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Capítulo Treze

O Rei Indra É Assolado pela Reação Pecaminosa

Este capítulo descreve o medo que tomou conta de Indra devido ao fato de ele ter matado um brāhmaṇa (Vṛtrāsura), e também des­creve sua fuga e como foi salvo pela graça do Senhor Viṣṇu.

Quando todos os semideuses lhe pediram que matasse Vṛtrāsura, Indra se recusou porque Vṛtrāsura era um brāhmaṇa. Todavia, os semideuses encorajaram Indra a não ficar receoso de matá-lo porque Indra estava protegido pelo Nārāyaṇa-kavaca, ou a própria Supre­ma Personalidade de Deus, o Senhor Nārāyaṇa. Basta ter contato com um vislumbre do canto do nome de Nārāyaṇa para que a pessoa se livre de todas as reações pecaminosas a que se arrisca quem mata uma mulher, uma vaca ou um brāhmaṇa. Os semideuses aconselharam Indra a executar um sacrifício aśvamedha, e Nārāyaṇa ficaria satisfeito com isso, pois quem realiza tal sacrifício não se implica em reações pecaminosas mesmo que mate todo o universo.

Seguindo essa instrução dos semideuses, o rei Indra lutou com Vṛtrāsura, e, quando este foi morto, todos ficaram satisfeitos. O rei Indra, entretanto, como conhecia a posição de Vṛtrāsura, não ficou nada satisfeito. Essa é a natureza de uma grande personalida­de. Mesmo que adquira alguma opulência, uma grande personali­dade sempre se sentirá envergonhada e arrependida caso a tenha obtido ilegalmente. Indra pôde entender que, por ter matado um brāhmaṇa, decerto estava enredado em reações pecaminosas. Na verdade, ele percebeu que a reação pecaminosa personificada seguia em seu encalço. Tomado de pânico, ele corria de um lugar a outro, pensando em como se livrar dos seus pecados. Ele se dirigiu ao Mānasa-sarovara, onde, sob a proteção da deusa da fortuna, meditou por mil anos. Durante esse período, Nahuṣa, como representante de Indra, reinou sobre os planetas celestiais. Infelizmente, entretanto, ele se deixou atrair pela beleza de Śacīdevī, a esposa de Indra, e, devido ao seu desejo pecaminoso, teve que nascer como uma serpente em sua vida seguinte. Mais tarde, com a ajuda de brāhmaṇas e santos exímios, Indra executou um grande sacrifício, livrando-se, assim, das reações consequentes ao seu ato de matar um brāhmaṇa.

Texto

śrī-śuka uvāca
vṛtre hate trayo lokā
vinā śakreṇa bhūrida
sapālā hy abhavan sadyo
vijvarā nirvṛtendriyāḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; vṛtre hate — quando Vṛtrāsura foi morto; trayaḥ lokāḥ — os três sistemas planetários (superior, intermediário e inferior); vinā — exceto; śakreṇa — Indra, que também é chamado de Śakra; bhūri-da — ó Mahārāja Parīkṣit, doador de grande caridade; sa-pālāḥ — com os governantes dos vários planetas; hi — na verdade; abhavan — ficaram; sadyaḥ — imediatamente; vijvarāḥ — sem medo da morte; nirvṛta — muito satisfeitos; indriyāḥ — cujos sentidos.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei Parīkṣit, cuja tendência a fazer caridade é tão marcante, quando Vṛtrāsura foi morto, todas as dei­dades governantes e todas as demais pessoas dos três sistemas pla­netários ficaram imediatamente satisfeitas e se sentiram livres de problemas – na verdade, todos se sentiram assim, exceto Indra.

Texto

devarṣi-pitṛ-bhūtāni
daityā devānugāḥ svayam
pratijagmuḥ sva-dhiṣṇyāni
brahmeśendrādayas tataḥ

Sinônimos

deva — semideuses; ṛṣi — grandes pessoas santas; pitṛ — os habitan­tes de Pitṛloka; bhūtāni — e as outras entidades vivas; daityāḥ — de­mônios; deva-anugāḥ — os habitantes de outros planetas que seguem os princípios dos semideuses; svayam — por sua própria conta (sem pedir permissão a Indra); pratijagmuḥ — retornaram; sva-dhiṣṇyāni — aos seus respectivos planetas e lares; brahma — senhor Brahmā; īśa — senhor Śiva; indra-ādayaḥ — e os semideuses encabeçados por Indra; tataḥ — em seguida.

