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Capítulo Trinta e Dois

Emaranhamento em Atividades Fruitivas

Texto

kapila uvāca
atha yo gṛha-medhīyān
dharmān evāvasan gṛhe
kāmam arthaṁ ca dharmān svān
dogdhi bhūyaḥ piparti tān

Sinônimos

kapilaḥ uvāca — o Senhor Kapila disse; atha — agora; yaḥ — a pessoa que; gṛha-medhīyān — dos chefes de família; dharmān — deveres; eva — certamente; āvasan — vivendo; gṛhe — em casa; kāmam — gozo dos sentidos; artham — desenvolvimento econômico; ca — e; dharmān — rituais religiosos; svān — seus; dogdhi — desfruta; bhūyaḥ — repetidamente; piparti — executa; tān — a eles.

Tradução

A Personalidade de Deus disse: A pessoa que vive no centro da vida familiar obtém benefícios materiais executando rituais religiosos e, deste modo, satisfaz seus desejos de desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos. Ela age repetidamente dessa mesma maneira.

Comentário

Há duas classes de chefes de família. Um se chama gṛhamedhī, e o outro, gṛhastha. O objetivo do gṛhamedhī é o gozo dos sentidos, e o objetivo do gṛhastha é a autorrealização. Aqui o Senhor está falando sobre o gṛhamedhī, ou seja, a pessoa que quer permanecer neste mundo material. Sua atividade consiste em usufruir de benefícios materiais, executando rituais religiosos com vistas ao desenvolvimento econômico e, deste modo, satisfazer finalmente seus sentidos. Ele não quer mais nada. Uma pessoa desse tipo trabalha arduamente por toda a sua vida para tornar-se muito rica e comer e beber com qualidade. Dando alguma caridade como atividade piedosa, ele poderá alcançar uma atmosfera planetária superior em planetas celestiais em sua próxima vida, mas ele não quer suspender a repetição de nascimentos e mortes e acabar com os concomitantes fatores de sofrimento da existência material. Uma pessoa assim se chama gṛhamedhī.

O gṛhastha é a pessoa que vive com a família, esposa, filhos e parentes, porém não tem apego por eles. Ele prefere viver como chefe de família a ser mendicante ou sannyāsī, mas seu objetivo principal é alcançar a autorrealização, ou seja, chegar ao padrão de consciência de Kṛṣṇa. Aqui, entretanto, o Senhor Kapiladeva está falando sobre os gṛhamedhīs, que fazem da próspera vida materialista sua meta, a qual eles alcançam mediante cerimônias sacrificatórias, caridades e boas ações. Eles galgam boas posições, e, como sabem que estão consumindo seu capital de boas atividades, eles repetidamente executam atividades de gozo dos sentidos. Prahlāda Mahārāja diz, punaḥ punaś carvita-carvaṇānām: eles preferem mastigar aquilo que já foi mastigado. Repetidamente experimentam as dores materiais, mesmo que sejam ricos e prósperos, mas não querem abandonar esse tipo de vida.

Texto

sa cāpi bhagavad-dharmāt
kāma-mūḍhaḥ parāṅ-mukhaḥ
yajate kratubhir devān
pitṝṁś ca śraddhayānvitaḥ

Sinônimos

saḥ — ele; ca api — além disso; bhagavat-dharmāt — do serviço devocional; kāma-mūḍhaḥ — enlouquecido pela luxúria; parāk-mukhaḥ — tendo o rosto escondido; yajate — adora; kratubhiḥ — com cerimônias sacrificatórias; devān — os semideuses; pitṝn — os antepassados; ca — e; śraddhayā — com fé; anvitaḥ — dotado.

Tradução

Pessoas assim são sempre desprovidas de serviço devocional por serem demasiadamente apegadas ao gozo dos sentidos, e por isso, embora executem várias espécies de sacrifícios e façam grandes votos para satisfazer os semideuses e os antepassados, não estão interessadas em consciência de Kṛṣṇa, serviço devocional.

Comentário

Na Bhagavad-gītā (7.20), afirma-se que pessoas que adoram os semideuses perderam sua inteligência: kāmais tais tair hṛta jñānāḥ. Elas se sentem muito atraídas pelo gozo dos sentidos e, devido a isso, adoram os semideuses. Naturalmente, as escrituras védicas recomendam que, se alguém quiser dinheiro, saúde ou educação, deverá adorar diversos semideuses. Um materialista possui múltiplas necessidades, em razão do que há múltiplos semideuses para satisfazer seus sentidos. Os gṛhamedhīs, que querem continuar um próspero modo de vida materialista, geralmente adoram os semideuses ou os antepassados, oferecendo-lhes piṇḍa, oblações respeitosas. Pessoas assim são desprovidas de consciência de Kṛṣṇa e não estão interessadas em serviço devocional ao Senhor. Essa espécie de homem supostamente piedoso e religioso é resultado do impersonalismo. Os impersonalistas afirmam que a Suprema Verdade Absoluta não tem forma e que podemos imaginar qualquer forma que desejemos para nosso benefício e adorá-la dessa maneira. Portanto, os gṛhamedhīs, ou homens materialistas, dizem que a adoração a qualquer forma de semideus é igual à adoração ao Senhor Supremo. Especialmente entre os hindus, aqueles que são comedores de carne preferem adorar a deusa Kālī porque se prescreve que se pode sacrificar uma cabra diante dessa deusa. Eles sustentam que, quer adoremos a deusa Kālī, ou a Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu, ou qualquer semideus, nosso destino será o mesmo. Isso é patifaria de primeira classe, e essas pessoas se desencaminham. Porém, elas preferem essa filosofia. A Bhagavad-gītā não aceita semelhante patifaria, e se afirma claramente que esses métodos se destinam a pessoas que perderam sua inteligência. O mesmo julgamento se confirma aqui, com o uso da palavra kāma-mūḍha, significando alguém que perdeu sua razão ou está enlouquecido pela luxúria da atração pelo gozo dos sentidos. Os kāma-mūḍhas são desprovidos de consciência de Kṛṣṇa e serviço devocional e enlouquecem devido ao forte desejo de gozo dos sentidos. Os adoradores dos semideuses são condenados tanto na Bhagavad-gītā quanto no Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

tac-chraddhayākrānta-matiḥ
pitṛ-deva-vrataḥ pumān
gatvā cāndramasaṁ lokaṁ
soma-pāḥ punar eṣyati

Sinônimos

tat — aos semideuses e aos antepassados; śraddhayā — com reverência; ākrānta — dominada; matiḥ — sua mente; pitṛ — aos antepassados; deva — aos semideuses; vrataḥ — seu voto; pumān — a pessoa; gatvā — tendo ido; cāndramasam — à Lua; lokam — planeta; soma-pāḥ — bebendo o suco soma; punaḥ — novamente; eṣyati — retornarão.

Tradução

Esses materialistas, atraídos pelo gozo dos sentidos e devotados aos antepassados e aos semideuses, poderão elevar-se à Lua, onde beberão um extrato da planta soma. Eles novamente retornam a este planeta.

Comentário

A Lua é considerada um dos planetas do reino celestial. É possível se promover a esse planeta executando diferentes sacrifícios recomendados na literatura védica, tais como atividades piedosas ao adorar os semideuses e os antepassados com austeridades e votos. Mas não se pode permanecer lá por muito tempo. Afirma-se que a vida na Lua dura dez mil anos, segundo o cálculo dos semideuses. O tempo dos semideuses é calculado de tal maneira que um dia (doze horas) equivale a seis meses neste planeta. Não é possível alcançar a Lua com algum veículo material, como o esputinique, mas as pessoas que se sentirem atraídas pelo gozo material poderão ir à Lua mediante atividades piedosas. Apesar da promoção à Lua, no entanto, tem-se de voltar a esta Terra novamente quando se acabam os méritos dos trabalhos executados como sacrifício. Confirma-se isso também na Bhagavad-gītā (9.21): te taṁ bhuktvā svarga-lokaṁ viśālaṁ kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti.

Texto

yadā cāhīndra-śayyāyāṁ
śete ’nantāsano hariḥ
tadā lokā layaṁ yānti
ta ete gṛha-medhinām

Sinônimos

yadā — quando; ca — e; ahi-indra — do rei das serpentes; śayyāyām — na cama; śete — deita-Se; ananta-āsanaḥ — aquele cujo assento é Ananta Śeṣa; hariḥ — Senhor Hari; tadā — então; lokāḥ — os planetas; layam — à dissolução; yānti — vão; te ete — aqueles mesmos; gṛha-medhinām — dos chefes de família materialistas.

Tradução

Todos os planetas dos materialistas, incluindo todos os planetas celestiais, tais como a Lua, são aniquilados quando a Suprema Personalidade de Deus, Hari, vai para Sua cama de serpentes, conhecida como Ananta Śeṣa.

Comentário

As pessoas materialmente apegadas anseiam muito por sua promoção a planetas celestiais, tais como a Lua. Há muitos planetas celestiais aos quais elas aspiram simplesmente para conseguir cada vez mais felicidade material, obtendo uma longa duração de vida e a parafernália para gozo dos sentidos. Porém, as pessoas apegadas não sabem que, mesmo que alguém vá ao planeta mais elevado, Brahmaloka, a destruição também existe ali. Na Bhagavad-gītā, o Senhor diz que alguém pode ir inclusive a Brahmaloka, mas, mesmo assim, encontrará as dores de nascimento, morte, doença e velhice. Somente indo para a morada do Senhor, o Vaikuṇṭhaloka, é que não se nasce mais neste mundo material. Os gṛhamedhīs, ou materialistas, no entanto, não gostam de se utilizar dessa vantagem. Eles preferem transmigrar perpetuamente de um corpo a outro, ou de um planeta a outro. Eles não querem a vida eterna e bem-aventurada de conhecimento no reino de Deus.

Há duas classes de dissoluções. Uma dissolução acontece no fim da vida de Brahmā. Nesse momento, todos os sistemas planetários, incluindo os sistemas celestiais, são dissolvidos na água e entram no corpo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu, que está deitado no Oceano Garbhodaka no leito de serpentes, chamado Śeṣa. Na outra dissolução, que ocorre no fim do dia de Brahmā, todos os sistemas planetários inferiores são destruídos. Quando o senhor Brahmā se levanta após sua noite, esses sistemas planetários inferiores são recriados. A afirmação da Bhagavad-gītā de que pessoas que adoram os semideuses perdem sua inteligência é confirmada neste verso. Essas pessoas menos inteligentes não sabem que, mesmo que sejam promovidas aos planetas celestiais, elas mesmas, os semideuses e todos os seus planetas serão aniquilados no momento da dissolução. Elas não têm informação de que se pode obter uma vida eterna e bem-aventurada.

Texto

ye sva-dharmān na duhyanti
dhīrāḥ kāmārtha-hetave
niḥsaṅgā nyasta-karmāṇaḥ
praśāntāḥ śuddha-cetasaḥ

Sinônimos

ye — aqueles que; sva-dharmān — seus próprios deveres ocupacionais; na — não; duhyanti — tiram proveito de; dhīrāḥ — inteligentes; kāma — gozo dos sentidos; artha — desenvolvimento econômico; hetave — em nome de; niḥsaṅgāḥ — livres do apego material; nyasta — abandonadas; karmāṇaḥ — atividades fruitivas; praśāntāḥ — satisfeitos; śuddha-cetasaḥ — de consciência purificada.

Tradução

Aqueles que são inteligentes e purificaram sua consciência vivem plenamente satisfeitos em consciência de Kṛṣṇa. Livres dos modos da natureza material, eles não agem visando ao gozo dos sentidos; ao contrário, visto que estão situados em seus próprios deveres ocupacionais, agem como esperado.

Comentário

O exemplo de primeira classe desse tipo de homem é Arjuna. Arjuna era kṣatriya, e seu dever ocupacional era lutar. Geralmente, os reis lutam para expandir seus reinos, que governam visando ao gozo dos sentidos. Contudo, no que diz respeito a Arjuna, ele se recusou a lutar para o gozo de seus próprios sentidos. Ele disse que, mesmo que pudesse obter um reino lutando contra seus parentes, ele não queria lutar contra eles. Porém, ao receber a ordem de Kṛṣṇa e se convencer diante dos ensinamentos da Bhagavad-gītā de que era seu dever satisfazer Kṛṣṇa, então ele lutou. Deste modo, ele lutou, não visando ao gozo de seus sentidos, mas visando à satisfação da Suprema Personalidade de Deus.

