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Capítulo Dezenove

A Morte do Demônio Hiraṇyākṣa

Texto

maitreya uvāca
avadhārya viriñcasya
nirvyalīkāmṛtaṁ vacaḥ
prahasya prema-garbheṇa
tad apāṅgena so ’grahīt

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; avadhārya — após ouvir; viriñcasya — do senhor Brahmā; nirvyalīka — isentas de todas as intenções pecaminosas; amṛtam — nectáreas; vacaḥ — palavras; prahasya — rindo do fundo do coração; prema-garbheṇa — carregado de amor; tat — aquelas palavras; apāṅgena — com um olhar; saḥ — a Suprema Personalidade de Deus; agrahīt — aceitou.

Tradução

Śrī Maitreya disse: Após ouvir as palavras de Brahmā, o criador, que estavam isentas de toda intenção pecaminosa e eram doces como néctar, o Senhor riu do fundo do coração e aceitou sua oração com um olhar carregado de amor.

Comentário

A palavra nirvyalīka é muito significativa. As orações dos semideuses ou devotos do Senhor são isentas de todas as intenções pecaminosas, mas as orações dos demônios sempre estão cheias de intenções pecaminosas. O demônio Hiraṇyākṣa tornou-se poderoso ao obter uma bênção de Brahmā, e, após obtê-la, ele criou distúrbios por causa de suas intenções pecaminosas. As orações de Brahmā e outros semideuses não podem ser comparadas às orações dos demônios. O propósito dos semideuses é satisfazer o Senhor Supremo, daí o Senhor ter sorrido e aceitado a oração com a qual Brahmā Lhe pediu para matar o demônio. Os demônios, que não estão nem um pouco interessados em louvar a Suprema Personalidade de Deus, por não terem informações acerca dEle, recorrem aos semideuses, o que é condenado na Bhagavad-gītā. Pessoas que recorrem aos semideuses e oram, pedindo avanço em atividades pecaminosas, são consideradas como destituídas de toda inteligência. Os demônios perdem toda a inteligência por não saberem qual é realmente o seu interesse pessoal. Mesmo que tenham informação sobre a Suprema Personalidade de Deus, eles se recusam a aproximar-se dEle: não lhes é possível obter do Senhor Supremo as bênçãos que eles desejam, porque suas intenções são sempre pecaminosas. Afirma-se que assaltantes na Bengala costumavam adorar a deusa Kālī para a satisfação de seus desejos pecaminosos de saquear a propriedade alheia, mas eles jamais foram a um templo de Viṣṇu porque poderiam ser malsucedidos ao orar a Viṣṇu. Entretanto, as orações dos semideuses ou devotos da Suprema Personalidade de Deus são sempre desprovidas de máculas de intenções pecaminosas.

Texto

tataḥ sapatnaṁ mukhataś
carantam akuto-bhayam
jaghānotpatya gadayā
hanāv asuram akṣajaḥ

Sinônimos

tataḥ — então; sapatnam — inimigo; mukhataḥ — em frente a Ele; carantam — aproximando-se; akutaḥbhayam – intrepidamente; jaghāna — golpeou; utpatya — após saltar; gadayā — com Sua maça; hanau — contra o queixo; asuram — o demônio; akṣa-jaḥ — o Senhor, que nasceu da narina de Brahmā.

Tradução

O Senhor, que aparecera da narina de Brahmā, saltou e apontou Sua maça contra o queixo de Seu inimigo, o demônio Hiraṇyākṣa, que se aproximava dEle intrepidamente.

Texto

sā hatā tena gadayā
vihatā bhagavat-karāt
vighūrṇitāpatad reje
tad adbhutam ivābhavat

Sinônimos

— aquela maça; hatā — aparada; tena — por Hiraṇyākṣa; gadayā — com sua maça; vihatā — saltou; bhagavat — da Suprema Personalidade de Deus; karāt — da mão; vighūrṇitā — girando; apatat — caía; reje — brilhava; tat — aquela; adbhutam — miraculoso; iva — na verdade; abhavat — era.

Tradução

Aparada pela maça do demônio, no entanto, a maça do Senhor saltou de Sua mão e parecia esplêndida conforme caía em círculos. Era algo miraculoso, pois a maça brilhava maravilhosamente.

Texto

sa tadā labdha-tīrtho ’pi
na babādhe nirāyudham
mānayan sa mṛdhe dharmaṁ
viṣvaksenaṁ prakopayan

Sinônimos

saḥ — este Hiraṇyākṣa; tadā — então; labdha-tīrthaḥ — tendo obtido uma oportunidade excelente; api — embora; na — não; babādhe — atacado; nirāyudham — não tendo arma; mānayan — respeitando; saḥ — Hiraṇyākṣa; mṛdhe — na batalha; dharmam — o código de combate; viṣvaksenam — a Suprema Personalidade de Deus; prakopayan — irando.

Tradução

Muito embora o demônio tivesse uma oportunidade excelente de ferir seu inimigo desarmado e indefeso, ele respeitou a lei do combate de igual para igual, atiçando, dessa maneira, a fúria do Senhor Supremo.

Texto

gadāyām apaviddhāyāṁ
hāhā-kāre vinirgate
mānayām āsa tad-dharmaṁ
sunābhaṁ cāsmarad vibhuḥ

Sinônimos

gadāyām — assim que Sua maça; apaviddhāyām — caiu; hāhā-kāre — um grito de alarme; vinirgate — se elevou; mānayān āsa — reconheceu; tat — de Hiraṇyākṣa; dharmam — retidão; sunābham — o cakra Sudarśana; ca — e; asmarat — lembrou-se; vibhuḥ — a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Assim que a maça do Senhor caiu ao solo e gritos de alarme se fizeram ouvir da multidão de deuses e ṛṣis que testemunhavam a luta, a Personalidade de Deus reconheceu o amor do demônio pela retidão e, em razão disso, invocou Seu disco Sudarśana.

Texto

taṁ vyagra-cakraṁ diti-putrādhamena
sva-pārṣada-mukhyena viṣajjamānam
citrā vāco ’tad-vidāṁ khe-carāṇāṁ
tatra smāsan svasti te ’muṁ jahīti

Sinônimos

tam — à Personalidade de Deus; vyagra — girando; cakram — cujo disco; diti-putra — filho de Diti; adhamena — indigno; sva-pārṣada de Seus associados; mukhyena — com o principal; viṣajjamānam — brincando; citrāḥ — várias; vācaḥ — expressões; a-tat-vidām — daqueles que não conheciam; khe-carāṇām — voando no céu; tatra — ali; sma āsan — ocorreu; svasti — fortuna; te — convosco; amum — a ele; jahi — por favor, matai; iti — assim.

Tradução

Conforme o disco começou a girar nas mãos do Senhor e o Senhor Se empenhava no combate contra o principal de Seus assistentes de Vaikuṇṭha, que nascera como Hiraṇyākṣa, um filho indigno de Diti, surgiram de todas as direções expressões estranhas proferidas por aqueles que testemunhavam a luta de seus aeroplanos. Eles não tinham conhecimento da realidade do Senhor e, por isso, gritaram: “Que a vitória esteja conVosco! Suplicamos que o mateis! Não brinqueis mais com ele!”

