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CAPÍTULO QUATORZE

As Orações de Brahmā ao Senhor Kṛṣṇa

Este capítulo descreve as orações oferecidas por Brahmā ao Senhor Kṛṣṇa, que também é conhecido como Nanda-nandana.

Para a satisfação do Senhor, Brahmā primeiro louvou a beleza dos membros transcendentais do Senhor e, depois, declarou que Sua iden­tidade original de doçura é ainda mais difícil de compreender do que Sua opulência. Apenas através do processo devocional de ouvir e cantar sons transcendentais recebidos das autoridades védicas é que se pode realizar a Personalidade de Deus. É infrutífero tentar realizar Deus através de processos que se encontrem fora do âmbito da auto­ridade védica.

O mistério acerca da Personalidade de Deus, que é o reservatório de qualidades espirituais ilimitadas, é inconcebível; é ainda mais di­fícil de entender do que o Supremo impessoal. Logo, é apenas pela mise­ricórdia de Deus que alguém pode compreender Suas glórias. Por fim, ao dar-se conta deste fato, Brahmā condenou repetidas vezes suas próprias ações e reconheceu que o Senhor Śrī Kṛṣṇa, o refúgio último do universo, é o próprio pai de Brahmā, o Nārāyaṇa original. Desse modo, Brahmā suplicou perdão ao Senhor.

Brahmā, então, glorificou a opulência inconcebível da Personalidade de Deus e descreveu as características que tornam Brahmā e Śiva di­ferentes do Senhor Viṣṇu, a razão do aparecimento do Senhor Supre­mo em várias espécies de semideuses, animais etc., a natureza eterna dos passatempos da Personalidade de Deus e a temporariedade do mundo material. Por conhecer de fato a Personalidade Suprema, a alma espiritual individual pode libertar-se do cativeiro. Na verdade, contudo, tanto a liberação quanto o cativeiro são irreais, pois é apenas em decorrência da concepção condicionada da entidade viva que se criam seu cativeiro e sua liberação. Julgando ilusória a forma pessoal do Senhor Kṛṣṇa, os tolos rejeitam Seus pés de lótus e procuram en­contrar em outro lugar o Eu Supremo. Mas a futilidade de sua busca é a prova óbvia de sua tolice. Simplesmente não há como compreen­der a verdade a respeito da Personalidade de Deus sem Sua mise­ricórdia.

Depois de estabelecer esta conclusão, o senhor Brahmā analisou a enorme boa fortuna dos residentes de Vraja e, então, orou pessoalmen­te para nascer ali até mesmo como uma folha de grama, um arbusto ou uma trepadeira. De fato, os lares dos residentes de Vṛndāvana não são prisões da existência material, mas sim moradas invejadas até pelos jñānīs e yogīs. Por outro lado, qualquer lar destituído de cone­xão com o Senhor Kṛṣṇa não passa de uma cela do cárcere da exis­tência material. Por fim, Brahmā entregou-se sem reservas aos pés de lótus do Senhor Supremo e, louvando-O reiteradas vezes, circungi­rou-O e despediu-se.

Nesse momento, o Senhor Kṛṣṇa reuniu os animais que Brahmā roubara e levou-os ao lugar à margem do Yamunā, onde os vaqueirinhos almoçavam. Os mesmos amigos que antes estavam presen­tes, encontravam-se sentados ali mais uma vez. Devido ao poder da energia ilusória de Kṛṣṇa, eles não tinham nenhuma consciência do que acon­tecera. Assim, quando Kṛṣṇa chegou com os bezerros, os meninos disseram-Lhe: “Voltastes tão depressa! Muito bem. Enquanto esti­vestes ausente, não pudemos comer sequer um bocado, vinde, então, comer.”

Rindo por causa das palavras dos vaqueirinhos, o Senhor Kṛṣṇa começou a tomar Sua refeição na companhia deles. Enquanto comia, Kṛṣṇa mostrou a Seus amiguinhos a pele do píton, e os meninos pen­saram: “Kṛṣṇa acabou de matar esta serpente terrível.” De fato, mais tarde eles relataram aos residentes de Vṛndāvana o incidente em que Kṛṣṇa matou o demônio Agha. Desse modo, os vaqueirinhos des­creveram passatempos que o Senhor Kṛṣṇa executara em Sua idade bālya (de um a cinco anos), embora Sua idade paugaṇḍa (de seis a dez anos) já houvesse começado.

