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CAPÍTULO QUATORZE

A Vida Familiar Ideal

Este capítulo descreve os deveres que o chefe de família desempenha de acordo com o tempo, o lugar e o executor. Quando Yudhiṣṭhira Mahārāja passou a inquirir sobre os deveres ocupacionais dos chefes de família, Nārada Muni aconselhou que o primeiro dever do gṛhastha é depender plenamente de Vāsudeva, Kṛṣṇa, e tentar satisfazê-lo em todos os sentidos, executando seu serviço devocional prescrito. Esse serviço devocional dependerá das instruções das autoridades e da associação dos devotos que estão realmente ocupados em serviço devocional. O serviço devocional começa com śravaṇa, ou a arte de ouvir. Devem-se ouvir as palavras que emanam das bocas das almas realizadas. Dessa maneira, o gṛhastha pouco a pouco extinguirá a atração que sente por sua esposa e filhos.

Quanto à manutenção de sua família, o gṛhastha, embora tenha de se empenhar para conseguir o que necessita, deve ser muito consciencioso, evitando submeter-se a esforço demasiado apenas para acumular dinheiro e desnecessariamente aumentar seus confortos materiais. Embora externamente deva ser muito ativo para ganhar sua subsistência, o gṛhastha, internamente, deve situar-se como uma pessoa plenamente realizada, sem apego aos bens materiais. No convívio com os membros familiares ou amigos, ele age simplesmente para cumprir seus deveres, e não para perder muito tempo com isso. As instruções dos membros familiares e da sociedade devem ser aceitas superficialmente, mas, em essência, o gṛhastha se fixa em deveres ocupacionais recomendados pelo mestre espiritual e pelos śāstras. Especificamente, o gṛhastha deve ganhar dinheiro se ocupando em atividades agrícolas. Como se afirma na Bhagavad-gītā (18.44), kṛṣi-go-rakṣya-vāṇijyam – agricultura, proteção às vacas e comércio – são atividades designadas aos gṛhasthas. Se por acaso ou pela graça do Senhor o gṛhastha for favorecido com dinheiro, ele deve apropriadamente ocupá-lo no movimento da consciência de Kṛṣṇa. Ninguém deve ficar ansioso por ganhar dinheiro para o simples prazer dos sentidos. O gṛhastha sempre deve lembrar-se de que quem se esforça por acumular mais dinheiro do que o necessário corre o risco de ser considerado um ladrão e ser punido pelas leis da natureza.

O gṛhastha deve ser muito afetuoso com os animais inferiores, os pássaros e as abelhas, tratando-os exatamente como seus próprios filhos. Ele não deve ficar matando pássaros ou outros animais apenas para obter gozo dos sentidos. Deve prover das necessidades vitais mesmo os cachorros e as criaturas mais inferiores e não deve explorar os outros em troca de gozo dos próprios sentidos. De fato, segundo as instruções do Śrīmad-Bhāgavatam, todo gṛhastha é um grande comunista que provê todos com os meios de subsistência. Tudo o que o gṛhastha possui, deve distribuir entre todas as entidades vivas, sem discriminação. O melhor neste processo é a distribuição de prasāda.

O gṛhastha não deve ser muito apegado à sua esposa; deve ocupar sua esposa em servir aos convidados com toda a atenção. Todo o dinheiro que lhe vem pela graça de Deus, o gṛhastha deve aplicá-lo em cinco atividades, a saber, adorar a Suprema Personalidade de Deus, receber vaiṣṇavas e pessoas santas, distribuir prasāda ao público em geral e todas as entidades vivas, oferecer prasāda aos seus antepassados, bem como oferecer prasāda para si mesmo. Os gṛhasthas devem sempre estar dispostos a adorar todos conforme o processo acima especificado. O gṛhastha não deve comer nada que não seja oferecido à Suprema Personalidade de Deus. Como se afirma na Bhagavad-gītā (3.13), yajña-śiṣṭāśinaḥ santo mucyante sarva-kilbiṣaiḥ: “Os devotos do Senhor estão livres de toda espécie de pecados porque comem alimento primeiramente oferecido em sacrifício.” O gṛhastha também precisa visitar os lugares sagrados de peregrinação mencionados nos Purāṇas. Dessa maneira, deve ocupar-se plenamente em adorar a Suprema Personalidade de Deus, beneficiando sua família, sociedade, país e a humanidade em geral.

Texto

śrī-yudhiṣṭhira uvāca
gṛhastha etāṁ padavīṁ
vidhinā yena cāñjasā
yāyād deva-ṛṣe brūhi
mādṛśo gṛha-mūḍha-dhīḥ

Sinônimos

śrī-yudhiṣṭhiraḥ uvāca — Yudhiṣṭhira Mahārāja disse; gṛhasthaḥ — uma pessoa que vive com a sua família; etām — isto (o processo mencionado no capítulo anterior); padavīm — posição de liberação; vidhinā — de acordo com as instruções contidas nas escrituras védicas; yena — através do qual; ca — também; añjasā — facilmente; yāyāt — pode obter; deva-ṛṣe — ó grande sábio entre os semideuses; brūhi — por favor, explica; mādṛśaḥ — tal como eu; gṛha-mūḍha-dhīḥ — ignorando por completo a meta da vida.

Tradução

Mahārāja Yudhiṣṭhira perguntou a Nārada Muni: Ó meu senhor, ó grande sábio, por favor, explica-nos como é que nós, que permanecemos no lar e não conhecemos a meta da vida, também podemos facilmente alcançar a liberação, de acordo com as instruções contidas nos Vedas.

Comentário

SIGNIFICADONos capítulos precedentes, o grande sábio Nārada explicou como o brahmacārī, o vānaprastha e o sannyāsī devem agir. Primeiramente, ele explicou o comportamento do brahmacārī, do vānaprastha e do sannyāsī porque esses três āśramas, ou situações de vida, são extremamente importantes na obtenção da meta da vida. Deve-se notar que, no brahmacarya-āśrama, no vānaprastha-āśrama e no sannyāsa-āśrama, a vida sexual é inadmissível, ao passo que, sob certas prescrições, permite-se o sexo na vida de gṛhastha. Nārada Muni, portanto, primeiro descreveu brahmacarya, vānaprastha e sannyāsa porque queria enfatizar que o sexo não é de fato necessário, embora alguém que sinta necessidade dele tenha permissão de assumir a vida de gṛhastha, ou vida familiar, a qual também é regulada pelos śāstras e pelo guru. Yudhiṣṭhira Mahārāja pôde entender tudo isso. Portanto, como gṛhastha, ele se apresentou como gṛha-mūḍha-dhīḥ, alguém que ignora por completo a meta da vida. Aquele que, como pai de família, permanece na vida doméstica, decerto não conhece a meta da vida; ele não é muito avançado em inteligência. Logo que possível, deve-se abandonar a suposta vida confortável do lar e se preparar para se submeter a austeridades, ou tapasya. Tapo divyaṁ putrakā. De acordo com as instruções que Ṛṣabhadeva transmitiu aos Seus filhos, não devemos criar uma situação supostamente confortável, senão que devemos nos preparar para nos submetermos a austeridades. É essa a maneira como o ser humano deve realmente viver para alcançar a meta última da vida.

Texto

śrī-nārada uvāca
gṛheṣv avasthito rājan
kriyāḥ kurvan yathocitāḥ
vāsudevārpaṇaṁ sākṣād
upāsīta mahā-munīn

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Śrī Nārada Muni respondeu; gṛheṣu — no lar; avasthitaḥ — permanecendo (de um modo geral, um pai de família permanece no lar com sua esposa e filhos); rājan — ó rei; kriyāḥ — atividades; kurvan — executando; yathocitāḥ — apropriadas (como instruem o guru e os śāstras); vāsudeva — ao Senhor Vāsudeva; arpaṇam — dedicando; sākṣāt — diretamente; upāsīta — deve adorar; mahā-munīn — os grandes devotos.

Tradução

Nārada Muni respondeu: Meu querido rei, todo aquele que permanece no lar como pai de família tem que trabalhar para subsistir e, em vez de tentar desfrutar dos resultados do seu trabalho, deve oferecer esses resultados a Kṛṣṇa, Vāsudeva. Através da associação com grandes devotos do Senhor, ele aprende perfeitamente como satisfazer Vāsudeva nesta vida.

Comentário

SIGNIFICADOA vida de gṛhastha deve ser consagrada à Suprema Personalidade de Deus. Na Bhagavad-gītā (6.1), afirma-se:

anāśritaḥ karma-phalaṁ
kāryaṁ karma karoti yaḥ
sa sannyāsī ca yogī ca
na niragnir na cākriyaḥ

“Aquele que não está apegado aos frutos do trabalho e que trabalha conforme sua obrigação está na ordem de vida renunciada e é um místico de verdade, mas essa definição não se aplica àquele que não acende nenhum fogo nem executa trabalho algum.” Quer alguém aja como brahmacārī, gṛhastha, vānaprastha ou sannyāsī, deve agir somente para a satisfação da Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva – Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva. Esse princípio deve estar inserido na vida de todos. Nārada Muni já descreveu os princípios vigentes na vida do brahmacārī, do vānaprastha e do sannyāsī, e agora descreve como o gṛhastha deve viver. O princípio básico é satisfazer a Suprema Personalidade de Deus.

A ciência de satisfazer o Senhor Supremo pode ser aprendida da maneira aqui descrita: sākṣād upāsīta mahā-munīn. A palavra mahāmunīn se refere a grandes santos ou devotos. De um modo geral, as pessoas santas são conhecidas como munis, ou filósofos, pensadores, interessados em temas transcendentais, e mahā-munīn se refere àqueles que não apenas entendem perfeitamente a meta da vida, mas estão de fato ocupados em satisfazer Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus. Eles são conhecidos como devotos. Enquanto alguém não se associar com os devotos, não conseguirá aprender a ciência de vāsudevārpaṇa, ou como dedicar a sua vida a Vāsudeva, Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus.

Na Índia, os princípios dessa ciência eram seguidos estritamente. Mesmo há cinquenta anos, observei que nos lugarejos da Bengala e nos subúrbios de Calcutá, as pessoas, quando concluíam todas as suas atividades, ou pelo menos à noite, antes de se deitar, ocupavam-se em ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam diariamente. Todos costumavam ouvir o Bhāgavatam. As aulas bhāgavatas eram proferidas em todas as vilas, em razão do que as pessoas tinham a oportunidade de ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam, que descreve tudo sobre a meta da vida – a liberação ou a salvação. Isso será claramente explicado nos versos seguintes.

Texto

śṛṇvan bhagavato ’bhīkṣṇam
avatāra-kathāmṛtam
śraddadhāno yathā-kālam
upaśānta-janāvṛtaḥ
sat-saṅgāc chanakaiḥ saṅgam
ātma-jāyātmajādiṣu
vimuñcen mucyamāneṣu
svayaṁ svapnavad utthitaḥ

Sinônimos

śṛṇvan — ouvir; bhagavataḥ — do Senhor; abhīkṣṇam — sempre; avatāra — das encarnações; kathā — narrações; amṛtam — o néctar; śraddadhānaḥ — sendo muito fiel em ouvir a respeito da Suprema Personalidade de Deus; yathā-kālam — de acordo com o tempo (em geral, o gṛhastha pode dispor de tempo à noite ou à tarde); upaśānta — inteiramente livre das atividades materiais; jana — de pessoas; āvṛtaḥ — estando cercado; sat-saṅgāt — nessa boa associação; śanakaiḥ — aos poucos; saṅgam — associação; ātma — no corpo; jāyā — na esposa; ātma-ja-ādiṣu — bem como nos filhos; vimuñcet — ele deve livrar-se do apego a essa associação; mucyamāneṣu — sendo afastada (dele); svayam — pessoalmente; svapna-vat — como um sonho; utthitaḥ — acordado.

Tradução

O gṛhastha deve associar-se frequentemente com pessoas santas e, com muito respeito, deve ouvir o néctar das atividades do Senhor Supremo e de Suas encarnações conforme essas atividades são descritas no Śrīmad-Bhāgavatam e em outros Purāṇas. Assim, tal qual um homem despertando de um sonho, pouco a pouco ele deve desapegar-se da afeição à sua esposa e filhos.

Comentário

SIGNIFICADOO movimento da consciência de Kṛṣṇa foi estabelecido para que, no mundo inteiro, os gṛhasthas tenham a oportunidade de ouvir especialmente o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā. O processo, como se descreveu em várias ocasiões, consiste em ouvir e cantar (śṛṇvatāṁ sva-kathāḥ kṛṣṇaḥ puṇya-śravaṇa-kīrtanaḥ). Todos, notadamente os gṛhasthas, que são mūḍha-dhī, ignorantes quanto à meta da vida, devem ter essa oportunidade de ouvir a respeito de Kṛṣṇa. Pelo simples fato de ouvir isso e assistir às aulas nos diferentes centros do movimento da consciência de Kṛṣṇa, onde são ventilados tópicos relacionados com Kṛṣṇa, os quais estão contidos na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam, eles se purificarão de suas inclinações pecaminosas que os induzem à constante prática de sexo ilícito, consumo de carne, intoxicação e participação em jogos de azar, atividades estas tão proeminentes nos dias modernos. Assim, podem elevar-se a um estado de iluminação. Puṇya-śravaṇa-kīrtanaḥ. Simplesmente participando do kīrtana – Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare – e ouvindo o que a Bhagavad-gītā fala sobre Kṛṣṇa, todos podem purificar-se, especialmente caso também comam prasāda. O movimento da consciência de Kṛṣṇa está proporcionando tudo isso.

