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Capítulo Sete

Indra Ofende Seu Mestre Espiritual, Bṛhaspati

Como se relata neste capítulo, Indra, o rei dos céus, cometeu uma ofensa aos pés de seu mestre espiritual, Bṛhaspati. Em razão disso, Bṛhaspati abandonou os semideuses, que, então, ficaram sem sacerdote. Todavia, a pedido dos semideuses, Viśvarūpa, o filho do brāhmaṇa Tvaṣṭā, tornou-se sacerdote deles.

Certa vez, enquanto Indra, o rei dos semideuses, estava sentado com sua esposa Śacīdevī e recebia os louvores de muitos semideuses – tais como os Siddhas, Cāraṇas e Gandharvas – Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses, entrou na assembleia. Indra, estando muito absorto em opulência material, esqueceu-se de sua obrigação e não ofereceu respeitos a Bṛhaspati, que percebeu, então, quão orgulhoso Indra estava por causa de sua opulência material, e, de modo a lhe propiciar uma lição, imediatamente desapareceu da assembleia. Indra ficou muito arrependido, compreendendo que, devido à sua opulência, esquecera de prestar respeitos a seu mestre espiritual. A fim de implorar o perdão de seu mestre espiritual, Indra saiu do palácio e foi à sua procura, mas não conseguiu encontrar Bṛhaspati em parte alguma.

Devido a esse seu desrespeito a seu mestre espiritual, Indra perdeu toda a sua opulência e foi derrotado pelos demônios, que ocuparam seu trono após vencerem os semideuses em uma grande luta. Depois, o rei Indra, juntamente com os outros semideuses, refugiou-se no senhor Brahmā. Compreendendo a situação, o senhor Brahmā repreendeu os semideuses por terem ofendido o mestre es­piritual. Seguindo as ordens do senhor Brahmā, os semideuses acei­taram como seu sacerdote Viśvarūpa, um brāhmaṇa filho de Tvaṣṭā. Então, eles executaram yajñas sob o sacerdócio de Viśvarūpa e se tornaram capazes de vencer os demônios.

Texto

śrī-rājovāca
kasya hetoḥ parityaktā
ācāryeṇātmanaḥ surāḥ
etad ācakṣva bhagavañ
chiṣyāṇām akramaṁ gurau

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei perguntou; kasya hetoḥ — por que razão; parityaktāḥ — rejeitados; ācāryeṇa — pelo mestre espiritual, Bṛhaspati; ātmanaḥ — dele próprio; surāḥ — todos os semideuses; etat — isto; ācakṣva — por favor, descreve; bhagavan — ó grande sábio (Śukadeva Gosvāmī); śiṣyānām — dos discípulos; akramam — a ofensa; gurau — ao mestre espiritual.

Tradução

Mahārāja Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Ó grande sábio, por que Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses, rejeitou seus próprios discípulos? Que ofensa eles cometeram contra seu mestre espiritual? Por favor, descreve-me esse incidente!

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta:

saptame guruṇā tyaktair
devair daitya-parājitaiḥ
viśvarūpo gurutvena
vṛto brahmopadeśataḥ

“Este sétimo capítulo descreve como Bṛhaspati foi ofendido pelos semideuses, como ele os deixou, como os semideuses foram derrotados e como os semideuses, seguindo as instruções do senhor Brahmā, aceitaram Viśvarūpa como sacerdote para executar os seus sacrifícios.”

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
indras tribhuvanaiśvarya-
madollaṅghita-satpathaḥ
marudbhir vasubhī rudrair
ādityair ṛbhubhir nṛpa
viśvedevaiś ca sādhyaiś ca
nāsatyābhyāṁ pariśritaḥ
siddha-cāraṇa-gandharvair
munibhir brahmavādibhiḥ
vidyādharāpsarobhiś ca
kinnaraiḥ patagoragaiḥ
niṣevyamāṇo maghavān
stūyamānaś ca bhārata
upagīyamāno lalitam
āsthānādhyāsanāśritaḥ
pāṇḍureṇātapatreṇa
candra-maṇḍala-cāruṇā
yuktaś cānyaiḥ pārameṣṭhyaiś
cāmara-vyajanādibhiḥ
virājamānaḥ paulamyā
sahārdhāsanayā bhṛśam
sa yadā paramācāryaṁ
devānām ātmanaś ca ha
nābhyanandata samprāptaṁ
pratyutthānāsanādibhiḥ
vācaspatiṁ muni-varaṁ
surāsura-namaskṛtam
noccacālāsanād indraḥ
paśyann api sabhāgatam

Sinônimos

śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī respondeu; indraḥ — rei Indra; tri-bhuvana-aiśvarya — de possuir todas as opulências materiais dos três mundos; mada — devido ao orgulho; ullaṅghita — que transgrediu; sat-pathaḥ — o caminho da civilização védica; marud­bhiḥ — pelos semideuses do vento, conhecidos como Maruts; vasu­bhiḥ — pelos oito Vasus; rudraiḥ — pelos onze Rudras; ādityaiḥ — pelos Ādityas; ṛbhubhiḥ — pelos Ṛbhus; nṛpa — ó rei; viśvedevaiḥ ca — e pelos Viśvadevas; sādhyaiḥ — pelos Sādhyas; ca — também; nāsatyā­bhyām — pelos dois Aśvinī-kumāras; pariśritaḥ — rodeado; siddha — pelos habitantes de Siddhaloka; cāraṇa — os Cāraṇas; gandharvaiḥ — e os Gandharvas; munibhiḥ — pelos grandes sábios; brahmavādibhiḥ — por sábios impersonalistas altamente eruditos; vidyādhara-apsa­robhiḥ ca — pelos Vidyādharas e pelas Apsarās; kinnaraiḥ — pelos Kinnaras; pataga-uragaiḥ — pelos Patagas (pássaros) e pelos Uragas (serpentes); niṣevyamāṇaḥ — sendo servido; maghavān — rei Indra; stūyamānaḥ ca — e recebendo oferendas de orações; bhārata — ó Mahārāja Parīkṣit; upagīyamānaḥ — que cantavam diante dele; la­litam — com muita doçura; āsthāna — em sua assembleia; adhyāsana­-āśritaḥ — situado no trono; pāṇḍureṇa — branca; ātapatreṇa — com uma sombrinha sobre a cabeça; candra-maṇḍala-cāruṇā — tão bela como o círculo da Lua; yuktaḥ — dotado; ca anyaiḥ — e de outras; pārameṣṭhyaiḥ — características de um rei glorioso; cāmara — pela cauda de iaque; vyajana-ādibhiḥ — abanos e outras parafernálias; virājamānaḥ — brilhante; paulamyā — sua esposa, Śacī; saha — com; ardha-āsanayā — que ocupava metade do trono; bhṛśam — grande­mente; saḥ — ele (Indra); yadā — quando; parama-ācāryam — o ācārya mais elevado, o mestre espiritual; devānām — de todos os semideuses; ātmanaḥ — dele próprio; ca — e; ha — na verdade; na — não; abhya­nandata — bem recebido; samprāptam — tendo aparecido na assem­bleia; pratyutthāna — levantando-se do trono; āsana-ādibhiḥ — e com um assento e outras demonstrações de boas-vindas; vācaspatim — Bṛhaspati, o sacerdote dos semideuses; muni-varam — o melhor de todos os sábios; sura­-asura-namaskṛtam — que é respeitado tanto pelos semideuses quanto pelos asuras; na — não; uccacāla — se levantou; āsanāt — do trono; indraḥ — Indra; paśyan api — embora vendo; sabhā-āgatam — entrar na assembleia.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, certa vez, Indra, o rei dos céus, estando muitíssimo orgulhoso devido à grande opulência que ostentava nos três mundos, transgrediu a lei da etiqueta védica. Sentado em seu trono, ele estava rodeado pelos Maruts, Vasus, Rudras, Ādityas, Ṛbhus, Viśvadevas, Sādhyas, Aśvinī-kumāras, Siddhas, Cāraṇas e Gandharvas e por grandiosas pessoas santas. Também ao seu redor, encontravam-se os Vidyādharas, as Apsarās, os Kinnaras, os Patagas [pássaros] e os Uragas [serpentes]. Todos eles ofereciam a Indra seus respeitos e serviços, e as Apsarās e os Gandharvas dança­vam e cantavam ao som de instrumentos musicais muito doces. Sobre a cabeça de Indra, havia uma sombrinha branca, tão refulgente como a lua cheia. Recebendo sobre si o vento impelido pelos abanos de cauda de iaque e servido com toda a parafernália de um grande rei, Indra estava sentado com sua esposa, Śacīdevī, a qual ocupava me­tade do trono, quando o grande sábio Bṛhaspati apareceu naquela assembleia. Bṛhaspati, o melhor dos sábios, era o mestre espiritual de Indra e dos semideuses e era respeitado tanto pelos semideuses quanto pelos demônios. Entretanto, embora visse seu mestre espiri­tual diante dele, Indra não se levantou de seu próprio assento nem ofereceu um assento ao seu mestre espiritual, tampouco lhe ofereceu respeitosas boas-vindas. Indra nada fez para lhe mostrar respeito.