Śukadeva Gosvāmī conclui este capítulo explicando como as gopīs amavam o Senhor Kṛṣṇa mais até mesmo do que amavam seus próprios filhos.

VERSO 1:
O senhor Brahmā disse: Meu querido Senhor, sois o único Senhor adorável, a Suprema Personalidade de Deus, e por isso ofereço minhas humildes reverências e orações somente para agradar­-Vos. Ó filho do rei dos vaqueiros, Vosso corpo transcendental é azul-escuro como uma nuvem nova, Vossa roupa brilha como o raio, e a beleza de Vosso rosto é realçada por Vossos brincos guñjā e pela pena de pavão que Vos adorna a cabeça. Usando guirlandas de várias flores e folhas silvestres e carregando um cajado de pastor, um chifre de búfalo e uma flauta, pareceis tão belo assim postado com um punhado de comida na mão.
VERSO 2:
Meu querido Senhor, nem eu nem nenhuma pessoa pode ava­liar a potência deste Vosso corpo transcendental, que me mostrou tamanha misericórdia e que aparece apenas para satisfazer os desejos de Vossos devotos puros. Embora minha mente esteja completamente afastada dos assuntos materiais, não posso compreender Vossa forma pessoal. Como, então, seria possível que eu enten­desse a felicidade que experimentais em Vós mesmo?
VERSO 3:
Aqueles que, mesmo enquanto situados em suas posições sociais estabelecidas, rejeitam o processo de conhecimento especulativo e, com seu corpo, palavras e mente, oferecem todo o respeito às descrições acerca de Vossa personalidade e atividades, dedicando suas vidas a essas narrações, que são vibradas por Vós mesmo e por Vossos devotos puros, com certeza Vos conquistam, embora, de outro modo, sejais inconquistável por parte de qualquer um dentro dos três mundos.
VERSO 4:
Meu querido Senhor, o serviço devocional a Vós é o melhor caminho para a autorrealização. Se alguém abandona este cami­nho e se dedica ao cultivo de conhecimento especulativo, apenas se submeterá a um processo penoso e não alcançará o resultado desejado. Assim, tal qual uma pessoa que pila uma casca de trigo vazia não pode obter o cereal, quem simplesmente especula não pode lograr a autorrealização. Seu único ganho é transtorno.
VERSO 5:
No passado, ó Senhor onipotente, muitos yogīs neste mundo alcançaram a plataforma de serviço devocional como resultado de terem oferecido todos os seus esforços a Vós e de terem cum­prido fielmente seus deveres prescritos. Através desse serviço devocional, aperfeiçoado mediante os processos de ouvir e cantar sobre Vós, eles compreenderam-Vos, ó infalível, e pude­ram com facilidade render-se a Vós e alcançar Vossa morada su­prema.
VERSO 6:
Os não-devotos, todavia, não podem compreender-Vos em Vosso aspecto pessoal completo. Não obstante, eles talvez possam compreender Vossa expansão como o Supremo impessoal por meio do cultivo da percepção direta do Eu dentro do coração. Todavia, eles só podem chegar a esse entendimento depois de purificarem sua mente e seus sentidos de todas as concepções de distinções materiais e de todos os apegos aos objetos materiais dos sentidos. Apenas dessa forma é que Vosso aspecto impessoal se manifestará para eles.
VERSO 7:
No futuro, filósofos ou cientistas eruditos talvez consi­gam contar todos os átomos da terra, as partículas de neve ou até mesmo as brilhantes moléculas que irradiam do Sol, das estrelas e de outros corpos luminosos. Mas dentre estes homens eruditos, qual deles poderia contar as ilimitadas qualidades transcenden­tais possuídas por Vós, a Suprema Personalidade de Deus, que descestes à superfície da Terra para o benefício de todas as enti­dades vivas?
VERSO 8:
Meu querido Senhor, aquele que espera ansiosamente que Vós lhe concedais Vossa misericórdia imotivada, ao mesmo tempo em que sofre com paciência as reações de suas más ações passadas e oferece-Vos respeitosas reverências com seu coração, palavras e corpo, com certeza é um candidato à liberação, porque esta se tornou seu direito legítimo.
VERSO 9:
Meu Senhor, vede só minha incivilizada impudência! Para testar Vosso poder, tentei, com minha potência ilusória, encobrir a Vós, a Superalma ilimitada e primordial, que confundis até mesmo os mestres da ilusão. Quem sou eu comparado a Vós? Sou tal qual uma pequena centelha na presença de um grande fogo.
