa: “Este homem é meu esposo”, ou “Esta mulher é minha esposa”. Isso se chama hṛdaya-granthi, “o nó cego no coração”. É muito difícil desfazer esse nó mesmo que um homem e uma mulher se separem quer pelos princípios de varṇāśrama, quer simplesmente para obterem um divórcio. Em verdade, o homem sempre pensa na mulher, e a mulher sempre pensa no homem. Assim, a pessoa se torna materialmente apegada a família, propriedade e filhos, embora tudo isso seja temporário. Por infelicidade, o dono se identifica com sua propriedade e riqueza. Às vezes, mesmo após a renúncia, alguém se apega a um templo ou às poucas coisas que constituem a propriedade de um sannyāsī, mas esse apego não é tão forte como o apego à família. O apego à família é a ilusão mais forte. Na Satya-saṁhitā, afirma-se:

brahmādyā yājñavalkādyā
mucyante strī-sahāyinaḥ
bodhyante kecanaiteṣāṁ
viśeṣam ca vido viduḥ

Às vezes, observa-se entre pessoas elevadas, tais como o senhor Brahmā, que a esposa e os filhos não são uma causa de cativeiro. Ao contrário, a esposa realmente favorece um maior avanço espiritual e liberação. Entretanto, a maioria das pessoas está atada aos nós das relações conjugais e, consequentemente, elas se esquecem de sua relação com Kṛṣṇa.

Texto

yadā mano-hṛdaya-granthir asya
karmānubaddho dṛḍha āślatheta
tadā janaḥ samparivartate ’smād
muktaḥ paraṁ yāty atihāya hetum

Sinônimos

yadā — quando; manaḥ — a mente; hṛdaya-granthiḥ — o nó no coração; asya — desta pessoa; karma-anubaddhaḥ — atada aos resultados de seus feitos passados; dṛḍhaḥ — muito forte; āślatheta — afrouxa-se; tadā — neste momento; janaḥ — a alma condicionada; samparivartate — afasta-se; asmāt — deste apego à vida sexual; muktaḥ — liberada; param — ao mundo transcendental; yāti — vai; atihāya — abandonando; hetum — a causa original.

Tradução

Quando se afrouxa o forte nó no coração de uma pessoa que, devido aos resultados de ações passadas, está imiscuída em uma vida material, ela dá as costas ao seu apego ao lar, à esposa e aos filhos. Desta maneira, ela abandona o princípio básico da ilusão [eu e meu] e se liberta. Assim, ela vai para o mundo transcendental.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando, associando-se com sādhus e ocupando-se em serviço devocional, a pessoa, por força do conhecimento, da prática e do desapego, aos poucos se liberta do conceito material, vê-se que, em seu coração, afrouxa-se o nó do apego. Assim, ela pode livrar-se da vida condicionada e capacitar-se a voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

haṁse gurau mayi bhaktyānuvṛtyā
vitṛṣṇayā dvandva-titikṣayā ca
sarvatra jantor vyasanāvagatyā
jijñāsayā tapasehā-nivṛttyā
mat-karmabhir mat-kathayā ca nityaṁ
mad-deva-saṅgād guṇa-kīrtanān me
nirvaira-sāmyopaśamena putrā
jihāsayā deha-gehātma-buddheḥ
adhyātma-yogena vivikta-sevayā
prāṇendriyātmābhijayena sadhryak
sac-chraddhayā brahmacaryeṇa śaśvad
asampramādena yamena vācām
sarvatra mad-bhāva-vicakṣaṇena
jñānena vijñāna-virājitena
yogena dhṛty-udyama-sattva-yukto
liṅgaṁ vyapohet kuśalo ’ham-ākhyam

Sinônimos

haṁse — que é um paramahaṁsa, ou a mais elevada pessoa espiritualmente avançada; gurau — ao mestre espiritual; mayi — a Mim, a Suprema Personalidade de Deus; bhaktyā — pelo serviço devocional; anuvṛtyā — seguindo; vitṛṣṇayā — pelo desapego do gozo dos sentidos; dvandva — das dualidades do mundo material; titikṣayā — pela tolerância; ca — também; sarvatra — em toda parte; jantoḥ — da entidade viva; vyasana — a condição de vida dolorosa; avagatyā — compreendendo; jijñāsayā — perguntando sobre a verdade; tapasā — praticando austeridades e penitências; īhā-nivṛttyā — abandonando o esforço de satisfazer os sentidos; mat-karmabhiḥ — trabalhando para Mim; mat-kathayā — ouvindo tópicos sobre Mim; ca — também; nityam — sempre; mat-deva-saṅgāt — pela associação com Meus devotos; guṇa-kīrtanāt me — cantando e glorificando Minhas qualidades transcendentais; nirvaira — não tendo inimizade; sāmya — através da compreensão espiritual, onde todos são vistos no mesmo nível de igualdade; upaśamena — subjugando a ira, a lamentação e assim por diante; putrāḥ — ó filhos; jihāsayā — desejando abandonar; deha — com o corpo; geha — com o lar; ātma-buddheḥ — identificação do eu; adhyātma-yogena — pelo estudo das escrituras reveladas; vivikta-sevayā — vivendo em um lugar solitário; prāṇa — o ar vital; indriya — os sentidos; ātma — a mente; abhijayena — controlando; sadhryak — por completo; sat-śraddhayā — desenvolvendo fé nas escrituras; brahmacaryeṇa — praticando o celibato; śaśvat — sempre; asampramādena — não se deixando confundir; yamena — pela restrição; vācām — de palavras; sarvatra — em toda parte; mat-bhāva — pensando em Mim; vicakṣaṇena — por observar; jñānena — pelo desenvolvimento do conhecimento; vijñāna — pela aplicação prática do conhecimento; virājitena — iluminado; yogena — pela prática de bhakti-yoga; dhṛti — paciência; udyama — entusiasmo; sattva — discrição; yuktaḥ — dotado com; liṅgam — a causa do cativeiro material; vyapohet — pode-se abandonar; kuśalaḥ — em plena prosperidade; aham-ākhyam — falso ego, falsa identificação com o mundo material.

Tradução

Ó Meus filhos, deveis aceitar um paramahaṁsa altamente elevado, um mestre espiritual avançado espiritualmente. Dessa maneira, deveis depositar vossa fé e amor em Mim, a Suprema Personalidade de Deus. Deveis detestar o gozo dos sentidos e tolerar a dualidade de prazer e dor, que se comporta como as mudanças sazonais de verão e inverno. Procurai compreender a condição de sofrimento das entidades vivas, dolorosa mesmo nos sistemas planetários superiores. Fazei indagações filosóficas sobre a verdade e, então, a bem do serviço devocional, submetei-vos a toda espécie de austeridades e penitências. Evitai o esforço com objetivo a satisfazer os sentidos e ocupai-vos no serviço ao Senhor. Escutai as instruções sobre a Suprema Personalidade de Deus, e associai-vos sempre com os devotos. Celebrai e glorificai o Senhor Supremo e, com uma visão espiritual, enxergai a todos com igualdade. Não cultiveis inimizade e subjugai a ira e a lamentação. Não identifiqueis o eu como sendo o corpo e o lar, e lede as escrituras reveladas. Vivei num lugar recluso e praticai o processo de controlar por completo vosso ar vital, mente e sentidos. Tende plena fé nas escrituras reveladas, os textos védicos, e observai sempre o celibato. Executai vossos deveres prescritos e evitai conversas desnecessárias. Pensando sempre na Suprema Personalidade de Deus, obtende o conhecimento na fonte correta. Assim, praticando bhakti-yoga, paciente e entusiasticamente sereis elevados em conhecimento e sereis capazes de abandonar o falso ego.

Comentário

SIGNIFICADO—Nestes quatro versos, Ṛṣabhadeva diz a Seus filhos como eles podem livrar-se da identificação falsa produzida pelo falso ego e pela vida materialmente condicionada. Quem pratica o que se mencionou acima liberta-se pouco a pouco. Todos esses métodos aqui prescritos capacitam a pessoa a abandonar o corpo material (liṅgaṁ vyapohet) e situar-se em seu corpo espiritual original. Em primeiro lugar, devemos aceitar um mestre espiritual fidedigno. Advoga isso Śrīla Rūpa Gosvāmī em seu Bhakti-rasāmṛta-sindhu: śrī-guru-pādāśrayaḥ. Para libertarmo-nos do cativeiro do mundo material, devemos nos aproximar do mestre espiritual. Tad-vijñānārthaṁ sa gurum evābhigacchet. Fazendo perguntas ao mestre espiritual e servindo-o, a pessoa pode avançar na vida espiritual. Quem se ocupa em serviço devocional naturalmente se desinteressa do conforto pessoal – comer, dormir e vestir-se. A associação com um devoto garante o padrão espiritual. A palavra mad-deva-saṅgāt é muito importante. Existem muitas ditas religiões devotadas a adorar vários semideuses, mas, aqui, a boa associação significa associar-se com alguém que simplesmente aceita Kṛṣṇa como sua Deidade adorável.

Outro item importante é dvandva-titikṣā. Enquanto a pessoa estiver situada no mundo material, haverá prazer e dor decorrentes do corpo material. Como Kṛṣṇa aconselha na Bhagavad-gītā, tāṁs titikṣasva bhārata. Devemos aprender como tolerar as dores e os prazeres temporários deste mundo material. A pessoa deve também desapegar-se de sua família e praticar o celibato. O sexo com a esposa, realizado de acordo com os preceitos das escrituras, também é aceito como brahmacarya (celibato), mas o sexo ilícito vai de encontro aos princípios religiosos e impede o avanço em consciência espiritual. Outra palavra importante é vijñāna-virājita. Tudo deve ser feito muito científica e conscientemente. Deve-se procurar ser uma alma realizada. Dessa maneira, pode-se abandonar o enredamento do cativeiro material.

Como Śrī Madhvācārya assinala, a essência desses quatro ślokas é que a pessoa deve deixar de agir motivada por desejos de satisfazer os sentidos e, ao contrário disso, deve ocupar-se sempre em serviço amoroso ao Senhor. Em outras palavras, bhakti-yoga é o inquestionável caminho da liberação. Śrīla Madhvācārya menciona o Adhyātma:

ātmano ’vihitaṁ karma
varjayitvānya-karmaṇaḥ
kāmasya ca parityāgo
nirīhety āhur uttamāḥ

Devemos realizar atividades para o exclusivo benefício da alma; qualquer outra atividade deve ser abandonada. Quando alguém se estabelece nessa plataforma, afirma-se que ele não tem desejos. Na verdade, a entidade viva não pode ficar totalmente sem desejos, mas, quando ela deseja apenas o benefício da alma, afirma-se que ela não tem desejos.