Texto

tato nirgatya sahasā
kavir āṅgirasaḥ prabhuḥ
āyayau sva-gṛhaṁ tūṣṇīṁ
vidvān śrī-mada-vikriyām

Sinônimos

tataḥ — depois disso; nirgatya — saindo; sahasā — subitamente; ka­viḥ — o grande sábio erudito; āṅgirasaḥ — Bṛhaspati; prabhuḥ — o mestre dos semideuses; āyayau — retornou; sva-gṛham — para a sua casa; tūṣṇīm — ficando silencioso; vidvān — tendo sabido; śrī-mada-vikriyām — da deterioração devido à loucura causada pela opulência.

Tradução

Bṛhaspati sabia de tudo o que aconteceria no futuro. Vendo que Indra transgredira a etiqueta, compreendeu perfeitamente que Indra estava arrogante de­vido à sua opulência material. Embora capaz de amaldiçoar Indra, não procedeu assim. Em vez disso, deixou a assembleia e, em silêncio, voltou para casa.

Texto

tarhy eva pratibudhyendro
guru-helanam ātmanaḥ
garhayām āsa sadasi
svayam ātmānam ātmanā

Sinônimos

tarhi — então, imediatamente; eva — na verdade; pratibudhya — compreendendo; indraḥ — rei Indra; guru-helanam — desrespeito ao mestre espiritual; ātmanaḥ — seu próprio; garhayām asa — repreen­dido; sadasi — naquela assembleia; svayam — pessoalmente; ātmā­nam — ele próprio; ātmanā — por ele próprio.

Tradução

Indra, o rei dos céus, pôde imediatamente compreender seu erro. Entendendo que desrespeitara seu mestre espiritual, ele se reconheceu culpado e revelou isso diante de todos os membros da assembleia.

Texto

aho bata mayāsādhu
kṛtaṁ vai dabhra-buddhinā
yan mayaiśvarya-mattena
guruḥ sadasi kātkṛtaḥ

Sinônimos

aho — ai de mim; bata — na verdade; mayā — por mim; asādhu — desrespeitosa; kṛtam — a ação feita; vai — decerto; dabhra-buddhinā — sendo de pouca inteligência; yat — porque; mayā — por mim; aiśvarya-­mattena — sentindo muito orgulho da opulência material; guruḥ — o mestre espiritual; sadasi — nesta assembleia; kāt-kṛtaḥ — maltratado.

Tradução

Ai de mim! Procedi com uma atitude lamentável devido à minha falta de inteligência e ao meu orgulho, criados por minha opulência mate­rial. Deixei de prestar respeitos a meu mestre espiritual quando ele entrou nesta assembleia e, assim, eu o insultei.

Texto

ko gṛdhyet paṇḍito lakṣmīṁ
tripiṣṭapa-pater api
yayāham āsuraṁ bhāvaṁ
nīto ’dya vibudheśvaraḥ

Sinônimos

kaḥ — quem; gṛdhyet — aceitaria; paṇḍitaḥ — um homem erudito; lakṣmīm — opulências; tripiṣṭa-pa-pateḥ api – embora eu seja o rei dos semideuses; yayā — devido às quais; aham — eu; āsuram — demoníaca; bhāvam — mentalidade; nītaḥ — arrastado a; adya — agora; vibudha — dos semideuses, que estão no modo da bondade; īśvaraḥ — o rei.

Tradução

Embora eu seja o rei dos semideuses, que estão situados no modo da bondade, fiquei orgulhoso com uma pequena opulência e estava contaminado pelo falso ego. Nessas circunstâncias, quem neste mundo aceitaria tais riquezas para correr o risco de cair? Oh! Condeno minha riqueza e opulência.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Caitanya Mahāprabhu ora à Suprema Personalidade de Deus dizendo que na dhanaṁ na janaṁ na sundarīṁ kavitāṁ vā jagad-īśa kāmaye: “Ó meu Senhor, não aspiro à opulência ou a riquezas materiais, nem quero que um grande número de seguidores me aceite como seu líder, tampouco desejo que uma bela esposa venha satisfazer-me.” Mama janmani janmanīśvare bhavatād bhaktir ahaitukī tvayi: “Não quero nem mesmo aa liberação. Vida após vida, tudo o que desejo é ser um servo fiel de Vossa Onipotência.” De acordo com as leis da natureza, quando alguém é extremamente rico, ele se degrada, e isso é válido tanto individual quanto coletivamente. Os semideuses estão situados no modo da bondade, mas, algumas vezes, mesmo uma pessoa situada em uma posição tão elevada como a do rei Indra, o rei de todos os semideuses, cai devido à opulência material. De fato, estamos vendo isso ocorrer nos Estados Unidos. Toda a nação ame­ricana tentou desenvolver sua opulência material sem se esforçar para criar seres humanos ideais. O resultado é que os americanos lamen­tam agora o alto índice de criminalidade na sua sociedade e se espan­tam vendo como a lei e a disciplina não vigoram nos Estados Unidos. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (7.5.31), na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum: as pessoas que não são ilumina­das desconhecem a meta da vida, que é retornar ao lar, retornar ao Supremo. Assim, tanto individual quanto coletivamente, elas tentam desfrutar dos aparentes confortos materiais e se entregam à bebedeira e à vida com mulheres. Os homens que surgem nessa espécie de sociedade estão abaixo da quarta classe. Eles formam a população indesejável, conhecida como varṇa-saṅkara, e, como se afirma na Bhagavad-gītā, o aumento de população varṇa-saṅkara cria uma sociedade infernal. Essa é a sociedade que constitui a nação americana.

Felizmente, entretanto, o Movimento Hare Kṛṣṇa veio para os Estados Unidos, e muitos jovens afortunados estão considerando com seriedade este movimento, que está criando homens ideais e de caráter muito refinado, homens que se abstêm completamente de comer carne, de práticas sexuais ilícitas, de intoxicação e de participar de jogos de azar. Caso seja sério quanto a querer refrear a degradada vida pecaminosa de sua nação, o povo americano deverá adotar o movimento da consciência de Kṛṣṇa e tentar criar a espécie de sociedade humana aconselhada na Bhagavad-gītā (cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ). Deve, então, dividir a sociedade em homens de primeira, segunda, terceira e quarta classes. Como agora está formando homens que nem mesmo chegaram à quarta classe, como a população americana evitará os perigos de uma sociedade criminosa? Há um tempo bem remoto, o senhor Indra se arrependeu de ter desrespeitado Bṛhaspati, seu mestre espiritual. Igualmente, aconselha-­se que o povo americano reconsidere e procure corrigir seu errôneo avanço civilizacional. Ele deve seguir o conselho do mestre espiri­tual, o representante de Kṛṣṇa. Caso adote essa postura, será um povo feliz, e sua nação terá condições ideais de liderar o mundo inteiro.

Texto

yaḥ pārameṣṭhyaṁ dhiṣaṇam
adhitiṣṭhan na kañcana
pratyuttiṣṭhed iti brūyur
dharmaṁ te na paraṁ viduḥ

Sinônimos

yaḥ — qualquer pessoa que; pārameṣṭhyam — real; dhiṣaṇam — trono; adhitiṣṭhan — sentando-se em; na — não; kañcana — ninguém; pratyuttiṣṭhet — deve levantar-se diante de; iti — assim; brūyuḥ — aqueles que dizem; dharmam — os códigos da religião; te — eles; na — não; param — superiores; viduḥ — conhecem.