VERSO 10:
Portanto, ó Senhor infalível, fazei o obséquio de perdoar minhas ofensas. Nasci no modo da paixão e não passo, portanto, de um tolo, que me julgo um controlador independente de Vós. Meus olhos estão cegos pela escuridão da ignorância, que me leva a pensar que sou o não nascido criador do universo. Mas, por favor, considerai-me como Vosso servo e, portanto, como alguém digno de Vossa com­paixão.
VERSO 11:
Quem sou eu, uma pequena criatura que meço sete palmos de minha própria mão? Estou enclausurado em um universo em forma de vaso constituído de natureza material, da totalidade da ener­gia material, de falso ego, éter, ar, água e terra. E qual é Vossa glória? Ilimitados universos atravessam os poros de Vosso corpo assim como partículas atravessam as aberturas da tela de uma janela.
VERSO 12:
Ó Senhor Adhokṣaja, uma mãe fica ofendida quando a criança em seu ventre a chuta com suas pernas? E há algo na existên­cia – quer seja designado pelos vários filósofos como real ou irreal – que esteja, na verdade, fora de Vosso abdômen?
VERSO 13:
Meu querido Senhor, afirma-se que quando os três sistemas plane­tários se dissolvem na água na época da dissolução, Vossa porção plenária, Nārāyaṇa, deita-Se na água, uma flor de lótus gradual­mente cresce de Seu umbigo, e Brahmā nasce sobre essa flor de lótus. Sem dúvida, essas palavras não são falsas. Logo, eu não nasci de Vós?
VERSO 14:
Não sois o Nārāyaṇa original, ó controlador supremo, visto serdes a Alma de toda entidade corporificada e a testemunha eterna de todos os reinos criados? De fato, o Senhor Nārāyaṇa é Vossa expansão e chama-Se Nārāyaṇa por ser a fonte geradora da água primordial do universo. Ele é real, e não um produto de Vossa māyā ilusória.
VERSO 15:
Meu querido Senhor, se Vosso corpo transcendental, que abriga o universo inteiro, está de fato deitado sobre a água, então por que não pude ver-Vos quando Vos procurei? E por que motivo, embora não pudesse ver-Vos de modo correto dentro de meu coração, Vós então de repente Vos revelastes?
VERSO 16:
Meu querido Senhor, nesta encarnação provastes ser o supre­mo controlador de māyā. Embora estejais agora dentro deste universo, a criação universal inteira encontra-se dentro de Vosso corpo transcendental – fato que demonstrastes ao exibirdes todo o universo dentro de Vosso abdômen diante de Vossa mãe, Yaśodā.
VERSO 17:
Assim como este universo inteiro, e inclusive Vós mesmo, foi exibido dentro de Vosso abdômen, ele agora se manifesta aqui externamente da mesma forma. Como poderiam acontecer tais coisas se não fossem elas arranjos de Vossa energia inconcebível?
VERSO 18:
Não me mostrastes hoje que tanto Vós mesmo quanto tudo dentro desta criação são manifestações de Vossa potência incon­cebível? Primeiro aparecestes sozinho, e então manifestastes-Vos como todos os bezerros e vaqueirinhos de Vṛndāvana, Teus ami­gos. Em seguida, aparecestes como um igual número de formas de Viṣṇu de quatro braços, que eram adoradas por todos os seres vivos, inclusive por mim, e depois aparecestes como um igual número de universos completos. Por fim, retornastes agora a Vossa forma ilimitada como a Suprema Verdade Absoluta, única e inigualável.
VERSO 19:
A pessoas que desconhecem Vossa verdadeira posição trans­cendental, apareceis como parte do mundo material, manifestan­do-Vos através da expansão de Vossa energia inconcebível. Desse modo, para criar o universo, apareceis como eu [Brahmā]; para mantê-lo, apareceis como Vós mesmo [Viṣṇu], e, para aniquilá-lo, apareceis como o senhor Trinetra [Śiva].
VERSO 20:
Ó Senhor, ó supremo criador e amo, não tendes nascimento material, mas, para derrotar o falso orgulho dos demônios incrédulos e conceder misericórdia a Vossos devotos santos, nas­ceis entre os semideuses, sábios, seres humanos, animais e até seres aquáticos.
VERSO 21:
Ó pessoa suprema! Ó Suprema Personalidade de Deus! Ó Su­peralma, senhor de todo o poder místico! Vossos passatempos sucedem-se continuamente nestes três mundos, mas quem pode avaliar onde, como e quando empregais Vossa energia espiritual e executais estes inumeráveis passatempos? Ninguém pode compreender o mistério sobre a atuação de Vossa energia espiritual.
