Skip to main content

CAPÍTULO SEIS

As Atividades do Senhor Ṛṣabhadeva

Este capítulo conta como o Senhor Ṛṣabhadeva deixou Seu corpo. Ele não estava apegado a Seu corpo mesmo quando este estava sendo queimado em um incêndio na floresta. Quando a semente das atividades fruitivas é queimada pelo fogo do conhecimento, o caráter espiritual e os poderes místicos manifestam-se automaticamente, mas esses poderes místicos não afetam o bhakti-yoga. Porque o yogī comum se deixa cativar pelos poderes místicos, ele não progride; portanto, o yogī perfeito não os vê com bons olhos. Por ser inquieta e insegura, a mente deve permanecer sempre sob controle. Mesmo a mente do avançado yogī Saubhari criou tanta perturbação que perdeu seus poderes ióguicos místicos. Devido à mente inquieta, mesmo um yogī avançadíssimo pode cair. A mente é tão inquieta que induz até mesmo um yogī perfeito a ser controlado pelos sentidos. Portanto, o Senhor Ṛṣabhadeva, com o propósito de instruir todos os yogīs, mostrou como devemos abandonar o corpo. Enquanto viajava pelo sul da Índia, pelas províncias de Karṇāṭa, Koṅka, Veṅka e Kuṭaka, o Senhor Ṛṣabhadeva chegou aos entornos de Kuṭakācala. Subitamente, houve um incêndio florestal que incinerou a floresta e o corpo do Senhor Ṛṣabhadeva. O rei de Koṅka, Veṅka e Kuṭaka conhecia os passatempos em que o Senhor Ṛṣabhadeva agia como uma alma liberada. O nome desse rei era Arhat. Mais tarde, ele se deixou cativar pela energia ilusória, e foi nessa condição que ele estabeleceu os princípios básicos do jainismo. O Senhor Ṛṣabhadeva expôs os princípios religiosos que podem libertar-nos do cativeiro material, e exterminou toda espécie de atividades ateístas. Neste planeta Terra, a região conhecida como Bhārata-varṣa era muito piedosa, pois foi onde o Senhor Supremo apareceu sempre que desejou encarnar.

O Senhor Ṛṣabhadeva não deu qualquer importância aos poderes místicos pelos quais os yogīs comuns anseiam. Devido à beleza do serviço devocional, os devotos não têm qualquer interesse no dito poder místico. O mestre de todo poder ióguico, o Senhor Kṛṣṇa, pode, em benefício de Seu devoto, manifestar todos os poderes. O serviço devocional é mais valioso do que os poderes do yoga místico. Devotos que são às vezes desencaminhados aspiram à liberação e aos poderes místicos. O Senhor Supremo confere a esses devotos tudo o que desejam, mas eles não podem alcançar a meta mais importante: o serviço devocional. O serviço devocional ao Senhor é garantido àqueles que não desejam a liberação nem o poder místico.

Texto

rājovāca
na nūnaṁ bhagava ātmārāmāṇāṁ yoga-samīrita-jñānāvabharjita-karma-bījānām aiśvaryāṇi punaḥ kleśadāni bhavitum arhanti yadṛc-chayopagatāni.

Sinônimos

rājā uvāca — o rei Parīkṣit perguntou; na — não; nūnam — na verdade; bhagavaḥ — ó poderosíssimo Śukadeva Gosvāmī; ātmārāmāṇām — dos devotos puros simplesmente ocupados em serviço devocional; yogasamīrita – alcançado pela prática de yoga; jñāna — pelo conhecimento; avabharjita — queimadas; karma-bījānām — daqueles cujas sementes de atividades fruitivas; aiśvaryāṇi — os poderes místicos; punaḥ — de novo; kleśadāni — fontes de aflição; bhavitum — de tornar-se; arhanti — são capazes; yadṛcchayā — automaticamente; upagatāni — alcançados.

Tradução

O rei Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Meu querido senhor, para aqueles que são completamente puros de coração, o conhecimento é obtido através da prática de bhakti-yoga, e o apego às atividades fruitivas é completamente reduzido a cinzas. Para essas pessoas, os poderes do yoga místico surgem automaticamente e não lhes causam aflição. Por que, então, o Senhor Ṛṣabhadeva os negligenciou?

Comentário

SIGNIFICADO—O devoto puro está sempre servindo à Suprema Personalidade de Deus. Tudo o que for necessário para o desempenho do serviço devocional é automaticamente alcançado, embora possa parecer que o poder do yoga místico favoreça isso. Às vezes, um yogī exibe um pouco de poder ióguico produzindo ouro. Uma pequena quantidade de ouro cativa os tolos, em decorrência do que o yogī obtém muitos seguidores, que concordam em aceitar uma pessoa tão reles como se ela fosse a Suprema Personalidade de Deus. Semelhante yogī também pode querer passar por Bhagavān. No entanto, o devoto não precisa exibir tais encantos mágicos. Mesmo sem praticar o processo de yoga místico, ele alcança a maior opulência deste mundo. Em vista disso, o Senhor Ṛṣabhadeva recusava-Se a manifestar as perfeições do yoga místico, e Mahārāja Parīkṣit perguntou por que Ele não as aceitava, uma vez que, para o devoto, elas não são perturbadoras de modo algum. O devoto nunca se deixa afligir por opulências materiais, tampouco se dá por satisfeito com elas. Seu único interesse está em contentar a Suprema Personalidade de Deus. Se, pela graça do Senhor Supremo, o devoto obtém uma opulência extraordinária, ele utiliza a oportunidade para servir ao Senhor. Ele não se deixa perturbar pela opulência.

Texto

ṛṣir uvāca
satyam uktaṁ kintv iha vā eke na manaso ’ddhā viśrambham anavasthānasya śaṭha-kirāta iva saṅgacchante.

Sinônimos

ṛṣiḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; satyam — a coisa correta; uktam — disseste; kintu — porém; iha — neste mundo material; — ou; eke — alguns; na — não; manasaḥ — da mente; addhā — de maneira direta; viśrambhām — fiéis; anavasthānasya — sendo instável; śaṭha — muito astuto; kirātaḥ — um caçador; iva — como; saṅgacchante — tornam-se.

Tradução

Śrīla Śukadeva Gosvāmī respondeu: Meu querido rei, falaste as palavras corretas. Contudo, após capturar um animal, o caçador astuto não confia nele, pois ele pode escapar. Assim também, aqueles que são avançados na vida espiritual não confiam na mente. Na verdade, eles sempre permanecem vigilantes e observam as atividades mentais.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (18.5), o Senhor Kṛṣṇa diz:

yajña-dāna-tapaḥ-karma
na tyājyaṁ kāryam eva tat
yajño dānaṁ tapaś caiva
pāvanāni manīṣiṇām

“Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser abandonados, mas sim executados. Na verdade, sacrifício, caridade e penitência purificam até as grandes almas.”