Pessoas que trabalham em seus deveres prescritos, não em troca de gozo dos sentidos, mas para o prazer do Senhor Supremo, chamam-se niḥsaṅga, livres da influência dos modos da natureza material. Nyasta-karmāṇaḥ quer dizer que os resultados de suas atividades são oferecidos à Suprema Personalidade de Deus. Pessoas assim parecem estar agindo na plataforma de seus respectivos deveres, mas essas atividades não são executadas em troca de gozo pessoal dos sentidos; pelo contrário, são executadas para a Pessoa Suprema. Tais devotos se chamam praśāntāḥ, que significa “plenamente satisfeitos”. Śuddha-cetasaḥ quer dizer conscientes de Kṛṣṇa – eles purificaram sua consciência. Com consciência impura, julgamo-nos o Senhor do universo, porém, com consciência pura, julgamo-nos servos eternos da Suprema Personalidade de Deus. Na verdade, situando-nos nesta posição de serviço eterno ao Senhor Supremo e trabalhando para Ele por toda a eternidade, ficamos plenamente satisfeitos. Enquanto trabalharmos visando ao gozo pessoal dos sentidos, estaremos sempre cheios de ansiedade. É essa a diferença entre consciência comum e consciência de Kṛṣṇa.

Texto

nivṛtti-dharma-niratā
nirmamā nirahaṅkṛtāḥ
sva-dharmāptena sattvena
pariśuddhena cetasā

Sinônimos

nivṛtti-dharma — em atividades religiosas visando ao desapego; niratāḥ — constantemente ocupada; nirmamāḥ — sem sentido de propriedade; nirahaṅkṛtāḥ — sem falso egoísmo; sva-dharma — através de seus próprios deveres ocupacionais; āptena — executados; sattvena — pela bondade; pariśuddhena — plenamente purificada; cetasā — com a consciência.

Tradução

Executando seus deveres ocupacionais, agindo com desapego e sem sentido de propriedade ou falso egoísmo, a pessoa se situa em sua posição constitucional, à força da plena purificação de sua consciência, e, por assim executar seus deveres ditos materiais, ela poderá entrar facilmente no reino de Deus.

Comentário

Aqui a expressão nivṛtti-dharma-niratāḥ significa “dedicando-se constantemente a executar atividades religiosas visando ao desapego”. Existem duas espécies de práticas religiosas. Uma se chama pravṛtti-dharma, que se refere às atividades religiosas executadas pelos gṛhamedhīs em troca de elevação a planetas superiores ou em troca de prosperidade econômica, cuja meta final é o gozo dos sentidos. Todos nós que viemos a este mundo material temos o sentimento de assenhoreamento. Isso se chama pravṛtti. Contudo, a categoria oposta de prática religiosa, chamada nivṛtti, consiste em agir para a Suprema Personalidade de Deus. Ocupada em serviço devocional em consciência de Kṛṣṇa, a pessoa não reivindica direito de propriedade sobre nada, tampouco está situada no falso egoísmo de julgar-se Deus ou o senhor. Ela sempre se julga serva. Esse é o processo de purificação da consciência. Somente com consciência pura é que se pode entrar no reino de Deus. As pessoas materialistas, quando em condição elevada, podem entrar em qualquer um dos planetas dentro deste mundo material, mas todas estão sujeitas à dissolução, repetidamente.

Texto

sūrya-dvāreṇa te yānti
puruṣaṁ viśvato-mukham
parāvareśaṁ prakṛtim
asyotpatty-anta-bhāvanam

Sinônimos

sūrya-dvāreṇa — através do caminho da iluminação; te — elas; yānti — aproximam-se; puruṣam — a Personalidade de Deus; viśvataḥ-mukham — cujo rosto está voltado para toda parte; para-avara-īśam — proprietária dos mundos material e espiritual; prakṛtim — a causa material; asya — do mundo; utpatti — da manifestação; anta — da dissolução; bhāvanam — a causa.

Tradução

Através do caminho da iluminação, tais pessoas liberadas se aproximam da completa Personalidade de Deus, que é proprietária dos mundos material e espiritual e é a causa suprema de sua manifestação e dissolução.

Comentário

A expressão sūrya- dvāreṇa significa “pelo caminho iluminado”, ou através do planeta Sol. O caminho iluminado é o serviço devocional. Aconselha-se nos Vedas que não andemos na escuridão, mas que andemos à luz do planeta Sol. Aqui também se recomenda que, atravessando o caminho iluminado, podemos livrar-nos da contaminação dos modos materiais da natureza; através desse caminho, poderemos entrar no reino onde reside a Personalidade de Deus inteiramente perfeita. As palavras puruṣaṁ viśvato-mukham querem dizer a Suprema Personalidade de Deus, que é todo-perfeita. Todas as entidades vivas além da Suprema Personalidade de Deus são muito pequenas, mesmo que pareçam grandes de acordo com nosso cálculo. Todos são infinitesimais, motivo pelo qual, nos Vedas, o Senhor Supremo é chamado de o supremo eterno entre todos os eternos. Ele é proprietário dos mundos material e espiritual e a causa suprema da manifestação. A natureza material não passa de mero ingrediente, pois, na verdade, a manifestação é provocada pela energia dEle. A energia material também é Sua energia; assim como a combinação de pai e mãe é a causa do parto, da mesma forma, a combinação da energia material com o olhar da Suprema Personalidade de Deus é a causa da manifestação do mundo material. A causa eficiente, portanto, não é a matéria, mas sim o próprio Senhor.

Texto

dvi-parārdhāvasāne yaḥ
pralayo brahmaṇas tu te
tāvad adhyāsate lokaṁ
parasya para-cintakāḥ

Sinônimos

dvi-parārdha — dois parārdhas; avasāne — ao fim de; yaḥ — a qual; pralayaḥ — morte; brahmaṇaḥ — do senhor Brahmā; tu — de fato; te — eles; tāvat — até que; adhyāsate — residem; lokam — no planeta; parasya — do Supremo; para-cintakāḥ — pensando na Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Os adoradores da expansão Hiraṇyagarbha da Personalidade de Deus permanecem dentro deste mundo material até o fim de dois parārdhas, quando o senhor Brahmā também morre.

Comentário

Uma dissolução acontece no fim do dia de Brahmā, e a outra, no fim da vida de Brahmā. Brahmā morre ao final de dois parārdhas, momento no qual todo o universo material é dissolvido. Pessoas que adoram o Hiraṇyagarbha, a expansão plenária da Suprema Personalidade de Deus Garbhodakaśāyī Viṣṇu, não se aproximam diretamente da Suprema Personalidade de Deus em Vaikuṇṭha. Elas permanecem dentro deste universo em Satyaloka ou outros planetas superiores até o final da vida de Brahmā. Então, com Brahmā, elas se elevam ao reino espiritual.

As palavras parasya para-cintakāḥ querem dizer “sempre pensando na Suprema Personalidade de Deus”, ou estando sempre consciente de Kṛṣṇa. Quando falamos de Kṛṣṇa, referimo-nos à categoria completa de viṣṇu-tattva. Kṛṣṇa inclui as três encarnações puruṣa, a saber, Mahā-Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣirodakaśāyī Viṣṇu, bem como todas as encarnações juntas. Confirma-se isso na Brahma-saṁhitā. Rāmādi-mūrtiṣu kalā-niyamena tiṣṭhan: o Senhor Kṛṣṇa está perpetuamente situado com Suas muitas expansões, tais como Rāma, Nṛsiṁha, Vāmana, Madhusūdana, Viṣṇu e Nārāyaṇa. Ele existe com todas as Suas porções plenárias e porções de Suas porções plenárias, e cada uma delas é igual à Suprema Personalidade de Deus. As palavras parasya para-cintakāḥ referem-se àqueles que são plenamente conscientes de Kṛṣṇa. Tais pessoas entram diretamente no reino de Deus, os planetas Vaikuṇṭha, ou, se são adoradores da porção plenária Garbhodakaśāyī Viṣṇu, permanecem dentro deste universo até sua dissolução e, depois disso, entram ali.

Texto

kṣmāmbho-’nalānila-viyan-mana-indriyārtha-
bhūtādibhiḥ parivṛtaṁ pratisañjihīrṣuḥ
avyākṛtaṁ viśati yarhi guṇa-trayātmā
kālaṁ parākhyam anubhūya paraḥ svayambhūḥ

Sinônimos

kṣmā — terra; ambhaḥ — água; anala — fogo; anila — ar; viyat — éter; manaḥ — mente; indriya — os sentidos; artha — os objetos dos sentidos; bhūta — ego; ādibhiḥ — e assim por diante; parivṛtam — coberto por; pratisañjihīrṣuḥ — desejando dissolver; avyākṛtam — o imutável céu espiritual; viśati — ele entra; yarhi — momento em que; guṇa-traya-ātmā — consistindo nos três modos; kālam — o tempo; para-ākhyam — dois parārdhas; anubhūya — após experimentar; paraḥ — o principal; svayambhūḥ — senhor Brahmā.

Tradução

Após experimentar o tempo habitável dos três modos da natureza material, conhecido como os dois parārdhas, o senhor Brahmā encerra o universo material, que é coberto por camadas de terra, água, ar, fogo, éter, mente, ego, etc., e volta ao Supremo.

Comentário

A palavra avyākṛtam é muito significativa neste verso. O mesmo é estabelecido na Bhagavad-gītā, na palavra sanātana. Este mundo material é vyākṛta, sujeito a mudanças, e, ao final, ele se dissolve. Porém, após a dissolução deste mundo material, permanece a manifestação do mundo espiritual, o sanātana-dhāma. Esse céu espiritual se chama avyākṛta, aquele que não muda, e ali reside a Suprema Personalidade de Deus. Quando, após governar o universo material sob a influência do elemento tempo, o senhor Brahmā deseja dissolvê-lo e entrar no reino de Deus, os outros, então, entram com ele.

Texto

evaṁ paretya bhagavantam anupraviṣṭā
ye yogino jita-marun-manaso virāgāḥ
tenaiva sākam amṛtaṁ puruṣaṁ purāṇaṁ
brahma pradhānam upayānty agatābhimānāḥ

Sinônimos

evam — assim; paretya — tendo se distanciado muito; bhagavantam — senhor Brahmā; anupraviṣṭāḥ — entrado; ye — aqueles que; yoginaḥyogīs; jita — controlada; marut — a respiração; manasaḥ — a mente; virāgāḥ — desapegados; tena — com o senhor Brahmā; eva — de fato; sākam — juntos; amṛtam — a corporificação da bem-aventurança; puruṣam — à Personalidade de Deus; purāṇam — o mais velho; brahma pradhānam — o Brahman Supremo; upayānti — eles vão; agata — não ido; abhimānāḥ — cujo falso ego.

Tradução

Os yogīs que se desapegam do mundo material pela prática de exercícios respiratórios e do controle da mente alcançam o planeta de Brahmā, que fica muitíssimo distante. Após abandonarem seus corpos, entram no corpo do senhor Brahmā, de maneira que, quando Brahmā se libera e vai ter com a Suprema Personalidade de Deus, que é o Brahman Supremo, esses yogīs também podem entrar no reino de Deus.

Comentário

Aperfeiçoando sua prática de yoga, os yogīs podem alcançar o planeta mais elevado, Brahmaloka, ou Satyaloka, e, após abandonarem seus corpos materiais, podem entrar no corpo do senhor Brahmā. Por não serem diretamente devotos do Senhor, eles não podem obter a liberação diretamente. Precisam esperar até que Brahmā se libere e, só então, juntamente com Brahmā, eles também se liberam. Está claro que, enquanto a entidade viva é adoradora de um semideus em particular, sua consciência absorve-se em pensar naquele semideus, em razão do que ela não pode obter a liberação direta, ou admissão direta no reino de Deus, nem pode fundir-se na refulgência impessoal da Suprema Personalidade de Deus. Tais yogīs ou adoradores de semideuses estão sujeitos à possibilidade de nascer outra vez quando a criação se repetir.

Texto

atha taṁ sarva-bhūtānāṁ
hṛt-padmeṣu kṛtālayam
śrutānubhāvaṁ śaraṇaṁ
vraja bhāvena bhāmini

Sinônimos

atha — portanto; tam — a Suprema Personalidade de Deus; sarva-bhūtānām — de todas as entidades vivas; hṛt-padmeṣu — nos corações de lótus; kṛta-ālayam — residindo; śruta-anubhāvam — cujas glórias tu ouviste; śaraṇam — ao abrigo; vraja — vai; bhāvena — através do serviço devocional; bhāmini — Minha querida mãe.

Tradução

Portanto, Minha querida mãe, através do serviço devocional, refugia-te diretamente na Suprema Personalidade de Deus, que está sentada no coração de todos.

Comentário

É possível entrarmos em contato direto com a Suprema Personalidade de Deus em plena consciência de Kṛṣṇa e revivermos nossa relação eterna com Ele como amante, como Alma Suprema, como filho, como amigo ou como mestre. Pode-se restabelecer a transcendental relação amorosa com o Senhor Supremo de muitas maneiras, e esse sentimento é a verdadeira unidade. A unidade dos filósofos māyāvādīs e a unidade dos filósofos vaiṣṇavas são diferentes. Tanto os filósofos māyāvādīs quanto os vaiṣṇavas querem imergir no Supremo, mas os vaiṣṇavas não perdem suas identidades. Eles querem manter sua identidade de amantes, pais, amigos ou servos.