VERSO 22:
Portanto, este universo inteiro, não obstante pareça real, é, como um sonho, irreal por natureza; dessa maneira, ele encobre a consciência e acomete o ser vivo com repetidos sofrimentos. Este universo parece real porque se manifesta da potência ilusória que emana de Vós, cujas ilimitadas formas transcendentais são plenas de felicidade e conhecimento eternos.
VERSO 23:
Sois a única Alma Suprema, a primordial Personalidade Supre­ma, a Verdade Absoluta – automanifesta, sem fim e sem início. Sois eterno e infalível, perfeito e completo, sem nenhum rival e livre de todas as designações materiais. Vossa felicidade jamais pode ser obstruída, tampouco tendes alguma conexão com a contami­nação material. Na realidade, sois o indestrutível néctar da imor­talidade.
VERSO 24:
Aqueles que receberam do mestre espiritual, que é semelhante ao Sol, a visão clara do conhecimento podem ver-Vos deste modo, como a própria Alma de todas as almas, a Superalma do eu de todos. Compreendendo assim Vossa personalidade original, eles podem atravessar o oceano da existência material ilusória.
VERSO 25:
Quem confunde uma corda com uma cobra fica temeroso, mas depois, ao perceber que a pretensa cobra não existe, ele perde o temor. Analogamente, para aqueles que deixam de reconhecer­-Vos como a Alma Suprema de todas as almas, surge a vasta exis­tência material ilusória, mas o conhecimento a respeito de Vós de imediato provoca sua cessação.
VERSO 26:
A concepção do cativeiro material e a concepção da libera­ção são ambas manifestações de ignorância. Por se acharem fora do âmbito do verdadeiro conhecimento, elas deixam de existir quando se compreende corretamente que a alma espiritual pura é distinta da matéria e sempre plena de consciência. Nesse mo­mento, cativeiro e liberação já não têm sentido, assim como dia e noite nada significam da perspectiva de quem se encontra no Sol.
VERSO 27:
Vede só a tolice desses ignorantes que Vos consideram uma manifestação separada de ilusão e que consideram o eu, o qual na verdade sois Vós, como alguma outra coisa, ou seja, o corpo material. Semelhantes tolos concluem que a alma suprema deve ser procurada em algum lugar à parte de Vossa personalidade suprema.
VERSO 28:
Ó Senhor ilimitado, os devotos santos buscam-Vos dentro de seus próprios corpos, rejeitando tudo o que se encontra à parte de Vós. De fato, como pessoas de discriminação poderão apreciar a natureza real de uma corda que está diante delas, enquanto não refutarem a ilusão de que ela é uma cobra?
VERSO 29:
Meu Senhor, se alguém é favorecido mesmo que por um leve indício da misericórdia de Teus pés de lótus, pode compreender a grandeza de Vossa personalidade. Mas aqueles que especulam a fim de compreender a Suprema Personalidade de Deus são in­capazes de conhecer-Vos, muito embora continuem a estudar os Vedas por muitos anos.
VERSO 30:
Meu querido Senhor, suplico-Vos, portanto, a fortuna de que, nesta vida, como o senhor Brahmā, ou em outra vida, onde quer que eu nasça, eu seja aceito como um entre os Vossos devotos. Oro para que, onde quer que eu esteja, mesmo entre as espécies ani­mais, eu possa ocupar-me no serviço devocional a Vossos pés de lótus.
VERSO 31:
Ó Senhor onipotente, quão grandemente afortunadas são as vacas e as damas de Vṛndāvana, cujo leite nectáreo bebestes com felicidade para Vossa completa satisfação ao assumirdes a forma dos bezerros e filhos delas. Todos os sacrifícios védicos executa­dos desde tempos imemoriais até os dias de hoje não Te deram igual satisfação.
VERSO 32:
Quão grandemente afortunados são Nanda Mahārāja, os vaqueiros e todos os outros habitantes de Vrajabhūmi! A boa fortuna deles é ilimitada, pois a Verdade Absoluta, a fonte da bem-aventurança transcendental, o eterno Brahman Supremo, tornou-Se amigo deles.
VERSO 33:
Ainda assim, embora a extensão da boa fortuna desses resi­dentes de Vṛndāvana seja inconcebível, nós, as onze deidades, encabeçadas pelo senhor Śiva, que regemos os vários sentidos, também somos muito afortunados, porque os sentidos desses de­votos de Vṛndāvana são as taças através das quais bebemos repetidas vezes a bebida nectárea e inebriante do mel de Vossos pés de lótus.