Mesmo a pessoa que renunciou ao mundo e aceitou sannyāsa não deve deixar de cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Renúncia não significa que devemos renunciar ao saṅkīrtana-yajña. Do mesmo modo, não devemos renunciar a caridade ou o tapasya. Devemos seguir à risca o sistema de yoga para o controle da mente e dos sentidos. O Senhor Ṛṣabhadeva mostrou como podiam-se realizar severas espécies de tapasya, e Ele deu o exemplo para todos os demais.

Texto

tathā coktam —
na kuryāt karhicit sakhyaṁ
manasi hy anavasthite
yad-viśrambhāc cirāc cīrṇaṁ
caskanda tapa aiśvaram

Sinônimos

tathā — então; ca — e; uktam — se diz; na — nunca; kuryāt — deve fazer; karhicit — em tempo algum ou com qualquer pessoa; sakhyam — amizade; manasi — na mente; hi — com certeza; anavasthite — que é muito inquieta; yat — na qual; viśrambhāt — de depositar muita fé; cirāt — por um longo tempo; cirṇam — praticou; caskanda — ficou perturbada; tapaḥ — a austeridade; aiśvaram — de grandes personalidades, tais como o senhor Śiva e o grande sábio Saubhari.

Tradução

Todos os estudiosos eruditos deram sua opinião. A mente é por natureza muito inquieta, e não devemos fazer amizade com ela. Se depositarmos plena confiança na mente, ela poderá enganar-nos a qualquer momento. Mesmo o senhor Śiva ficou agitado ao ver a forma Mohinī do Senhor Kṛṣṇa, e Saubhari Muni também caiu da fase madura de perfeição ióguica.

Comentário

SIGNIFICADO—Quem está tentando avançar na vida espiritual tem como primeira obrigação controlar a mente e os sentidos. Como Śrī Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (15.7):

mamaivāṁśo jīva-loke
jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ
manaḥ ṣaṣṭhānīndriyāṇi
prakṛti-sthāni karṣati

Embora sejam partes integrantes do Senhor Supremo e estejam, portanto, situadas em uma posição transcendental, mesmo assim, as entidades vivas continuam sofrendo neste mundo material e lutando pela sobrevivência, tudo isso lhes sendo imposto pela mente e pelos sentidos. Para escapar dessa falsa luta pela sobrevivência e tornar-se feliz no mundo material, a pessoa deve controlar a mente e os sentidos e desapegar-se das condições materiais. Ela nunca deve negligenciar as austeridades e penitências; ela deve sempre executá-las. O Senhor Ṛṣabhadeva mostrou-nos pessoalmente como fazer isso. O Śrīmad-Bhāgavatam (9.19.17) afirma especificamente:

mātrā svasrā duhitrā vā
nāviviktāsano bhavet
balavān indriya-grāmo
vidvāṁsam api karṣati

O gṛhastha, o vānaprastha, o sannyāsī e o brahmacārī devem ter muito cuidado no que se refere a associarem-se com mulheres. Ninguém tem permissão para se sentar em um lugar solitário mesmo com sua mãe, irmã ou filha. Em nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa, é muito difícil nos mantermos apartados das mulheres em  nossa sociedade, em especial nos países ocidentais. Por causa disso, somos criticados algumas vezes, mas estamos tentando dar a todos a oportunidade de cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa e, desse modo, fazer avanço espiritual. Se nos aferrarmos ao princípio de cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa sem cometermos ofensas, então, pela graça de Śrīla Haridāsa Ṭhākura, poderemos evitar o encanto feminino. Entretanto, se não formos muito estritos em cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, poderemos ser vitimados por mulheres a qualquer momento.

Texto

nityaṁ dadāti kāmasya
cchidraṁ tam anu ye ’rayaḥ
yoginaḥ kṛta-maitrasya
patyur jāyeva puṁścalī

Sinônimos

nityam — sempre; dadāti — proporciona; kāmasya — da luxúria; chidram — facilidade; tam — esta (luxúria); anu — seguindo; ye — aqueles; arayaḥ — inimigos; yoginaḥ — dos yogīs ou pessoas que tentam avançar na vida espiritual; kṛta-maitrasya — tendo depositado confiança na mente; patyuḥ — do esposo; jāyā iva — igual à esposa; puṁścalī — que é incasta ou facilmente seduzida por outros homens.

Tradução

Uma mulher incasta é muito facilmente levada por amantes, e, algumas vezes, ocorre que seu esposo é violentamente morto pelos seus amantes. Se o yogī concede uma oportunidade à sua mente e não a restringe, sua mente atrairá os inimigos, tais como a luxúria, a ira e a cobiça, os quais, sem dúvida alguma, matarão o yogī.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra puṁścalī refere-se à mulher que se deixa facilmente seduzir pelos homens. Jamais se deve confiar em semelhante mulher. Infelizmente, nesta era, as mulheres nunca são controladas. De acordo com as normas dos śāstras, nunca se deve dar liberdade às mulheres. Enquanto criança, a mulher deve ser controlada estritamente por seu pai, Quando é jovem, deve ficar sob o rigoroso controle de seu esposo, e, na maturidade, deve ser controlada pelos filhos mais velhos. Caso receba independência, permitindo-lhe irrestrita associação com homens, ela se corromperá. Uma mulher devassa, sendo manipulada pelos amantes, pode até mesmo matar seu esposo. Aqui se apresenta esse exemplo porque o yogī que deseja livrar-se das condições materiais deve sempre manter sua mente sob controle. Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura costumava dizer que, de manhã, nosso primeiro afazer deve ser dar cem sapatadas na mente e, antes de ir dormir, bater cem vezes na mente com um cabo de vassoura. Dessa maneira, a mente pode ser mantida sob controle. Mente descontrolada e esposa incasta são a mesma coisa. A esposa incasta pode matar seu esposo a qualquer momento, e a mente descontrolada, acompanhada de luxúria, ira, cobiça, loucura, inveja e ilusão, na certa pode matar o yogī. Quando o yogī deixa-se controlar pela mente, ele se degrada às condições materiais. Todos devem tomar muito cuidado com a mente, assim como o esposo deve tomar muito cuidado com uma esposa incasta.

Texto

kāmo manyur mado lobhaḥ
śoka-moha-bhayādayaḥ
karma-bandhaś ca yan-mūlaḥ
svīkuryāt ko nu tad budhaḥ

Sinônimos

kāmaḥ — luxúria; manyuḥ — ira; madaḥ — orgulho; lobhaḥ — cobiça; śoka — lamentação; moha — ilusão; bhaya — medo; ādayaḥ — todos estes juntos; karma-bandhaḥ — cativeiro das atividades fruitivas; ca — e; yat-mūlaḥ — a origem dos quais; svīkuryāt — aceitaria; kaḥ — quem; nu — na verdade; tat — essa mente; budhaḥ — se a pessoa é erudita.