Tradução

Se uma pessoa diz: “Aquele que está situado no elevado trono de um rei não deve levantar-se para mostrar respeito a outro rei ou a um brāhmaṇa”, deve-se compreender que ela não conhece os princípios religiosos superiores.

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que, quando um presidente ou um rei está sentado em seu trono, ele não pre­cisa prestar respeitos a todas as pessoas que entrem em sua assembleia, mas deve mostrar respeito aos superiores, tais como o seu mestre espiritual, os brāhmaṇas e os vaiṣṇavas. Existem muitos exem­plos de como ele deve agir. Quando estava sentado em Seu trono e, por felicidade, Nārada entrou em Sua assembleia, mesmo o Senhor Kṛṣṇa, juntamente com Seus assistentes e ministros, levantou-Se de imediato para oferecer respeitosas reverências a Nārada. Nãrada sabia que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, e Kṛṣṇa sabia que Nārada era Seu devoto, porém, embora Kṛṣṇa seja o Senhor Supremo e Nārada seja um devoto do Senhor, o Senhor observou a etiqueta religiosa. Como Nārada era um brahmacārī, um brāhmaṇa e um devoto elevado, mesmo Kṛṣṇa, enquanto agia como rei, ofere­ceu a Nārada Suas respeitosas reverências. Essa é a conduta evidente na civilização védica. Uma civilização na qual as pessoas não sabem como se deve respeitar o representante de Nārada e Kṛṣṇa, como se deve formar a sociedade e como se deve fazer para avançar em consciência de Kṛṣṇa – uma sociedade interessada apenas em fa­bricar novos carros e novos arranha-céus a cada ano, e, então, destruí­-los e fazer outros novos – pode ser tecnologicamente avançada, mas não é uma civilização humana. Civilização humana avançada é aquela na qual a população segue o sistema de cātur-varṇya, o sistema de quatro ordens de vida. Nelas, deve haver homens ideais, de primeira classe, que agem como conselheiros; homens de segunda classe, que agem como administradores; homens de terceira classe, que produ­zem alimentos e protegem as vacas, e homens de quarta classe, que obedecem às três classes superiores da sociedade. Aquele que não segue o sistema da sociedade exemplar deve ser considerado um homem de quinta classe. Uma sociedade sem leis nem regulações védicas não será muito útil à humanidade. Como se declara neste verso, dharmaṁ te na paraṁ viduḥ: tal sociedade desconhece a meta da vida e o mais elevado princípio da religião.

Texto

teṣāṁ kupatha-deṣṭṝṇāṁ
patatāṁ tamasi hy adhaḥ
ye śraddadhyur vacas te vai
majjanty aśma-plavā iva

Sinônimos

teṣām — deles (os líderes farsantes); ku-patha-deṣṭṝṇām — que mostram o caminho do perigo; patatām — eles próprios sendo impelidos; tamasi — na escuridão; hi — na verdade; adhaḥ — para baixo; ye — qualquer pessoa que; śraddadhyuḥ — deposita fé nas; vacaḥ — palavras; te — eles; vai — na verdade; majjanti — afundam; aśma­-plavāḥ — barcos de pedra; iva — como.

Tradução

Os líderes que caíram na ignorância e que desencaminham a população, conduzindo-a para o caminho da destruição [como descrito no verso anterior], estão, com efeito, a bordo de um barco de pedra, no qual também estão aqueles que os aceitam cegamente. Um barco de pedra será incapaz de flutuar e afundará na água com seus passageiros. Do mesmo modo, aqueles que desencaminham as pessoas vão para o inferno, e levam consigo os seus seguidores.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se declara na literatura védica (Śrīmad-Bhāgavatam 11.20.17):

nṛ-deham ādyaṁ sulabhaṁ sudurlabhaṁ
plavaṁ sukalpaṁ guru-karṇa-dhāram

Nós, as almas condicionadas, caímos no oceano de ignorância, mas o corpo humano, felizmente, proporciona-nos uma boa oportunidade de cruzar esse oceano, pois o corpo humano é como um ótimo barco. Quando dirigido pelo mestre espiritual, que age como capitão, o barco pode facilmente cruzar o oceano. Ademais, nessa travessia, o barco é ajudado por ventos favoráveis, que são as instruções contidas no conhecimento védico. Quem não tira proveito de todas essas facilidades para cruzar o oceano de ignorância com certeza está cometendo suicídio.

Quem sobe a bordo de um barco de pedra está em uma situação calamitosa. Para se elevar à fase de perfeição, a humanidade deve, primeiramente, abandonar os líderes falsos que só têm a dar barcos de pedra. A posição de toda a sociedade humana é tão delicada que, para se salvar, deve acatar as instruções básicas contidas nos Vedas. A nata dessas instruções aparece sob a forma da Bhagavad-gītā. Ninguém deve refugiar-se em nenhuma outra instrução, pois a Bhagavad-gītā fornece instruções objetivas de como devemos proceder para cumprir a meta da vida humana. Portanto, o Senhor Śrī Kṛṣṇa diz que sarva-dharmān parityajya mām ekaṁ śaraṇaṁ vraja: “Aban­dona todos os outros processos de religião e simplesmente rende-te a Mim.” As instruções do Senhor Kṛṣṇa são tão sublimes e benéfi­cas para a humanidade que, mesmo que alguém não O aceite como a Suprema Personalidade de Deus, encontrará a salvação caso as siga. Caso contrário, a pessoa será enganada pela meditação desautorizada e pelos métodos de ginástica ióguica. Assim, ela subirá a bordo de um barco de pedra, que naufragará, afogando todos os seus pas­sageiros. Infelizmente, embora o povo americano almeje escapar do caos materialista, às vezes se vê que o povo americano apoia os fabricantes de barcos de pedra. Isso não ajudará. É preciso subir no barco apro­priado, oferecido por Kṛṣṇa sob a forma do movimento da consciência de Kṛṣṇa. Então, eles se salvarão com muita facilidade. Com relação a isso, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta: aśmamayaḥ plavo yeṣāṁ te yathā majjantaṁ plavam anumajjanti tatheti rāja-nīty-upadeṣṭṛṣu sva-sabhyeṣu kopo vyañjitaḥ. A sociedade guiada pela diplomacia política, com uma nação tramando contra outra, decer­to naufragará como um barco de pedra. As manobras e diplomacias políticas não salvarão a sociedade humana. Para entender a meta da vida, entender Deus e cumprir sua missão humana, as pessoas devem adotar a consciência de Kṛṣṇa.

Texto

athāham amarācāryam
agādha-dhiṣaṇaṁ dvijam
prasādayiṣye niśaṭhaḥ
śīrṣṇā tac-caraṇaṁ spṛśan

Sinônimos

atha — portanto; aham — eu; amara-ācāryam — o mestre espiritual dos semideuses; agādha-dhiṣaṇam — cujo conhecimento espiritual é profundo; dvijam — o brāhmaṇa perfeito; prasādayiṣye — eu satisfa­rei; niśaṭhaḥ — sem duplicidade; śīrṣṇā — com minha cabeça; tat-­caraṇam — seus pés de lótus; spṛśan — tocando.

