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Capítulo Trinta e Um 

Nārada Instrui os Pracetās

Texto

maitreya uvāca
tata utpanna-vijñānā
āśv adhokṣaja-bhāṣitam
smaranta ātmaje bhāryāṁ
visṛjya prāvrajan gṛhāt

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; tataḥ — depois disso; utpanna — desenvolveram; vijñānāḥ — possuindo conhecimento perfeito; āśu — muito brevemente; adhokṣaja — pela Suprema Personalidade de Deus; bhāṣitam — do que foi enunciado; smarantaḥ — lembrando-se; ātma­-je — ao filho deles; bhāryām — a esposa deles; visṛjya — após darem; prāvrajan — retiraram-se; gṛhāt — do lar.

Tradução

O grande santo Maitreya continuou: Depois disso, os Pracetās viveram no lar por milhares de anos e desenvolveram conhecimento perfeito em consciência espiritual. Por fim, lembraram-se das bênçãos da Suprema Personalidade de Deus e retiraram-se do lar, deixando sua esposa aos cuidados de um filho perfeito.

Comentário

SIGNIFICADO—Depois de terminarem suas penitências, os Pracetās foram aben­çoados pela Suprema Personalidade de Deus. O Senhor os abençoou dizendo-lhes que, após terminarem sua vida familiar, eles voltariam ao lar, voltariam ao Supremo, no devido curso do tempo. Depois de concluírem sua vida familiar, a qual durou milhares de anos de acordo com os cálculos dos semideuses, os Pracetās resolveram retirar-se do lar, deixando sua esposa aos cuidados de um filho chamado Dakṣa. Esse é o processo da civilização védica. No início da vida, como brahmacārī, é preciso submeter-se a rigorosas penitências e austeridades a fim de educar-se nos valores espirituais. Nunca se permite ao brahmacārī, ou estudante, misturar-se com mu­lheres e aprender desde o início da vida instruções sobre o gozo sexual. O defeito básico da civilização moderna é que rapazes e moças têm liberdade, durante o período da escola e da faculdade, de gozar de vida sexual. A maioria das crianças são varṇa-saṅkaras, significando “nascidas de pais e mães indesejáveis”. Em consequência disso, o mundo inteiro está tomado pelo caos. Na verdade, a civilização humana deve basear-se nos princípios védicos. Isso significa que, no começo da vida, rapazes e moças devem submeter-se a penitências e austeridades. Quando, então, eles crescerem, devem casar-se, viver no lar por algum tempo e gerar filhos. Quando os filhos estiverem crescidos, o homem deve retirar-se do lar e buscar a consciência de Kṛṣṇa. Dessa maneira, pode-se tornar a vida perfeita, voltando ao lar, ao reino de Deus.

A menos que alguém pratique penitências e austeridades em sua vida de estudante, ele não poderá entender a existência de Deus. Sem compreender Kṛṣṇa, ninguém pode tornar sua vida perfeita. Concluindo, quando os filhos estão crescidos, a esposa deve ficar sob os cuidados dos filhos. O esposo pode então deixar o lar para desenvolver sua consciência de Kṛṣṇa. Tudo depende do desenvolvimento de conhecimento maduro. O rei Prācīnabarhiṣat, pai dos Pracetās, deixou o lar antes da chegada de seus filhos, que vinham praticando austeridades dentro da água. Quando chega o momento, ou quando alguém desenvolve perfeita consciência de Kṛṣṇa, ele deve deixar o lar, ainda que seus deveres não estejam todos cumpridos. Prācīnabarhiṣat estava esperando a chegada de seus filhos; no entanto, seguindo as instruções de Nārada, logo que sua inteligência se desenvolveu apropriadamente, ele deixou instruções a seus ministros para que esses transmitissem a seus filhos. Assim, sem esperar pela chega­da deles, ele deixou o lar.

Abandonar a confortável vida doméstica é algo absolutamente neces­sário para os seres humanos, como aconselha Prahlāda Mahārāja. Hitvātma-pātaṁ gṛham andha-kūpam: para acabar com o modo de vida materialista, deve-se deixar a vida doméstica dita confortável, a qual não passa de um método para se matar a alma (ātma-pātam). O lar é considerado um poço escuro, coberto de grama, e, se alguém cai dentro desse poço, morre sem ser socorrido por ninguém. Não se deve, portanto, nutrir um apego excessivo à vida familiar, visto que isso arruinará o desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

dīkṣitā brahma-satreṇa
sarva-bhūtātma-medhasā
pratīcyāṁ diśi velāyāṁ
siddho ’bhūd yatra jājaliḥ

Sinônimos

dīkṣitāḥ — estando determinados; brahma-satreṇa — entendendo o Espírito Supremo; sarva — todas; bhūta — entidades vivas; ātma­-medhasā — considerando como o próprio eu; pratīcyām — na oci­dental; diśi — direção; velāyām — na praia; siddhaḥ — perfeitos; abhūt — tornaram-se; yatra — onde; jājaliḥ — o grande sábio Jājali.

Tradução

Os Pracetās dirigiram-se à praia ocidental, onde morava Jājali, o grande sábio liberado. Após aperfeiçoarem o conhecimento espiritual através do qual alguém pode tornar-se equânime para com todas as entidades vivas, os Pracetās se tornaram perfeitos em cons­ciência de Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra brahma-satra significa “cultivo de conhecimento espiritual”. Na verdade, tanto os Vedas quanto a austeridade rigorosa são conhecidos como brahma. Vedas tattvaṁ tapo brahma. Brahma também significa “a Verdade Absoluta”. Deve-se cultivar conhecimento da Verdade Absoluta, dedicando-se ao estudo dos Vedas e submetendo-se a rigorosas austeridades e penitências. Os Pracetās executaram devidamente essa função, em consequência do que se tornaram equânimes para com todas as entidades vivas. Como confirma a Bhagavad-gītā (18.54):

brahma-bhūtaḥ prasannātmā
na śocati na kāṅkṣati
samaḥ sarveṣu bhūteṣu
mad-bhaktiṁ labhate parām

“Aquele que está situado nessa posição transcendental compreende de imediato o Brahman Supremo e torna-se completamente feliz. Ele nunca se lamenta nem deseja ter nada, e é equânime para com todas as entidades vivas. Nesse estado, ele passa a Me prestar serviço devocional puro.”

Quem é de fato avançado espiritualmente não vê diferença entre uma entidade viva e outra. Alcança-se essa plataforma através da determinação. Com a expansão do conhecimento perfeito, deixa­mos de ver a cobertura externa da entidade viva. Vemos, isto sim, a alma espiritual dentro do corpo. Assim, não fazemos distinções entre um ser humano e um animal, um brāhmaṇa erudito e um caṇḍāla.

vidyā-vinaya-sampanne
brāhmaṇe gavi hastini
śuni caiva śvapāke ca
paṇḍitāḥ sama-darśinaḥ

“Os sábios humildes, em virtude do conhecimento verdadeiro, veem com uma visão equânime o brāhmaṇa erudito e cortês, a vaca, o elefante, o cachorro e o comedor de cachorro [pária].” (Bhagavad-gītā 5.18)

Uma pessoa erudita, apoiada em base espiritual, vê a todos com igualdade, e uma pessoa sábia, um devoto, quer que todos desenvolvam consciência de Kṛṣṇa. O lugar onde os Pracetās residiam era perfeito para executar atividades espirituais, visto que se indica que o grande sábio Jājali alcançou mukti (liberação) ali. Quem deseja a perfeição ou a liberação deve associar-se com uma pessoa que já é liberada. Isso se chama sādhu-saga, associar-se com um devoto perfeito.

Texto

tān nirjita-prāṇa-mano-vaco-dṛśo
jitāsanān śānta-samāna-vigrahān
pare ’male brahmaṇi yojitātmanaḥ
surāsureḍyo dadṛśe sma nāradaḥ

Sinônimos

tān — todos eles; nirjita — plenamente controlado; prāṇa — o ar vital (através do processo de prāṇāyāma); manaḥ — mente; vacaḥ­ — palavras; dṛśaḥ — e visão; jita-āsanān — que conquistaram o āsana ió­guico, ou postura sentada; śānta — apaziguados; samāna — eretos; vigrahān — cujos corpos; pare — transcendentais; amale — livres de toda a contaminação material; brahmaṇi — no Supremo; yojita — absortas; ātmanaḥ — cujas mentes; sura-asura-īḍyaḥ — adorado pelos demônios e pelos semideuses; dadṛśe — viu; sma — no passado; nāradaḥ — o grande sábio Nārada.

Tradução

Depois de praticar o yogāsana do yoga místico, os Pracetās esforçaram-se por controlar seu ar vital, mente, palavras e visão externa. Assim, através do processo de prāṇāyāma, eles se livraram por completo do apego material. Permanecendo eretos, eles pude­ram concentrar a mente no mais elevado Brahman. Enquanto estavam praticando esse prāṇāyāma, o grande sábio Nārada, que é adorado tanto pelos demônios quanto pelos semideuses, chegou ao local para vê-los.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras pare amale são bastante significativas. A compreensão do Brahman é explicada no Śrīmad-Bhāgavatam. A Verdade Absoluta é percebida em três fases: refulgência impessoal (Brahman), Paramātmā localizado e a Suprema Personalidade de Deus, Bhagavān. Em suas orações, o senhor Śiva concentrou-se nos aspectos pessoais do Parabrahman, descritos em termos pes­soais como snigdha-prāvṛḍ-ghana-śyāmam (Śrīmad-Bhāgavatam 4.24.45). Seguindo as instruções do senhor Śiva, os Pracetās também concentraram a mente na forma Śyāmasundara do Brahman Supremo. Embo­ra o Brahman impessoal, o Brahman Paramātmā e o Brahman como a Pessoa Suprema estejam todos na mesma plataforma transcendental, o aspecto pessoal do Brahman Supremo é a meta última e a palavra final na transcendência.

O grande sábio Nārada viaja por toda parte. Ele se dirige aos demônios e aos semideuses e é igualmente respeitado. Logo, ele é descrito aqui como surāsureḍya, adorado tanto pelos demônios quanto pelos semideuses. Para Nārada Muni, a porta de toda casa está aberta. Embora haja perpétua animosidade entre os demô­nios e os semideuses, Nārada Muni é bem-vindo em todo lugar. Nārada é considerado um dos semideuses, é claro, e a palavra devari significa “o santo entre os semideuses”. Porém, nem mesmo os demônios invejam Nārada Muni, de modo que ele é adorado igual­mente tanto pelos demônios quanto pelos semideuses. A posição perfeita do vaiṣṇava deve ser como a de Nārada Muni: inteiramente independente e equilibrada.