No mundo transcendental, o servo e o amo são unos. Assim é a plataforma absoluta. Embora a relação seja de servo e senhor, tanto o servidor quanto o servido permanecem na mesma plataforma. Isso é unidade. O Senhor Kapila avisou à Sua mãe que ela não precisava de nenhum processo indireto. Ela já estava situada nesse processo direto porque o Senhor Supremo nascera com seu filho. Na verdade, ela não precisava de mais instruções, visto que já estava na fase perfectiva. Kapiladeva a aconselhou a continuar da mesma maneira. Por isso, Ele chamou Sua mãe de bhāmini para indicar que ela já pensava no Senhor como seu filho. O Senhor Kapila aconselha Devahūti a adotar diretamente o serviço devocional, a consciência de Kṛṣṇa, porque, sem essa consciência, não podemos nos libertar das garras de māyā.

Texto

ādyaḥ sthira-carāṇāṁ yo
veda-garbhaḥ saharṣibhiḥ
yogeśvaraiḥ kumārādyaiḥ
siddhair yoga-pravartakaiḥ
bheda-dṛṣṭyābhimānena
niḥsaṅgenāpi karmaṇā
kartṛtvāt saguṇaṁ brahma
puruṣaṁ puruṣarṣabham
sa saṁsṛtya punaḥ kāle
kāleneśvara-mūrtinā
jāte guṇa-vyatikare
yathā-pūrvaṁ prajāyate
aiśvaryaṁ pārameṣṭhyaṁ ca
te ’pi dharma-vinirmitam
niṣevya punar āyānti
guṇa-vyatikare sati

Sinônimos

ādyaḥ — o criador, senhor Brahmā; sthira-carāṇām — das manifestações imóveis e móveis; yaḥ — aquele que; veda-garbhaḥ — o receptáculo dos Vedas; saha — juntamente com; ṛṣibhiḥ — os sábios; yoga-īśvaraiḥ — com grandes yogīs místicos; kumāra-ādyaiḥ — os Kumāras e outros; siddhaiḥ — com os seres vivos perfeitos; yoga-pravartakaiḥ — os autores do sistema de yoga; bheda-dṛṣṭyā — por causa de visão independente; abhimānena — pelo equívoco; niḥsaṅgena — não-fruitivas; api — embora; karmaṇā — pelas atividades deles; kartṛtvāt — do sentido de ser o autor; sa-guṇam — possuindo qualidades espirituais; brahma — Brahman; puruṣam — a Personalidade de Deus; puruṣa-ṛṣabham — a primeira encarnação puruṣa; saḥ — ele; saṁsṛtya — tendo alcançado; punaḥ — novamente; kāle — no momento; kālena — pelo tempo; īśvara-mūrtinā — a manifestação do Senhor; jāte guṇa-vyatikare — quando surge a interação dos modos; yathā — como; pūrvam — anteriormente; prajāyate — nasce; aiśvaryam — opulência; pārameṣṭhyam — real; ca — e; te — os sábios; api — também; dharma — por suas atividades piedosas; vinirmitam — produzidas; niṣevya — tendo desfrutado; punaḥ — novamente; āyānti — eles retornam; guṇa-vyatikare sati — quando ocorre a interação dos modos.

Tradução

Minha querida mãe, pode ser que alguém adore a Suprema Personalidade de Deus com um interesse próprio especial, mas mesmo semideuses tais como o senhor Brahmā, grandes sábios tais como Sanat-kumāra e grandes munis como Marīci são obrigados a voltar ao mundo material novamente no momento da criação. Quando começa a interação dos três modos da natureza material, Brahmā, que é o criador desta manifestação cósmica e que é pleno de conhecimento védico, e os grandes sábios, que são os autores do caminho espiritual e do sistema de yoga, voltam sob a influência do fator tempo. Eles são liberados por suas atividades não-fruitivas e alcançam a primeira encarnação do puruṣa, porém, no momento da criação, eles voltam exatamente nas mesmas formas e posições que tinham anteriormente.

Comentário

Todos sabem que Brahmā se libera, mas ele não pode liberar seus devotos. Semideuses como Brahmā e o senhor Śiva não podem conceder a liberação a nenhuma entidade viva. Como se confirma na Bhagavad-gītā, somente aquele que se rende a Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, pode libertar-se das garras de māyā. Brahmā é chamado aqui de ādyaḥ sthira-carāṇām. Ele é a entidade viva original, criada em primeiro lugar, e, após seu próprio nascimento, ele cria toda a manifestação cósmica. O Senhor Supremo lhe deu todas as instruções a respeito da criação. Aqui ele é chamado de veda-garbha, o que significa que ele conhece o propósito completo dos Vedas. Ele anda sempre acompanhado por grandes personalidades, tais como Marīci, Kaśyapa e os sete sábios, bem como por grandes yogīs místicos, os Kumāras e muitas outras entidades vivas espiritualmente avançadas, mas ele tem seu próprio interesse, separado do interesse do Senhor. Bheda-dṛṣṭyā quer dizer que Brahmā às vezes se julga independente do Senhor Supremo, ou julga-se uma das três encarnações igualmente independentes. Brahmā encarrega-se da criação, Viṣṇu a mantém, e Rudra, o senhor Śiva, destrói a mesma. Os três são tidos como encarnações do Senhor Supremo, encarregados dos três diferentes modos materiais da natureza, mas nenhum deles é independente da Suprema Personalidade de Deus. A palavra bheda-dṛṣṭyā ocorre aqui porque Brahmā tem uma leve tendência a pensar que é tão independente como Rudra. Algumas vezes, Brahmā pensa que é independente do Senhor Supremo, e o adorador também pensa que Brahmā é independente. Por esse motivo, após a destruição deste mundo material, quando outra vez ocorre a criação pela interação dos modos da natureza material, Brahmā volta. Embora Brahmā alcance a Suprema Personalidade de Deus como a primeira encarnação puruṣa, Mahā-Viṣṇu, que é pleno de qualidades transcendentais, ele não pode permanecer no mundo espiritual.

Note-se a importância específica de sua volta. Brahmā e os grandes ṛṣis e o grande mestre do yoga (Śiva) não são entidades vivas comuns – eles são muito poderosos e têm todas as perfeições do yoga místico. Mesmo assim, no entanto, eles têm uma tendência de tentar tornar-se unos com o Supremo, em virtude do que são obrigados a voltar. No Śrīmad-Bhāgavatam, aceita-se que, enquanto alguém pensar que é igual à Suprema Personalidade de Deus, não estará plenamente purificado ou bem informado. Apesar de irem até o primeiro puruṣa-avatāra, Mahā-Viṣṇu, após a dissolução desta criação material, tais personalidades caem novamente ou voltam à criação material.

É um grande erro da parte dos impersonalistas pensarem que o Senhor Supremo aparece dentro de um corpo material e que, portanto, não devemos meditar na forma do Supremo, mas devemos meditar, ao invés disso, em algo sem forma. Por esse erro específico, mesmo os grandes yogīs místicos ou grandes transcendentalistas resolutos também retornam quando ocorre a criação. Todas as entidades vivas além dos impersonalistas e monistas podem adotar diretamente o serviço devocional em plena consciência de Kṛṣṇa e libertar-se desenvolvendo transcendental serviço amoroso à Suprema Personalidade de Deus. Esse serviço devocional desenvolve-se nos graus de pensar no Senhor Supremo como mestre, como amigo, como filho e, enfim, como amante. Essas distinções de variedades transcendentais deverão sempre estar presentes.

Texto

ye tv ihāsakta-manasaḥ
karmasu śraddhayānvitāḥ
kurvanty apratiṣiddhāni
nityāny api ca kṛtsnaśaḥ

Sinônimos

ye — aqueles que; tu — mas; iha — neste mundo; āsakta — ligadas; manasaḥ — cujas mentes; karmasu — a atividades fruitivas; śraddhayā — com fé; anvitāḥ — dotadas; kurvanti — executam; apratiṣiddhāni — com apego ao resultado; nityāni — deveres prescritos; api — certamente; ca — e; kṛtsnaśaḥ — repetidamente.

Tradução

Pessoas que são demasiadamente ligadas a este mundo material executam seus deveres prescritos muito bem e com grande fé. Diariamente, executam tais deveres prescritos com apego ao resultado fruitivo.

Comentário

Neste e nos seis versos seguintes, o Śrīmad-Bhāgavatam critica as pessoas que são demasiadamente apegadas à matéria. Prescreve-se nas escrituras védicas, aos que são apegados ao usufruto de facilidades materiais, que precisam fazer sacrifícios e submeter-se a determinadas funções ritualísticas. Eles precisam observar determinadas regras e regulações em seu cotidiano para se elevarem aos planetas celestiais. Este verso afirma que pessoas assim não podem libertar-se em tempo algum. Aqueles que adoram os semideuses com consciência de que cada semideus é um Deus distinto não podem elevar-se ao mundo espiritual, isso para não falar de pessoas que simplesmente se apegam a obrigações a fim de elevar sua condição material.

Texto

rajasā kuṇṭha-manasaḥ
kāmātmāno ’jitendriyāḥ
pitṝn yajanty anudinaṁ
gṛheṣv abhiratāśayāḥ

Sinônimos

rajasā — pelo modo da paixão; kuṇṭha — cheias de ansiedades; manasaḥ — suas mentes; kāma-ātmānaḥ — aspirando ao gozo dos sentidos; ajita — descontrolados; indriyāḥ — seus sentidos; pitṝn — os antepassados; yajanti — elas adoram; anudinam — todo dia; gṛheṣu — na vida familiar; abhirata — ocupadas; āśayāḥ — suas mentes.

Tradução

Tais pessoas, impelidas pelo modo da paixão, enchem-se de ansiedades e sempre aspiram ao gozo dos sentidos devido ao descontrole dos sentidos. Elas adoram os antepassados e ocupam-se dia e noite em melhorar a condição econômica de sua família, grupo social ou nação.

Texto

trai-vargikās te puruṣā
vimukhā hari-medhasaḥ
kathāyāṁ kathanīyoru-
vikramasya madhudviṣaḥ

Sinônimos

trai-vargikāḥ — interessadas nos três processos de elevação; te — aquelas; puruṣāḥ — pessoas; vimukhāḥ — não interessadas; hari-medhasaḥ — do Senhor Hari; kathāyām — nos passatempos; kathanīya — dignos de ser cantados; uru-vikramasya — cujas façanhas excelentes; madhu-dviṣaḥ — o matador do demônio Madhu.

Tradução

Essas pessoas se chamam trai-vargika porque estão interessadas nos três processos de elevação. Elas têm aversão à Suprema Personalidade de Deus, que pode trazer alívio à alma condicionada. Não se interessam pelos passatempos da Personalidade Suprema, que são dignos de ser ouvidos por causa de Suas façanhas transcendentais.

Comentário

Segundo o pensamento védico, são quatro os princípios elevatórios, a saber, religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação. Pessoas simplesmente interessadas em gozo material planejam a execução de seus deveres prescritos. Elas estão interessadas nos três processos elevatórios de rituais religiosos, elevação econômica e gozo dos sentidos. Desenvolvendo sua condição econômica, podem gozar da vida material. Portanto, os materialistas se interessam por esses processos elevatórios, chamados trai-vargika. Trai significa “três”; vargika significa “processos elevatórios”. Tais materialistas nunca se sentem atraídos pela Suprema Personalidade de Deus. Pelo contrário, eles O antagonizam.

A Suprema Personalidade de Deus é descrita aqui como hari medhaḥ, ou seja, “aquele que pode nos salvar do ciclo de nascimentos e mortes”. Os materialistas jamais se interessam em ouvir sobre os maravilhosos passatempos do Senhor. Eles acham que os passatempos do Senhor são ficção, contos, e que a Divindade Suprema também é um homem da natureza material. Eles não são aptos a avançar em serviço devocional, ou consciência de Kṛṣṇa. Tais materialistas estão interessados em contos de jornal, romances e dramas imaginários. As verdadeiras atividades do Senhor – tais como o Senhor Kṛṣṇa agindo na Guerra de Kurukṣetra, ou as atividades dos Pāṇḍavas, ou as atividades do Senhor em Vṛndāvana ou Dvārakā são relatadas na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam, que estão repletos de atividades do Senhor. Porém, os materialistas que se ocupam em promover sua posição no mundo material não se interessam por essas atividades do Senhor. Pode ser que se interessem pelas atividades de um grande político ou de um magnata deste mundo, mas não se interessam pelas atividades transcendentais do Senhor Supremo.