Tradução

A mente é a causa fundamental da luxúria, ira, orgulho, cobiça, lamentação, ilusão e medo, os quais, combinados, constituem o cativeiro às atividades fruitivas. Que homem erudito depositaria fé na mente?

Comentário

SIGNIFICADO—A mente é a causa de onde se origina o cativeiro material. Ela está acompanhada de muitos inimigos, tais como a ira, o orgulho, a cobiça, a lamentação, a ilusão e o medo. A melhor maneira de controlar a mente é ocupá-la sempre em consciência de Kṛṣṇa (sa vai manaḥ kṛṣṇa padāravindayoḥ). Como os companheiros da mente provocam o cativeiro material, devemos ter o grande cuidado de não confiar na mente.

Texto

athaivam akhila-loka-pāla-lalāmo ’pi vilakṣaṇair jaḍavad avadhūta-veṣa-bhāṣā-caritair avilakṣita-bhagavat-prabhāvo yogināṁ sāmparāya-vidhim anuśikṣayan sva-kalevaraṁ jihāsur ātmany ātmānam asaṁvyavahitam anarthāntara-bhāvenānvīkṣamāṇa uparatānuvṛttir upararāma.

Sinônimos

atha — depois disso; evam — dessa maneira; akhila-loka-pāla-lalāmaḥ — o líder de todos os reis e monarcas do universo; api — embora; vilakṣaṇaiḥ — versátil; jaḍa-vat — como se fosse estúpido; avadhūta-veṣa-bhāṣā-caritaiḥ — pela veste, linguagem e características de um avadhūta; avilakṣita-bhagavat-prabhāvaḥ — ocultando a opulência da Suprema Personalidade de Deus (mantendo-Se como um ser humano comum); yoginām — dos yogīs; sāmparāya-vidhim — o método de abandonar este corpo material; anuśikṣayan — ensinando; sva-kalevaram — Seu próprio corpo, que não é de modo algum material; jihāsuḥ — desejando abandonar como um ser humano comum; ātmani — a Vāsudeva, a pessoa original; ātmānam — Ele próprio, o Senhor Ṛṣabhadeva, sendo um āveśa-avatāra do Senhor Viṣṇu; asaṁvyavahitam — sem intervenção da energia ilusória; anartha-antara-bhāvena — Ele próprio, estando no status de Viṣṇu; anvīkṣamāṇaḥ — sempre vendo; uparata-anuvṛttiḥ — que estava agindo como se estivesse abandonando Seu corpo material; upararāma — cessou Seus passatempos como rei deste planeta.

Tradução

O Senhor Ṛṣabhadeva era o líder de todos os reis e imperadores deste universo, mas, assumindo a vestimenta e linguagem de um avadhūta, Ele agia como se fosse um tolo enredado materialmente. Por conseguinte, ninguém podia observar Sua opulência divina. Ele adotou esse comportamento apenas para ensinar aos yogīs como abandonar o corpo. Todavia, Ele mantinha Sua posição original como uma expansão plenária do Senhor Vāsudeva, Kṛṣṇa. Mantendo sempre essa atitude, Ele abandonou Seus passatempos em que, dentro do mundo material, agia como o Senhor Ṛṣabhadeva. Quem, seguindo os passos do Senhor Ṛṣabhadeva, consegue abandonar seu corpo sutil, elimina por completo a possibilidade de aceitar novamente um corpo material.

Comentário

SIGNIFICADO—Como o Senhor Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (4.9):

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.”

Para que isso seja possível, basta que ele se mantenha como servo eterno do Senhor Supremo. Devemos entender nossa posição constitucional e também a posição constitucional do Senhor Supremo. Tanto o Senhor quanto a entidade viva têm a mesma identidade espiritual. Quem se estabelece como servo do Senhor Supremo deve evitar renascimentos neste mundo material. Quem se mantém espiritualmente qualificado e julga-se servo eterno do Senhor Supremo será exitoso no momento em que tiver de abandonar o corpo material.

Texto

tasya ha vā evaṁ mukta-liṅgasya bhagavata ṛṣabhasya yoga-māyā-vāsanayā deha imāṁ jagatīm abhimānābhāsena saṅkramamāṇaḥ koṅka-veṅka-kuṭakān dakṣiṇa-karṇāṭakān deśān yadṛcchayopagataḥ kuṭakācalopavana āsya kṛtāśma-kavala unmāda iva mukta-mūrdhajo ’saṁvīta eva vicacāra.

Sinônimos

tasya — dEle (Senhor Ṛṣabhadeva); ha — como se fosse; evam — assim; mukta-liṅgasya — que não tinha identificação com o corpo grosseiro e sutil; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; ṛṣabhasya — do Senhor Ṛṣabhadeva; yoga-māyā-vāsanayā — pelo desempenho de yoga-māyā visando aos passatempos do Senhor; dehaḥ — corpo; imām — esta; jagatīm — Terra; abhimāna-ābhāsena — com a aparente concepção de ter um corpo de elementos materiais; saṅkramamāṇaḥ — viajando; koṅka-veṅka-kuṭakān — Koṅka, Veṅka e Kuṭaka; dakṣiṇa — no sul da Índia; karṇāṭakān — na província de Karṇāṭa; deśān — todas as regiões; yadṛcchayā — por Sua própria conta; upagataḥ — alcançou; kuṭakācala-upavane — uma floresta perto de Kuṭakācala; āsya — dentro da boca; kṛta-aśma-kavalaḥ — tendo colocado um punhado de pedras; unmādaḥ iva — tal qual um louco; mukta-mūrdhajaḥ — tendo o cabelo desgrenhado; asaṁvītaḥ — nu; eva — simplesmente; vicacāra — viajava.

Tradução

Na verdade, o Senhor Ṛṣabhadeva não tinha um corpo material, mas, devido a yoga-māyā, Ele considerava Seu corpo como sendo material e, portanto, porque agia como um ser humano comum, Ele abandonou a mentalidade de identificar-Se com o corpo. Seguindo esse princípio, Ele começou a vagar pelo mundo inteiro. Enquanto viajava, Ele chegou à província de Karṇāṭa, no sul da Índia, e passou por Koṅka, Veṅka e Kuṭaka. Ele não planejava essas viagens, mas chegou perto de Kuṭakācala, onde adentrou uma floresta. Colocando pedras dentro de Sua boca, Ele, desnudo e com Seu cabelo desgrenhado, o que O fazia parecer um louco, colocou-Se a caminhar pela floresta.