Texto

tam āgataṁ ta utthāya
praṇipatyābhinandya ca
pūjayitvā yathādeśaṁ
sukhāsīnam athābruvan

Sinônimos

tam — a ele; āgatam — apareceu; te — todos os Pracetās; utthāya — após levantarem-se; praṇipatya — prestando reverências; abhinandya — dando as boas-vindas; ca — também; pūjayitvā — adorando; ya­thā ādeśam — de acordo com os princípios reguladores; sukha-­āsīnam — sentado confortavelmente; atha — assim; abruvan — eles disseram.

Tradução

Assim que os Pracetās viram chegar o grande sábio Nārada, levantaram-se de seus āsanas. Segundo o costume, prestaram-lhe reverências e adoraram-no, e, ao verem Nārada Muni sentado con­fortavelmente, começaram a lhe dirigir perguntas.

Comentário

SIGNIFICADO—É significativo que todos os Pracetās estivessem ocupados em praticar yoga para concentrar a mente na Suprema Personali­dade de Deus.

Texto

pracetasa ūcuḥ
svāgataṁ te surarṣe ’dya
diṣṭyā no darśanaṁ gataḥ
tava caṅkramaṇaṁ brahmann
abhayāya yathā raveḥ

Sinônimos

pracetasaḥ ūcuḥ — os Pracetās disseram; su-āgatam — boas-vindas; te — a vós; sura-ṛṣe — ó sábio entre os semideuses; adya — hoje; diṣṭyā — pela boa fortuna; naḥ — nossa; darśanam — audiência; gataḥ — viestes; tava — vossos; caṅkramaṇam — movimentos; brahman — ó grande brāhmaṇa; abhayāya — para o destemor; yathā — como; raveḥ — do Sol.

Tradução

Todos os Pracetās começaram por dirigir-se ao sapientíssimo Nārada: Ó grande sábio, ó brāhmaṇa, esperamos que não tenhais encontrado embaraços enquanto vínheis para este lugar. É graças à nossa grande fortuna que podemos ver-vos agora. Com a vinda do Sol, as pessoas livram-se do medo da escuridão da noite – um temor provocado por ladrões e trapaceiros. Do mesmo modo, vós viajais como o Sol, pois afastais toda espécie de temores.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido à escuridão da noite, todos temem os ladrões e trapa­ceiros, especialmente em grandes cidades. Muitas vezes, as pessoas temem sair às ruas, e temos informações de que, mesmo em uma grande cidade como Nova Iorque, as pessoas não gostam de sair à noite. Mais ou menos, quando é noite, todos têm medo, seja nas cidades, seja nas vilas. Contudo, basta o Sol aparecer para todos se sentirem aliviados. De forma semelhante, este mundo material é muito escuro por natureza. Todos temem o perigo a cada momen­to, mas, quando alguém vê um devoto como Nārada, todo o medo se esvai. Assim como o Sol dispersa a escuridão, o aparecimento de um grande sábio como Nārada dispersa a ignorância. Quem se encontra com Nārada ou seu representante, o mestre espiritual, livra-se de toda a ansiedade provocada pela ignorância.

Texto

yad ādiṣṭaṁ bhagavatā
śivenādhokṣajena ca
tad gṛheṣu prasaktānāṁ
prāyaśaḥ kṣapitaṁ prabho

Sinônimos

yat — o que; ādiṣṭam — foi ensinado; bhagavatā — pela elevada personalidade; śivena — senhor Śiva; adhokṣajena — pelo Senhor Viṣṇu; ca — também; tat — isto; gṛheṣu — aos afazeres familiares; prasaktānām — por nós que estávamos muito apegados; prāyaśaḥ — quase; kṣapitam — esquecido; prabho — ó mestre.

Tradução

Ó mestre, gostaríamos de informar-vos que, devido ao fato de estarmos demasiadamente apegados aos afazeres familiares, quase nos esquecemos das instruções recebidas do senhor Śiva e do Senhor Viṣṇu.

Comentário

SIGNIFICADO—Permanecer na vida familiar é uma espécie de concessão ao gozo dos sentidos. Todos devem saber que o gozo dos sentidos não é necessário, mas todos têm que aceitar o gozo dos sentidos apenas na medida em que precisam viver. Como confirma o Śrīmad­-Bhāgavatam (1.2.10), kāmasya nendriya prītiḥ. Todos devem tornar-­se gosvāmīs e controlar seus sentidos. Não devemos usar os sentidos apenas para o gozo sensorial; ao contrário, devemos empregar os sentidos na medida indispensável para que nos mantenhamos vivos. Śrīla Rūpa Gosvāmī recomenda, anāsaktasya viṣayān yathārham upayuñjataḥ: ninguém deve apegar-se aos objetos dos sentidos, senão que deve aceitar o gozo dos sentidos na medida necessária, e nada mais. Se alguém deseja desfrutar dos sentidos mais do que o necessário, ele se apega à vida familiar, o que significa cativeiro. Todos os Pracetās admitiram seus problemas por terem permanecido na vida familiar.

Texto

tan naḥ pradyotayādhyātma-
jñānaṁ tattvārtha-darśanam
yenāñjasā tariṣyāmo
dustaraṁ bhava-sāgaram

Sinônimos

tat — portanto; naḥ — para nós; pradyotaya — por favor, despertai; adhyātma — transcendental; jñānam — conhecimento; tattva — Verda­de Absoluta; artha — com o propósito de; darśanam — filosofia; yena — com a qual; añjasā — facilmente; tariṣyāmaḥ — podemos cruzar; dustaram — formidável; bhava-sāgaram — o oceano de ignorância.

Tradução

Querido mestre, por favor, iluminai-nos com o conhecimento trans­cendental, que pode servir como uma tocha e nos auxiliar a cruzarmos a escura ignorância da existência material.

Comentário

SIGNIFICADO—Os Pracetās pediram a Nārada que os iluminasse com conheci­mento transcendental. De um modo geral, quando um homem comum se encontra com uma pessoa santa, ele deseja obter alguma bênção material. Contudo, os Pracetās não estavam interessados em benefícios materiais, pois haviam desfrutado disso tudo o bastante. Tampouco queriam a satisfação de seus desejos materiais. Eles estavam apenas interessados em cruzar o oceano de ignorân­cia. Todos devem estar interessados em escapar das garras deste mundo material. Todos devem aproximar-se de uma pessoa santa, buscando essa espécie de iluminação. Não se deve incomodar uma pessoa santa para obter bênçãos destinadas ao gozo material. De um modo geral, os chefes de família recebem pessoas santas em casa para obterem suas bênçãos, mas o verdadeiro objetivo deles é tornarem-se felizes no mundo material. Os śāstras desaconselham pedir tais bênçãos materiais.

Texto

maitreya uvāca
iti pracetasāṁ pṛṣṭo
bhagavān nārado muniḥ
bhagavaty uttama-śloka
āviṣṭātmābravīn nṛpān

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; iti — assim; pracetasām — pelos Pracetās; pṛṣṭaḥ — sendo solicitado; bhagavān — o grande devoto da Suprema Personalidade de Deus; nāradaḥ — Nārada; muniḥ — muito pensativo; bhagavati — na Suprema Personalidade de Deus; uttama-­śloke — possuindo excelente renome; āviṣṭa — absorta; ātmā — cuja mente; abravīt — respondeu; nṛpān — aos reis.

Tradução

O grande sábio Maitreya prosseguiu: Meu querido Vidura, sendo assim solicitado pelos Pracetās, o devoto supremo, Nārada, que está sempre absorto em pensar na Suprema Personalidade de Deus, colocou-se a responder.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, bhagavān nāradaḥ indica que Nārada está sempre absorto em pensar na Suprema Personalidade de Deus (bhagavaty uttama-śloka āviṣṭātmā). Nārada não tem outro propósito além de pensar em Kṛṣṇa, falar de Kṛṣṇa e pregar sobre Kṛṣṇa. Portanto, ele às vezes é chamado de bhagavān. Bhagavān significa “aquele que possui todas as opulências”. Quem possui Bhagavān dentro de seu coração é chamado, às vezes, de bhagavān. Śrīla Viśvanātha Cakra­vartī Ṭhākura disse que sākṣād-dharitvena samasta-śāstraiḥ: em todos os śāstras, o mestre espiritual é aceito diretamente como a Suprema Personalidade de Deus. Isso não significa que o mestre espiritual, ou uma pessoa santa, como Nārada, realmente tenha se tornado a Suprema Personalidade de Deus, mas sim que ele é aceito dessa maneira por possuir a Suprema Personalidade de Deus dentro de seu coração constantemente. Como se descreve aqui (āviṣṭātmā), quando alguém está inteiramente absorto em pensar em Kṛṣṇa, ele se chama bhagavān. Bhagavān possui todas as opulências. Se alguém sempre possui Bhagavān dentro de seu coração, não possuirá também todas as opulências? Nesse sentido, um grande devoto como Nārada pode ser chamado de bhagavān. Contudo, não podemos tolerar quando um patife ou impostor se chame ou seja chamado de bhagavān. É preciso possuir, ou todas as opulências, ou a Suprema Personalidade de Deus, Bhagavān, o qual possui todas as opulências.

Texto

nārada uvāca
taj janma tāni karmāṇi
tad āyus tan mano vacaḥ
nṛṇāṁ yena hi viśvātmā
sevyate harir īśvaraḥ

Sinônimos

nāradaḥ uvāca — Nārada disse; tat janma — esse nascimento; tāni — aquelas; karmāṇi — atividades fruitivas; tat — essa; āyuḥ — dura­ção de vida; tat — essa; manaḥ — mente; vacaḥ — palavras; nṛṇām — de seres humanos; yena — com o que; hi — decerto; viśva-ātmā — a Superalma; sevyate — é servida; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; īśvaraḥ — o controlador supremo.