Tradução

O rei Indra disse: Portanto, com toda a franqueza e sem duplicidades, prostrarei minha cabeça aos pés de lótus de Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses. Porque está no modo da bondade, ele está sempre a par de todo o conhecimento e é o melhor dos brāhmaṇas. Portanto, tentando satisfazê-lo, tocarei seus pés de lótus e lhe oferecerei minhas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—Voltando a si, o rei Indra percebeu que não era um discípulo muito sincero do seu mestre espiritual, Bṛhaspati. Portanto, decidiu que, a partir de então, seria niśaṭha, alguém livre de duplicidades. Niśaṭhaḥ śīrṣṇa-tac-caraṇaṁ spṛśan: ele decidiu tocar com sua cabeça os pés do seu mestre espiritual. Com esse exemplo, devemos aprender o princípio enun­ciado por Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura:

yasya prasādād bhagavat-prasādo
yasyāprasādān na gatiḥ kuto ’pi

“Através da misericórdia do mestre espiritual, recebe-se a bênção da misericórdia de Kṛṣṇa. Sem a graça do mestre espiritual, ninguém pode fazer nenhum avanço.” O discípulo nunca deve ser hipócrita ou se mostrar infiel a seu mestre espiritual. No Śrīmad-Bhāgavatam (11.17.27), o mestre espiritual também é chamado de ācārya. Ācāryaṁ maṁ vijānīyān: a Suprema Personalidade de Deus diz que todos devem respeitar o mestre espiritual, reconhecendo-o como o próprio Senhor. Nāvamanyeta karhicit: ninguém jamais deve desrespeitar o ācārya. Na martya-buddhyāsūyeta: jamais se deve pensar que o ācārya é uma pessoa comum. Familiaridade, às vezes, gera negligência, de modo que a pessoa deve ser muito cuidadosa nas relações mantidas com o ācārya. Agādha-dhiṣaṇaṁ dvijam: o ācārya é um brāhmaṇa perfeito e tem inteligência ilimitada para guiar as ativi­dades do seu discípulo. Portanto, Kṛṣṇa aconselha na Bhagavad-gītā (4.34):

tad viddhi praṇipātena
paripraśnena sevayā
upadekṣyanti te jñānaṁ
jñāninas tattva-darśinaḥ

“Tenta aprender a verdade aproximando-te de um mestre espiritual. Faze-lhe perguntas com submissão e presta-lhe serviço. As almas autorrealizadas podem te transmitir conhecimento porque elas são videntes da verdade.” A pessoa deve render-se plenamente ao mestre espiritual, e, com serviço (sevayā), deve aproximar-se dele para continuar obten­do esclarecimento espiritual.

Texto

evaṁ cintayatas tasya
maghono bhagavān gṛhāt
bṛhaspatir gato ’dṛṣṭāṁ
gatim adhyātma-māyayā

Sinônimos

evam — assim; cintayataḥ — enquanto pensava com muita seriedade; tasya — ele; maghonaḥ — Indra; bhagavān — o poderosíssimo; gṛhāt — do seu lar; bṛhaspatiḥ — Bṛhaspati; gataḥ — se foi; adṛṣṭām — invisível; gatim — a um estado; adhyātma — devido a ser altamente elevado em consciência espiritual; māyayā — mediante sua potência.

Tradução

Enquanto Indra, o rei dos semideuses, pensava dessa maneira e se arrependia em sua própria assembleia, Bṛhaspati, o poderosíssimo mestre espiritual, compreendeu a mente de Indra. Então, sendo espi­ritualmente mais poderoso que o rei Indra, Bṛhaspati se tornou invisível a ele e saiu de casa.

Texto

guror nādhigataḥ saṁjñāṁ
parīkṣan bhagavān svarāṭ
dhyāyan dhiyā surair yuktaḥ
śarma nālabhatātmanaḥ

Sinônimos

guroḥ — do seu mestre espiritual; na — não; adhigataḥ — encontrando; saṁjñām — vestígio; parīkṣan — buscando diligentemente em toda parte; bhagavān — do poderosíssimo Indra; svarāṭ — independente; dhyāyan — meditando; dhiyā — pela sabedoria; suraiḥ — de semideuses; yuktaḥ — cercado; śarma — paz; na — não; alabhata — obteve; ātma­naḥ — da mente.

Tradução

Embora dispusesse da ajuda dos outros semideuses, Indra, que o procurou diligentemente, não conseguiu encontrar Bṛhaspati. Então, Indra pensou: “Ai de mim! Meu mestre espiritual ficou insatisfeito comigo, e agora não tenho meios de alcançar uma boa fortuna.” Embora estivesse cercado de semideuses, Indra não era capaz de encontrar sua paz mental.

Texto

tac chrutvaivāsurāḥ sarva
āśrityauśanasaṁ matam
devān pratyudyamaṁ cakrur
durmadā ātatāyinaḥ

Sinônimos

tat śrutvā — tomando conhecimento dessa notícia; eva — na verdade; asurāḥ — os demônios; sarve — todos; āśritya — refugiando-se na; auśanasam — de Śukrācārya; matam — instrução; devān — os semideuses; pratyudyamam — ação contra; cakruḥ — executaram; durmadāḥ — não muito inteligente; ātatāyinaḥ — equipados com armas para lutar.

Tradução

Ao tomarem conhecimento da lastimável condição do rei Indra, os demônios, seguindo as instruções do seu guru, Śukrācārya, tomaram de armas e declararam guerra aos semideuses.

Texto

tair visṛṣṭeṣubhis tīkṣṇair
nirbhinnāṅgoru-bāhavaḥ
brahmāṇaṁ śaraṇaṁ jagmuḥ
sahendrā nata-kandharāḥ

Sinônimos

taiḥ — por eles (os demônios); visṛṣṭa — atiradas; iṣubhiḥ — pelas flechas; tīkṣṇaiḥ — muito agudas; nirbhinna — trespassados; aṅga — corpos; uru — coxas; bāhavaḥ — e braços; brahmāṇam — do senhor Brahmā; śaraṇam — o refúgio; jagmuḥ — aproximaram-se de; saha­-indrāḥ — com o rei Indra; nata-kandharāḥ — suas cabeças prostradas.

Tradução

As cabeças, coxas e braços dos semideuses, juntamente com as outras partes de seus corpos, foram feridos pelas flechas afiadas dos demônios. Os semideuses, encabeçados por Indra, não viram outra saída além de se aproximarem imediatamente do senhor Brahmā, a quem deveriam prostrar suas cabeças para obterem refúgio e ins­trução adequada.

Texto

tāṁs tathābhyarditān vīkṣya
bhagavān ātmabhūr ajaḥ
kṛpayā parayā deva
uvāca parisāntvayan

Sinônimos

tān — a eles (os semideuses); tathā — dessa maneira; abhyarditān — golpeados pelas armas dos demônios; vīkṣya — vendo; bhagavān — o poderosíssimo; ātma-bhūḥ — senhor Brahmā; ajaḥ — que não nasceu como um ser humano comum; kṛpayā — pela misericórdia imotiva­da; parayā — grande; devaḥ — senhor Brahmā; uvāca — disse; parisāntvayan — apaziguando-os.

Tradução

Ao ver os semideuses vindo em sua direção, tendo seus corpos gravemente feridos pelas flechas dos demônios, o poderosíssimo senhor Brahmā os apaziguou com sua grande e imotivada misericórdia e lhes disse as seguintes palavras.

Texto

śrī-brahmovāca
aho bata sura-śreṣṭhā
hy abhadraṁ vaḥ kṛtaṁ mahat
brahmiṣṭhaṁ brāhmaṇaṁ dāntam
aiśvaryān nābhyanandata

Sinônimos

śrī-brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; aho — oh!; bata — é muito surpreendente; sura-śreṣṭhāḥ — ó melhores dos semideuses; hi — na verdade; abhadram — injustiça; vaḥ — por vós; kṛtam — cometida; mahat — grande; brahmiṣṭham — uma pessoa que obedece plenamente ao Brahman Supremo; brāhmaṇam — um brāhmaṇa; dāntam — que exerce pleno controle sobre a mente e os sentidos; aiśvaryāt — devido à vossa opulência material; na — não; abhyanandata — recebestes apropriadamente.