Tradução

Em seguida, os semideuses, as grandes pessoas santas, os habitan­tes de Pitṛloka e Bhūtaloka, os demônios, os seguidores dos semi­deuses, e também o senhor Brahmā, o senhor Śiva e os semideuses subordinados a Indra regressaram todos a seus respectivos lares. Enquanto partiam, entretanto, ninguém falou com Indra.

Comentário

SIGNIFICADO—Com relação a isso, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta:

brahmeśendrādaya iti; indrasya sva-dhiṣṇya-gamanaṁ nopapadyate vṛtra-vadha-kṣaṇa eva brahma-hatyopadrava-prāpteḥ; tasmāt tata ity anena mānasa-sarovarād āgatya pravartitād aśvamedhāt parata iti vyākhyeyam.

O senhor Brahmā, o senhor Śiva e os outros semideuses regressaram a suas respectivas moradas, mas Indra não, pois ele estava pertur­bado com a sua atitude de ter matado Vṛtrāsura, que, de fato, era um brāhmaṇa. Após matar Vṛtrāsura, Indra foi ao lago Mānasa­-sarovara para se livrar das reações pecaminosas. Ao deixar o lago, ele executou um aśvamedha-yajña e, depois, regressou à sua própria morada.

Texto

śrī-rājovāca
indrasyānirvṛter hetuṁ
śrotum icchāmi bho mune
yenāsan sukhino devā
harer duḥkhaṁ kuto ’bhavat

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei Parīkṣit perguntou; indrasya — do rei Indra; anirvṛteḥ — da tristeza; hetum — a razão; śrotum — ouvir; icchāmi — desejo; bhoḥ — ó meu senhor; mune — ó grande sábio, Śukadeva Gosvāmī; yena — pela qual; āsan — estavam; sukhinaḥ — muito felizes; devāḥ — todos os semideuses; hareḥ — de Indra; duḥkham — tristeza; kutaḥ — de onde; abhavat — era.

Tradução

Mahārāja Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Ó grande sábio, qual era a razão da infelicidade de Indra? Desejo ouvir a res­peito disso. Quando ele matou Vṛtrāsura, todos os semideuses fica­ram extremamente agradados. Por que, então, o próprio Indra se sentia infeliz?

Comentário

SIGNIFICADO—Esta, é claro, é uma pergunta muito inteligente. Quando um demônio é morto, decerto todos os semideuses ficam felizes. Con­tudo, neste caso, quando todos os semideuses ficaram felizes devido ao fato de Vṛtrāsura ter sido morto, Indra estava infeliz. Por quê? Pode-se sugerir que Indra estava infeliz porque sabia que matara um grande devoto brāhmaṇa. Externamente, Vṛtrāsura parecia um demônio, mas, internamente, era um grande devoto e, portanto, um grande brāhmaṇa.

Nesta passagem, indica-se claramente que alguém que absolutamente não é demoníaco, tal como Prahlāda Mahārāja e Bali Mahā­rāja, pode ser um demônio externamente ou nascer em família de demônios. Portanto, em termos de verdadeira cultura, ninguém deve ser considerado semideus ou demônio simplesmente de acordo com o nascimento. Em seu comportamento, enquanto lutava com Indra, Vṛtrāsura provou ser um grande devoto da Suprema Personalidade de Deus. Mais ainda, logo que terminou de lutar com Indra e, aparentemente, foi morto, Vṛtrāsura entrou em Vaikuṇṭhaloka para se tornar um associado de Saṅkarṣaṇa. Indra sabia disso e, portanto, estava triste porque matara esse demônio, que, de fato, era um vaiṣṇava ou brāhmaṇa.

O vaiṣṇava já é um brāhmaṇa, embora o brāhmaṇa não seja necessariamente um vaiṣṇava. O Padma Purāṇa diz:

ṣaṭ-karma-nipuṇo vipro
mantra-tantra-viśāradaḥ
avaiṣṇavo gurur na syād
vaiṣṇavaḥ śva-paco guruḥ

Alguém pode ser um brāhmaṇa em termos de sua cultura e família e pode ser entendido em conhecimento védico (mantra-tantra-viśāradaḥ), mas, se ele não for um vaiṣṇava, não poderá ser um guru. Isso quer dizer que um brāhmaṇa hábil não é necessariamente um vaiṣṇava, mas um vaiṣṇava já é um brāhmaṇa. Um milionário pode possuir muito facilmente centenas e milhares de dólares, mas uma pessoa com cente­nas e milhares de dólares não é necessariamente um milionário. Vṛtrāsura era um vaiṣṇava perfeito e, portanto, também era um brāhmaṇa.