Tradução

O grande sábio Nārada disse: Quando uma entidade viva nasce para ocupar-se em serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, que é o controlador supremo, seu nascimento, todas as suas atividades fruitivas, sua duração de vida, sua mente e suas palavras são realmente perfeitas.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra nṛṇām é muito importante. Há muitos outros nascimentos além do nascimento humano, mas, nesta passa­gem, Nārada Muni fala especialmente do nascimento humano. Entre os seres humanos, existem diferentes classes de homens, dentre os quais os que são avançados em consciência espiritual, ou consciência de Kṛṣṇa, chamam-se arianos. Entre os arianos, aquele que se ocupa em serviço devocional ao Senhor é o mais exitoso na vida. A palavra nṛṇām quer dizer que não se espera dos animais inferio­res que se ocupem em serviço devocional ao Senhor. Porém, na sociedade humana perfeita, todos devem ocupar-se em serviço devo­cional ao Senhor. Não importa se alguém nasce pobre ou rico, negro ou branco. São muitas as distinções materiais que pode haver para quem nasce na sociedade humana, mas todos devem ocupar-se em serviço devocional ao Senhor. No momento atual, as nações civilizadas têm abandonado a consciência de Deus em prol do desenvolvimento econômico. Elas não estão mais interes­sadas em realmente avançar em consciência de Deus. Outrora, nossos ante­passados dedicavam-se ao cumprimento de princípios religiosos. Quer sejamos hindus, muçulmanos, budistas, judeus ou qualquer coisa, todos temos alguma instituição religiosa. Verdadeira religião, contudo, significa tornar-se consciente de Deus. Aqui se menciona particularmente como o nascimento é bem-sucedido para quem se interes­sa pela consciência de Kṛṣṇa. A atividade é exitosa caso resulte em serviço ao Senhor. A especulação filosófica, ou especulação mental, é exitosa quando ocupada na compreensão da Suprema Personali­dade de Deus. Vale a pena possuir sentidos quando esses são ocu­pados em servir ao Senhor. Na verdade, serviço devocional significa ocupar os sentidos em servir ao Senhor. No momento atual, nossos sentidos não estão purificados; portanto, nossos sentidos estão ocupados a serviço de sociedade, amizade, amor, política, sociologia e assim por diante. Entretanto, ocupando os sentidos a serviço do Senhor, alcançamos bhakti, ou serviço devocional. No verso seguin­te, esses assuntos serão explicados com mais clareza.

Ao ver o Senhor Caitanya Mahāprabhu, um de Seus grandes devotos disse que todos os seus desejos estavam satisfeitos. Ele disse: “Hoje tudo é auspicioso. Hoje minha terra natal e minha vizinhança são plenamente gloriosos. Hoje meus sentidos, desde meus olhos até os dedos de meus pés, são afortunados. Hoje logrei sucesso em minha vida porque fui capaz de ver os pés de lótus adorados pela deusa da fortuna.”

Texto

kiṁ janmabhis tribhir veha
śaukra-sāvitra-yājñikaiḥ
karmabhir vā trayī-proktaiḥ
puṁso ’pi vibudhāyuṣā

Sinônimos

kim — qual é a utilidade; janmabhiḥ — de nascimentos; tribhiḥ — ­três; — ou; iha — neste mundo; śaukra — através do sêmen; sāvitra­ — através da iniciação; yājñikaiḥ — tornando-se um brāhmaṇa perfei­to; karmabhiḥ — mediante atividades; — ou, trayī – nos Vedas; proktaiḥ — ensinadas; puṁsaḥ — de um ser humano; api — mesmo; vibudha — dos semideuses; āyuṣā — com uma duração de vida.

Tradução

Um ser humano civilizado tem três espécies de nascimento. O primeiro nascimento é através de pai e mãe puros, e esse nascimento se chama nascimento através do sêmen. O nascimento seguinte ocorre quando alguém é iniciado pelo mestre espiritual, e esse nas­cimento se chama sāvitra. O terceiro nascimento, chamado yājñika, ocorre quando alguém tem a oportunidade de adorar o Senhor Viṣṇu. Apesar das oportunidades de obter esses nascimentos, mesmo que alguém alcance a duração de vida de um semideus, se não se dedicar verdadeiramente a servir ao Senhor, tudo será inútil. Do mesmo modo, as atividades de alguém podem ser mundanas ou espirituais, mas são inúteis se não se destinam ao agrado do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—A expressão śaukra-janma significa “nascer através da ejaculação seminal”. Os animais também podem nascer desta maneira. Contudo, um ser humano pode purificar-se do śaukra-janma, como se recomenda na civilização védica. Antes de ocorrer o nascimento, ou seja, antes da união de pai e mãe, há uma cerimônia chamada garbhādhāna-saskāra, a qual deve ser adotada. Esse garbhādhāna­-saskāra é recomendado em especial para as castas superiores, especialmente a casta dos brāhmaṇas. Os śāstras dizem que, se o garbhādhāna-saskāra não é praticado entre as castas superiores, toda a família torna-se śūdra. Afirma-se também que, nesta era de Kali, todos são śūdras devido à ausência do garbhādhāna-saskāra. Esse é o sistema védico. Segundo o sistema pāñcarātrika, entre­tanto, mesmo que todos sejam śūdras devido à ausência de garbhādhāna-saskāra, se alguém manifesta mesmo que apenas uma pequena ten­dência a se tornar consciente de Kṛṣṇa, ele deve receber a oportunidade de elevar-se à plataforma transcendental de serviço devocional. Nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa adota esse pāñcarātrika-vidhi, como aconselha Śrīla Sanātana Gosvāmī, dizendo:

yathā kāñcanatāṁ yāti
kāṁsyaṁ rasa-vidhānataḥ
tathā dīkṣā-vidhānena
dvijatvaṁ jāyate nṛṇām

“Assim como o bronze, quando misturado com mercúrio, transforma-­se em ouro, da mesma forma, uma pessoa, mesmo que não seja pura como o ouro, pode transformar-se em brāhmaṇa, ou dvija, simplesmente pelo processo de iniciação.” (Hari-bhakti-vilāsa 2.12) Assim, se alguém é iniciado por uma pessoa competente, pode ser aceito imediatamente como alguém duas vezes nascido. Portanto, em nosso movimento para a consciência de Kṛṣṇa, oferecemos a primeira iniciação ao estudante e permitimos que ele cante o mahā­-mantra Hare Kṛṣṇa. Cantando o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa regular­mente e seguindo os princípios reguladores, o discípulo qualifica-se para ser iniciado como brāhmaṇa, pois ninguém tem permissão de adorar o Senhor Viṣṇu se não é um brāhmaṇa qualificado. Isso se chama yājñika-janma. Em nossa sociedade consciente de Kṛṣṇa, a menos que alguém seja iniciado duas vezes – primeiramente, cantando Hare Kṛṣṇa e, segundo, através do mantra Gāyatrī – não lhe é per­mitida a entrada na cozinha ou nos aposentos da Deidade para cumprir tarefas ali. Contudo, quando alguém é elevado à plataforma de adorador qualificado da Deidade, seu nascimento anterior não importa.

caṇḍālo ’pi dvija-śreṣṭho
hari-bhakti-parāyaṇaḥ
hari-bhakti-vihīnaś ca
dvijo ’pi śvapacādhamaḥ

“Mesmo que alguém nasça em uma família de caṇḍālas, se ele se ocupa em serviço devocional ao Senhor, passa a ser o melhor dos brāhmaṇas; mas, do mesmo modo, um brāhmaṇa desprovido de serviço devocional está em nível tão baixo como o de um comedor de cães.” Se uma pessoa é avançada em serviço devocional, independentemente de ela ter nascido em uma família de caṇḍālas, ela se purifi­ca. Como Śrī Prahlāda Mahārāja diz:

viprād dviṣaḍ-guṇa-yutād aravinda-nābha-
pādāravinda-vimukhāc chvapacaṁ variṣṭham

Mesmo que alguém seja um brāhmaṇa dotado de todas as qualifi­cações bramânicas, ele é considerado degradado se é avesso a adorar a Suprema Personalidade de Deus. Contudo, se alguém é apega­do a servir ao Senhor, torna-se glorioso mesmo se houver nascido em uma família de caṇḍālas. Na verdade, semelhante caṇḍāla pode liberar, não apenas a si próprio, mas todos os antepassados de sua família. Sem serviço devocional, nem mesmo um brāhmaṇa orgulhoso pode libertar-se; isso para não falar de sua família. Muitos exemplos nos śāstras mostram-nos que mesmo um brāhmaṇa torna-se kṣa­triya, vaiśya, śūdra, mleccha ou não-brāhmaṇa. E há muitos outros exemplos de alguns que nascem kṣatriyas ou vaiśyas, ou inclusive em posições inferiores, e, aos dezoito anos, elevam-se à plataforma bramânica através do processo de iniciação. Portanto, Nārada Muni diz:

yasya yal lakṣaṇaṁ proktaṁ
puṁso varṇābhivyañjakam
yad anyatrāpi dṛśyeta
tat tenaiva vinirdiśet

Não é verdade que, pelo fato de alguém nascer em família de brāhmaṇas, ele é naturalmente um brāhmaṇa. Ele tem melhores oportunidades de tornar-se um brāhmaṇa, mas, a menos que adquira todas as qualificações bramânicas, não pode ser aceito como tal. Por outro lado, se encontramos as qualificações bramânicas na pessoa de um śūdra, devemos aceitá-lo imediatamente como brāhmaṇa. Muitas citações do Bhāgavatam, do Mahābhārata, do Bharadvāja-saṁhitā e do Pañcarātra, bem como de muitas outras escrituras, comprovam esse fato.

Quanto à duração de vida dos semideuses, afirma-se o seguinte a respeito do senhor Brahmā:

sahasra-yuga-paryantam
ahar yad brahmaṇo viduḥ
rātriṁ yuga-sahasrāntāṁ
te ’ho-rātra-vido janāḥ

A duração de um dia de Brahmā é mil vezes maior do que quatro yugas, perfazendo o total de 4.320.000 anos. A duração de uma noite de Brahmā é a mesma. Brahmā vive por cem anos desses dias e noites. A palavra vibudhāyuṣā indica que, ainda que alguém tenha uma longa duração de vida, essa duração de vida é inútil se ele não for um devoto. A entidade viva é serva eterna do Senhor Supremo, e, se não chegar à plataforma de serviço devocional, sua duração de vida, bom nascimento, atividades gloriosas e tudo mais serão inúteis e vazios.

Texto

śrutena tapasā vā kiṁ
vacobhiś citta-vṛttibhiḥ
buddhyā vā kiṁ nipuṇayā
balenendriya-rādhasā

Sinônimos

śrutena — pela educação védica; tapasā — mediante austeridades; — ou; kim — qual é o sentido; vacobhiḥ — mediante palavras; citta — de consciência; vṛttibhiḥ — pelas ocupações; buddhyā — mediante a inteligência; — ou; kim — de que adianta; nipuṇayā — hábil; balena — pela força corpórea; indriya-rādhasā — pelo poder dos sentidos.

Tradução

Rigorosas austeridades, o processo de ouvir, a capacidade de falar, o poder da especulação mental, a inteligência elevada, a força e o poder sensual – que sentido faz tudo isso sem o serviço devocional?