O conhecimento espiritual é jñāna-vijñāna-samanvitam. Quem está plenamente equipado com jñāna e vijñāna é perfeito. Jñāna significa que alguém entende que a Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, é o Ser Supremo. Vijñāna refere-se às atividades que nos libertam da ignorância consequente à existência material. Como afirma o Śrīmad-Bhāgavatam (2.9.31), jñānaṁ parama-guhyaṁ me yad vijñāna-samanvitam. Conhecer o Senhor Supremo é algo muito confidencial, e o conhecimento supremo mediante o qual passamos a compreendê-lO favorece a liberação de todas as entidades vivas. Esse conhecimento é vijñāna. Como confirma a Bhagavad-gītā (4.9):

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.”

Texto

karmāśayaṁ hṛdaya-granthi-bandham
avidyayāsāditam apramattaḥ
anena yogena yathopadeśaṁ
samyag vyapohyoparameta yogāt

Sinônimos

karma-āśayam — o desejo de atividades fruitivas; hṛdaya-granthi — o nó no coração; bandham — cativeiro; avidyayā — devido à ignorância; āsāditam — produzido; apramattaḥ — sem cobertura de ignorância ou ilusão, muito cuidadosos; anena — através desta; yogena — prática de yoga; yathā-upadeśam — como aconselhados; samyak — por completo; vyapohya — livrando-se de; uparameta — deve-se desistir; yogāt — da prática de yoga, o meio de liberação.

Tradução

Deveis agir, Meus queridos filhos, como vos aconselhei. Sede muito cuidadosos. Através desse processo, Eu vos libertarei da ignorância que produz o desejo de atividades fruitivas, e no coração se romperá por completo o nó do cativeiro. Para continuardes avançando, deveis também abandonar os meios. Isto é, não deveis ficar apegados ao próprio processo de liberação.

Comentário

SIGNIFICADO—O processo de liberação é brahma jijñāsā, buscar a Verdade Absoluta. Em geral, brahma jijñāsā se chama neti neti, o processo pelo qual se analisa a existência da busca da Verdade Absoluta. Esse método continua enquanto alguém não estiver situado em sua vida espiritual. Vida espiritual é brahma-bhūta, o estado autorrealizado. Nas palavras da Bhagavad-gītā (18.54):

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

“Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.”

O propósito é entrar em parā bhakti, o transcendental serviço devocional ao Senhor Supremo. Para alcançá-lo, a pessoa deve analisar sua existência, mas, ao se ocupar realmente em serviço devocional, ela não deve importar-se com a busca de conhecimento. Simplesmente ocupando-se no incensurável serviço devocional, ela permanece sempre na condição liberada.

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

A execução resoluta de serviço devocional é, em si mesma, brahma-bhūta. Outro aspecto importante em relação a isso é anena yogena yathopadeśam. As instruções recebidas do mestre espiritual devem ser seguidas imediatamente. Ninguém deve desviar-se ou passar por cima das instruções do mestre espiritual. Não deve simplesmente aplicar-se na consulta de livros, senão que deve, ao mesmo tempo, executar as ordens do mestre espiritual (yathopadeśam). O poder místico deve ser obtido para capacitar a pessoa a abandonar a concepção material, mas, quando alguém realmente se ocupa em serviço devocional, não precisa praticar o sistema de yoga místico. Em resumo, pode-se abandonar a prática de yoga, mas o serviço devocional não pode ser abandonado. Como afirma o Śrīmad-Bhāgavatam (1.7.10):

ātmārāmāś ca munayo
nirgranthā apy urukrame
kurvanty ahaitukīṁ bhaktim
ittham-bhūta-guṇo hariḥ

Mesmo aqueles que são liberados (ātmārāma) devem sempre se ocupar em serviço devocional. Pode abandonar a prática de yoga quem é autorrealizado, mas, em nenhuma etapa, ele pode abandonar o serviço devocional. Todas as outras atividades para a autorrealização, incluindo yoga e especulação filosófica, podem ser abandonadas, mas o serviço devocional deve ser mantido a todo tempo.

Texto

putrāṁś ca śiṣyāṁś ca nṛpo gurur vā
mal-loka-kāmo mad-anugrahārthaḥ
itthaṁ vimanyur anuśiṣyād ataj-jñān
na yojayet karmasu karma-mūḍhān
kaṁ yojayan manujo ’rthaṁ labheta
nipātayan naṣṭa-dṛśaṁ hi garte

Sinônimos

putrān — os filhos; ca — e; śiṣyān — os discípulos; ca — e; nṛpaḥ — o rei; guruḥ — o mestre espiritual; — ou; mat-loka-kāmaḥ — desejando ir à Minha morada; mat-anugraha-arthaḥ — pensando que alcançar a Minha misericórdia é a meta da vida; ittham — dessa maneira; vimanyuḥ — livre da ira; anuśiṣyāt — deve instruir; a-tat-jñān — desprovidos de conhecimento espiritual; na — não; yojayet — devem ocupar-se; karmasu — em atividades fruitivas; karma-mūḍhān — simplesmente ocupados em atividades piedosas ímpias; kam — que; yojayan — ocupando-se; manu-jaḥ — um homem; artham — benefício; labheta — pode alcançar; nipātayan — fazendo com que caia; naṣṭa-dṛśam — alguém que já está destituído de sua visão transcendental; hi — na verdade; garte — no buraco.

Tradução

Se alguém é sério quanto a voltar ao lar, voltar ao Supremo, deve considerar a misericórdia da Suprema Personalidade de Deus como o summum bonum e a meta principal da vida. Se ele for um pai instruindo seus filhos, um mestre espiritual instruindo seus discípulos ou um rei instruindo seus cidadãos, deve instruí-los como acabo de fazer. Sem irar-se, ele deve continuar dando instruções, mesmo que seu discípulo, filho ou cidadão às vezes seja incapaz de seguir suas ordens. Deve-se fazer uso de todos os recursos para que as pessoas ignorantes que praticam atividades piedosas ou ímpias se ocupem em serviço devocional. Elas devem evitar sempre as atividades fruitivas. Se alguém põe no cativeiro de atividades cármicas seu discípulo, filho ou cidadão destituídos de visão transcendental, o que ele terá a ganhar? Seria como guiar um cego para um poço escuro e fazê-lo cair ali dentro.

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā (3.26) afirma:

na buddhi-bhedaṁ janayed
ajñānāṁ karma-saṅginām
joṣayet sarva-karmāṇi
vidvān yuktaḥ samācaran

“Que o sábio não perturbe a mente dos ignorantes que estão apegados às atividades fruitivas. Não se deve incentivá-los a deixar de trabalhar, mas a trabalhar com espírito de devoção.”

Texto

lokaḥ svayaṁ śreyasi naṣṭa-dṛṣṭir
yo ’rthān samīheta nikāma-kāmaḥ
anyonya-vairaḥ sukha-leśa-hetor
ananta-duḥkhaṁ ca na veda mūḍhaḥ

Sinônimos

lokaḥ — pessoas; svayam — pessoalmente; śreyasi — do caminho de auspiciosidade; naṣṭa-dṛṣṭiḥ — que perderam a visão; yaḥ — quem; arthān — coisas destinadas ao gozo dos sentidos; samīheta — desejo; nikāma-kāmaḥ — tendo muitos desejos luxuriosos de gozo dos sentidos; anyonya-vairaḥ — tendo inveja uma da outra; sukha-leśa-hetoḥ — em simples troca de felicidade material temporária; ananta-duḥkham — sofrimentos ilimitados; ca — também; na — não; veda — sabem; mūḍhaḥ — tolas.

Tradução

Devido à ignorância, a pessoa materialista nada sabe sobre seu verdadeiro interesse pessoal, o caminho da vida auspiciosa. Por causa dos desejos luxuriosos, ela está simplesmente atada ao gozo material, e todos os seus planos são feitos para esse fim. Em busca do gozo temporário dos sentidos, semelhante pessoa cria uma sociedade em que prolifera a inveja e, devido à sua mentalidade, ela se afunda no oceano de sofrimento. Tal homem tolo sequer consegue compreender isso.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra naṣṭa-dṛṣṭiḥ, significando “aquele que não tem olhos para ver o futuro”, é muito expressiva. A vida continua de um corpo a outro, e, na vida seguinte, ou, quem sabe, mais tarde nesta mesma vida, desfrutam-se ou sofrem-se as atividades executadas nesta vida. Aquele que não tem inteligência, que não tem olhos para ver o futuro, simplesmente cria inimizades e luta contra os outros apenas para satisfazer seus sentidos. Como resultado, ele sofre na próxima vida, mas, por ser tal qual um homem cego, continua a agir de tal maneira a sofrer ilimitadamente. Semelhante pessoa é mūḍha, aquele que tudo o que faz é desperdiçar seu tempo e não entende o serviço devocional ao Senhor. Como afirma a Bhagavad-gītā (7.25):

nāhaṁ prakāśaḥ sarvasya
yoga-māyā-samāvṛtaḥ
mūḍho ’yaṁ nābhijānāti
loko mām ajam avyayam

“Eu nunca Me manifesto aos tolos e aos não-inteligentes. Para eles, Eu estou coberto por Minha potência interna, e, portanto, eles não sabem que Eu sou não nascido e infalível.”

Na Kaṭha Upaniṣad, também se diz: avidyāyām antare vartamānāḥ svayaṁ dhīrāḥ paṇḍitaṁ manyamānāḥ. Embora ignorantes, as pessoas se dirigem a outros cegos que lhes sirvam de líderes. Como resultado, os dois grupos estão sujeitos a condições deploráveis. O cego conduz outro cego para dentro do fosso.

Texto

kas taṁ svayaṁ tad-abhijño vipaścid
avidyāyām antare vartamānam
dṛṣṭvā punas taṁ saghṛṇaḥ kubuddhiṁ
prayojayed utpathagaṁ yathāndham

Sinônimos

kaḥ — quem é essa pessoa; tam — a ele; svayam — pessoalmente; tat-abhijñaḥ — tendo conhecimento espiritual; vipaścit — um estudioso erudito; avidyāyām antare — em ignorância; vartamānam — existindo; dṛṣṭvā — vendo; punaḥ — novamente; tam — a ele; sa-ghṛṇaḥ — muito misericordioso; ku-buddhim — que se entregou ao caminho do saṁsāra; prayojayet — ocuparia; utpatha-gam — que está seguindo o caminho errado; yathā — como; andham — um cego.