Texto

atha samīra-vega-vidhūta-veṇu-vikarṣaṇa-jātogra-dāvānalas tad vanam ālelihānaḥ saha tena dadāha.

Sinônimos

atha — depois disso; samīra-vega — pela força do vento; vidhūta — agitados; veṇu — de bambus; vikarṣaṇa — pela fricção; jāta — produzido; ugra — devastador; dāva-analaḥ — um incêndio na floresta; tat — aquela; vanam — floresta perto de Kuṭakācala; ālelihānaḥ — devorando tudo em volta; saha — com; tena — aquele corpo; dadāha — reduzido a cinzas.

Tradução

Enquanto Ele estava vagando de uma região a outra, irrompeu um grande incêndio florestal, causado pela fricção de bambus, que estavam sendo agitados pelo vento. Nesse incêndio, toda a floresta localizada perto de Kuṭakācala e o corpo do Senhor Ṛṣabhadeva foram reduzidos a cinzas.

Comentário

SIGNIFICADO—Semelhante incêndio florestal pode queimar os corpos externos dos animais, mas não atingiu o Senhor Ṛṣabhadeva, embora parecesse que Ele foi queimado. O Senhor Ṛṣabhadeva é a Superalma de todas as entidades vivas que residem na floresta, e o fogo jamais Lhe queimaria a alma. Como afirma a Bhagavad-gītā, adāhyo ’yam: a alma nunca é queimada pelo fogo. Devido à presença do Senhor Ṛṣabhadeva, todos os animais da floresta também se viram libertos do aprisionamento material.

Texto

yasya kilānucaritam upākarṇya koṅka-veṅka-kuṭakānāṁ rājārhan-nāmopaśikṣya kalāv adharma utkṛṣyamāṇe bhavitavyena vimohitaḥ sva-dharma-patham akuto-bhayam apahāya kupatha-pākhaṇḍam asamañjasaṁ nija-manīṣayā mandaḥ sampravartayiṣyate.

Sinônimos

yasya — de quem (Senhor Ṛṣabhadeva); kila anucaritam — passatempos como paramahaṁsa, alguém situado acima de todos os princípios que regulam o varṇāśrama; upākarṇya — ouvindo; koṅka-veṅka-kuṭakānām — de Koṅka, Veṅka e Kuṭaka; rājā — o rei; arhat-nāma — cujo nome era Arhat (agora conhecido como o jainista); upaśikṣya — imitando as atividades do Senhor Ṛṣabhadeva sob Seu aspecto paramahaṁsa; kalau — nesta era de Kali; adharme utkṛṣyamāṇe — devido ao aumento da vida irreligiosa; bhavitavyena — com aquilo que estava prestes a ocorrer; vimohitaḥ — perplexo; sva-dharma-patham — o caminho da religião; akutaḥ-bhayam — que está livre de toda espécie de perigos ameaçadores; apahāya — abandonando (tais práticas como limpeza, veracidade, controle dos sentidos e da mente, simplicidade, princípios religiosos e aplicação prática do conhecimento); ku-patha-pākhaṇḍam — o caminho errado do ateísmo; asamañjasam — impróprio ou que vai de encontro à literatura védica; nija-manīṣayā — por intermédio de seu próprio cérebro fértil; mandaḥ — muito tolo; sampravartayiṣyate — introduzirá.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou a falar a Mahārāja Parīkṣit: Meu querido rei, o rei de Koṅka, Veṅka e Kuṭaka, chamado Arhat, tomou conhecimento das atividades de Ṛṣabhadeva e, imitando os princípios de Ṛṣabhadeva, introduziu um novo sistema de religião. Aproveitando-se de Kali-yuga, a era das atividades pecaminosas, o rei Arhat, estando confuso, abandonou os princípios védicos, que são livres de qualquer perigo, e inventou um novo sistema de religião que conflita com os Vedas. Esse foi o início do dharma jainista. Muitas outras ditas religiões apareceram com base nesse sistema ateísta.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando o Senhor Kṛṣṇa esteve presente neste planeta, uma pessoa chamada Pauṇḍraka imitou o Nārāyaṇa de quatro braços e declarou ser a Suprema Personalidade de Deus. Ele desejava competir com Kṛṣṇa. Do mesmo modo, durante a época do Senhor Ṛṣabhadeva, o rei de Koṅka e Veṅka agia como um paramahaṁsa e imitava o Senhor Ṛṣabhadeva. Ele introduziu um sistema de religião e aproveitou-se da condição caída em que se encontra a população desta era de Kali. Os textos védicos afirmam que as pessoas desta era se sentirão mais inclinadas a aceitar qualquer pessoa como o Senhor Supremo e a aceitar qualquer sistema religioso que se oponha aos princípios védicos. Descrevem-se as pessoas desta era como mandāḥ sumanda-matayaḥ. De um modo geral, elas não têm cultura espiritual, em virtude do que são muito caídas. Como consequência disso, aceitarão qualquer sistema religioso. Devido a seu infortúnio, elas se esquecem dos princípios védicos. Seguindo os princípios não-védicos nesta era, elas se julgam o Senhor Supremo e, dessa maneira, espalham pelo mundo inteiro o culto do ateísmo.

Texto

yena ha vāva kalau manujāpasadā deva-māyā-mohitāḥ sva-vidhi-niyoga-śauca-cāritra-vihīnā deva-helanāny apavratāni nija-nijecchayā gṛhṇānā asnānānācamanāśauca-keśolluñcanādīni kalinādharma-bahulenopahata-dhiyo brahma-brāhmaṇa-yajña-puruṣa-loka-vidūṣakāḥ prāyeṇa bhaviṣyanti.

Sinônimos

yena — por cujo sistema de falsa religião; ha vāva — decerto; kalau — nesta era de Kali; manuja-apasadāḥ — os homens mais condenados; deva-māyā-mohitāḥ — confundidos pela energia externa, ou energia ilusória, da Suprema Personalidade de Deus; sva-vidhi-niyoga-śauca-cāritra-vihīnāḥ — sem caráter, sem limpeza e sem as regras e regulações dadas de acordo com os próprios deveres na vida; deva-helanāni — negligentes com a Suprema Personalidade de Deus; apavratāni — votos impiedosos; nija-nija-icchayā — pelos seus próprios desejos; gṛhṇānāḥ — aceitando; asnāna-anācamana-aśauca-keśa-ulluñcana-ādīni — princípios religiosos inventados, tais como não se banhar, não lavar a boca, ser sujo e arrancar o cabelo; kalinā — durante a era de Kali; adharma-bahulena — com abundância de irreligião; upahata-dhiyaḥ — cuja consciência pura é destruída; brahma-brāhmaṇa-yajña-puruṣa-loka-vidūṣakāḥ — blasfemadores contra os Vedas, os brāhmaṇas estritos, as cerimônias ritualísticas, tais como os sacrifícios, e a Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos; prāyeṇa — quase inteiramente; bhaviṣyanti — eles se tornarão.