Comentário

SIGNIFICADO—As Upaniṣads (Muṇḍaka Upaniṣad 3.2.3) nos ensinam o seguinte:

nāyam ātmā pravacanena labhyo
na medhayā na bahunā śrutena
yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas
tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanūṁ svām

Nossa relação com o Senhor Supremo nunca avança pelo mero estudo dos Vedas. Há muitos sannyāsīs māyāvādīs plenamente dedicados a estudar os Vedas, o Vedānta-sūtra e as Upaniṣads, mas, infelizmente, eles não conseguem assimilar a verdadeira essência do conhecimento. Em outras palavras, eles não conhecem a Suprema Personalidade de Deus. De que adianta, então, alguém estudar todos os Vedas se ele não consegue assimilar a essência dos Vedas, Kṛṣṇa? O Senhor confirma na Bhagavad-gītā (15.15) que vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ: “Através de todos os Vedas, Eu sou aquele que deve ser conhecido.”

Muitos são os sistemas religiosos que dão ênfase especial à prá­tica de penitências e austeridades, mas, no final, ninguém entende Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Portanto, não há utili­dade em tais penitências (tapasya). Quem tenha realmente se apro­ximado da Suprema Personalidade de Deus não precisa praticar rigorosas austeridades. Pode-se compreender a Suprema Personali­dade de Deus através do processo de serviço devocional. O nono capítulo da Bhagavad-gītā expõe o serviço devocional como rāja-­guhyam, o rei de todo o conhecimento confidencial. Há muitos bons recitadores dos textos védicos que entoam obras como o Rāmāyaṇa, o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā. Às vezes, esses leitores profissionais manifestam ótima erudição e fazem malabarismos de palavras. Infelizmente, eles jamais são devotos do Senhor Supremo. Em consequência disso, não podem incutir na audiência a verdadeira essência do conhecimento, Kṛṣṇa. Existem, também, muitos escritores cheios de ideias e filósofos criativos, mas, apesar de toda a sua erudição, se eles não conseguem aproximar-se da Suprema Personalidade de Deus, não passam de especuladores mentais inúteis. Há muitas pessoas de inteligência aguda neste mundo material, e elas vivem descobrindo coisas em favor do gozo dos sentidos. Além disso, elas estudam analiticamente todos os ele­mentos materiais. Porém, apesar de seu hábil conhecimento e perita análise científica de toda a manifestação cósmica, seus esforços são inúteis porque elas não conseguem entender a Suprema Personali­dade de Deus.

No que diz respeito a nossos sentidos, existem muitos animais, tanto quadrúpedes quanto pássaros, que são muito hábeis em exer­citar seus sentidos mais intensamente do que os seres humanos. Por exemplo, os corvos ou falcões podem subir muito alto no céu, mas, mesmo assim, podem ver um pequeno corpo no solo bem claramen­te. Isso quer dizer que a visão deles é tão aguçada que eles podem encontrar um cadáver comestível a uma grande distância. Decerto, a visão deles é muito mais aguçada do que a dos seres humanos, mas isso não significa que a existência deles seja mais importante que a de um ser humano. Do mesmo modo, os cães podem farejar muitas coisas ao longe. Muitos peixes podem perceber através do poder do som que o inimigo se aproxima. Todos esses exemplos são des­critos no Śrīmad-Bhāgavatam. Se os sentidos de alguém não podem ajudá-lo a alcançar a perfeição máxima da vida, a compreensão do Supremo, eles são todos inúteis.

Texto

kiṁ vā yogena sāṅkhyena
nyāsa-svādhyāyayor api
kiṁ vā śreyobhir anyaiś ca
na yatrātma-prado hariḥ

Sinônimos

kim — de que adianta; — ou; yogena — pela prática de yoga místico; sāṅkhyena — pelo estudo da filosofia sāṅkhya; nyāsa — aceitando sannyāsa; svādhyāyayoḥ — e pelo estudo da literatura védi­ca; api — mesmo; kim — de que adianta; — ou; śreyobhiḥ — me­diante atividades auspiciosas; anyaiḥ — outras; ca — e; na — nunca; yatra — onde; ātma-pradaḥ — plena satisfação do eu; hariḥ — a Supre­ma Personalidade de Deus.

Tradução

Práticas transcendentais que, em última análise, não nos ajudem a compreender a Suprema Personalidade de Deus são inúteis, quer sejam práticas de yoga místico, quer estudo analítico da matéria, quer rigorosas austeridades, quer aceitação de sannyāsa, quer estu­do da literatura védica. Todos esses aspectos podem ser muito im­portantes no avanço espiritual, mas, a menos que compreendamos a Suprema Personalidade de Deus, Hari, todos esses processos são inúteis.

Comentário

SIGNIFICADO—O Caitanya-caritāmṛta (Madhya 24.109) diz o seguinte:

bhakti vinā kevala jñāne ‘mukti’ nāhi haya
bhakti sādhana kare yei ‘prāpta-brahma-laya’

Os impersonalistas não adotam o serviço devocional, mas adotam outras práticas, tais como o estudo analítico dos elementos mate­riais, a discriminação entre matéria e espírito e o sistema de yoga místico. Essas práticas são benéficas somente na medida em que forem complementares ao serviço devocional. Caitanya Mahā­prabhu, portanto, disse a Sanātana Gosvāmī que, sem um toque de serviço devocional, jñāna, yoga e a filosofia sāṅkhya não podem outorgar os resultados desejados. Os impersonalistas desejam fundir-se no Brahman Supremo; contudo, para fundirem-se no Brahman Supremo, é preciso haver, também, um toque de ser­viço devocional. A Verdade Absoluta é percebida em três fases – Brahman impessoal, Paramātmā e a Suprema Personalidade de Deus. Em todas essas fases, é preciso haver um toque de serviço devocional. Algumas vezes, inclusive, vê-se que os māyāvādīs também cantam o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, embora a motivação deles seja fundir-se na refulgência Brahman do Absoluto. Os yogīs, também, certas vezes, adotam o cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, mas a inten­ção deles é diferente daquela dos bhaktas. Em todos os processos – karma, jñāna ou yoga – é necessário haver bhakti. Esse é o signifi­cado desse verso.

Texto

śreyasām api sarveṣām
ātmā hy avadhir arthataḥ
sarveṣām api bhūtānāṁ
harir ātmātmadaḥ priyaḥ

Sinônimos

śreyasām — das atividades auspiciosas; api — decerto; sarveṣām — todas; ātmā — o eu; hi — decerto; avadhiḥ — destino; arthataḥ — de fato; sarveṣām — de todas; api — decerto; bhūtānām — entidades vivas; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; ātmā — a Superalma; ātma-daḥ — que pode nos dar nossa identidade original; priyaḥ — muito querida.

Tradução

De fato, a Suprema Personalidade de Deus é a fonte original de toda a autorrealização. Em consequência disso, a meta de todas as atividades auspiciosas – karma, jñāna, yoga e bhakti – é a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—A entidade viva é a energia marginal da Suprema Personalidade de Deus, e o mundo material, Sua energia externa. Nessas circuns­tâncias, todos devem entender que a Suprema Personalidade de Deus é, de fato, a fonte original, tanto da matéria, quanto do espírito. Explica-se isso no sétimo capítulo da Bhagavad-gītā (7.4-5):

bhūmir āpo ’nalo vāyuḥ
khaṁ mano buddhir eva ca
ahaṅkāra itīyaṁ me
bhinnā prakṛtir aṣṭadhā
apareyam itas tv anyāṁ
prakṛtiṁ viddhi me parām
jīva-bhūtāṁ mahā-bāho
yayedaṁ dhāryate jagat

“Terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e falso ego – juntos, todos estes oito elementos formam Minhas energias materiais separadas. Além dessas, ó Arjuna de braços poderosos, existe uma outra energia, a Minha energia superior, que consiste das entidades vivas que exploram os recursos desta natureza material inferior.”

Toda a manifestação cósmica nada mais é do que uma combinação de matéria e espírito. A parte espiritual é a entidade viva, a qual é descrita como prakṛti, ou energia. A entidade viva nunca é descrita como puruṣa, ou seja, a Pessoa Suprema; portanto, identificar a entidade viva com o Senhor Supremo é mera ignorância. A enti­dade viva é a potência marginal do Senhor Supremo, embora, na realidade, não haja diferença entre a energia e o energético. É dever da entidade viva compreender sua verdadeira identidade. Quando ela o faz, Kṛṣṇa lhe propicia todas as oportunidades para chegar à plata­forma de serviço devocional. Essa é a perfeição da vida. A Upaniṣad védica indica esse fato como se segue:

yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas
tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanūṁ svām

O Senhor Kṛṣṇa o confirma na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

“Aos que se dedicam constantemente a Mim e Me adoram com amor, Eu dou a compreensão através da qual eles podem vir a Mim.” Em conclusão, é preciso chegar à plataforma de bhakti-­yoga, muito embora se possa começar com karma-yoga, jñāna-yoga ou aṣṭāṅga-yoga. A menos que cheguemos à plataforma de bhakti­-yoga, não poderemos alcançar a autorrealização ou a compreensão da Verdade Absoluta.

Texto

yathā taror mūla-niṣecanena
tṛpyanti tat-skandha-bhujopaśākhāḥ
prāṇopahārāc ca yathendriyāṇāṁ
tathaiva sarvārhaṇam acyutejyā

Sinônimos

yathā — assim como; taroḥ — de uma árvore; mūla — a raiz; niṣeca­nena — regando; tṛpyanti — ficam satisfeitos; tat — seus; skandha — tronco; bhuja — galhos; upaśākhāḥ — e brotos; prāṇa — o ar vital; upahārāt — alimentando; ca — e; yathā — assim como; indriyāṇām­ — dos sentidos; tathā eva — de modo semelhante; sarva — de todos os semideuses; arhaṇam — adoração; acyuta — da Suprema Personali­dade de Deus; ijyā — adoram.