Texto

nūnaṁ daivena vihatā
ye cācyuta-kathā-sudhām
hitvā śṛṇvanty asad-gāthāḥ
purīṣam iva viḍ-bhujaḥ

Sinônimos

nūnam — certamente; daivena — pela ordem do Senhor; vihatāḥ — condenadas; ye — aquelas que; ca — também; acyuta — do Senhor infalível; kathā — histórias; sudhām — néctar; hitvā — tendo abandonado; śṛṇvanti — elas ouvem; asat-gāthāḥ — histórias sobre pessoas materialistas; purīṣam — excremento; iva — como; viṭ-bhujaḥ — coprófagos (porcos).

Tradução

Pessoas desse gênero são condenadas pela ordem suprema do Senhor. Por serem avessas ao néctar das atividades da Suprema Personalidade de Deus, elas são comparadas a porcos coprófagos. Elas abandonam a audição das atividades transcendentais do Senhor e entregam-se a ouvir sobre as abomináveis atividades de pessoas materialistas.

Comentário

Todos se entregam a ouvir sobre as atividades de outrem, seja ele um político, seja um homem rico, seja um personagem imaginário cujas atividades são criadas num romance. Existem muita literatura disparatada, contos e livros de filosofia especulativa. Os materialistas interessam-se muito por ler semelhante literatura, mas, quando lhes são apresentados livros genuínos de conhecimento, como o Śrīmad-Bhāgavatam, a Bhagavad-gītā, o Viṣṇu Puraṇa ou outras escrituras do mundo, tais como a Bíblia e o Alcorão, eles não mostram interesse. Tais pessoas são condenadas pela ordem suprema tanto quanto o porco é condenado. O porco se interessa em comer excremento. Se alguém oferecer ao porco alguma preparação saborosa, feita de leite condensado ou ghī (manteiga clarificada), ele não gostará; ele preferirá o excremento repugnante e malcheiroso, o qual acha saborosíssimo. Os materialistas são considerados condenados por se interessarem por atividades infernais, e não por atividades transcendentais. A mensagem das atividades do Senhor é néctar, e, exceto essa mensagem, qualquer informação pela qual possamos mostrar interesse é, na verdade, infernal.

Texto

dakṣiṇena pathāryamṇaḥ
pitṛ-lokaṁ vrajanti te
prajām anu prajāyante
śmaśānānta-kriyā-kṛtaḥ

Sinônimos

dakṣiṇena — meridional; pathā — pelo caminho; aryamṇaḥ — do Sol; pitṛ-lokam — a Pitṛloka; vrajanti — vão; te — elas; prajām — suas famílias; anu — juntamente com; prajāyante — elas nascem; śmaśāna — o crematório; anta — até o fim; kriyā — atividades fruitivas; kṛtaḥ — executando.

Tradução

A essas pessoas materialistas, confere-se a permissão de irem ao planeta chamado Pitṛloka através do curso meridional do Sol, mas elas voltam novamente a este planeta e nascem em suas próprias famílias, começando de novo as mesmas atividades fruitivas desde o nascimento até o fim da vida.

Comentário

Na Bhagavad-gītā, nono capítulo, verso 21, afirma-se que tais pessoas se elevam aos sistemas planetários superiores. Tão logo terminem suas vidas de atividades fruitivas, elas retornam a este planeta, e, desse modo, sobem e descem. Aqueles que se elevam aos planetas superiores voltam a nascer na mesma família à qual tinham apego excessivo; eles nascem, e as atividades fruitivas continuam mais uma vez até o fim da vida. Há diferentes rituais prescritos desde o nascimento até o fim da vida, e eles são muitíssimo apegados a tais atividades.

Texto

tatas te kṣīṇa-sukṛtāḥ
punar lokam imaṁ sati
patanti vivaśā devaiḥ
sadyo vibhraṁśitodayāḥ

Sinônimos

tataḥ — então; te — elas; kṣīṇa — esgotados; su-kṛtāḥ — resultados de suas atividades piedosas; punaḥ — novamente; lokam imam — a este planeta; sati — ó mãe virtuosa; patanti — caem; vivaśāḥ — desamparadas; devaiḥ — mediante arranjo superior; sadyaḥ — de repente; vibhraṁśita — levada a cair; udayāḥ — sua prosperidade.

Tradução

Quando se esgotam os resultados de suas atividades piedosas, elas caem, mediante arranjo superior, e retornam a este planeta, assim como qualquer pessoa elevada a uma alta posição às vezes cai subitamente.

Comentário

Algumas vezes, observa-se que alguém elevado a um alto posto governamental cai de repente, não havendo quem possa impedir isso. Da mesma forma, após terminar seu período de gozo, pessoas tolas que mostram muito interesse por se elevarem à posição de presidente nos planetas superiores também caem de volta para este planeta. A distinção entre a posição elevada do devoto e a de uma pessoa comum, atraída por atividades fruitivas, é que, quando o devoto se eleva ao reino espiritual, ele jamais cai, ao passo que a pessoa comum cai, mesmo que se eleve ao sistema planetário superior, Brahmaloka. Confirma-se na Bhagavad-gītā (ābrahma-bhuvanāl lokāḥ) que, mesmo que alguém se eleve a um planeta superior, ele será obrigado a descer novamente. Todavia, Kṛṣṇa confirma na Bhagavad-gītā (8.16), mām upetya tu kaunteya punar janma na vidyate: “Qualquer pessoa que alcance Minha morada não voltará jamais a esta vida condicionada de existência material.”

Texto

tasmāt tvaṁ sarva-bhāvena
bhajasva parameṣṭhinam
tad-guṇāśrayayā bhaktyā
bhajanīya-padāmbujam

Sinônimos

tasmāt — portanto; tvam — tu (Devahūti); sarva-bhāvena — com êxtase amoroso; bhajasva — adora; parameṣṭhinam — a Suprema Personalidade de Deus; tat-guṇa — as qualidades do Senhor; āśrayayā — ligada a; bhaktyā — pelo serviço devocional; bhajanīya — adoráveis; pada-ambujam — cujos pés de lótus.

Tradução

Portanto, Minha querida mãe, aconselho-te a te refugiares na Suprema Personalidade de Deus, pois Seus pés de lótus são dignos de adoração. Aceita isso com toda a devoção e amor, pois assim poderás situar-te em serviço devocional transcendental.

Comentário

Às vezes, usa-se a palavra parameṣṭhinam em relação com Brahmā. Parameṣṭhī significa “a pessoa suprema”. Assim como Brahmā é a pessoa suprema dentro deste universo, Kṛṣṇa é a Personalidade Suprema no mundo espiritual. O Senhor Kapiladeva aconselha Sua mãe a refugiar-se nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, porque isso é digno de nosso investimento. Este verso não nos aconselha a refugiarmo-nos em semideuses, nem mesmo nos que ocupam as posições mais altas, como Brahmā e Śiva. Devemos refugiar-nos na Divindade Suprema.

Sarva-bhāvena quer dizer “com êxtase pleno de amor”. Bhāva é a fase preliminar de elevação antes da consecução de amor puro por Deus. Afirma-se na Bhagavad-gītā que budhā bhāva-samanvitāḥ: alguém que tenha atingido a fase de bhāva poderá aceitar os pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa como dignos de adoração. A mesma coisa o Senhor Kapila aconselha aqui à Sua mãe. Outra frase também significativa neste verso é tad-guṇāśrayayā bhaktyā. Isso significa que a prática do serviço devocional a Kṛṣṇa é transcendental; não é uma atividade material. O mesmo é confirmado na Bhagavad-gītā: aqueles que se ocupam em serviço devocional são tidos como situados no reino espiritual. Brahma-bhūyāya kalpate: situam-se imediatamente no reino transcendental.

O serviço devocional em plena consciência de Kṛṣṇa é o único meio de o ser humano alcançar a perfeição máxima da vida. É essa a recomendação feita nesta passagem pelo Senhor Kapila à Sua mãe. Portanto, bhakti é nirguṇa, isenta de todas as máculas de qualidades materiais. Embora o cumprimento do serviço devocional pareça semelhante a atividades materiais, ele nunca é saguṇa, ou seja, contaminado por qualidades materiais. Tad-guṇāśrayayā quer dizer que as qualidades transcendentais do Senhor Kṛṣṇa são tão sublimes que não há necessidade de desviar a atenção para quaisquer outras atividades. Seu comportamento com os devotos é tão elevado que o devoto não precisa desviar sua atenção para nenhuma outra espécie de adoração. Conta-se que a demoníaca Pūtanā foi até Kṛṣṇa a fim de matá-lO ministrando-Lhe veneno, mas, como Kṛṣṇa sentiu prazer em mamar no seu seio, ela recebeu a mesma posição que a mãe dEle. Portanto, os devotos oram que, se mesmo uma demônia que quis matar Kṛṣṇa obteve tão excelsa posição, por que eles deveriam recorrer a alguém além de Kṛṣṇa para desenvolver seu apego adorável? Há duas espécies de atividades religiosas: uma que visa ao avanço material e outra que visa ao avanço espiritual. Refugiando-nos aos pés de lótus de Kṛṣṇa, somos dotados de ambas as espécies de prosperidade, material e espiritual. Por que, então, deveríamos recorrer a algum semideus?

Texto

vāsudeve bhagavati
bhakti-yogaḥ prayojitaḥ
janayaty āśu vairāgyaṁ
jñānaṁ yad brahma-darśanam

Sinônimos

vāsudeve — a Kṛṣṇa; bhagavati — a Personalidade de Deus; bhakti-yogaḥ — serviço devocional; prayojitaḥ — desempenhado; janayati — produz; āśu — brevemente; vairāgyam — desapego; jñānam — conhecimento; yat — que; brahma-darśanam — autorrealização.

Tradução

A ocupação em consciência de Kṛṣṇa e a aplicação do serviço devocional a Kṛṣṇa possibilitam o avanço em conhecimento e desapego, bem como em autorrealização.

Comentário

Homens menos inteligentes dizem que bhakti-yoga, ou o serviço devocional, destina-se a pessoas que não são avançadas em conhecimento transcendental e renúncia. Mas o fato é que, se alguém se ocupa no serviço devocional ao Senhor em plena consciência de Kṛṣṇa, não precisa tentar praticar desapego separadamente ou esperar por um despertar de conhecimento transcendental. Afirma-se que aquele que se ocupa inabalavelmente no serviço devocional ao Senhor desenvolve de maneira automática todas as boas qualidades dos semideuses. Não podemos descobrir como é que essas boas qualidades se desenvolvem no corpo do devoto, mas é isso o que realmente acontece. Existe a história do caçador que sentia prazer em matar animais, mas, após tornar-se devoto, ele não estava disposto a matar nem mesmo uma formiga. Essa é a qualidade do devoto.

Aqueles que desejam muito avançar em conhecimento transcendental podem ocupar-se em serviço devocional puro, sem perder tempo com especulação mental. Para chegar às conclusões positivas de conhecimento sobre a Verdade Absoluta, a palavra brahma-darśanam é significativa neste verso. Brahma-darśanam significa compreender ou perceber a Transcendência. Quem se ocupa a serviço de Vāsudeva pode realmente perceber o que é Brahman. Se o Brahman fosse impessoal, não haveria possibilidade de darśanam, que significa “ver face a face”. Darśanam refere-se a ver a Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva. A não ser que o vidente e o visto sejam pessoas, não existe darśanam. Brahma-darśanam significa que, tão logo se veja a Suprema Personalidade de Deus, pode-se compreender imediatamente o que é o Brahman impessoal. O devoto não precisa fazer investigações separadas para entender a natureza do Brahman. A Bhagavad-gītā também confirma isso. Brahma-bhūyāya kalpate: o devoto torna-se imediatamente uma alma autorrealizada na Verdade Absoluta.

Texto

yadāsya cittam artheṣu
sameṣv indriya-vṛttibhiḥ
na vigṛhṇāti vaiṣamyaṁ
priyam apriyam ity uta

Sinônimos

yadā — quando; asya — do devoto; cittam — a mente; artheṣu — nos objetos dos sentidos; sameṣu — mesma; indriya-vṛttibhiḥ — pelas atividades dos sentidos; na — não; vigṛhṇāti — percebe; vaiṣamyam — diferença; priyam — agradável; apriyam — desagradável; iti — assim; uta — certamente.

Tradução

Quando a mente do devoto elevado se equilibra em suas atividades sensórias, ele transcende o agradável e o desagradável.