Outra descrição especial aqui apresentada é śṛṇvan bhagavato ’bhīkṣṇam avatāra-kathāmṛtam. Ninguém deve pensar que, só porque terminou a leitura da Bhagavad-gītā, não precisa ouvi-lo novamente. A palavra abhīkṣṇam é muito importante. Devemos ouvir repetidas vezes. Não há por que parar: mesmo que alguém tenha lido esses tópicos muitas vezes, deve continuar lendo-os repetidas vezes, pois o bhagavat-kathā, as palavras faladas por Kṛṣṇa e aquelas que os devotos de Kṛṣṇa falam acerca de Kṛṣṇa, são amṛtam, néctar. Quanto mais alguém bebe esse amṛtam, mais avança para a vida eterna.

A pessoa deve utilizar a forma de vida humana para obter a liberação, mas, infelizmente, devido à influência de Kali-yuga, todos os dias os gṛhasthas trabalham como asnos. De manhã bem cedo, eles se levantam e percorrem os cento e cinquenta quilômetros que os separam de seu local de trabalho. Especialmente nos países ocidentais, tive a oportunidade de observar que as pessoas acordam às cinco horas e vão até os escritórios e fábricas para poderem sobreviver. Em Calcutá e Bombaim, as pessoas também fazem isso todos os dias. Trabalham muito arduamente no escritório ou na fábrica e, então, na volta para casa, gastam três ou quatro horas de transporte. Recolhem-se às dez horas da noite para, no dia seguinte, acordarem bem cedo e se dirigirem aos seus escritórios e fábricas. Descreve-se essa espécie de trabalho árduo nos śāstras como a vida de porcos e comedores de fezes. Nāyaṁ deho deha-bhājāṁ nṛloke kaṣṭān kāmān arhate viḍ-bhujāṁ ye: “De todas as entidades vivas que aceitaram corpos materiais neste mundo, aquela que recebeu esta forma humana não deve trabalhar arduamente dia e noite na simples tentativa de obter gozo dos sentidos, o qual está disponível até mesmo para os cães e porcos que comem excremento.” (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.1) Deve-se reservar algum tempo para ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā. Essa é a cultura védica. Para subsistir, a pessoa deve trabalhar, no máximo, oito horas por dia, e, ou à tarde ou à noite, o pai de família deve associar-se com os devotos para ouvir sobre as encarnações e atividades de Kṛṣṇa e, dessa maneira, livrar-se gradualmente das garras de māyā. Entretanto, em vez de reservar tempo para ouvir a respeito de Kṛṣṇa, o pai de família, após o trabalho árduo nos escritórios e fábricas, usa seu tempo para ir a clubes e restaurantes, onde, em vez de ouvir sobre Kṛṣṇa e Suas atividades, fica muito satisfeito em ouvir sobre as atividades políticas dos demônios e dos não devotos ou em desfrutar de sexo, vinho, mulheres e carne, e é dessa maneira que desperdiça seu tempo. Isso não é vida de gṛhastha, senão que se trata de vida demoníaca. Entretanto, o movimento da consciência de Kṛṣṇa, com os seus centros em todo o mundo, proporciona a essas pessoas caídas e condenadas a oportunidade de ouvirem sobre Kṛṣṇa.

Em nossos sonhos, formamos uma sociedade de amizade e amor, mas, quando acordamos, vemos que ela deixou de existir. Igualmente, a sociedade, família e amor do cotidiano também são um sonho, e esse sonho acabará logo que morrermos. Portanto, quer alguém esteja sonhando de maneira sutil, quer de maneira grosseira, todos esses sonhos são falsos e temporários. O verdadeiro dever da pessoa é entender que ela é a alma (ahaṁ brahmāsmi), cabendo-lhe, então, executar atividades diferentes. Com isso, ela poderá ser feliz.

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

“Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e se torna completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.” (Bhagavad-gītā 18.54) Quem está ocupado em serviço devocional pode libertar-se do sonho da vida material muito facilmente.

Texto

yāvad-artham upāsīno
dehe gehe ca paṇḍitaḥ
virakto raktavat tatra
nṛ-loke naratāṁ nyaset

Sinônimos

yāvat-artham — tanto esforço quanto é necessário para a subsistência; upāsīnaḥ — ganhando; dehe — no corpo; gehe — nos assuntos familiares; ca — também; paṇḍitaḥ — aquele que é erudito; viraktaḥ — nem um pouco apegado; rakta-vat — como se fosse muito apegado; tatra — nesta; nṛ-loke — sociedade humana; naratām — a forma de vida humana; nyaset — a pessoa deve desempenhar.

Tradução

Enquanto trabalha para ganhar os meios de subsistência necessários para a sua manutenção, quem é realmente erudito deve viver na sociedade humana desapegado dos afazeres familiares, embora, externamente, pareça muito apegado.

Comentário

SIGNIFICADOEste é o retrato da vida familiar ideal. Quando Śrī Caitanya Mahāprabhu lhe perguntou sobre a meta da vida, Rāmānanda Rāya descreveu a meta da vida de diferentes maneiras, segundo as recomendações das escrituras reveladas, até que, por fim, Śrī Rāmānanda Rāya explicou que a pessoa pode permanecer em sua devida posição de brāhmaṇa, śūdra, sannyāsī ou o que quer que seja, mas deve esforçar-se para indagar sobre a meta da vida (athāto brahma-jijñāsā). Essa é a maneira adequada de se utilizar a forma de vida humana. Quando alguém desperdiça a dádiva que é a forma humana e, entregue às propensões animais, dedica-se a comer, dormir, acasalar-se e defender-se, sem tentar sair das garras de māyā, que sujeita as pessoas a repetidos nascimentos, mortes, doenças e velhices, ele é novamente punido, sendo forçado a descer às espécies inferiores e a se submeter à evolução de acordo com as leis da natureza. Prakṛteḥ kriyamāṇāni guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ. Estando sob o completo controle da natureza material, a entidade viva tem que voltar a evoluir das espécies inferiores às espécies superiores, até que, por fim, retorna à vida humana e obtém a oportunidade de se livrar das garras materiais. O homem sábio, entretanto, aprende com os śāstras e com o guru que nós, entidades vivas, somos todos eternos, mas somos postos em condições adversas porque nos associamos com os diferentes modos regidos pelas leis da natureza material. Portanto, ele chega à conclusão de que, na forma de vida humana, ninguém deve ficar criando necessidades, senão que deve levar uma vida muito simples, procurando apenas se manter vivo. Decerto que a pessoa precisa de algum meio de subsistência, e, de acordo com o seu varṇa e āśrama, esses meios de subsistência são prescritos nos śāstras. Ela deve ficar satisfeita com isso. Portanto, em vez de almejar mais e mais dinheiro, o devoto sincero do Senhor se contenta em obter apenas o necessário para subsistir, em consequência do que Kṛṣṇa o ajuda. Portanto, conseguir os meios de subsistência não é um problema de maneira alguma. O verdadeiro problema consiste em a pessoa se livrar do cativeiro manifesto sob a forma de nascimento, morte e velhice. Alcançar essa liberdade, e não criar necessidades excessivas, é o princípio básico da civilização védica. Todos devem satisfazer-se com os meios de subsistência que surgem naturalmente. A civilização materialista moderna é exatamente o oposto da civilização ideal. Todos os dias, os falsos líderes da sociedade moderna inventam algo que contribui para complicar o modo de vida das pessoas, prendendo-as cada vez mais ao ciclo de nascimento, morte, velhice e doença.

Texto

jñātayaḥ pitarau putrā
bhrātaraḥ suhṛdo ’pare
yad vadanti yad icchanti
cānumodeta nirmamaḥ

Sinônimos

jñātayaḥ — parentes, membros familiares; pitarau — o pai e a mãe; putrāḥ — filhos; bhrātaraḥ — irmãos; suhṛdaḥ — amigos; apare — e outros; yat — tudo o que; vadanti — eles sugiram (com respeito aos meios de subsistência); yat — tudo o que; icchanti — eles desejem; ca — e; anumodeta — a pessoa deve concordar; nirmamaḥ — mas sem os levar a sério.

Tradução

Na sociedade humana, o homem inteligente deve tornar muito simples o seu programa de atividades pessoais. Se seus amigos, filhos, pais e irmãos ou alguma outra pessoa derem alguma sugestão, ele deve apresentar sua aprovação externa, dizendo: “Sim, está certo”, mas, internamente, deve estar determinado a não criar uma vida complicada, na qual o objetivo último não seja alcançado.

Texto

divyaṁ bhaumaṁ cāntarīkṣaṁ
vittam acyuta-nirmitam
tat sarvam upayuñjāna
etat kuryāt svato budhaḥ

Sinônimos

divyam — facilmente obtida devido à chuva que cai do céu; bhaumam — obtida das minas e do mar; ca — e; āntarīkṣam — obtida por acaso; vittam — toda a propriedade; acyuta-nirmitam — criadas pela Suprema Personalidade de Deus; tat — essas coisas; sarvam — todas; upayuñjāna — utilizando (para toda a sociedade humana ou todos os seres vivos); etat — isto (manter-se viva); kuryāt — a pessoa deve fazer; svataḥ — obtido espontaneamente, sem dedicação a esse propósito; budhaḥ — a pessoa inteligente.

Tradução

Os produtos naturais criados pela Suprema Personalidade de Deus devem ser utilizados para a manutenção de todas as entidades vivas. As necessidades da vida são de três espécies: aquelas produzidas por intercessão do céu [através da chuva], da terra [através das minas, mares ou campos] e da atmosfera [aquilo que se obtém espontânea e inesperadamente].

Comentário

SIGNIFICADONós, diferentes formas de entidades vivas, somos todos filhos da Suprema Personalidade de Deus, como o Senhor confirma na Bhagavad-gītā (14.4):

sarva-yoniṣu kaunteya
mūrtayaḥ sambhavanti yāḥ
tāsāṁ brahma mahad-yonir
ahaṁ bīja-pradaḥ pitā

“Ó filho de Kuntī, deve-se compreender que é com o nascimento nesta natureza material que todas as entidades vivas, em todas as espécies de vida, tornam-se possíveis, e que Eu sou o pai que dá a semente.” Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, é o pai de todas as diferentes espécies e formas de entidades vivas. Quem é inteligente pode ver que todas as entidades vivas nas 8.400.000 formas corpóreas são partes da Suprema Personalidade de Deus e são Seus filhos. Tudo o que está dentro dos mundos material e espiritual pertence ao Senhor Supremo (īśāvasyam idaṁ sarvam) e, portanto, tudo tem relação com Ele. A esse respeito, Śrīla Rūpa Gosvāmī diz:

prāpañcikatayā buddhyā
hari-sambandhi-vastunaḥ
mumukṣubhiḥ parityāgo
vairāgyaṁ phalgu kathyate

“Quem rejeita alguma coisa e não conhece a relação existente entre ela e Kṛṣṇa adota uma renúncia imperfeita.” (Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.256) Embora os filósofos māyāvādīs digam que a criação material é falsa, na verdade, ela não o é; ela é real, mas falsa é a ideia de que tudo pertence à sociedade humana. Tudo pertence à Suprema Personalidade de Deus, pois tudo é criado por Ele. Pelo arranjo da natureza, todos os seres vivos, sendo filhos do Senhor e Suas eternas partes integrantes, têm direito de utilizar a propriedade paterna. Como se afirma nas Upaniṣads, tena tyaktena bhuñjīthā mā gṛdhaḥ kasya svid dhanam. Todos devem ficar satisfeitos com as coisas que lhes são designadas pela Suprema Personalidade de Deus; ninguém deve violar os direitos alheios ou usurpar a propriedade que pertence a outrem.

Na Bhagavad-gītā (3.14), afirma-se:

annād bhavanti bhūtāni
parjanyād anna-sambhavaḥ
yajñād bhavati parjanyo
yajñaḥ karma-samudbhavaḥ

“Todos os corpos vivos subsistem de grãos alimentícios, que são produzidos através das chuvas. As chuvas são produzidas pela execução de yajña [sacrifício], e yajña nasce dos deveres prescritos.” Quando os grãos alimentícios são produzidos em abundância, tanto os animais quanto os seres humanos podem alimentar-se e manter-se sem dificuldade. Esse é o arranjo da natureza. Prakṛteḥ kriyamāṇāni guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ. Todos agem sob a influência da natureza material, e somente os tolos pensam que podem melhorar sua condição explorando aquilo que Deus criou. Os pais de família são especialmente responsáveis por observar que as leis da Suprema Personalidade de Deus sejam acatadas para que não haja desavenças entre os homens, comunidades, sociedades ou nações. A sociedade humana deve saber como usar as dádivas de Deus, especialmente os grãos alimentícios que crescem devido à chuva que cai do céu. Como se afirma na Bhagavad-gītā, yajñād bhavati parjanyaḥ. Para que a chuva seja regular, a sociedade humana deve executar yajñas, sacrifícios. Outrora, executavam-se yajñas com apresentação de oblações de ghī e grãos alimentícios, mas, nesta era, evidentemente, isso deixou de ser possível, pois a produção de ghī e grãos alimentícios diminuiu devido à vida pecaminosa da sociedade humana. Então, as pessoas devem adotar a consciência de Kṛṣṇa e cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, como recomendam os śāstras (yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ). Se a população do mundo inteiro adotar o movimento da consciência de Kṛṣṇa, cantar a fácil vibração sonora que é o nome transcendental da Suprema Personalidade de Deus e glorificar o Senhor, não haverá escassez de chuvas; consequentemente, os cereais, frutas e flores se reproduzirão adequadamente e suprirão com facilidade todas as necessidades da vida. Os gṛhasthas, ou pais de família, devem assumir a responsabilidade de organizar essa produção natural. Portanto, afirma-se que tasyaiva hetoḥ prayateta kovidaḥ. As pessoas inteligentes devem tentar espalhar a consciência de Kṛṣṇa através do canto dos santos nomes do Senhor, em decorrência do que todas as necessidades da vida serão satisfeitas automaticamente.