Texto

sa taṁ niśāmyātta-rathāṅgam agrato
vyavasthitaṁ padma-palāśa-locanam
vilokya cāmarṣa-pariplutendriyo
ruṣā sva-danta-cchadam ādaśac chvasan

Sinônimos

saḥ — aquele demônio; tam — a Suprema Personalidade de Deus; niśāmya — após ver; ātta-rathāṅgam — armado com o disco Sudarśana; agrataḥ — diante dele; vyavasthitam — permanecendo em posição de ataque; padma — flor de lótus; palāśa — pétalas; locanam — olhos; vilokya — após ver; ca — e; amarṣa — pela indignação; paripluta — sobrecarregado; indriyaḥ — seus sentidos; ruṣā — com grande furor; sva-dantachadam – seus próprios lábios; ādaśat — mordeu; śvasan — silvando.

Tradução

Quando o demônio viu a Personalidade de Deus, que tinha olhos semelhantes a pétalas de lótus, em posição de ataque diante dele e armado com Seu disco Sudarśana, seus sentidos foram tomados de indignação. Ele se pôs a silvar como uma serpente, mordendo os lábios com grande furor.

Texto

karāla-daṁṣṭraś cakṣurbhyāṁ
sañcakṣāṇo dahann iva
abhiplutya sva-gadayā
hato ’sīty āhanad dharim

Sinônimos

karāla — assustadoras; daṁṣṭraḥ — tendo presas; cakṣurbhyām — com ambos os olhos; sañcakṣāṇaḥ — encarando; dahan — queimando; iva — como se; abhiplutya — atacando; sva-gadayā — com sua própria maça; hataḥ — morto; asi — Tu estás; iti — assim; āhanat apontou; harim — contra Hari.

Tradução

O demônio, que tinha presas assustadoras, encarou a Personalidade de Deus como se quisesse incinerá-lO. Pulando no ar, ele apontou sua maça contra o Senhor, ao mesmo tempo em que exclamava: “Tu estás morto!”

Texto

padā savyena tāṁ sādho
bhagavān yajña-sūkaraḥ
līlayā miṣataḥ śatroḥ
prāharad vāta-raṁhasam

Sinônimos

padā — com Seu pé; savyena — esquerdo; tām — aquela maça; sādho — ó Vidura; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; yajña-sūkaraḥ — sob Sua forma de javali, o desfrutador de todos os sacrifícios; līlayā — jocosamente; miṣataḥ — sob o olhar de; śatroḥ — de Seu inimigo (Hiraṇyākṣa); prāharat — derrubou; vāta-raṁhasam — tendo a força de uma tempestade.

Tradução

Ó santo Vidura, sob o olhar de Seu inimigo, o Senhor, em Sua forma de javali, o desfrutador de todas as oferendas sacrificatórias, jocosamente derrubou a maça com Seu pé esquerdo, apesar de ela ter sido atirada contra Ele com a força de uma tempestade.

Texto

āha cāyudham ādhatsva
ghaṭasva tvaṁ jigīṣasi
ity uktaḥ sa tadā bhūyas
tāḍayan vyanadad bhṛśam

Sinônimos

āha — Ele disse; ca — e; āyudham — arma; ādhatsva — pega; ghaṭasva — tenta; tvam — tu; jigīṣasi — estás ansioso por vencer; iti — assim; uktaḥ — desafiado; saḥ — Hiraṇyākṣa; tadā — naquele momento; bhūyaḥ — novamente; tāḍayan — mirando contra; vyanadat — rugiu; bhṛśam — estrondosamente.

Tradução

O Senhor disse, então: “Pega tua arma e tenta novamente, já que estás ansioso por vencer-Me.” Desafiado por essas palavras, o demônio mirou sua maça contra o Senhor e, mais uma vez, bradou estrondosamente.

Texto

tāṁ sa āpatatīṁ vīkṣya
bhagavān samavasthitaḥ
jagrāha līlayā prāptāṁ
garutmān iva pannagīm

Sinônimos

tām — aquela maça; saḥ — Ele; āpatatīm — voando em direção; vīkṣya — após ver; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; samavasthitaḥ — permaneceu firme; jagrāha — apanhou; līlayā — facilmente; prāptām — veio à Sua presença; garutmān — Garuḍa; iva — como; pannagīm — uma serpente.

Tradução

Ao ver a maça voando em Sua direção, o Senhor permaneceu firme onde estava e apanhou-a com a mesma facilidade que Garuḍa, o rei dos pássaros, capturaria uma serpente.

Texto

sva-pauruṣe pratihate
hata-māno mahāsuraḥ
naicchad gadāṁ dīyamānāṁ
hariṇā vigata-prabhaḥ

Sinônimos

sva-pauruṣe — sua valentia; pratihate — frustrada; hata — destruído; mānaḥ — orgulho; mahā-asuraḥ — o grande demônio; na aicchat — não desejou (pegar); gadām — a maça; dīyamānām — sendo oferecida; hariṇā — por Hari; vigata-prabhaḥ — reduzido em seu esplendor.

Tradução

Tendo sua valentia frustrada dessa maneira, o grande demônio sentiu-se humilhado e ficou fora de si. Ele relutou pegar de volta a maça quando esta lhe foi oferecida pela Personalidade de Deus.

Texto

jagrāha tri-śikhaṁ śūlaṁ
jvalaj-jvalana-lolupam
yajñāya dhṛta-rūpāya
viprāyābhicaran yathā

Sinônimos

jagrāha — agarrou; tri-śikham — de três pontas; śūlam — tridente; jvalat — flamejante; jvalana — fogo; lolupam — ávido; yajñāya — contra o desfrutador de todos os sacrifícios; dhṛta-rūpāya — sob a forma de Varāha; viprāya — contra um brāhmaṇa; abhicaran — agindo de forma maldosa; yathā — como.

Tradução

Ele, então, valeu-se de um tridente ávido como fogo flamejante e o atirou contra o Senhor, o desfrutador de todos os sacrifícios, assim como alguém praticaria penitências com más intenções contra um brāhmaṇa santo.

Texto

tad ojasā daitya-mahā-bhaṭārpitaṁ
cakāsad antaḥ-kha udīrṇa-dīdhiti
cakreṇa ciccheda niśāta-neminā
harir yathā tārkṣya-patatram ujjhitam

Sinônimos

tat — aquele tridente; ojasā — com toda a sua força; daitya — entre os demônios; mahā-bhaṭa — pelo poderoso lutador; arpitam — disparado; cakāsat — brilhando; antaḥ-khe — no meio do céu; udīrṇa — aumentou; dīdhiti — iluminação; cakreṇa — pelo disco Sudarśana; ciccheda — Ele despedaçou; niśāta — afiada; neminā — borda; hariḥ — Indra; yathā — como; tārkṣya — de Garuḍa; patatram — a asa; ujjhitam — abandonou.

Tradução

Disparado pelo poderoso demônio com toda a sua força, o tridente arremessado brilhou intensamente no céu. A Personalidade de Deus, entretanto, despedaçou-o com Seu disco Sudarśana, que tinha uma borda cortante e afiada, da mesma forma que Indra cortou uma asa de Garuḍa.

Comentário

O contexto da referência feita aqui a respeito de Garuḍa e Indra é o seguinte. Certa vez, Garuḍa, o carregador do Senhor, arrebatou um pote de néctar das mãos dos semideuses no céu para libertar sua mãe, Vinatā, das garras de sua madrasta, Kadrū, a mãe das serpentes. Ao saber disso, Indra, o rei do céu, disparou seu raio contra Garuḍa. Com o objetivo de respeitar a infalibilidade da arma de Indra, Garuḍa, embora fosse invencível de outra maneira, sendo a própria montaria do Senhor, soltou uma de suas asas, que foi despedaçada pelo raio. Os habitantes dos planetas superiores são tão ajuizados que, mesmo no processo de luta, observam as regras e regulações preliminares de gentileza. Neste caso, Garuḍa quis demonstrar respeito por Indra: como sabia que a arma de Indra deve destruir algo, ele ofereceu sua asa.