Texto

śrī-śuka uvāca
vṛtra-vikrama-saṁvignāḥ
sarve devāḥ saharṣibhiḥ
tad-vadhāyārthayann indraṁ
naicchad bhīto bṛhad-vadhāt

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; vṛtra — de Vṛtrāsura; vikrama — devido às atividades poderosas; saṁvignāḥ — estan­do cheios de ansiedade; sarve — todos; devāḥ — os semideuses; saha ṛṣibhiḥ — com os grandes sábios; tat-vadhāya — para que fosse morto; ārthayan — pediram; indram — Indra; na aicchat — recusou; bhītaḥ — tendo medo; bṛhat-vadhāt — de matar um brāhmaṇa.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī respondeu: Ao se sentirem perturbados com o poder extraordinário de Vṛtrāsura, todos os grandes sábios e semideuses haviam-se reunido para pedir a Indra que o matasse. Indra, entretanto, temendo matar um brāhmaṇa, recusou-se a atender o pedido deles.

Texto

indra uvāca
strī-bhū-druma-jalair eno
viśvarūpa-vadhodbhavam
vibhaktam anugṛhṇadbhir
vṛtra-hatyāṁ kva mārjmy aham

Sinônimos

indraḥ uvāca — o rei Indra respondeu; strī — pelas mulheres; bhū — pela terra; druma — pelas árvores; jalaiḥ — e pela água; enaḥ — este (pecado); viśvarūpa — de Viśvarūpa; vadha — do extermínio; udbhavam — decorrente; vibhaktam — dividido; anugṛhṇadbhiḥ — mostrando o seu favor (para mim); vṛtra-hatyām — o extermínio de Vṛtra; kva — como; mārjmi — eu me livrarei; aham — eu.

Tradução

O rei Indra respondeu: Quando matei Viśvarūpa, recebi avultadas reações pecaminosas, mas fui favorecido pelas mulheres, pela terra, pelas árvores e pela água, com quem pude dividir o pecado. Mas agora, se eu matar Vṛtrāsura, outro brāhmaṇa, como conseguirei livrar-me das reações pecaminosas?

Texto

śrī-śuka uvāca
ṛṣayas tad upākarṇya
mahendram idam abruvan
yājayiṣyāma bhadraṁ te
hayamedhena mā sma bhaiḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; ṛṣayaḥ — os grandes sábios; tat — isso; upākarṇya — ouvindo; mahā-indram — ao rei Indra; idam — isto; abruvan — falaram; yājayiṣyāmaḥ — executaremos um grande sacrifício; bhadram — boa fortuna; te — para ti; hayamedhe­na — pelo sacrifício de cavalo; sma bhaiḥ — não temas.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ouvindo isso, os grandes sábios res­ponderam ao rei Indra: “Ó rei dos céus, desejamos-te toda a boa fortuna. Não temas. Executaremos um sacrifício aśvamedha de modo a te livrarmos de todo pecado em que possas incorrer devido ao fato de matares um brāhmaṇa.

Texto

hayamedhena puruṣaṁ
paramātmānam īśvaram
iṣṭvā nārāyaṇaṁ devaṁ
mokṣyase ’pi jagad-vadhāt

Sinônimos

hayamedhena — mediante o sacrifício conhecido como aśvamedha; puruṣam — a Pessoa Suprema; paramātmānam — a Superalma; īśvaram — o controlador supremo; iṣṭvā — adorando; nārāyaṇam — Senhor Nārāyaṇa; devam — o Senhor Supremo; mokṣyase — serás liberado; api — mesmo; jagat-vadhāt — do pecado de matar o mundo inteiro.

Tradução

Os ṛṣis prosseguiram: Ó rei Indra, se quem executa um sacrifício aśvamedha e, portanto, satisfaz a Suprema Personalidade de Deus, que é a Superalma, o Senhor Nārāyaṇa, o controlador Supremo, pode livrar-se até mesmo das reações pecaminosas decorrentes de matar o mundo inteiro, o que falar, então, de se livrar das reações decorrentes do fato de matar um demônio como Vṛtrāsura?