Tradução

Se alguém é ignorante e se entregou ao caminho do saṁsāra, como uma pessoa realmente erudita, misericordiosa e avançada em conhecimento espiritual poderia ocupá-lo em atividades fruitivas e, dessa maneira, enredá-lo ainda mais na existência material? Se um cego avança pelo caminho errado, como um cavalheiro deixaria que ele continuasse nesse caminho perigoso? Como aprovaria esse método? Nenhum homem sábio ou bondoso pode permitir isso.

Texto

gurur na sa syāt sva-jano na sa syāt
pitā na sa syāj jananī na sā syāt
daivaṁ na tat syān na patiś ca sa syān
na mocayed yaḥ samupeta-mṛtyum

Sinônimos

guruḥ — um mestre espiritual; na — não; saḥ — ele; syāt — deve tornar-se; sva-janaḥ — um parente; na — não; saḥ — semelhante pessoa; syāt — deve tornar-se; pitā — um pai; na — não; saḥ — ele; syāt — deve tornar-se; jananī — uma mãe; na — não; — ela; syāt — deve tornar-se; daivam — a deidade adorável; na — não; tat — isso; syāt — deve tornar-se; na — não; patiḥ — um esposo; ca — também; saḥ — ele; syāt — deve tornar-se; na — não; mocayet — pode libertar; yaḥ — quem; samupeta-mṛtyum — aquele que está no caminho de repetidos nascimentos e mortes.

Tradução

Quem não pode libertar do caminho de repetidos nascimentos e mortes os seus dependentes, jamais deve tornar-se mestre espiritual, pai, esposo, mãe ou semideus adorável.

Comentário

SIGNIFICADO—Existem muitos mestres espirituais, mas Ṛṣabhadeva aconselha que ninguém deve tornar-se mestre espiritual se for incapaz de salvar do caminho de nascimentos e mortes o seu discípulo. Quem não é devoto puro de Kṛṣṇa não pode salvar-se do caminho de repetidos nascimentos e mortes. Tyaktvā dehaṁ punar janma naiti mām eti so ’rjuna. Só podemos parar com os nascimentos e mortes ao voltarmos ao lar, voltando ao Supremo. Contudo, quem pode voltar a Deus enquanto não compreender de verdade o Senhor Supremo? Janma karma ca me divyam evaṁ yo vetti tattvataḥ.

Temos muitos exemplos na história que ilustram as instruções de Ṛṣabhadeva. Bali Mahārāja rejeitou Śukrācārya porque esse se mostrou incapaz de salvá-lo do caminho de repetidos nascimentos e mortes. Śukrācārya não era um devoto puro; ele apresentava alguma inclinação às atividades fruitivas, e se opôs quando Bali Mahārāja prometeu dar tudo ao Senhor Viṣṇu. Na verdade, todos devem entregar tudo ao Senhor, pois tudo Lhe pertence. Consequentemente, o Senhor Supremo aconselha na Bhagavad-gītā (9.27):

yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam

“Tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que ofereceres ou deres para os outros, e quaisquer austeridades que executares – faze isso, ó filho de Kuntī, como uma oferenda a Mim.” Isso é bhakti. A menos que alguém seja devotado, ele não pode dar tudo ao Senhor Supremo. E quem não age assim, não pode tornar-se mestre espiritual, esposo, pai ou mãe. Do mesmo modo, as esposas dos brāhmaṇas que estavam executando sacrifícios abandonaram seus parentes apenas para satisfazer Kṛṣṇa. Esse é um exemplo de uma esposa que rejeita o esposo incapaz de libertá-la dos perigos iminentes de nascimentos e mortes. Assim também, Prahlāda Mahārāja rejeitou seu pai, e Bharata Mahārāja rejeitou sua mãe (jananī na sā syāt). A palavra daivam indica um semideus ou alguém que aceita a adoração de algum dependente seu. Habitualmente, o mestre espiritual, esposo, pai, mãe ou parente superior aceitam a adoração de um parente inferior, mas aqui Ṛṣabhadeva proíbe isso. Em primeiro lugar, o pai, o mestre espiritual ou o esposo devem ser capazes de libertar dos repetidos nascimentos e mortes os seus dependentes. Se não puderem fazê-lo, estão atirando a si mesmos no oceano da reprovação graças às suas atividades ilegítimas. Todos devem ser muito responsáveis e cuidar de seus dependentes assim como o mestre espiritual cuida de seu discípulo ou como o pai cuida de seu filho. Nenhuma dessas responsabilidades pode ser desempenhada honestamente a menos que a pessoa consiga salvar seus dependentes dos repetidos nascimentos e mortes.

Texto

idaṁ śarīraṁ mama durvibhāvyaṁ
sattvaṁ hi me hṛdayaṁ yatra dharmaḥ
pṛṣṭhe kṛto me yad adharma ārād
ato hi mām ṛṣabhaṁ prāhur āryāḥ

Sinônimos

idam — este; śarīram — corpo transcendental; mama — Meu; durvibhāvyam — inconcebível; sattvam — sem vestígio algum dos modos materiais da natureza; hi — na verdade; me — Meu; hṛdayam — coração; yatra — no qual; dharmaḥ — a verdadeira plataforma da religião, bhakti-yoga; pṛṣṭhe — nas costas; kṛtaḥ — feito; me — por Mim; yat — porque; adharmaḥ — irreligião; ārāt — bem longe; ataḥ — portanto; hi — na verdade; mām — a Mim; ṛṣabham — o melhor dos seres vivos; prāhuḥ — chamam; āryāḥ — aqueles que são avançados em vida espiritual, ou os respeitáveis superiores.

Tradução

Meu corpo transcendental [sac-cid-ānanda-vigraha] tem a mesmíssima forma humana, mas ele não é um corpo humano material. Ele é inconcebível. A natureza não Me força a aceitar um determinado tipo de corpo; Eu aceito um corpo de acordo com Meu próprio desejo. Meu coração também é espiritual, e Eu sempre penso no bem-estar dos Meus devotos. Portanto, dentro de Meu coração pode ser encontrado o processo do serviço devocional, que se destina aos devotos. Afastei para bem longe do Meu coração a irreligião [adharma] e as atividades não-devocionais. Elas não Me atraem. Devido a todas essas qualidades transcendentais, geralmente as pessoas oram a Mim como Ṛṣabhadeva, a Suprema Personalidade de Deus, a melhor de todas as entidades vivas.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras idaṁ śarīraṁ mama durvibhāvyam são muito significativas. Em geral, sentimos a presença de duas energias – a energia material e a energia espiritual. Temos alguma experiência da energia material (terra, água, ar, fogo, éter, mente, inteligência e ego) porque, no mundo material, o corpo é composto desses elementos. Dentro do corpo material, encontra-se a alma espiritual, mas, munidos de olhos materiais, não podemos vê-la. Quando vemos um corpo cheio de energia espiritual, é muito difícil entendermos como a energia espiritual pode ter um corpo. Afirma-se que o corpo do Senhor Ṛṣabhadeva é inteiramente espiritual; portanto, é muito difícil um materialista entender isso. Para o materialista, o corpo completamente espiritual é inconcebível. Quando nossa percepção experimental não pode entender um assunto, temos que aceitar a opinião dos Vedas. Como se afirma na Brahma-saṁhitā, īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ. O corpo do Senhor Supremo tem forma, mas esse corpo não é composto de elementos materiais. Ele é feito de bem-aventurança espiritual, eternidade e força viva. Através da energia inconcebível da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor pode aparecer diante de nós em Seu corpo espiritual original, mas, como não temos experiência do corpo espiritual, às vezes nos confundimos e vemos a forma do Senhor como material. Os filósofos māyāvādīs são inteiramente incapazes de conceber um corpo espiritual. Eles dizem que o espírito é sempre impessoal e, sempre que veem algo pessoal, têm plena certeza de que se trata de algo material. Na Bhagavad-gītā (9.11), afirma-se:

avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram

“Os tolos zombam de Mim quando venho na forma humana. Eles não conhecem Minha natureza transcendental como o Supremo Senhor de tudo o que existe.”

As pessoas sem inteligência pensam que o Senhor Supremo aceita um corpo composto de energia material. É muito fácil entendermos o corpo material, mas não conseguimos entender o corpo espiritual. Portanto, Ṛṣabhadeva diz que idaṁ śarīraṁ mama durvibhāvyam. No mundo espiritual, todos têm corpo espiritual. Ali, não existe o conceito de existência material. No mundo espiritual, existe apenas prestação e aceitação de serviço. Ali, existe apenas sevya, sevā e sevaka – a pessoa a quem se serve, o processo de serviço e o servo. Esses três itens são inteiramente espirituais, de modo que o mundo espiritual é chamado de absoluto. Ali, não existe vestígio algum de contaminação material. Sendo completamente transcendental à concepção material, o Senhor Ṛṣabhadeva afirma que Seu coração é composto de dharma. Dharma é explicado na Bhagavad-gītā (18.66): sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja. No mundo espiritual, toda entidade viva é rendida ao Senhor Supremo e está em plena plataforma espiritual. Embora haja servos, o servido e o serviço, todos são espirituais e variados. No momento atual, devido à nossa concepção material, tudo é durvibhāvya, inconcebível. Sendo o Supremo, o Senhor chama-Se Ṛṣabha, “o melhor”. Mais especificamente na linguagem védica: nityo nityānām. Também somos espirituais, mas somos subordinados. Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, é a principal entidade viva. A palavra ṛṣabha significa “o principal”, ou “o supremo”, e indica o Ser Supremo, ou o próprio Deus.

Texto

tasmād bhavanto hṛdayena jātāḥ
sarve mahīyāṁsam amuṁ sanābham
akliṣṭa-buddhyā bharataṁ bhajadhvaṁ
śuśrūṣaṇaṁ tad bharaṇaṁ prajānām

Sinônimos

tasmāt — portanto (porque Eu sou o Supremo); bhavantaḥ — vós; hṛdayena — de Meu coração; jātāḥ — nascidos; sarve — todos; mahīyāṁsam — o melhor; amum — este; sa-nābham — irmão; akliṣṭa-buddhyā — com vossa inteligência, sem contaminação material; bharatam — Bharata; bhajadhvam — simplesmente tentai servir; śuśrūṣaṇam — serviço; tat — este; bharaṇam prajānām — governar os cidadãos.

