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CAPÍTULO QUATORZE

O Rei Purūravā Encanta-se com Urvaśī

O resumo deste décimo quarto capítulo é dado da seguinte maneira. Este capítulo fala acerca de Soma e como ele raptou a esposa de Bṛhaspati e gerou em seu ventre um filho chamado Budha. Budha gerou Purūravā, que, no ventre de Urvaśī, gerou seis filhos, encabeçados por Āyu.

O senhor Brahmā nasceu do lótus que brotou do umbigo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu. Brahmā teve um filho chamado Atri, e o filho de Atri foi Soma, o rei de todas as substâncias medicinais e estrelas. Soma conquistou todo o universo e, estando cheio de orgulho, raptou Tārā, que era a esposa de Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses. Então, sucedeu-se uma grande luta entre os semideuses e os asuras, mas Brahmā resgatou a esposa de Bṛhaspati, tirando-a das garras de Soma, e a devolveu ao seu esposo, fazendo com que a luta terminasse. No ventre de Tārā, Soma gerou um filho chama­do Budha, que mais tarde gerou no ventre de Ilā um filho chamado Aila, ou Purūravā. Urvaśī sentiu-se cativada pela beleza de Purū­ravā e, em razão disso, viveu com ele por algum tempo, mas, quando ela deixou sua companhia, ele quase enlouqueceu. Enquanto viajava mundo afora, encontrou-se com Urvaśī em Kurukṣetra, mas ela concordou em ficar com ele apenas uma noite por ano.

Um ano depois, Purūravā encontrou-se com Urvaśī em Kurukṣetra e ficou alegre de estar com ela aquela noite. Contudo, quando pensou que ela iria deixá-lo novamente, ele ficou completamente aflito. Então, Urvaśī aconselhou Purūravā a adorar os Gandharvas. Estando satis­feitos com Purūravā, os Gandharvas deram-lhe uma mulher conhe­cida como Agnisthālī. Purūravā confundiu Agnisthālī com Urvaśī, mas, enquanto andava pela floresta, seu engano foi esclarecido, e ele imediatamente abandonou a companhia dela. Após voltar para casa e meditar em Urvaśī a noite toda, ele quis realizar uma cerimônia ritualística védica para concretizar o seu desejo. Em seguida, ele foi ao mesmo lugar onde deixara Agnisthālī, e lá ele viu que, das entra­nhas de uma árvore śamī, surgira uma árvore aśvattha. Purūravā fez duas varetas dessa árvore e, com elas, produziu fogo. Através desse fogo, podem-se satisfazer todos os desejos luxuriosos. O fogo foi considerado filho de Purūravā. Em Satya-yuga, havia apenas uma divisão social, chamada haṁsa; não havia divisões de varṇa, tais como brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra. O Veda era o oṁkāra. Os vários semideuses não eram adorados, pois a Suprema Personalidade de Deus era a única Deidade adorável.

Texto

śrī-śuka uvāca
athātaḥ śrūyatāṁ rājan
vaṁśaḥ somasya pāvanaḥ
yasminn ailādayo bhūpāḥ
kīrtyante puṇya-kīrtayaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; atha — agora (após ouvir a história da dinastia do Sol); ataḥ — portanto; śrūyatām — simplesmente ouve-me; rājan — ó rei (Mahārāja Parīkṣit); vaṁśaḥ — a di­nastia; somasya — do deus da Lua; pāvanaḥ — ouvir a respeito da qual é purificante; yasmin — na qual (dinastia); aila-ādayaḥ — encabeçados por Aila (Purūravā); bhūpāḥ — reis; kīrtyante — são descritos; puṇya-kīrtayaḥ — pessoas a respeito das quais é glorioso ouvir.

Tradução

Śrīla Śukadeva Gosvāmī disse a Mahārāja Parīkṣit: Ó rei, até aqui, ouviste a descrição da dinastia do deus do Sol. Agora, ouve a gloriosíssima e purificante narrativa acerca da dinastia do deus da Lua. Essa narração menciona reis como Aila [Purūravā]. É glorioso ouvir a respeito deles.

Texto

sahasra-śirasaḥ puṁso
nābhi-hrada-saroruhāt
jātasyāsīt suto dhātur
atriḥ pitṛ-samo guṇaiḥ

Sinônimos

sahasra-śirasaḥ — que tem milhares de cabeças; puṁsaḥ — do Senhor Viṣṇu (Garbhodakaśāyī Viṣṇu); nābhi-hrada-saroruhāt — do lótus que surge do lago do umbigo; jātasya — que apareceu; āsīt — houve; sutaḥ — um filho; dhātuḥ — do senhor Brahmā; atriḥ — chamado Atri; pitṛ-samaḥ — como o seu pai; guṇaiḥ — qualificado.

Tradução

O Senhor Viṣṇu [Garbhodakaśāyī Viṣṇu] também é conhecido como Sahasra-śīrṣā Puruṣa. Do lago do Seu umbigo, brota um lótus, no qual o senhor Brahmā foi gerado. Atri, o filho do senhor Brahmā, era tão qualificado quanto o seu pai.

Texto

tasya dṛgbhyo ’bhavat putraḥ
somo ’mṛtamayaḥ kila
viprauṣadhy-uḍu-gaṇānāṁ
brahmaṇā kalpitaḥ patiḥ

Sinônimos

tasya — dele, Atri, o filho de Brahmā; dṛgbhyaḥ — das lágrimas de júbilo que caíam dos olhos; abhavat — nasceu; putraḥ — um filho; somaḥ — o deus da Lua; amṛta-mayaḥ — cheio de raios suavizantes; kila — na verdade; vipra — dos brāhmaṇas; oṣadhi — das substâncias medicinais; uḍu-gaṇānām — e dos luzeiros; brahmaā — pelo senhor Brahmā; kalpitaḥ — foi apontado ou designado; patiḥ — o diretor supremo.

Tradução

Das jubilosas lágrimas de Atri, nasceu um filho chamado Soma, a Lua, que é repleto de raios suavizantes. O senhor Brahmā o apontou como diretor dos brāhmaṇas, das substâncias medicinais e dos luzeiros.

Comentário

SIGNIFICADODe acordo com a descrição védica, Soma, o deus da Lua, nasceu da mente da Suprema Personalidade de Deus (candramā manaso jātaḥ). Mas aqui verificamos que Soma nasceu das lágrimas dos olhos de Atri. Isso parece contradizer a informação védica, mas, na verdade, não contradiz, pois se sabe que esse nascimento da Lua trans­correu em outro milênio. Ao brotarem nos olhos impelidas pelo jú­bilo, as lágrimas são refrescantes. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que dṛgbhya ānandāśrubhya ata evāmṛtamayaḥ: “Aqui, a palavra dṛgbhyaḥ significa ‘de lágrimas de júbilo’. Portanto, o deus da Lua chama-se amṛtamayaḥ, ‘cheio de raios refrescantes’.” No quarto canto do Śrīmad-Bhāgavatam (4.1.15), encontramos este verso:

atreḥ patny anasūyā trīñ
jajñe suyaśasaḥ sutān
dattaṁ durvāsasaṁ somam
ātmeśa-brahma-sambhavān

Este verso descreve que Anasūyā, a esposa de Atri Ṛṣi, gerou três filhos – Soma, Durvāsā e Dattātreya. Afirma-se que, na hora da concepção, foram as lágrimas de Atri que engravidaram Anasūyā.

Texto

so ’yajad rājasūyena
vijitya bhuvana-trayam
patnīṁ bṛhaspater darpāt
tārāṁ nāmāharad balāt

Sinônimos

saḥ — ele, Soma; ayajat — realizou; rājasūyena — o sacrifício conhecido como Rājasūya; vijitya — após conquistar; bhuvana-trayam — os três mundos (Svarga, Martya e Pātāla); patnīm — a esposa; bṛhaspateḥ — de Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses; darpāt — por orgulho; tārām — Tārā; nāma — chamada; aharat — levou; balāt — à força.

Tradução

Após conquistar os três mundos [os sistemas planetários superior, intermediário e inferior], Soma, o deus da Lua, realizou um grande sacrifício conhecido como Rājasūya-yajña. Porque ficara muito ar­rogante, ele raptou à força a esposa de Bṛhaspati, cujo nome era Tārā.