Texto

yāvad bhriyeta jaṭharaṁ
tāvat svatvaṁ hi dehinām
adhikaṁ yo ’bhimanyeta
sa steno daṇḍam arhati

Sinônimos

yāvat — tanto quanto; bhriyeta — possa ficar cheio; jaṭharam — o estômago; tāvat — esta quantidade; svatvam — posse; hi — na verdade; dehinām — das entidades vivas; adhikam — mais do que isso; yaḥ — todo aquele que; abhimanyeta — possa aceitar; saḥ — ele; stenaḥ — um ladrão; daṇḍam — punição; arhati — merece.

Tradução

Cada um pode reivindicar a posse de tanta riqueza quanto lhe for necessário para se manter vivo, mas quem deseja exceder isso deve ser considerado ladrão e merece ser punido pelas leis da natureza.

Comentário

SIGNIFICADOAlgumas vezes, pelo favor de Deus, obtemos grandes quantidades de grãos alimentícios ou recebemos alguma contribuição espontânea ou um lucro inesperado nos negócios. Dessa maneira, podemos obter mais dinheiro do que o necessário. Daí surge a questão: Como gastá-lo? Não há necessidade de acumular dinheiro no banco apenas para aumentar o saldo bancário. Tal mentalidade é descrita na Bhagavad-gītā (16.13) como própria dos asuras, os demônios.

idam adya mayā labdham
imaṁ prāpsye manoratham
idam astīdam api me
bhaviṣyati punar dhanam

“O ser demoníaco pensa: ‘Tanta riqueza eu tenho hoje, e vou ganhar mais conforme meus planos. Tenho tanto agora, e isso aumentará mais e mais no futuro.’” O asura está interessado no total da riqueza que tem no banco hoje e como ela aumentará amanhã, mas os śāstras e, na era moderna, o governo não permitem o irrestrito acúmulo de riquezas. Na verdade, se alguém tem mais do que o necessário, o dinheiro extra deve ser gasto no serviço a Kṛṣṇa. De acordo com a civilização védica, deve-se dá-lo totalmente ao movimento da consciência de Kṛṣṇa, como o próprio Senhor ordena na Bhagavad-gītā (9.27):

yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam

“Tudo o que fizeres, tudo o que comeres, tudo o que ofereceres ou deres para os outros, e quaisquer austeridades que executares – faze isso, ó filho de Kuntī, como uma oferenda a Mim.” Os gṛhasthas devem gastar todo o seu dinheiro extra apenas no movimento da consciência de Kṛṣṇa.

Os gṛhasthas devem dar contribuições para que, em todo o mundo, construam-se templos do Senhor Supremo e se pregue o Śrīmad Bhagavad-gītā, ou a consciência de Kṛṣṇa. Śṛṇvan bhagavato ’bhīkṣṇam avatāra-kathāmṛtam. Nos śāstras – nos Purāṇas e em outros textos védicos –, existem muitas narrações que descrevem as atividades transcendentais da Suprema Personalidade de Deus, e todos devem ouvi-las vezes e mais vezes. Por exemplo, mesmo que leiamos todos os dias todos os dezoito capítulos da Bhagavad-gītā, em cada leitura encontraremos novas explicações. Essa é a natureza da literatura transcendental. Portanto, o movimento da consciência de Kṛṣṇa propicia a todos a oportunidade de gastar seus rendimentos extras em benefício de toda a sociedade humana, expandindo a consciência de Kṛṣṇa. Especialmente na Índia, há centenas e milhares de templos que foram construídos por homens ricos da sociedade que não queriam nem ser chamados de ladrões nem ser punidos.

Este verso é muito importante. Como se afirma aqui, quem acumula mais dinheiro do que lhe é necessário é um ladrão, e será punido pelas leis da natureza. Aquele que adquire mais dinheiro do que lhe é necessário deseja confortos materiais cada vez maiores. Os materialistas inventam muitas coisas supérfluas, e aqueles que têm dinheiro, uma vez encantados por essas invenções, tentam acumular mais dinheiro para possuir cada vez mais. Essa é a ideia do moderno desenvolvimento econômico. Todos estão atarefados em ganhar dinheiro para depositar o mesmo no banco, que então põe o dinheiro à disposição do público. Nesse círculo de atividades, todos se ocupam em ganhar cada vez mais dinheiro, fazendo com que o ideal da vida humana seja esquecido. Em resumo, pode-se dizer que todos são ladrões e passíveis de punição. A punição infligida pelas leis da natureza se realiza durante o ciclo de nascimentos e mortes. Ninguém morre sentindo-se inteiramente contente de ter satisfeito seus desejos materiais, pois isso é impossível. Portanto, na hora da morte, as pessoas ficam muito pesarosas, pois não conseguiram satisfazer os seus desejos. Pelas leis da natureza, a pessoa recebe, então, outro corpo para tentar satisfazer seus desejos ainda não realizados e, ao renascer, aceitando outro corpo material, voluntariamente se sujeita às três classes de sofrimentos da vida.

Texto

mṛgoṣṭra-khara-markākhu-
sarīsṛp khaga-makṣikāḥ
ātmanaḥ putravat paśyet
tair eṣām antaraṁ kiyat

Sinônimos

mṛga — veado; uṣṭra — camelos; khara — asnos; marka — macacos; ākhu — ratos; sarīsṛp — serpentes; khaga — pássaros; makṣikāḥ — moscas; ātmanaḥ — da própria pessoa; putra-vat — como os filhos; paśyet — ela deve ver; taiḥ — com aqueles filhos; eṣām — desses animais; antaram — diferença; kiyat — quão pequena.

Tradução

Devem-se tratar os animais, tais como veados, camelos, asnos, macacos, ratos, serpentes, pássaros e moscas, exatamente como os próprios filhos. Quão pouca é a diferença que realmente existe entre as crianças e esses animais inocentes!

Comentário

SIGNIFICADOQuem está em consciência de Kṛṣṇa entende que não há diferença entre os animais e os filhos inocentes que povoam o seu lar. Mesmo na vida corriqueira, nossa experiência prática é ver as pessoas tratarem o cão doméstico ou o gato doméstico no mesmo nível dos seus filhos, sem que isso dê margem à inveja. Como as crianças, os animais irracionais também são filhos da Suprema Personalidade de Deus, de modo que a pessoa consciente de Kṛṣṇa, mesmo que ela seja pai de família, não deve discriminar entre os filhos e os pobres animais. Infelizmente, a sociedade moderna inventou muitos meios para matar diferentes espécies de animais. Por exemplo, nos campos agrícolas aparecem muitos camundongos, insetos e outras criaturas que atrapalham a produção e, algumas vezes, são mortas por pesticidas. Neste verso, entretanto, tal matança é proibida. Toda entidade viva deve ser alimentada pelos víveres dados pela Suprema Personalidade de Deus. A sociedade humana não deve arrogar-se o direito exclusivo de desfrutar de todas as propriedades de Deus; ao contrário, os homens devem entender que todos os outros animais também podem usar a propriedade de Deus. Neste verso, menciona-se até mesmo a serpente, indicativo de que o pai de família não deve invejar nem mesmo uma serpente. Se todos podem ficar plenamente satisfeitos comendo o alimento recebido como dádiva do Senhor, por que deve haver inveja entre um ser vivo e outro? Nos dias modernos, as pessoas são muito propensas às ideias de uma sociedade comunista, mas temos a forte impressão de que não existe melhor ideia comunista do que aquela recomendada neste verso do Śrīmad-Bhāgavatam. Mesmo nos países comunistas, os pobres animais são mortos sem nenhuma estima, embora também devessem ter o direito de receber o alimento com o qual possam viver.

Texto

tri-vargaṁ nātikṛcchreṇa
bhajeta gṛha-medhy api
yathā-deśaṁ yathā-kālaṁ
yāvad-daivopapāditam

Sinônimos

tri-vargam — três princípios, a saber, religiosidade, desenvolvimento econômico e gozo dos sentidos; na — não; ati-kṛcchreṇa — através de intenso esforço; bhajeta — deve executar; gṛha-medhī — uma pessoa interessada apenas em vida familiar; api — embora; yathā-deśam — de acordo com o lugar; yathā-kālam — de acordo com o tempo; yāvat — tanto quanto; daiva — pela graça do Senhor; upapāditam — obteve.

Tradução

Mesmo que, em vez de brahmacārī, sannyāsī ou vānaprastha, alguém seja pai de família, ele não deve esforçar-se muito arduamente por obter religiosidade, desenvolvimento econômico ou gozo dos sentidos. Mesmo na vida de casado, a pessoa deve ficar satisfeita em se manter viva apenas com aquilo que, pela graça do Senhor, conseguir com um pequeno esforço, de acordo com o tempo e o lugar. Ninguém deve ocupar-se em ugra-karma.

Comentário

SIGNIFICADONa vida humana, existem quatro princípios a serem satisfeitos – dharma, artha, kāma e mokṣa (religião, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação). Primeiramente, a pessoa deve ser religiosa, seguindo várias regras e regulações, após o que deve ganhar algum dinheiro para manter a sua família e procurar satisfazer os seus sentidos. A cerimônia que mais se coaduna com o gozo dos sentidos é o casamento, pois o intercurso sexual é uma das principais necessidades do corpo material. Yan maithunādi-gṛhamedhi-sukhaṁ hi tuccham. Embora na vida a relação sexual não seja um requisito dos mais sublimes, tanto os animais quanto os homens necessitam de algum gozo dos sentidos devido às suas propensões materiais. Deve-se ficar satisfeito com a vida conjugal e não gastar energia para satisfazer os sentidos em atividades sexuais extramaritais.

Quanto ao desenvolvimento econômico, essa responsabilidade deve ser confiada principalmente aos vaiśyas e gṛhasthas. A sociedade humana deve ser dividida em varṇas e āśramas – brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa. O desenvolvimento econômico é necessário para os gṛhasthas. Os gṛhasthas brāhmaṇas devem satisfazer-se com uma vida de adhyayana, adhyāpana, yajana e yājana – ou seja, devem ser intelectuais eruditos, ensinar os outros a serem intelectuais, aprender como adorar Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, e também ensinar os outros a adorar o Senhor Viṣṇu, ou mesmo os semideuses. O brāhmaṇa deve fazer isso sem nenhuma remuneração, mas tem permissão para aceitar caridade de alguém a quem ensina como se tornar um ser humano. Quanto aos kṣatriyas, espera-se que sejam os reis da terra, e a terra deve ser distribuída entre os vaiśyas para que eles realizem atividades agrícolas, proteção às vacas e comércio. Os śudras devem trabalhar; às vezes, devem ocupar-se em atividades profissionais como fabricantes de roupas, tecelões, ferreiros, ourives, funileiros e assim por diante, ou devem executar trabalho árduo para produzirem cereais.

São esses os vários deveres ocupacionais dos quais os homens devem subsistir, de modo que a sociedade humana seja bastante simples. Entretanto, todos estão ocupados em avanço tecnológico no momento atual, o que é descrito na Bhagavad-gītā como ugra-karma – esforço extremamente severo. Esse ugra-karma agita a mente humana. Os homens estão se entregando a tantas atividades pecaminosas e se degradando ao abrirem matadouros, cervejarias e fábricas de cigarros, bem como clubes noturnos e outros estabelecimentos para o gozo dos sentidos. Dessa maneira, estão desperdiçando suas vidas. Em todas essas atividades, evidentemente, os pais de família estão envolvidos, de modo que, com o uso da palavra api, aqui se aconselha que, muito embora alguém seja pai de família, não deve colocar-se em sérias dificuldades. Os meios de subsistência devem ser extremamente simples. Quanto àqueles que não são gṛhasthas – os brahmacārīs, vānaprasthas e sannyāsīs –, tudo o que eles têm a fazer é lutar pelo avanço na vida espiritual. Isso significa que três quartos de toda a população devem evitar o gozo dos sentidos e simplesmente se ocupar no avanço em consciência de Kṛṣṇa. Apenas um quarto da população deve ser gṛhastha e, mesmo assim, seguindo as leis do gozo dos sentidos restrito. Juntos, os gṛhasthas, vānaprasthas, brahmacārīs e sannyāsīs devem empregar toda a sua energia em se tornarem conscientes de Kṛṣṇa. Essa espécie de civilização se chama daiva-varṇāśrama. Um dos objetivos do movimento da consciência de Kṛṣṇa é estabelecer este daiva-varṇāśrama, e não encorajar o assim chamado varṇāśrama no qual a sociedade humana não apresenta nenhum esforço cientificamente organizado.

Texto

āśvāghānte ’vasāyibhyaḥ
kāmān saṁvibhajed yathā
apy ekām ātmano dārāṁ
nṛṇāṁ svatva-graho yataḥ

Sinônimos

ā — até mesmo; śva — o cachorro; agha — animais ou entidades vivas pecaminosas; ante avasāyibhyaḥ — aos caṇḍālas, os mais baixos dos homens (comedores de cachorro e de porco); kāmān — as necessidades da vida; saṁvibhajet — deve dividir; yathā — tanto quanto (merecidas); api — mesmo; ekām — de alguém; ātmanaḥ — própria; dārām — a esposa; nṛṇām — das pessoas em geral; svatva-grahaḥ — a esposa é aceita como idêntica à própria pessoa; yataḥ — devido ao fato de que.

Tradução

Os cachorros, as pessoas caídas e os intocáveis, incluindo os caṇḍālas [comedores de cachorros], todos devem receber aquilo que lhes é essencial e que lhes é fornecido através da contribuição apresentada pelos pais de família. No lar, até mesmo a esposa, à qual o esposo está tão fortemente apegado, deve ser designada para receber os convidados e as pessoas em geral.