Texto

vṛkṇe sva-śūle bahudhāriṇā hareḥ
pratyetya vistīrṇam uro vibhūtimat
pravṛddha-roṣaḥ sa kaṭhora-muṣṭinā
nadan prahṛtyāntaradhīyatāsuraḥ

Sinônimos

vṛkne — ao ser cortado; sva-śūle — seu tridente; bahudhā — em muitos pedaços; ariṇā — pelo cakra Sudarśana; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; pratyetya — após avançar ao encontro de; vistīrṇam — largo; uraḥ — peito; vibhūti-mat — a morada da deusa da fortuna; pravṛddha — tendo sido aumentada; roṣaḥ — ira; saḥ — Hiraṇyākṣa; kaṭhora — duríssimo; muṣṭinā — com seu punho; nadan — rugindo; prahṛtya — após golpear; antaradhīyata — desapareceu; asuraḥ — o demônio.

Tradução

O demônio ficou enraivecido ao ver seu tridente despedaçado pelo disco da Personalidade de Deus. De tal modo, ele avançou de encontro ao Senhor e, rugindo estrondosamente, golpeou com seu duríssimo punho o peito do Senhor, que tinha a marca de Śrīvatsa. Em seguida, sumiu de vista.

Comentário

Śrīvatsa é um fio de cabelo encaracolado e da cor branca no peito do Senhor, que é um sinal especial de que Ele é a Suprema Personalidade de Deus. Em Vaikuṇṭhaloka, ou em Goloka Vṛndāvana, os habitantes são exatamente da mesma forma que a Personalidade de Deus, mas, por esta marca de Śrīvatsa no peito do Senhor, Ele Se distingue de todos os outros.

Texto

tenettham āhataḥ kṣattar
bhagavān ādi-sūkaraḥ
nākampata manāk kvāpi
srajā hata iva dvipaḥ

Sinônimos

tena — por Hiraṇyākṣa; ittham — assim; āhataḥ — golpeado; kṣattaḥ — ó Vidura; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; ādi-sūkaraḥ — o javali primordial; na akampata — não sentiu comoção alguma; manāk — mesmo levemente; kva api — em parte alguma; srajā — por uma guirlanda de flores; hataḥ — golpeado; iva — como; dvipaḥ — um elefante.

Tradução

Golpeado dessa maneira pelo demônio, ó Vidura, o Senhor, que aparecera como o javali primordial, não sentiu nem mesmo o menor tremor em parte alguma de Seu corpo, assim como um elefante nada sentiria caso golpeado por um ramalhete de flores.

Comentário

Como se explicou anteriormente, o demônio era originalmente um servo do Senhor em Vaikuṇṭha, mas, de alguma forma, caiu para a condição de um demônio. Sua luta com o Senhor Supremo destinava-se à sua liberação. O Senhor desfrutou do golpe contra Seu corpo transcendental da mesma maneira que um pai robusto faz lutando com seu filho. Às vezes, o pai sente prazer numa luta simulada com seu filhinho, e, da mesma forma, o Senhor sentiu o golpe de Hiraṇyākṣa sobre Seu corpo como se fossem flores oferecidas em adoração. Em outras palavras, o Senhor desejava lutar para desfrutar de Sua bem-aventurança transcendental, daí ter desfrutado do ataque.

Texto

athorudhāsṛjan māyāṁ
yoga-māyeśvare harau
yāṁ vilokya prajās trastā
menire ’syopasaṁyamam

Sinônimos

atha — então; urudhā — de muitas maneiras; asṛjat — ele lançou; māyām — artimanhas pérfidas; yoga-māyā-īśvare — o Senhor de yoga-māyā; harau — contra Hari; yām — as quais; vilokya — após verem; prajāḥ — as pessoas; trastāḥ — temerosas; menire — pensaram; asya — deste universo; upasaṁyamam — a dissolução.

Tradução

O demônio, no entanto, empregou muitas artimanhas mágicas contra a Personalidade de Deus, que é o Senhor de yoga-māyā. Vendo isso, as pessoas ficaram alarmadas e pensaram que a dissolução do universo estava próxima.

Comentário

O divertimento bélico do Senhor Supremo com Seu devoto, que se convertera em demônio, parecia severo o bastante para provocar a dissolução do universo. Esta é a grandeza da Suprema Personalidade de Deus: mesmo o ondular de Seu dedo mindinho parece ser um movimento grande e muito perigoso aos olhos dos habitantes do universo.

Texto

pravavur vāyavaś caṇḍās
tamaḥ pāṁsavam airayan
digbhyo nipetur grāvāṇaḥ
kṣepaṇaiḥ prahitā iva

Sinônimos

pravavuḥ — estavam soprando; vāyavaḥ — ventos; caṇḍāḥ — impetuosos; tamaḥ — escuridão; pāṁsavam — ocasionada pela poeira; airayan — estavam espalhando; digbhyaḥ — de todas as direções; nipetuḥ — caíam; grāvāṇaḥ — pedras; kṣepaṇaiḥ — por metralhadoras; prahitāḥ — disparadas; iva — como se.

Tradução

Ventos impetuosos começaram a soprar de todas as direções, espalhando a escuridão ocasionada pela poeira e pelas tempestades de granizo. Pedras eram arremessadas em rajadas para todos os lados, como se disparadas por metralhadoras.

Texto

dyaur naṣṭa-bhagaṇābhraughaiḥ
sa-vidyut-stanayitnubhiḥ
varṣadbhiḥ pūya-keśāsṛg-
viṇ-mūtrāsthīni cāsakṛt

Sinônimos

dyauḥ — o céu; naṣṭa — tendo desaparecido; bha-gaṇa astros; abhra — de nuvens; oghaiḥ — por massas; sa — acompanhadas por; vidyut — raios; stanayitnubhiḥ — e trovões; varṣadbhiḥ — chovendo; pūya — pus; keśa — cabelo; asṛk — sangue; viṭ — excremento; mūtra — urina; asthīni — ossos; ca — e; asakṛt — repetidamente.

Tradução

Os astros no espaço exterior desapareceram devido ao fato de o céu ter ficado coberto com massas de nuvens, que eram acompanhadas por raios e trovões. Do céu, chovia pus, cabelo, sangue, excremento, urina e ossos.

Texto

girayaḥ pratyadṛśyanta
nānāyudha-muco ’nagha
dig-vāsaso yātudhānyaḥ
śūlinyo mukta-mūrdhajāḥ

Sinônimos

girayaḥ — montanhas; pratyadṛśyanta — apareceram; nānā — várias; āyudha — armas; mucaḥ — despejando; anagha — ó impecável Vidura; dik-vāsasaḥ — nuas; yātudhānyaḥ — demônias; śūlinyaḥ — armada com tridentes; mukta — esvoaçantes; mūrdhajāḥ — cabelos.

Tradução

Ó impecável Vidura, as montanhas despejaram armas de vários tipos, e demônias nuas, armadas com tridentes, apareceram com seus cabelos esvoaçantes.

Texto

bahubhir yakṣa-rakṣobhiḥ
patty-aśva-ratha-kuñjaraiḥ
ātatāyibhir utsṛṣṭā
hiṁsrā vāco ’tivaiśasāḥ

Sinônimos

bahubhiḥ — por muitos; yakṣa-rakṣobhiḥ — Yakṣas e Rākṣasas; patti — marchando a pé; aśva — em cavalos; ratha — em quadrigas; kuñjaraiḥ — ou em elefantes; ātatāyibhiḥ — rufiões; utsṛṣṭāḥ — eram proferidas; hiṁsrāḥ — cruéis; vācaḥ — palavras; ati-vaiśasāḥ — criminosos.