Texto

yadā sa deva-guruṇā
yācito ’bhīkṣṇaśo madāt
nātyajat tat-kṛte jajñe
sura-dānava-vigrahaḥ

Sinônimos

yadā — quando; saḥ — ele (Soma, o deus da Lua); deva-guru­ṇā — pelo mestre espiritual dos semideuses, Bṛhaspati; yācitaḥ — foi abordado; abhīkṣṇaśaḥ — repetidas vezes; madāt — devido ao falso orgulho; na — não; atyajat — entregou; tat-kṛte — por causa disto; jajñe — houve; sura-dānava — entre os semideuses e os demônios; vigrahaḥ­ — uma luta.

Tradução

Embora Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses, solici­tasse-lhe repetidas vezes, Soma não devolveu Tārā. Isso se deveu ao seu falso orgulho. Consequentemente, foi deflagrada uma luta entre os semideuses e os demônios.

Texto

śukro bṛhaspater dveṣād
agrahīt sāsuroḍupam
haro guru-sutaṁ snehāt
sarva-bhūta-gaṇāvṛtaḥ

Sinônimos

śukraḥ — o semideus chamado Śukra; bṛhaspateḥ — a Bṛhaspati; dveṣāt — devido à inimizade; agrahīt — tomou; sa-asura — com os demônios; uḍupam — o partido do deus da Lua; haraḥ — o senhor Śiva; guru-sutam — partido do filho do seu mestre espiritual; snehāt — devi­do à afeição; sarva-bhūta-gaṇa-āvṛtaḥ — acompanhado de toda classe de fantasmas e duendes.

Tradução

Devido à inimizade entre Bṛhaspati e Śukra, Śukra se aliou ao deus da Lua, e essa sua ação foi imitada pelos demônios. Mas o senhor Śiva, devido à afeição pelo filho do seu mestre espiritual, tomou o partido de Bṛhaspati, e, nesse empreendimento, seguiram-no todos os fantasmas e duendes.

Comentário

SIGNIFICADOO deus da Lua é um dos semideuses, mas, para lutar contra outros semideuses, ele recebeu a ajuda dos demônios. Śukra, sendo inimigo de Bṛhaspati, também se aliou ao deus da Lua para revidar iradamente Bṛhaspati. Para equilibrar a situação, o senhor Śiva, que tinha afeição por Bṛhaspati, uniu-se a este. O pai de Bṛhaspati era Aṅgirā, de quem o senhor Śiva recebeu conhecimento. Portan­to, o senhor Śiva sentia certa afeição por Bṛhaspati, e tomou o seu partido nessa luta. Śrīdhara Svāmī enfatiza que aṅgirasaḥ sakāśāt prāpta-vidyo hara iti prasiddhaḥ: “Sabe-se muito bem que o senhor Śiva recebeu conhecimento de Aṅgirā.”

Texto

sarva-deva-gaṇopeto
mahendro gurum anvayāt
surāsura-vināśo ’bhūt
samaras tārakāmayaḥ

Sinônimos

sarva-deva-gaṇa — por todos os diferentes semideuses; upetaḥ — aliou-se; mahendraḥ — Mahendra, o rei dos céus, Indra; gurum — a seu mestre espiritual; anvayāt — seguido; sura — dos semideuses; asura — e dos demônios; vināśaḥ — causando a destruição; abhūt — houve; samaraḥ — uma luta; tārakā-mayaḥ — simplesmente por causa de Tārā, uma mulher, a esposa de Bṛhaspati.

Tradução

O rei Indra, acompanhado de toda classe de semideuses, aliou-se a Bṛhaspati. Assim, desencadeada por Tārā, a esposa de Bṛhaspati, houve uma grande luta, destruindo demônios e semideuses.

Texto

nivedito ’thāṅgirasā
somaṁ nirbhartsya viśva-kṛt
tārāṁ sva-bhartre prāyacchad
antarvatnīm avait patiḥ

Sinônimos

niveditaḥ — sendo plenamente informado; atha — assim; aṅgira­sā — por Aṅgirā Muni; somam — o deus da Lua; nirbhartsya — repreen­dendo severamente; viśva-kṛt — o senhor Brahmā; tārām — Tārā, a esposa de Bṛhaspati; sva-bhartre — ao seu esposo; prāyacchat — entre­gou; antarvatnīm — grávida; avait — pôde entender; patiḥ — o esposo (Bṛhaspati).

Tradução

Ao ser completamente informado por Aṅgirā acerca de todo o episódio, o senhor Brahmā repreendeu severamente o deus da Lua, Soma. Assim, o senhor Brahmā entregou Tārā a seu esposo, que pôde então entender que ela estava grávida.

Texto

tyaja tyajāśu duṣprajñe
mat-kṣetrād āhitaṁ paraiḥ
nāhaṁ tvāṁ bhasmasāt kuryāṁ
striyaṁ sāntānike ’sati

Sinônimos

tyaja — expele; tyaja — expele; āśu — imediatamente; duṣprajñe — sua tola; mat-kṣetrāt — do ventre destinado a ser fecundado por mim; āhitam — gerado; paraiḥ — por outro; na — não; aham — eu; tvām — a ti; bhasmasāt — reduzida a cinzas; kuryām — farei; striyam — porque és uma mulher; sāntānike — desejando um filho; asati — embora sejas incasta.

Tradução

Bṛhaspati disse: Mulher tola! Teu ventre, que se destinava a ser fecundado por mim, foi fecundado por outrem. Deves parir ime­diatamente! Deves parir imediatamente! Não tenhas dúvida de que, após o nascimento da criança, não te incinerarei, pois sei que, embora sejas incasta, desejavas ter um filho. Portanto, não te punirei!

Comentário

SIGNIFICADOTārā era casada com Bṛhaspati, de modo que, como uma mulher casta, ela deveria ter sido fecundada por ele. Em vez disso, no entanto, ela preferiu ser fecundada por Soma, o deus da Lua, e, portanto, ela era incasta. Embora tivesse recebido Tārā do senhor Brahmā, Bṛhaspati, ao ver que ela estava grávida, quis que ela parisse imediatamente. Tārā na certa temia muito o seu es­poso, e pensou que podia ser punida após dar à luz. Assim, Bṛhaspati assegurou-lhe que não a puniria, pois, embora ela fosse incasta e tivesse ficado grávida ilicitamente, ela desejava ter um filho.

Texto

tatyāja vrīḍitā tārā
kumāraṁ kanaka-prabham
spṛhām āṅgirasaś cakre
kumāre soma eva ca

Sinônimos

tatyāja — deu à luz; vrīḍitā — estando muito envergonhada; tārā — Tārā, a esposa de Bṛhaspati; kumāram — a uma criança; kanaka­-prabham — tendo uma refulgência corpórea como ouro; spṛhām — aspiração; āṅgirasaḥ — Bṛhaspati; cakre — fez; kumāre — à criança; somaḥ — o deus da Lua; eva — na verdade; ca — também.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Por ordem de Bṛhaspati, Tārā, que estava muito envergonhada, imediatamente deu à luz uma criança muito bela e cuja tez era dourada. Tanto Bṛhaspati quanto o deus da Lua, Soma, desejaram ficar com a bela criança.

Texto

mamāyaṁ na tavety uccais
tasmin vivadamānayoḥ
papracchur ṛṣayo devā
naivoce vrīḍitā tu sā

Sinônimos

mama — meu; ayam — este (filho); na — não; tava — teu; iti — assim; uccaiḥ — bem alto; tasmin — pelo filho; vivadamānayoḥ — quando os dois grupos estavam lutando; papracchuḥ — perguntaram (a Tārā); ṛṣayaḥ — todas as pessoas santas; devāḥ — todos os semideuses; na — não; eva — na verdade; uce — disse nada; vrīḍitā — sentindo-se envergonhada; tu — na verdade; — Tārā.

Tradução

Novamente irrompeu uma luta entre Bṛhaspati e o deus da Lua, cada um deles alegando: “Este filho é meu, e não teu!” Todos os santos e semideuses ali presentes perguntaram a Tārā de quem real­mente era a criança recém-nascida, mas, como se sentia envergo­nhada, ela não conseguiu responder imediatamente.

Texto

kumāro mātaraṁ prāha
kupito ’līka-lajjayā
kiṁ na vacasy asad-vṛtte
ātmāvadyaṁ vadāśu me

Sinônimos

kumāraḥ — o filho; mātaram — à sua mãe; prāha — disse; kupitaḥ — estando muito irado; alīka — fútil; lajjayā — com recato; kim — por que; na — não; vacasi — dizes; asat-vṛtte — ó mulher incasta; ātma­-avadyam — o erro que cometeste; vada — dize; āśu — imediatamente; me — a mim.