Tradução

Assim como o ato de regar a raiz de uma árvore concede energia ao tronco, aos galhos, aos brotos e a tudo mais, e assim como o ato de alimentar o estômago vivifica os sentidos e os membros do corpo, de modo semelhante, pelo simples fato de adorar a Suprema Personalidade de Deus através do serviço devocional, pode-se automaticamente satisfazer aos semideuses, que são partes dessa Personalidade Suprema.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes, perguntam-nos por que este movimento para a cons­ciência de Kṛṣṇa advoga apenas a adoração a Kṛṣṇa, a ponto de excluir os semideuses. Este verso apresenta a resposta. O exemplo de regar a raiz de uma árvore é muito apropriado. A Bhagavad-gītā (15.1) afirma que ūrdhva-mūlam adhaḥ-śākham: esta manifestação cós­mica se expande para baixo, e a raiz é a Suprema Personalidade de Deus. Como o Senhor confirma na Bhagavad-gītā (10.8), ahaṁ sar­vasya prabhavaḥ: “Eu sou a fonte de todos os mundos espirituais e materiais.” Kṛṣṇa é a raiz de tudo, de modo que prestar serviço à Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa (kṛṣṇa-sevā), significa automaticamente servir a todos os semideuses. Às vezes, argumenta-se que karma e jñāna requerem uma mistura de bhakti para serem executados com êxito, e, às vezes, argumenta-se que bhakti também precisa de karma e jñāna para uma consumação exitosa. O fato, contudo, é que, embora karma e jñāna não possam ser exitosa­mente executados sem bhakti, bhakti não precisa da ajuda de karma nem de jñāna. Na verdade, como descreve Śrīla Rūpa Gosvāmī, anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam: o ser­viço devocional puro não deve ser contaminado pelo contato de karma e jñāna. A sociedade moderna está envolvida em várias classes de obras filantrópicas, humanitárias e assim por diante, mas as pessoas não sabem que essas atividades jamais serão exi­tosas a menos que Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, esteja em seu centro. Alguém poderá perguntar que mal há em adorar Kṛṣṇa e as diferentes partes de Seu corpo, os semideuses, e este verso também apresenta a resposta a isso. A ideia é que, alimentando o estômago, os indriyas, os sentidos, ficam automaticamente satisfeitos. Se alguém tenta alimentar seus olhos e ouvidos de maneira independente, o resultado é desastroso. Pelo simples processo de alimentar o estô­mago, satisfazemos todos os sentidos. Não é necessário nem exe­quível prestar serviço separado aos sentidos individuais. Em conclu­são, servindo a Kṛṣṇa (kṛṣṇa-sevā), tudo se torna perfeito. Confirma-se no Caitanya-caritāmṛta (Madhya 22.62) que kṛṣṇe bhakti kaile sarva-karma kṛta haya: se alguém estiver ocupado em serviço devo­cional ao Senhor, a Suprema Personalidade de Deus, automatica­mente terá realizado tudo.

Texto

yathaiva sūryāt prabhavanti vāraḥ
punaś ca tasmin praviśanti kāle
bhūtāni bhūmau sthira-jaṅgamāni
tathā harāv eva guṇa-pravāhaḥ

Sinônimos

yathā — assim como; eva — decerto; sūryāt — pelo Sol; prabhavanti — é produzida; vāraḥ — água; punaḥ — de novo; ca — e; tasmin — nele; praviśanti — entra; kāle — com o transcorrer do tempo; bhūtāni­ — todas as entidades vivas; bhūmau — à terra; sthira — imóveis; jaṅga­-māni — e móveis; tathā — de modo semelhante; harau — na Suprema Personalidade de Deus; eva — decerto; guṇa-pravāhaḥ — emanação da natureza material.

Tradução

Durante a estação das chuvas, a água é produzida pelo Sol, e, com o transcorrer do tempo, ao chegar o verão, a mesma água é novamente absorvida pelo Sol. De modo semelhante, todas as entidades vivas, móveis e inertes, originam-se da terra, e depois, passado algum tempo, todas retornam à terra como pó. Do mesmo modo, tudo emana da Suprema Personalidade de Deus e, com o transcurso do tempo, tudo entra nEle mais uma vez.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido a seu pobre fundo de conhecimento, os filósofos impersonalistas não podem entender como tudo provém da Pessoa Suprema e depois mergulha nEle outra vez. Como confirma a Brahma-saṁhitā (5.40):

yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-
koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi-vibhūti-bhinnam
tad brahma niṣkalam anantam aśeṣa-bhūtaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Raios transcendentais emanam do corpo de Kṛṣṇa, e, dentro desses raios, que são a refulgência Brahman, tudo existe. Confirma-se isso na Bhagavad-gītā (9.4): mat-sthāni sarva-bhūtāni. Embora Kṛṣṇa não esteja presente pessoalmente em toda parte, Sua energia é a causa de toda a criação. Toda a manifestação cósmica nada mais é do que uma amostra da energia de Kṛṣṇa.

Os dois exemplos dados nesse verso são muito vívidos. Durante a estação das chuvas, rejuvenescendo a produção de vegetais sobre a Terra, a chuva capacita os homens e animais a obterem energia vital. Quando não há chuva, o alimento escasseia e o homem e os animais simplesmente morrem. Todos os vegetais, bem como as entidades vivas móveis, são originalmente produtos da terra. Surgem da terra e novamente imergem na terra. Do mesmo modo, a totalidade da energia material procede do corpo de Kṛṣṇa, e, nessa ocasião, toda a manifestação cósmica é visível. Quando Kṛṣṇa recolhe Sua energia, tudo se esvai. A Brahma-saṁhitā (5.48) explica isso de maneira diferente:

yasyaika-niśvasita-kālam athāvalambya
jīvanti loma-vilajā jagad-aṇḍa-nāthāḥ
viṣṇur mahān sa iha yasya kalā-viśeṣo
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Toda essa criação material provém do corpo da Suprema Personalidade de Deus e, no momento da aniquilação, entra nEle outra vez. Esse processo de aniquilação e dissolução se faz possível pela respiração de Mahā-Viṣṇu, que é apenas uma porção plenária de Kṛṣṇa.

Texto

etat padaṁ taj jagad-ātmanaḥ paraṁ
sakṛd vibhātaṁ savitur yathā prabhā
yathāsavo jāgrati supta-śaktayo
dravya-kriyā-jñāna-bhidā-bhramātyayaḥ

Sinônimos

etat — esta manifestação cósmica; padam — lugar de habitação; tat — isto; jagat-ātmanaḥ — da Suprema Personalidade de Deus; param — transcendental; sakṛt — às vezes; vibhātam — manifesto; savi­tuḥ — do Sol; yathā — assim como; prabhā — brilho do Sol, yathā­ – assim como; asavaḥ — os sentidos; jāgrati — manifestam-se; supta — inativas; śaktayaḥ — energias; dravya — elementos físicos; kriyā — ativi­dades; jñāna — conhecimento; bhidā-bhrama — diferenças causadas por equívocos; atyayaḥ — desaparecendo.

Tradução

Assim como o brilho do Sol não é diferente do Sol, a manifestação cósmica também não é diferente da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, a Personalidade Suprema é onipenetrante dentro desta criação material. Quando os sentidos estão ativos, eles pare­cem ser partes integrantes do corpo, mas, quando o corpo está adormecido, suas atividades são imanifestas. De modo semelhante, toda a criação cósmica parece diferente e, ainda assim, não-diferente da Pessoa Suprema.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso confirma a filosofia de acintya-bhedābheda-tattva, “simultaneamente igual e diferente”, proposta pelo Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu. A Suprema Personalidade de Deus é simultaneamente diferente e não-diferente dessa manifestação cósmica. Em um verso anterior, explicou-se que a Suprema Personalidade de Deus, como a raiz de uma árvore, é a causa original de tudo. Tam­bém se explicou como a Suprema Personalidade de Deus é oni­penetrante. Ele está presente dentro de tudo nesta manifestação material. Uma vez que a energia do Senhor Supremo não é diferente dEle, esta manifestação cósmica material também não é diferente dEle, embora pareça diferente. Embora o brilho solar não seja diferente do próprio Sol, simultaneamente, ele também é diferente. Alguém pode “tomar banho de Sol”, mas isso não quer dizer que essa pessoa está no Sol em si. Aqueles que vivem neste mundo material vivem nos raios do corpo da Suprema Personalidade de Deus, mas não podem vê-lO pessoalmente nas condições materiais.

Neste verso, a palavra padam indica o lugar onde reside a Suprema Personalidade de Deus. Como confirma a Īśopaniṣad, īśāvāsyam idaṁ sarvam. Pode ser que o proprietário de uma casa viva em um aposento da casa, mas toda a casa lhe pertence. Pode ser que o rei viva em um aposento no palácio de Buckingham, mas todo o palácio é considerado sua propriedade. Não é necessário que o rei more em todos os aposentos do palácio para que eles sejam seus. Ele pode estar ausente fisicamente dos aposentos, mas, de qualquer modo, todo o palácio é tido como seu domicílio real.

O brilho do Sol é luz, o globo solar em si é luz e o deus do Sol também é luz. Contudo, o brilho do Sol não é idêntico ao deus do Sol, Vivasvān. Este é o significado de simultaneamente igual e dife­rente (acintya-bhedābheda-tattva). Todos os planetas repousam no brilho do Sol e, devido ao calor do Sol, eles giram em suas órbitas. Em todo e cada um dos planetas, as árvores e plantas crescem e mudam de cor devido ao brilho do Sol. Por ser os raios solares, o brilho do Sol não é diferente do Sol. Do mesmo modo, repousando no brilho do Sol, nenhum planeta é diferente do Sol. Todo o mundo material depende inteiramente do Sol, sendo produzido pelo Sol, e a causa, o Sol, está presente em seus efeitos. Do mesmo modo, Kṛṣṇa é a causa de todas as causas, e os efeitos são permeados pela causa original. Toda a manifestação cósmica deve ser considerada como a energia expandida do Senhor Supremo.

Ao dormirmos, nossos sentidos ficam inativos, mas isso não significa que nossos sentidos estão ausentes. Ao acordarmos, nossos sentidos tornam-se ativos mais uma vez. Analogamente, esta criação cósmica é ora manifesta, ora imanifesta, como afirma a Bhagavad-gītā (bhūtvā bhūtvā pralīyate). Quando a manifestação cósmica é dissolvida, ela fica, em certo nível, como se estivesse adorme­cida, em estado inativo. Quer a manifestação cósmica esteja ativa, quer esteja inativa, a energia do Senhor Supremo sempre existe. Assim, os termos “aparecimento” e “desaparecimento” aplicam-se apenas à manifestação cósmica.

Texto

yathā nabhasy abhra-tamaḥ-prakāśā
bhavanti bhūpā na bhavanty anukramāt
evaṁ pare brahmaṇi śaktayas tv amū
rajas tamaḥ sattvam iti pravāhaḥ

Sinônimos

yathā — assim como; nabhasi — no céu; abhra — nuvens; tamaḥ — escuridão; prakāśāḥ — e luz; bhavanti — existem; bhū-pāḥ — os reis; na bhavanti — não aparecem; anukramāt — consecutivamente; evam­ — assim; pare — supremo; brahmaṇi — no Absoluto; śaktayaḥ — ener­gias; tu — então; amūḥ — aquelas; rajaḥ — paixão; tamaḥ — escuridão; sattvam — bondade; iti — assim; pravāhaḥ — emanação.