Tradução

Os mais baixos da humanidade e que se deixam confundir pela energia ilusória do Senhor Supremo abandonarão o varṇāśrama-dharma original e suas regras e regulações. Eles deixarão de tomar os três banhos diários e de adorar o Senhor. Rejeitando a limpeza e negligenciando o Senhor Supremo, eles aceitarão princípios disparatados. Não se banhando ou lavando a boca regularmente, eles permanecerão sempre sujos e arrancarão seus cabelos. Seguindo uma religião inventada, eles florescerão. Durante esta era de Kali, as pessoas são mais propensas aos sistemas irreligiosos. Em consequência disso, essas pessoas naturalmente ridicularizarão a autoridade védica, os seguidores da autoridade védica, os brāhmaṇas, a Suprema Personalidade de Deus e os devotos.

Comentário

SIGNIFICADO—Atualmente, os hippies nos países ocidentais ajustam-se perfeitamente a esta descrição. São irresponsáveis e desregulados. Não se banham e zombam do verdadeiro conhecimento védico. Eles inventam novos estilos de vida e religiões. No presente momento, existem muitos grupos de hippies, mas todos eles se originaram do rei Arhat. Esse rei imitava as atividades do Senhor Ṛṣabhadeva, que estava na fase de paramahaṁsa. O rei Arhat não estava atento ao fato de que, embora o Senhor Ṛṣabhadeva agisse como um louco, todavia, Sua urina e Suas fezes eram aromáticas, tanto é que deixavam a planície perfumada a um grande raio de quilômetros. Os seguidores do rei Arhat eram chamados de jainistas, e mais tarde foram seguidos por muitos outros, particularmente pelos hippies, que não passam de ramificações da filosofia māyāvāda, pois acham que são a Suprema Personalidade de Deus. Semelhantes pessoas não respeitam os verdadeiros seguidores dos princípios védicos, a saber, os brāhmaṇas perfeitos. Tampouco têm respeito pela Suprema Personalidade de Deus, o Brahman Supremo. Devido à influência da era de Kali, elas são capazes de inventar sistemas religiosos falsos.

Texto

te ca hy arvāktanayā nija-loka-yātrayāndha-paramparayāśvastās tamasy andhe svayam eva prapatiṣyanti.

Sinônimos

te — aquelas pessoas que não seguem os princípios védicos; ca — e; hi — decerto; arvāktanayā — desviando-se dos princípios eternos da religião védica; nija-loka-yātrayā — através de uma prática a que chegam por intermédio de sua própria invenção mental; andha-paramparayā — mediante uma sucessão discipular formada de pessoas cegas e ignorantes; āśvastāḥ — sendo estimuladas; tamasi — na escuridão da ignorância; andhe — cegueira; svayam eva — elas próprias; prapatiṣyanti — cairão.

Tradução

Devido à sua imensa ignorância, pessoas de classe inferior introduzem sistemas de religião que se desviam dos princípios védicos. Seguindo suas próprias invenções mentais, elas automaticamente caem nas mais tenebrosas regiões da existência.

Comentário

SIGNIFICADO—Em relação a isso, pode-se consultar a Bhagavad-gītā, capítulo dezesseis, onde se descreve a queda dos asuras (16.16 e 16.23).

Texto

ayam avatāro rajasopapluta-kaivalyopaśikṣaṇārthaḥ.

Sinônimos

ayam avatāraḥ — esta encarnação (Senhor Ṛṣabhadeva); rajasā — pelo modo da paixão; upapluta — dominadas; kaivalyaupaśikṣaṇa-arthaḥ – para ensinar às pessoas o caminho da liberação.

Tradução

Nesta era de Kali, as pessoas estão dominadas pelos modos da paixão e da ignorância. O Senhor Ṛṣabhadeva encarnou para libertá-las das garras de māyā.

Comentário

SIGNIFICADO—Os sintomas de Kali-yuga estão preditos no décimo segundo canto, terceiro capítulo do Śrīmad-Bhāgavatam. Lāvaṇyaṁ keśa-dhāraṇam. Existe a predição de como as almas caídas se comportarão. Elas usarão cabelos longos e se considerarão muito belas, ou, como fazem os jainistas, arrancarão seus cabelos. Elas andarão sujas e não lavarão suas bocas. Os jainistas referem-se ao Senhor Ṛṣabhadeva como seu preceptor original. Se essas pessoas são seguidoras sérias de Ṛṣabhadeva, elas também devem aceitar Suas instruções. No quinto capítulo deste canto, Ṛṣabhadeva confere a Seus cem filhos instruções que poderiam libertá-los das garras de māyā. O seguidor autêntico de Ṛṣabhadeva com certeza se libertará das garras de māyā e voltará ao lar, voltará ao Supremo. Quem segue à risca as instruções que Ṛṣabhadeva deu no quinto capítulo, decerto será liberado. O Senhor Ṛṣabhadeva encarnou com o propósito específico de libertar essas almas caídas.

Texto

tasyānuguṇān ślokān gāyanti —
aho bhuvaḥ sapta-samudravatyā
dvīpeṣu varṣeṣv adhipuṇyam etat
gāyanti yatratya-janā murāreḥ
karmāṇi bhadrāṇy avatāravanti

Sinônimos

tasya — dEle (Senhor Ṛṣabhadeva); anuguṇān — harmonizando com as instruções para a liberação; ślokān — versos; gāyanti — cantam; aho — oh!; bhuvaḥ — deste planeta terrestre; sapta-samudra-vatyāḥ — que possui sete mares; dvīpeṣu — dentre as ilhas; varṣeṣu — dentre os territórios; adhipuṇyam — mais piedosa do que qualquer outra ilha; etat — esta (Bhārata-varṣa); gāyanti — cantam sobre; yatratya janāḥ — as pessoas desta extensão de terra; murāreḥ — de Murāri, a Suprema Personalidade de Deus; karmāṇi — as atividades; bhadrāṇi — completamente auspiciosas; avatāravanti — em  muitas encarnações, tais como o Senhor Ṛṣabhadeva.