Tradução

Então, a criança ficou muito irada e exigiu que sua mãe imediata­mente dissesse a verdade. “Mulher incasta!”, disse a criança, “de que adianta teu recato desnecessário? Por que não reconheces teu erro? Conta-me logo a falha que houve em teu comportamento.”

Texto

brahmā tāṁ raha āhūya
samaprākṣīc ca sāntvayan
somasyety āha śanakaiḥ
somas taṁ tāvad agrahīt

Sinônimos

brahmā — o senhor Brahmā; tām — a ela, Tārā; rahaḥ — em um lugar solitário; āhūya — pondo-a; samaprākṣīt — perguntou pormenorizadamente; ca — e; sāntvayan — apaziguando; somasya — este filho pertence a Soma, o deus da Lua; iti — assim; āha — ela respondeu; śanakaiḥ — bem lentamente; somaḥ — Soma; tam — a criança; tāvat — imediatamente; agrahīt — tomou conta de.

Tradução

Então, o senhor Brahmā levou Tārā a um lugar solitário e, após apaziguá-la, perguntou-lhe a quem realmente pertencia a criança. Ela respondeu bem lentamente: “Este é o filho de Soma, o deus da Lua.” Então, o deus da Lua imediatamente se encarregou da criança.

Texto

tasyātma-yonir akṛta
budha ity abhidhāṁ nṛpa
buddhyā gambhīrayā yena
putreṇāpoḍurāṇ mudam

Sinônimos

tasya — da criança; ātma-yoniḥ — o senhor Brahmā; akṛta — fez; budhaḥ — Budha; iti — assim; abhidhām — o nome; nṛpa — ó rei Parīkṣit; buddhyā — pela inteligência; gambhīrayā — muito profundamente situada; yena — por meio de quem; putreṇa — por meio desse filho; āpa — obteve; uḍurāṭ — o deus da Lua; mudam — júbilo.

Tradução

Ó Mahārāja Parīkṣit, ao perceber que a criança era muitíssimo inteligente, o senhor Brahmā lhe deu o nome de Budha. Devido a esse filho, o deus da Lua, o governante das estrelas, exultou de grande júbilo.

Texto

tataḥ purūravā jajñe
ilāyāṁ ya udāhṛtaḥ
tasya rūpa-guṇaudārya-
śīla-draviṇa-vikramān
śrutvorvaśīndra-bhavane
gīyamānān surarṣiṇā
tad-antikam upeyāya
devī smara-śarārditā

Sinônimos

tataḥ — dele (Budha); purūravāḥ — o filho chamado Purūravā; jajñe — nasceu; ilāyām — do ventre de Ilā; yaḥ — aquele que; udāhṛtaḥ — já foi descrito (no começo do nono canto); tasya — sua (de Purūravā); rūpa — beleza; guṇa — qualidades; audārya — magnanimidade; śīla — comportamento; draviṇa — riqueza; vikramān — poder; śrutvā — ouvindo; urvaśī — a mulher celestial chamada Urvaśī; indra-bhavane — na corte do rei Indra; gīyamānān — quando estavam sendo descritos; sura-ṛṣiṇā — por Nārada; tat-antikam — perto dele; upeyāya — aproximou-se; devī — Urvaśī; smara-śara — pelas flechas de Cupido; ardi­tā — sendo acertada.

Tradução

Em seguida, Budha gerou no ventre de Ilā um filho que, ao nascer, passou a ser chamado Purūravā. Ele foi descrito no começo do nono canto. Quando sua beleza, qualidades pessoais, magnanimidade, comportamento, riqueza e poder foram descritos por Nārada na corte do rei Indra, a mulher celestial Urvaśī sentiu-se atraída por ele. Trespassada pela flecha de Cupido, ela se aproximou dele.

Texto

mitrā-varuṇayoḥ śāpād
āpannā nara-lokatām
niśamya puruṣa-śreṣṭhaṁ
kandarpam iva rūpiṇam
dhṛtiṁ viṣṭabhya lalanā
upatasthe tad-antike
sa tāṁ vilokya nṛpatir
harṣeṇotphulla-locanaḥ
uvāca ślakṣṇayā vācā
devīṁ hṛṣṭa-tanūruhaḥ

Sinônimos

mitrā-varuṇayoḥ — de Mitra e Varuṇa; śāpāt — pela maldição; āpannā — tendo obtido; nara-lokatām — os hábitos de um ser humano; niśamya — vendo assim; puruṣa-śreṣṭham — o melhor dos varões; kandarpam iva — como o Cupido; rūpiṇam — tendo beleza; dhṛtim — paciência, tolerância; viṣṭabhya — aceitando; lalanā — aquela mulher; upatasthe — aproximou-se; tat-antike — perto dele; saḥ — ele, Purū­ravā; tām — a ela; vilokya — vendo; nṛpatiḥ — o rei; harṣeṇa — com grande júbilo; utphulla-locanaḥ — cujos olhos tornaram-se muito bri­lhantes; uvāca — disse; ślakṣṇayā — muito meigas; vācā — com pala­vras; devīm — à semideusa; hṛṣṭa-tanūruhaḥ — os pelos de seu corpo estavam arrepiados devido ao júbilo.

Tradução

Amaldiçoada por Mitra e Varuṇa, a mulher celestial Urvaśī adquiriu os hábitos de um ser humano. Por isso, ao ver Purūravā, o melhor dos varões, cuja beleza lembrava o Cupido, ela se controlou e, então, aproximou-se dele. Quando o rei Purūravā viu Urvaśī, seus olhos ficaram jubilosos em êxtase de alegria, e os pelos de seu corpo se arrepiaram. Com palavras meigas e agradáveis, falou-lhe da seguinte maneira.

Texto

śrī-rājovāca
svāgataṁ te varārohe
āsyatāṁ karavāma kim
saṁramasva mayā sākaṁ
ratir nau śāśvatīḥ samāḥ

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei (Purūravā) disse; svāgatam — boas-vindas; te — a ti; varārohe — ó melhor entre as belas mulheres; āsyatām — por favor, senta-te; karavāma kim — em que te posso servir; saṁramas­va — simplesmente torna-te minha companheira; mayā sākam — comi­go; ratiḥ — uma relação sexual; nau — entre nós; śāśvatīḥ samāḥ — por muitos anos.

Tradução

O rei Purūravā disse: Ó bela mulher, sê bem-vinda! Por favor, senta-te aqui e dize o que posso fazer por ti. Podes desfrutar comigo todo o tempo que desejares. Vamos viver felizes, fazendo sexo.

Texto

urvaśy uvāca
kasyās tvayi na sajjeta
mano dṛṣṭiś ca sundara
yad-aṅgāntaram āsādya
cyavate ha riraṁsayā

Sinônimos

urvaśī uvāca — Urvaśī respondeu; kasyāḥ — de que mulher; tvayi — a ti; na — não; sajjeta — se sentiria atraída; manaḥ — a mente; dṛṣṭiḥ ca — e a visão; sundara — ó formosíssimo homem; yat-aṅgāntaram — cujo peito; āsādya — o desfrute; cyavate — abandona; ha — na verda­de; riraṁsayā — do prazer sexual.

Tradução

Urvaśī respondeu: Ó formosíssimo homem, qual é a mulher cuja mente e cuja visão não se sentiriam atraídas por ti? Se uma mulher se refu­gia em teu peito, ela não pode recusar-se a desfrutar de uma relação sexual contigo.

Comentário

SIGNIFICADOQuando um belo homem e uma bela mulher se unem e se abraçam, como é que, dentro destes três mundos, eles poderiam evitar uma relação sexual? Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam (7.9.45) diz: yan maithunādi-gṛhamedhi-sukhaṁ hi tuccham.

Texto

etāv uraṇakau rājan
nyāsau rakṣasva mānada
saṁraṁsye bhavatā sākaṁ
ślāghyaḥ strīṇāṁ varaḥ smṛtaḥ

Sinônimos

etau — a esses dois; uraṇakau — cordeiros; rājan — ó rei Purūravā; nyāsau — que caíram; rakṣasva — por favor, protege; māna-da — ó pessoa que dá a honra a um convidado ou visitante; saṁraṁsye — desfrutarei de união sexual; bhavatā sākam — em tua companhia; ślāghyaḥ — superior; strīṇām — de uma mulher; varaḥ — o esposo; smṛtaḥ — está dito.