Comentário

SIGNIFICADOEmbora na sociedade moderna o cachorro seja aceito como parte da parafernália doméstica, no sistema de vida familiar védica, o cachorro é intocável; como se menciona aqui, o cachorro deve ser mantido com um alimento adequado, mas não deve ter permissão de entrar na casa, e muito menos ele deve ser admitido no quarto de dormir. Os párias ou caṇḍālas intocáveis também devem ser satisfeitos recebendo as necessidades da vida. A palavra usada a esse respeito é yathā, que significa “de acordo com o merecido”. Os párias não devem receber dinheiro para que possam usá-lo à vontade, pois, se assim for feito, eles farão mau uso do mesmo. No momento atual, por exemplo, os homens de classe inferior geralmente são muito bem pagos, mas, em vez de usarem o dinheiro para cultivar conhecimento e avançar na vida, esses homens de classe inferior usam o dinheiro extra para beber vinho e para executar atividades pecaminosas semelhantes. Como se menciona na Bhagavad-gītā (4.13), cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ: de acordo com o trabalho e qualidade dos homens, deve haver quatro divisões na sociedade humana. Os homens cujas qualidades são inferiores não podem realizar trabalho algum que requeira inteligência superior. Entretanto, embora os homens devam ser categorizados de acordo com suas qualidades e aptidões, fica claro nesta passagem que todos devem obter as necessidades da vida. Os comunistas dos dias atuais são a favor de suprir as necessidades vitais de todos, mas levam em conta apenas os seres humanos, e não os animais. Entretanto, os princípios do Bhāgavatam são tão amplos que recomendam que as necessidades da vida sejam propiciadas a todos, tanto aos homens quanto aos animais, não importando suas boas ou más qualidades.

A ideia de convidar até mesmo a própria esposa para prestar serviço ao público se aplica com o propósito de que a relação íntima entre esposo e esposa ou o excessivo apego à esposa, a ponto de alguém pensar que sua esposa é a sua melhor metade ou idêntica a ele mesmo, devem ser gradualmente desfeitos. Como se sugeriu anteriormente, a pessoa deve abandonar até mesmo a ideia de que é proprietária de sua própria família. O sonho da vida material causa cativeiro ao ciclo de nascimentos e mortes, de maneira que se deve acordar desse sonho. Consequentemente, na forma de vida humana, deve-se abandonar o apego à esposa, como se sugere nesta passagem.

Texto

jahyād yad-arthe svān prāṇān
hanyād vā pitaraṁ gurum
tasyāṁ svatvaṁ striyāṁ jahyād
yas tena hy ajito jitaḥ

Sinônimos

jahyāt — alguém pode abandonar; yat-arthe — por causa de quem; svān — sua própria; prāṇān — vida; hanyāt — ele pode matar; — ou; pitaram — o pai; gurum — o professor ou mestre espiritual; tasyām — a ela; svatvam — propriedade; striyām — à esposa; jahyāt — ele deve abandonar; yaḥ — aquele que (a Suprema Personalidade de Deus); tena — por ele; hi — na verdade; ajitaḥ — não pode ser conquistado; jitaḥ — conquistado.

Tradução

Há quem considere tão seriamente sua esposa como propriedade sua que, algumas vezes, por causa dela, comete suicídio ou mata os outros, incluindo até mesmo seus pais, seu mestre espiritual ou seu professor. Portanto, se alguém consegue abandonar o seu apego a semelhante esposa, conquista a Suprema Personalidade de Deus, que jamais é conquistado por alguém.

Comentário

SIGNIFICADOTodo esposo é demasiadamente apegado à sua esposa. Portanto, desfazer a ligação com a esposa é extremamente difícil, mas se, em troca do serviço à Suprema Personalidade de Deus, alguém puder, de alguma maneira, desfazer-se dessa relação, o próprio Senhor, embora não seja muito suscetível de ser conquistado por ninguém, fica sob o inteiro controle desse devoto. E se o Senhor estiver satisfeito com o devoto, nada lhe é inacessível. Por que alguém não deveria abandonar sua afeição pela esposa e filhos e se refugiar na Suprema Personalidade de Deus? Qual a perda material que existe nessa decisão? Vida familiar significa apego à esposa, ao passo que sannyāsa significa se desapegar da esposa e se apegar a Kṛṣṇa.

Texto

kṛmi-viḍ-bhasma-niṣṭhāntaṁ
kvedaṁ tucchaṁ kalevaram
kva tadīya-ratir bhāryā
kvāyam ātmā nabhaś-chadiḥ

Sinônimos

kṛmi — insetos, germes; viṭ — excremento; bhasma — cinzas; niṣṭha — apego; antam — no final; kva — que é; idam — esse (corpo); tuccham — muito insignificante; kalevaram — tabernáculo material; kva — que é esta; tadīya-ratiḥ — atração por esse corpo; bhāryā — esposa; kva ayam — qual o valor desse corpo; ātmā — a Alma Suprema; nabhaḥ-chadiḥ — onipenetrante como o céu.

Tradução

Através da deliberação adequada, deve-se abandonar a atração pelo corpo da esposa porque esse corpo se transformará, por fim, em pequenos insetos, excremento ou cinzas. Qual o valor desse corpo insignificante? Quão maior é o Ser Supremo, que é onipenetrante como o céu!

Comentário

SIGNIFICADOAqui também se enfatiza o mesmo ponto: deve-se abandonar o apego à esposa – ou, em outras palavras, à vida sexual. Quem é inteligente sabe que o corpo de sua esposa é apenas um monte de matéria que se transformará, por fim, em pequenos insetos, excremento ou cinzas. Diferentes sociedades têm diferentes modos de lidar com o corpo humano na cerimônia fúnebre. Em algumas sociedades, o corpo é dado como alimento aos abutres, em razão do que se transforma, por fim, em excremento de abutres. Às vezes, o corpo é meramente abandonado e, nesse caso, o corpo é consumido por pequenos insetos. Em certas sociedades, o corpo é imediatamente cremado após a morte, em razão do que se transforma em cinzas. Em qualquer um dos casos, se alguém for inteligente e ponderar a constituição do corpo e da alma situada além dele, que valor dará ao corpo? Antavanta ime dehā nityasyoktāḥ śarīriṇaḥ: o corpo pode perecer a qualquer momento, mas a alma é eterna. Se alguém abandonar o apego ao corpo e aumentar seu apego à alma espiritual, terá uma vida exitosa. É uma simples questão de deliberar.

Texto

siddhair yajñāvaśiṣṭārthaiḥ
kalpayed vṛttim ātmanaḥ
śeṣe svatvaṁ tyajan prājñaḥ
padavīṁ mahatām iyāt

Sinônimos

siddhaiḥ — coisas obtidas pela graça do Senhor; yajñā-avaśiṣṭa-arthaiḥ — coisas obtidas depois que se oferece um sacrifício ao Senhor ou depois que se executa o yajña pañca-sūnā conforme ele é recomendado; kalpayet — uma pessoa deve considerar; vṛttim — os meios de subsistência; ātmanaḥ — para o eu; śeṣe — no final; svatvam — o dito senso de propriedade sobre a esposa, filhos, lar, negócio e assim por diante; tyajan — abandonando; prājñaḥ — aqueles que são sábios; padavīm — a posição; mahatām — das grandes personalidades que estão plenamente satisfeitas em consciência espiritual; iyāt — devem alcançar.

Tradução

Toda pessoa inteligente deve ficar satisfeita em comer prasāda [o alimento oferecido ao Senhor] ou em executar as cinco diferentes classes de yajña [pañca-sūnā]. Através dessas atividades, pode-se abandonar o apego ao corpo e o dito senso de propriedade em relação ao corpo. Quando alguém é capaz de fazer isso, ele se fixa solidamente na posição de mahātmā.

Comentário

SIGNIFICADOA natureza já tem um arranjo para nos alimentar. Por ordem da Suprema Personalidade de Deus, existe disponibilidade de alimentos para todas as entidades vivas dentro das 8.400.000 formas de vida. Eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān. Cada entidade viva tem que comer, e de fato as necessidades da sua vida já são providas pela Suprema Personalidade de Deus. O Senhor fornece alimento tanto para o elefante quanto para a formiga. Todos os seres vivos estão vivendo às custas do Senhor Supremo, de modo que as pessoas inteligentes não devem trabalhar muito arduamente com o propósito de obter confortos materiais. Ao contrário, todos devem poupar suas energias para avançar em consciência de Kṛṣṇa. Todas as coisas criadas no céu, no ar, na terra e no mar pertencem à Suprema Personalidade de Deus, e, ao ser vivo, não falta o seu alimento. Portanto, ninguém deve ficar muito interessado em desenvolvimento econômico e desnecessariamente desperdiçar seu tempo e energia com o risco de continuar a girar no ciclo de nascimentos e mortes.

Texto

devān ṛṣīn nṛ-bhūtāni
pitṝn ātmānam anvaham
sva-vṛttyāgata-vittena
yajeta puruṣaṁ pṛthak

Sinônimos

devān — aos semideuses; ṛṣīn — aos grandes sábios; nṛ — à sociedade humana; bhūtāni — às entidades vivas em geral; pitṝn — aos antepassados; ātmānam — ao próprio eu ou ao Eu Supremo; anvaham — diariamente; sva-vṛttyā — através dos seus meios de subsistência; āgata-vittena — dinheiro que vem naturalmente; yajeta — a pessoa deve adorar; puruṣam — a pessoa situada no coração de todos; pṛthak — separadamente.

Tradução

Todos os dias, deve-se adorar o Ser Supremo que está situado no coração de todos e, com base nisso, devem-se adorar separadamente os semideuses, as pessoas santas, os seres humanos e as entidades vivas comuns, os antepassados e o próprio eu. Dessa maneira, é possível adorar o Ser Supremo presente no âmago do coração de todos.

Texto

yarhy ātmano ’dhikārādyāḥ
sarvāḥ syur yajña-sampadaḥ
vaitānikena vidhinā
agni-hotrādinā yajet

Sinônimos

yarhi — quando; ātmanaḥ — do seu próprio eu; adhikāra-ādyāḥ — coisas que ele possui com pleno controle; sarvāḥ — tudo; syuḥ — torna-se; yajña-sampadaḥ — parafernália para executar yajña, ou os meios para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus; vaitānikena — com os livros autorizados que orientam a realização de yajña; vidhinā — de acordo com os princípios reguladores; agni-hotra-ādinā — oferecendo sacrifícios através do fogo etc.; yajet — deve-se adorar a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Quando alguém possui riqueza e conhecimento em abundância e sob seu pleno controle e por meio dos quais pode executar yajña e satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, ele deve, então, realizar sacrifícios, apresentando oblações no fogo de acordo com as orientações contidas nos śāstras. É dessa maneira que se deve adorar a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADOQuando um gṛhastha, ou pai de família, é suficientemente educado em conhecimento védico e torna-se bastante rico para oferecer a adoração que satisfaça a Suprema Personalidade de Deus, ele deve executar yajñas conforme orientam as escrituras autorizadas. A Bhagavad-gītā (3.9) diz claramente que yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ: todos podem ocupar-se em suas atividades, mas os resultados delas devem ser oferecidos em sacrifício para satisfazer o Senhor Supremo. Se alguém é assaz afortunado para possuir conhecimento transcendental bem como dinheiro com o qual possa executar sacrifícios, deve proceder segundo as orientações contidas nos śāstras. Consta no Śrīmad-Bhāgavatam (12.3.52):

kṛte yad dhyāyato viṣṇuṁ
tretāyāṁ yajato makhaiḥ
dvāpare paricaryāyāṁ
kalau tad dhari-kīrtanāt

Toda a civilização védica tem por objetivo satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Em Satya-yuga, isso era possível através da meditação no Senhor Supremo situado no âmago do coração e, em Tretā-yuga, através da realização de yajñas dispendiosos. A mesma meta era alcançada em Dvāpara-yuga através da adoração ao Senhor no templo, e, nesta era de Kali, pode-se alcançar a mesma meta através da realização de saṅkīrtana-yajña. Portanto, aquele que tiver educação e riqueza deve usá-las para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, ajudando o movimento de saṅkīrtana que já começou – o movimento Hare Kṛṣṇa, ou o movimento da consciência de Kṛṣṇa. Todas as pessoas ricas e educadas devem aderir a este movimento, pois o dinheiro e a educação devem ser empregados no serviço à Suprema Personalidade de Deus. Se o dinheiro e a educação não forem utilizados no serviço ao Senhor, esses valiosos bens acabarão sendo empregados no serviço a māyā. A educação dos pretensos cientistas, filósofos e poetas está ocupada agora a serviço de māyā, e a riqueza dos milionários também está ocupada a serviço de māyā. O serviço a māyā, entretanto, cria uma condição caótica no mundo. Portanto, o homem rico e o homem educado devem sacrificar sua opulência e conhecimento, dedicando-os à satisfação do Senhor Supremo e aderindo a esse movimento de saṅkīrtana (yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ).

Texto

na hy agni-mukhato ’yaṁ vai
bhagavān sarva-yajña-bhuk
ijyeta haviṣā rājan
yathā vipra-mukhe hutaiḥ

Sinônimos

na — não; hi — na verdade; agni — fogo; mukhataḥ — da boca ou das chamas; ayam — isso; vai — decerto; bhagavān — Senhor Śrī Kṛṣṇa; sarva-yajña-bhuk — o desfrutador dos resultados de toda espécie de sacrifícios; ijyeta — é adorado; haviṣā — pela oferenda de manteiga clarificada; rājan — ó rei; yathā — tanto quanto; vipra-mukhe — através da boca de um brāhmaṇa; hutaiḥ — oferecendo-Lhe refeição primorosa.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, é o desfrutador das oferendas sacrificatórias. Todavia, embora Sua Onipotência aceite as oblações apresentadas no fogo, meu querido rei, Ele fica ainda mais satisfeito quando uma refeição primorosa, feita de cereais e ghī, é oferecida a Ele através da boca de brāhmaṇas qualificados.