Tradução

Meus queridos reis, ora há nuvens no céu, ora há escuridão, ora há luz. O aparecimento de todos esses fenômenos ocorre consecutivamente. De modo semelhante, no Absoluto Supremo, os modos de paixão, escuridão e bondade aparecem como energias consecuti­vas. Ora aparecem, ora desaparecem.

Comentário

SIGNIFICADO—Escuridão, luz e nuvens ora aparecem, ora desaparecem, mas, mesmo quando desaparecem, a potência do Sol ainda está presente, pois existe sempre. No céu, ora vemos nuvens, ora chuva, ora neve. Ora vemos noite, ora dia, ora luz, ora escuridão. Tudo isso existe devido ao Sol, mas o Sol não é afetado por todas essas mudanças. Analogamente, embora a Suprema Personalidade de Deus seja a causa original da totalidade da manifestação cósmica, Ele não é afetado pela existência material. A Bhagavad-gītā (7.4) confirma isso do seguinte modo:

bhūmir āpo ’nalo vāyuḥ
khaṁ mano buddhir eva ca
ahaṅkāra itīyaṁ me
bhinnā prakṛtir aṣṭadhā

“Terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e falso ego – juntos, todos estes oito elementos formam Minhas energias materiais separadas.”

Embora os elementos materiais, ou físicos, sejam a energia da Suprema Personalidade de Deus, eles estão separados. Portanto, as condições materiais não afetam a Suprema Personalidade de Deus. O Vedānta-sūtra confirma que janmādy asya yataḥ: a criação, a manutenção e a dissolução desta manifestação cósmica devem-se à existência do Senhor Supremo. Todavia, o Senhor não Se deixa afetar por nenhuma das mudanças que ocorrem nos elementos materiais. Isso é o que indica o termo pravāha, “emanação”. O Sol sempre brilha fulgurantemente, não sendo afetado pelas nuvens ou pela escuridão. Do mesmo modo, a Suprema Personalidade de Deus está sempre presente em Sua energia espiritual, não Se dei­xando afetar pelas emanações materiais. A Brahma-saṁhitā (5.1) confirma:

īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ
sac-cid-ānanda-vigrahaḥ
anādir ādir govindaḥ
sarva-kāraṇa-kāraṇam

“Kṛṣṇa, que é conhecido como Govinda, é a Divindade Suprema. Seu corpo é eterno, bem-aventurado e espiritual. Ele é a origem de tudo. Ele não tem outra origem e é a causa primordial de todas as cau­sas.” Muito embora Ele seja a causa suprema, a causa de todas as causas, Ele é parama, transcendental, e Sua forma é sac-cid­-ānanda, eterna bem-aventurança espiritual. Kṛṣṇa é o refúgio de tudo, e esse é o veredito de todas as escrituras. Kṛṣṇa é a causa remota, e a natureza material é a causa imediata da manifestação cósmica. O Caitanya-caritāmṛta diz que considerar prakṛti, ou natureza, como a causa de tudo é como considerar os apêndices do pescoço de um bode como a causa do leite. A natureza material é a causa imediata da manifestação cósmica, mas a causa original é Nārāyaṇa, Kṛṣṇa. Às vezes, as pessoas acham que a causa de um pote de barro é o barro. Podemos ver em um torno de oleiro uma boa quantidade de barro para produzir muitos potes, e, embora homens sem inteligência digam que o barro no torno é a causa do pote, aqueles que são realmente avançados observam que a causa original é o oleiro, o qual fornece barro e movimenta o torno. A natureza material pode ser um fator auxiliar na criação desta manifestação cósmica, mas ela não é a causa fundamental. Portanto, o Senhor diz o seguinte na Bhagavad-gītā (9.10):

mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ
sūyate sa-carācaram

“Esta natureza material funciona sob Minha orientação, ó filho de Kuntī, e produz todos os seres móveis e imóveis.”

O Senhor Supremo lança Seu olhar sobre a natureza material, e Seu olhar desperta os três modos da natureza. Ocorre, então, a criação. Em conclusão, a natureza não é a causa da manifestação material. O Senhor Supremo é a causa de todas as causas.

Texto

tenaikam ātmānam aśeṣa-dehināṁ
kālaṁ pradhānaṁ puruṣaṁ pareśam
sva-tejasā dhvasta-guṇa-pravāham
ātmaika-bhāvena bhajadhvam addhā

Sinônimos

tena — portanto; ekam — iguais; ātmānam — à Alma Suprema; aśeṣa — ilimitadas; dehinām — das almas individuais; kālam — tempo; pradhānam — a causa material; puruṣam — a Pessoa Suprema; para-īśam — o controlador transcendental; sva-tejasā — por Sua energia espiritual; dhvasta — à parte; guṇa-pravāham — das emanações materiais; ātma — eu; eka-bhāvena — aceitando como qualitativamente iguais; bhajadhvam — ocupai-vos em serviço devocional; addhā — diretamente.

Tradução

Como o Senhor Supremo é a causa de todas as causas, Ele é a Superalma de todas as entidades vivas individuais, e Ele existe tanto como a causa remota, quanto como a imediata. Uma vez que Ele independe das emanações materiais, mantém-Se livre de suas interações e é o Senhor da natureza material. Portanto, deveis ocupar­-vos em Seu serviço devocional, julgando-vos qualitativamente iguais a Ele.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo os cálculos védicos, existem três causas da criação – o tempo, os ingredientes e o criador. Combinados, eles chamam-se tritayātmaka, as três causas. Tudo neste mundo material é criado por essas três causas. Todas essas causas encontram-se na Personali­dade de Deus. Como confirma a Brahma-saṁhitā, sarva-kāraṇa­-kāraṇam. Nārada Muni, portanto, aconselha aos Pracetās que ado­rem a causa direta, a Suprema Personalidade de Deus. Como se afirmou antes, quando se rega a raiz de uma árvore, todas as suas partes recebem energia. De acordo com o conselho de Nārada Muni, todos devem ocupar-se diretamente em serviço devocional. Isso incluirá todas as atividades piedosas. O Caitanya-caritāmṛta afirma que kṛṣṇe bhakti kaile sarva-karma kṛta haya: quem adora o Senhor Supremo, Kṛṣṇa, em serviço devocional automaticamente executa toda espécie de atividades piedosas. Neste verso, as pala­vras sva-tejasā dhvasta-guṇa pravāham são muito significativas. A Suprema Personalidade de Deus jamais Se deixa afetar pelas quali­dades materiais, embora todas elas emanem de Sua energia espiritual. Aqueles que são realmente versados neste conhecimento podem utilizar tudo a serviço do Senhor porque nada neste mundo material é desvinculado da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

dayayā sarva-bhūteṣu
santuṣṭyā yena kena vā
sarvendriyopaśāntyā ca
tuṣyaty āśu janārdanaḥ

Sinônimos

dayayā — tendo misericórdia; sarva-bhūteṣu — de todas as enti­dades vivas; santuṣṭyā — ficando satisfeito; yena kena — de alguma forma; sarva-indriya — todos os sentidos; upaśāntyā — controlando; ca — também; tuṣyati — fica satisfeito; āśu — muito rapidamente; janār­danaḥ — o Senhor de todas as entidades vivas.

Tradução

Tendo misericórdia de todas as entidades vivas, ficando satisfeito de uma maneira ou outra e controlando o gozo dos sentidos, pode-se muito rapidamente satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, Janār­dana.

Comentário

SIGNIFICADO—Essas são algumas das maneiras pelas quais o devoto pode satis­fazer a Suprema Personalidade de Deus. O primeiro item mencio­nado é dayayā sarva-bhūteṣu, ter misericórdia de todas as almas condicionadas. A melhor maneira de mostrar misericórdia é difundir a consciência de Kṛṣṇa. O mundo inteiro está sofrendo por falta deste conhecimento. Todos devem saber que a Suprema Personali­dade de Deus é a causa original de tudo. Sabendo disso, todos devem ocupar-se diretamente em Seu serviço devocional. Aqueles que são realmente eruditos, avançados em compreensão espiritual, devem pregar a consciência de Kṛṣṇa no mundo inteiro para que as pessoas possam adotá-la e fazer de suas vidas um pleno êxito.

A expressão sarva-bhūteṣu é significativa porque se aplica, não apenas aos seres humanos, mas também a todas as entidades vivas que aparecem nas 8.400.000 espécies de vida. O devoto pode fazer o bem, não só à humanidade, mas também a todas as enti­dades vivas. Todos podem beneficiar-se espiritualmente, cantando o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Quando se ressoa a vibração transcendental de Hare Kṛṣṇa, mesmo as árvores, animais e insetos se benefi­ciam. Assim, ao cantarmos o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa bem alto, realmente mostramos misericórdia para com todas as entidades vivas. De modo a difundir o movimento para a consciência de Kṛṣṇa no mundo inteiro, os devotos devem ficar satisfeitos em quaisquer condições.

nārāyaṇa-parāḥ sarve
na kutaścana bibhyati
svargāpavarga-narakeṣv
api tulyārtha-darśinaḥ

O devoto puro não se importa de ter que ir ao inferno para pregar. O Senhor Supremo vive no coração de um porco, embora o Senhor esteja em Vaikuṇṭha. Mesmo enquanto prega no inferno, o devoto puro permanece um devoto puro devido à sua associação constante com a Suprema Personalidade de Deus. Para se alcançar esse estado, é preciso controlar os sentidos. Nossos sentidos ficam automaticamente controlados quando ocupamos a mente a serviço do Senhor.

Texto

apahata-sakalaiṣaṇāmalātmany
aviratam edhita-bhāvanopahūtaḥ
nija-jana-vaśa-gatvam ātmano ’yan
na sarati chidravad akṣaraḥ satāṁ hi

Sinônimos

apahata — eliminados; sakala — todos; eṣaṇa — desejos; amala — imaculada; ātmani — à mente; aviratam — constantemente; edhita — aumentando; bhāvanā — com sentimento; upahūtaḥ — sendo chamado; nija-jana — de Seus devotos; vaśa — sob o controle; gatvam — indo; ātmanaḥ — Seus; ayan — sabendo; na — nunca; sarati — vai embora; chidra-vat — como o céu; akṣaraḥ — a Suprema Personalidade de Deus; satām — dos devotos; hi — decerto.

Tradução

Purificando-se inteiramente de todos os desejos materiais, os devotos libertam-se de todas as contaminações mentais. Assim, eles podem pensar sempre no Senhor e dirigir-se a Ele com muito sentimento. A Suprema Personalidade de Deus, sabendo que Seus devotos O controlam, não os deixa por um segundo sequer, assim como o céu sobre a nossa cabeça nunca se torna invisível.