Tradução

Meu querido rei Purūravā, por favor, protege esses dois cordeiros, que caíram quando eu também caí. Embora eu pertença aos planetas celestiais e tu pertenças à Terra, decerto gozarei de uma união sexual contigo. Não faço objeções a aceitar-te como meu esposo, pois és superior sob todos os aspectos.

Comentário

SIGNIFICADOComo se afirma na Brahma-saṁhitā (5.40), yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi-vibhūti-bhinnam. Existem vários planetas e várias atmosferas dentro deste universo. A atmos­fera do planeta celestial de onde Urvaśī desceu após ser amaldiçoada por Mitra e Varuṇa é diferente da atmosfera desta Terra. Na verdade, os habitantes dos planetas celestiais na certa são bem superiores aos habitantes da Terra. Entretanto, Urvaśī concordou em ser a consor­te de Purūravā, embora ela pertencesse a uma comunidade superior. Uma mulher que encontra um homem de qualidades superiores pode aceitar esse homem como seu esposo. Igualmente, se um homem encontra uma mulher de família inferior, mas que possui boas qualidades, ele pode aceitar essa brilhante esposa, como aconselha Śrī Cāṇakya Paṇḍita (strī-ratnaṁ duṣkulād api). A combinação entre o homem e a mulher vale a pena se as qualidades de ambos estão no mesmo nível.

Texto

ghṛtaṁ me vīra bhakṣyaṁ syān
nekṣe tvānyatra maithunāt
vivāsasaṁ tat tatheti
pratipede mahāmanāḥ

Sinônimos

ghṛtam — manteiga clarificada ou néctar; me — meu; vīra — ó herói; bhakṣyam — alimento; syāt — será; na — não; īkṣe — verei; tvā — a ti; anyatra — em algum outro momento; maithunāt — exceto na hora do intercurso sexual; vivāsasam — sem qualquer roupa (despido); tat — isto; tathā iti — deve ser assim; pratipede — prometeu; mahāmanāḥ — ó rei Purūravā.

Tradução

Urvaśī disse: “Meu querido herói, comerei somente as preparações feitas em ghī [manteiga clarificada], e não quero ver-te despi­do em momento algum, exceto na hora do intercurso sexual.” O magnânimo rei Purūravā aceitou essas propostas.

Texto

aho rūpam aho bhāvo
nara-loka-vimohanam
ko na seveta manujo
devīṁ tvāṁ svayam āgatām

Sinônimos

aho — maravilhosa; rūpam — beleza; aho — maravilhosos; bhāvaḥ — gestos; nara-loka — na sociedade humana ou no planeta Terra; vimo­hanam — tão atraente; kaḥ — quem; na — não; seveta — pode aceitar; manujaḥ — entre os seres humanos; devīm — uma semideusa; tvām — como tu; svayam āgatām — que chegou pessoalmente.

Tradução

Purūravā respondeu: Ó pessoa belíssima, tua beleza é maravilhosa e teus gestos também o são. Na verdade, és atraente para toda a so­ciedade humana. Portanto, como vieste dos planetas celestiais por tua própria conta, quem na Terra não concordaria em servir a uma semideusa da tua magnitude?

Comentário

SIGNIFICADOPelas palavras de Urvaśī, parece que, nos planetas celestiais, os padrões de vida, alimentação, comportamento e fala são todos diferentes dos padrões existentes neste planeta Terra. Os habitantes dos planetas celestiais não comem coisas abomináveis, tais como carne e ovos; tudo o que eles comem é preparado com manteiga clarificada. Tampouco gostam de ver homens ou mulheres nus, exceto no momento do intercurso sexual. Viver nu ou seminu é para os incivilizados, mas, neste planeta Terra, tornou-se uma tendência andar seminu, e, às vezes, há hippies que vivem completamente nus. Na verdade, existem muitos clubes e sociedades com esse propósito. Entretanto, não se permite tal conduta nos pla­netas celestiais. Os habitantes dos planetas celestiais, além de serem muito belos, tanto na compleição quanto nos traços físicos, têm bom comportamento e uma vida longa, e comem primorosos alimentos no modo da bondade. Essas são al­gumas diferenças entre os habitantes dos planetas celestiais e os ha­bitantes da Terra.

Texto

tayā sa puruṣa-śreṣṭho
ramayantyā yathārhataḥ
reme sura-vihāreṣu
kāmaṁ caitrarathādiṣu

Sinônimos

tayā — com ela; saḥ — ele; puruṣa-śreṣṭhaḥ — o melhor dos seres humanos (Purūravā); ramayantyā — desfrutando; yathā-arhataḥ — na medida do possível; reme — desfrutava; sura-vihāreṣu — em lugares parecidos com bosques celestiais; kāmam — de acordo com seu dese­jo; caitraratha-ādiṣu — nos melhores jardins, como Caitraratha.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: O melhor dos seres humanos, Purūravā, começou a desfrutar livremente da companhia de Urvaśī, que se ocupava em atividades sexuais com ele em muitos lugares ce­lestiais, tais como Caitraratha e Nandana-kānana, onde os semideuses desfrutam.

Texto

ramamāṇas tayā devyā
padma-kiñjalka-gandhayā
tan-mukhāmoda-muṣito
mumude ’har-gaṇān bahūn

Sinônimos

ramamāṇaḥ — desfrutando de sexo; tayā — com ela; devyā — a deusa celestial; padma — de um lótus; kiñjalka — como o açafrão; gan­dhayā — a fragrância de quem; tat-mukha — seu belo rosto; āmoda — pela fragrância; muṣitaḥ — sendo vivificado mais e mais; mumude — desfrutou a vida; ahaḥ-gaṇān — dias após dias; bahūn — muitos.

Tradução

O corpo de Urvaśī era tão perfumado como o açafrão de um lótus. Sendo vivificado pela fragrância do seu rosto e do seu corpo, Purūravā, em grande júbilo, desfrutou de sua companhia por muitos dias.

Texto

apaśyann urvaśīm indro
gandharvān samacodayat
urvaśī-rahitaṁ mahyam
āsthānaṁ nātiśobhate

Sinônimos

apaśyan — sem ver; urvaśīm — Urvaśī; indraḥ — o rei do planeta celestial; gandharvān — aos Gandharvas; samacodayat — instruiu; urvaśī-rahitam — sem Urvaśī; mahyam — minha; āsthānam — morada; na — não; atiśobhate — parece bela.

Tradução

Não vendo Urvaśī em sua assembleia, o rei dos céus, o senhor Indra, disse: “Sem Urvaśī, minha assembleia deixou de ser bela.” Considerando isso, ele pediu aos Gandharvas que a trouxessem de volta ao seu planeta celestial.

Texto

te upetya mahā-rātre
tamasi pratyupasthite
urvaśyā uraṇau jahrur
nyastau rājani jāyayā

Sinônimos

te — eles, os Gandharvas; upetya — indo ali; mahā-rātre — na calada da noite; tamasi — quando estava escuro; pratyupasthite — apareceram; urvaśyā — por Urvaśī; uraṇau — dois cordeiros; jahruḥ — roubaram; nyastau — entregues aos cuidados; rājani — do rei; jāyayā — por sua esposa, Urvaśī.

Tradução

Assim, os Gandharvas vieram à Terra e, à meia-noite, quando tudo estava escuro, apareceram na casa de Purūravā e roubaram os dois cordeiros confiados ao rei por sua esposa, Urvaśī.

Comentário

SIGNIFICADOA “calada da noite” refere-se à meia-noite. A mahā-niśā é descrita neste smṛti-mantra: mahā-niśā dve ghaṭike rātrer madhyama-­yāmayoḥ: “A meia-noite chama-se ‘calada da noite’.”

Texto

niśamyākranditaṁ devī
putrayor nīyamānayoḥ
hatāsmy ahaṁ kunāthena
napuṁsā vīra-māninā

Sinônimos

niśamya — ouvindo; ākranditam — berrando (por estarem sendo roubados); devī — Urvaśī; putrayoḥ — daqueles dois cordeiros, a quem ela tratava como filhos; nīyamānayoḥ — enquanto eram levados; hatā — morta; asmi — estou; aham — eu; ku-nāthena — sob a proteção de um esposo ruim; na-puṁsā — pelo eunuco; vīra-māninā — embora se considere um herói.