Comentário

SIGNIFICADOComo se afirma na Bhagavad-gītā (3.9), yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ: todas as atividades fruitivas devem ser executadas como sacrifício, que deve ser utilizado para satisfazer Kṛṣṇa. Como se afirma em outra passagem da Bhagavad-gītā (5.29), bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ sarva-loka-maheśvaram: Ele é o Senhor Supremo e o desfrutador de tudo. Entretanto, embora o sacrifício possa ser oferecido para satisfazer a Kṛṣṇa, Ele fica mais contente quando cereais e ghī, em vez de serem oferecidos no fogo, são preparados como prasāda e distribuídos, primeiramente aos brāhmaṇas, e depois aos demais. Esse sistema satisfaz a Kṛṣṇa mais do que qualquer outra atividade. Além disso, no momento atual, existem pouquíssimas oportunidades de que se ofereçam sacrifícios, colocando oblações de grãos alimentícios e ghī no fogo. Em especial na Índia, praticamente não há ghī; tudo que deve ser feito com ghī, recebe uma certa espécie de preparação à base de óleo. Entretanto, jamais se recomenda que se coloque óleo em alguma oferenda feita no fogo de sacrifício. Em Kali-yuga, a quantidade disponível de grãos alimentícios e ghī está gradualmente diminuindo, e as pessoas estão atônitas de que não podem produzir ghī e grãos alimentícios o suficiente. Nessas circunstâncias, os śāstras prescrevem que yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ: nesta era, as pessoas inteligentes oferecem yajña, ou executam sacrifícios, através do movimento de saṅkīrtana. Todos devem unir-se ao movimento de saṅkīrtana, apresentando no fogo deste movimento as oblações do seu conhecimento e riquezas. No nosso movimento de saṅkīrtana, o movimento Hare Kṛṣṇa, oferecemos suntuosa prasāda à Deidade e, em seguida, distribuímos a mesma prasāda aos brāhmaṇas, aos vaiṣṇavas e, na sequência, às pessoas em geral. A prasāda de Kṛṣṇa é oferecida aos brāhmaṇas e aos vaiṣṇavas, e a prasāda dos brāhmaṇas e vaiṣṇavas é oferecida à população em geral. Essa espécie de sacrifício – o canto do mantra Hare Kṛṣṇa e a distribuição de prasāda – é a maneira mais perfeita e genuína de se oferecer sacrifício para o prazer de Yajña, ou Viṣṇu.

Texto

tasmād brāhmaṇa-deveṣu
martyādiṣu yathārhataḥ
tais taiḥ kāmair yajasvainaṁ
kṣetra-jñaṁ brāhmaṇān anu

Sinônimos

tasmāt — portanto; brāhmaṇa-deveṣu — através dos brāhmaṇas e semideuses; martya-ādiṣu — através dos seres humanos comuns e outras entidades vivas; yathā-arhataḥ — de acordo com tuas possibilidades; taiḥ taiḥ — com todos esses; kāmaiḥ — vários objetos de desfrute, tais como alimentos suntuosos, guirlandas de flores, polpa de sândalo etc.; yajasva — deves adorar; enam — este; kṣetra-jñam — Senhor Supremo situado no coração de todos os seres; brāhmaṇān — os brāhmaṇas; anu — após.

Tradução

Portanto, meu querido rei, em primeiro lugar, oferece prasāda aos brāhmaṇas e semideuses e, após alimentá-los suntuosamente, podes distribuir prasāda a todas as outras entidades vivas conforme tuas possibilidades. Dessa maneira, serás capaz de adorar todas as entidades vivas – ou, em outras palavras, a entidade viva suprema que está presente em todas as entidades vivas.

Comentário

SIGNIFICADOPara se distribuir prasāda a todas as entidades vivas, o processo é o seguinte: primeiramente, devemos oferecer prasāda aos brāhmaṇas e vaiṣṇavas, pois os semideuses são representados pelos brāhmaṇas. Dessa maneira, a Suprema Personalidade de Deus, que Se situa no coração de todos, receberá a adoração. É esse o método de se oferecer prasāda através do sistema védico. Sempre que há uma cerimônia de distribuição de prasāda, a prasāda primeiramente é oferecida aos brāhmaṇas, então às crianças e idosos, depois às mulheres e, em seguida, aos animais, tais como os cachorros e outros animais domésticos. Quando se diz que Nārāyaṇa, o Ser Supremo, está situado no coração de todos, isso não significa que todos tenham se tornado Nārāyaṇa ou que um determinado homem pobre tenha se tornado Nārāyaṇa. Aqui se rejeita semelhante conclusão.

Texto

kuryād apara-pakṣīyaṁ
māsi prauṣṭha-pade dvijaḥ
śrāddhaṁ pitror yathā-vittaṁ
tad-bandhūnāṁ ca vittavān

Sinônimos

kuryāt — devem-se executar; apara-pakṣīyam — durante a quinzena da lua nova; māsi — no mês de āśvina (outubro-novembro); prauṣṭha- pade — no mês de bhādra (agosto-setembro); dvijaḥ — duas vezes nascido; śrāddham — oblações; pitroḥ — aos antepassados; yathā-vittam — de acordo com o nível de renda da pessoa; tat-bandhūnām ca — bem como aos parentes dos antepassados; vitta-vān — uma pessoa que é suficientemente rica.

Tradução

Um brāhmaṇa suficientemente rico deve apresentar oblações aos antepassados durante a quinzena da lua nova na última parte do mês de bhādra. Igualmente, deve apresentar oblações aos parentes dos antepassados durante as cerimônias mahālayā no mês de āśvina.

Texto

ayane viṣuve kuryād
vyatīpāte dina-kṣaye
candrādityoparāge ca
dvādaśyāṁ śravaṇeṣu ca
tṛtīyāyāṁ śukla-pakṣe
navamyām atha kārtike
catasṛṣv apy aṣṭakāsu
hemante śiśire tathā
māghe ca sita-saptamyāṁ
maghā-rākā-samāgame
rākayā cānumatyā ca
māsarkṣāṇi yutāny api
dvādaśyām anurādhā syāc
chravaṇas tisra uttarāḥ
tisṛṣv ekādaśī vāsu
janmarkṣa-śroṇa-yoga-yuk

Sinônimos

ayane — no dia em que o Sol começa a mover-se para o Norte, ou Makara-saṅkrānti, e no dia em que o Sol começa a mover-se para o Sul, ou Karkaṭa-saṅkrānti; viṣuve — no Meṣa-saṅkrānti e no Tulā-saṅkrānti; kuryāt — deve-se realizar; vyatīpāte — no yoga chamado Vyatīpāta; dina-kṣaye — naquele dia em que três tithis se combinam; candra-āditya-uparāge — no momento do eclipse da Lua ou do Sol; ca — também; dvādaśyām śravaṇesu — no décimo segundo dia lunar e no nakṣatra chamado Śravaṇa; ca — e; tṛtīyāyām — no dia de Akṣaya-tṛtīyā; śukla-pakṣe — na quinzena da lua cheia; navamyām — durante o nono dia lunar; atha — também; kārtike — no mês de kārtika (outubro-novembro); catasṛṣu — nos quatro; api — também; aṣṭakāsu — nos aṣṭakās; hemante — antes da estação do inverno; śiśire — na estação do inverno; tathā — bem como; māghe — no mês de māgha (janeiro-fevereiro); ca — e; sitasaptamyām – no sétimo dia da quinzena da lua cheia; maghā-rākā-samāgame — na conjunção de Maghā-nakṣatra com o dia de lua cheia; rākayā — com um dia de lua completamente cheia; ca — e; anumatyā — com um dia de lua cheia em que a lua ainda não está completamente cheia; ca — e; māsa-ṛkṣāṇi — os nakṣatras que são as fontes dos nomes dos vários meses; yutāni — estão conjugados; api — também; dvādaśyām — no décimo segundo dia lunar; anurādhā — o nakṣatra chamado Anurādhā; syāt — pode ocorrer; śravaṇaḥ — o nakṣatra chamado Śravaṇa; tisraḥ — os três (nakṣatras); uttarāḥ — os nakṣatras chamados Uttarā (Uttara-phalgunī, Uttarāṣāḍhā e Uttara-bhādrapadā); tisṛṣu — nos três; ekādaśī — o décimo primeiro dia lunar; — ou; āsu — nestes; janma-ṛkṣa — do seu próprio janma-nakṣatra, ou estrela do nascimento; śroṇa — de Śravaṇa-nakṣatra; yoga — pela conjunção; yuk — tendo.

Tradução

Deve-se executar a cerimônia śrāddha em Makara-saṅkrānti [o dia em que o Sol começa a mover-se em direção ao Norte] ou em Karkaṭa-saṅkrānti [o dia em que o Sol começa a mover-se em direção ao Sul]. Deve-se executar também essa cerimônia no dia de Meṣa-saṅkrānti e no dia de Tulā-saṅkrānti, no yoga chamado Vyatīpāta, naquele dia em que três tithis lunares conjugam-se, durante um eclipse da Lua ou do Sol, no décimo segundo dia lunar, e no Śravaṇa-nakṣatra. Deve-se executar essa cerimônia no dia de Akṣaya-tṛtīyā, durante o nono dia da quinzena da lua cheia do mês de Kārtika, nos quatro aṣṭakās na estação do inverno e na estação fria, no sétimo dia da quinzena da lua cheia do mês de māgha, durante a conjunção de Maghā-nakṣatra com o dia da lua cheia, e nos dias em que a lua está completamente cheia, ou então, não estando a lua completamente cheia, escolhem-se os dias que estão conjugados com os nakṣatras dos quais surgem os nomes de certos meses. Deve-se executar também a cerimônia śrāddha no décimo segundo dia lunar quando está em conjunção com algum dos nakṣatras chamados Anurādhā, Śravaṇa, Uttara-phalgunī, Uttarāṣāḍhā ou Uttara-bhādrapadā. E se deve executar essa cerimônia quando o décimo primeiro dia lunar estiver em conjunção com Uttara-phalgunī, Uttarāṣāḍhā ou Uttara-bhādrapadā. Finalmente, deve-se executar essa cerimônia nos dias que estão conjugados com a estrela do nascimento da própria pessoa [janma-nakṣatra] ou com Śravaṇa-nakṣatra.

Comentário

SIGNIFICADOA palavra ayana significa “caminho” ou “ida”. Os seis meses em que o Sol se move para o Norte chamam-se uttarāyaṇa, ou o caminho setentrional, e os seis meses em que ele se move para o Sul se chamam dakṣiṇāyana, ou o caminho meridional. Eles são mencionados na Bhagavad-gītā (8.24-25). O primeiro dia em que o Sol começa a mover-se para o Norte e a entrar no signo zodiacal de Capricórnio se chama Makara-saṅkrānti, e o primeiro dia em que o Sol começa a mover-se para o Sul e a entrar no signo de Câncer se chama Karkaṭa-saṅkrānti. Nesses dois dias do ano, deve-se realizar a cerimônia śrāddha.

Viṣuva, ou Viṣuva-saṅkrānti, significa Meṣa-saṅkrānti, ou o dia em que o Sol entra no signo de Áries. Tulā-saṅkrānti é o dia em que o Sol entra no signo de Libra. Ambos esses dias ocorrem somente uma vez por ano. A palavra yoga se refere a uma certa relação entre o Sol e a Lua durante seu movimento no céu. Existem vinte e sete diferentes graus de yoga, dos quais o décimo sétimo se chama Vyatīpāta. No dia em que isso ocorre, deve-se realizar a cerimônia śrāddha. Um tithi, ou dia lunar, consiste na distância entre as longitudes do Sol e da Lua. Às vezes, um tithi é menos do que vinte e quatro horas. Quando ele começa após o romper do Sol de um certo dia e termina antes de o Sol nascer no dia seguinte, então, o tithi que o precede e o que surge em seu lugar “tocam” o dia de vinte e quatro horas durante o período entre um e outro nascer do Sol. Isso se chama tryaha-sparśa, ou um dia tocado por alguma porção de três tithis.

Śrīla Jīva Gosvāmī cita muitos śāstras segundo os quais a cerimônia śrāddha de oblações aos antepassados não deve ser realizada no Ekādaśī-tithi. Quando o tithi do aniversário da morte cai no dia de Ekādaśī, não se deve realizar a cerimônia śrāddha no Ekādaśī, e sim no dia seguinte, ou dvādaśī. No Brahma-vaivarta Purāṇa, declara-se:

ye kurvanti mahīpāla
śrāddhaṁ caikādaśī-dine
trayas te narakaṁ yānti
dātā bhoktā ca prerakaḥ

Se alguém realiza a cerimônia śrāddha de oblações aos antepassados no Ekādaśī-tithi, então, o autor, os antepassados para quem se faz śrāddha, e o purohita, ou o sacerdote da família que promove a cerimônia, todos vão para o inferno.

Texto

ta ete śreyasaḥ kālā
nṝṇāṁ śreyo-vivardhanāḥ
kuryāt sarvātmanaiteṣu
śreyo ’moghaṁ tad-āyuṣaḥ

Sinônimos

te — portanto; ete — todas essas (descrições dos cálculos astronômicos); śreyasaḥ — da prosperidade; kālāḥ — épocas; nṝṇām — para os seres humanos; śreyaḥ — ventura; vivardhanāḥ — aumento; kuryāt — a pessoa deve realizar; sarva-ātmanā — mediante outras atividades (e não apenas mediante a cerimônia śrāddha); eteṣu — nessas (estações); śreyaḥ — (causando) ventura; amogham — e sucesso; tat — de um ser humano; āyuṣaḥ — da duração de vida.

Tradução

Todas essas épocas sazonais são consideradas extremamente auspiciosas para a humanidade. Nessas ocasiões, devem-se realizar todas as atividades auspiciosas, pois, através dessas atividades, o ser humano alcança sucesso em sua curta duração de vida.