VERSO 34:
Para mim, a maior boa fortuna possível seria nascer em qual­quer espécie de vida nesta floresta de Gokula e ter minha cabe­ça banhada pela poeira que cai dos pés de lótus de qualquer um de seus residentes. Toda a vida e alma deles é a Suprema Persona­lidade de Deus, Mukunda, a poeira de cujos pés de lótus ainda está sendo procurada nos mantras védicos.
VERSO 35:
Minha mente fica perplexa simplesmente por tentar imaginar que outra recompensa além de Vós poderia ser encontrada em algum lugar. Sois a personificação de todas as bênçãos, as quais conce­deis a esses residentes da comunidade pastoril de Vṛndāvana. Já fizestes o arranjo de Vos entregardes a Pūtanā e aos membros de sua famí­lia em troca de ela ter-se disfarçado de devota. Então, o que ainda resta para dardes a esses devotos de Vṛndāvana, cujos lares, ri­queza, amigos, parentes queridos, corpos, filhos, corações e as próprias vidas estão todos dedicados apenas a Vós?
VERSO 36:
Meu querido Senhor Kṛṣṇa, até que as pessoas se tornem Vossos devotos, seus apegos e desejos materiais permanecem ladrões, seus lares continuam prisões, e seus sentimentos afetuosos pelos membros familiares permanecem calcetas.
VERSO 37:
Meu querido Senhor, embora não tenhais qualquer conexão com a exis­tência material, vindes a esta Terra e imitais a vida material apenas para expandir as variedades de prazer extático ao alcance de Vossos devotos rendidos.
VERSO 38:
Existem pessoas que dizem: “Conheço tudo sobre Kṛṣṇa.” Que pensem dessa maneira. Quanto a mim, não desejo falar muito sobre este assunto. Ó meu Senhor, deixai-me dizer apenas isto: “No que diz respeito a Vossas opulências, elas estão além do al­cance de minha mente, corpo e palavras.”
VERSO 39:
Meu querido Kṛṣṇa, agora humildemente peço permissão para partir. De fato, sois o conhecedor e vidente de tudo. E embora sejais o Senhor de todos os universos, ofereço este universo a Vós.
VERSO 40:
Meu querido Śrī Kṛṣṇa, concedeis felicidade à dinastia Vṛṣṇi, que é como um lótus, e expandis os grandes oceanos constituídos da terra, dos semideuses, dos brāhmaṇas e das vacas. Dissipais as densas trevas da irreligião e opondes-Vos aos demônios que apareceram nesta Terra. Ó Suprema Personalidade de Deus, en­quanto existir este universo e enquanto brilhar o Sol, oferecerei minhas reverências a Vós.
VERSO 41:
Śukadeva Gosvāmī disse: Após oferecer suas orações, Brahmā circungirou três vezes seu Senhor adorável, a ilimitada Personali­dade de Deus, após o que se prostrou a Seus pés de lótus. O nomeado criador do universo, em seguida, regressou à sua própria resi­dência.
VERSO 42:
Após permitir que Seu filho Brahmā partisse, a Suprema Personalidade de Deus pegou os bezerros, que ainda se encontravam no mesmo lugar que tinham estado há um ano, e levou-os à margem do rio, onde Ele estivera almoçando e onde Seus amigos vaqueirinhos permaneciam tal como antes.
VERSO 43:
Ó rei, embora tivessem passado um ano inteiro longe do Senhor de suas próprias vidas, os meninos haviam sido cobertos pela potência ilusória do Senhor Kṛṣṇa e, em razão disso, consideravam que aquele ano se passara como apenas a metade de um momento.
VERSO 44:
De fato, o que não é esquecido por aqueles cujas mentes são confundidas pela potência ilusória do Senhor? Devido a tal poder de Māyā, o universo inteiro permanece em perpétua desorientação e, nessa atmosfera de esquecimento, ninguém pode entender sua própria identidade.
VERSO 45:
Os amigos vaqueirinhos disseram ao Senhor Kṛṣṇa: Voltaste tão depressa! Não comemos nem um bocado em Tua ausência. Por favor, vem até aqui e toma Tua refeição sem distrações.
VERSO 46:
Então, o Senhor Hṛṣīkeśa, sorridente, terminou Seu almoço na companhia de Seus amigos vaqueirinhos. Enquanto voltavam da floresta para suas casas em Vraja, o Senhor Kṛṣṇa mostrou aos vaqueirinhos a pele de Aghāsura, a serpente que fora morta.