Tradução

Com as seguintes palavras, os sábios eruditos cantam as qualidades transcendentais do Senhor Ṛṣabhadeva: “Oh! Este planeta terrestre contém sete mares e muitas ilhas e territórios, dentre os quais Bhārata-varṣa é considerada a região mais piedosa! Os residentes de Bhārata-varṣa estão habituados a glorificar as atividades da Suprema Personalidade de Deus em Suas encarnações como o Senhor Ṛṣabhadeva e outros. Todas essas atividades são muito auspiciosas para o bem-estar da humanidade.”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu disse:

bhārata-bhūmite haila manuṣya-janma yāra
janma sārthaka kari’ kara para-upakāra

Como afirma este verso, Bhārata-varṣa é a terra mais piedosa. Os seguidores da literatura védica entendem a Suprema Personalidade de Deus em Suas diferentes encarnações e, seguindo as orientações dessa mesma literatura, têm o privilégio de glorificar o Senhor. Após compreenderem as glórias da vida humana, semelhantes indivíduos devem aceitar a missão de divulgar no mundo inteiro a importância da vida humana. Essa é a missão de Śrī Caitanya Mahāprabhu. A palavra adhipuṇyam indica que certamente existem muitos outros homens piedosos em todo o mundo, mas a população de Bhārata-varṣa é ainda mais piedosa. Por isso, visando ao benefício de toda a sociedade humana, ela se habilita a espalhar no mundo inteiro a consciência de Kṛṣṇa. Śrīla Madhvācārya também confere importância especial à terra de Bhārata-varṣa: viśeṣād bhārate puṇyam. Pelo mundo inteiro, a bhagavad-bhakti, ou serviço devocional, está fora de cogitação, mas a população de Bhārata-varṣa pode facilmente entender o serviço devocional ao Senhor. Assim, todo habitante de Bhārata-varṣa pode aperfeiçoar sua vida ao realizar bhagavad-bhakti e, em seguida, para o benefício de todos, pregar este culto pelo mundo todo.

Texto

aho nu vaṁśo yaśasāvadātaḥ
praiyavrato yatra pumān purāṇaḥ
kṛtāvatāraḥ puruṣaḥ sa ādyaś
cacāra dharmaṁ yad akarma-hetum

Sinônimos

aho — oh!; nu — na verdade; vaṁśaḥ — a dinastia; yaśasā — com fama amplamente espalhada; avadātaḥ — inteiramente pura; praiyavrataḥ — relacionada com o rei Priyavrata; yatra — onde; pumān — a Pessoa Suprema; purāṇaḥ — a original; kṛta-avatāraḥ — desceu como uma encarnação; puruṣaḥ — a Suprema Personalidade de Deus; saḥ — Ele; ādyaḥ — a pessoa original; cacāra — praticou; dharmam — princípios religiosos; yat — dos quais; akarma-hetum — a causa do fim das atividades fruitivas.

Tradução

“Oh! O que direi da dinastia de Priyavrata, que é pura e muitíssimo célebre? Nessa dinastia, a Pessoa Suprema, a original Personalidade de Deus, desceu como uma encarnação e praticou princípios religiosos que podiam libertar o mundo inteiro dos resultados das atividades fruitivas.”

Comentário

SIGNIFICADO—Existem na sociedade humana muitas dinastias onde o Senhor Supremo desce como uma encarnação. O Senhor Kṛṣṇa apareceu na dinastia Yadu, e o Senhor Rāmacandra apareceu na dinastia de Ikṣvāku, ou Raghu. De modo semelhante, o Senhor Ṛṣabhadeva apareceu na dinastia do rei Priyavrata. Todas essas dinastias são muito famosas, e, dentre elas, a dinastia de Priyavrata é a mais famosa.

Texto

ko nv asya kāṣṭhām aparo ’nugacchen
mano-rathenāpy abhavasya yogī
yo yoga-māyāḥ spṛhayaty udastā
hy asattayā yena kṛta-prayatnāḥ

Sinônimos

kaḥ — quem; nu — na verdade; asya — do Senhor Ṛṣabhadeva; kāṣṭhām — o exemplo; aparaḥ — mais; anugacchet — pode seguir; manaḥ-rathena — por intermédio da mente; api — mesmo; abhavasya — do não-nascido; yogī — o místico; yaḥ — quem; yoga-māyāḥ — as perfeições místicas do yoga; spṛhayati — deseja; udastāḥ — rejeitadas por Ṛṣabhadeva; hi — decerto; asattayā — pela qualidade de ser inconsistente; yena — por quem, Ṛṣabhadeva; kṛta-prayatnāḥ — embora ansioso por servir.

Tradução

“Quem é o yogī místico que, mesmo com sua mente, pode seguir os exemplos do Senhor Ṛṣabhadeva? O Senhor Ṛṣabhadeva rejeitou toda espécie de perfeições ióguicas, as quais outros yogīs anseiam por alcançar. Quem é o yogī que pode se comparar ao Senhor Ṛṣabhadeva?”

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, os yogīs desejam as perfeições ióguicas de aṇimā, laghimā, mahimā, prākāmya, prāpti, īśitva, vaśitva e kāmāvasāyitā. O Senhor Ṛṣabhadeva, entretanto, nunca aspirou a nenhuma dessas coisas materiais. Esses siddhis (perfeições) são presenteados pela energia ilusória do Senhor. O verdadeiro propósito do sistema de yoga consiste em a pessoa alcançar o privilégio e o refúgio dos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, mas esse propósito é coberto pela energia ilusória de yoga-māyā. Os ditos yogīs, portanto, deixam-se encantar pelas perfeições materiais superficiais de aṇimā, laghimā, prāpti e assim por diante. Em consequência disso, os yogīs comuns não podem se comparar ao Senhor Ṛṣabhadeva, a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

iti ha sma sakala-veda-loka-deva-brāhmaṇa-gavāṁ parama-guror bhagavata ṛṣabhākhyasya viśuddhācaritam īritaṁ puṁsāṁ samasta-duścaritābhiharaṇaṁ parama-mahā-maṅgalāyanam idam anuśraddhayopacitayānuśṛṇoty āśrāvayati vāvahito bhagavati tasmin vāsudeva ekāntato bhaktir anayor api samanuvartate.