Tradução

O senhor Brahmā disse: Ó melhores dos semideuses, infelizmente, devido à loucura resultante de vossa opulência material, deixas­tes de dar a Bṛhaspati uma recepção apropriada quando ele foi até vossa assembleia. Porque conhece muito bem o Brahman Supremo e exerce pleno controle sobre os sentidos, ele é o melhor dos brāhmaṇas. Por­tanto, fico muito surpreso em saber que agistes com tamanha imprudência em relação a ele.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Brahmā reconhecia as qualificações bramânicas de Bṛhaspati, que, devido ao fato de conhecer o Brahman Supremo, era o mestre espiritual dos semideuses. Bṛhaspati exercia pleno con­trole sobre os sentidos e a mente e, portanto, era um brāhmaṇa qualificadíssimo. O senhor Brahmā repreendeu os semideuses porque eles deixaram de prestar o respeito merecido por esse brāhmaṇa, que era o guru deles. O senhor Brahmā queria incutir nos semi­deuses o conceito de que o guru não deve ser desrespeitado em nenhuma circunstância. Quando Bṛhaspati entrou na assembleia dos semideuses, eles e seu rei, Indra, julgaram ser isso um fato corri­queiro. Como Bṛhaspati estava com eles todos os dias, pensaram eles, por que, então, mostrar-lhe um respeito diferenciado? Como se afirma, familiaridade gera negligência. Estando muito insatisfeito, Bṛhaspati imediatamente deixou o palácio de Indra. Assim, todos os semideuses, encabeçados por Indra, tornaram-se ofensores aos pés de lótus de Bṛhaspati, e o senhor Brahmā, tomando conhecimento disso, condenou essa negligência. Em uma canção que cantamos todos os dias, Narottama Dāsa Ṭhākura diz que cakṣu-dāna dila yei, janme janme prabhu sei: o guru confere compreensão espiritual ao discípulo, e, portanto, vida após vida, o guru deve ser considerado seu mestre. Em nenhuma circunstância, o guru deve ser desrespeitado, mas os semideuses, envaidecidos por suas posses materiais, foram desrespeitosos com seu guru. Por­tanto, o Śrīmad-Bhāgavatam (11.17.27) aconselha que ācāryaṁ māṁ vijānīyān nāvamanyeta karhicit/ na martya-buddhyāsūyeta: deve-se sempre oferecer respeitosas reverências ao ācārya; jamais se deve invejar o ācārya, considerando-o um ser humano comum.

Texto

tasyāyam anayasyāsīt
parebhyo vaḥ parābhavaḥ
prakṣīṇebhyaḥ sva-vairibhyaḥ
samṛddhānāṁ ca yat surāḥ

Sinônimos

tasya — que; ayam — isto; anayasya — de vossa atividade ingrata; āsīt — foi; parebhyaḥ — por outros; vaḥ — de todos vós; parābhavaḥ — a derrota; prakṣīṇebhyaḥ — embora estivessem fracos; sva-vairibhyaḥ — por vossos próprios inimigos, que anteriormente foram derrotados por vós; samṛddhānām — sendo vós próprios muito opulentos; ca — e; yat — os quais; surāḥ — ó semideuses.

Tradução

Devido ao vosso comportamento inapropriado com Bṛhaspati, fostes derrotados pelos demônios. Meus queridos semideuses, visto que os demônios estavam fracos, tendo sido derrotados por vós em várias ocasiões, como, então, explicar o fato de que vós, que tendes tanta opulência, fostes derrotados por eles?

Comentário

SIGNIFICADO—Os devas são conhecidos por lutarem perpetuamente contra os asuras. Nesses combates, os asuras sempre saem perdendo, mas, desta vez, os semi­deuses foram derrotados. Por quê? A razão, como se afirma aqui, é que eles ofenderam seu mestre espiritual. Sua indelicadeza de terem faltado com respeito ao mestre espiritual foi a causa de eles serem der­rotados pelos demônios. Como afirmam os śāstras, quando alguém desacata um superior respeitável, perde sua longevidade e os resul­tados de suas atividades piedosas e, dessa maneira, degrada-se.

Texto

maghavan dviṣataḥ paśya
prakṣīṇān gurv-atikramāt
sampraty upacitān bhūyaḥ
kāvyam ārādhya bhaktitaḥ
ādadīran nilayanaṁ
mamāpi bhṛgu-devatāḥ

Sinônimos

maghavan — ó Indra; dviṣataḥ — teus inimigos; paśya — vê só; prakṣīṇān — sendo muito vulneráveis (outrora); guru-atikramāt — porque desrespeitaram Śukrācārya, seu guru; samprati — no momento presente; upacitān — poderosos; bhūyaḥ — novamente; kāvyam — Śukrācārya, seu mestre espiritual; ārādhya — adorando; bhaktitaḥ — com muita devoção; ādadīran — podem tirar; nilayanam — a morada, Satyaloka; mama — minha; api — mesmo; bhṛgu-devatāḥ — que agora são fortes devotos de Śukrācārya, discípulo de Bhṛgu.

Tradução

Ó Indra, teus inimigos, os demônios, estavam extremamente vulneráveis devido ao fato de terem desrespeitado Śukrācārya, mas, como passaram a adorar Śukrācārya com muita devoção, retomaram seu poder. Através da devoção que dedicaram a Śukrācārya, sua força se tornou tão descomunal que agora são capazes até mesmo de facilmente se apoderarem de minha morada.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Brahmā queria mostrar aos semideuses que, pela força do guru, a pessoa pode tornar-se poderosíssima dentro deste mundo, mas, estando o guru insatisfeito, ela pode perder tudo. Confirma isso a canção de Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura:

yasya prasādād bhagavat-prasādo
yasyāprasādān na gatiḥ kuto ’pi

“Pela misericórdia do mestre espiritual, recebe-se a bênção da misericórdia de Kṛṣṇa. Sem a graça do mestre espiritual, ninguém pode fazer nenhum avanço.” Embora os demônios sejam insignificantes quando comparados com o senhor Brahmā, eles ficaram tão poderosos devido à força do guru que eram até mesmo capazes de ocupar Brahmaloka, a morada do senhor Brahmā. Portanto, oramos ao mestre espiritual:

mūkaṁ karoti vācālaṁ
paṅguṁ laṅghayate girim
yat-kṛpā tam ahaṁ vande
śrī-guruṁ dīna-tāraṇam

(Caitanya-caritāmṛta, Madhya 17.80)

Pela misericórdia do guru, até mesmo um mudo pode tornar-se o maior orador, e um coxo pode atravessar montanhas. Como acon­selha o senhor Brahmā, deve procurar lembrar-se desse preceito do śāstra quem deseja ter sucesso em sua vida.

Texto

tripiṣṭapaṁ kiṁ gaṇayanty abhedya-
mantrā bhṛgūṇām anuśikṣitārthāḥ
na vipra-govinda-gav-īśvarāṇāṁ
bhavanty abhadrāṇi nareśvarāṇām

Sinônimos

tri-piṣṭa-pam — todos os semideuses, incluindo o senhor Brahmā; kim — que; gaṇayanti — eles fazem caso de; abhedya-mantrāḥ — cuja determinação de cumprir as ordens de seu mestre espiritual é firme; bhṛgūṇām — dos discípulos de Bhṛgu Muni, tais como Śukrācārya; anuśikṣita-arthāḥ — decidindo seguir as instruções; na — não; vipra — os brāhmaṇas; govinda — a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa; go — as vacas; īśvarāṇām — de pessoas que favorecem ou consideram adoráveis; bhavanti — são; abhadrāṇi — quaisquer infortúnios; nara­-īśvarāṇām — ou dos reis que seguem este princípio.

Tradução

Devido à sua firme determinação de seguir as instruções de Śukrācārya, seus discípulos, os demônios, não se preocupam com os semideuses. De fato, os reis ou outros que têm fé inabalável na misericórdia dos brāhmaṇas, das vacas e da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, e sempre os adoram permanecem constantemente fortes em suas posições.

Comentário

SIGNIFICADO—Através das instruções do senhor Brahmā, é evidente que todos devem adorar com muita fé os brāhmaṇas, a Suprema Personali­dade de Deus e as vacas. A Suprema Personalidade de Deus é go-­brāhmaṇa-hitāya ca: Ele é sempre muito bondoso com as vacas e os brāhmaṇas. Portanto, aquele que adora Govinda deve satisfazê-lo adorando os brāhmaṇas e as vacas. O governo que adora os brāhmaṇas, as vacas e Kṛṣṇa, Govinda, jamais será derrotado em ocasião alguma; caso contrário, ele sempre será derrotado e condenado em toda parte. No momento atual, os governos não têm respeito aos brāhmaṇas, às vacas nem a Govinda, e, consequentemente, existem condições caóticas mundo afora. Em suma, embora os semideuses fossem muito poderosos em opulência material, os demônios os der­rotaram na batalha porque os semideuses haviam desrespeitado um brāhmaṇa, Bṛhaspati, que era seu mestre espiritual.