VERSO 47:
O corpo transcendental do Senhor Kṛṣṇa estava ornado com penas de pavão e flores e pintado com minerais da floresta, e Sua flauta de bambu ressoava bem alto e festiva. Enquanto Ele cha­mava Seus bezerros pelo nome, Seus amigos vaqueirinhos purifi­cavam o mundo inteiro cantando Suas glórias. Dessa maneira, o Senhor Kṛṣṇa entrou nos campos de pastagem de Seu pai, Nanda Mahārāja, e a visão de Sua beleza logo produziu um grande fes­tival para os olhos de todas as vaqueiras.
VERSO 48:
Enquanto entravam na vila de Vraja, os vaqueirinhos can­tavam: “Hoje Kṛṣṇa nos salvou matando uma grande serpente!” Alguns dos meninos descreviam Kṛṣṇa como filho de Yaśodā; e outros, como filho de Nanda Mahārāja.
VERSO 49:
O rei Parīkṣit disse: Ó brāhmaṇa, como é que as esposas dos vaqueiros desenvolveram por Kṛṣṇa, filho de outrem, um amor puro tão sem precedentes – amor que elas nunca sentiram nem mesmo pelos próprios filhos? Por favor, explica-nos isto.
VERSO 50:
Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, para todo ser criado, o que há de mais querido, sem dúvida, é o próprio eu. A afeição por tudo mais – filhos, riquezas e assim por diante – deve-se apenas à afeição pelo eu.
VERSO 51:
Por esta razão, ó melhor dos reis, a alma corporificada é autocentrada: ela é mais apegada ao seu corpo e ao próprio eu do que a seus ditos bens, como filhos, riqueza e lar.
VERSO 52:
De fato, para pessoas que pensam que o corpo é o eu, ó melhor dos reis, aqueles objetos cuja importância se encontra apenas em sua relação com o corpo nunca são tão queridos quanto o próprio corpo.
VERSO 53:
Se alguém chegar ao ponto de considerar o corpo como “meu” em vez de “eu”, decerto não considerará o corpo tão querido quanto o próprio eu. Afinal, mesmo quando o corpo fica velho e inútil, o desejo de continuar vivendo permanece forte.
VERSO 54:
Portanto, é o próprio eu que é mais querido a todo ser vivo corporificado, e é apenas para a satisfação desse eu que existe toda a criação material de entidades móveis e inertes.
VERSO 55:
É importante que saibas que Kṛṣṇa é a Alma original de todas as entida­des vivas. Para o benefício do universo inteiro, Ele, por Sua misericórdia imotivada, aparece como um ser humano comum. Ele faz isso graças à Sua própria potência interna.
VERSO 56:
Aqueles neste mundo que compreendem o Senhor Kṛṣṇa como Ele é veem todas as coisas, quer estacionárias, quer móveis, como formas manifestas da Suprema Personalidade de Deus. Seme­lhantes pessoas iluminadas não conhecem nenhuma realidade à parte do Supremo Senhor Kṛṣṇa.
VERSO 57:
A forma original imanifesta da natureza material é a fonte de todas as coisas materiais, mas a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, é a fonte até mesmo dessa natureza material sutil. Então, o que se poderia classificar como sendo à parte dEle?
VERSO 58:
Para alguém que aceitou o barco dos pés de lótus do Senhor, que é o abrigo da manifestação cósmica e é famoso como Murāri, o inimigo do demônio Mura, o oceano do mundo material é como a água contida na pegada de um bezerro. Paraṁ padam, ou o lugar onde não há misérias materiais, ou Vaikuṇṭha, é sua meta, e não o lugar onde se corre perigo a cada passo da vida
VERSO 59:
Porque me perguntaste, descrevi para ti todas aquelas ativida­des que o Senhor Hari realizou quando tinha cinco anos, mas que não foram celebradas até Seu sexto aniversário.
VERSO 60:
Qualquer um que ouvir ou cantar estes passatempos que o Senhor Murāri executou com Seus amigos vaqueirinhos – a morte de Aghāsura, o almoço na relva da floresta, a manifesta­ção das formas transcendentais do Senhor e as maravilhosas preces oferecidas pelo senhor Brahmā – com certeza logrará todos os seus desejos espirituais.
VERSO 61:
Dessa maneira, os meninos passaram sua infância na terra de Vṛndāvana a brincar de esconde-esconde, de construir pontes de brinquedo, de pular como macacos e de muitos outros jogos.