Sinônimos

iti — assim; ha sma — na verdade; sakala — todo o; veda — de conhecimento; loka — das pessoas em geral; deva — dos semideuses; brāhmaṇa — dos brāhmaṇas; gavām — das vacas; parama — o supremo; guroḥ — mestre; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; ṛṣabha-ākhyasya — cujo nome era Senhor Ṛṣabhadeva; viśuddha — puras; ācaritam — atividades; īritam — agora explicadas; puṁsām — de toda entidade viva; samasta — todas; duścarita — atividades pecaminosas; abhiharaṇam — destruindo; parama — principal; mahā — grande; maṅgala — da fortuna; ayanam — o refúgio; idam — isso; anuśraddhayā — com fé; upacitayā — progressiva; anuśṛṇoti — ouve da autoridade; āśrāvayati — fala aos outros; — ou; avahitaḥ — estando atentos; bhagavati — a Suprema Personalidade de Deus; tasmin — a Ele; vāsudeve — ao Senhor Vāsudeva, Senhor Kṛṣṇa; eka-antataḥ — desviável; bhaktiḥ — devoção; anayoḥ — em ambos os grupos, os ouvintes e os oradores; api — decerto; samanuvartate — começa de verdade.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: O Senhor Ṛṣabhadeva é o mestre de todo o conhecimento védico, dos seres humanos, dos semideuses, das vacas e dos brāhmaṇas. Já expliquei Suas atividades puras e transcendentais, que aniquilarão as atividades pecaminosas de todas as entidades vivas. Esta narração dos passatempos do Senhor Ṛṣabhadeva é o reservatório de tudo o que é auspicioso. Qualquer pessoa que, seguindo os passos dos ācāryas, ouça-os ou comente-os com atenção, certamente alcançará imaculado serviço devocional aos pés de lótus do Senhor Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Os ensinamentos do Senhor Ṛṣabhadeva destinam-se às pessoas de todos os yugas – Satya-yuga, Tretā-yuga, Dvāpara-yuga e especialmente Kali-yuga. Essas instruções são tão poderosas que, mesmo nesta era de Kali, podemos alcançar a perfeição simplesmente explicando as instruções, seguindo os passos dos ācāryas ou ouvindo as instruções com muita atenção. Quem age dessa maneira, pode alcançar a plataforma de serviço devocional puro ao Senhor Vāsudeva. Os passatempos da Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos estão registrados no Śrīmad-Bhāgavatam para que aqueles que recitem esses passatempos e os ouçam se purifiquem. Nityaṁ bhāgavata-sevayā. Por uma questão de princípios, os devotos devem persistir em ler, comentar e ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam, vinte e quatro horas por dia se possível. Essa é a recomendação de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Kīrtanīyaḥ sadā hariḥ. Devemos ou cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa ou ler o Śrīmad-Bhāgavatam e, por conseguinte, tentar entender as características e as instruções do Senhor Supremo, que apareceu como o Senhor Ṛṣabhadeva, o Senhor Kapila e o Senhor Kṛṣṇa. Dessa maneira, podemos obter pleno conhecimento quanto à natureza transcendental da Suprema Personalidade de Deus. Como afirma a Bhagavad-gītā, a pessoa que conhece a natureza transcendental do nascimento e das atividades do Senhor consegue libertar-se do cativeiro material e retorna ao Supremo.

Texto

yasyām eva kavaya ātmānam avirataṁ vividha-vṛjina-saṁsāra-paritāpopatapyamānam anusavanaṁ snāpayantas tayaiva parayā nirvṛtyā hy apavargam ātyantikaṁ parama-puruṣārtham api svayam āsāditaṁ no evādriyante bhagavadīyatvenaiva parisamāpta-sarvārthāḥ.

Sinônimos

yasyām eva — na qual (a consciência de Kṛṣṇa ou o néctar do serviço devocional); kavayaḥ — o avanço espiritual dos estudiosos eruditos ou dos filósofos; ātmānam — o eu; aviratam — constantemente; vividha — vários; vṛjina — cheio de pecados; saṁsāra — na existência material; paritāpa — condições deploráveis; upatapyamānam — sofrendo; anusavanam — sem cessar; snāpayantaḥ — banhando-se; tayā — com isso; eva — decerto; parayā — grande; nirvṛtyā — com felicidade; hi — com certeza; apavargam — liberação; ātyantikam — ininterrupta; paramapuruṣa-artham – a melhor de todas as conquistas humanas; api — embora; svayam — isso mesmo; āsāditam — obtido; no — não; eva — decerto; ādriyante — esforço para alcançar; bhagavadīyatvena eva — devido à relação com a Suprema Personalidade de Deus; parisamāpta-sarva-arthāḥ — aqueles que encerraram toda espécie de desejos materiais.

Tradução

A fim de aliviar-se das várias tribulações da existência material, os devotos sempre se banham no serviço devocional. Fazendo isso, eles desfrutam da bem-aventurança suprema, e a liberação personificada vem servi-los. Todavia, eles não aceitam o serviço dela, mesmo que seja oferecido pela Suprema Personalidade de Deus em pessoa. Para os devotos, a liberação [mukti] não tem muita importância porque, tendo obtido o transcendental serviço amoroso ao Senhor, conseguiram tudo o que é desejável e transcenderam todos os desejos materiais.

Comentário

SIGNIFICADO—O serviço devocional ao Senhor é a conquista máxima para todos aqueles que desejam libertar-se das tribulações da existência material. Como afirma a Bhagavad-gītā (6.22), yaṁ labdhvā cāparaṁ lābhaṁ manyate nādhikaṁ tataḥ: “Obtendo isso, a pessoa vê que não há ganho maior.” Quando obtém o serviço ao Senhor, o qual não é diferente dEle, o indivíduo não deseja nada material. Mukti significa alívio da existência material. Bilvamaṅgala Ṭhākura diz que muktiḥ mukulitāñjaliḥ sevate ’smān. Para o devoto, mukti não é uma conquista muito grande. Mukti significa situar-se na posição constitucional. Em sua posição constitucional, todo ser vivo é servo do Senhor; portanto, quando a entidade viva está ocupada em prestar serviço amoroso ao Senhor, ela já alcançou mukti. Em consequência disso, o devoto não deseja mukti, mesmo que lhe seja oferecida pelo próprio Senhor Supremo.

Texto

rājan patir gurur alaṁ bhavatāṁ yadūnāṁ
daivaṁ priyaḥ kula-patiḥ kva ca kiṅkaro vaḥ
astv evam aṅga bhagavān bhajatāṁ mukundo
muktiṁ dadāti karhicit sma na bhakti-yogam

Sinônimos

rājan — ó meu querido rei; patiḥ — mantenedor; guruḥ — mestre espiritual; alam — decerto; bhavatām — tua; yadūnām — a dinastia Yadu; daivam — a Deidade adorável; priyaḥ — amigo muito querido; kula-patiḥ — o senhor da dinastia; kva ca — mesmo às vezes; kiṅkaraḥ — servo; vaḥ — vosso (os Pāṇḍavas); astu — fica sabendo; evam — assim; aṅga — ó rei; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; bhajatām — daqueles devotos ocupados em serviço; mukundaḥ — o Senhor, a Suprema Personalidade de Deus; muktim — liberação; dadāti — concede; karhicit — a qualquer instante; sma — na verdade; na — não; bhakti-yogam — serviço devocional amoroso.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Meu querido rei, a Pessoa Suprema, Mukunda, é realmente o mantenedor de todos os membros das dinastias Pāṇḍava e Yadu. Ele é teu mestre espiritual, Deidade adorável, amigo e dirigente de tuas atividades. Como se isso não bastasse, Ele às vezes serve à tua família como um mensageiro ou servo. Isso significa que Ele agiu do mesmíssimo modo que os servos comuns. Aqueles que estão ocupados em obter o favor do Senhor têm muita facilidade para receber dEle a liberação, mas Ele não concede muito facilmente a oportunidade de se prestar serviço direto a Ele.