Texto

brahma-hā pitṛ-hā go-ghno
mātṛ-hācārya-hāghavān
śvādaḥ pulkasako vāpi
śuddhyeran yasya kīrtanāt
tam aśvamedhena mahā-makhena
śraddhānvito ’smābhir anuṣṭhitena
hatvāpi sabrahma-carācaraṁ tvaṁ
na lipyase kiṁ khala-nigraheṇa

Sinônimos

brahma- — aquele que matou um brāhmaṇa; pitṛ- — aquele que matou seu pai; go-ghnaḥ — aquele que matou uma vaca; mātṛ- — aquele que matou sua mãe; ācārya- — aquele que matou seu mestre espiritual; agha-vān — tal pessoa pecaminosa; śva-adaḥ — um come­dor de cachorro; pulkasakaḥ — um caṇḍāla, aquele que é inferior a um śūdra; — ou; api — mesmo; śuddhyeran — pode purificar-se; yasya — de quem (Senhor Nārāyaṇa); kīrtanāt — de cantar o santo nome; tam — a Ele; aśvamedhena — pelo sacrifício aśvamedha; mahā-­makhena — o mais elevado de todos sacrifícios; śraddhā-anvitaḥ — com fé; asmābhiḥ — por nós; anuṣṭhitena — conduzido ou administrado; hatvā — matando; api — mesmo; sa-brahma-cara-acaram — todas as entidades vivas, incluindo os brāhmaṇas; tvam — tu; na — não; lipyase — te contaminas; kim — que, então; khala-nigraheṇa — matando um de­mônio perturbador.

Tradução

Aquele que matou um brāhmaṇa, aquele que matou uma vaca ou aquele que matou seu pai, mãe ou mestre espiritual pode livrar-se imediatamente de todas as reações pecaminosas pelo simples fato de cantar o santo nome do Senhor Nārāyaṇa. Outras pessoas peca­minosas, tais como os comedores de cachorro e os caṇḍālas, que são inferiores aos śūdras, também podem livrar-se através deste mé­todo. Mas és um devoto, e te ajudaremos executando o grande sacrifício de cavalos. Se satisfizeres o Senhor Nārāyaṇa dessa maneira, por que deverias temer algo? Gozarás de liberdade mesmo que mates o universo inteiro, incluindo os brāhmaṇas. O que dizer, então, de tua impunidade ao matar um demônio perturbador como Vṛtrāsura?

Comentário

SIGNIFICADO—Declara-se no Bṛhad-viṣṇu Purāṇa:

nāmno hi yāvatī śaktiḥ
pāpa-nirharaṇe hareḥ
tāvat kartuṁ na śaknoti
pātakaṁ pātakī naraḥ

Também se afirma no Prema-vivarta, de Jagadānanda Paṇḍita:

eka kṛṣṇa-nāme pāpīra yata pāpa-kṣaya
bahu janme sei pāpī karite nāraya

Isso quer dizer que, cantando uma só vez o santo nome do Senhor, as reações de que a pessoa pode se livrar são tantas que superam o número de reações aos pecados que ela jamais possa imaginar cometer. O santo nome é tão potente espiritualmente que basta que alguém cante o santo nome para que ele possa livrar-se das reações de todas as atividades pecaminosas. O que dizer, então, daqueles que cantam o santo nome regularmente ou adoram a Deidade regularmente? Para esses devotos purificados, ficar livre da reação peca­minosa é algo mais do que garantido. Contudo, isso não significa que alguém deve intencionalmente cometer atos pecaminosos e se julgar livre das reações porque está cantando o santo nome. Tal mentali­dade é uma das mais abomináveis ofensas aos pés de lótus do santo nome. Nāmno balād yasya hi pāpa-buddhiḥ: decerto que o santo nome do Senhor tem a potência de neutralizar todas as atividades pecaminosas, mas, se alguém repetida e intencionalmente comete pecados enquanto canta o santo nome, torna-se muito condenável.

Esses versos mencionam os autores de vários atos pecaminosos. Na Manu-saṁhitā, constam os seguintes nomes. O filho gerado por um brāhmaṇa e nascido do ventre de uma mãe śūdra se chama pāraśava ou niṣāda, um caçador habituado a roubar. O filho gerado por um niṣāda no ventre de uma mulher śūdra chama-se pukkasa. Uma criança gerada por um kṣatriya no ventre da filha de um śūdra chama-se ugra. Uma criança gerada por um śūdra no ventre da filha de um kṣatriya se chama kṣattā. Uma criança gerada por um kṣatriya no ventre de uma mulher de classe inferior chama-se śvāda, ou comedor de cachorro. Toda essa progênie é considerada extrema­mente pecaminosa, mas o santo nome da Suprema Personalidade de Deus é tão forte que todos eles podem purificar-se pelo simples fato de cantar o mantra Hare Kṛṣṇa.