Tradução

Meus queridos rapazes, todos vós nascestes do Meu coração, que é a sede de todas as qualidades espirituais. Portanto, não deveis ser como homens materialistas e invejosos. Deveis aceitar vosso irmão mais velho, Bharata, que é avançado em serviço devocional. Se vos ocupardes em servir a Bharata, em vosso serviço a ele estará incluído o serviço a Mim e governareis naturalmente os cidadãos.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra hṛdaya indica o coração, que também se chama uraḥ, o peito. O coração está situado no peito, e, embora os genitais sirvam de instrumento para ajudar o filho nascer, na verdade ele nasce de dentro do coração. De acordo com a situação do coração, o sêmen toma a forma de um corpo. Portanto, segundo o sistema védico, quando alguém gera um filho, seu coração deve estar purificado através da cerimônia ritualística conhecida como garbhādhāna. O coração de Ṛṣabhadeva era sempre espiritual e impoluto. Por conseguinte, todos os filhos nascidos do coração de Ṛṣabhadeva tinham tendências espirituais. Todavia, Ṛṣabhadeva indicou que Seu filho mais velho era superior, e aconselhou os outros a servirem-no. Todos os irmãos de Bharata Mahārāja foram aconselhados por Ṛṣabhadeva a aderir ao serviço de Bharata. Pode-se perguntar por que alguém deveria apegar-se aos membros familiares, pois, no início, foi aconselhado que ninguém deve apegar-se ao lar e à família. Contudo, também se aconselha que mahīyasām pāda-rajo-’bhiṣeka – a pessoa deve servir ao mahīyān, aquele que é muito avançado espiritualmente. Mahat-sevāṁ dvāram āhur vimukteḥ: para quem serve ao mahat, o devoto elevado, o caminho da liberação se abre. Não devemos comparar uma família materialista comum com a família de Ṛṣabhadeva. Bharata Mahārāja, o filho mais velho de Ṛṣabhadeva, era especialmente muito elevado. Por essa razão, os outros filhos foram aconselhados a servi-lo para o prazer dele. Esse era o dever deles.

O Senhor Supremo estava aconselhando que Bharata Mahārāja se tornasse o principal governante do planeta. É esse o verdadeiro plano do Senhor Supremo. Na Guerra de Kurukṣetra, observamos que o Senhor Kṛṣṇa queria que Mahārāja Yudhiṣṭhira fosse o imperador supremo deste planeta. Ele nunca desejou que Duryodhana assumisse esse posto. Como se afirmou no verso anterior, o coração do Senhor Ṛṣabhadeva é hṛdayaṁ yatra dharmaḥ. A característica dharma também é explicada na Bhagavad-gītā: rendição à Suprema Personalidade de Deus. Para proteger o dharma (paritrāṇāya sādhūnām), o Senhor sempre deseja que o governante da Terra seja um devoto. Então, para o benefício de todos, tudo correrá muito bem. Tão logo um demônio começa a governar a Terra, tudo se torna caótico. No momento atual, o mundo tem inclinação ao sistema democrático, mas as pessoas em geral estão todas contaminadas pelos modos da paixão e da ignorância. Portanto, não podem escolher a pessoa correta para liderar o governo. O presidente é escolhido através dos votos dos śūdras ignorantes; por conseguinte, elege-se outro śūdra, e imediatamente todo o governo se polui. Se as pessoas seguissem estritamente os princípios da Bhagavad-gītā, elas elegeriam um devoto do Senhor. Então, naturalmente haveria um bom governo. Ṛṣabhadeva, portanto, recomendou Bharata Mahārāja como o imperador deste planeta. Servir a um devoto é o mesmo que servir ao Senhor Supremo, pois o devoto sempre representa o Senhor. Quando o devoto assume o cargo, o governo sempre é apropriado e benéfico a todos.

Texto

bhūteṣu vīrudbhya uduttamā ye
sarīsṛpās teṣu sabodha-niṣṭhāḥ
tato manuṣyāḥ pramathās tato ’pi
gandharva-siddhā vibudhānugā ye
devāsurebhyo maghavat-pradhānā
dakṣādayo brahma-sutās tu teṣām
bhavaḥ paraḥ so ’tha viriñca-vīryaḥ
sa mat-paro ’haṁ dvija-deva-devaḥ

Sinônimos

bhūteṣu — entre as coisas geradas (com e sem sintomas de vida); vīrudbhyaḥ — do que as plantas; uduttamāḥ — muito superiores; ye — aquelas que; sarīsṛpāḥ — entidades móveis, tais como vermes e serpentes; teṣu — delas; sa-bodha-niṣṭhāḥ — aqueles que desenvolveram inteligência; tataḥ — do que eles; manuṣyāḥ — os seres humanos; pramathāḥ — os espíritos fantasmáticos; tataḥ api — melhor do que eles; gandharva — os habitantes de Gandharvaloka (cantores designados nos planetas dos semideuses); siddhāḥ — os habitantes de Siddhaloka, que têm todos os poderes místicos; vibudha-anugāḥ — os Kinnaras; ye — aqueles que; deva — os semideuses; asurebhyaḥ — do que os asuras; maghavat-pradhānāḥ — encabeçados por Indra; dakṣa-ādayaḥ — começando com Dakṣa; brahma-sutāḥ — os filhos diretos de Brahmā; tu — então; teṣām — deles; bhavaḥ — senhor Śiva; paraḥ — o melhor; saḥ — ele (senhor Śiva); atha — além disso; viriñca-vīryaḥ — produzido do senhor Brahmā; saḥ — ele (Brahmā); mat-paraḥ — Meu devoto; aham — Eu; dvija-deva-devaḥ — um adorador dos brāhmaṇas, ou o Senhor dos brāhmaṇas.

Tradução

Dentre as duas energias manifestas [espírito e matéria bruta], os seres que possuem força vital [vegetais, gramíneas, arbustos e árvores] são superiores à matéria bruta [pedra, terra etc.]. Superiores às plantas e vegetais inertes, são os vermes e as serpentes, que podem mover-se. Superiores aos vermes e às serpentes, são os animais que desenvolveram inteligência. Superiores aos animais, são os seres humanos, e, superiores a esses, são os fantasmas, pois eles não têm corpos materiais. Superiores aos fantasmas são os Gandharvas, e, superiores a esses, são os Siddhas. Superiores aos Siddhas são os Kinnaras, e, superiores a esses, são os asuras. Superiores aos asuras, são os semideuses, e, dentre os semideuses, Indra, o rei dos céus, é o supremo. Superiores a Indra são os filhos diretos do senhor Brahmā, filhos tais como o rei Dakṣa, e supremo entre os filhos de Brahmā é o senhor Śiva. Como o senhor Śiva é filho do senhor Brahmā, Brahmā é considerado superior, mas Brahmā também está subordinado a Mim, a Suprema Personalidade de Deus. Porque sou favorável aos brāhmaṇas, os brāhmaṇas são os melhores de todos.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, os brāhmaṇas recebem uma posição superior à posição do Senhor Supremo. A ideia é que o governo deve ser conduzido sob a orientação dos brāhmaṇas. Embora Ṛṣabhadeva recomendasse Seu filho mais velho, Bharata, como imperador da Terra, ainda assim, para governar o mundo perfeitamente, esse tinha que seguir as instruções dos brāhmaṇas. O Senhor é adorado como brāhmaṇya-deva. O Senhor gosta muito dos devotos, ou dos brāhmaṇas. Isso não se refere aos ditos brāhmaṇas de casta, mas aos brāhmaṇas qualificados. O brāhmaṇa deve estar revestido com as oito qualidades mencionadas no verso 24, tais como śama, dama, satya e titikṣā. Os brāhmaṇas devem ser sempre adorados, e, sob sua orientação, cabe ao governante desempenhar seu dever e dirigir os cidadãos. Infelizmente, nesta era de Kali, o chefe executivo não é escolhido por pessoas muito inteligentes, tampouco é ele guiado por brāhmaṇas qualificados. Em consequência, surge o caos. Deve-se educar a massa no processo da consciência de Kṛṣṇa, para que, de acordo com o sistema democrático, possam escolher para liderar o governo um devoto de primeira classe como Bharata Mahārāja. Se o chefe de Estado é orientado por brāhmaṇas qualificados, tudo se torna completamente perfeito.

Neste verso, menciona-se indiretamente o processo evolutivo. A teoria moderna de que a vida surge da matéria é até certo ponto corroborada neste verso, onde se afirma que bhūteṣu vīrudbhyaḥ. Isto é, as entidades vivas evoluem dos vegetais, gramíneas, arbustos e árvores, que são superiores à matéria bruta. Em outras palavras, a matéria também tem a potência de manifestar entidades vivas sob a forma de vegetais. Neste sentido, a vida vem da matéria, mas a matéria também vem da vida. Como Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (10.8), ahaṁ sarvasya prabhavo mattaḥ sarvaṁ pravartate: “Eu sou a fonte de todos os mundos espirituais e materiais. Tudo emana de Mim.”

Existem duas energias – material e espiritual – e ambas vêm de Kṛṣṇa originalmente. Kṛṣṇa é o ser vivo supremo. Embora se possa dizer que, no mundo material, a força viva surge da matéria, deve-se admitir que, originalmente, a matéria é gerada do ser vivo supremo. Nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām. (Kaṭha Upaniṣad 2.2.13) A conclusão é que tudo, tanto material quanto espiritual, é gerado do Ser Supremo. Do ponto de vista evolutivo, a perfeição é atingida quando a entidade viva chega à plataforma de brāhmaṇa. O brāhmaṇa é adorador do Brahman Supremo, e o Brahman Supremo adora o brāhmaṇa. Em outras palavras, o devoto está subordinado ao Senhor Supremo, e o Senhor tem a propensão a garantir que Seu devoto fique satisfeito. O brāhmaṇa é chamado de dvija-deva, e o Senhor é chamado de dvija-deva-deva. Ele é o Senhor dos brāhmaṇas.

O processo evolutivo também é explicado no Caitanya-caritāmṛta (Madhya, capítulo dezenove), onde se diz que existem duas classes de entidades vivas – móveis e inertes. Entre as entidades móveis, estão os pássaros, as feras, os seres aquáticos, os seres humanos e assim por diante. Entre esses, os seres humanos são tidos como os melhores, mas eles são pouquíssimos. Dentro desse pequeno número de seres humanos, existem muitos humanos de classe baixa, tais como os mlecchas, pulindas, bauddhas e śabaras. O ser humano elevado o bastante para aceitar os princípios védicos é superior. Dentre aqueles que aceitam os princípios védicos, em geral conhecidos como varṇāśrama (atualmente visto como o sistema hindu), poucos realmente seguem esses princípios. Dentre aqueles que realmente seguem os princípios védicos, a maioria realiza atividades fruitivas ou atividades piedosas para elevarem-se a uma posição superior. Manuṣyāṇāṁ sahasreṣu kaścid yatati siddhaye: dentre muitos apegados a atividades fruitivas, talvez um seja um jñānī – isto é, pessoa com inclinações filosóficas e superior aos karmīs. Yatatām api siddhānāṁ kaścin māṁ vetti tattvataḥ: dentre muitos jñānīs, talvez um se liberte do cativeiro material, e, dentre muitos milhões de ānīs liberados, talvez um se torne um devoto de Kṛṣṇa.