Comentário

SIGNIFICADO—O verso anterior esclarece que a Suprema Personalidade de Deus, Janārdana, fica rapidamente satisfeito com as atividades de Seus devotos. O devoto puro vive absorto em pensar na Suprema Personalidade de Deus. Como se afirma, śṛṇvatām sva-kathāḥ kṛṣṇaḥ. Pensando sempre em Kṛṣṇa, o coração do devoto puro se livra de toda espécie de desejos. No mundo material, o coração da entidade viva está cheio de desejos materiais. Quando a entidade viva se purifica, ela não pensa em nada material. À medida em que a mente se limpa perfeitamente, alcança-se a fase de perfeição do yoga místico, pois então o yogī sempre vê a Suprema Personalidade de Deus dentro de seu coração (dhyanāvasthita-tad-gatena manasā paśyanti yaṁ yoginaḥ). Logo que o Senhor Se assenta no coração do devoto, não é possível que o devoto fique contaminado pelos modos da natureza material. Enquanto alguém estiver sob o controle dos modos materiais, ele desejará muitas coisas e fará muitos planos de gozo dos sentidos, mas, tão logo o Senhor seja percebido no coração, todos os desejos materiais desaparecerão. Quando a mente está livre por completo dos desejos materiais, o devoto pode pensar constantemente no Senhor. Dessa maneira, ele se torna cem por cento dependente dos pés de lótus do Senhor. Caitanya Mahāprabhu ora:

ayi nanda-tanuja kiṅkaraṁ
patitaṁ māṁ viṣame bhavāmbudhau
kṛpayā tava pāda-paṅkaja-
sthita-dhūlī-sadṛśaṁ vicintaya

“Meu querido Senhor, sou Teu servo eterno, mas, de alguma maneira, caí neste oceano do mundo material. Por favor, tira-me daqui e fixa-me como uma partícula de poeira a Teus pés de lótus.” (Śikṣāṣṭaka 5) Do mesmo modo, Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura ora:

hā hā prabhu nanda-suta, vṛṣabhānu-sutā-yuta,
karuṇa karaha ei-bāra
narottama-dāsa kaya, nā ṭheliha rāṅgā-pāya,
tomā vine ke āche āmāra

“Meu querido Senhor, agora estais presente com a filha do rei Vṛṣabhānu, Śrīmatī Rādhārāṇī. Agora ambos, por favor, sede misericordiosos comigo. Não me enxoteis, porque não tenho outro abrigo além de Vós.”

Dessa maneira, a Suprema Personalidade de Deus torna-Se dependente de Seu devoto. O Senhor é invencível, mas é conquistado por Seu devoto puro. Ele sente prazer em depender de Seu devoto. Kṛṣṇa, por exemplo, desfrutava ser dependente de mãe Yaśodā. Julgar-Se dependente do devoto confere grande prazer ao Senhor Supremo. Às vezes, o rei pode contratar um bobo da corte e, durante a apresentação do bobo, o rei é insultado algumas vezes. O rei, contudo, gosta dessas atividades. Todos adoram o Senhor Supremo com grande reverência; portanto, o Senhor às vezes quer desfrutar do castigo de Seus devotos. Dessa maneira, a relação existente eternamente entre o Senhor e Seus devotos é fixa, assim como o céu sobre nossas cabeças.

Texto

na bhajati kumanīṣiṇāṁ sa ijyāṁ
harir adhanātma-dhana-priyo rasa-jñaḥ
śruta-dhana-kula-karmaṇāṁ madair ye
vidadhati pāpam akiñcaneṣu satsu

Sinônimos

na — jamais; bhajati — aceita; ku-manīṣiṇām — de pessoas com o coração sujo; saḥ — Ele; ijyām — oferecendo; hariḥ — o Senhor Supremo; adhana — por aqueles que não têm posses materiais; ātma-­dhana — simplesmente dependente do Senhor; priyaḥ — que é queri­do; rasa-jñaḥ — que aceita a essência da vida; śruta — educação; dhana — riqueza; kula — aristocracia; karmaṇām — e de atividades fruitivas; madaiḥ — por orgulho; ye — todos aqueles que; vidadhati­ — executam; pāpam — desgraça; akiñcaneṣu — sem posses materiais; satsu — aos devotos.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus torna-Se muito querida por aqueles devotos que não têm posses materiais, mas estão plenamente felizes de possuir o serviço devocional ao Senhor. De fato, o Senhor saboreia as atividades devocionais de semelhantes devotos. Aqueles que se vangloriam de sua educação material, riqueza, aristocracia e atividades fruitivas têm muito orgulho de possuir coisas materiais, e muitas vezes zombam dos devotos. Mesmo que semelhantes pessoas ofereçam adoração ao Senhor, o Senhor jamais a aceita.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus é dependente de Seus devotos puros. Ele nem mesmo aceita as oferendas daqueles que não são devotos. Devoto puro é aquele que sente não possuir nada material. O devoto está sempre feliz de possuir o serviço devocional ao Senhor. Às vezes, pode parecer que os devotos são materialmente pobres, mas, por serem avançados e ricos espiritualmente, eles são os mais queridos da Suprema Personalidade de Deus. Semelhantes devotos estão livres do apego a família, sociedade, amizade, filhos e assim por diante. Eles abandonam a afeição por todas essas posses materiais e vivem felizes em razão de possuírem o refúgio dos pés de lótus do Senhor. A Suprema Personalidade de Deus entende a posição de Seu devoto. Se uma pessoa zomba de um devoto puro, ela nunca é reconhecida pela Suprema Personalidade de Deus. Em outras palavras, o Senhor Supremo nunca perdoa uma pessoa que ofende um devoto puro. Há muitos exemplos disso na história. Um grande yogī místico, Durvāsā Muni, ofendeu o grande devoto Ambarīṣa Mahārāja. O grande sábio Durvāsā esteve para ser casti­gado pelo cakra Sudarśana do Senhor. Muito embora o grande místico se aproximasse diretamente da Suprema Personalidade de Deus, ele não foi perdoado de modo algum. Aqueles que trilham o caminho da liberação devem tomar muito cuidado para não ofender um devoto puro.

Texto

śriyam anucaratīṁ tad-arthinaś ca
dvipada-patīn vibudhāṁś ca yat sva-pūrṇaḥ
na bhajati nija-bhṛtya-varga-tantraḥ
katham amum udvisṛjet pumān kṛta-jñaḥ

Sinônimos

śriyam — a deusa da fortuna; anucaratīm — que O segue; tat — dela; arthinaḥ — aqueles que aspiram a obter o favor; ca — e; dvipada-patīn — governantes dos seres humanos; vibudhān — semi­deuses; ca — também; yat — porque; sva-pūrṇaḥ — autossuficiente; na­ — nunca; bhajati — Se importa com; nija — próprios; bhṛtya-varga — de Seus devotos; tantraḥ — dependente; katham — como; amum — a Ele; udvisṛjet — poderá abandonar; pumān — uma pessoa; kṛta-jñaḥ­ — grata.

Tradução

Embora a Suprema Personalidade de Deus seja autossuficiente, torna-Se dependente de Seus devotos. Ele não Se importa com a deusa da fortuna, nem com os reis e semideuses que buscam pelos favores da deusa da fortuna. Onde está a pessoa que é realmente grata, mas não adorará a Personalidade de Deus?

Comentário

SIGNIFICADO—Lakṣmī, a deusa da fortuna, é adorada por todos os materialistas, incluindo grandes reis e semideuses no céu. Lakṣmī, entretanto, sempre segue a Suprema Personalidade de Deus, muito embora Ele não precise do serviço dela. A Brahma-saṁhitā diz que o Senhor é ado­rado por centenas de milhares de deusas da fortuna, mas o Senhor Supremo não precisa do serviço de nenhuma delas porque, se Ele desejar, pode produzir milhões de deusas da fortuna através de Sua energia espiritual, a potência de prazer. Essa mesma Personalidade de Deus, por Sua imotivada misericórdia, torna-Se dependente dos devotos. Quão afortunado, então, é um devoto assim favorecido pela Personalidade de Deus! Que devoto ingrato deixará de adorar o Senhor e de prestar-Lhe serviço devocional? Na verdade, o devoto não consegue se esquecer de sua obrigação para com a Suprema Personalidade de Deus nem mesmo por um breve instante. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que tanto o Senhor Supremo quanto Seu devoto são rasa-jña, plenos de humor transcendental. O apego mútuo entre o Senhor Supremo e Seu devoto jamais deve ser considerado material. É algo que sempre existe como um fato transcendental. Há oito tipos de êxtase transcendental (conhecidos como bhāva, anubhāva, sthāyi-bhāva e assim por diante), os quais são comentados em O Néctar da Devoção. Aqueles ignorantes da posição da entidade viva e da Pessoa Suprema, Kṛṣṇa, pensam que o apego mútuo entre o Senhor e Seus devotos é uma criação da energia material. De fato, semelhante apego é natural, tanto para o Senhor Supremo, quanto para o devoto, não podendo ser aceito como material.

Texto

maitreya uvāca
iti pracetaso rājann
anyāś ca bhagavat-kathāḥ
śrāvayitvā brahma-lokaṁ
yayau svāyambhuvo muniḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; iti — assim; pracetasaḥ — os Pracetās; rājan — ó rei; anyāḥ — outros; ca — também; bhagavat-kathāḥ — tópicos sobre a relação com a Suprema Personalidade de Deus; śrāvayitvā — após instruir; brahma-lokam — a Brahmaloka; yayau — voltou; svāyambhuvaḥ — o filho do senhor Brahmā; muniḥ — o grande sábio.

Tradução

O grande sábio Maitreya prosseguiu: Meu querido rei Vidura, deste modo, Śrī Nārada Muni, o filho do senhor Brahmā, descreveu para os Pracetās todas essas relações com a Suprema Personalidade de Deus. Depois disso, ele regressou a Brahmaloka.

Comentário

SIGNIFICADO—É preciso ouvir sobre a Suprema Personalidade de Deus de um devoto puro. Os Pracetās obtiveram essa oportunidade com o grande sábio Nārada, que lhes falou das atividades da Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos.

Texto

te ’pi tan-mukha-niryātaṁ
yaśo loka-malāpaham
harer niśamya tat-pādaṁ
dhyāyantas tad-gatiṁ yayuḥ

Sinônimos

te — os Pracetās; api — também; tat — de Nārada; mukha — da boca; niryātam — saída; yaśaḥ — glorificação; loka — do mundo; ma­la — pecados; apaham — destruindo; hareḥ — do Senhor Hari; niśa­mya — tendo ouvido; tat — do Senhor; pādam — pés; dhyāyantaḥ — meditando em; tat-gatim — para Sua morada; yayaḥ — foram.