Tradução

Urvaśī tratava os dois cordeiros como os seus próprios filhos. Portanto, quando eles estavam sendo levados pelos Gandharvas e começaram a berrar, Urvaśī os ouviu e censurou seu esposo. “Agora estou sendo morta”, disse ela, “sob a proteção de um esposo indigno, que é um covarde e um eunuco, embora se julgue um grande herói.”

Texto

yad-viśrambhād ahaṁ naṣṭā
hṛtāpatyā ca dasyubhiḥ
yaḥ śete niśi santrasto
yathā nārī divā pumān

Sinônimos

yat-viśrambhāt — por depender de quem; aham — eu (estou); naṣṭā — perdida; hṛta-apatyā — desprovida de meus dois filhos, os cor­deiros; ca — também; dasyubhiḥ — pelos criminosos; yaḥ — aquele que (meu dito esposo); śete — deita-se; niśi — à noite; santrastaḥ — ­sentindo medo; yathā — como; nārī — uma mulher; divā — durante o dia; pumān — macho.

Tradução

“Porque dependo dele, os criminosos despojaram-me dos meus dois filhos, os cordeiros, de modo que agora estou arruinada. À noite, meu esposo deita-se com medo, exatamente como uma mulher, em­bora durante o dia ele pareça ser um homem.”

Texto

iti vāk-sāyakair biddhaḥ
pratottrair iva kuñjaraḥ
niśi nistriṁśam ādāya
vivastro ’bhyadravad ruṣā

Sinônimos

iti — assim; vāk-sāyakaiḥ — pelas flechas das fortes palavras; biddhaḥ — sendo trespassado; pratottraiḥ — pelas aguilhoadas; iva­ — como; kuñjaraḥ — um elefante; niśi — à noite; nistriṁśam — uma espada; ādāya — empunhado; vivastraḥ — nu; abhyadravat — saiu; ruṣā — irado.

Tradução

Purūravā, golpeado pelas palavras afiadas de Urvaśī, assim como um elefante é golpeado pelo bastão pontiagudo utilizado pelo seu condutor, ficou muito irado. Sem nem mesmo vestir-se adequadamente, empunhou uma espada e saiu desnudo noite adentro, para seguir os Gan­dharvas que haviam roubado os cordeiros.

Texto

te visṛjyoraṇau tatra
vyadyotanta sma vidyutaḥ
ādāya meṣāv āyāntaṁ
nagnam aikṣata sā patim

Sinônimos

te — eles, os Gandharvas; visṛjya — após abandonarem; uraṇau — os dois cordeiros; tatra — no local; vyadyotanta sma — brilhantes; vidyutaḥ — reluzindo como o raio; ādāya — carregando nas mãos; meṣau — os dois cordeiros; āyāntam — retornando; nagnam — nu; aikṣata — viu; — Urvaśī; patim — seu esposo.

Tradução

Após abandonar os dois cordeiros, os Gandharvas reluziam bri­lhantemente como o raio, iluminando assim a casa de Purūravā. Então, Urvaśī viu seu esposo retornando com seus cordeiros nas mãos, mas, como ele estava nu, ela partiu.

Texto

ailo ’pi śayane jāyām
apaśyan vimanā iva
tac-citto vihvalaḥ śocan
babhrāmonmattavan mahīm

Sinônimos

ailaḥ — Purūravā; api — também; śayane — no leito; jāyām — sua esposa; apaśyan — não vendo; vimanāḥ — melancólico; iva — assim; tat-cittaḥ — estando muito apegado a ela; vihvalaḥ — com a mente perturbada; śocan — lamentando-se; babhrāma — viajou; unmatta-vat — ­como um louco; mahīm — pela Terra.

Tradução

Não vendo mais Urvaśī em sua cama, Purūravā ficou muito aflito. Devido à grande atração que sentia por ela, ele estava muito pertur­bado. Assim, lamentando-se, colocou-se a viajar pela Terra, como um louco.

Texto

sa tāṁ vīkṣya kurukṣetre
sarasvatyāṁ ca tat-sakhīḥ
pañca prahṛṣṭa-vadanaḥ
prāha sūktaṁ purūravāḥ

Sinônimos

saḥ — ele, Purūravā; tām — Urvaśī; vīkṣya — observando; kurukṣetre — no lugar conhecido como Kurukṣetra; sarasvatyām — às margens do Sarasvatī; ca — também; tat-sakhīḥ — suas companheiras; pañca­ — cinco; prahṛṣṭa-vadanaḥ — estando muito feliz e risonho; prāha — ­disse; sūktam — palavras doces; purūravāḥ — o rei Purūravā.

Tradução

Certa vez, durante suas viagens pelo mundo, Purūravā, às margens do Sarasvatī em Kurukṣetra, viu Urvaśī na associação de cinco com­panheiras. Com júbilo em seu rosto, falou-lhe, então, as seguintes palavras doces.

Texto

aho jāye tiṣṭha tiṣṭha
ghore na tyaktum arhasi
māṁ tvam adyāpy anirvṛtya
vacāṁsi kṛṇavāvahai

Sinônimos

aho — olá; jāye — ó minha querida esposa; tiṣṭha tiṣṭha — por favor, fica, fica; ghore — ó pessoa crudelíssima; na — não; tyaktum — abandonar; arhasi — deves; mām — a mim; tvam — tu; adya api — até agora; anirvṛtya — não tendo obtido de mim nenhuma felicidade; vacāṁsi — algumas palavras; kṛṇavāvahai — conversemos por algum tempo.

Tradução

Ó minha querida esposa, ó mais cruel das mulheres. Por favor, fica! Por favor, fica! Sei que, até agora, nunca consegui te fazer feliz, mas isso não é motivo para me abandonares. Essa atitude não é digna de ti. Mesmo que tenhas decidido deixar minha companhia, conversemos por algum tempo.

Texto

sudeho ’yaṁ pataty atra
devi dūraṁ hṛtas tvayā
khādanty enaṁ vṛkā gṛdhrās
tvat-prasādasya nāspadam

Sinônimos

su-dehaḥ — corpo belíssimo; ayam — este; patati — agora desmoronará; atra — aqui mesmo; devi — ó Urvaśī; dūram — muitíssimo longe de casa; hṛtaḥ — arrastado; tvayā — por ti; khādanti — comerão; enam — este (corpo); vṛkāḥ — as raposas; gṛdhrāḥ — os abutres; tvat — tua; prasādasya — em misericórdia; na — não; āspadam — adequado.

Tradução

Ó deusa, agora que me recusaste, meu belo corpo desmoronará aqui, e como não serve para que dele possas tirar algum prazer, ele será comido por raposas e abutres.

Texto

urvaśy uvāca
mā mṛthāḥ puruṣo ’si tvaṁ
mā sma tvādyur vṛkā ime
kvāpi sakhyaṁ na vai strīṇāṁ
vṛkāṇāṁ hṛdayaṁ yathā

Sinônimos

urvaśī uvāca — Urvaśī disse; — não; mṛthāḥ — abandones tua vida; puruṣaḥ — homem; asi — és; tvam — tu; mā sma — não permitas isso; tvā — a ti; adyuḥ — podem comer; vṛkāḥ — as raposas; ime — esses sentidos (não fiques sob o controle dos teus sentidos); kva api — em parte alguma; sakhyam — amizade; na — não; vai — na verdade; strīṇām — de mulheres; vṛkāṇām — das raposas; hṛdayam — o coração; yathā — como.

Tradução

Urvaśī disse: Meu querido rei, és um homem, um herói. Espera e não abandones tua vida. Sê sóbrio e não deixes que os sentidos te dominem que nem raposas. Não deixes as raposas te comerem. Em outras palavras, não deves ser controlado pelos teus sentidos. Ao contrário, deves saber que o coração da mulher é como o de uma raposa. Não há proveito em fazer amizade com mulheres.