Comentário

SIGNIFICADOQuando, através da evolução natural, chega-se à forma de vida humana, a pessoa deve assumir a responsabilidade de continuar progredindo. Como se afirma na Bhagavad-gītā (9.25), yānti deva-vratā devān: quem adora os semideuses pode ser promovido aos planetas deles. Yānti mad-yājino ’pi mām: mas se alguém pratica serviço devocional ao Senhor, volta ao lar, volta ao Supremo. Na forma de vida humana, portanto, é bom realizar atividades auspiciosas para que se possa retornar ao lar, retornar ao Supremo. O serviço devocional, entretanto, não depende de condições materiais. Ahaituky apratihatā. Evidentemente, as épocas e estações mencionadas acima se coadunam muito bem com aqueles que, na plataforma material, estão ocupados em atividades fruitivas.

Texto

eṣu snānaṁ japo homo
vrataṁ deva-dvijārcanam
pitṛ-deva-nṛ-bhūtebhyo
yad dattaṁ tad dhy anaśvaram

Sinônimos

eṣu — em todas essas (épocas estacionais); snānam — banhando-se no Ganges, Yamunā ou quaisquer outros lugares sagrados; japaḥ — cantando; homaḥ — realizando sacrifícios de fogo; vratam — executando votos; deva — o Senhor Supremo; dvija-arcanam — adorando os brāhmaṇas ou vaiṣṇavas; pitṛ — aos antepassados; deva — semideuses; nṛ — seres humanos em geral; bhūtebhyaḥ — e todas as outras entidades vivas; yat — tudo o que; dattam — oferecido; tat — isto; hi — na verdade; anaśvaram — permanentemente benéfico.

Tradução

Durante esses períodos de mudanças estacionais, se alguém se banha no Ganges, no Yamunā ou em outro lugar sagrado, se ele canta, oferece sacrifícios de fogo ou executa votos, ou se adora o Senhor Supremo, os brāhmaṇas, os antepassados, os semideuses e as entidades vivas em geral, tudo o que der em caridade produzirá um resultado benéfico e permanente.

Texto

saṁskāra-kālo jāyāyā
apatyasyātmanas tathā
preta-saṁsthā mṛtāhaś ca
karmaṇy abhyudaye nṛpa

Sinônimos

saṁskāra-kālaḥ — no momento adequado indicado para atividades reformatórias védicas; jāyāyāḥ — para a esposa; apatyasya — para os filhos; ātmanaḥ — e para si próprio; tathā — bem como; preta-saṁsthā — cerimônias fúnebres; mṛta-ahaḥ — cerimônias de aniversário de morte; ca — e; karmaṇi — da atividade fruitiva; abhyudaye — para estímulo; nṛpa — ó rei.

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, na data prescrita para a realização de cerimônias ritualísticas reformatórias em prol da própria pessoa, de sua esposa ou de seus filhos, ou durante as cerimônias fúnebres e as cerimônias de cada aniversário de morte, ela deve realizar as cerimônias auspiciosas mencionadas acima para prosperar nas atividades fruitivas.

Comentário

SIGNIFICADOOs Vedas recomendam muitas cerimônias ritualísticas que devem ser realizadas com a esposa, nos aniversários dos filhos ou durante as cerimônias fúnebres, e também existem métodos reformatórios pessoais, tais como a iniciação. Isso deve ser observado de acordo com o tempo, as circunstâncias e as orientações dos śāstras. Enfaticamente, a Bhagavad-gītā recomenda que jñātvā śāstra-vidhānoktam: tudo deve ser realizado como aconselham os śāstras. Para Kali-yuga, os śāstras prescrevem que sempre se realize saṅkīrtana yajña: kīrtanīyaḥ sadā hariḥ. Todas as cerimônias ritualísticas recomendadas nos śāstras devem ser precedidas e sucedidas de saṅkīrtana. Essa recomendação é de Śrīla Jīva Gosvāmī.

Texto

atha deśān pravakṣyāmi
dharmādi-śreya-āvahān
sa vai puṇyatamo deśaḥ
sat-pātraṁ yatra labhyate
bimbaṁ bhagavato yatra
sarvam etac carācaram
yatra ha brāhmaṇa-kulaṁ
tapo-vidyā-dayānvitam

Sinônimos

atha — depois disso; deśān — lugares; pravakṣyāmi — descreverei; dharma-ādi — atividades religiosas etc.; śreya — ventura; āvahān — que podem trazer; saḥ — isto; vai — na verdade; puṇya-tamaḥ — o mais sagrado; deśaḥ — lugar; sat-pātram — um vaiṣṇava; yatra — onde; labhyate — está presente; bimbam — a Deidade (no templo); bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus (que é o sustentáculo); yatra — onde; sarvam etat — de toda esta manifestação cósmica; cara-acaram — com todas as entidades vivas móveis e inertes; yatra — onde; ha — na verdade; brāhmaṇa-kulam — associação com brāhmaṇas; tapaḥ — austeridades; vidyā — educação; dayā — misericórdia; anvitam — dotados de.

Tradução

Nārada Muni continuou: Agora, descreverei os lugares onde as atividades religiosas podem ser bem executadas. Todo lugar onde um vaiṣṇava esteja presente é um excelente lugar para todas as atividades auspiciosas. A Suprema Personalidade de Deus é o sustentáculo de toda essa manifestação cósmica, povoada de todas as suas entidades vivas móveis e inertes, e o templo no qual a Deidade do Senhor está instalada é um lugar sacratíssimo. Ademais, os lugares onde, por meio de austeridades, educação e misericórdia, os brāhmaṇas eruditos seguem os princípios védicos também são muito auspiciosos e sagrados.

Comentário

SIGNIFICADOEste verso mostra que um templo vaiṣṇava onde Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é adorado, e onde os vaiṣṇavas se ocupam em servir ao Senhor, é o melhor lugar sagrado para a realização de quaisquer cerimônias religiosas. Nos dias modernos, especialmente nas grandes cidades, as pessoas vivem em pequenos apartamentos e não têm a possibilidade de estabelecer uma Deidade ou templo. Nessas circunstâncias, portanto, os centros e templos que, através do seu processo de expansão, o movimento da consciência de Kṛṣṇa está estabelecendo são os melhores lugares sagrados para a realização de cerimônias religiosas. Embora as pessoas em geral não estejam mais interessadas em cerimônias religiosas ou adoração à Deidade, o movimento da consciência de Kṛṣṇa dá a todos a oportunidade de avançar na vida espiritual se tornando conscientes de Kṛṣṇa.

Texto

yatra yatra harer arcā
sa deśaḥ śreyasāṁ padam
yatra gaṅgādayo nadyaḥ
purāṇeṣu ca viśrutāḥ

Sinônimos

yatra yatra — onde quer que; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa; arcā — a Deidade é adorada; saḥ — este; deśaḥ — lugar, região ou arrabalde; śreyasām — de toda a prosperidade; padam — o lugar; yatra — onde quer que; gaṅgā-ādayaḥ — tais como o Ganges, Yamunā, Narmadā e Kāverī; nadyaḥ — rios sagrados; purāṇeṣu — nos Purāṇas (literatura védica suplementar); ca — também; viśrutāḥ — são festejados.

Tradução

Realmente auspiciosos são os lugares onde há um templo de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, onde Ele recebe a devida adoração, e também os lugares para onde fluem os célebres rios sagrados mencionados nos Purāṇas, os textos védicos suplementares. Toda atividade espiritual neles executada decerto produz muito efeito.

Comentário

SIGNIFICADOExistem muitos ateístas que se opõem à adoração que no templo é prestada à Deidade da Suprema Personalidade de Deus. Neste verso, entretanto, afirma-se com muita autoridade que todo lugar onde se adora a Deidade é transcendental; ele não pertence ao mundo material. Também se afirma que a floresta está no modo da bondade, de forma que aqueles que querem cultivar a vida espiritual são aconselhados a ir para a floresta (vanaṁ gato yad dharim āśrayeta). Mas ninguém deve ir à floresta simplesmente para viver como um macaco. Os macacos e outros animais selvagens também vivem na floresta, mas a pessoa que vai à floresta em busca de cultura espiritual deve aceitar como refúgio os pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus (vanaṁ gato yad dharim āśrayeta). Ninguém deve contentar-se em ir simplesmente à floresta, senão que deve refugiar-se nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Nesta era, portanto, como é impossível ir para a floresta em busca de cultivo espiritual, recomenda-se que a pessoa, como devoto, leve uma vida comunitária no templo, adore regularmente a Deidade, siga os princípios reguladores e, dessa maneira, faça desse lugar como Vaikuṇṭha. A floresta está na bondade, as cidades e vilas estão na paixão, e os bordéis, hotéis e restaurantes estão na ignorância; ainda assim, quando alguém vive na comunidade do templo, ele mora em Vaikuṇṭha. Portanto, aqui se afirma que śreyasāṁ padam: trata-se do lugar que é o melhor e mais auspicioso de todos.

Em muitos lugares do mundo, estamos construindo comunidades para dar abrigo aos devotos que devem adorar a Deidade no templo. A Deidade pode ser adorada apenas pelos devotos. Aqueles que prestam adoração nos templos, mas deixam de dar importância aos devotos são pessoas de terceira classe. São kaniṣṭha-adhikārīs, e ainda estão na fase de vida espiritual inferior. Conforme se declara no Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.47):

arcāyām eva haraye
pūjāṁ yaḥ śraddhayehate
na tad-bhakteṣu cānyeṣu
sa bhaktaḥ prākṛtaḥ smṛtaḥ

“Aquele que se ocupa muito fielmente na adoração à Deidade no templo, mas não sabe como se portar com os devotos ou com a população em geral se chama prākṛta-bhakta, ou kaniṣṭha-adhikārī.” No templo, portanto, deve haver a Deidade do Senhor, e o Senhor deve ser adorado pelos devotos. Esse conjunto formado por devotos e Deidade cria um lugar transcendental de primeira classe.

Além disso, se um devoto gṛhastha adora no lar a śālagrāma-śilā, ou a forma da Deidade, seu lar também se torna um lugar muito especial. Era habitual que os membros das três classes superiores – ou seja, os brāhmaṇas, os kṣatriyas e os vaiśyas – adorassem a śālagrāma-śilā, ou uma pequena Deidade de Rādhā-Kṛṣṇa ou Sītā-Rāma instalada em cada lar. Isso tornava tudo auspicioso. Agora, no entanto, a adoração à Deidade foi relegada. Os homens se modernizaram e, em consequência disso, estão se entregando a toda espécie de atividades pecaminosas, daí estarem extremamente infelizes.

Portanto, de acordo com a civilização védica, os lugares sagrados de peregrinação são considerados muito sagrados, e ainda existem centenas e milhares de lugares santos, tais como Jagannātha Purī, Vṛndāvana, Hardwar, Rāmeśvara, Prayāga e Mathurā. A Índia é o lugar apropriado para as pessoas prestarem adoração ou cultivarem vida espiritual. O movimento da consciência de Kṛṣṇa convida todas as pessoas do mundo inteiro, sem discriminação de casta ou credo, a virem a seus centros e cultivarem uma vida espiritual perfeita.

Texto

sarāṁsi puṣkarādīni
kṣetrāṇy arhāśritāny uta
kurukṣetraṁ gaya-śiraḥ
prayāgaḥ pulahāśramaḥ
naimiṣaṁ phālgunaṁ setuḥ
prabhāso ’tha kuśa-sthalī
vārāṇasī madhu-purī
pampā bindu-saras tathā
nārāyaṇāśramo nandā
sītā-rāmāśramādayaḥ
sarve kulācalā rājan
mahendra-malayādayaḥ
ete puṇyatamā deśā
harer arcāśritāś ca ye
etān deśān niṣeveta
śreyas-kāmo hy abhīkṣṇaśaḥ
dharmo hy atrehitaḥ puṁsāṁ
sahasrādhi-phalodayaḥ

Sinônimos

sarāṁsi — lagos; puṣkara-ādīni — tais como Puṣkara; kṣetrāṇi — lugares sagrados (como Kurukṣetra, Gayākṣetra e Jagannātha Purī); arha — para pessoas santas e adoráveis; āśrītāni — lugares de refúgio; uta — célebres; kurukṣetram — um lugar sagrado específico (dharma-kṣetra); gaya-śiraḥ — o lugar conhecido como Gayā, onde Gayāsura se refugiou nos pés de lótus do Senhor Viṣṇu; prayāgaḥ — Allahabad, situada na confluência dos dois rios sagrados Ganges e Yamunā; pulaha-āśramaḥ — a residência de Pulaha Muni; naimiṣam — o lugar conhecido como Naimiṣāraṇya (próximo de Lucknow); phālgunam — o lugar onde flui o rio Phālgu; setuḥ — Setubandha, onde o Senhor Rāmacandra construiu uma ponte ligando a Índia a Laṅkā; prabhāsaḥ — Prabhāsakṣetra; atha — bem como; kuśa-sthalī — Dvāravatī, ou Dvārakā; vārāṇasī — Benares; madhu-purī — Mathurā; pampā — um local onde há um lago chamado Pampā; bindu-saraḥ — o lugar onde está situado o Bindu-sarovara; tathā — lá; nārāyaṇa-āśramaḥ — conhecido como Badarikāśrama; nandā — o lugar onde flui o rio Nandā; sītā-rāma — do Senhor Rāmacandra e de mãe Sītā; āśramaādayaḥ — lugares de refúgio, tais como Citrakūṭa; sarve — todos (esses lugares); kulācalāḥ — regiões montanhosas; rājan — ó rei; mahendra — conhecidas como Mahendra; malaya-ādayaḥ — e outras, tais como Malayācala; ete — todos eles; puṇya-tamāḥ — sacratíssimos; deśāḥ — lugares; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; arca-āśritāḥ — lugares onde a Deidade de Rādhā-Kṛṣṇa é adorada (tais como grandes cidades americanas como Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco, e cidades europeias, como Londres e Paris, ou onde quer que haja centros da consciência de Kṛṣṇa); ca — bem como; ye — aqueles que; etān deśān — todas essas regiões; niṣeveta — deve adorar ou visitar; śreyaḥ-kāmaḥ — quem deseja sucesso; hi — na verdade; abhīkṣṇaśaḥ — repetidamente; dharmaḥ — atividades religiosas; hi — das quais; atra — nesses lugares; īhitaḥ — realizadas; puṁsām — das pessoas; sahasraadhi – acima de mil vezes; phala-udayaḥ — eficazes.