Texto

na brāhmaṇais tulaye bhūtam anyat
paśyāmi viprāḥ kim ataḥ paraṁ tu
yasmin nṛbhiḥ prahutaṁ śraddhayāham
aśnāmi kāmaṁ na tathāgni-hotre

Sinônimos

na — não; brāhmaṇaiḥ — com os brāhmaṇas; tulaye — considero igual; bhūtam — entidade; anyat — outra; paśyāmi — posso ver; viprāḥ — ó brāhmaṇas reunidos; kim — coisa alguma; ataḥ — aos brāhmaṇas; param — superior; tu — com certeza; yasmin — através de quem; nṛbhiḥ — pelas pessoas; prahutam — alimento oferecido após cerimônias ritualísticas devidamente executadas; śraddhayā — com fé e amor; aham — Eu; aśnāmi — como; kāmam — com plena satisfação; na — não; tathā — dessa maneira; agni-hotre — no fogo do sacrifício.

Tradução

Ó brāhmaṇas respeitáveis, até onde vai a Minha estimativa, neste mundo, ninguém é igual ou superior aos brāhmaṇas. Não vejo ninguém comparável a eles. Quando, após executarem rituais de acordo com os princípios védicos, as pessoas conhecem Minha intenção, elas Me oferecem, com fé e amor, alimento através da boca de um brāhmaṇa. Quando o alimento Me é oferecido deste modo, Eu o como com plena satisfação. Na verdade, Eu sinto mais prazer com o alimento oferecido dessa maneira do que com o alimento oferecido no fogo de sacrifício.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o sistema védico, após a cerimônia de sacrifícios, convidam-se os brāhmaṇas para comer os restos do alimento oferecido. Quando os brāhmaṇas comem o alimento, considera-se que esse foi comido diretamente pelo Senhor Supremo. Por isso, ninguém é comparável aos brāhmaṇas qualificados. A perfeição da evolução é situar-se na plataforma bramânica. Qualquer civilização que não se baseia na cultura bramânica ou que não é orientada por brāhmaṇas, é certamente uma civilização condenada. Na atualidade, a civilização humana se baseia no gozo dos sentidos e, como consequência, um número cada vez maior de pessoas se deixa corromper por diferentes tipos de coisas. Ninguém respeita a cultura bramânica. A civilização demoníaca está apegada a ugra-karma, atividades hediondas, e se criam grandes indústrias para satisfazer desejos luxuriosos inescrutáveis. Em decorrência disso, a população sofre imensamente com os impostos governamentais. As pessoas são irreligiosas e não executam os sacrifícios recomendados na Bhagavad-gītā. Yajñād bhavati parjanyaḥ: através da execução de sacrifício, formam-se nuvens e cai a chuva. Devido à chuva suficiente, há produção de alimentos o bastante. Guiada pelos brāhmaṇas, a sociedade deve seguir os princípios da Bhagavad-gītā. Então, as pessoas serão muito felizes. Annād bhavanti bhūtāni: quando os homens e animais alimentam-se com um bom suprimento de grãos e cereais, eles se fortalecem, seus corações ficam tranquilos e seus cérebros se apaziguam. Então, eles podem avançar na vida espiritual, a meta última da vida.

Texto

dhṛtā tanūr uśatī me purāṇī
yeneha sattvaṁ paramaṁ pavitram
śamo damaḥ satyam anugrahaś ca
tapas titikṣānubhavaś ca yatra

Sinônimos

dhṛtā — mantido pela educação transcendental; tanūḥ — corpo; uśatī — livre da contaminação material; me — Meu; purāṇī — eterno; yena — por quem; iha — neste mundo material; sattvam — o modo da bondade; paramam — supremo; pavitram — puro; śamaḥ — controle da mente; damaḥ — controle dos sentidos; satyam — veracidade; anugrahaḥ — misericórdia; ca — e; tapaḥ — austeridade; titikṣā — tolerância; anubhavaḥ — compreender Deus e a entidade viva; ca — e; yatra — onde.

Tradução

Os Vedas são Minha eterna encarnação sonora transcendental. Portanto, os Vedas são śabda-brahma. Neste mundo, os brāhmaṇas fazem um estudo exaustivo de todos os Vedas e, porque assimilam as conclusões védicas, também devem ser considerados os Vedas personificados. Os brāhmaṇas estão situados em sattva-guna, o modo da natureza supremamente transcendental. Devido a isso, eles desenvolveram controle da mente [śama], controle dos sentidos [dama] e veracidade [satya]. Eles descrevem o significado autêntico dos Vedas e, por misericórdia [anugraha], eles pregam a todas as almas condicionadas o propósito dos Vedas. Eles praticam penitência [tapasya] e tolerância [titikṣā], e compreendem a posição da entidade viva e do Senhor [anubhava]. Estas são as oito qualificações dos brāhmaṇas. Portanto, dentre todas as entidades vivas, ninguém é superior aos brāhmaṇas.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta é a verdadeira descrição do que é um brāhmaṇa. Brāhmaṇa é aquele que, mediante a prática do controle da mente e dos sentidos, assimilou as conclusões védicas. Ele fala a autêntica versão de todos os Vedas. Como confirma a Bhagavad-gītā (15.15), vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ. Quem estuda todos os Vedas capacita-se a entender a posição transcendental do Senhor Śrī Kṛṣṇa. Aquele que realmente assimilou a essência dos Vedas pode pregar a verdade. Ele é compassivo com as almas condicionadas que, não sendo conscientes de Kṛṣṇa, estão sofrendo as três espécies de sofrimentos deste mundo circunstancial. O brāhmaṇa deve sentir piedade das pessoas e pregar a consciência de Kṛṣṇa para elevá-las. Com o propósito de ensinar às almas condicionadas os valores da vida espiritual, o próprio Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, desce pessoalmente do Seu reino espiritual e vem a este universo. Ele tenta persuadi-las a render-se a Ele. Da sua parte, os brāhmaṇas fazem o mesmo. Após assimilarem as instruções védicas, eles participam da tarefa em que o Senhor Supremo busca libertar as almas condicionadas. Devido às suas elevadíssimas qualidades de sattva-gua, os brāhmaṇas são muito queridos ao Senhor Supremo. Além disso, eles se ocupam em atividades de bem-estar para todas as almas condicionadas que estão no mundo material.

Texto

matto ’py anantāt parataḥ parasmāt
svargāpavargādhipater na kiñcit
yeṣāṁ kim u syād itareṇa teṣām
akiñcanānāṁ mayi bhakti-bhājām

Sinônimos

mattaḥ — de Mim; api — mesmo; anantāt — ilimitado em força e opulência; parataḥ parasmāt — mais elevado do que os superiores; svarga-apavarga-adhipateḥ — capaz de outorgar felicidade obtenível através de se viver no reino celestial, através da liberação ou através do gozo de conforto material e, em seguida, através da liberação; na — não; kiñcit — nada; yeṣām — de quem; kim — que necessidade; u — oh!; syāt — pode haver; itareṇa — com qualquer outro; teṣām — deles; akiñcanānām — sem necessidades ou sem posses; mayi — a Mim; bhakti-bhājām — executando serviço devocional.

Tradução

Eu sou plenamente opulento, onipotente e superior ao senhor Brahmā e Indra, o rei dos planetas celestiais. Também sou o outorgador de toda a felicidade obtida no reino celestial e através da liberação. Entretanto, os brāhmaṇas não Me buscam em troca de confortos materiais. Eles são muito puros e não desejam possuir nada. Eles simplesmente se ocupam em Meu serviço devocional. Qual a necessidade de pedirem benefícios materiais a alguma outra pessoa?

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, menciona-se a qualificação bramânica perfeita: akiñcanānāṁ mayi bhakti-bhājām. Os brāhmaṇas estão sempre prestando serviço devocional ao Senhor, daí não terem necessidades materiais, tampouco terem posses materiais. No Caitanya-caritāmṛta (Madhya 11.8), Caitanya Mahāprabhu explica a posição dos vaiṣṇavas puros que estão ansiosos por voltar ao lar, voltar ao Supremo. Niṣkiñcanasya bhagavad-bhajanonmukhasya. Aqueles que realmente desejam regressar ao Supremo são niṣkiñcana – isto é, eles não desejam confortos materiais. Śrī Caitanya Mahāprabhu aconselha que sandarśanaṁ viṣayinām atha yoṣitāṁ ca hā hanta hanta visa-bhakṣaṇato ’py asādhu: a opulência material e o gozo dos sentidos através da associação com mulheres são mais perigosos do que veneno. Os brāhmaṇas que são vaiavas puros sempre se ocupam em serviço ao Senhor e não têm desejo algum de ganhos materiais. Os brāhmaṇas não adoram semideuses, tais como o senhor Brahmā, Indra ou o senhor Śiva, em busca de conforto material. Eles nem mesmo pedem algum ganho material ao Senhor Supremo. Portanto, conclui-se que os brāhmaṇas são as entidades vivas supremas neste mundo. Śrī Kapiladeva também confirma isso no Śrīmad-Bhāgavatam (3.29.33):

tasmān mayy arpitāśeṣa-
kriyārthātmā nirantaraḥ
mayy arpitātmanaḥ puṁso
mayi sannyasta-karmaṇaḥ
na paśyāmi paraṁ bhūtam
akartuḥ sama-darśanāt

Com seus corpos, palavras e mentes, os brāhmaṇas estão sempre dedicados ao serviço do Senhor. Não há pessoa melhor do que um brāhmaṇa que assim se ocupa e se dedica ao Senhor Supremo.

Texto

sarvāṇi mad-dhiṣṇyatayā bhavadbhiś
carāṇi bhūtāni sutā dhruvāṇi
sambhāvitavyāni pade pade vo
vivikta-dṛgbhis tad u hārhaṇaṁ me

Sinônimos

sarvāṇi — todos; mat-dhiṣṇyatayā — por serem Meu assento; bhavadbhiḥ — por vós; carāṇi — que se movem; bhūtāni — entidades vivas; sutāḥ — Meus queridos filhos; dhruvāṇi — que não se movem; sambhāvitavyāni — para serem respeitadas; pade pade — a cada momento; vaḥ — por vós; vivikta-dṛgbhiḥ — possuindo visão e compreensão claras (de que a Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto de Paramātmā está situado em toda parte); tat u — que indiretamente; ha — decerto; arhaṇam — oferecendo respeitos; me — a Mim.