Comentário

SIGNIFICADOCāṇakya Paṇḍita aconselha que viśvāso naiva kartavyaḥ strīṣu rāja-kuleṣu ca: “Nunca deposites tua fé em uma mulher ou em um polí­tico.” Quem não é elevado em consciência espiritual é condicionado e caído – o que dizer, então, das mulheres, que são menos inteligentes do que os homens? As mulheres são comparadas aos śūdras e vaiśyas (striyo vaiśyās tathā śūdrāḥ). Na plataforma espiritual, entretanto, quando alguém se eleva à plataforma da consciência de Kṛṣṇa, seja homem, mulher, śūdra ou qualquer outra coisa, todos são iguais. Por outro lado, Urvaśī, sendo ela própria uma mulher e conhecendo a natureza das mulheres, disse que o coração de uma mulher é como o de uma raposa astuciosa. O homem que não pode controlar seus sentidos torna-se vítima desses animais astutos. Se ele puder controlar os sentidos, no entanto, não haverá possibilidade de cair vítima de as­tuciosas mulheres vulpinas. Cāṇakya Paṇḍita também aconselha que, se alguém tem uma esposa semelhante a uma raposa astuciosa, ele deve imediatamente deixar de viver no lar e ir para a floresta.

mātā yasya gṛhe nāsti
bhāryā cāpriya-vādinī
araṇyaṁ tena gantavyaṁ
yathāraṇyaṁ tathā gṛham

(Cāṇakya-śloka 57)

Os gṛhasthas conscientes de Kṛṣṇa devem tomar muito cuidado com as astuciosas mulheres vulpinas. Se a esposa é obediente no lar e segue seu esposo em consciência de Kṛṣṇa, a vida no lar é bem-vinda. Caso contrário, a pessoa deve abandonar o seu lar e ir para a floresta.

hitvātma-pātaṁ gṛham andha-kūpaṁ
vanaṁ gato yad dharim āśrayeta

A pessoa deve ir para a floresta e refugiar-se nos pés de lótus de Hari, a Suprema Personalidade de Deus.

Texto

striyo hy akaruṇāḥ krūrā
durmarṣāḥ priya-sāhasāḥ
ghnanty alpārthe ’pi viśrabdhaṁ
patiṁ bhrātaram apy uta

Sinônimos

striyaḥ — mulheres; hi — na verdade; akaruṇāḥ — sem misericórdia; krūrāḥ — astutas; durmarṣāḥ — intolerantes; priya-sāhasāḥ — para o seu próprio prazer são capazes de fazer qualquer coisa; ghnanti — elas matam; alpa-arthe — por motivo insignificante; api — na verdade; viśrabdham — fiel; patim — esposo; bhrātaram — irmão; api — também; uta — está dito.

Tradução

As mulheres, como uma classe, são inclementes e ardilosas. Elas não podem tolerar nem mesmo a mais leve ofensa. Para o seu próprio prazer, são capazes de fazer qualquer atividade irreligiosa e, portanto, não temem matar nem mesmo um esposo ou irmãos fiéis.

Comentário

SIGNIFICADOO rei Purūravā estava muitíssimo apegado a Urvaśī. Entretanto, apesar de sua fidelidade a ela, ela o deixara. Agora, considerando que o rei estava desperdiçando sua forma de vida humana raramen­te alcançada, Urvaśī explicou com toda a franqueza a natureza da mulher. Devido à sua natureza, a mulher pode reagir até mesmo à mais leve ofensa de seu esposo, não apenas deixando-o, mas também matando-o, se necessário. Ela pode matar não apenas o esposo, senão que pode matar até mesmo o próprio irmão. Essa é a natureza da mulher. Portanto, no mundo material, enquanto as mulheres não aprenderem a ser castas e fiéis aos seus esposos, não poderá haver paz ou prosperidade na sociedade.

Texto

vidhāyālīka-viśrambham
ajñeṣu tyakta-sauhṛdāḥ
navaṁ navam abhīpsantyaḥ
puṁścalyaḥ svaira-vṛttayaḥ

Sinônimos

vidhāya — estabelecendo; alīka — falsa; viśrambham — fidelidade; ajñeṣu — aos homens tolos; tyakta-sauhṛdāḥ — que abandonaram a companhia dos benquerentes; navam — novos; navam — novos; abhīpsantyaḥ — desejando; puṁścalyaḥ — mulheres muito facilmente seduzidas por outros homens; svaira — independentemente; vṛttayaḥ — profissionais.

Tradução

As mulheres se deixam seduzir pelos homens muito facilmente. Por­tanto, as mulheres corruptas abandonam a amizade de um homem que é seu benquerente e estabelecem falsa amizade com os tolos. Na verdade, elas buscam novos e novos amigos, um após o outro.

Comentário

SIGNIFICADOPorque as mulheres são muito facilmente seduzidas, a Manu-saṁhi­tā prescreve que não devem receber liberdade. A mulher sempre deve ser protegida, seja pelo seu pai, seja pelo seu esposo, seja pelo seu filho mais velho. Se as mulheres recebem liberdade para conviver com os homens como iguais, e atualmente elas alegam que o são, elas não podem manter o seu decoro. A natureza da mulher, como pessoalmente descrita por Urvaśī, é estabelecer falsa amizade com alguém e, em seguida, buscar novos companheiros, um após o outro, mesmo que isso signifique abandonar a companhia de um benquerente sincero.

Texto

saṁvatsarānte hi bhavān
eka-rātraṁ mayeśvaraḥ
raṁsyaty apatyāni ca te
bhaviṣyanty aparāṇi bhoḥ

Sinônimos

saṁvatsara-ante — no final de cada ano; hi — na verdade; bhavān — tu; eka-rātram — apenas uma noite; mayā — comigo; īśvaraḥ — meu esposo; raṁsyati — desfrutarás de vida sexual; apatyāni — filhos; ca — também; te — teus; bhaviṣyanti — gerarás; aparāṇi — outros, um após o outro; bhoḥ — ó meu querido rei.

Tradução

Ó meu querido rei, poderás desfrutar comigo como meu esposo no final de cada ano, apenas por uma noite. Dessa maneira, terás outros filhos, um após o outro.

Comentário

SIGNIFICADOEmbora Urvaśī tivesse explicado adversamente a natureza da mulher, Mahārāja Purūravā estava muito apegado a ela, de modo que ela quis fazer alguma concessão ao rei, concordando em ser sua esposa por uma noite no final de cada ano.

Texto

antarvatnīm upālakṣya
devīṁ sa prayayau purīm
punas tatra gato ’bdānte
urvaśīṁ vīra-mātaram

Sinônimos

antarvatnīm — grávida; upālakṣya — observando; devīm — Urvaśī; saḥ — ele, o rei Purūravā; prayayau — retornou; purīm — ao seu palá­cio; punaḥ — novamente; tatra — àquele mesmo lugar; gataḥ — foi; abda-ante — no final do ano; urvaśīm — Urvaśī; vīra-mātaram — a mãe de um filho kṣatriya.

Tradução

Compreendendo que Urvaśī estava grávida, Purūravā retornou ao seu palácio. No final de um ano, ali em Kurukṣetra, ele obteve novamente a companhia de Urvaśī, que era então a mãe de um filho heroico.

Texto

upalabhya mudā yuktaḥ
samuvāsa tayā niśām
athainam urvaśī prāha
kṛpaṇaṁ virahāturam

Sinônimos

upalabhya — obtendo a associação; mudā — em grande júbilo; yuktaḥ — unindo-se; samuvāsa — desfrutou de sexo em sua companhia; tayā — com ela; niśām — naquela noite; atha — em seguida; enam — ao rei Purūravā; urvaśī — a mulher chamada Urvaśī; prāha — disse; kṛpaṇam — àquele que era pobre de coração; viraha-āturam — aflito ao imaginar a separação.

Tradução

Tendo recuperado Urvaśī no final do ano, o rei Purūravā estava muito jubiloso, e desfrutou de sexo com ela por uma noite. Em seguida, entretanto, ele ficou muito sentido ao pensar em separar-se dela, de modo que Urvaśī falou-lhe as seguintes palavras.

Texto

gandharvān upadhāvemāṁs
tubhyaṁ dāsyanti mām iti
tasya saṁstuvatas tuṣṭā
agni-sthālīṁ dadur nṛpa
urvaśīṁ manyamānas tāṁ
so ’budhyata caran vane

Sinônimos

gandharvān — nos Gandharvas; upadhāva — vai refugiar-te; imān — estes; tubhyam — a ti; dāsyanti — entregarão; mām iti — exatamente como eu, ou eu de fato; tasya — com ele; saṁstuvataḥ — oferecendo orações; tuṣṭāḥ — estando satisfeitos; agni-sthālīm — uma jovem produzida do fogo; daduḥ — entregaram; nṛpa — ó rei; urvaśīm — Urvaśī; manya-mānaḥ — pensando; tām — a ela; saḥ — ele (Purūravā); abu­dhyata — entendeu de fato; caran — enquanto caminhava; vane — na floresta.