Tradução

Declarações cruéis e selvagens eram proferidas por hostes de rufiões Yakṣas e Rākṣasas, que marchavam a pé ou andavam sobre cavalos, elefantes e quadrigas.

Texto

prāduṣkṛtānāṁ māyānām
āsurīṇāṁ vināśayat
sudarśanāstraṁ bhagavān
prāyuṅkta dayitaṁ tri-pāt

Sinônimos

prāduṣkṛtānām — exibidas; māyānām — as forças mágicas; āsurīṇām — exibidas pelo demônio; vināśayat — desejando destruir; sudarśana-astram — a arma Sudarśana; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; prāyuṅkta — disparou; dayitam — amada; tri-pāt — o desfrutador de todos os sacrifícios.

Tradução

O Senhor, o desfrutador pessoal de todos os sacrifícios, disparou, então, Sua amada Sudarśana, que foi capaz de dispersar as forças mágicas exibidas pelo demônio.

Comentário

Mesmo yogīs e demônios famosos podem às vezes executar façanhas muito mágicas através de seu poder místico, mas, na presença do cakra Sudarśana, quando o Senhor o dispara, desfazem-se todos esses truques mágicos. A questão da desavença entre Durvāsā Muni e Mahārāja Ambarīṣa é um exemplo prático a este respeito. Durvāsā Muni quis demonstrar muitas maravilhas mágicas, mas, ao aparecer o cakra Sudarśana, o próprio Durvāsā ficou com medo e fugiu para vários planetas em busca de proteção pessoal. Aqui o Senhor é descrito como tri-pāt, que significa que Ele é o desfrutador de três tipos de sacrifícios. Na Bhagavad-gītā, o Senhor confirma que é o beneficiário e desfrutador de todos os sacrifícios, penitências e austeridades. O Senhor é o desfrutador de três tipos de yajña. Como se descreve adiante na Bhagavad-gītā, há sacrifícios de bens, sacrifícios de meditação e sacrifícios de especulação filosófica. Todo aquele que trilhar os caminhos de jñāna, yoga e karma terá que alcançar, por fim, o Senhor Supremo, porque vāsudevaḥ sarvam iti: o Senhor Supremo é o desfrutador último de tudo. Essa é a perfeição de todos os sacrifícios.

Texto

tadā diteḥ samabhavat
sahasā hṛdi vepathuḥ
smarantyā bhartur ādeśaṁ
stanāc cāsṛk prasusruve

Sinônimos

tadā — naquele instante; diteḥ — de Diti; samabhavat — ocorreu; sahasā — subitamente; hṛdi — no coração; vepathuḥ — um arrepio; smarantyāḥ — recordando-se; bhartuḥ — de seu esposo, Kaśyapa; ādeśam — as palavras; stanāt — de seu seio; ca — e; asṛk — sangue; prasusruve — fluiu.

Tradução

Naquele mesmo instante, um arrepio percorreu subitamente o coração de Diti, a mãe de Hiraṇyākṣa. Ao recordar-se das palavras de Kaśyapa, seu esposo, sangue escorreu de seus seios.

Comentário

No último momento de Hiraṇyākṣa, Diti, sua mãe, recordou-se daquilo que seu esposo lhe dissera. Embora seus filhos tivessem que nascer como demônios, eles teriam a vantagem de serem mortos pela própria Personalidade de Deus. Ela se lembrou desse incidente pela graça do Senhor, e seus seios derramaram sangue em vez de leite. Em muitos casos, observamos que, quando uma mãe se enche de afeição por seus filhos, sai leite de seus seios. No caso da mãe do demônio, o sangue não pôde transformar-se em leite, senão que saiu de seus seios como ele era. O sangue transforma-se em leite. Beber leite é auspicioso, mas beber sangue é inauspicioso, embora eles sejam a mesma coisa. Essa fórmula também é aplicável no caso do leite de vaca.

Texto

vinaṣṭāsu sva-māyāsu
bhūyaś cāvrajya keśavam
ruṣopagūhamāno ’muṁ
dadṛśe ’vasthitaṁ bahiḥ

Sinônimos

vinaṣṭāsu — quando dissipadas; sva-māyāsu — suas forças mágicas; bhūyaḥ — novamente; ca — e; āvrajya — após vir à presença; keśavam — a Suprema Personalidade de Deus; ruṣā — cheio de fúria; upagūhamānaḥ — abraçando; amum — o Senhor; dadṛśe — viu; avasthitam — permanecendo; bahiḥ — fora.

Tradução

Quando o demônio viu suas forças mágicas dissipadas, ele mais uma vez foi à presença da Personalidade de Deus, Keśava, e, cheio de fúria, tentou apertá-lO entre seus braços para esmagá-lO. No entanto, para sua grande surpresa, deu com o Senhor fora do círculo de seus braços.

Comentário

Neste verso, o Senhor é tratado por Keśava porque matou o demônio Keśī no começo da criação. Keśava também é um nome de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é a origem de todas as encarnações, e confirma-se na Brahma-saṁhitā que Govinda, a Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas, existe simultaneamente em Suas diferentes encarnações e expansões. A tentativa do demônio de mensurar a Suprema Personalidade de Deus é significativa. O demônio quis abarcá-lO com seus braços, pensando que, com seus braços limitados, poderia capturar o Absoluto através do poder material. Ele não sabia que Deus é o maior entre os grandes e o menor entre os pequenos. Ninguém pode capturar o Senhor Supremo ou colocá-lO sob seu controle. Apesar disso, as pessoas demoníacas vivem tentando medir o comprimento e a largura do Senhor Supremo. Através de Sua potência inconcebível, o Senhor pode tornar-Se a forma universal, como se explica na Bhagavad-gītā, e, ao mesmo tempo, Ele pode permanecer dentro da caixa de Seus devotos como sua Deidade adorável. Há muitos devotos que mantêm uma estátua do Senhor numa pequena caixa e carregam-na com eles para toda parte; toda manhã eles adoram o Senhor na caixa. O Senhor Supremo, Keśava, ou a Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, não é limitado por nenhuma medida de nosso cálculo. Ele pode permanecer com Seu devoto em qualquer forma apropriada, mas não é possível alcançá-lO através de atividades demoníacas.

Texto

taṁ muṣṭibhir vinighnantaṁ
vajra-sārair adhokṣajaḥ
kareṇa karṇa-mūle ’han
yathā tvāṣṭraṁ marut-patiḥ

Sinônimos

tam — Hiraṇyākṣa; muṣṭibhiḥ — com seus punhos; vinighnantam — golpeando; vajra-sāraiḥ — duros como um raio; adhokṣajaḥ — o Senhor Adhokṣaja; kareṇa — com a mão; karṇa-mūle — no pé do ouvido; ahan — golpeou; yathā — como; tvāṣṭram — o demônio Vṛtra (filho de Tvaṣṭā); marut-patiḥ — Indra (o senhor dos Maruts).

Tradução

O demônio, então, começou a golpear o Senhor com seus punhos rígidos, mas o Senhor Adhokṣaja acertou-lhe um forte tapa no pé do ouvido, assim como Indra, o senhor dos Maruts, golpeou o demônio Vṛtra.