A todos, sem levar em conta nascimento ou família, o movimen­to Hare Kṛṣṇa oferece a oportunidade de se purificarem. Como se confirma no Śrīmad-Bhāgavatam (2.4.18):

kirāta-hūṇāndhra-pulinda-pulkaśā
ābhīra-śumbhā yavanāḥ khasādayaḥ
ye ’nye ca pāpā yad-apāśrayāśrayāḥ
śudhyanti tasmai prabhaviṣṇave namaḥ

“Os Kirātas, os Hūṇas, os Āndhras, os Pulindas, os Pulkaśas, os Ābhīras, os Śumbhas, os Yavanas, os membros das raças Khasa, e até mesmo outras pessoas entregues a atos pecaminosos podem purificar-se refugiando-se nos devotos do Senhor, pois Ele é o poder supremo. Que se me permita oferecer-Lhe minhas respeitosas reverências.” Mesmo todas essas pessoas pecaminosas certamente podem ser purificadas se aceitarem a orientação de um devoto puro e can­tarem o santo nome do Senhor.

Nesta passagem, os sábios encorajam o rei Indra a matar Vṛtrāsura, mesmo com o risco de ele incorrer em brahma-hatyā, o extermínio de um brāhmaṇa, e garantem livrá-lo das reações pecaminosas executando um aśvamedha-yajña. Todavia, essa expiação deliberadamente premeditada não pode aliviar quem executa atos pecami­nosos. Isso será visto nos próximos versos.

Texto

śrī-śuka uvāca
evaṁ sañcodito viprair
marutvān ahanad ripum
brahma-hatyā hate tasminn
āsasāda vṛṣākapim

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — assim; sañcoditaḥ — sendo encorajado; vipraiḥ — pelos brāhmaṇas; marutvān — Indra; ahanat — matou; ripum — seu inimigo, Vṛtrāsura; brahma-hatyā — a reação pecaminosa decorrente do extermínio de um brāhmaṇa; hate — foi morto; tasmin — quando ele (Vṛtrāsura); āsasāda — recaiu sobre; vṛṣākapim — Indra, que também se chama Vṛṣākapi.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Encorajado pelas palavras dos sábios, Indra matou Vṛtrāsura, e, quando acabou de fazê-lo, a reação pe­caminosa decorrente do extermínio de um brāhmaṇa [brahma-hatyā] certamente recaiu sobre ele.

Comentário

SIGNIFICADO—Após matar Vṛtrāsura, Indra não pôde impedir a brahma-hatyā, ou as reações pecaminosas em que incorre aquele que mata um brāhmaṇa. Em outra ocasião, impelido pela ira momentânea, ele matara um brāhmaṇa, Viśvarūpa, mas, dessa vez, seguindo o conselho dos sábios, ele deliberadamente matou outro brāhmaṇa. Portanto, a atual reação pecaminosa seria bem maior. Indra não pôde livrar­-se da reação simplesmente executando sacrifícios de expiação. Ele teve que se submeter a uma rigorosa série de reações pecaminosas, e, quando se libertou através desse seu sofrimento, os brāhmaṇas permitiram que ele realizasse o sacrifício de cavalos. Quem planeja executar atos pecaminosos apoiando-se na força do cantar do santo nome do Senhor ou valendo-se de prāyaścitta, expiação, não pode obter nenhum alívio, mesmo que sejam Indra ou Nahuṣa. Nahuṣa substituía Indra, enquanto este, ausente dos céus, perambulava de um canto a outro, tentando livrar-se de suas reações pecaminosas.

Texto

tayendraḥ smāsahat tāpaṁ
nirvṛtir nāmum āviśat
hrīmantaṁ vācyatāṁ prāptaṁ
sukhayanty api no guṇāḥ

Sinônimos

tayā — devido a essa ação; indraḥ — rei Indra; sma — na verdade; asahat — sofreu; tāpam — sofrimento; nirvṛtiḥ — felicidade; na — não; amum — nele; āviśat — entrou; hrīmantam — alguém que fica envergonhado; vācyatām — má fama; prāptam — obtendo; sukhayanti — dá o prazer; api — embora; no — não; guṇāḥ — boas qualificações, tais como possuir opulência.

Tradução

Seguindo o conselho dos semideuses, Indra matou Vṛtrāsura, mas sofreu devido a essa morte pecaminosa. Embora os outros semi­deuses estivessem felizes, ele não conseguiu encontrar felicidade com a morte de Vṛtrāsura. As outras boas qualidades de Indra, tais como tole­rância e opulência, não o ajudavam em seu sofrimento.