Comentário

A importância do avanço em conhecimento transcendental e do desapego da atração material manifesta-se na personalidade de um devoto altamente avançado. Para ele, não há nada agradável ou desagradável porque ele não age de forma alguma para o gozo de seus próprios sentidos. Qualquer coisa que faça, qualquer coisa que pense, é para a satisfação da Personalidade de Deus. Seja no mundo material, seja no mundo espiritual, sua mente equilibrada manifesta-se perfeitamente. Ele pode entender que, no mundo material, não há nada de bom; tudo é mau por estar contaminado pela natureza material. As conclusões dos materialistas sobre o bem e o mal, o moral e o imoral, etc., não passam de mera invenção mental ou sentimentalismo. Na verdade, não há nada de bom no mundo material. No campo espiritual, tudo é absolutamente bom. Não há inebriamento nas variedades espirituais. Como o devoto aceita tudo com visão espiritual, ele é equânime: esse é o sintoma de que ele se elevou à posição transcendental. Ele automaticamente alcança o desapego, vairāgya, depois jñāna, conhecimento, e, por fim, o verdadeiro conhecimento transcendental. A conclusão é que o devoto avançado se vincula às qualidades transcendentais do Senhor e, nesse sentido, ele se torna qualitativamente uno com a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

sa tadaivātmanātmānaṁ
niḥsaṅgaṁ sama-darśanam
heyopādeya-rahitam
ārūḍhaṁ padam īkṣate

Sinônimos

saḥ — o devoto puro; tadā — então; eva — certamente; ātmanā — por sua inteligência transcendental; ātmānam — ele próprio; niḥsaṅgam — sem apego material; sama-darśanam — de visão equilibrada; heya — a ser rejeitado; upādeya — aceitável; rahitam — desprovido de; ārūḍham — elevado; padam — à posição transcendental; īkṣate — ele vê.

Tradução

Por causa de sua inteligência transcendental, o devoto puro tem uma visão equilibrada e percebe que não é contaminado pela matéria. Ele não vê nada como superior ou inferior, e sente-se elevado à plataforma transcendental, onde é qualitativamente igual à Pessoa Suprema.

Comentário

A percepção do desagradável surge do apego. O devoto não tem apego pessoal a nada; portanto, para ele, não há possibilidade de agradável ou desagradável. Para servir ao Senhor, ele poderá aceitar qualquer coisa, mesmo que seja desagradável para seu interesse pessoal. De fato, ele é inteiramente livre de interesse pessoal, de forma que qualquer coisa agradável ao Senhor lhe é agradável. Por exemplo, para Arjuna, a princípio, lutar não era agradável, mas, ao entender que a luta era agradável ao Senhor, ele aceitou a luta como agradável. Essa é a posição do devoto puro. Para seu interesse pessoal, não há nada que seja agradável ou desagradável; ele faz tudo para o Senhor, daí estar do apego e do desapego. Essa é a fase transcendental de neutralidade. O devoto puro goza a vida no prazer do Senhor Supremo.

Texto

jñāna-mātraṁ paraṁ brahma
paramātmeśvaraḥ pumān
dṛśy-ādibhiḥ pṛthag bhāvair
bhagavān eka īyate

Sinônimos

jñāna — conhecimento; mātram — somente; param — transcendental; brahma — Brahman; parama-ātmā — Paramātmā; īśvaraḥ — o controlador; pumān — Superalma; dṛśi-ādibhiḥ — por investigação filosófica e outros processos; pṛthak bhāvaiḥ — conforme os diferentes processos de compreensão; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; ekaḥ — somente; īyate — é percebido.

Tradução

Somente a Suprema Personalidade de Deus é conhecimento transcendental pleno, porém, conforme os diferentes processos de compreensão, Ele aparece de modos diferentes, seja como o Brahman impessoal, seja como o Paramātmā, seja como a Suprema Personalidade de Deus ou como o puruṣa-avatāra.

Comentário

A expressão dṛśy-ādibhiḥ é significativa. Segundo Jīva Gosvāmī, dṛśi significa jñāna, investigação filosófica. Através de diferentes processos de investigação filosófica sob diferentes conceitos, tais como o processo de jñāna-yoga, percebe-se o mesmo Bhagavān, ou a Suprema Personalidade de Deus, como o Brahman impessoal. De forma semelhante, através do sistema óctuplo de yoga, Ele aparece como o Paramātmā. Contudo, em consciência de Kṛṣṇa pura, ou conhecimento com pureza, quem procura entender a Verdade Absoluta percebe-O como a Pessoa Suprema. A Transcendência é compreendida simplesmente com base em conhecimento. As palavras usadas aqui, paramātmeśvaraḥ pumān, são todas transcendentais, e se referem à Superalma. A Superalma também é descrita como o puruṣa, mas o termo Bhagavān se refere diretamente à Suprema Personalidade de Deus, que é pleno de seis opulências: riqueza, fama, força, beleza, conhecimento e renúncia. Ele é a Personalidade de Deus em diferentes céus espirituais. As várias descrições de paramātmā, īśvara e pumān indicam que as expansões da Divindade Suprema são ilimitadas.

Em última análise, para se entender a Suprema Personalidade de Deus, é preciso aceitar bhakti-yoga. Quem executar jñāna-yoga ou dhyāna-yoga, por fim terá que se aproximar da plataforma de bhakti-yoga, e então poderá entender claramente paramātmā, īśvara, pumān etc. Recomenda-se no segundo canto do Śrīmad-Bhāgavatam que, quer sejamos devotos, trabalhadores fruitivos ou liberacionistas, se formos inteligentes o bastante, deveremos nos dedicar com toda a seriedade ao processo de serviço devocional. Explica-se também que qualquer coisa que desejemos que seja obtenível mediante atividades fruitivas, mesmo que queiramos nos elevar a planetas superiores, pode ser obtida simplesmente pela execução de serviço devocional. Uma vez que o Senhor Supremo é pleno de seis opulências, Ele pode outorgar qualquer uma delas ao adorador.

A Suprema Personalidade de Deus única revela-Se a diferentes pensadores, ou como a Pessoa Suprema, ou como o Brahman impessoal, ou como Paramātmā. Os impersonalistas fundem-se no Brahman impessoal, mas isso não é obtido adorando o Brahman impessoal. Se alguém adota o serviço devocional e, ao mesmo tempo, deseja fundir-se na existência do Senhor Supremo, poderá consegui-lo. Quem deseja realmente fundir-se na existência do Supremo terá que prestar serviço devocional.

O devoto pode ver o Senhor Supremo face a face, mas o jñānī, o filósofo empírico, ou o yogī não o podem. Eles não são capazes de se elevar à posição de associados do Senhor. Não há evidências nas escrituras que afirmem que, cultivando conhecimento ou adorando o Brahman impessoal, alguém pode tornar-se associado pessoal da Suprema Personalidade de Deus. Nem executando os princípios ióguicos alguém pode tornar-se associado da Divindade Suprema. O Brahman impessoal, sendo sem forma, é descrito como adṛśya porque a refulgência impessoal do brahmajyoti encobre o rosto do Senhor Supremo. Alguns yogīs veem o Viṣṇu de quatro mãos sentado dentro do coração, e, por isso, no caso deles também, o Senhor Supremo é invisível. O Senhor é visível somente aos devotos. Aqui, a afirmação dṛśy-ādibhiḥ é significativa. Uma vez que a Suprema Personalidade de Deus é tanto visível quanto invisível, há diferentes aspectos do Senhor. O aspecto Paramātmā e o aspecto Brahman são invisíveis, mas o aspecto Bhagavān é visível. Esse fato é muito bem explicado no Viṣṇu Purāṇa. A forma universal do Senhor e a amorfa refulgência Brahman do Senhor, sendo invisíveis, são aspectos inferiores. O conceito da forma universal é material, e o conceito do Brahman impessoal é espiritual, mas a compreensão espiritual máxima é a Personalidade de Deus. O Viṣṇu Purāṇa declara: viṣṇur brahma svarūpeṇa svayam eva vyavasthitaḥ: o verdadeiro aspecto do Brahman é Viṣṇu, ou seja, o Brahman Supremo é Viṣṇu. Svayam eva: esse é Seu aspecto pessoal. A concepção espiritual suprema é a da Suprema Personalidade de Deus. Confirma-se também na Bhagavad-gītā: yad gatvā na nivartante tad dhāma paramaṁ mama. A morada específica chamada paramaṁ mama é o lugar do qual, uma vez atingido, não se retorna mais a esta dolorosa vida condicional. Todo lugar, todo espaço e tudo pertence a Viṣṇu, mas o lugar onde Ele vive pessoalmente é tad dhāma paramam, Sua morada suprema. Devemos fazer da morada suprema do Senhor o nosso destino.

Texto

etāvān eva yogena
samagreṇeha yoginaḥ
yujyate ’bhimato hy artho
yad asaṅgas tu kṛtsnaśaḥ

Sinônimos

etāvān — de tal medida; eva — simplesmente; yogena — pela prática de yoga; samagreṇa — todos; iha — neste mundo; yoginaḥ — do yogī; yujyate — é alcançada; abhimataḥ — desejada; hi — certamente; arthaḥ — propósito; yat — que; asaṅgaḥ — desapego; tu — de fato; kṛtsnaśaḥ — plenamente.

Tradução

A compreensão máxima, comum a todos os yogīs, é o pleno desapego da matéria, que pode ser alcançado através de diferentes espécies de yoga.

Comentário

Há três espécies de yoga, a saber, bhakti-yoga, jñāna-yoga e aṣṭāṅga-yoga. Os devotos, os jñānīs e os yogīs tentam todos escapar do enredamento material. Os jñānīs tentam desvencilhar suas atividades sensórias do envolvimento material. O jñāna-yogī pensa que a matéria é falsa e que o Brahman é verdade; ele tenta, portanto, através do cultivo de conhecimento, afastar os sentidos do gozo material. Os aṣṭāṅga-yogīs também tentam controlar os sentidos. Os devotos, entretanto, procuram ocupar os sentidos a serviço do Senhor. Portanto, parece que as atividades dos bhaktas, devotos, são melhores que as dos jñānīs e yogīs. Os yogīs místicos simplesmente tentam controlar os sentidos praticando as oito divisões do yogayama, niyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra etc. –, ao passo que os jñānīs tentam, através de raciocínio mental, entender que o gozo dos sentidos é falso. Contudo, o processo mais fácil e mais direto é o de ocupar os sentidos a serviço do Senhor.

O propósito de todo yoga é desvencilhar nossas atividades sensoriais deste mundo material. As metas finais, entretanto, são diferentes. Os jñānīs querem tornar-se unos com a refulgência Brahman, os yogīs querem compreender Paramātmā, e os devotos querem desenvolver a consciência de Kṛṣṇa e o transcendental serviço amoroso ao Senhor. Esse serviço amoroso é a fase perfeita de controle dos sentidos. Os sentidos são realmente sintomas ativos de vida, não sendo possível pará-los. Só é possível desvencilhá-los dando-lhes uma ocupação superior. Como se confirma na Bhagavad-gītā, paraṁ dṛṣṭvā nivartate: as atividades dos sentidos podem ser contidas caso recebam ocupações superiores. A ocupação suprema é a ocupação dos sentidos a serviço do Senhor. Esse é o propósito de todo o yoga.

Texto

jñānam ekaṁ parācīnair
indriyair brahma nirguṇam
avabhāty artha-rūpeṇa
bhrāntyā śabdādi-dharmiṇā

Sinônimos

jñānam — conhecimento; ekam — uno; parācīnaiḥ — adversos; indriyaiḥ — pelos sentidos; brahma — a Suprema Verdade Absoluta; nirguṇam — além dos modos materiais; avabhāti — parece; artha-rūpeṇa — sob a forma de vários objetos; bhrāntyā — equivocadamente; śabda-ādi — som e assim por diante; dharmiṇā — dotados de.

Tradução

Aqueles que têm aversão à Transcendência compreendem a Suprema Verdade Absoluta de modo diferente através da percepção sensorial especulativa e, por isso, por causa da especulação equivocada, tudo lhes parece relativo.

Comentário

A Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, é única, e Se espalha por toda parte através de Seu aspecto impessoal. Na Bhagavad-gītā, expressa-se isso claramente. O Senhor Kṛṣṇa diz: “Tudo que se experimenta nada mais é que uma expansão de Minha energia.” Tudo é sustentado por Ele, mas isso não significa que Ele está em tudo. Percepções sensoriais – tais como a percepção auditiva do som de um tambor, a percepção visual de uma bela mulher, ou a percepção do gosto delicioso de uma preparação láctea pela língua – todas passam por diferentes sentidos e, portanto, são compreendidas de modo diferente. Assim, o conhecimento sensorial divide-se em diferentes categorias, embora, na verdade, tudo seja um, sendo manifestação da energia do Senhor Supremo. Da mesma forma, as energias do fogo são o calor e a iluminação, e, por intermédio dessas duas energias, o fogo pode exibir-se em muitas variedades, ou em diversificada percepção sensorial. Os filósofos māyāvādīs declaram que essa diversidade é falsa. Os filósofos vaiṣṇavas, porém, não aceitam as diferentes manifestações como sendo falsas; eles as aceitam como não-diferentes da Suprema Personalidade de Deus porque são uma amostra de Suas diversas energias.