Texto

tad viśvarūpaṁ bhajatāśu vipraṁ
tapasvinaṁ tvāṣṭram athātmavantam
sabhājito ’rthān sa vidhāsyate vo
yadi kṣamiṣyadhvam utāsya karma

Sinônimos

tat — portanto; viśvarūpam — Viśvarūpa; bhajata — simplesmente adorai como guru; āśu — de imediato; vipram — que é um brāhmaṇa perfeito; tapasvinam — submetendo-se a grandes austeridades e penitências; tvāṣṭram — o filho de Tvaṣṭā; atha — bem como; ātma­vantam — muito independente; sabhājitaḥ — sendo adorado; arthān — os interesses; saḥ — ele; vidhāsyate — executará; vaḥ — de todos vós; yadi — se; kṣamiṣyadhvam — vós tolerardes; uta — na verdade; asya — suas; karma — atividades (para apoiar os Daityas).

Tradução

Ó semideuses, sugiro que vos aproximeis de Viśvarūpa, o filho de Tvaṣṭā, e que o aceiteis como vosso guru. Ele é um brāhmaṇa puro e muito poderoso, que se submete a austeridades e penitências. Ficando satisfeito com a adoração que lhe havereis de prestar, ele concretizará os vossos desejos, desde que tolereis o fato de ele também procurar aliar-se aos demônios.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Brahmā aconselhou os semideuses a aceitarem como mestre espiritual o filho de Tvaṣṭā, embora este sempre procurasse benefi­ciar os asuras.

Texto

śrī-śuka uvāca
ta evam uditā rājan
brahmaṇā vigata-jvarāḥ
ṛṣiṁ tvāṣṭram upavrajya
pariṣvajyedam abruvan

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; te — todos os semideuses; evam — assim; uditāḥ — sendo aconselhados; rājan — ó rei Parīkṣit; brahmaṇā — pelo senhor Brahmā; vigata-jvarāḥ — sendo aliviados do tormento causado pelos demônios; ṛṣim — o grande sábio; tvāṣṭram — ao filho de Tvaṣṭā; upavrajya — indo; pariṣvajya — abraçando; idam — isto; abruvan — falaram.

Tradução

Śrīla Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Recebendo esse conselho do senhor Brahmā e sentindo-se aliviados de sua ansiedade, todos os semideuses foram ter com o sábio Viśvarūpa, o filho de Tvaṣṭā. Meu querido rei, eles o abraçaram e falaram as seguintes palavras.

Texto

śrī-devā ūcuḥ
vayaṁ te ’tithayaḥ prāptā
āśramaṁ bhadram astu te
kāmaḥ sampādyatāṁ tāta
pitṝṇāṁ samayocitaḥ

Sinônimos

śrī-devāḥ ūcuḥ — os semideuses disseram; vayam — nós; te — teus; atithayaḥ — convidados; prāptāḥ — chegamos a; āśramam — tua morada; bhadram — boa fortuna; astu — que haja; te — para vós; kāmaḥ — o desejo; sampādyatām — que seja executado; tāta — ó querido; pitṝṇ­ām — de nós, que somos exatamente como teus pais; samayocitaḥ — apropriado ao momento atual.

Tradução

Os semideuses disseram: Amado Viśvarūpa, que toda a boa fortuna esteja contigo. Nós, os semideuses, viemos ao teu āśrama como teus convidados. Por favor, tenta realizar os nossos desejos de acordo com o tempo, visto que estamos no mesmo nível de teus pais.

Texto

putrāṇāṁ hi paro dharmaḥ
pitṛ-śuśrūṣaṇaṁ satām
api putravatāṁ brahman
kim uta brahmacāriṇām

Sinônimos

putrāṇām — dos filhos; hi — na verdade; paraḥ — superior; dharmaḥ — princípio religioso; pitṛ-śuśrūṣaṇam — o serviço aos pais; satām — bom; api — mesmo; putra-vatām — daqueles que têm filhos; brahman — ó querido brāhmaṇa; kim uta — o que falar; brahmacāriṇām — dos brahmacārīs.

Tradução

Ó brāhmaṇa, se o dever máximo de um filho, mesmo que ele tenha seus próprios filhos, é servir seus pais, o que dizer, então, da atitude a ser tomada pelo filho brahmacārī?

Texto

ācāryo brahmaṇo mūrtiḥ
pitā mūrtiḥ prajāpateḥ
bhrātā marutpater mūrtir
mātā sākṣāt kṣites tanuḥ
dayāyā bhaginī mūrtir
dharmasyātmātithiḥ svayam
agner abhyāgato mūrtiḥ
sarva-bhūtāni cātmanaḥ

Sinônimos

ācāryaḥ — o preceptor ou mestre espiritual que, através do seu comportamento pessoal, ensina o conhecimento védico; brahmaṇaḥ — de todos os Vedas; mūrtiḥ — a personificação; pitā — o pai; mūrtiḥ — a personificação; prajāpateḥ — do senhor Brahmā; bhrātā — o irmão; marut-pateḥ mūrtiḥ — a personificação de Indra; mātā — a mãe; sākṣāt — diretamente; kṣiteḥ — da Terra; tanuḥ — o corpo; dayāyāḥ — da misericórdia; bhaginī — a irmã; mūrtiḥ — a personificação; dhar­masya — dos princípios religiosos; ātma — o eu; atithiḥ — o hóspede; svayam — pessoalmente; agneḥ — do deus do fogo; abhyāgataḥ — o convidado; mūrtiḥ — a personificação; sarva-bhūtāni — todas as entidades vivas; ca — e; ātmanaḥ — do Supremo Senhor Viṣṇu.

Tradução

O ācārya, o mestre espiritual que ensina todo o conhecimento vé­dico e confere a iniciação oferecendo o cordão sagrado, é a personi­ficação de todos os Vedas. De modo semelhante, o pai personifica o senhor Brahmā; o irmão, o rei Indra; a mãe, o planeta Terra, e a irmã, a misericórdia. Um hóspede personifica os princípios reli­giosos, um convidado personifica o semideus Agni, e todas as enti­dades vivas personificam o Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com as instruções morais de Cāṇakya Paṇḍita, ātmavat sarva-bhūteṣu: a pessoa deve ver todas as entidades vivas como estando situadas no mesmo nível que ela própria. Isso significa que ninguém deve ser menosprezado como inferior; visto que Paramātmā está situado nos corpos de todos, todos devem ser respeitados como templos da Suprema Personalidade de Deus. Este verso descreve as diferentes maneiras pelas quais se deve respeitar o guru, o pai, o irmão, a irmã, um hóspede e assim por diante.

Texto

tasmāt pitṝṇām ārtānām
ārtiṁ para-parābhavam
tapasāpanayaṁs tāta
sandeśaṁ kartum arhasi

Sinônimos

tasmāt — portanto; pitṝṇām — dos pais; ārtānām — que estamos em aflição; ārtim — o pesar; para-parābhavam — sendo derrotados pelos inimigos; tapasā — pelo poder de tuas austeridades; apanayan — afastando; tāta — ó querido filho; sandeśam — nosso desejo; kartum arhasi — mereces executar.

Tradução

Estimado filho, fomos derrotados por nossos inimigos e, portanto, estamos muitíssimo pesarosos. Por favor, tem misericórdia e satisfaz os nossos desejos, aliviando nossa aflição com o poder de tuas austeridades. Por favor, atende nossas súplicas.

Texto

vṛṇīmahe tvopādhyāyaṁ
brahmiṣṭhaṁ brāhmaṇaṁ gurum
yathāñjasā vijeṣyāmaḥ
sapatnāṁs tava tejasā

Sinônimos

vṛṇīmahe — escolhemos; tvā — a ti; upādhyāyam — como preceptor e mestre espiritual; brahmiṣṭham — conhecendo na íntegra o Brahman Supremo; brāhmaṇam — um brāhmaṇa qualificado; gurum — o mestre espiritual perfeito; yathā — para que; añjasā — muito facilmente; vijeṣyāmaḥ — derrotemos; sapatnān — nossos rivais; tava — tua; tejasā — pelo poder da austeridade.

Tradução

Porque conheces na íntegra o que é o Brahman Supremo, és um brāhmaṇa perfeito e, portanto, és o mestre espiritual de todas as ordens de vida. Nós te aceitamos como mestre espiritual e orientador, para que, mediante o poder de tua austeridade, possamos facilmente derrotar os inimigos que nos subjugaram.

Comentário

SIGNIFICADO—Convém aproximar-se de um tipo particular de guru para se executar determinado dever. Portanto, embora Viśvarūpa fosse inferior aos semideuses, eles o aceitaram como seu guru, pois tinham em mente derrotar os demônios.