Comentário

SIGNIFICADO—Mesmo que seja dotado de opulência material, ninguém pode ser feliz cometendo atos pecaminosos. Indra pôde ver que isso é verda­de. As pessoas começaram a blasfemá-lo, dizendo: “A troco de desfrutar de felicidade material celeste, essa pessoa matou um brāhmaṇa.” Portanto, apesar de ser o rei dos céus e desfrutar de opulências materiais, Indra vivia infeliz devido às acusações da população.

Texto

tāṁ dadarśānudhāvantīṁ
cāṇḍālīm iva rūpiṇīm
jarayā vepamānāṅgīṁ
yakṣma-grastām asṛk-paṭām
vikīrya palitān keśāṁs
tiṣṭha tiṣṭheti bhāṣiṇīm
mīna-gandhy-asu-gandhena
kurvatīṁ mārga-dūṣaṇam

Sinônimos

tām — a reação pecaminosa; dadarśa — ele viu; anudhāvantīm — perseguindo; cāṇḍālīm — uma mulher de classe inferior; iva — como; rūpiṇīm — assumindo a forma; jarayā — devido à decrepitude; vepa­māna-aṅgīm — cujos membros corpóreos tremiam; yakṣma-grastām — acometida de tuberculose; asṛk-paṭām — cujas roupas estavam cober­tas de sangue; vikīrya — desgrenhados; palitān — grisalhos; keśān — cabelos; tiṣṭha tiṣṭha — espera, espera; iti — assim; bhāṣiṇīm — chamando; mīna-gandhi — o cheiro de peixe; asu — cuja respiração; gandhena — pelo odor; kurvatīm — provocando; mārga-dūṣaṇam — a poluição da rua inteira.

Tradução

Indra viu a reação pecaminosa personificada perseguindo-o, parecendo-se com uma mulher caṇḍāla, uma mulher de classe inferior. Ela tinha um aspecto de decrepitude, e todos os membros de seu corpo tremiam. Porque estava acometida de tuberculose, seu corpo e suas roupas estavam cobertos de sangue. Exalando um insuportável odor de peixe que poluía a rua inteira, ela gritava por Indra: “Espera! Espera!”

Comentário

SIGNIFICADO—Quando alguém sofre de tuberculose, frequentemente vomita sangue, o que faz com que suas roupas fiquem ensanguentadas.

Texto

nabho gato diśaḥ sarvāḥ
sahasrākṣo viśāmpate
prāg-udīcīṁ diśaṁ tūrṇaṁ
praviṣṭo nṛpa mānasam

Sinônimos

nabhaḥ — ao céu; gataḥ — indo; diśaḥ — pelas direções; sarvāḥ — todas; sahasra-akṣaḥ — Indra, que é dotado com mil olhos; viśām­pate — ó rei; prāk-udīcīm — à nordeste; diśam — direção; tūrṇam — muito rapidamente; praviṣṭaḥ — entrou; nṛpa — ó rei; mānasam — no lago conhecido como Mānasa-sarovara.

Tradução

Ó rei, Indra primeiramente fugiu para o céu, mas lá também viu que a mulher, que era o pecado personificado, perseguia-o. Essa bruxa ia aonde quer que ele fosse. Por fim, ele se precipitou para o nordeste e entrou no lago Mānasa-sarovara.

Texto

sa āvasat puṣkara-nāla-tantūn
alabdha-bhogo yad ihāgni-dūtaḥ
varṣāṇi sāhasram alakṣito ’ntaḥ
sañcintayan brahma-vadhād vimokṣam

Sinônimos

saḥ — ele (Indra); āvasat — vivia; puṣkara-nāla-tantūn — no entrelaçamento das fibras de um caule de lótus; alabdha-bhogaḥ — não obtendo nenhum conforto material (praticamente sedento de todas as necessidades materiais); yat — o qual; iha — aqui; agni-dūtaḥ — o mensageiro, o deus do fogo; varṣāṇi — anos celestiais; sāhasram — mil; alakṣitaḥ — invisível; antaḥ — dentro de seu coração; sañcintayan — sempre pensando em; brahma-vadhāt — de ter matado um brāhmaṇa; vimokṣam — libertar-se.

Tradução

Sempre pensando em como poderia libertar-se da reação pecami­nosa de ter matado um brāhmaṇa, o rei Indra, invisível a todos, viveu no lago por mil anos, onde ficou nas fibras sutis de um caule de lótus. O deus do fogo costumava levar-lhe sua parte de todos os yajñas, mas, porque o deus do fogo temia entrar na água, Indra pra­ticamente sofria de inanição.