Tradução

Urvaśī disse: “Meu querido rei, busca refúgio nos Gandharvas, pois eles serão capazes de novamente me entregar a ti.” Seguindo a instrução contida nessas palavras, o rei satisfez os Gandharvas com orações, e os Gandharvas, estando satisfeitos com ele, deram-­lhe uma jovem chamada Agnisthālī, que tinha exatamente a mesma aparência de Urvaśī. Pensando que a jovem era Urvaśī, o rei começou a andar com ela pela floresta, mas, posteriormente, pôde entender que ela não era Urvaśī, mas Agnisthālī.

Comentário

SIGNIFICADOŚrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta que Purūravā era muito luxurioso. Logo após obter a jovem Agnisthālī, ele quis fazer sexo com ela, mas, durante o ato sexual, pôde entender que a jovem era Agnisthālī, e não Urvaśī. Isso indica que todo homem apegado a uma determinada mulher conhece as características parti­culares daquela mulher durante o ato sexual. Assim, Purūravā entendeu durante o intercurso sexual que a jovem Agnisthālī não era Urvaśī.

Texto

sthālīṁ nyasya vane gatvā
gṛhān ādhyāyato niśi
tretāyāṁ sampravṛttāyāṁ
manasi trayy avartata

Sinônimos

sthālīm — a mulher Agnisthālī; nyasya — abandonando imediatamente; vane — na floresta; gatvā — ao retornar; gṛhān — em casa; ādhyāyataḥ — começou a meditar; niśi — a noite toda; tretāyām — quando o milênio Treta; sampravṛttāyām — estava prestes a começar; manasi — em sua mente; trayī — o princípio dos três Vedas; avartata — revelaram-se.

Tradução

Então, o rei Purūravā deixou Agnisthālī na floresta e retornou à sua casa, onde meditou em Urvaśī ao longo de toda a noite. No decorrer de sua meditação, começou o milênio Treta, de modo que os princípios dos três Vedas, incluindo o processo de realizar yajña para concretizar as aspirações fruitivas, apareceu dentro do seu coração.

Comentário

SIGNIFICADODeclara-se que tretāyāṁ yajato makhaiḥ: em Treta-yuga, se alguém realizasse yajñas, obteria o resultado daqueles yajñas. Realizando o viṣṇu-yajña especificamente, seria possível até mesmo alcançar os pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Evidentemente, o yajña destina-se a satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Enquanto Purūravā meditava em Urvaśī, começou Tretā-yuga, e, por conseguinte, os yajñas védicos foram revelados em seu coração. Mas Purūravā era um materialista, especialmente preocupado em desfrutar dos sen­tidos. Yajñas para o gozo dos sentidos chamam-se karma-kāṇḍīya­-yajñas. Portanto, ele decidiu realizar karma-kāṇḍīya-yajñas para concretizar seus desejos luxuriosos. Em outras palavras, os karma­-kāṇḍīya-yajñas destinam-se às pessoas sensuais, ao passo que, na verdade, deve-se realizar yajña para satisfazer a Suprema Personali­dade de Deus. Para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus em Kali-yuga, recomenda-se o saṅkīrtana-yajña. Yajñaiḥ saṅkīrtana­-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ. Apenas aqueles que são muito inte­ligentes adotam o saṅkīrtana-yajña para satisfazer todos os seus desejos, materiais e espirituais, ao passo que aqueles que são luxu­riosos e buscam o gozo dos sentidos realizam karma-kāṇḍīya-yajñas.

Texto

sthālī-sthānaṁ gato ’śvatthaṁ
śamī-garbhaṁ vilakṣya saḥ
tena dve araṇī kṛtvā
urvaśī-loka-kāmyayā
urvaśīṁ mantrato dhyāyann
adharāraṇim uttarām
ātmānam ubhayor madhye
yat tat prajananaṁ prabhuḥ

Sinônimos

sthālī-sthānam — o lugar onde deixara Agnisthālī; gataḥ — indo até lá; aśvattham — uma árvore aśvattha; śamī-garbham — produzida das entranhas de uma árvore śamī; vilakṣya — vendo; saḥ — ele; Purūra­vā; tena — daquela; dve — dois; araṇī — pedaços de madeira necessários para acender um fogo de sacrifício; kṛtvā — fazendo; urvaśī-loka­kāmyayā — desejando ir ao planeta onde Urvaśī estava presente; urvaśīm — Urvaśī; mantrataḥ — cantando o mantra adequado; dhyāyan — meditando em; adhara — inferior; araṇim — madeira araṇi; uttarām — e a superior; ātmānam — ele próprio; ubhayoḥ madhye — entre as duas; yat tat — aquele que (ele meditava em); prajananam — como um filho; prabhuḥ — o rei.

Tradução

Quando o processo de yajñas fruitivos se manifestou em seu coração, o rei Purūravā dirigiu-se ao mesmo lugar onde deixara Ag­nisthālī. Ali, ele viu que, das entranhas de uma árvore śamī, havia brotado uma árvore aśvattha. Então, ele pegou um pedaço de ma­deira dessa árvore e fez dele dois araṇis. Desejando ir ao planeta onde Urvaśī residia, ele cantou mantras, meditando no araṇi infe­rior como sendo Urvaśī, no superior como sendo ele mesmo, e no pedaço de madeira entre eles como sendo seu filho. Dessa maneira, ele começou a acender um fogo.

Comentário

SIGNIFICADOO fogo védico para a realização de yajña não era aceso com fósforos comuns ou artefatos semelhantes. Em vez disso, o fogo sacrificatório védico era aceso com araṇis, ou dois pedaços de madeira sagrada que produziam o fogo através da fricção com um terceiro. Tal fogo é necessário para a realização do yajña. Se exitoso, o yajña satisfaz o desejo daquele que o realiza. Assim, Purūravā tirou pro­veito do processo de yajña para satisfazer seus desejos luxuriosos. Ele pensava no araṇi inferior como sendo Urvaśī, no superior como sendo ele mesmo, e no intermediário como sendo seu filho. Um rele­vante mantra védico que Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura cita nesta passagem é śamī-garbhād agniṁ mantha. Um mantra semelhante é urva­śyām urasi purūravāḥ. Purūravā queria continuamente ter filhos com Urvaśī. Sua única ambição era gozar de vida sexual com ela e, desse modo, obter filhos. Em outras palavras, ele tinha tanta luxúria em seu coração que, mesmo durante a realização do yajña, pensava em Urvaśī, em vez de pensar no mestre do yajña, Yajñeśvara, o Senhor Viṣṇu.

Texto

tasya nirmanthanāj jāto
jāta-vedā vibhāvasuḥ
trayyā sa vidyayā rājñā
putratve kalpitas tri-vṛt

Sinônimos

tasya — de Purūravā; nirmanthanāt — devido à interação; jātaḥ — nasceu; jāta-vedāḥ — destinado ao gozo material de acordo com princípios védicos; vibhāvasuḥ — um fogo; trayyā — segundo os princípios védicos; saḥ — o fogo; vidyayā — mediante esse processo; rājñā — pelo rei; putratve — o nascimento de um filho; kalpitaḥ — assim se tornou; tri-vṛt — as três letras a-u-m combinadas formando o oṁ.

Tradução

Ao friccionar os araṇis, Purūravā produziu um fogo. Através desse fogo, a pessoa pode alcançar todo o sucesso no gozo material e purificar-se no nascimento seminal, na iniciação e na realização de sacrifício, que são invocados com as letras a-u-m combinadas. Assim, o fogo era considerado o filho do rei Purūravā.

Comentário

SIGNIFICADODe acordo com o processo védico, pode-se obter um filho através de sêmen (śukra), pode-se obter um discípulo genuíno através da ini­ciação (sāvitra) ou pode-se obter um filho ou discípulo através do fogo do sacrifício (yajña). Logo, quando Mahārāja Purūravā gerou o fogo, friccionando os araṇis, o fogo se tornou seu filho. Quer através do sêmen, quer através da iniciação, quer através do yajña, pode-se obter um filho. O mantra védico oṁkara, ou praṇava, consistindo nas letras a-u-m, pode trazer à existência cada um desses três métodos. Portanto, as palavras nirmanthanāj jātaḥ indicam que, friccionando os araṇis, nasceu um filho.