Comentário

Aqui se explica que o Senhor é adhokṣaja, ou seja, está além do alcance de todos os cálculos materiais. Akṣaja significa “a mensuração de nossos sentidos”, e adhokṣaja significa “aquilo que está além da mensuração de nossos sentidos”.

Texto

sa āhato viśva-jitā hy avajñayā
paribhramad-gātra udasta-locanaḥ
viśīrṇa-bāhv-aṅghri-śiroruho ’patad
yathā nagendro lulito nabhasvatā

Sinônimos

saḥ — ele; āhataḥ — tendo sido golpeado; viśva-jitā — pela Suprema Personalidade de Deus; hi — embora; avajñayā — com indiferença; paribhramat — girando; gātraḥ — corpo; udasta — saltaram de; locanaḥ — olhos; viśīrṇa — quebrados; bāhu — braços; aṅghri — pernas; śiraḥ-ruhaḥ — cabelo; apatat — caiu; yathā — como; naga-indraḥ — uma árvore gigantesca; lulitaḥ — arrancada; nabhasvatā — pelo vento.

Tradução

Embora golpeado indiferentemente pelo Senhor, o conquistador de todos, o corpo do demônio começou a girar. Seus olhos saltaram de suas órbitas. Com braços e pernas quebrados e o cabelo desgrenhado, ele caiu morto, como uma gigantesca árvore arrancada pelo vento.

Comentário

Não leva um instante sequer para o Senhor matar o demônio mais poderoso, incluindo Hiraṇyākṣa. O Senhor poderia tê-lo matado muito antes, porém permitiu que o demônio demonstrasse toda a variedade de seus truques mágicos. Devemos entender que não é possível tornar-se igual à Suprema Personalidade de Deus mediante truques mágicos, mediante avanço de conhecimento científico ou mediante poder material. Um pequeno indício da parte dEle é suficiente para frustrar todos os nossos empenhos. Seu poder inconcebível, como se revela aqui, é tão forte que o demônio, apesar de todas as manobras demoníacas, foi morto pelo Senhor, quando Este o desejou, com um simples tapa.

Texto

kṣitau śayānaṁ tam akuṇṭha-varcasaṁ
karāla-daṁṣṭraṁ paridaṣṭa-dacchadam
ajādayo vīkṣya śaśaṁsur āgatā
aho imaṁ ko nu labheta saṁsthitim

Sinônimos

kṣitau — no solo; śayānam — caído; tam — Hiraṇyākṣa; akuṇṭha — não apagado; varcasam — brilho; karāla — medonhos; daṁṣṭram — dentes; paridaṣṭa — mordido; dat-chadam — lábio; aja-ādayaḥ — Brahmā e outros; vīkṣya — tendo visto; śaśaṁsuḥ — disse com admiração; āgatāḥ — chegaram; aho — oh!; imam — este; kaḥ quem; nu — na verdade; labheta — poderia encontrar; saṁsthitim — morte.

Tradução

Aja [Brahmā] e outros chegaram ao local para ver o demônio de medonhas presas caído ao chão, mordendo seus lábios. O brilho de seu rosto ainda não se apagara, e Brahmā disse com admiração: Oh! Quem poderia se encontrar com uma morte tão abençoada?

Comentário

Embora o demônio estivesse morto, o brilho de seu corpo não se apagara. Isso é muito peculiar, pois, quando um homem ou animal morre, seu corpo imediatamente torna-se pálido, seu brilho gradualmente se extingue e ocorre a decomposição. Mas aqui, embora Hiraṇyākṣa estivesse morto, o brilho de seu corpo não se apagara ainda porque o Senhor, o Espírito Supremo, estava tocando seu corpo. O brilho de nosso corpo permanece fresco somente enquanto a alma espiritual estiver presente. Embora a alma do demônio tivesse partido de seu corpo, o Espírito Supremo tocara aquele corpo, daí seu brilho não ter apagado. A alma individual é diferente da Suprema Personalidade de Deus. Quem vê a Suprema Personalidade de Deus quando abandona seu corpo é certamente muito afortunado, e, por isso, personalidades como Brahmā e os demais semideuses elogiaram a morte do demônio.

Texto

yaṁ yogino yoga-samādhinā raho
dhyāyanti liṅgād asato mumukṣayā
tasyaiṣa daitya-ṛṣabhaḥ padāhato
mukhaṁ prapaśyaṁs tanum utsasarja ha

Sinônimos

yam — em quem; yoginaḥ — os yogīs; yoga-samādhinā — em transe místico; rahaḥ — em locais solitários; dhyāyanti — meditam em; liṅgāt — do corpo; asataḥ — irreal; mumukṣayā — procurando libertar-se; tasya — dEle; eṣaḥ — este; daitya — filho de Diti; ṛṣabhaḥ — a joia preciosa; padā — por um pé; āhataḥ — golpeado; mukham — semblante; prapaśyan — enquanto contemplava; tanum — o corpo; utsasarja — ele abandonou; ha — na verdade.

Tradução

Brahmā continuou: Ele foi chutado pelo Senhor, em quem meditam os yogīs, procurando libertar-se de seus corpos materiais irreais, em locais solitários, absortos em transe místico. Enquanto contemplava-Lhe o semblante, essa joia preciosa entre os filhos de Diti abandonou seu invólucro mortal.

Comentário

O processo de yoga é muito claramente descrito neste verso do Śrīmad-Bhāgavatam, onde se diz que o fim último dos yogīs e místicos que praticam meditação é livrar-se deste corpo material. Portanto, eles meditam em locais solitários para atingir o transe ióguico. Tem-se que praticar yoga em um lugar solitário, não em público ou em demonstrações teatrais, como muitos supostos yogīs o fazem hoje em dia. O verdadeiro yoga visa a libertar-nos do corpo material. A prática do yoga não tem a finalidade de manter o corpo jovem e capaz. Essas propagandas dos pretensos yogīs não são aprovadas por nenhum método padrão. Particularmente mencionada neste verso é a palavra yam, ou “em quem”, indicando que a meditação deve ser feita visando à Personalidade de Deus. Mesmo que concentremos a mente na forma de javali do Senhor, isso também é yoga. Como se confirma na Bhagavad-gītā, aquele que sempre concentra a mente em meditação na Personalidade de Deus sob uma de Suas muitas variedades de formas é o yogī de primeira classe, podendo facilmente alcançar o transe pelo simples processo de meditar na forma do Senhor. Se alguém for capaz de continuar tal meditação na forma do Senhor no momento de sua morte será liberado deste corpo mortal e transferido ao reino de Deus. Essa oportunidade o Senhor deu ao demônio, daí Brahmā e outros semideuses estarem atônitos. Em outras palavras, a perfeição da prática do yoga também pode ser alcançada por um demônio se ele é simplesmente chutado pelo Senhor.

Texto

etau tau pārṣadāv asya
śāpād yātāv asad-gatim
punaḥ katipayaiḥ sthānaṁ
prapatsyete ha janmabhiḥ

Sinônimos

etau — esses dois; tau — ambos; pārṣadau — assistentes pessoais; asya — da Personalidade de Deus; śāpāt — por terem sido amaldiçoados; yātau — foram; asat-gatim — nascer em família demoníaca; punaḥ — novamente; katipayaiḥ — alguns; sthānam — próprio lugar; prapatsyete — voltarão; ha — na verdade; janmabhiḥ — após nascimentos.

Tradução

Tendo sido amaldiçoados, esses dois assistentes pessoais do Senhor Supremo foram destinados a nascer em famílias demoníacas. Após alguns desses nascimentos, voltarão a suas posições pessoais.