Texto

na garhayanti hy artheṣu
yaviṣṭhāṅghry-abhivādanam
chandobhyo ’nyatra na brahman
vayo jyaiṣṭhyasya kāraṇam

Sinônimos

na — não; garhayanti — proibir; hi — na verdade; artheṣu — na conquista de interesses; yaviṣṭha-aṅghri — aos pés de lótus de uma pessoa mais jovem; abhivādanam — oferecer reverências; chandobhyaḥ — os mantras védicos; anyatra — além disso; na — não; brahman — ó brāhmaṇa; vayaḥ — idade; jyaiṣṭhyasya — da primazia; kāraṇam — a causa.

Tradução

Os semideuses continuaram: Não temas censuras por seres mais novo do que nós. Semelhante etiqueta não se aplica em relação aos mantras védicos. Exceto no que se refere aos mantras védicos, a pri­mazia é determinada pela idade, mas mesmo à pessoa mais jovem podem-se oferecer respeitosas reverências no caso de ela ser avança­da em cantar os mantras védicos. Portanto, embora sejas mais jovem quando compa­rado a nós, não há por que te eximires de te tornar nosso sacerdote.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se que vṛddhatvaṁ vayasā vinā: para alguém ser considerado sênior, não é preciso ter idade avançada. Mesmo que ele não seja idoso, possui senioridade caso seja mais avançado em conhecimento. Viśvarūpa era mais novo do que os semideuses porque era seu so­brinho, mas os semideuses queriam aceitá-lo como sacerdote, e, portanto, Viśvarūpa teria que aceitar as reverências que eles lhe oferecer­iam. Os semideuses explicaram que isso não deveria ser motivo para ele ficar indeciso; ele poderia tornar-se sacerdote deles, pois era avançado em conhecimento védico. Do mesmo modo, Cāṇakya Paṇḍita aconselha que nīcād apy uttamaṁ jñānam: pode-se aceitar o ensinamento ministrado por um membro de uma ordem social inferior. Os brāhmaṇas, os membros do varṇa mais elevado, são preceptores, mas alguém de família inferior, tal como, por exemplo, a família dos kṣatriyas, vaiśyas ou até mesmo śūdras, pode ser aceito como preceptor, se estiver imbuído de conhecimento. Śrī Caitanya Mahāprabhu concordou com isso ao emitir essa opinião perante Rāmānanda Rāya (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 8.128):

kibā vipra, kibā nyāsī, śūdra kene naya
yei kṛṣṇa-tattva-vettā, sei ‘guru’ haya

Não importa se alguém é brāhmaṇa, śūdra, gṛhastha ou sannyāsī, pois todas essas designações são materiais. Quem é espiritualmente avançado não tem qualquer ligação com essas designações. Portanto, se ele for avançado na ciência da consciência de Kṛṣṇa, poderá tornar­-se um mestre espiritual, sem considerações quanto a qual é a sua posição na sociedade humana.

Texto

śrī-ṛṣir uvāca
abhyarthitaḥ sura-gaṇaiḥ
paurahitye mahā-tapāḥ
sa viśvarūpas tān āha
prasannaḥ ślakṣṇayā girā

Sinônimos

śrī-ṛṣiḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī continuou a falar; abhyarthi­taḥ — sendo solicitado; sura-gaṇaiḥ — pelos semideuses; paurahitye — para aceitar o sacerdócio; mahā-tapāḥ — altamente avançado em austeridade e penitências; saḥ — ele; viśvarūpaḥ — Viśvarūpa; tān — aos semideuses; āha — falou; prasannaḥ — estando satisfeito; ślakṣṇayā — doces; girā — com palavras.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Quando todos os semideuses pediram que o grande Viśvarūpa se tornasse seu sacerdote, Viśvarūpa, que era avançado em austeridades, ficou muito satisfeito e lhes diri­giu as seguintes palavras.

Texto

śrī-viśvarūpa uvāca
vigarhitaṁ dharma-śīlair
brahmavarca-upavyayam
kathaṁ nu mad-vidho nāthā
lokeśair abhiyācitam
pratyākhyāsyati tac-chiṣyaḥ
sa eva svārtha ucyate

Sinônimos

śrīviśvarūpaḥ uvāca – Śrī Viśvarūpa disse; vigarhitam — condenado; dharma-śīlaiḥ — pelas pessoas que respeitam os princípios religio­sos; brahma-varcaḥ — do poder ou da força bramânica; upavyayam — causa a perda; katham — como; nu — na verdade; mat-vidhaḥ — uma pessoa como eu; nāthāḥ — ó senhores; loka-īśaiḥ — pelos poderes vi­gentes nos diversos planetas; abhiyācitam — pedido; pratyākhyāsya­ti — recusarei; tat-śiṣyaḥ — que estou no nível de vosso discípulo; saḥ — isto; eva — na verdade; sva-arthaḥ — verdadeiro interesse; ucyate — é descrito como.

Tradução

Śrī Viśvarūpa disse: Ó semideuses, embora aceitar o sacerdócio seja algo depreciado porque causa a perda do poder bramânico já adquirido, de que maneira alguém como eu poderia deixar de aceitar vosso pedido pessoal? Todos vós sois nobres comandantes de todo o universo. Sou vosso discípulo e muito tenho que aprender convosco. Portanto, não posso recusar o que me pedis e, em meu próprio benefício, tenho de aceitar vossa proposta.

Comentário

SIGNIFICADO—As profissões do brāhmaṇa qualificado são paṭhana, pāṭhana, yajana, yājana, dāna e pratigraha. As palavras yajana e yājana signifi­cam que o brāhmaṇa se torna sacerdote do povo com o propósito de elevá-lo. Quem aceita o posto de mestre espiritual neutraliza as reações pecaminosas do yajamāna, aquele em benefício do qual ele executa o yajña. Assim, os resultados dos atos piedosos anteriormente executados pelo sacerdote ou mestre espiritual ficam reduzidos. Portanto, os brāhmaṇas eruditos não aceitam o sacerdócio. Todavia, Viśvarūpa, um brāhmaṇa altamente erudito, tornou-se sacerdote dos semideuses em razão do profundo respeito que lhes dedicava.

Texto

akiñcanānāṁ hi dhanaṁ śiloñchanaṁ
teneha nirvartita-sādhu-satkriyaḥ
kathaṁ vigarhyaṁ nu karomy adhīśvarāḥ
paurodhasaṁ hṛṣyati yena durmatiḥ

Sinônimos

akiñcanānām — de pessoas que praticaram austeridades e peni­tências para se desapegarem das posses mundanas; hi — decerto; dhanam — a riqueza; śila — a coleta de grãos deixados no campo; uñchanam — e a coleta de grãos deixados nos mercados atacadistas; tena — por estes meios; iha — aqui; nirvartita — obtendo; sādhu — dos devotos grandiosos; sat-kriyaḥ — todas as atividades piedosas; ka­tham — como; vigarhyam — censurável; nu — na verdade; karomi — executarei; adhīśvarāḥ — ó grandes governantes dos sistemas plane­tários; paurodhasam — o dever do sacerdócio; hṛṣyati — é satisfeito; yena — através do qual; durmatiḥ — alguém que é pouco inteligente.

Tradução

Ó sublimes governantes de vários planetas, o verdadeiro brāhmaṇa, que é desprovido de posses materiais, mantém-se através do ofício de aceitar śiloñchana. Em outras palavras, ele apanha cereais deixados no campo ou no chão dos mercados atacadistas. Por esse meio, o brāhmaṇa pai de família que realmente acata os princípios de austeridade e penitência mantém a si mesmo e a sua família e executa todas as atividades piedosas necessárias. O brāhmaṇa que deseja alcançar a felicidade obtendo riquezas através do sacerdócio profissional decerto deve ter uma mentalidade muito baixa. Como eu aceitaria semelhante sacerdócio?