A filosofia de que o Absoluto é verdadeiro e esta criação é falsa (brahma satyaṁ jagan mithyā) não é aceita pelos filósofos vaiṣṇavas. Apresenta-se o exemplo de que, embora nem tudo que reluz seja ouro, isso não quer dizer que um objeto reluzente é falso. Por exemplo, uma concha de ostras parece ser dourada. Essa aparência de matiz dourado deve-se somente à percepção dos olhos, mas isso não quer dizer que a concha de ostras é falsa. De modo semelhante, vendo a forma do Senhor Kṛṣṇa, não se pode entender o que Ele é realmente, mas isso não quer dizer que Ele seja falso. É preciso compreender a forma de Kṛṣṇa conforme ela é descrita em livros de conhecimento tais como a Brahma-saṁhitā. Īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ sac-cid-ānanda-vigrahaḥ: Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, tem um corpo espiritual eterno e bem-aventurado. Não podemos entender a forma do Senhor através de nossa percepção sensorial imperfeita. É preciso adquirirmos conhecimento sobre Ele. É por isso que se diz aqui: jñānam ekam. A Bhagavad-gītā confirma que são tolos aqueles que, simplesmente ao verem Kṛṣṇa, consideram-nO um homem comum. Eles não têm noção do conhecimento, poder e opulência ilimitados da Suprema Personalidade de Deus. A especulação sensória material leva à conclusão de que o Supremo não tem forma. É por causa de semelhante especulação mental que a alma condicionada permanece em ignorância sob o encanto da energia ilusória. A Pessoa Suprema tem de ser compreendida através do som transcendental vibrado por Ele na Bhagavad-gītā, onde Ele diz que não há nada superior a Ele mesmo; a refulgência do Brahman impessoal repousa em Sua personalidade. A visão purificada e absoluta da Bhagavad-gītā é comparada ao rio Ganges. A água do Ganges é tão pura que pode purificar até mesmo os asnos e as vacas. Porém, qualquer pessoa que, desconsiderando o puro Ganges, deseje ser purificada, ao invés disso, pela água suja que flui de um esgoto, não poderá ser bem-sucedida. Analogamente, só se pode alcançar exitosamente conhecimento puro do Absoluto ouvindo-o a partir do próprio puro Absoluto.

Neste verso, afirma-se claramente que aqueles que são avessos à Suprema Personalidade de Deus especulam com seus sentidos imperfeitos sobre a natureza da Verdade Absoluta. A concepção do Brahman amorfo, contudo, só pode ser recebida por recepção auditiva, e não por experiência pessoal. Portanto, o conhecimento se adquire através de recepção auditiva. Confirma-se no Vedānta-sūtra que śāstra-yonitvāt: temos de adquirir conhecimento puro da parte das escrituras autorizadas. Portanto, os ditos argumentos especulativos sobre a Verdade Absoluta são inúteis. A verdadeira identidade da entidade viva é sua consciência, que está sempre presente enquanto a entidade viva está acordada, sonhando ou em sono profundo. Mesmo em sono profundo, ela pode perceber, mediante a consciência, se é feliz ou triste. Assim, quando a consciência se manifesta por intermédio dos corpos materiais grosseiro e sutil, ela fica coberta, porém, quando a consciência se purifica, em consciência de Kṛṣṇa, a entidade viva livra-se do enredamento de repetidos nascimentos e mortes.

Quando se remove a cobertura dos modos da natureza material que encobrem o conhecimento incontaminado e puro, revela-se a verdadeira identidade da entidade viva: ela é eternamente serva da Suprema Personalidade de Deus. O processo de revelação é assim: os raios do Sol são luminosos, e o próprio Sol também é luminoso. Na presença do Sol, os raios iluminam tal qual o Sol, mas, quando a luz do Sol é coberta pelo véu de uma nuvem, ou por māyā, então começa a escuridão, a imperfeição da percepção. Portanto, para escaparmos do enredamento do véu da necedade, temos de despertar nossa consciência espiritual, ou consciência de Kṛṣṇa, em termos das escrituras autorizadas.

Texto

yathā mahān ahaṁ-rūpas
tri-vṛt pañca-vidhaḥ svarāṭ
ekādaśa-vidhas tasya
vapur aṇḍaṁ jagad yataḥ

Sinônimos

yathā — como; mahān — o mahat-tattva; aham-rūpaḥ — o falso ego; tri-vṛt — os três modos da natureza material; pañca-vidhaḥ — os cinco elementos materiais; sva-rāṭ — a consciência individual; ekādaśa-vidhaḥ — os onze sentidos; tasya — da entidade viva; vapuḥ — o corpo material; aṇḍam — o brahmāṇḍa; jagat — o universo; yataḥ — do qual ou de quem.

Tradução

Da energia total, o mahat-tattva, Eu manifesto o falso ego, os três modos da natureza material, os cinco elementos materiais, a consciência individual, os onze sentidos e o corpo material. Da mesma forma, todo o universo surge da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

O Senhor Supremo é descrito como mahat-pada, que significa que a totalidade da energia material, conhecida como o mahat-tattva, repousa aos Seus pés de lótus. A origem ou a energia total da manifestação cósmica é o mahat-tattva. Do mahat-tattva, surgem todas as demais vinte e quatro divisões, a saber, os onze sentidos (incluindo a mente), os cinco objetos dos sentidos, os cinco elementos materiais e, então, a consciência, a inteligência e o falso ego. A Suprema Personalidade de Deus é a causa do mahat-tattva, de maneira que, de certo modo, como tudo emana do Senhor Supremo, não há diferença entre o Senhor e a manifestação cósmica. Porém, ao mesmo tempo, a manifestação cósmica é diferente do Senhor. A palavra svarāṭ é muito significativa aqui. Svarāṭ significa “independente”. O Senhor Supremo é independente, e a alma individual também é independente. Embora não haja comparação entre as duas qualidades de independência, a entidade viva é diminutamente independente, e o Senhor Supremo é plenamente independente. Assim como a alma individual tem um corpo material feito de cinco elementos e de sentidos, da mesma forma, o supremo Senhor independente tem o corpo gigantesco do universo. O corpo individual é temporário; da mesma forma, todo o universo, que é considerado o corpo do Senhor Supremo, também é temporário, e tanto o corpo individual quanto o corpo universal são produtos do mahat-tattva. Devemos entender as diferenças usando a inteligência. Todos sabem que seu corpo material se desenvolve a partir de uma centelha espiritual, e, de forma semelhante, o corpo universal se desenvolve a partir da centelha suprema, a Superalma. Assim como o corpo individual se desenvolve a partir da alma individual, o corpo gigantesco do universo se desenvolve a partir da Alma Suprema. Assim como a alma individual tem consciência, a Alma Suprema também é consciente. Porém, embora haja uma semelhança entre a consciência da Alma Suprema e a consciência da alma individual, a consciência da alma individual é limitada, ao passo que a consciência da Alma Suprema é ilimitada. Isso está descrito na Bhagavad-gītā (13.3). Kṣetra-jñaṁ cāpi māṁ viddhi: a Superalma está presente em todos os campos de atividades, assim como a alma individual está presente no corpo individual. Ambas são conscientes. A diferença é que a alma individual é consciente apenas do corpo individual, ao passo que a Superalma é consciente do número total de corpos individuais.

Texto

etad vai śraddhayā bhaktyā
yogābhyāsena nityaśaḥ
samāhitātmā niḥsaṅgo
viraktyā paripaśyati

Sinônimos

etat — este; vai — certamente; śraddhayā — com fé; bhaktyā — mediante o serviço devocional; yoga-abhyāsena — pela prática de yoga; nityaśaḥ — sempre; samāhita-ātmā — aquele cuja mente está fixa; niḥsaṅgaḥ — à parte do contato com a matéria; viraktyā — pelo desapego; paripaśyati — entende.

Tradução

Este conhecimento perfeito pode ser obtido por uma pessoa que já está ocupada em serviço devocional com fé, estabilidade e pleno desapego, e que sempre está absorta em pensar no Supremo. Ela se mantém à parte do contato com a matéria.

Comentário

O místico ateísta praticante de yoga não pode entender este conhecimento perfeito. Somente pessoas que se dedicam às atividades práticas do serviço devocional em plena consciência de Kṛṣṇa podem absorver-se em pleno samādhi. Para elas, é possível ver e entender o verdadeiro sentido de toda a manifestação cósmica e sua causa. Aqui se afirma com clareza que isso não é possível de ser entendido por alguém que não tenha desenvolvido serviço devocional com fé plena. As palavras samāhitātmā e samādhi são sinônimas.

Texto

ity etat kathitaṁ gurvi
jñānaṁ tad brahma-darśanam
yenānubuddhyate tattvaṁ
prakṛteḥ puruṣasya ca

Sinônimos

iti — assim; etat — este; kathitam — descrito; gurvi — ó respeitável mãe; jñānam — conhecimento; tat — isto; brahma — a Verdade Absoluta; darśanam — revelando; yena — pelo qual; anubuddhyate — é compreendida; tattvam — a verdade; prakṛteḥ — da matéria; puruṣasya — do espírito; ca — e.

Tradução

Minha querida e respeitável mãe, Eu já descrevi o caminho da compreensão da Verdade Absoluta, pelo qual é possível entender a real verdade sobre a matéria e o espírito e a relação entre os dois.

Texto

jñāna-yogaś ca man-niṣṭho
nairguṇyo bhakti-lakṣaṇaḥ
dvayor apy eka evārtho
bhagavac-chabda-lakṣaṇaḥ

Sinônimos

jñāna-yogaḥ — investigação filosófica; ca — e; mat-niṣṭhaḥ — voltada para Mim; nairguṇyaḥ — livre dos modos materiais da natureza; bhakti — serviço devocional; lakṣaṇaḥ — chamado; dvayoḥ — de ambos; api — além disso; ekaḥ — único; eva — certamente; arthaḥ — propósito; bhagavat — a Suprema Personalidade de Deus; śabda — pela palavra; lakṣaṇaḥ — conhecido.

Tradução

A investigação filosófica culmina na compreensão da Suprema Personalidade de Deus. Após atingir esta compreensão, quando alguém se livra dos modos materiais da natureza, alcança a fase de serviço devocional. Seja diretamente através do serviço devocional, seja através da investigação filosófica, tem-se de encontrar o mesmo destino, que é a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

A Bhagavad-gītā diz que, após muitas e muitas vidas de investigação filosófica, o sábio finalmente chega ao ponto de saber que Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, é tudo, motivo pelo qual se rende a Ele. Esses estudantes sérios em investigação filosófica são raros porque são almas grandiosíssimas. Se, através da investigação filosófica, alguém não puder chegar ao ponto de entender a Pessoa Suprema, não terá terminado sua tarefa. Ele ainda precisará continuar sua pesquisa de conhecimento até que chegue ao ponto de entender o Senhor Supremo ao prestar-Lhe serviço devocional.

A oportunidade para o contato direto com a Personalidade de Deus é oferecida na Bhagavad-gītā, onde também se diz que aqueles que adotam outros processos, a saber, o processo de especulação filosófica e a prática do yoga místico, têm muita dificuldade. Após muitos e muitos anos de muita dificuldade, o yogī ou filósofo sábio poderá chegar até Ele, mas seu caminho é muito incômodo, ao passo que o caminho do serviço devocional é fácil para todos. Pode-se obter o resultado de sábia especulação filosófica simplesmente praticando serviço devocional, e, a não ser que alguém chegue ao ponto de entender a Personalidade de Deus mediante sua especulação mental, toda a sua investigação será considerada mero trabalho gratuito e infrutífero. O destino final do filósofo sábio é fundir-se no Brahman impessoal, mas esse Brahman é a refulgência da Pessoa Suprema. O Senhor diz na Bhagavad-gītā (14.27) que brahmaṇo hi pratiṣṭhāham amṛtasyāvyayasya ca: “Eu sou a base do Brahman impessoal, que é indestrutível e é a bem-aventurança suprema.” O Senhor é o reservatório supremo de todo o prazer, incluindo o prazer do Brahman; portanto, afirma-se que quem tem fé inabalável na Suprema Personalidade de Deus já compreendeu o Brahman impessoal e o Paramātmā.

Texto

yathendriyaiḥ pṛthag-dvārair
artho bahu-guṇāśrayaḥ
eko nāneyate tadvad
bhagavān śāstra-vartmabhiḥ

Sinônimos

yathā — como; indriyaiḥ — pelos sentidos; pṛthak-dvāraiḥ — de diferentes maneiras; arthaḥ — um objeto; bahu-guṇa — muitas qualidades; āśrayaḥ — dotado de; ekaḥ — único; nānā — diferentemente; īyate — é percebido; tadvat — analogamente; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; śāstra-vartmabhiḥ — segundo diferentes preceitos escriturais.