Tradução

Meus queridos filhos, não deveis invejar nenhuma entidade viva – seja móvel, seja inerte. Sabendo que estou situado nelas, deveis a todo instante oferecer respeito a todas elas. Dessa maneira, ofereceis respeitos a Mim.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, usa-se a expressão vivikta-dṛgbhiḥ, que significa “ausência de inveja”. Todas as entidades vivas são a morada da Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto Paramātmā. Como confirma a Brahma-saṁhitā, aṇḍāntara-sthaṁ paramāṇu-cayāntara-stham. O Senhor está situado neste universo como Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu. Ele também está situado dentro de cada átomo. De acordo com a afirmação védica, īśāvāsyam idaṁ sarvam. O Senhor Supremo está situado em toda parte, e, onde quer que Ele Se estabeleça, esse lugar é Seu templo. Chegamos a oferecer respeitos a um templo mesmo à distância, e todas as entidades vivas também devem receber respeitos de maneira semelhante. Isso é diferente da teoria do panteísmo, que sustenta que tudo é Deus. Tudo tem uma relação com Deus porque Deus está situado em toda parte. Não devemos fazer nenhuma distinção específica entre o pobre e o rico, como querem os adoradores tolos de daridra-nārāyaṇa. Nārāyaṇa está presente no rico e também no pobre. Ninguém deve simplesmente pensar que Nārāyaṇa está situado entre os pobres. Ele está em toda parte. O devoto avançado oferecerá respeitos a todos – mesmo aos cães e gatos.

vidyā-vinaya-sampanne
brāhmaṇe gavi hastini
śuni caiva śva-pāke ca
paṇḍitāḥ sama-darśinaḥ

“Os sábios humildes, em virtude do conhecimento verdadeiro, veem com uma visão equânime o brāhmaṇa erudito e cortês, a vaca, o elefante, o cachorro e o comedor de cachorro [pária].” (Bhagavad-gītā 5.18) Essa sama-darśinaḥ, “visão equânime”, não deve ser erroneamente interpretada como significando que o indivíduo é idêntico ao Senhor Supremo. Eles são sempre distintos. Toda pessoa individual é diferente do Senhor Supremo. É um erro igualar a entidade viva ao Senhor Supremo sob o pretexto de vivikta-dṛk, sama-dṛk. O Senhor sempre está em uma posição elevada, muito embora Ele concorde em viver em toda parte. Śrīla Madhvācārya, citando o Padma Purāṇa, afirma que vivikta-dṛṣṭi jīvānāṁ dhiṣṇyatayā parameśvarasya bheda-dṛṣṭiḥ: “Aquele que tem uma visão clara e que é desprovido de inveja pode ver que o Senhor Supremo está à parte de todas as entidades vivas, embora Ele esteja situado em toda entidade viva.” Madhvācārya apresenta outra citação do Padma Purāṇa:

upapādayet parātmānaṁ
jīvebhyo yaḥ pade pade
bhedenaiva na caitasmāt
priyo viṣṇos tu kaścana

“Aquele que vê a entidade viva e o Senhor Supremo como sempre distintos é muito querido ao Senhor.” O Padma Purāṇa também afirma que yo hares caiva jīvānāṁ bheda-vaktā hareḥ priyaḥ: “Aquele que prega que as entidades vivas são distintas do Senhor Supremo é muito querido ao Senhor Viṣṇu.”

Texto

mano-vaco-dṛk-karaṇehitasya
sākṣāt-kṛtaṁ me paribarhaṇaṁ hi
vinā pumān yena mahā-vimohāt
kṛtānta-pāśān na vimoktum īśet

Sinônimos

manaḥ — mente; vacaḥ — palavras; dṛk — visão; karaṇa — dos sentidos; īhitasya — de todas as atividades (para a manutenção do corpo, da sociedade, da amizade e assim por diante); sākṣāt-kṛtam — diretamente oferecidas; me — a Mim; paribarhaṇam — adoração; hi — porque; vinā — sem; pumān — nenhuma pessoa; yena — a qual; mahā-vimohāt — da grande ilusão; kṛtānta-pāśāt — assim como a corda constringente de Yamarāja; na — não; vimoktum — de livrar-se; īśet — torna-se capaz.

Tradução

A verdadeira atividade dos órgãos dos sentidos – mente, visão, palavras e os sentidos com que se obtém conhecimento e os sentidos funcionais – é ocupar-se plenamente a Meu serviço. A menos que seus sentidos estejam assim ocupados, uma entidade viva não pode cogitar escapar deste grande enredamento da existência material, que é exatamente como a corda constringente de Yamarāja.

Comentário

SIGNIFICADO—Como afirma o Nārada-pañcarātra:

sarvopādhi-vinirmuktaṁ
tat-paratvena nirmalam
hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-
sevanaṁ bhaktir ucyate

É essa a conclusão de bhakti. A todo tempo, o Senhor Ṛṣabhadeva esteve enfatizando o serviço devocional, e agora conclui dizendo que todos os sentidos devem ser ocupados a serviço do Senhor. Existem cinco sentidos através dos quais obtemos conhecimento e cinco sentidos com os quais agimos. Esses dez sentidos e a mente devem estar plenamente ocupados a serviço do Senhor. Sem os ocupar dessa maneira, ninguém pode escapar das garras de māyā.

Texto

śrī-śuka uvāca
evam anuśāsyātmajān svayam anuśiṣṭān api lokānuśāsanārthaṁ mahānubhāvaḥ parama-suhṛd bhagavān ṛṣabhāpadeśa upaśama-śīlānām uparata-karmaṇāṁ mahā-munīnāṁ bhakti-jñāna-vairāgya-lakṣaṇaṁ pāramahaṁsya-dharmam upaśikṣamāṇaḥ sva-tanaya-śata-jyeṣṭhaṁ parama-bhāgavataṁ bhagavaj-jana-parāyaṇaṁ bharataṁ dharaṇi-pālanāyābhiṣicya svayaṁ bhavana evorvarita-śarīra-mātra-parigraha unmatta iva gagana-paridhānaḥ prakīrṇa-keśa ātmany āropitāhavanīyo brahmāvartāt pravavrāja.

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — dessa maneira; anuśāsya — após instruir; ātma-jān — Seus filhos; svayam — pessoalmente; anuśiṣṭān — altamente educado em cultura; api — embora; loka-anuśāsana-artham — apenas para instruir as pessoas; mahā-anubhāvaḥ — a grande personalidade; parama-suhṛt — o sublime benquerente de todos; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; ṛṣabha-apadeśaḥ — que é celebre e conhecido como Ṛṣabhadeva; upaśama-śīlānām — de pessoas que não têm desejo de gozo material; uparata-karmaṇām — que não mais se interessam em atividades fruitivas; mahā-munīnām — que são sannyāsīs; bhakti — serviço devocional; jñāna — conhecimento perfeito; vairāgya — desapego; lakṣaṇam — caracterizados por; pāramahaṁsya — dentre os melhores dos seres humanos; dharmam — os deveres; upaśikṣamāṇaḥ — instruindo; sva-tanaya — de Seus filhos; śata — cem; jyeṣṭham — o mais velho; parama-bhāgavatam — um elevadíssimo devoto do Senhor; bhagavat-jana-parāyaṇam — um seguidor dos devotos do Senhor, brāhmaṇas e vaiṣṇavas; bharatam — Bharata Mahārāja; dharaṇi-pālanāya — com vistas a governar o mundo; abhiṣicya — colocando no trono; svayam — pessoalmente; bhavane — no lar; eva — embora; urvarita — permanecendo; śarīra-mātra — apenas o corpo; parigrahaḥ — aceitando; unmattaḥ — um louco; iva — exatamente como; gagana-paridhānaḥ — tendo o céu como Sua roupa; prakīrṇa-keśaḥ — tendo o cabelo desgrenhado; ātmani — em Si próprio; āropita — mantendo; āhavanīyaḥ — o fogo védico; brahmāvartāt — do lugar conhecido como Brahmāvarta; pravavrāja — começou a viajar mundo afora.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Assim, o grande benquerente de todos, o Supremo Senhor Ṛṣabhadeva, instruiu Seus próprios filhos. Embora eles fossem perfeitamente educados e cultos, Ele os instruiu apenas para estabelecer um exemplo de como, antes de retirar-se da vida familiar, o pai deve instruir seus filhos. Os sannyāsīs, que já não estão atados às atividades fruitivas e que, após eliminarem todos os seus desejos materiais, adotaram o serviço devocional, também aprendem através dessas instruções. O Senhor Ṛṣabhadeva instruiu Seus cem filhos, dentre os quais, o mais velho, Bharata, era um devoto muito avançado e seguidor dos vaiṣṇavas. Para governar o mundo inteiro, o Senhor instalou no trono real o Seu filho mais velho. Depois disso, embora ainda permanecesse no lar, o Senhor Ṛṣabhadeva viveu tal qual um louco, nu e com o cabelo desgrenhado. Então, o Senhor interiorizou em Si o fogo do sacrifício e deixou Brahmāvarta para viajar pelo mundo inteiro.

Comentário

SIGNIFICADO—Na verdade, as instruções que o Senhor Ṛṣabhadeva transmitiu a Seus filhos não se destinavam exatamente a eles, pois todos já eram instruídos e altamente avançados em conhecimento. Em vez disso, essas instruções destinavam-se aos sannyāsīs que pretendem tornar-se devotos avançados. Os sannyāsīs devem seguir as instruções do Senhor Ṛṣabhadeva enquanto trilham o caminho do serviço devocional. O Senhor Ṛṣabhadeva retirou-se da vida familiar e viveu como um louco desnudo, mesmo quando ainda estava no convívio de Sua família.

Texto

jaḍāndha-mūka-badhira-piśāconmādakavad-avadhūta-veṣo ’bhibhāṣyamāṇo ’pi janānāṁ gṛhīta-mauna-vratas tūṣṇīṁ babhūva.

Sinônimos

jaḍa — fútil; andha — cego; mūka — mudo; badhira — surdo; piśāca — fantasma; unmādaka — um louco; vat — como; avadhūta-veṣaḥ — parecendo um avadhūta (não tendo interesse pelo mundo material); abhibhāṣyamāṇaḥ — sendo assim tratado (de surdo, mudo e cego); api — embora; janānām — pelas pessoas; gṛhīta — aceitou; mauna — de silêncio; vrataḥ — o voto; tūṣṇīm babhūva — Ele permanecia silencioso.