Texto

tenāyajata yajñeśaṁ
bhagavantam adhokṣajam
urvaśī-lokam anvicchan
sarva-devamayaṁ harim

Sinônimos

tena — gerando semelhante fogo; ayajata — ele adorou; yajña-īśam — o mestre ou desfrutador do yajña; bhagavantam — a Suprema Personalidade de Deus; adhokṣajam — situado além da percepção sensorial; urvaśī-lokam — ao planeta onde Urvaśī estava; anvicchan — embora desejasse ir; sarva-deva-mayam — o reservatório de todos os semideu­ses; harim — a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Por meio daquele fogo, Purūravā, que desejava ir ao planeta onde Urvaśī residia, realizou um sacrifício, com o qual satisfez a Supre­ma Personalidade de Deus, Hari, o desfrutador dos resultados dos sacrifícios. Assim, ele adorou o Senhor, que está além da percepção sensorial e é o reservatório de todos os semideuses.

Comentário

SIGNIFICADOComo se afirma na Bhagavad-gītā, bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ sarva-loka-maheśvaram: qualquer loka, ou planeta, ao qual alguém deseje ir é propriedade da Suprema Personalidade de Deus, o desfru­tador dos resultados dos sacrifícios. O propósito do yajña é satis­fazer a Suprema Personalidade de Deus. Nesta era de Kali, como explicamos muitas vezes, o yajña que consiste em cantar o mahā­-mantra Hare Kṛṣṇa é o único sacrifício que pode satisfazer o Senhor Supremo. Quando o Senhor Supremo está satisfeito, pode-se concre­tizar qualquer desejo, seja ele material, seja espiritual. A Bhagavad-gītā (3.14) também diz que yajñād bhavati parjanyaḥ: oferecendo sacrifícios ao Senhor Viṣṇu, pode-se obter chuva o suficiente. Quando há chuva o suficiente, a terra torna-se propícia a produzir tudo (sarva-kāma­-dughā mahī). Se alguém utiliza a terra adequadamente, pode obter da terra as necessidades da vida, incluindo grãos alimentícios, frutas, flores e legumes. Tudo o que pode se transformar em rique­za material vem da terra, daí se dizer que sarva-kāma-dughā mahī. Tudo é possível para aquele que realiza yajña para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. O Senhor é adhokṣaja, além da percepção de Purūravā e dos demais. Consequente­mente, a entidade viva deve realizar alguma classe de yajña. Portanto, embora desejasse algo material, Purūravā de fato realizou yajña para a satisfação dos seus desejos. Os yajñas são realizados na sociedade somente quando esta, seguindo o varṇāśrama-dharma, divide-se em quatro varṇas e quatro āśramas. Sem esse processo regulador, ninguém pode realizar yajñas, e, sem a realização de yajñas, não há planos materiais que possam em algum momento tornar a socie­dade humana feliz. Todos, portanto, devem sentir-se animados a praticar yajñas. Nesta era de Kali, o yajña recomendado é o saṅkīrtana, o canto individual ou coletivo do mahā-māntra Hare Kṛṣṇa. Isso sa­tisfará todas as necessidades da sociedade humana.

Texto

eka eva purā vedaḥ
praṇavaḥ sarva-vāṅmayaḥ
devo nārāyaṇo nānya
eko ’gnir varṇa eva ca

Sinônimos

ekaḥ — somente um; eva — na verdade; purā — outrora; vedaḥ — livro de conhecimento transcendental; praṇavaḥ — o oṁkāra; sarva­-vāk-mayaḥ — consistindo em todos os mantras védicos; devaḥ — o Senhor, Deus; nārāyaṇaḥ — apenas Nārāyaṇa (era adorável em Satya­-yuga); na anyaḥ — nenhum outro; ekaḥ agniḥ — apenas uma divisão para o agni; varṇaḥ — ordem de vida; eva ca — e com certeza.

Tradução

Em Satya-yuga, o primeiro milênio, todos os mantras védicos estavam incluídos em um mantra – o praṇava, a raiz de todos os mantras védicos. Em outras palavras, sozinho, o Atharva Veda era a fonte de todo o conhecimento védico. A Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, era a única Deidade adorável; não havia recomendação de que se adorassem os semideuses. Só havia um fogo, e a única ordem de vida na sociedade humana era conhecida como haṁsa.

Comentário

SIGNIFICADOEm Satya-yuga, havia apenas um Veda, e não quatro. Mais tarde, antes do começo de Kali-yuga, esse único Veda, o Atharva Veda (ou, dizem alguns, o Yajur Veda), foi dividido em quatro – Sāma, Yajur, Ṛg e Atharva – para facilitar a vida da sociedade humana. Em Satya-yuga, o único mantra era o oṁkāra (oṁ tat sat). O mesmo nome oṁkāra manifesta-se no mantra Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. A menos que alguém seja brāhmaṇa, não pode pronun­ciar o oṁkāra e, então, obter o resultado desejado. Em Kali-yuga, todavia, quase todos são śūdras, sem competência para pronunciar o praṇava, o oṁkāra. Portanto, os śāstras recomendam o canto do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. O oṁkāra é um mantra, ou mahā-mantra, e o Hare Kṛṣṇa também é um mahā-mantra. O propósito de pronunciar o oṁkāra é dirigir-se à Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva (oṁ namo bhagavate vāsudevāya). E o propósito de cantar o mantra Hare Kṛṣṇa é o mesmo. Hare: “Ó energia do Senhor!” Kṛṣṇa: “Ó Senhor Kṛṣṇa!” Hare: “Ó energia do Senhor!” Rāma: “Ó Senhor Supremo, ó desfrutador Supremo!” O único Senhor adorável é Hari, que é a meta dos Vedas (vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ). Adorando os semideuses, a pessoa adora as diferentes partes do Senhor, assim como se pode regar os ramos e brotos de uma árvore. Mas adorar Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus em quem tudo está incluído, é como regar a raiz da árvore, dessa maneira fornecendo água ao tronco, ramos, brotos, folhas e assim por diante. Em Satya­-yuga, as pessoas sabiam como satisfazer as necessidades da vida sim­plesmente adorando Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. O mesmo objetivo pode ser alcançado nesta era de Kali cantando-se o mantra Hare Kṛṣṇa, como se recomenda no Bhāgavatam. Kīrta­nād eva kṛṣṇasya mukta-saṅgaḥ paraṁ vrajet. Pelo simples fato de cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, o indivíduo se livra do cativeiro imposto pela existência material e, assim, qualifica-se para retornar ao lar, retornar ao Supremo.

Texto

purūravasa evāsīt
trayī tretā-mukhe nṛpa
agninā prajayā rājā
lokaṁ gāndharvam eyivān

Sinônimos

purūravasaḥ — do rei Purūravā; eva — assim; āsīt — houve; trayī — os princípios védicos sob a forma de karma, jñāna e upāsanā; tretā-­mukhe — no começo de Tretā-yuga; nṛpa — ó rei Parīkṣit; agni­nā — pelo simples fato de gerar o fogo do sacrifício; prajayā — através de seu filho; rājā — o rei Purūravā; lokam — ao planeta; gāndharvam — dos Gandharvas; eyivān — alcançou.

Tradução

Ó Mahārāja Parīkṣit, no começo de Treta-yuga, o rei Purūravā inaugurou um sacrifício karma-kāṇḍa. Assim, Purūravā, que considerava o fogo do yajña como seu filho, foi capaz de ir a Gandharva­loka, conforme era o seu desejo.

Comentário

SIGNIFICADOEm Satya-yuga, o Senhor Nārāyaṇa era adorado através da meditação (kṛte yad dhyāyato viṣṇum). Na verdade, todos sempre me­ditavam no Senhor Viṣṇu, Nārāyaṇa, e alcançavam todo o sucesso através desse processo de meditação. No yuga seguinte, Tretā-yuga, começou a realização de yajña (tretāyāṁ yajato mukhaiḥ). Portanto, este verso diz: trayī tretā-mukhe. De um modo geral, as cerimônias ritualísticas são chamadas de atividades fruitivas. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que, em Tretā-yuga, começando no Svāyambhuva-manvantara, as atividades fruitivas ritualísticas igualmente se manifestaram através de Priyavrata e outros.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do nono canto, décimo quarto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Rei Purūravā Encanta-se com Urvaśī”.