Texto

devā ūcuḥ
namo namas te ’khila-yajña-tantave
sthitau gṛhītāmala-sattva-mūrtaye
diṣṭyā hato ’yaṁ jagatām aruntudas
tvat-pāda-bhaktyā vayam īśa nirvṛtāḥ

Sinônimos

devāḥ — os semideuses; ūcuḥ — disseram; namaḥ — reverências; namaḥ — reverências; te — a Vós; akhila-yajña-tantave — o desfrutador de todos os sacrifícios; sthitau — com o propósito de manter; gṛhīta — assumistes; amala — pura; sattva — bondade; mūrtaye — forma; diṣṭyā — afortunadamente; hataḥ — morto; ayam — este; jagatām — para os mundos; aruntudaḥ — causando tormento; tvat-pāda — a Vossos pés; bhaktyā — com devoção; vayam — nós; īśa — ó Senhor; nirvṛtāḥ — temos alcançado a felicidade.

Tradução

Os semideuses disseram ao Senhor: Todas as reverências a Vós! Sois o desfrutador de todos os sacrifícios, e assumistes a forma de javali, em bondade pura, com o propósito de manter o mundo. Para nossa boa fortuna, este demônio, que era um tormento para os mundos, foi morto por Vós, e nós, portanto, ó Senhor, estamos agora à vontade, com devoção a Vossos pés de lótus.

Comentário

O mundo material abrange três modalidades – bondade, paixão e ignorância –, mas o mundo espiritual é bondade pura. Nesta passagem, é dito que a forma do Senhor é bondade pura, o que significa que ela não é material. No mundo material, não há bondade pura. No Bhāgavatam, a fase de bondade pura é chamada de sattvaṁ viśuddham. Viśuddham significa “pura”. Em bondade pura, não há contaminação das duas qualidades inferiores, a saber, paixão e ignorância. A forma do javali, portanto, sob a qual o Senhor apareceu, não é, de modo algum, do mundo material. Há muitas outras formas do Senhor, mas nenhuma delas pertence às qualidades materiais. Tais formas não são diferentes da forma de Viṣṇu, e Viṣṇu é o desfrutador de todos os sacrifícios.

Os sacrifícios recomendados nos Vedas destinam-se a agradar a Suprema Personalidade de Deus. É apenas por ignorância que as pessoas tentam satisfazer muitos outros agentes, pois o verdadeiro propósito da vida é satisfazer Viṣṇu, o Senhor Supremo. Todos os sacrifícios destinam-se a satisfazer o Senhor Supremo. As entidades vivas que sabem disso perfeitamente chamam-se semideuses, divinas ou quase Deus. Uma vez que a entidade viva é parte integrante do Senhor Supremo, é dever dela servir ao Senhor e satisfazê-lO. Todos os semideuses são apegados à Personalidade de Deus, e, para o prazer deles, foi morto o demônio, que era uma fonte de tormentos para o mundo. A vida purificada destina-se a satisfazer o Senhor, e todos os sacrifícios executados em vida purificada chamam-se consciência de Kṛṣṇa. Esta consciência de Kṛṣṇa desenvolve-se através do serviço devocional, como se menciona claramente aqui.

Texto

maitreya uvāca
evaṁ hiraṇyākṣam asahya-vikramaṁ
sa sādayitvā harir ādi-sūkaraḥ
jagāma lokaṁ svam akhaṇḍitotsavaṁ
samīḍitaḥ puṣkara-viṣṭarādibhiḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Śrī Maitreya disse; evam — assim; hiraṇyākṣam — Hiraṇyākṣa; asahya-vikramam — muito poderoso; saḥ — o Senhor; sādayitvā — após matar; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; ādisūkaraḥ – a origem da espécie dos javalis; jagāma — retornou; lokam — a Sua morada; svam — própria; akhaṇḍita — ininterrupto; utsavam — festival; samīḍitaḥ — sendo louvado; puṣkara-viṣṭara — assento de lótus (pelo senhor Brahmā, cujo assento é um lótus); ādibhiḥ — e os demais.

Tradução

Śrī Maitreya continuou: Após matar assim o formidabilíssimo demônio Hiraṇyākṣa, o Supremo Senhor Hari, a origem da espécie dos javalis, retornou à Sua própria morada, onde sempre há um festival ininterrupto. O Senhor foi louvado por todos os semideuses, encabeçados por Brahmā.

Comentário

Nesta passagem, o Senhor é chamado de a origem da espécie dos javalis. Como se afirma no Vedānta-sūtra (1.1.2), a Verdade Absoluta é a origem de tudo. Portanto, deve-se compreender que as 8.400.000 espécies de formas corpóreas se originam do Senhor, que sempre é ādi, ou o início. Na Bhagavad-gītā, Arjuna chama o Senhor de ādyam, ou o original. Da mesma forma, o Senhor é tratado na Brahma-saṁhitā por ādi puruṣam, a pessoa original. Na verdade, na Bhagavad-gītā (10.8), o próprio Senhor declara: mattaḥ sarvaṁ pravartate: “Tudo procede de Mim.”

Nesta situação, o Senhor assumiu a forma de um javali para matar o demônio Hiraṇyākṣa e tirar a Terra do oceano Garbha. Assim, Ele Se tornou ādi-sūkara, o javali original. No mundo material, um javali ou um porco são considerados muito abomináveis, mas o ādi-sūkara, a Suprema Personalidade de Deus, não foi tratado com um javali qualquer. Até mesmo o senhor Brahmā e outros semideuses louvaram a forma do Senhor como javali.

Este verso corrobora a afirmação da Bhagavad-gītā de que o Senhor aparece como Ele é, oriundo de Sua morada transcendental, com o propósito de matar os canalhas e salvar os devotos. Matando o demônio Hiraṇyākṣa, Ele cumpriu Sua promessa de matar os demônios e sempre proteger os semideuses encabeçados por Brahmā. A declaração de que o Senhor voltou à Sua própria morada indica que Ele tem Sua própria residência transcendental e particular. Como é pleno de todas as energias, Ele é onipenetrante apesar de residir em Goloka Vṛndāvana, assim como o Sol, embora situado num lugar específico dentro do universo, está presente em todo o universo através de seu brilho.

Embora o Senhor tenha onde residir, ou seja, Sua morada particular, Ele é onipenetrante. Os impersonalistas aceitam um aspecto das características do Senhor, o aspecto onipenetrante, mas não podem entender Sua situação localizada em Sua morada transcendental, onde Ele sempre Se ocupa em passatempos inteiramente transcendentais. Especialmente mencionada neste verso é a expressão akhaṇḍitotsavam. Utsava significa “prazer”. Sempre que acontece alguma festividade para expressar alegria, isso se chama utsava. Utsava, a expressão de completa felicidade, está sempre presente nos Vaikuṇṭhalokas, a morada do Senhor, que é adorado até por semideuses como Brahmā, isto para não falar de outros seres menos importante, como os seres humanos.

O Senhor desce de Sua morada a este mundo, e por isso Ele Se chama avatāra, que significa “aquele que desce”. Às vezes compreende-se avatāra como referente a uma encarnação que assume uma forma material de carne e osso, mas, na realidade, avatāra refere-se a alguém que desce de regiões superiores. A morada do Senhor está situada muito acima deste céu material, e Ele desce daquela posição superior; de tal modo, Ele é chamado de avatāra.