Texto

tāvat triṇākaṁ nahuṣaḥ śaśāsa
vidyā-tapo-yoga-balānubhāvaḥ
sa sampad-aiśvarya-madāndha-buddhir
nītas tiraścāṁ gatim indra-patnyā

Sinônimos

tāvat — durante esse tempo; triṇākam — o planeta celestial; nahu­ṣaḥ — Nahuṣa; śaśāsa — governou; vidyā — de educação; tapaḥ — de austeridades; yoga — de poder místico; bala — e de força; anubhā­vaḥ — sendo provido; saḥ — ele (Nahuṣa); sampat — de tanta riqueza; aiśvarya — e opulência; mada — pela loucura; andha — cega; buddhiḥ — sua inteligência; nītaḥ — foi trazido; tiraścām — de uma serpente; gatim — ao destino; indra-patnyā — pela esposa de Indra, Śacīdevī.

Tradução

Enquanto o rei Indra vivia na água, envolvido no caule do lótus, Nahuṣa, devido a seu conhecimento, austeridade e poder místico, estava em condições de governar o reino celestial. Nahuṣa, entretanto, cego e enlouquecido pelo poder e pela opulência, fez à esposa de Indra propostas indesejáveis, pois queria desfrutar dela. Por isso, Nahuṣa foi amaldiçoado por um brāhmaṇa e, mais tarde, tornou-se uma serpente.

Texto

tato gato brahma-giropahūta
ṛtambhara-dhyāna-nivāritāghaḥ
pāpas tu digdevatayā hataujās
taṁ nābhyabhūd avitaṁ viṣṇu-patnyā

Sinônimos

tataḥ — depois disso; gataḥ — tendo ido; brahma — dos brāhmaṇas; girā — pelas palavras; upahūtaḥ — sendo convidado; ṛtambhara — no Senhor Supremo, que mantém a verdade; dhyāna — pela meditação; nivārita — cerceado; aghaḥ — cujo pecado; pāpaḥ — a atividade pecaminosa; tu — então; dik-devatayā — pelo semideus Rudra; hata-ojāḥ — com todo o poder diminuído; tam — a ele (Indra); na abhyabhūt — não pôde dominar; avitam — estando protegido; viṣṇu-patnyā — pela esposa do Senhor Viṣṇu, a deusa da fortuna.

Tradução

Os pecados de Indra foram amenizados pela influência de Rudra, o semideus responsável por todas as direções. Porque Indra era pro­tegido pela deusa da fortuna, a esposa do Senhor Viṣṇu, que reside nas ramagens dos lótus do lago Mānasa-sarovara, os pecados de Indra não puderam afetá-lo. Enfim, porque adorou estritamente o Senhor Viṣṇu, Indra se viu livre de todas as reações de seus atos pecaminosos. Então, chamado de volta aos planetas celestiais pelos brāhmaṇas, ele foi reinstalado em sua posição.

Texto

taṁ ca brahmarṣayo ’bhyetya
hayamedhena bhārata
yathāvad dīkṣayāṁ cakruḥ
puruṣārādhanena ha

Sinônimos

tam — a ele (o senhor Indra); ca — e; brahma-ṛṣayaḥ — os grandes santos e brāhmaṇas; abhyetya — aproximando-se; hayamedhena — com um sacrifício aśvamedha; bhārata — ó rei Parīkṣit; yathāvat — de acordo com as regras e regulações; dīkṣayām cakruḥ — iniciaram; puruṣa-­ārādhanena — que consiste na adoração de Hari, a Pessoa Suprema; ha — na verdade.

Tradução

Ó rei, quando o senhor Indra alcançou os planetas celestiais, os santos brāhmaṇas se aproximaram dele e adequadamente o iniciaram­ em um sacrifício de cavalos [aśvamedha-yajña] destinado a satisfazer o Senhor Supremo.

Texto

athejyamāne puruṣe
sarva-devamayātmani
aśvamedhe mahendreṇa
vitate brahma-vādibhiḥ
sa vai tvāṣṭra-vadho bhūyān
api pāpa-cayo nṛpa
nītas tenaiva śūnyāya
nīhāra iva bhānunā

Sinônimos

atha — portanto; ijyamāne — quando adorou; puruṣe — a Suprema Personalidade de Deus; sarva — todos; deva-maya-ātmani — a Superalma e mantenedor dos semideuses; aśvamedhe — através do aśvamedha-yajña; mahā-indreṇa — pelo rei Indra; vitate — sendo dirigido; brahma-vādibhiḥ — pelos santos e brāhmaṇas entendidos em conhecimento védico; saḥ — este; vai — na verdade; tvāṣṭra-vadhaḥ — o extermínio de Vṛtrāsura, o filho de Tvaṣṭā; bhūyāt — pode ser; api — embora; pāpa-cayaḥ — grande quantidade de pecados; nṛpa — ó rei; nītaḥ — foi reduzida; tena — por aquele (sacrifício de cavalo); eva — decerto; śūnyāya — a nada; nīhāraḥ — neblina; iva — como; bhānunā — pelo Sol brilhante.