Comentário

SIGNIFICADO—O brāhmaṇa de primeira classe não aceita recompensa alguma de seus discípulos ou yajamānas. Ao contrário, praticando austerida­des e penitências, ele prefere dirigir-se aos campos agrícolas e coleta os grãos alimentícios que os agricultores deixam para que sejam co­letados pelos brāhmaṇas. Do mesmo modo, esses brāhmaṇas vão aos mercados onde os cereais são comprados e vendidos por atacado, e lá coletam os cereais deixados pelos mercadores. Dessa maneira, esses brāhmaṇas elevados mantêm a si mesmos e a suas famílias. Tais sacerdotes nunca procuram os seus discípulos para exigir que lhes deem riquezas, como se fossem kṣatriyas ou vaiśyas. Em outras palavras, o brāhmaṇa puro aceita voluntariamente uma vida de pobreza e se coloca sob a completa dependência da misericórdia do Senhor. Não faz muitos anos que, em Kṛṣṇanagara, perto de Navadvīpa, um zamindar local, chamado Rājā Kṛṣṇacandra, ofereceu ajuda a um brāhmaṇa, o qual se recusou a aceitá-la. Ele disse que, como em sua vida familiar era muito feliz recebendo o arroz dado por seus discípulos e cozinhando vegetais de folhas de tamarindo, não havia razão para ele receber ajuda do latifundiário. A conclusão é que, embora o brāhmaṇa possa receber muitas riquezas de seus discípulos, ele não deve utilizar para seu próprio benefício as recompensas adquiridas em seu sacerdócio, senão que deve usá-las a serviço da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

tathāpi na pratibrūyāṁ
gurubhiḥ prārthitaṁ kiyat
bhavatāṁ prārthitaṁ sarvaṁ
prāṇair arthaiś ca sādhaye

Sinônimos

tathā api — mesmo assim; na — não; pratibrūyām — posso recusar; gurubhiḥ — por pessoas que estão no nível do meu mestre espiritual; prārthitam — pedido; kiyat — de pequeno valor; bhavatām — de todos vós; prārthitam — o desejo; sarvam — toda; prāṇaiḥ — por minha vida; arthaiḥ — pelas minhas posses; ca — também; sādhaye — executarei.

Tradução

Todos vós sois meus superiores. Portanto, embora aceitar o sacerdócio, às vezes, seja censurável, não sou capaz de me negar a aceitar um pequeno pedido vosso. Concordo em ser vosso sacerdote. Satisfarei vosso pedido, dedicando-vos minha vida e minhas posses.

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
tebhya evaṁ pratiśrutya
viśvarūpo mahā-tapāḥ
paurahityaṁ vṛtaś cakre
parameṇa samādhinā

Sinônimos

śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; tebhyaḥ — a eles (os semideuses); evam — assim; pratiśrutya — prometendo; viśvarūpaḥ — Viśvarūpa; mahā-tapāḥ — a mais elevada personalidade; paurahityam — o sacerdócio; vṛtaḥ — rodeado por eles; cakre — executou; parameṇa — suprema; samādhinā — com atenção.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Ó rei, após fazer essa promessa aos semideuses, o esplêndido Viśvarūpa, rodeado pelos semideuses, executou com muito entusiasmo e atenção as atividades sacerdotais necessárias.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra samādhinā é muito importante. Samādhi significa completa absorção de uma mente indesviável. Viśvarūpa, que era um brāhmaṇa muito erudito, não somente aceitou o pedido dos semideuses, como também levou muito a sério esse pedido e, com uma mente indesviável, executou as atividades sacerdotais. Em outras palavras, ao aceitar o sacerdócio, ele não visava a ganhos materiais, senão que tinha como objetivo beneficiar os semideuses. É esse o dever do sacerdote. A palavra puraḥ significa “família”, e hita significa “benefício”. Com a pa­lavra purohita, portanto, fica claro que o sacerdote é o benquerente da família. A palavra puraḥ também significa “primeiro”. O primeiro dever do sacerdote é zelar pelo completo benefício espiritual e material de seus discípulos. Apenas assim ele ficará satisfeito. O sacerdote nunca deve estar interessado em executar rituais védicos para o seu próprio benefício.

Texto

sura-dviṣāṁ śriyaṁ guptām
auśanasyāpi vidyayā
ācchidyādān mahendrāya
vaiṣṇavyā vidyayā vibhuḥ

Sinônimos

sura-dviṣām — dos inimigos dos semideuses; śriyam — a opulência; guptām — protegida; auśanasya — de Śukrācārya; api — embora; vi­dyayā — pelos talentos; ācchidya — convocando; adāt — entregou; mahā-indrāya — ao rei Indra; vaiṣṇavyā — do Senhor Viṣṇu; vidyayā — mediante uma oração; vibhuḥ — o poderosíssimo Viśvarūpa.

Tradução

A opulência dos demônios, geralmente conhecidos como os inimigos dos semideuses, estava protegida pelos talentos e táticas de Śukrācārya, mas Viśvarūpa, sendo muito poderoso, compôs uma oração protetora conhecida como Nārāyaṇa-kavaca. Através desse mantra inteligente, ele tirou a opulência dos demônios e a entregou a Mahendra, o rei dos céus.

Comentário

SIGNIFICADO—A distinção entre semideuses (devas) e demônios (asuras) é que todos os semideuses são devotos do Senhor Viṣṇu, ao passo que os demônios são devotos dos semideuses, tais como o senhor Śiva, a deusa Kālī e a deusa Durgā. Às vezes, os demônios também são devotos do senhor Brahmā. Por exemplo, Hiraṇyakaśipu era devoto do senhor Brahmā, Rāvaṇa era devoto do senhor Śiva, e Mahiṣā­sura era devoto da deusa Durgā. Os semideuses são devotos do Senhor Viṣṇu (viṣṇu-bhaktaḥ smṛto daiva), ao passo que os demô­nios (āsuras tad-viparyayaḥ) sempre se opõem aos viṣṇu-bhaktas, ou vaiṣṇavas. Para fazerem frente aos vaiṣṇavas, os demônios se tornam­ devotos do senhor Śiva, do senhor Brahmā, de Kālī, Durgā e assim por diante. Em tempos idos, há muitos e muitos anos, havia animosidade entre os devas e asuras, e o mesmo espírito perdura, pois os devotos do senhor Śiva e da deusa Durgā sempre invejam os vaiṣṇavas, os devotos do Senhor Viṣṇu. Essa discórdia entre os devotos do senhor Śiva e do Senhor Viṣṇu sempre existiu. Nos sis­temas planetários superiores, as lutas entre os demônios e os semi­deuses se dão desde muito e muito tempo.

Nesta passagem, vemos que Viśvarūpa fez para os semideuses uma cobertura protetora, impregnada de um mantra de Viṣṇu. Às vezes, o mantra de Viṣṇu é chamado Viṣṇu-jvara, e o mantra de Śiva é chamado Śiva-jvara. Consta nos śāstras que, às vezes, empregam-se o Śiva-­jvara e o Viṣṇu-jvara em lutas entre os demônios e os semideuses.

A palavra sura-dviṣām, que neste verso significa “dos inimigos dos semideuses”, refere-se também aos ateus. Em outra passagem, o Śrīmad-Bhāgavatam diz que o Senhor Buddha apareceu com o propósito de confundir os demônios ou os ateístas. A Suprema Personalidade de Deus concede sempre Suas bênçãos aos devotos. O próprio Senhor confirma isso na Bhagavad-gītā (9.31):

kaunteya pratijānīhi
na me bhaktaḥ praṇaśyati

“Ó filho de Kuntī, declara ousadamente que Meu devoto jamais perece.”

Texto

yayā guptaḥ sahasrākṣo
jigye ’sura-camūr vibhuḥ
tāṁ prāha sa mahendrāya
viśvarūpa udāra-dhīḥ

Sinônimos

yayā — pelo qual; guptaḥ — protegido; sahasra-akṣaḥ — o semideus de mil olhos, Indra; jigye — derrotou; asura — dos demônios; camūḥ — poder militar; vibhuḥ — tornando-se muito poderoso; tām — isto; prāha — falou; saḥ — ele; mahendrāya — ao rei dos céus, Mahendra; Viśvarūpaḥ — Viśvarūpa; udāra-dhīḥ — muito magnânimo.

Tradução

Viśvarūpa, que era muito magnânimo, transmitiu ao rei Indra [Sahasrākṣa] o hino secreto que protegeu Indra e derrotou o poder militar dos demônios.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do sexto canto, capítulo sete, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Indra Ofende Seu Mestre Espiritual, Bṛhaspati”.