Texto

mayā yathānūktam avādi te hareḥ
kṛtāvatārasya sumitra ceṣṭitam
yathā hiraṇyākṣa udāra-vikramo
mahā-mṛdhe krīḍanavan nirākṛtaḥ

Sinônimos

mayā — por mim; yathā — como; anūktam — contado; avādi — foi explicado; te — a ti; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; kṛta-avatārasya — que assumiu a encarnação; sumitra — ó querido Vidura; ceṣṭitam — as atividades; yathā — como; hiraṇyākṣaḥ — Hiraṇyākṣa; udāra — muito vastos; vikramaḥ — poderes; mahā-mṛdhe — numa grande luta; krīḍana-vat — como um brinquedo; nirākṛtaḥ — foi morto.

Tradução

Maitreya continuou: Meu querido Vidura, acabo de narrar-te como a Personalidade de Deus fez Seu advento como a primeira encarnação de javali e como matou, numa grande luta, um demônio com poderes sem precedentes, como se ele não passasse de um brinquedo. Toda esta narração eu ouvi de meu mestre espiritual predecessor.

Comentário

Aqui o sábio Maitreya admite que expôs o incidente da morte de Hiraṇyākṣa pela Suprema Personalidade de Deus como uma narração literal: ele não inventou nada nem adicionou alguma interpretação, mas apenas expôs tudo o que tinha ouvido de seu mestre espiritual. Assim, ele aceitou como autêntico o sistema de paramparā, ou seja, a recepção da mensagem transcendental em sucessão discipular. A menos que seja recebida através deste processo autêntico de ouvir de um mestre espiritual, a afirmação de um ācārya, ou preceptor, não pode ser válida.

Neste verso, também se afirma que, embora o demônio Hiraṇyākṣa fosse ilimitado em poderes, ele não era nada mais que um boneco para o Senhor. Uma criança quebra muitos bonecos sem real esforço. Da mesma forma, mesmo que algum demônio seja muito poderoso e extraordinário aos olhos de um homem comum do mundo material, para o Senhor não é difícil matar semelhante demônio. Ele pode matar milhões de demônios tão facilmente como uma criança brinca com bonecos e os quebra.

Texto

sūta uvāca
iti kauṣāravākhyātām
āśrutya bhagavat-kathām
kṣattānandaṁ paraṁ lebhe
mahā-bhāgavato dvija

Sinônimos

sūtaḥ — Sūta Gosvāmī; uvāca — disse; iti — assim; kauṣārava — de Maitreya (filho de Kuṣāru); ākhyātām — contada; āśrutya — tendo ouvido; bhagavat-kathām — a narração sobre o Senhor; kṣattā — Vidura; ānandam — bem-aventurança; param — transcendental; lebhe — alcançou; mahā-bhāgavataḥ — o grande devoto; dvija — ó brāhmaṇa (Śaunaka).

Tradução

Śrī Sūta Gosvāmī continuou: Meu querido brāhmaṇa, Kṣattā [Vidura], o grande devoto do Senhor, alcançou bem-aventurança transcendental por ouvir a narração dos passatempos da Suprema Personalidade de Deus de fonte autorizada, o sábio Kauṣārava [Maitreya], e ficou muito satisfeito.

Comentário

Se alguém quer obter prazer transcendental ouvindo os passatempos do Senhor, deve ouvi-los da fonte autorizada, como se explica aqui. Maitreya ouviu a narração de seu mestre espiritual fidedigno, e Vidura, por sua vez, ouviu-a de Maitreya. Uma pessoa torna-se uma autoridade pelo simples fato de apresentar qualquer coisa que tenha ouvido de seu mestre espiritual, e quem não aceita um mestre espiritual fidedigno não pode ser uma autoridade. É isso que se explica claramente aqui. Se alguém quer sentir prazer transcendental, deve buscar uma pessoa autorizada. Declara-se também no Bhāgavatam que simplesmente por ouvir de fonte autorizada, com o ouvido e o coração, podemos saborear os passatempos do Senhor, o que, de outro modo, não é possível. Sanātana Gosvāmī, portanto, aconselha especialmente que não ouçamos nada sobre a personalidade do Senhor dos lábios de um não-devoto. Os não-devotos são considerados como serpentes; assim como o leite é envenenado pelo contato de uma serpente, da mesma forma, embora a narração dos passatempos do Senhor seja pura como o leite, ela se torna venenosa quando administrada por não-devotos viperinos. Não apenas deixa de ter efeito no plano do prazer transcendental, como também se torna perigosa. O Senhor Caitanya Mahāprabhu adverte que não se deve ouvir nenhuma descrição dos passatempos do Senhor exposta pela escola māyāvāda, ou impersonalista. Ele diz claramente, māyāvādi-bhāsya śunile haya sarva nāśa: alguém que ouve a interpretação dos māyāvādīs sobre os passatempos do Senhor, ou sua interpretação da Bhagavad-gītā, Śrīmad-Bhāgavatam ou qualquer outra literatura védica, está arruinado. Uma vez que nos associemos com impersonalistas, não poderemos jamais entender o aspecto pessoal do Senhor e Seus passatempos transcendentais.

Sūta Gosvāmī falava aos sábios encabeçados por Śaunaka, daí ter-se dirigido a eles neste verso como dvija, duas vezes nascidos. Os sábios reunidos em Naimiṣāraṇya, ouvindo o Śrīmad-Bhāgavatam de Sūta Gosvāmī, eram todos brāhmaṇas, mas adquirir as qualificações de um brāhmaṇa não é tudo. Meramente ser um duas vezes nascido não é perfeição. A perfeição se alcança quando se ouvem os passatempos e as atividades do Senhor de uma fonte genuína

Texto

anyeṣāṁ puṇya-ślokānām
uddāma-yaśasāṁ satām
upaśrutya bhaven modaḥ
śrīvatsāṅkasya kiṁ punaḥ

Sinônimos

anyeṣām — de outros; puṇya-ślokānām — de reputação piedosa; uddāma-yaśasām — cuja fama se espalha por toda parte; satām — dos devotos; upaśrutya — por ouvir; bhavet — pode despertar; modaḥ — prazer; śrīvatsa-aṅkasya — do Senhor, que traz a marca Śrīvatsa; kim punaḥ — o que dizer de.

Tradução

As pessoas podem obter prazer transcendental só por ouvirem sobre as obras e feitos dos devotos, cuja fama é imortal. O que dizer então, de ouvir os passatempos do Senhor, cujo peito é marcado com a Śrīvatsa?

Comentário

O Bhāgavatam significa literalmente os passatempos do Senhor e dos devotos do Senhor. Por exemplo, há passatempos do Senho Kṛṣṇa e narrações sobre devotos como Prahlāda, Dhruva e Mahārāja Ambarīṣa. Ambos os passatempos são pertinentes à Suprema Personalidade de Deus porque os passatempos dos devotos estão relacionados com Ele. O Mahābhārata, por exemplo, a história do Pāṇḍavas e suas atividades, é sagrado porque os Pāṇḍavas relacionam-se diretamente com a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

yo gajendraṁ jhaṣa-grastaṁ
dhyāyantaṁ caraṇāmbujam
krośantīnāṁ kareṇūnāṁ
kṛcchrato ’mocayad drutam

Sinônimos

yaḥ — aquele que; gaja-indram — o rei dos elefantes; jhaṣa um crocodilo; grastam — atacado por; dhyāyantam — meditando em; caraṇa — pés; ambujam — lótus; krośantīnām — enquanto choravam; kareṇūnām — as elefantas; kṛcchrataḥ — do perigo; amocayat — libertou; drutam — rapidamente.