Tradução

Um único objeto é apreciado de modo diferente por diferentes sentidos por ter diferentes qualidades. Analogamente, a Suprema Personalidade de Deus é única, mas, segundo diferentes preceitos escriturais, parece ser diferente.

Comentário

Parece que, seguindo o caminho de jñāna-yoga, ou a especulação filosófica empírica, alcançamos o Brahman impessoal, ao passo que, executando serviço devocional em consciência de Kiṣna, enriquecemos nossa fé e devoção à Personalidade de Deus. Mas aqui se afirma que tanto bhakti-yoga quanto jñāna-yoga destinam-se a alcançar o mesmo objetivo: a Personalidade de Deus. Pelo processo de jñāna-yoga, a mesma Personalidade de Deus parece ser impessoal. Assim como o mesmo objeto parece ser diferente quando percebido por diferentes sentidos, o mesmo Senhor Supremo parece ser impessoal através da especulação mental. Uma colina pode parecer nublada à distância, e quem não a conhece poderá especular que a colina é uma nuvem. Na verdade, não é uma nuvem – é uma grande colina. É preciso aprender de alguma autoridade que a aparência de nuvem não é realmente uma nuvem, mas sim uma colina. Se progredimos um pouco mais, então, em vez de uma nuvem, vemos a colina e algo verde. Quando realmente nos aproximarmos da colina, veremos muitas variedades. Outro exemplo está na maneira de perceber o leite. Ao vermos o leite, observamos que ele é branco; saboreando-o, o leite parece muito gostoso. Quando tocamos o leite, ele parece muito frio; quando o cheiramos, ele parece ter um bom aroma; e, quando ouvimos, entendemos que ele se chama leite. Percebendo o leite com diferentes sentidos, dizemos que ele é algo branco, algo muito delicioso, algo muito aromático e assim por diante. Na verdade, trata-se do leite. Analogamente, aqueles que tentam encontrar a Divindade Suprema mediante a especulação mental podem se aproximar da refulgência corpórea, ou o Brahman impessoal, e aqueles que tentam encontrar a Divindade Suprema através da prática de yoga podem encorajá-lo como a Superalma localizada, mas aqueles que procuram aproximar-se diretamente da Verdade Suprema pela prática de bhakti-yoga podem ver a Verdade Suprema face a face como a Pessoa Suprema.

Em última análise, a Pessoa Suprema é o destino de todos os diferentes processos. A pessoa afortunada que, seguindo os princípios das escrituras, purifica-se inteiramente de toda a contaminação material, rende-se ao Senhor Supremo como tudo. Assim como podemos apreciar o verdadeiro sabor do leite com a língua, e não com os olhos, narinas ou ouvidos, de forma semelhante, só se pode apreciar a Verdade Absoluta com perfeição e com todo o deleitável prazer através de um caminho, o serviço devocional. Confirma-se isso também na Bhagavad-gītā. Bhaktyā mām abhijānāti: se alguém desejar entender a Verdade Absoluta com perfeição, deverá adotar o serviço devocional. Evidentemente, ninguém pode entender a Verdade Absoluta com toda a perfeição. Contudo, a entidade viva alcança o ponto mais elevado de compreensão praticando serviço devocional, e de nenhuma outra maneira.

Seguindo diversos caminhos escriturais, pode ser que se chegue à refulgência impessoal da Suprema Personalidade de Deus. O prazer transcendental obtido da fusão no Brahman impessoal, ou do entendimento do Brahman impessoal, é muito extenso porque Brahman é ananta. Tad brahma niṣkalaṁ anantam: o brahmānanda é ilimitado. Mas esse prazer ilimitado também pode ser superado. Essa é a natureza da Transcendência. O ilimitado também pode ser superado, e essa plataforma superior é Kṛṣṇa. Quando alguém se relaciona diretamente com Kṛṣṇa, a doçura e o humor saboreados pela reciprocidade de serviço devocional são incomparáveis, mesmo diante do prazer obtido do Brahman transcendental. Prabodhānanda Sarasvatī, portanto, diz que kaivalya, o prazer do Brahman, é sem dúvida enorme e é apreciado por muitos filósofos, mas, para um devoto, que compreende como obter prazer na reciprocidade de serviço devocional com o Senhor, esse Brahman ilimitado parece infernal. Devemos tentar, portanto, transcender inclusive o prazer do Brahman a fim de nos aproximarmos da posição de nos relacionar com Kṛṣṇa face a face. Assim como a mente é o centro de todas as atividades dos sentidos, Kṛṣṇa é chamado de o senhor dos sentidos, Hṛṣīkeśa. O processo consiste em fixar a mente em Hṛṣīkeśa, ou Kṛṣṇa, como fez Mahārāja Ambariṣa (sa vai manaḥ kṛṣṇa-padāravindayoḥ). Bhakti é o princípio básico de todos os processos. Sem bhakti, jñāna-yoga ou aṣṭāṅga-yoga não podem ser bem-sucedidos, e, a não ser que nos aproximemos de Kṛṣṇa, os princípios de autorrealização não têm destino final.

Texto

kriyayā kratubhir dānais
tapaḥ-svādhyāya-marśanaiḥ
ātmendriya-jayenāpi
sannyāsena ca karmaṇām
yogena vividhāṅgena
bhakti-yogena caiva hi
dharmeṇobhaya-cihnena
yaḥ pravṛtti-nivṛttimān
ātma-tattvāvabodhena
vairāgyeṇa dṛḍhena ca
īyate bhagavān ebhiḥ
saguṇo nirguṇaḥ sva-dṛk

Sinônimos

kriyayā — mediante atividades fruitivas; kratubhiḥ — mediante realizações sacrificatórias; dānaiḥ — através de caridade; tapaḥ — austeridades; svādhyāya — estudo da literatura védica; marśanaiḥ — e através da investigação filosófica; ātma-indriya jayena — controlando a mente e os sentidos; api — também; sannyāsena — pela renúncia; ca — e; karmaṇām — de atividades fruitivas; yogena — pela prática de yoga; vividha-aṅgena — de diferentes divisões; bhakti-yogena — pelo serviço devocional; ca — e; eva — certamente; hi — de fato; dharmeṇa — pelos deveres prescritos; ubhaya-cihnena — tendo ambos os sintomas; yaḥ — que; pravṛtti — apego; nivṛtti-mān — contendo desapego; ātma-tattva — a ciência da autorrealização; avabodhena — entendendo; vairāgyeṇa — pelo desapego; dṛḍhena — forte; ca — e; īyate — é percebida; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; ebhiḥ — por esses; sa-guṇaḥ — no mundo material; nirguṇaḥ — além dos modos materiais; sva-dṛk — quem vê sua posição constitucional.

Tradução

Executando atividades fruitivas e sacrifícios, distribuindo caridade, fazendo austeridades, estudando diversas literaturas, empreendendo investigação filosófica, controlando a mente, subjugando os sentidos, aceitando a ordem de vida renunciada e cumprindo os deveres prescritos de sua ordem social, praticando as diferentes divisões do sistema de yoga, realizando serviço devocional e manifestando o processo de serviço devocional que contém tanto os sintomas de apego quanto os de desapego, entendendo a ciência da autorealização e desenvolvendo forte sentido de desapego, quem é hábil em entender os diferentes processos de autorrealização compreende a Suprema Personalidade de Deus como Ele Se apresenta no mundo material, bem como na transcendência.

Comentário

Como se afirmou no verso anterior, é preciso seguir os princípios das escrituras. Há diferentes deveres prescritos para pessoas nas diferentes ordens sociais e espirituais. Aqui se afirma que a execução de atividades fruitivas e sacrifícios e distribuição de caridade são atividades destinadas a pessoas que estão na ordem familiar da sociedade. Quatro são as ordens do sistema social: brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa. Para os gṛhasthas, ou chefes de família, recomendam-se especialmente a prática de sacrifício, distribuição de caridade e ação segundo os deveres prescritos. De modo semelhante, austeridade, estudo da literatura védica e investigação filosófica destinam-se aos vānaprasthas, ou pessoas retiradas. O estudo da literatura védica sob a guia de um mestre espiritual fidedigno destina-se ao brahmacārī, ou estudante. Ātmendriya-jaya, controle da mente e domínio sobre os sentidos, destinam-se a pessoas na ordem de vida renunciada. Todas essas diferentes atividades são prescritas para diferentes pessoas para que elas se elevem à plataforma de autorrealização e, dali, à consciência de Kṛṣṇa, serviço devocional.

As palavras bhakti-yogena caiva hi querem dizer que qualquer coisa que deva ser executada, como se descreve no verso 34, ou yoga, ou sacrifício, ou atividade fruitiva, ou estudo da literatura védica, ou investigação filosófica, ou aceitação da ordem de vida renunciada, deve ser executada em bhakti-yoga. Segundo a gramática sânscrita, as palavras caiva hi indicam que é preciso executar todas essas atividades misturadas com serviço devocional, ou tais atividades não produzirão nenhum fruto. Qualquer atividade prescrita deve ser executada para o benefício da Suprema Personalidade de Deus. Confirma-se na Bhagavad-gītā (9.27), yat karoṣi yad aśnāsi: “Tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que sacrificares, toda a austeridade que praticares e toda a caridade que deres, deverás oferecer o resultado de tudo isso ao Senhor Supremo.” Acrescenta-se a palavra eva para indicar que é preciso executar atividades dessa maneira. A menos que adicionemos serviço devocional a todas as atividades, não poderemos alcançar o resultado desejado. Quando, porém, o bhakti-yoga sobressair em todas as atividades, então a meta última será certa.

Devemos nos aproximar da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, como se afirma na Bhagavad-gītā: “Após muitos e muitos nascimentos, alguém se aproxima da Pessoa Suprema, Kṛṣṇa, e se rende a Ele, sabendo que Ele é tudo.” Ainda na Bhagavad-gītā, o Senhor diz, bhoktāraṁ yajña-tapasām: “Para qualquer pessoa que pratique rigorosas austeridades ou para qualquer pessoa que execute diferentes espécies de sacrifícios, o beneficiário é a Suprema Personalidade de Deus.” Ele é proprietário de todos os planetas, e Ele é o amigo de toda alma vivente.

As palavras dharmeṇobhaya-cihnena querem dizer que o processo de bhakti-yoga contém dois sintomas, a saber, apego ao Senhor Supremo e desapego de todas as afinidades materiais. Há dois sintomas de avanço no processo de serviço devocional, assim como ocorrem dois processos enquanto se come. Um homem faminto sente força e satisfação ao comer e, ao mesmo tempo, ele gradualmente se desapega de comer mais. Analogamente, com a execução de serviço devocional, desenvolve-se verdadeiro conhecimento, e nos desapegamos de todas as atividades materiais. Em nenhuma outra atividade senão o serviço devocional ocorrem o desapego da matéria e o apego ao Supremo. Há nove processos diferentes para se aumentar esse apego ao Senhor Supremo: ouvir, cantar, recordar, adorar, servir ao Senhor, fazer amizade, orar, oferecer tudo e servir aos pés de lótus do Senhor. Os processos para se aumentar o desapego das afinidades materiais são explicados no verso 36.

Podemos obter elevação aos sistemas planetários superiores, como o reino celestial, executando nossos deveres prescritos e fazendo sacrifícios. Quando alguém transcende esses desejos por aceitar a ordem de vida renunciada, pode entender o aspecto Brahman do Supremo, e, quando é capaz de ver sua verdadeira posição constitucional, vê todos os demais processos e situa-se na fase de serviço devocional puro. Nesse momento, ele pode entender a Suprema Personalidade de Deus, Bhagavān.

O entendimento da Pessoa Suprema chama-se ātma-tattva-avabodhena, que significa “entendimento de nossa verdadeira posição constitucional”. Se alguém realmente entende sua posição constitucional como servo eterno do Senhor Supremo, ele se desapega do serviço ao mundo material. Todos se dedicam a alguma espécie de serviço. Quem não conhece sua posição constitucional ocupa-se a serviço de seu corpo grosseiro pessoal ou de sua família, sociedade ou nação. Porém, tão logo seja capaz de ver sua posição constitucional (a palavra sva-dṛk significa “aquele que é capaz de ver”), a pessoa se desapegará desse serviço material e se dedicará ao serviço devocional.