Tradução

Lagos sagrados, como o Puṣkara, e lugares onde pessoas santas vivem, tais como Kurukṣetra, Gayā, Prayāga, Pulahāśrama, Naimiṣāraṇya, as margens do rio Phālgu, Setubandha, Prabhāsa, Dvārakā, Vārāṇasī, Mathurā, Pampā, Bindu-sarovara, Badarikāśrama [Nārāyanāśrama], os lugares onde o rio Nandā flui, os lugares onde o Senhor Rāmacandra e mãe Sītā se refugiaram, tais como Citrakūṭa, e também as regiões montanhosas conhecidas como Mahendra e Malaya – todos eles devem ser considerados muito piedosos e sagrados. Igualmente, os lugares situados fora da Índia, onde há centros do movimento da consciência de Kṛṣṇa e onde as Deidades de Rādhā-Kṛṣṇa são adoradas, devem ser todos visitados e adorados por aqueles que querem obter avanço espiritual. Aquele que intenciona avançar na vida espiritual pode visitar todos esses lugares e neles realizar cerimônias ritualísticas para obter resultados mil vezes superiores aos resultados das mesmas atividades realizadas em qualquer outro lugar.

Comentário

SIGNIFICADONestes versos e no verso vinte e nove, enfatiza-se o seguinte ponto: harer arcāśritāś ca ye ou harer arcā. Em outras palavras, todo lugar onde a Deidade da Suprema Personalidade de Deus é adorada pelos devotos é muito expressivo. O movimento da consciência de Kṛṣṇa proporciona à população do mundo inteiro a oportunidade de tirar proveito da consciência de Kṛṣṇa através dos centros da ISKCON, onde todos podem prestar adoração à Deidade e cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa e obter resultados que são mil vezes superiores. Isso constitui a melhor atividade em prol do bem-estar da sociedade humana. Essa foi a missão de Śrī Caitanya Mahāprabhu, conforme Ele mesmo predisse no Caitanya-bhāgavata (Antya 4.126):

pṛthivīte āche yata nagarādi-grāma
sarvatra pracāra haibe mora nāma

Śrī Caitanya Mahāprabhu queria que o movimento Hare Kṛṣṇa, com Deidades instaladas, fosse disseminado por todas as vilas e cidades do mundo, para que todas as pessoas do mundo pudessem tirar proveito deste movimento e se tornar completamente exitosas na vida espiritual. Sem vida espiritual, nada é auspicioso. Moghāśā mogha-karmāṇo mogha-jñānā vicetasaḥ. (Bhagavad-gītā 9.12) Sem consciência de Kṛṣṇa, ninguém pode tornar-se exitoso em atividades fruitivas ou conhecimento especulativo. Como preconizam os śāstras, todos devem estar muitíssimo interessados em participar do movimento da consciência de Kṛṣṇa e compreender o valor da vida espiritual.

Texto

pātraṁ tv atra niruktaṁ vai
kavibhiḥ pātra-vittamaiḥ
harir evaika urvīśa
yan-mayaṁ vai carācaram

Sinônimos

pātram — a verdadeira pessoa a quem se deve dar caridade; tu — mas; atra — no mundo; niruktam — decidido; vai — na verdade; kavibhiḥ — pelos estudiosos eruditos; pātra-vittamaiḥ — que são competentes em encontrar a verdadeira pessoa a quem se deve dar caridade; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; eva — na verdade; ekaḥ — somente um; urvī-īśa — ó rei da Terra; yat-mayam — em quem tudo repousa; vai — de quem tudo emana; cara-acaram — tudo o que neste universo é móvel e inerte.

Tradução

Ó rei da Terra, segundo o veredito dos sábios competentes e estudiosos, somente Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, em quem repousa tudo o que neste universo é móvel e inerte e de quem tudo emana, é a melhor pessoa a quem se deve dar tudo.

Comentário

SIGNIFICADOSempre que realizamos algum ato religioso em termos de dharma, artha, kāma e mokṣa, devemos executá-lo de acordo com tempo, lugar e pessoa (kāla, deśa, pātra). Nārada Muni já descreveu deśa (lugar) e kāla (tempo). Começando com as palavras ayane viṣuve kuryād vyatīpāte dina-kṣaye, kāla foi descrito nos versos vinte a vinte e quatro. E, começando com sarāṁsi puṣkarādīni kṣetrāṇy arhāśritāny uta, os lugares onde se deve fazer caridade ou realizar cerimônias ritualísticas foram descritos nos versos trinta a trinta e três. Agora, esse verso nos ensina qual é a pessoa a quem tudo deve ser dado. Harir evaika urvīśa yan-mayaṁ vai carācaram. Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é a raiz de tudo, daí Ele ser o melhor pātra, ou a pessoa a quem se deve dar tudo. Na Bhagavad-gītā (5.29), afirma-se:

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

Se alguém quer desfrutar de verdadeira paz e prosperidade, deve dar tudo a Kṛṣṇa, que é o verdadeiro desfrutador, amigo e proprietário. Portanto, afirma-se:

yathā taror mūla-niṣecanena
tṛpyanti tat-skandha-bhujopaśākhāḥ
prāṇopahārāc ca yathendriyāṇāṁ
tathaiva sarvārhaṇam acyutejyā

Adorando ou satisfazendo Acyuta, a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, a pessoa pode satisfazer a todos, assim como alguém pode regar os galhos, folhas e flores de uma árvore simplesmente regando sua raiz ou assim como alguém pode satisfazer todos os sentidos do corpo dando alimento ao estômago. Portanto, para receber os melhores resultados advindos da caridade, das atividades religiosas, do gozo dos sentidos e até mesmo da liberação (dharma, artha, kāma, mokṣa), o devoto simplesmente oferece tudo à Suprema Personalidade de Deus.

Texto

devarṣy-arhatsu vai satsu
tatra brahmātmajādiṣu
rājan yad agra-pūjāyāṁ
mataḥ pātratayācyutaḥ

Sinônimos

deva-ṛṣi — entre os semideuses e grandes pessoas santas, incluindo Nārada Muni; arhatsu — as personalidades mais venerandas e adoráveis; vai — na verdade; satsu — os grandes devotos; tatra — lá (no Rājasūya-yajña); brahma-ātma-jādiṣu — e os filhos do senhor Brahmā (tais como Sanaka, Sanandana, Sanat e Sanātana); rājan — ó rei; yat — acerca de quem; agra-pūjāyām — o primeiro a ser adorado; mataḥ — decisão; pātratayā — escolhido como a melhor pessoa para presidir o Rājasūya-yajña; acyutaḥ — Kṛṣṇa.

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, os semideuses, muitos grandes sábios e santos, incluindo os quatro filhos do senhor Brahmā, e eu próprio estávamos presentes em tua cerimônia sacrificatória Rājasūya, mas, quando se colocou em debate qual é a pessoa mais adorável, todos opinaram a favor do Senhor Kṛṣṇa, a Pessoa Suprema.

Comentário

SIGNIFICADOEssa é uma referência ao sacrifício Rājasūya realizado por Mahārāja Yudhiṣṭhira. Naquela reunião, surgiu um grande impasse quando se quis saber quem é a pessoa que, sendo a melhor, deveria receber a adoração inicial. Todos decidiram adorar Śrī Kṛṣṇa. O único protesto veio da parte de Śiśupāla, que, devido à sua veemente oposição, foi morto pela Suprema Personalidade de Deus.

Texto

jīva-rāśibhir ākīrṇa
aṇḍa-kośāṅghripo mahān
tan-mūlatvād acyutejyā
sarva-jīvātma-tarpaṇam

Sinônimos

jīva-rāśibhiḥ — de milhões e milhões de entidades vivas; ākīrṇaḥ — cheio ou povoado; aṇḍa-kośa — todo o universo; aṅghripaḥ — como uma árvore; mahān — muitíssimo grande; tat-mūlatvāt — porque é a raiz dessa árvore; acyuta-ijyā — adoração à Suprema Personalidade de Deus; sarva — de todas; jīva-ātma — as entidades vivas; tarpaṇam — satisfação.

Tradução

O universo inteiro, o qual está repleto de entidades vivas, é como uma árvore cuja raiz é a Suprema Personalidade de Deus, Acyuta [Kṛṣṇa]. Portanto, pelo simples fato de adorar o Senhor Kṛṣṇa, a pessoa pode adorar todas as entidades vivas.

Comentário

SIGNIFICADONa Bhagavad-gītā (10.8), o Senhor diz:

ahaṁ sarvasya prabhavo
mattaḥ sarvaṁ pravartate
iti matvā bhajante māṁ
budhā bhāva-samanvitāḥ

“Eu sou a fonte de todos os mundos materiais e espirituais. Tudo emana de Mim. Os sábios que conhecem isso perfeitamente ocupam-se no Meu serviço devocional e adoram-Me de todo o coração.” As pessoas estão muito desejosas de prestar serviço às outras entidades vivas, especialmente aos pobres, mas, mesmo tendo inventado tantas maneiras de prestar semelhante ajuda, elas de fato são muito hábeis em matar as pobres entidades vivas. Essa classe de serviço ou misericórdia não é preconizada na sabedoria védica. Como se afirma no verso anterior, foi deliberado (niruktam) por hábeis pessoas santas que Kṛṣṇa é a raiz de tudo e que adorar Kṛṣṇa é adorar todos, assim como regar a raiz de uma árvore significa satisfazer todos os seus galhos e ramos.

Outro ponto é que este universo está cheio de entidades vivas, de ponta a ponta, em todos os planetas (jīva-rāśibhir ākīrṇaḥ). Os cientistas modernos e os supostos intelectuais pensam que não existem entidades vivas em outros planetas. Recentemente, disseram que foram à Lua, mas não encontraram nenhuma entidade viva ali. Entretanto, nem o Śrīmad-Bhāgavatam nem os outros textos védicos concordam com esse conceito tolo. Em toda parte, existem entidades vivas, não apenas uma ou duas, mas jīva-rāśibhiḥ – muitos milhões de entidades vivas. Mesmo no Sol, existem entidades vivas, embora se trate de um planeta ígneo. A principal entidade viva do Sol se chama Vivasvān (imaṁ vivasvate yogaṁ proktavān aham avyayam). Todos os diferentes planetas estão repletos de várias classes de entidades vivas em diferentes condições de vida. Impor que somente este planeta está repleto de entidades vivas e que os outros estão vazios é tolice. Isso demonstra falta de conhecimento verdadeiro.

Texto

purāṇy anena sṛṣṭāni
nṛ-tiryag-ṛṣi-devatāḥ
śete jīvena rūpeṇa
pureṣu puruṣo hy asau

Sinônimos

purāṇi — residências ou corpos; anena — por Ele (a Suprema Personalidade de Deus); sṛṣṭāni — entre essas criações; nṛ — homem; tiryak — diferentes dos seres humanos (animais, pássaros etc.); ṛṣi — pessoas santas; devatāḥ — e semideuses; śete — repousa; jīvena — com as entidades vivas; rūpeṇa — sob a forma de Paramātmā; pureṣu — dentro dessas residências ou corpos; puruṣaḥ — o Senhor Supremo; hi — na verdade; asau — Ele (a Personalidade de Deus).

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus criou muitos lugares residenciais, tais como os corpos dos seres humanos, dos animais, dos pássaros, dos santos e dos semideuses. O Senhor, como Paramātmā, reside com o ser vivo em cada uma dessas inúmeras formas corpóreas. Logo, Ele é conhecido como puruṣāvatāra.

Comentário

SIGNIFICADONa Bhagavad-gītā (18.61), afirma-se:

īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā

“O Senhor Supremo está situado no coração de todos, ó Arjuna, e está dirigindo as andanças de todas as entidades vivas, que estão sentadas num tipo de máquina feita de energia material.” A entidade viva, que é parte integrante da Suprema Personalidade de Deus, existe pela misericórdia do Senhor, que sempre a acompanha em qualquer forma de corpo que ela venha a assumir. Quando a entidade viva deseja uma determinada espécie de gozo material, o Senhor lhe fornece um corpo, o qual se compara a uma máquina. Simplesmente para mantê-la vivendo naquele corpo, o Senhor permanece com ela como o puruṣa (Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu). A Brahma-saṁhitā (5.35) também confirma isso:

eko ’py asau racayituṁ jagad-aṇḍa-koṭiṁ
yac-chaktir asti jagad-aṇḍa-cayā yad-antaḥ
aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-sthaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro Govinda, a Personalidade de Deus, que, através de uma de suas porções plenárias, entra na existência de cada universo e de cada átomo, manifestando, então, Sua energia infinita por toda a criação material.” A entidade viva, sendo parte integrante do Senhor, é conhecida como jīva. O Supremo Senhor puruṣa permanece com a jīva para lhe dar condições de desfrutar das facilidades materiais.

Texto

teṣv eva bhagavān rājaṁs
tāratamyena vartate
tasmāt pātraṁ hi puruṣo
yāvān ātmā yatheyate

Sinônimos

teṣu — entre as diferentes classes de corpos (semideus, humano, animal, pássaro etc.); eva — na verdade; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto de Paramātmā; rājan — ó rei; tāratamyena — comparativamente, mais ou menos; vartate — está situado; tasmāt — portanto; pātram — a Pessoa Suprema; hi — na verdade; puruṣaḥ — Paramātmā; yāvān — tanto quanto; ātmā — o grau de compreensão; yathā — desenvolvimento de austeridade e penitência; īyate — manifesta-Se.