Tradução

A Personalidade de Deus libertou o rei dos elefantes, quem, ao ser atacado por um crocodilo, meditou nos pés de lótus do Senhor. Naquela ocasião, as elefantas que o acompanhavam estavam chorando, e o Senhor as salvou do perigo iminente.

Comentário

O exemplo do elefante em perigo, que foi salvo pelo Senhor Supremo, é citado especialmente aqui porque, mesmo que alguém seja um animal, ele pode aproximar-se da Personalidade de Deus em serviço devocional, ao passo que até um semideus não pode se aproximar da Pessoa Suprema se não for um devoto.

Texto

taṁ sukhārādhyam ṛjubhir
ananya-śaraṇair nṛbhiḥ
kṛtajñaḥ ko na seveta
durārādhyam asādhubhiḥ

Sinônimos

tam — a Ele; sukha — facilmente; ārādhyam — adorado; ṛjubhiḥ — pelos despretensiosos; ananya — nenhum outro; śaraṇaiḥ — que se refugiam; nṛbhiḥ — por homens; kṛta-jñaḥ — alma grata; kaḥ — qual; na — não; seveta — prestaria serviço; durārādhyam — impossível de ser adorado; asādhubhiḥ — pelos não-devotos.

Tradução

Que alma grata não prestaria seu serviço amoroso a tão grande mestre como a Personalidade de Deus? O Senhor pode ser facilmente satisfeito por devotos imaculados que recorrem exclusivamente a Ele quando necessitados de proteção, embora os homens injustos achem difícil agradá-lO.

Comentário

Toda entidade viva, especialmente as pessoas na raça humana, deve sentir gratidão pelas bênçãos oferecidas pela graça do Senhor Supremo. Qualquer pessoa, portanto, com um coração simples, cheio de gratidão, deve ser consciente de Kṛṣṇa e prestar serviço devocional ao Senhor. Aqueles que são realmente ladrões e trapaceiros não reconhecem nem dão valor às bênçãos que o Senhor Supremo lhes oferece, não podendo prestar-Lhe serviço devocional. As pessoas ingratas são aquelas que não entendem quanto benefício estão obtendo pelos arranjos do Senhor. Elas usufruem a luz solar e do luar e obtêm água gratuitamente, apesar do que não se sentem agradecidas, senão que simplesmente continuam usufruindo essas dádivas do Senhor. Por isso, devem ser chamadas de ladrões e trapaceiras.

Texto

yo vai hiraṇyākṣa-vadhaṁ mahādbhutaṁ
vikrīḍitaṁ kāraṇa-sūkarātmanaḥ
śṛṇoti gāyaty anumodate ’ñjasā
vimucyate brahma-vadhād api dvijāḥ

Sinônimos

yaḥ — aquele que; vai — na verdade; hiraṇyākṣa-vadham — da morte de Hiraṇyākṣa; mahā-adbhutam — maravilhosíssima; vikrīḍitam — passatempo; kāraṇa — por razões como a de tirar a Terra do oceano; sūkara — aparecendo sob a forma de javali; ātmanaḥ — da Suprema Personalidade de Deus; śṛṇoti — ouça; gāyati — cante; anumodate — sinta prazer; añjasā — de imediato; vimucyate — livra-se; brahma-vadhāt — do pecado de matar um brāhmaṇa; api — inclusive; dvijāḥ — ó brāhmaṇas.

Tradução

Ó brāhmaṇas, qualquer pessoa que ouça, cante ou sinta prazer na maravilhosa narração da morte do demônio Hiraṇyākṣa pelo Senhor, que apareceu como o primeiro javali para salvar o mundo, alivia-se de imediato dos resultados de atividades pecaminosas, inclusive do ato de matar um brāhmaṇa

Comentário

Uma vez que a Personalidade de Deus está na posição absoluta, não há diferença entre Seus passatempos e Sua personalidade. Qualquer pessoa que ouça sobre os passatempos do Senhor associa-se com o Senhor diretamente, e quem se associa diretamente com o Senhor certamente se livra de todas as atividades pecaminosas, inclusive a de matar um brāhmaṇa, a qual é considerada a atividade mais pecaminosa no mundo material. Devemos ansiar muito por ouvir sobre as atividades do Senhor da fonte fidedigna, o devoto puro. Basta uma pessoa receber pela audição a história e aceitar as glórias do Senhor para ser qualificada. Os filósofos impersonalistas não podem entender as atividades do Senhor. Eles pensam que todas as Suas atividades são māyā, daí serem chamados de māyāvādīs. Uma vez que tudo para eles é māyā, essas narrações não lhes interessam. Alguns impersonalistas relutam em ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam, embora, atualmente, muitos deles estejam se interessando nele, simplesmente visando a benefícios monetários. Na realidade, contudo, eles não têm fé. Pelo contrário, descrevem-no à sua própria maneira. Não devemos ouvir, portanto, as explicações dos māyāvādīs. Temos que ouvir de Sūta Gosvāmī ou Maitreya, que realmente apresentam as narrações como elas são, e somente então poderemos saborear os passatempos do Senhor; caso contrário, os efeitos sobre a audiência neófita serão venenosos.

Texto

etan mahā-puṇyam alaṁ pavitraṁ
dhanyaṁ yaśasyaṁ padam āyur-āśiṣām
prāṇendriyāṇāṁ yudhi śaurya-vardhanaṁ
nārāyaṇo ’nte gatir aṅga śṛṇvatām

Sinônimos

etat — esta narrativa; mahā-puṇyam — conferindo grande mérito; alam — muito; pavitram — sagrada; dhanyam — conferindo riqueza; yaśasyam — trazendo fama; padam — o receptáculo; āyuḥ — de longevidade; āśiṣām — dos objetos de nossos desejos; prāṇa — dos órgãos vitais; indriyāṇām — dos órgãos de ação; yudhi — no campo de batalha; śaurya — a força; vardhanam — aumentando; nārāyaṇaḥ — Senhor Nārāyaṇa; ante — no fim da vida; gatiḥ — abrigo; aṅga — querido Śaunaka; śṛṇvatām — daqueles que ouvem.

Tradução

Esta sacratíssima narrativa confere extraordinário mérito, riqueza, fama, longevidade e todos os objetos de nossos desejos. No campo de batalha, ela promove a força de nossos órgãos vitais e órgãos de ação. Aquele que a ouve no último momento de sua vida é transferido para a morada suprema do Senhor, ó querido Śaunaka.

Comentário

Os devotos geralmente sentem-se atraídos pelas narrativas dos passatempos do Senhor, e, mesmo que não pratiquem austeridade ou meditação, esse próprio processo de ouvir atentamente sobre os passatempos do Senhor lhes conferirá inumeráveis benefícios, tais como riqueza, fama, longevidade e outras metas desejáveis na vida. Se alguém continuar a ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam, que é repleto de narrativas dos passatempos do Senhor, no fim desta vida certamente será transferido à morada eterna e transcendental do Senhor. Assim, os ouvintes são beneficiados tanto no final quanto durante sua permanência no mundo material. Este é o supremo e sublime resultado de ocupar-se em serviço devocional. O início do serviço devocional consiste em reservar algum tempo para ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam da fonte certa. O Senhor Caitanya Mahāprabhu também recomendou cinco itens do serviço devocional, a saber: servir aos devotos do Senhor, cantar Hare Kṛṣṇa, ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam, adorar a Deidade do Senhor e viver em lugar de peregrinação. A simples execução dessas cinco atividades pode salvar a pessoa da sofrida condição da vida material.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do terceiro canto, décimo nono capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A Morte do Demônio Hiraṇyākṣa”.