Enquanto estivermos nos modos da natureza material e estivermos executando os deveres prescritos nas escrituras, poderemos nos elevar aos sistemas planetários superiores, onde as deidades predominantes são representações materiais da Suprema Personalidade de Deus, como o deus do Sol, o deus da Lua, o deus do ar, Brahmā e o senhor Śiva. Todos os diferentes semideuses são representações materiais do Senhor Supremo. Mediante atividades materiais, podemos aproximar-nos somente desses semideuses, como se afirma na Bhagavad-gītā (9.25). Yānti deva-vratā devān: aqueles que se apegam aos semideuses e que executam seus deveres prescritos podem aproximar-se das moradas dos semideuses. Dessa maneira, pode-se ir ao planeta dos Pitās, ou antepassados. De forma semelhante, quem entende plenamente a verdadeira posição de sua vida adota o serviço devocional e compreende a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

prāvocaṁ bhakti-yogasya
svarūpaṁ te catur-vidham
kālasya cāvyakta-gater
yo ’ntardhāvati jantuṣu

Sinônimos

prāvocam — expliquei; bhakti-yogasya — de serviço devocional; svarūpam — a identidade; te — a ti; catuḥ-vidham — em quatro divisões; kālasya — do tempo; ca — também; avyakta-gateḥ — cujo movimento é imperceptível; yaḥ — que; antardhāvati — persegue; jantuṣu — as entidades vivas.

Tradução

Minha querida mãe, acabo de te explicar o processo de serviço devocional e sua identidade em quatro diferentes divisões sociais. Também te expliquei como o tempo eterno persegue as entidades vivas, embora seja imperceptível para elas.

Comentário

O processo de bhakti-yoga, o serviço devocional, é o principal rio que flui em direção ao oceano da Verdade Absoluta, e todos os demais processos mencionados são como afluentes. O Senhor Kapila está resumindo a importância do processo de serviço devocional. Como se descreveu antes, bhakti-yoga divide-se em quatro partes, três nos modos materiais da natureza e uma na transcendência, que não é maculada pelos modos da natureza material. O serviço devocional misturado com os modos da natureza material é um meio para a existência material, ao passo que o serviço devocional sem desejos de resultado fruitivo e sem tentativas de investigação filosófica empírica é serviço devocional puro e transcendental.

Texto

jīvasya saṁsṛtīr bahvīr
avidyā-karma-nirmitāḥ
yāsv aṅga praviśann ātmā
na veda gatim ātmanaḥ

Sinônimos

jīvasya — da entidade viva; saṁsṛtiḥ — cursos de existência material; bahvīḥ — muitos; avidyā — em ignorância; karma — pelo trabalho; nirmitāḥ — produzido; yāsu — em que; aṅga — Minha querida mãe; praviśan — entrando; ātmā — a entidade viva; na — não; veda — entende; gatim — o movimento; ātmanaḥ — dela mesma.

Tradução

Há variedades de existência material para a entidade viva conforme o trabalho que ela execute em ignorância ou esquecimento de sua verdadeira identidade. Minha querida mãe, quem entra nesse esquecimento é incapaz de entender onde seus movimentos terminarão.

Comentário

Uma vez que alguém entre na sequência da existência material, é muito difícil escapar dela. Portanto, a Suprema Personalidade de Deus vem pessoalmente ou envia Seu representante fidedigno, deixando para trás escrituras como a Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam, para que as entidades vivas que pairam na escuridão da necedade tirem proveito das instruções, das pessoas santas e dos mestres espirituais e, deste modo, libertem-se. A menos que a entidade viva receba a misericórdia das pessoas santas, do mestre espiritual ou de Kṛṣṇa, não lhe é possível escapar da escuridão da existência material – por seu próprio esforço, isso é impossível.

Texto

naitat khalāyopadiśen
nāvinītāya karhicit
na stabdhāya na bhinnāya
naiva dharma-dhvajāya ca

Sinônimos

na — não; etat — esta instrução; khalāya — aos invejosos; upadiśet — deve-se ensinar; na — não; avinītāya — ao agnóstico; karhicit — jamais; na — não; stabdhāya — aos orgulhosos; na — não; bhinnāya — aos que se comportam mal; na — não; eva — certamente; dharma-dhvajāya — aos hipócritas; ca — também.

Tradução

O Senhor Kapila continuou: Esta instrução não se destina aos invejosos, aos agnósticos ou às pessoas de hábitos sujos. Tampouco é para os hipócritas ou para pessoas que se orgulham de suas posses materiais.

Texto

na lolupāyopadiśen
na gṛhārūḍha-cetase
nābhaktāya ca me jātu
na mad-bhakta-dviṣām api

Sinônimos

na — não; lolupāya — aos cobiçosos; upadiśet — deve-se ensinar; na — não; gṛha-ārūḍha-cetase — àquele que é demasiadamente apegado à vida familiar; na — não; abhaktāya — ao não-devoto; ca — e; me — de Mim; jātu — jamais; na — não; mat — Meus; bhakta — devotos; dviṣām — àqueles que têm inveja de; api — também.

Tradução

Não deve ser ensinada a pessoas que são muito cobiçosas e demasiadamente apegadas à vida familiar, nem a pessoas que não são devotos e têm inveja dos devotos e da Personalidade de Deus.

Comentário

Pessoas que vivem planejando maldades contra outras entidades vivas não estão aptas para entender a consciência de Kṛṣṇa e não podem entrar no reino do transcendental serviço amoroso ao Senhor. Além disso, há pretensos discípulos que se tornam submissos a um mestre espiritual de maneira bastante artificial, com um motivo ulterior. Eles também não podem entender o que é a consciência de Kṛṣṇa ou o serviço devocional. Pessoas que, devido a serem iniciadas por outra seita de fé religiosa, não consideram o serviço devocional como a plataforma comum para se aproximar da Suprema Personalidade de Deus, também não podem entender a consciência de Kṛṣṇa. Temos a experiência de que certos estudantes se juntam a nós, mas, por serem influenciados por alguma espécie de fé em particular, deixam nosso oásis e perdem-se no deserto. Na verdade, a consciência de Kṛṣṇa não é uma fé religiosa sectária – é um processo instrutivo para entendermos o Senhor Supremo e nossa relação com Ele. Qualquer pessoa pode juntar-se a este movimento sem preconceito, mas, infelizmente, há pessoas que pensam de modo diferente. Portanto, é melhor não ensinar a ciência da consciência de Kṛṣṇa a tais pessoas.

De um modo geral, as pessoas materialistas estão buscando por nome, fama e ganhos materiais; assim, quem adotar a consciência de Kṛṣṇa por esses motivos nunca será capaz de entender esta filosofia. Pessoas desse tipo adotam princípios religiosos como um distintivo social. Elas se filiam a alguma instituição cultural em troca de nome apenas, especialmente nesta era. Tais pessoas também não podem entender a filosofia da consciência de Kṛṣṇa. Mesmo que alguém não cobice posses materiais, mas seja demasiadamente apegado à vida familiar, ele também não poderá entender a consciência de Kṛṣṇa. Superficialmente, essas pessoas não são muito cobiçosas por posses materiais, mas são demasiadamente apegadas a esposa, filhos e progresso familiar. Uma pessoa que não é contaminada pelos defeitos supramencionados, mas que, em última análise, não tem interesse pelo serviço à Suprema Personalidade de Deus, ou uma pessoa que não é devota, também não pode entender a filosofia da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

śraddadhānāya bhaktāya
vinītāyānasūyave
bhūteṣu kṛta-maitrāya
śuśrūṣābhiratāya ca

Sinônimos

śraddadhānāya — com fé; bhaktāya — ao devoto; vinītāya — respeitoso; anasūyave — não invejoso; bhūteṣu — com todas as entidades vivas; kṛta-maitrāya — amistosos; śuśrūṣā — serviço com fé; abhiratāya — ansioso por prestar; ca — e.

Tradução

Deve-se dar instrução ao devoto com fé e que é respeitoso com o mestre espiritual, não invejoso, amistoso com todas as espécies de entidades vivas e ansioso por prestar serviço com fé e sinceridade.

Texto

bahir-jāta-virāgāya
śānta-cittāya dīyatām
nirmatsarāya śucaye
yasyāhaṁ preyasāṁ priyaḥ

Sinônimos

bahiḥ — por aquilo que está fora; jāta-virāgāya — àquele que desenvolveu desapego; śānta-cittāya — cuja mente é pacífica; dīyatām — que seja instruído; nirmatsarāya — não invejoso; śucaye — perfeitamente limpo; yasya — de quem; aham — Eu; preyasām — de tudo que é muito querido; priyaḥ — o mais querido.

Tradução

Essa instrução deve ser transmitida pelo mestre espiritual a pessoas que consideram a Suprema Personalidade de Deus mais querida do que qualquer outra coisa, que não invejam ninguém, que são perfeitamente limpas e que desenvolveram desapego daquilo que está fora dos limites da consciência de Kṛṣṇa.

Comentário

A princípio, ninguém pode elevar-se à fase máxima de serviço devocional. Aqui bhakta significa alguém que não hesita em aceitar o processo reformatório para tornar-se um bhakta. Para que nos tornemos devotos do Senhor, temos de aceitar um mestre espiritual e indagar-lhe sobre como progredir em serviço devocional. Servir um devoto, cantar o santo nome segundo determinado método de contagem, adorar a Deidade, ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam ou a Bhagavad-gītā de uma pessoa realizada e viver em lugar sagrado onde o serviço devocional não seja perturbado são as primeiras das sessenta e quatro atividades para se progredir em serviço devocional. Aquele que aceita essas cinco atividades principais é chamado de devoto.

É preciso que estejamos dispostos a oferecer o necessário respeito e honra ao mestre espiritual. Não devemos ser desnecessariamente invejosos de nossos irmãos espirituais. Ao contrário, se um irmão espiritual é mais iluminado e mais avançado em consciência de Kṛṣṇa, devemos aceitá-lo como quase igual ao mestre espiritual e devemos nos sentir felizes de ver esses irmãos espirituais avançando em consciência de Kṛṣṇa. O devoto deve ser sempre muito amável com o público em geral ao ensinar-lhes a consciência de Kṛṣṇa, porque essa é a única solução para se escapar das garras de māyā. Isso é o trabalho realmente humanitário, pois é a maneira de mostrar misericórdia para com outras pessoas que precisam muito dela. A expressão śuśrūṣābhiratāya se refere a uma pessoa que se ocupa fielmente em servir o mestre espiritual. Deve-se oferecer serviço pessoal e toda espécie de confortos ao mestre espiritual. O devoto que o faz também é um candidato autêntico para receber essa instrução. A expressão bahir jāta-virāgāya denota uma pessoa que desenvolveu desapego das propensões materiais internas e externas. Ela não somente está desapegada de atividades que não se relacionam com a consciência de Kṛṣṇa, mas também deve estar internamente avessa ao modo de vida material. Uma pessoa assim é certamente livre de inveja e deve pensar no bem-estar de todas as entidades vivas; não só dos seres humanos, mas também de entidades vivas além dos seres humanos. A palavra śucaye se refere àquele que é limpo tanto externa quanto internamente. Para tornar-se realmente limpo por dentro e por fora, deve-se cantar o santo nome do Senhor, Hare Kṛṣṇa, ou Viṣṇu, constantemente.

A palavra dīyatām quer dizer que o conhecimento da consciência de Kṛṣṇa deve ser oferecido pelo mestre espiritual. O mestre espiritual não deve aceitar um discípulo que não seja qualificado; ele não deve ser profissional e não deve aceitar discípulos em troca de ganhos monetários. O mestre espiritual fidedigno deve ver as qualidades fidedignas de uma pessoa que ele iniciará. Uma pessoa indigna não deve ser iniciada. O mestre espiritual deve treinar seu discípulo de tal maneira que, no futuro, somente a Suprema Personalidade de Deus seja a meta mais querida de sua vida.

Nestes dois versos, as qualidades do devoto são plenamente explicadas. Alguém que tenha realmente desenvolvido todas as qualidades listadas nesses versos já se elevou ao posto de devoto. Quem não desenvolveu todas essas qualidades ainda tem que preencher essas condições para se tornar um devoto perfeito.

Texto

ya idaṁ śṛṇuyād amba
śraddhayā puruṣaḥ sakṛt
yo vābhidhatte mac-cittaḥ
sa hy eti padavīṁ ca me

Sinônimos

yaḥ — aquele que; idam — isto; śṛṇuyāt — ouça; amba — ó mãe; śraddhayā — com fé; puruṣaḥ — uma pessoa; sakṛt — alguma vez; yaḥ — aquele que; — ou; abhidhatte — repita; mat-cittaḥ — sua mente fixa em Mim; saḥ — ele; hi — certamente; eti — alcança; padavīm — morada; ca — e; me — Minha.

Tradução

Quem quer que alguma vez medite em Mim com fé e afeição, que ouça e cante sobre Mim, certamente voltará ao lar, voltará ao Supremo.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do terceiro canto, trigésimo segundo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Emaranhamento em Atividades Fruitivas”.