Tradução

Ó rei Yudhiṣṭhira, situada em todos os corpos, a Superalma confere inteligência à alma individual de acordo com sua capacidade de compreensão. Portanto, a Superalma é o principal fator dentro do corpo. Na mesma proporção que o indivíduo desenvolve conhecimento, austeridade, penitência e assim por diante, a Superalma manifesta-Se à alma individual.

Comentário

SIGNIFICADOA Bhagavad-gītā (15.15) diz que mattaḥ smṛtir jñānam apohanaṁ ca: a Suprema Personalidade de Deus, sob Seu aspecto localizado, confere à alma individual o grau de inteligência que ela é capaz de absorver. Portanto, observamos a alma individual em diferentes posições superiores e inferiores. A entidade viva dentro do corpo de um pássaro ou fera não pode receber tão adequadamente como um ser humano avançado as instruções dadas pela Alma Suprema. Portanto, existem gradações de formas corpóreas. Na sociedade humana, o brāhmaṇa perfeito é tido como o mais avançado em consciência espiritual, e mais avançado do que o brāhmaṇa é o vaiṣṇava. Portanto, as melhores pessoas são os vaiṣṇavas e Viṣṇu. Quando alguém quiser fazer caridade, deve seguir as instruções da Bhagavad-gītā (17.20):

dātavyam iti yad dānaṁ
dīyate ’nupakāriṇe
deśe kāle ca pātre ca
tad dānaṁ sāttvikaṁ smṛtam

“A caridade que, por dever e no lugar e tempo adequados, é dada a uma pessoa digna, e da qual não se requer nenhuma recompensa, é considerada como caridade no modo da bondade.” Deve-se dar caridade aos brāhmaṇas e vaiṣṇavas, pois a Suprema Personalidade de Deus receberá adoração dessa maneira. Com relação a isso, Śrīla Madhvācārya comenta:

brahmādi-sthāvarānteṣu
na viśeṣo hareḥ kvacit
vyakti-mātra-viśeṣeṇa
tāratamyaṁ vadanti ca

Começando com Brahmā e chegando até à formiga, todos são conduzidos pela Superalma (īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati). Porém, devido ao fato de que determinada pessoa é avançada em consciência espiritual, ela é considerada importante. Portanto, o brāhmaṇa vaiṣṇava é importante, e, acima de tudo, a Superalma, a Personalidade de Deus, é a personalidade mais importante.

Texto

dṛṣṭvā teṣāṁ mitho nṛṇām
avajñānātmatāṁ nṛpa
tretādiṣu harer arcā
kriyāyai kavibhiḥ kṛtā

Sinônimos

dṛṣṭvā — após verem na prática; teṣām — entre os brāhmaṇas e vaiṣṇavas; mithaḥ — mutuamente; nṛṇām — da sociedade humana; avajñāna-ātmatām — o comportamento mutuamente desrespeitoso; nṛpa — ó rei; tretā-ādiṣu — começando por Tretā-yuga; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; arcā — a adoração à Deidade (no templo); kriyāyai — com o propósito de introduzir o método de adoração; kavibhiḥ — pelas pessoas eruditas; kṛtā — foi feito.

Tradução

Meu querido rei, quando os grandes sábios e pessoas santas viram que, no começo de Tretā-yuga, os relacionamentos se maculavam com desrespeito mútuo, introduziu-se no templo a adoração à Deidade, realizada com toda a parafernália.

Comentário

SIGNIFICADOComo se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (12.3.52):

kṛte yad dhyāyato viṣṇuṁ
tretāyāṁ yajato makhaiḥ
dvāpare paricaryāyāṁ
kalau tad dhari-kīrtanāt

“Todo o resultado obtido em Satya-yuga através da meditação em Viṣṇu; em Tretā-yuga, através da realização de sacrifícios; em Dvāpara-yuga, através do serviço aos pés de lótus do Senhor; também pode ser obtido em Kali-yuga simplesmente cantando o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa.” Em Satya-yuga, todas as pessoas eram espiritualmente avançadas, e não havia inveja entre as grandes personalidades. Pouco a pouco, entretanto, devido à contaminação material que surgiu com o passar das eras, relações desrespeitosas foram aparecendo mesmo entre brāhmaṇas e vaiṣṇavas. Na verdade, o vaiṣṇava avançado deve ser mais respeitado do que o próprio Viṣṇu. Como se afirma no Padma Purāṇa, ārādhanānāṁ sarveṣāṁ viṣṇor ārādhanaṁ param: de todas as espécies de adoração, a adoração ao Senhor Viṣṇu é a melhor. Tasmāt parataraṁ devi tadīyānāṁ samarcanam: e mais recomendada do que a adoração a Viṣṇu é a adoração ao vaiṣṇava.

Outrora, todas as atividades eram realizadas para satisfazer Viṣṇu, mas, após Satya-yuga, começaram a surgir evidências de que as relações entre os vaiṣṇavas se deterioravam. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura diz que vaiṣṇava é aquele que ajuda os outros a se tornarem vaiṣṇavas. Exemplo de alguém que converteu muitos outros em vaiṣṇavas é Nārada Muni. Um vaiṣṇava poderoso que converte outras pessoas ao vaiṣṇavismo deve ser adorado, mas, devido à contaminação material, às vezes semelhante vaiṣṇava exímio é desrespeitado por outros vaiṣṇavas menos expressivos. Ao verem essa contaminação, as grandes pessoas santas introduziram a realização da adoração à Deidade no templo. Esse processo, que começou em Tretā-yuga, ganhou corpo em Dvāpara-yuga (dvāpare paricaryāyāṁ). Em Kali-yuga, entretanto, a adoração à Deidade está sendo negligenciada. Acontece que o canto do mantra Hare Kṛṣṇa é mais poderoso do que a adoração à Deidade. Śrī Caitanya Mahāprabhu mostrou o exemplo prático, pois não estabeleceu nenhum templo ou Deidade, senão que introduziu largamente o movimento de saṅkīrtana. Portanto, os pregadores da consciência de Kṛṣṇa devem dar mais ênfase ao movimento de saṅkīrtana, em especial distribuindo cada vez mais a literatura transcendental. Isso ajuda o movimento de saṅkīrtana. Sempre que houver possibilidade de se adorar a Deidade, podem-se estabelecer muitos centros, mas, de um modo geral, deve-se dar mais ênfase à distribuição das publicações transcendentais, pois isso será mais eficaz em converter as pessoas à consciência de Kṛṣṇa.

No Śrīmad-Bhāgavatam (11.2.47), afirma-se:

arcāyām eva haraye
pūjāṁ yaḥ śraddhayehate
na tad-bhakteṣu cānyeṣu
sa bhaktaḥ prākṛtaḥ smṛtaḥ

“Quem está muito fielmente ocupado na adoração à Deidade no templo, mas não sabe como se portar com os devotos ou com as pessoas em geral se chama prākṛta-bhakta, ou kaniṣṭha-adhikārī.” O devoto prākṛta, neófito, ainda está na plataforma material, e, embora se ocupe em adorar a Deidade, não sabe apreciar as atividades do devoto puro. De fato, pode-se ver que mesmo um devoto conceituado que presta serviço ao Senhor, pregando a missão da consciência de Kṛṣṇa, às vezes é criticado pelos devotos neófitos. Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve da seguinte maneira tais neófitos: sarva-prāṇi-sammānanāsamarthānām avajñā spardhādimatāṁ tu bhagavat-pratimaiva pātram ity āha. Para aqueles que não conseguem dar a devida apreciação às atividades de devotos autênticos, a adoração à Deidade é o único meio de obterem avanço espiritual. O Caitanyacaritāmṛta (Antya 7.11) diz claramente que kṛṣṇa-śakti vinā nahe tāra pravartana: sem ser autorizado por Kṛṣṇa, ninguém pode sair pregando os santos nomes do Senhor. Entretanto, o devoto que aceita essa missão é criticado pelos neófitos, kaniṣṭha-adhikārīs, que estão nas fases inferiores do serviço devocional. Para eles, recomenda-se enfaticamente a adoração à Deidade.

Texto

tato ’rcāyāṁ hariṁ kecit
saṁśraddhāya saparyayā
upāsata upāstāpi
nārthadā puruṣa-dviṣām

Sinônimos

tataḥ — depois disso; arcāyām — a Deidade; harim — que é a Suprema Personalidade de Deus (a forma do Senhor é idêntica ao Senhor); kecit — alguém; saṁśraddhāya — com muita fé; saparyayā — e com a parafernália necessária; upāsate — adora; upāstā api — embora adorando a Deidade (com fé e regularidade); na — não; artha- — benéfico; puruṣa-dviṣām — para aqueles que invejam o Senhor Viṣṇu e Seus devotos.

Tradução

Às vezes, o devoto neófito oferece ao Senhor toda a parafernália de adoração, e de fato adora o Senhor como Deidade, mas, como inveja os devotos autorizados do Senhor Viṣṇu, o Senhor jamais fica satisfeito com seu serviço devocional.

Comentário

SIGNIFICADOA adoração à Deidade se destina especialmente a purificar os devotos neófitos. Na verdade, entretanto, a pregação é mais importante. A Bhagavad-gītā (18.69) diz que na ca tasmān manuṣyeṣu kaścin me priya-kṛttamaḥ: se alguém quer ser aceito pela Suprema Personalidade de Deus, deve pregar as glórias do Senhor. Portanto, aquele que adora a Deidade deve ser extremamente respeitoso com os pregadores; caso contrário, simplesmente adorar a Deidade o manterá na fase de devoção inferior.

Texto

puruṣeṣv api rājendra
supātraṁ brāhmaṇaṁ viduḥ
tapasā vidyayā tuṣṭyā
dhatte vedaṁ hares tanum

Sinônimos

puruṣeṣu — entre as pessoas; api — na verdade; rāja-indra — ó melhor dos reis; su-pātram — a melhor pessoa; brāhmaṇam — o brāhmaṇa qualificado; viduḥ — deve-se saber; tapasā — devido à austeridade; vidyayā — educação; tuṣṭyā — a satisfação; dhatte — ele assume; vedam — o conhecimento transcendental conhecido como Veda; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; tanum — o corpo, ou representação.

Tradução

Meu querido rei, dentro deste mundo material, entre todas as pessoas, o brāhmaṇa qualificado deve ser aceito como o melhor porque semelhante brāhmaṇa, praticando austeridade, estudando os Vedas e obtendo satisfação, torna-se uma autêntica manifestação do corpo da Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADOCom os Vedas, aprendemos que a Personalidade de Deus é a Pessoa Suprema. Toda entidade viva é uma pessoa individual, e Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, é a Pessoa Suprema. Um brāhmaṇa que é versado em conhecimento védico e plenamente inteirado dos assuntos transcendentais se torna representante da Suprema Personalidade de Deus, e, portanto, deve-se adorar semelhante brāhmaṇa ou vaiṣṇava. O vaiṣṇava é superior ao brāhmaṇa porque, embora o brāhmaṇa saiba que ele é Brahman, e não matéria, o vaiṣṇava não apenas sabe que é Brahman, mas também está ciente de que é um servo eterno do Brahman Supremo. Portanto, a adoração ao vaiṣṇava é superior à adoração à Deidade no templo. Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que sākṣād dharitvena samasta-śāstraiḥ: em todas as escrituras, o mestre espiritual, que é o melhor dos brāhmaṇas, o melhor dos vaiṣṇavas, é colocado no mesmo nível da Suprema Personalidade de Deus. Isso não quer dizer, entretanto, que o vaiṣṇava se julgue Deus, pois esse procedimento é blasfemo. Embora um brāhmaṇa ou vaiṣṇava seja adorado como tão bom quanto a Suprema Personalidade de Deus, semelhante devoto sempre permanece um servo fiel do Senhor e jamais tenta desfrutar do prestígio que lhe poderia sobrevir por ser o representante do Senhor Supremo.

Texto

nanv asya brāhmaṇā rājan
kṛṣṇasya jagad-ātmanaḥ
punantaḥ pāda-rajasā
tri-lokīṁ daivataṁ mahat

Sinônimos

nanu — mas; asya — por Ele; brāhmaṇāḥ — os brāhmaṇas qualificados; rājan — ó rei; kṛṣṇasya — pelo Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus; jagat-ātmanaḥ — que é a vida e a alma de toda a criação; punantaḥ — santificando; pāda-rajasā — com a poeira de seus pés de lótus; tri-lokīm — os três mundos; daivatam — adoráveis; mahat — muito excelsos.

Tradução

Meu querido rei Yudhiṣṭhira, os brāhmaṇas, especialmente aqueles ocupados em pregar as glórias do Senhor em todo o mundo, são reconhecidos e adorados pela Suprema Personalidade de Deus, que é o coração e a alma de toda a criação. Através da sua pregação, os brāhmaṇas, com a poeira dos seus pés de lótus, santificam os três mundos e, em razão disso, são adorados até mesmo por Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADOComo o Senhor Kṛṣṇa admite na Bhagavad-gītā (18.69): na ca tasmān manuṣyeṣu kaścin me priya-kṛttamaḥ. Os brāhmaṇas pregam pelo mundo inteiro o culto da consciência de Kṛṣṇa, e, portanto, embora adorem Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor também os aceita como adoráveis. A relação é recíproca. Os brāhmaṇas querem adorar Kṛṣṇa, que, por Sua vez, quer adorar os brāhmaṇas. Portanto, a conclusão é que os brāhmaṇas e vaiṣṇavas que se ocupam em pregar as glórias do Senhor devem ser adorados pelos religiosos, pelos filósofos e pelas pessoas em geral. No Rājasūya-yajña de Mahārāja Yudhiṣṭhira, muitas centenas e milhares de brāhmaṇas estiveram presentes, mas Kṛṣṇa foi escolhido para ser adorado em primeiro lugar. Portanto, Kṛṣṇa sempre é a Pessoa Suprema, mas, por Sua misericórdia imotivada, Ele aceita os brāhmaṇas como as pessoas que Lhe são diletas.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do sétimo canto, décimo quarto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A Vida Familiar Ideal”.