Tradução

O sacrifício de cavalos executado pelos santos brāhmaṇas afastou de Indra a reação de todos os seus pecados porque, nesse sacrifício, ele adorou a Suprema Personalidade de Deus. Ó rei, embora ele ti­vesse cometido um ato pecaminoso muito grave, o sacrifício anulou imediatamente esse seu pecado, assim como a alvorada brilhante dissipa a neblina.

Texto

sa vājimedhena yathoditena
vitāyamānena marīci-miśraiḥ
iṣṭvādhiyajñaṁ puruṣaṁ purāṇam
indro mahān āsa vidhūta-pāpaḥ

Sinônimos

saḥ — ele (Indra); vājimedhena — pelo sacrifício aśvamedha; yathā — assim como; uditena — descrito; vitāyamānena — sendo realizado; marīci-miśraiḥ — pelos sacerdotes encabeçados por Marīci; iṣṭvā — adorando; adhiyajñam — a Suprema Superalma; puruṣam purāṇam — a Personalidade de Deus original; indraḥ — o rei Indra; mahān — adorável; āsa — tornou-se; vidhūta-pāpaḥ — estando livre de todas as reações pecaminosas.

Tradução

O rei Indra foi favorecido por Marīci e por outros grandes sábios. Eles executaram o sacrifício precisamente conforme as regras e regulações, adorando a Suprema Personalidade de Deus, a Superal­ma, a pessoa original. Assim, Indra conseguiu reaver sua elevada posição e todos voltaram a lhe prestar honras.

Texto

idaṁ mahākhyānam aśeṣa-pāpmanāṁ
prakṣālanaṁ tīrthapadānukīrtanam
bhakty-ucchrayaṁ bhakta-janānuvarṇanaṁ
mahendra-mokṣaṁ vijayaṁ marutvataḥ
paṭheyur ākhyānam idaṁ sadā budhāḥ
śṛṇvanty atho parvaṇi parvaṇīndriyam
dhanyaṁ yaśasyaṁ nikhilāgha-mocanaṁ
ripuñjayaṁ svasty-ayanaṁ tathāyuṣam

Sinônimos

idam — este; mahā-ākhyānam — grande acontecimento histórico; aśeṣa-pāpmanām — de número ilimitado de atos pecaminosos; prakṣālanam — livrando-se; tīrthapada-anukīrtanam — glorificando a Suprema Personalidade de Deus, conhecido como Tīrthapada; bhakti — do serviço devocional; ucchrayam — no qual há um aumen­to; bhaktajana – os devotos; anuvarṇanam — descrevendo; mahā­-indra-mokṣam — a liberação do rei dos céus; vijayam — a vitória; marutvataḥ — do rei Indra; paṭheyuḥ — devem ler; ākhyānam — narração; idam — esta; sadā — sempre; budhāḥ — sábios eruditos; śṛṇvan­ti — continuar a ouvir; atho — também; parvaṇi parvaṇi — por ocasião dos grandes festivais; indriyam — que torna os sentidos aguçados; dhanyam — traz riquezas; yaśasyam — traz fama; nikhila — todos; agha-mocanam — livrando dos pecados; ripum-jayam — faz a pessoa triunfar sobre seus inimigos; svasti-ayanam — traz boa fortuna para todos; tathā — assim também; āyuṣam — longevidade.

Tradução

Nesta narrativa magnífica, há glorificação à Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa; afirmações sobre a grandeza do serviço devocional; descrição de devotos, como Indra e Vṛtrāsura, e afirma­ções sobre como foi que Indra se libertou da vida pecaminosa e saiu vitorioso na luta contra os demônios. Quem compreende esse incidente se livra de todas as reações pecaminosas. Portanto, aconselha-se que os eruditos sempre leiam esta narração. Se alguém procede dessa maneira, aprimorará as atividades dos sentidos, sua opulência aumentará e sua reputação se espalhará. Essa pessoa também se libertará de todas as reações pecaminosas, derrotará todos os seus inimigos, e a duração de sua vida aumentará. Porque esta narração é auspiciosa em todos os aspectos, os sábios eruditos regularmente ouvem-na e repetem-na em todos os dias festivos.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do sexto canto, décimo terceiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Rei Indra É Assolado pela Reação Pecaminosa”.