Tradução

Após aceitar as características de avadhūta, uma grandiosa pessoa santa sem preocupações materiais, o Senhor Ṛṣabhadeva viveu na sociedade humana como se fosse um cego, um surdo-mudo, uma pedra inútil, um fantasma ou um louco. Embora as pessoas se dirigissem a Ele com esses tratamentos, Ele permanecia silencioso e não falava com ninguém.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra avadhūta refere-se àquele que não se importa com as convenções sociais, particularmente o varṇāśrama-dharma. Entretanto, semelhante pessoa pode estar completamente interiorizada e sentir prazer na Suprema Personalidade de Deus, em quem ela medita. Em outras palavras, alguém que ultrapassou as regras e regulações do varṇāśrama-dharma chama-se avadhūta. Essa pessoa já transpôs as garras de māyā e vive completamente à parte e independente.

Texto

tatra tatra pura-grāmākara-kheṭa-vāṭa-kharvaṭa-śibira-vraja-ghoṣa-sārtha-giri-vanāśramādiṣv anupatham avanicarāpasadaiḥ paribhūyamāno makṣikābhir iva vana-gajas tarjana-tāḍanāvamehana-ṣṭhīvana-grāva-śakṛd-rajaḥ-prakṣepa-pūti-vāta-duruktais tad avigaṇayann evāsat-saṁsthāna etasmin dehopalakṣaṇe sad-apadeśa ubhayānubhava-svarūpeṇa sva-mahimāvasthānenāsamāropitāhaṁ-mamābhimānatvād avikhaṇḍita-manāḥ pṛthivīm eka-caraḥ paribabhrāma.

Sinônimos

tatra tatra — aqui e ali; pura — cidades; grāma — vilas; ākara — minas; kheṭa — campos agrícolas; vāṭa — jardins; kharvaṭa — vilas nos vales; śibira — acampamentos militares; vraja — currais de vaca; ghoṣa — residências dos vaqueiros; sārtha — lugares de descanso para peregrinos; giri — colinas; vana — florestas; āśrama — nos lugares residenciais dos eremitas; ādiṣu — e assim por diante; anupatham — conforme Ele passava por; avanicara-apasadaiḥ — por elementos indesejáveis, pessoas perversas; paribhūyamānaḥ — estando cercado; makṣikābhiḥ — por moscas; iva — como; vana-gajaḥ — um elefante que vem da floresta; tarjana — pelas hostilidades; tāḍana — açoite; avamehana — urinando no corpo; ṣṭhīvana — cuspindo no corpo; grāva-śakṛt — pedras e excremento; rajaḥ — poeira; prakṣepa — atirando; pūti-vāta — soltando gases sobre o corpo; duruktaiḥ — e por palavrões; tat — isso; avigaṇayan — sem importar-se com; eva — assim; asat-saṁsthānehabitat inadequado para um cavalheiro; etasmin — neste; deha-upalakṣaṇe — na forma do corpo material; sat-apadeśe — chamado real; ubhaya-anubhava-svarūpeṇa — compreendendo a devida situação do corpo e da alma; sva-mahima — em Sua glória pessoal; avasthānena — estando situado; asamāropita-aham-mama-abhimānatvāt — de não aceitar o falso conceito de “eu e meu”; avikhaṇḍita-manāḥ — com a mente imperturbável; pṛthivīm — por todo o mundo; eka-caraḥ — sozinho; paribabhrāma — Ele vagava.

Tradução

Ṛṣabhadeva começou a viajar por cidades, vilas, minas, campos, vales, jardins, campos militares, currais de vacas, lares de vaqueiros, hospedarias de peregrinos, colinas, florestas e eremitérios. Por onde quer que Ele viajasse, todos os maus elementos rodeavam-nO, assim como as moscas cercam o corpo de um elefante que vem da floresta. As pessoas sempre O hostilizavam, batiam nEle, urinavam sobre Ele e cuspiam nEle. Às vezes, atiravam-Lhe pedras, excremento e areia, e, outras vezes, soltavam gases diante dEle. Assim, as pessoas falavam muitas palavras de baixo calão para Ele e causavam-Lhe grandes vexames, mas Ele não Se importava com isso, pois entendia que o corpo se destina simplesmente a esse fim. Ele estava situado na plataforma espiritual e, em Sua glória espiritual, não Se importava com todos esses insultos materiais. Em outras palavras, Ele entendia na íntegra que a matéria e o espírito são distintos, e não tinha nenhum conceito corpóreo. Assim, sem irar-se contra ninguém, Ele caminhava sozinho pelo mundo inteiro.

Comentário

SIGNIFICADO—Narottama Dāsa Ṭhākura diz que deha-smṛti nāhi yāra, saṁsāra bandhana kāhāṅ tāra. Ao compreender na íntegra que o corpo e o mundo material são temporários, a pessoa não se importa com as dores e os prazeres do corpo. Como Śrī Kṛṣṇa aconselha na Bhagavad-gītā (2.14):

mātrā-sparśās tu kaunteya
śītoṣṇa-sukha-duḥkha-dāḥ
āgamāpāyino ’nityās
tāṁs titikṣasva bhārata

“Ó filho de Kuntī, o aparecimento temporário da felicidade e da aflição, e o seu desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e verão. Eles surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e precisa-se aprender a tolerá-los sem se perturbar.”

Quanto a Ṛṣabhadeva, se explicou que idaṁ śarīraṁ mama durvibhāvyam. Ele, em hipótese alguma, possuía um corpo material, de modo que tolerava todos os problemas que Lhe ofereciam os maus elementos da sociedade. Em consequência disso, Ele podia tolerar que as pessoas Lhe atirassem excremento e areia e batessem nEle. Seu corpo era transcendental e, por conseguinte, não sentia absolutamente nenhuma dor. Ele estava sempre situado em Sua bem-aventurança espiritual. Como afirma a Bhagavad-gītā (18.61):

īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā

“O Senhor Supremo está situado no coração de todos, ó Arjuna, e está dirigindo as andanças de todas as entidades vivas, que estão sentadas em um tipo de máquina feita de energia material.”

Uma vez que o Senhor está situado no coração de todos, Ele também está no coração de porcos e cães. Se os porcos e os cães, em seus corpos materiais, vivem em lugares sujos, ninguém deve pensar que a Suprema Personalidade de Deus, em Seu aspecto Paramātmā, também vive em lugares imundos. Embora o Senhor Ṛṣabhadeva fosse maltratado pelos elementos desfavoráveis do mundo, Ele não era de maneira alguma afetado. Portanto, aqui se afirma que sva-mahima-avasthānena: “Ele estava situado em Sua própria glória.” Ele nunca Se ressentia de ser insultado das diversas maneiras acima descritas.

Texto

ati-sukumāra-kara-caraṇoraḥ-sthala-vipula-bāhv-aṁsa-gala-vadanādy-avayava-vinyāsaḥ prakṛti-sundara-svabhāva-hāsa-sumukho nava-nalina-dalāyamāna-śiśira-tārāruṇāyata-nayana-ruciraḥ sadṛśa-subhaga-kapola-karṇa-kaṇṭha-nāso vigūḍha-smita-vadana-mahotsavena pura-vanitānāṁ manasi kusuma-śarāsanam upadadhānaḥ parāg-avalambamāna-kuṭila-jaṭila-kapiśa-keśa-bhūri-bhāro ’vadhūta-malina-nija-śarīreṇa graha-gṛhīta ivādṛśyata.

Sinônimos

ati-su-kumāra — muito delicadas; kara — mãos; caraṇa — pés; uraḥ-sthala — peito; vipula — longo; bāhu — braços; aṁsa — ombros; gala — pescoço; vadana — rosto; ādi — e assim por diante; avayava — membros; vinyāsaḥ — devidamente situados; prakṛti — por natureza; sundara — amável; sva-bhāva — natural; hāsa — com um sorriso; su-mukhaḥ — Sua bela boca; nava-nalina-dalāyamāna — parecendo as pétalas de uma flor de lótus recém-brotada; śiśira — afastando todos os sofrimentos; tāra — as íris; aruṇa — avermelhadas; āyata — longos; nayana — com olhos; ruciraḥ — amável; sadṛśa — essa; subhaga — beleza; kapola — testa; karṇa — ouvidos; kaṇṭha — pescoço; nāsaḥ — Seu nariz; vigūḍha-smita — pelo sorriso profundo; vadana — pelo Seu rosto; mahā-utsavena — parecendo um festival; pura-vanitānām — de mulheres na vida familiar; manasi — no coração; kusuma-śarāsanam — Cupido; upadadhānaḥ — despertando; parāk — por toda a volta; avalambamāna — espalhado; kuṭila — encaracolado; jaṭila — emaranhado; kapiśa — castanho; keśa — de cabelo; bhūri-bhāraḥ — possuindo uma grande abundância; avadhūta — negligente; malina — sujeira; nija-śarīreṇa — pelo Seu corpo; graha-gṛhītaḥ — perseguido por um fantasma; iva — como se; adṛśyata — Ele parecia.

Tradução

As mãos, os pés e o peito do Senhor Ṛṣabhadeva eram muito longos. Seus ombros, rosto e membros eram todos muito delicados e simetricamente proporcionais. Sua boca era belamente decorada com Seu sorriso natural, e Ele parecia ainda mais amável com Seus longos olhos avermelhados semelhantes a pétalas de uma flor de lótus que acaba de desabrochar e está coberta com o orvalho da madrugada. As íris de Seus olhos eram tão agradáveis que eliminavam os problemas de todos aqueles que O viam. Sua testa, orelhas, pescoço, nariz e todas as Suas outras características eram muito belas. Seu sorriso cortês sempre tornava encantador o Seu rosto – tão intensamente que Ele atraía até mesmo o coração das mulheres casadas. Era como se elas tivessem sido trespassadas pelas flechas do Cupido. Em torno de Sua cabeça, havia uma abundância de cabelos castanhos, encaracolados e ondulados. Seu cabelo se mantinha desgrenhado porque Seu corpo estava sujo e negligenciado. Ele Se parecia com um homem assombrado por um fantasma.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora o corpo do Senhor Ṛṣabhadeva estivesse muitíssimo negligenciado, Seus traços transcendentais eram tão atraentes que mesmo as mulheres casadas se sentiam cativadas por Ele. Sua beleza e sujeira combinadas faziam parecer que Seu belo corpo estava sendo assombrado por um fantasma.

Texto

yarhi vāva sa bhagavān lokam imaṁ yogasyāddhā pratīpam ivācakṣāṇas tat-pratikriyā-karma bībhatsitam iti vratam ājagaram-āsthitaḥ śayāna evāśnāti pibati khādaty avamehati hadati sma ceṣṭamāna uccarita ādigdhoddeśaḥ.