Tradução

Ouvindo da boca de Nārada as glórias do Senhor, as quais eliminam toda má sorte do mundo, os Pracetās também se apegaram à Suprema Personalidade de Deus. Meditando em Seus pés de lótus, eles avançaram até o destino final.

Comentário

SIGNIFICADO—Observamos nesta passagem que, ouvindo as glórias do Senhor a partir de um devoto realizado, os Pracetās facilmente desenvolveram forte apego à Suprema Personalidade de Deus. Então, meditando nos pés de lótus do Senhor Supremo no final de suas vidas, eles avançaram até a meta última, Viṣṇuloka. É certo e garantido que qualquer pessoa que sempre ouça as glórias do Senhor e pense em Seus pés de lótus alcançará o destino supremo. Como Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (18.65):

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi satyaṁ te
pratijāne priyo ’si me

“Pensa sempre em Mim e torna-te Meu devoto. Adora-Me e oferece-Me homenagens. Agindo assim, virás a Mim impreterivelmente. Eu te prometo isso porque és Meu amigo muito querido.”

Texto

etat te ’bhihitaṁ kṣattar
yan māṁ tvaṁ paripṛṣṭavān
pracetasāṁ nāradasya
saṁvādaṁ hari-kīrtanam

Sinônimos

etat — isto; te — a ti; abhihitam — ensinei; kṣattaḥ — ó Vidura; yat­ — tudo o que; mām — a mim; tvam — tu; paripṛṣṭavān — perguntaste; pracetasām — dos Pracetās; nāradasya — de Nārada; saṁvādam — conversa; hari-kīrtanam — descrevendo as glórias do Senhor.

Tradução

Meu querido Vidura, acabo de contar-te tudo o que querias saber sobre a conversa entre Nārada e os Pracetās, a qual descreve as glórias do Senhor. Relatei tudo dentro do meu alcance.

Comentário

SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam descreve as glórias do Senhor e de Seus devotos. Como todo o assunto consiste na glorificação do Senhor, naturalmente a glorificação de Seus devotos se segue de maneira espontânea.

Texto

śrī-śuka uvāca
ya eṣa uttānapado
mānavasyānuvarṇitaḥ
vaṁśaḥ priyavratasyāpi
nibodha nṛpa-sattama

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; yaḥ — a qual; eṣaḥ — esta dinastia; uttānapadaḥ — do rei Uttānapāda; mānavasya — o filho de Svāyambhuva Manu; anuvarṇitaḥ — descrita, seguindo os passos de ācāryas anteriores; vaṁśaḥ — dinastia; priyavratasya — do rei Priyavrata; api — também; nibodha — procura entender; nṛpa­-sattama — ó melhor dos reis.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Ó melhor dos reis [rei Parīkṣit], acabo de falar-te sobre os descendentes de Uttānapāda, o primeiro filho de Svāyambhuva Manu. Tentarei agora relatar as atividades dos descendentes de Priyavrata, o segundo filho de Svāyambhuva Manu. Por favor, ouve-as com atenção.

Comentário

SIGNIFICADO—Dhruva Mahārāja era filho do rei Uttānapāda, e, quanto aos descendentes de Dhruva Mahārāja ou do rei Uttānapāda, suas atividades foram descritas até o ponto dos Pracetās. Agora, Śrī Śukadeva Gosvāmī deseja descrever os descendentes de Mahārāja Priyavrata, o segundo filho de Svāyambhuva Manu.

Texto

yo nāradād ātma-vidyām
adhigamya punar mahīm
bhuktvā vibhajya putrebhya
aiśvaraṁ samagāt padam

Sinônimos

yaḥ — aquele que; nāradāt — do grande sábio Nārada; ātma­-vidyām — conhecimento espiritual; adhigamya — após aprender; punaḥ — outra vez; mahīm — a Terra; bhuktvā — após gozar; vibhajya — ­após dividir; putrebhyaḥ — entre seus filhos; aiśvaram — transcen­dental; samagāt — alcançou; padam — posição.

Tradução

Embora Mahārāja Priyavrata tivesse recebido instruções do grande sábio Nārada, ele se ocupou em governar a Terra. Após gozar plenamente das posses materiais, ele dividiu sua propriedade entre seus filhos. Então, alcançou uma posição através da qual poderia voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

imāṁ tu kauṣāraviṇopavarṇitāṁ
kṣattā niśamyājita-vāda-sat-kathām
pravṛddha-bhāvo ’śru-kalākulo muner
dadhāra mūrdhnā caraṇaṁ hṛdā hareḥ

Sinônimos

imām — tudo isto; tu — então; kauṣāraviṇā — por Maitreya; upavar­ṇitām — descrito; kṣattā — Vidura; niśamya — após ouvir; ajita-vāda — glorificação ao Senhor Supremo; sat-kathām — mensagem transcendental; pravṛddha — aumentados; bhāvaḥ — êxtases; aśru — de lágrimas; kalā — por partículas; ākulaḥ — tomado; muneḥ — do grande sábio; dadhāra — cativado; mūrdhnā — pela cabeça; caraṇam — os pés de lótus; hṛdā — pelo coração; hareḥ — da Suprema Personali­dade de Deus.

Tradução

Meu querido rei, dessa maneira, após ouvir o grande sábio Maitreya transmitir as mensagens transcendentais da Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos, Vidura se encheu de êxtase. Com lágrimas nos olhos, ele imediatamente caiu aos pés de lótus de seu guru, seu mestre espiritual. Então, fixou a Suprema Personalidade de Deus no âmago de seu coração.

Comentário

SIGNIFICADO—Este é um sinal da associação com grandes devotos. Um devoto recebe instruções de uma alma liberada e, assim, enche-se de êxtase devido ao prazer transcendental. Como afirma Prahlāda Mahārāja:

naiṣāṁ matis tāvad urukramāṅghriṁ
spṛśaty anarthāpagamo yad-arthaḥ
mahīyasāṁ pāda-rajo-’bhiṣekaṁ
niṣkiñcanānāṁ na vṛṇīta yāvat

Não é possível tornar-se um devoto perfeito do Senhor sem ter tocado os pés de lótus de um grande devoto. Quem nada tem a ver com este mundo material chama-se niṣkiñcana. O processo de auto­rrealização (o caminho de volta ao lar, de volta ao Supremo) significa render-se ao mestre espiritual fidedigno e colocar a poeira de seus pés de lótus sobre a cabeça. É assim que se avança no caminho da compreensão transcendental. Vidura tinha essa relação com Mai­treya, de modo que alcançou os resultados.

Texto

vidura uvāca
so ’yam adya mahā-yogin
bhavatā karuṇātmanā
darśitas tamasaḥ pāro
yatrākiñcana-go hariḥ

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura disse; saḥ — isto; ayam — este; adya — hoje; mahā-yogin — ó grande místico; bhavatā — por ti; karuṇa-ātmanā — muito misericordioso; darśitaḥ — foi-me mostrado; tamasaḥ — da escuridão; pāraḥ — o outro lado; yatra — onde; akiñcana-gaḥ — acessível para os que estão liberados do mundo material; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Śrī Vidura disse: Ó grande místico, ó maior de todos os devotos, por tua imotivada misericórdia, foi-me mostrado o caminho da liberação deste mundo de escuridão. Trilhando esse caminho, uma pessoa liberada do mundo material pode voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Este mundo material chama-se tamaḥ, trevas, e o mundo espiritual chama-se luz. Os Vedas prescrevem que todos devem tentar escapar da escuridão e passar ao reino da luz. Pode-se obter a informação sobre o reino da luz através da misericórdia de uma alma autorrealizada. Deve-se, também, desvencilhar-se de todos os dese­jos materiais. Para alguém que se livrou dos desejos materiais e se associa com uma pessoa liberada, abre-se de imediato o caminho de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Texto

śrī-śuka uvāca
ity ānamya tam āmantrya
viduro gajasāhvayam
svānāṁ didṛkṣuḥ prayayau
jñātīnāṁ nirvṛtāśayaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; ānamya — oferecendo reverências; tam — a Maitreya; āmantrya — pedindo permissão; viduraḥ — Vidura; gaja-sāhvayam — a cidade de Hastināpura; svānām — próprios; didṛkṣuḥ — desejando ver; prayayau — dei­xou aquele lugar; jñātīnām — de seus parentes; nirvṛta-āśayaḥ — livre de desejos materiais.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Vidura ofereceu assim suas reve­rências ao grande sábio Maitreya e, pedindo sua permissão, partiu rumo à cidade de Hastināpura para ver seus próprios parentes, embora não tivesse desejos materiais.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando uma pessoa santa deseja ver seus parentes, desejos materiais não estão envolvidos nisso. Tudo o que ela quer é lhes dar algumas instruções para que eles possam beneficiar-se. Vidura pertencia à família real dos Kauravas e, muito embora soubesse que todos os seus familiares haviam sido destruídos na Guerra de Kurukṣetra, ele quis encontrar­-se com seu irmão mais velho, Dhṛtarāṣṭra, para ver se conseguia libertar Dhṛtarāṣṭra das garras de māyā. Quando um grande santo como Vidura visita seus parentes, seu único desejo é livrá-los das garras de māyā. Vidura ofereceu assim suas respeitosas reverências a seu mestre espiritual e partiu para a cidade de Hastināpura, o reino dos Kauravas.

Texto

etad yaḥ śṛṇuyād rājan
rājñāṁ hary-arpitātmanām
āyur dhanaṁ yaśaḥ svasti
gatim aiśvaryam āpnuyāt

Sinônimos

etat — isto; yaḥ — aquele que; śṛṇuyāt — ouve; rājan — ó rei Parī­kṣit; rājñām — de reis; hari — à Suprema Personalidade de Deus; arpita-ātmanām — que dão sua vida e alma; āyuḥ — duração de vida; dhanam — riquezas; yaśaḥ — reputação; svasti — boa fortuna; gatim — a meta última da vida; aiśvaryam — opulência material; āpnuyāt — obtém.

Tradução

Ó rei, aqueles que ouvem estes tópicos sobre reis inteiramente rendidos à Suprema Personalidade de Deus obtêm, sem dificuldade, uma longa vida, riquezas, boa reputação, boa fortuna e, enfim, a oportunidade de voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, trigésimo primeiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Nārada Instrui os Pracetās”.

FIM DO QUARTO CANTO