Comentário

SIGNIFICADO—Enquanto instruía Mahārāja Parīkṣit, Śukadeva Gosvāmī julgou prudente animar o rei, pois esse poderia estar pensando na posição gloriosa de várias dinastias reais. Especialmente gloriosa é a dinastia de Priyavrata, na qual o Senhor Ṛṣabhadeva encarnou. Assim também, a família de Uttānapāda Mahārāja, o pai de Mahārāja Dhruva, é gloriosa devido ao fato de o rei Pṛthu ter nascido nela. A dinastia de Mahārāja Raghu recebe glórias porque o Senhor Rāmacandra apareceu nessa família. Quanto às dinastias Yadu e Kuru, elas existiram simultaneamente, mas, das duas, a dinastia Yadu foi a mais gloriosa, devido ao aparecimento do Senhor Kṛṣṇa. Mahārāja Parīkṣit poderia estar pensando que, não tendo o Senhor Supremo aparecido na dinastia Kuru, nem como Kṛṣṇa, Senhor Rāmacandra, Senhor Ṛṣabhadeva ou Mahārāja Pṛthu, essa família não era tão afortunada quanto as outras. Portanto, neste verso específico, Mahārāja Parīkṣit foi encorajado por Śukadeva Gosvāmī.

A dinastia Kuru pode ser considerada mais gloriosa devido à presença de devotos como os cinco Pāṇḍavas, que prestaram serviço devocional imaculado. Embora não tivesse aparecido na dinastia Kuru, o Senhor Kṛṣṇa sentia-Se tão agradecido ao serviço devocional executado pelos Pāṇḍavas que agia como mantenedor da família e mestre espiritual dos Pāṇḍavas. Embora tivesse nascido na dinastia Yadu, o Senhor Kṛṣṇa dedicava mais afeição aos Pāṇḍavas. Através de Suas ações, o Senhor Kṛṣṇa provou que tinha mais inclinação pela dinastia Kuru do que pela dinastia Yadu. Na verdade, o Senhor Kṛṣṇa, endividado com o serviço devocional dos Pāṇḍavas, às vezes agia como mensageiro deles, e os guiou em muitas situações perigosas. Portanto, Mahārāja Parīkṣit não deveria ficar melancólico pelo motivo de que o Senhor Kṛṣṇa não apareceu em sua família. A Suprema Personalidade de Deus sempre favorece os Seus devotos puros, e, através de Sua ação, torna-se evidente que a liberação não é muito importante para os devotos. O Senhor Kṛṣṇa facilmente concede a liberação, mas Ele não dá tão facilmente o privilégio de a pessoa tornar-se um devoto. Muktiṁ dadāti karhicit sma na bhakti-yogam. Direta ou indiretamente, está comprovado que bhakti-yoga é a base da relação suprema com o Senhor Supremo. Trata-se de algo muito superior à liberação. O devoto puro do Senhor alcança mukti sem nenhum esforço.

Texto

nityānubhūta-nija-lābha-nivṛtta-tṛṣṇaḥ
śreyasy atad-racanayā cira-supta-buddheḥ
lokasya yaḥ karuṇayābhayam ātma-lokam
ākhyān namo bhagavate ṛṣabhāya tasmai

Sinônimos

nitya-anubhūta — devido a ser sempre consciente de Sua verdadeira identidade; nija-lābha-nivṛtta-tṛṣṇaḥ — que era completo em Si mesmo e não tinha nenhum outro desejo a satisfazer; śreyasi — na genuína riqueza da vida; a-tat-racanayā — expandindo atividades no campo material, confundindo o corpo com o eu; cira — por um longo tempo; supta — dormindo; buddheḥ — cuja inteligência; lokasya — dos homens; yaḥ — quem (Senhor Ṛṣabhadeva); karuṇayā — por Sua misericórdia imotivada; abhayam — destemor; ātma-lokam — a verdadeira identidade do eu; ākhyāt — instruiu; namaḥ — respeitosas reverências; bhagavate — à Suprema Personalidade de Deus; ṛṣabhāya — ao Senhor Ṛṣabhadeva; tasmai — a Ele.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Ṛṣabhadeva, conhecia na íntegra Sua verdadeira identidade; portanto, Ele era autossuficiente e não desejava gozo externo. Como era completo em Si mesmo, Ele não sentia nenhuma necessidade de sucesso. Aqueles que se ocupam inutilmente em conceitos corpóreos e criam uma atmosfera de materialismo sempre ignoram seu verdadeiro interesse pessoal. Por Sua misericórdia imotivada, o Senhor Ṛṣabhadeva ensinou a verdadeira identidade do eu e a meta da vida. Portanto, oferecemos nossas respeitosas reverências ao Senhor, que apareceu como o Senhor Ṛṣabhadeva.

Comentário

SIGNIFICADO—Este é o resumo deste capítulo, no qual se descrevem as atividades do Senhor Ṛṣabhadeva. Sendo a própria Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Ṛṣabhadeva é completo em Si mesmo. Nós, entidades vivas, como partes integrantes do Senhor Supremo, devemos seguir as instruções do Senhor Ṛṣabhadeva para nos tornarmos autossuficientes. Não devemos, devido à concepção corpórea, criar imposições desnecessárias. A pessoa autorrealizada, como está situada em sua posição espiritual original, sente bastante satisfação. Como se confirma na Bhagavad-gītā (18.54), brahma-bhūtaḥ prasannātmā na śocati na kāṅkṣati. É essa a meta de todas as entidades vivas. Muito embora alguém possa estar situado dentro deste mundo material, ele, pelo simples fato de seguir as instruções do Senhor como estabelecidas na Bhagavad-gītā ou no Śrīmad-Bhāgavatam, pode satisfazer-se plenamente e livrar-se da ansiedade e da lamentação. A satisfação obtida através da autorrealização se chama svarūpānanda. A alma condicionada, dormindo eternamente na escuridão, não sabe qual é seu interesse pessoal. Tudo o que ela faz é tentar ser feliz mediante ajustes materiais, mas isso é impossível. Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam diz que na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum: devido à ignorância grosseira, a alma condicionada desconhece que seu interesse verdadeiro é refugiar-se aos pés de lótus do Senhor Viṣṇu. Tentar tornar-se feliz corrigindo a atmosfera material é uma tarefa inútil. Na verdade, é impossível. Através de Seu comportamento pessoal e de Suas instruções, o Senhor Ṛṣabhadeva iluminou a alma condicionada e lhe mostrou como se tornar autossuficiente em sua identidade espiritual.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quinto canto, sexto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “As Atividades do Senhor Ṛṣabhadeva”.