Sinônimos

yarhi vāva — quando; saḥ — Ele; bhagavān — a Personalidade de Deus; lokam — as pessoas em geral; imam — esta; yogasya — para a realização de yoga; addhā — diretamente; pratīpam — antagônico; iva — como; ācakṣāṇaḥ — observou; tat — a estas; pratikriyā — para o contra-ataque; karma — atividades; bībhatsitam — abomináveis; iti — assim; vratam — o comportamento; ājagaram — de um píton (permanecer em um só lugar); āsthitaḥ — adotando; śayānaḥ — deitando-se; eva — na verdade; aśnāti — come; pibati — bebe; khādati — mastiga; avamehati — urina; hadati — defeca; sma — assim; ceṣṭamānaḥ — rolando; uccarite — no excremento e na urina; ādigdha-uddeśaḥ — Seu corpo assim untado.

Tradução

Ao ver que a população em geral mostrava-se muito hostil à Sua execução de yoga místico, o Senhor Ṛṣabhadeva, a fim de contra-atacar essa oposição, adotou o comportamento de um píton. Assim, Ele permanecia em um só lugar, deitado. Enquanto estava deitado, Ele comia e bebia, e também defecava, urinava e rolava sobre os excrementos. Na verdade, Ele untava todo o Seu corpo com Suas próprias fezes e urina para que as pessoas hostis não viessem perturbá-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o seu destino, a pessoa, mesmo que permaneça em um só lugar, defronta-se com a felicidade e a aflição que lhe estão reservadas. Esse preceito é dos śāstras. Quando alguém está situado espiritualmente, pode permanecer em um só lugar, e, por arranjos do controlador supremo, todas as suas necessidades serão satisfeitas. Quem não é pregador, não precisa viajar mundo afora. A pessoa pode permanecer apenas em um lugar e, de acordo com o tempo e as circunstâncias, prestar o devido serviço devocional. Ao ver que estava simplesmente sendo perturbado ao viajar por todo o mundo, Ṛṣabhadeva, tal qual um píton, decidiu deitar-se em um só lugar. Assim, Ele comia, bebia, defecava e urinava, untando Seu corpo com os excrementos para que as pessoas não O perturbassem.

Texto

tasya ha yaḥ purīṣa-surabhi-saugandhya-vāyus taṁ deśaṁ daśa-yojanaṁ samantāt surabhiṁ cakāra.

Sinônimos

tasya — Suas; ha — na verdade; yaḥ — as quais; purīṣa — das fezes; surabhi — pelo aroma; saugandhya — possuindo uma boa fragrância; vāyuḥ — o ar; tam — essa; deśam — região; daśa — até dez; yojanamyojanas (um yojana é igual a doze quilômetros); samantāt — por toda a volta; surabhim — perfumada; cakāra — tornou-se.

Tradução

Porque o Senhor Ṛṣabhadeva permanecia nessa condição, o público não O perturbava, mas nenhum odor desagradável emanava de Seu excremento e urina. Em vez disso, Seu excremento e Sua urina eram tão perfumados que, em uma extensão de cento e trinta quilômetros na zona rural, deixavam um aroma agradável.

Comentário

SIGNIFICADO—Com isso, decerto podemos concluir que o Senhor Ṛṣabhadeva era transcendentalmente bem-aventurado. Prova de que Seu excremento e Sua urina eram completamente diferentes do excremento e da urina materiais é que eles eram aromáticos. Mesmo no mundo material, o estrume de vaca é aceito como puro e antisséptico. Alguém pode manter um monte de estrume de vaca em um só lugar, e isso não criará nenhum cheiro ruim e perturbador. Podemos ter certeza de que, no mundo espiritual, excremento e urina são, também, agradavelmente perfumados. Na verdade, toda a atmosfera se tornou agradabilíssima devido ao excremento e à urina do Senhor Ṛṣabhadeva.

Texto

evaṁ go-mṛga-kāka-caryayā vrajaṁs tiṣṭhann āsīnaḥ śayānaḥ kāka-mṛga-go-caritaḥ pibati khādaty avamehati sma.

Sinônimos

evam — assim; go — de vacas; mṛga — veado; kāka — corvos; caryayā — pelas atividades; vrajan — movendo-Se; tiṣṭhan — ficando postado; āsīnaḥ — sentado; śayānaḥ — deitado; kāka-mṛga-go-caritaḥ — comportando-Se exatamente como os corvos, veados e vacas; pibati — bebe; khādati — come; avamehati — urina; sma — Ele assim o fez.

Tradução

Dessa maneira, o Senhor Ṛṣabhadeva seguia o comportamento das vacas, veados e corvos. Ora Ele Se movia ou caminhava, ora Se ficava sentado em um só lugar. Às vezes, Ele Se deitava comportando-Se exatamente como as vacas, veados e corvos. Desse modo, Ele comia, bebia, defecava e urinava e, com essa conduta, enganava as pessoas.

Comentário

SIGNIFICADO—Sendo a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Ṛṣabhadeva possuía um corpo transcendental, espiritual. Dado que não podia apreciar o Seu comportamento e prática de yoga místico, o público em geral começou a perturbá-lO. Com o intento de os enganar, Ele Se comportava como os corvos, vacas e veados.

Texto

iti nānā-yoga-caryācaraṇo bhagavān kaivalya-patir ṛṣabho ’virata-parama-mahānandānubhava ātmani sarveṣāṁ bhūtānām ātma-bhūte bhagavati vāsudeva ātmano ’vyavadhānānanta-rodara-bhāvena siddha-samastārtha-paripūrṇo yogaiśvaryāṇi vaihāyasa-mano-javāntardhāna-parakāya-praveśa-dūra-grahaṇādīni yadṛcchayopagatāni nāñjasā nṛpa hṛdayenābhyanandat.

Sinônimos

iti — assim; nānā — várias; yoga — de yoga místico; caryā — execuções; ācaraṇaḥ — praticando; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; kaivalya-patiḥ — o mestre de kaivalya, unidade, ou o outorgador de sāyujya-mukti; ṛṣabhaḥ — Senhor Ṛṣabha; avirata — incessantemente; parama — supremo; mahā — grande; ānanda-anubhavaḥ — sentindo bem-aventurança transcendental; ātmani — na Alma Suprema; sarveṣām — de todas; bhūtānām — entidades vivas; ātma-bhūte — situado no coração; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus; vāsudeve — Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva; ātmanaḥ — dEle próprio; avyavadhāna — pela igualdade de constituição; ananta — ilimitado; rodara — como choro, sorriso e tremores; bhāvena — pelos sintomas de amor; siddha — completamente perfeito; samasta — todas; artha — de opulências desejáveis; paripūrṇaḥ — pleno; yoga-aiśvaryāṇi — os poderes místicos; vaihāyasa — voar no céu; manaḥ-java — viajar à velocidade da mente; antardhāna — a habilidade de desaparecer; parakāya-praveśa — a habilidade de entrar no corpo de outrem; dūra-grahaṇa — a habilidade de perceber coisas a muita distância; ādīni — e outros; yadṛcchayā — sem dificuldade, naturalmente; upagatāni — alcançou; na — não; añjasā — diretamente; nṛpa — ó rei Parīkṣit; hṛdayena — dentro do coração; abhyanandat — aceitou.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, com o simples propósito de mostrar a todos os yogīs o processo místico, o Senhor Ṛṣabhadeva, a expansão parcial do Senhor Kṛṣṇa, executou atividades maravilhosas. Na verdade, Ele era o mestre da liberação e estava plenamente absorto em bem-aventurança transcendental, a qual aumentava milhares de vezes. O Senhor Kṛṣṇa, Vāsudeva, o filho de Vasudeva, é a fonte original do Senhor Ṛṣabhadeva. Não há diferença alguma na constituição dEles, e, desse modo, o Senhor Ṛṣabhadeva manifestou os sintomas amorosos de choro, riso e tremor. Ele estava sempre absorto em amor transcendental. Devido a isso, todos os poderes místicos automaticamente foram ao Seu encontro, tais como a habilidade de viajar pelo espaço sideral à velocidade da mente, de aparecer e desaparecer, de entrar nos corpos alheios e de ver as coisas a uma longa distância. Embora pudesse fazer tudo isso, Ele não Se valia desses poderes.

Comentário

SIGNIFICADO—No Caitanya-caritāmṛta (Madhya 19.149), declara-se:

kṛṣṇa-bhakta — niṣkāma, ataeva ‘śānta’
bhukti-mukti-siddhi-kāmī — sakali ‘aśānta’

A palavra śānta significa “inteiramente pacífico”. Quem não satisfaz todos os seus desejos não pode ser pacífico. Todos tentam satisfazer suas aspirações e desejos, sejam eles materiais, sejam espirituais. Aqueles que estão no mundo material são aśānta (sem paz) porque têm muitos desejos a satisfazer. No entanto, o devoto puro não tem desejos. Anyābhilāṣitā-śūnya: o devoto puro está completamente livre de toda espécie de desejos materiais. Os karmīs, por outro lado, simplesmente estão cheios de desejos, pois tentam desfrutar dos sentidos. Eles não são pacíficos nesta vida nem na próxima, nem no passado, presente ou futuro. Do mesmo modo, os jñānīs estão sempre aspirando à liberação e buscando tornar-se unos com o Supremo. Os yogīs anseiam por muitos siddhis (poderes) – aṇimā, laghimā, prāpti etc. Contudo, o devoto não está nem um pouco interessado nessas coisas, pois ele depende por completo da misericórdia de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é yogeśvara, o dono de todos os poderes místicos (siddhis), e Ele é ātmārāma, plenamente satisfeito. Neste verso, descrevem-se os yoga-siddhis. Aquele que possui yoga-siddhis pode voar sem o auxílio de veículos, viajar pelo espaço sideral, e também pode se locomover à velocidade da mente. Isso significa que, tão logo deseja ir a algum local dentro deste universo, ou mesmo além deste universo, o yogī pode fazê-lo de imediato. Ninguém pode calcular a velocidade da mente, pois, dentro de um segundo, a mente pode percorrer muitos milhões de quilômetros. Às vezes, quando seus corpos não estão funcionando adequadamente, os yogīs entram nos corpos de outras pessoas e agem a seu bel-prazer. Quando o corpo torna-se velho, o yogī perfeito pode encontrar um corpo jovem e saudável. Abandonando seu corpo velho, o yogī pode entrar num corpo jovem e agir como quiser. Sendo uma expansão plenária do Senhor Vāsudeva, o Senhor Ṛṣabhadeva possuía todos esses poderes do yoga místico, mas Ele estava satisfeito com Seu amor devocional por Kṛṣṇa, o que ficou evidente através de Seus sintomas extáticos, tais como choro, riso e tremor.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quinto canto, quinto capítulo do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Os Ensinamentos do Senhor Ṛṣabhadeva aos Seus Filhos”.