CAPÍTULO QUATORZE
O Rei Purūravā Encanta-se com Urvaśī
O resumo deste décimo quarto capítulo é dado da seguinte maneira. Este capítulo fala acerca de Soma e como ele raptou a esposa de Bṛhaspati e gerou em seu ventre um filho chamado Budha. Budha gerou Purūravā, que, no ventre de Urvaśī, gerou seis filhos, encabeçados por Āyu.
O senhor Brahmā nasceu do lótus que brotou do umbigo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu. Brahmā teve um filho chamado Atri, e o filho de Atri foi Soma, o rei de todas as substâncias medicinais e estrelas. Soma conquistou todo o universo e, estando cheio de orgulho, raptou Tārā, que era a esposa de Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses. Então, sucedeu-se uma grande luta entre os semideuses e os asuras, mas Brahmā resgatou a esposa de Bṛhaspati, tirando-a das garras de Soma, e a devolveu ao seu esposo, fazendo com que a luta terminasse. No ventre de Tārā, Soma gerou um filho chamado Budha, que mais tarde gerou no ventre de Ilā um filho chamado Aila, ou Purūravā. Urvaśī sentiu-se cativada pela beleza de Purūravā e, em razão disso, viveu com ele por algum tempo, mas, quando ela deixou sua companhia, ele quase enlouqueceu. Enquanto viajava mundo afora, encontrou-se com Urvaśī em Kurukṣetra, mas ela concordou em ficar com ele apenas uma noite por ano.
Um ano depois, Purūravā encontrou-se com Urvaśī em Kurukṣetra e ficou alegre de estar com ela aquela noite. Contudo, quando pensou que ela iria deixá-lo novamente, ele ficou completamente aflito. Então, Urvaśī aconselhou Purūravā a adorar os Gandharvas. Estando satisfeitos com Purūravā, os Gandharvas deram-lhe uma mulher conhecida como Agnisthālī. Purūravā confundiu Agnisthālī com Urvaśī, mas, enquanto andava pela floresta, seu engano foi esclarecido, e ele imediatamente abandonou a companhia dela. Após voltar para casa e meditar em Urvaśī a noite toda, ele quis realizar uma cerimônia ritualística védica para concretizar o seu desejo. Em seguida, ele foi ao mesmo lugar onde deixara Agnisthālī, e lá ele viu que, das entranhas de uma árvore śamī, surgira uma árvore aśvattha. Purūravā fez duas varetas dessa árvore e, com elas, produziu fogo. Através desse fogo, podem-se satisfazer todos os desejos luxuriosos. O fogo foi considerado filho de Purūravā. Em Satya-yuga, havia apenas uma divisão social, chamada haṁsa; não havia divisões de varṇa, tais como brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra. O Veda era o oṁkāra. Os vários semideuses não eram adorados, pois a Suprema Personalidade de Deus era a única Deidade adorável.
Texto
athātaḥ śrūyatāṁ rājan
vaṁśaḥ somasya pāvanaḥ
yasminn ailādayo bhūpāḥ
kīrtyante puṇya-kīrtayaḥ
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; atha — agora (após ouvir a história da dinastia do Sol); ataḥ — portanto; śrūyatām — simplesmente ouve-me; rājan — ó rei (Mahārāja Parīkṣit); vaṁśaḥ — a dinastia; somasya — do deus da Lua; pāvanaḥ — ouvir a respeito da qual é purificante; yasmin — na qual (dinastia); aila-ādayaḥ — encabeçados por Aila (Purūravā); bhūpāḥ — reis; kīrtyante — são descritos; puṇya-kīrtayaḥ — pessoas a respeito das quais é glorioso ouvir.
Tradução
Śrīla Śukadeva Gosvāmī disse a Mahārāja Parīkṣit: Ó rei, até aqui, ouviste a descrição da dinastia do deus do Sol. Agora, ouve a gloriosíssima e purificante narrativa acerca da dinastia do deus da Lua. Essa narração menciona reis como Aila [Purūravā]. É glorioso ouvir a respeito deles.
Texto
nābhi-hrada-saroruhāt
jātasyāsīt suto dhātur
atriḥ pitṛ-samo guṇaiḥ
Sinônimos
sahasra-śirasaḥ — que tem milhares de cabeças; puṁsaḥ — do Senhor Viṣṇu (Garbhodakaśāyī Viṣṇu); nābhi-hrada-saroruhāt — do lótus que surge do lago do umbigo; jātasya — que apareceu; āsīt — houve; sutaḥ — um filho; dhātuḥ — do senhor Brahmā; atriḥ — chamado Atri; pitṛ-samaḥ — como o seu pai; guṇaiḥ — qualificado.
Tradução
O Senhor Viṣṇu [Garbhodakaśāyī Viṣṇu] também é conhecido como Sahasra-śīrṣā Puruṣa. Do lago do Seu umbigo, brota um lótus, no qual o senhor Brahmā foi gerado. Atri, o filho do senhor Brahmā, era tão qualificado quanto o seu pai.
Texto
somo ’mṛtamayaḥ kila
viprauṣadhy-uḍu-gaṇānāṁ
brahmaṇā kalpitaḥ patiḥ
Sinônimos
tasya — dele, Atri, o filho de Brahmā; dṛgbhyaḥ — das lágrimas de júbilo que caíam dos olhos; abhavat — nasceu; putraḥ — um filho; somaḥ — o deus da Lua; amṛta-mayaḥ — cheio de raios suavizantes; kila — na verdade; vipra — dos brāhmaṇas; oṣadhi — das substâncias medicinais; uḍu-gaṇānām — e dos luzeiros; brahmaṇā — pelo senhor Brahmā; kalpitaḥ — foi apontado ou designado; patiḥ — o diretor supremo.
Tradução
Das jubilosas lágrimas de Atri, nasceu um filho chamado Soma, a Lua, que é repleto de raios suavizantes. O senhor Brahmā o apontou como diretor dos brāhmaṇas, das substâncias medicinais e dos luzeiros.
Comentário
SIGNIFICADO—De acordo com a descrição védica, Soma, o deus da Lua, nasceu da mente da Suprema Personalidade de Deus (candramā manaso jātaḥ). Mas aqui verificamos que Soma nasceu das lágrimas dos olhos de Atri. Isso parece contradizer a informação védica, mas, na verdade, não contradiz, pois se sabe que esse nascimento da Lua transcorreu em outro milênio. Ao brotarem nos olhos impelidas pelo júbilo, as lágrimas são refrescantes. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que dṛgbhya ānandāśrubhya ata evāmṛtamayaḥ: “Aqui, a palavra dṛgbhyaḥ significa ‘de lágrimas de júbilo’. Portanto, o deus da Lua chama-se amṛtamayaḥ, ‘cheio de raios refrescantes’.” No quarto canto do Śrīmad-Bhāgavatam (4.1.15), encontramos este verso:
jajñe suyaśasaḥ sutān
dattaṁ durvāsasaṁ somam
ātmeśa-brahma-sambhavān
Este verso descreve que Anasūyā, a esposa de Atri Ṛṣi, gerou três filhos – Soma, Durvāsā e Dattātreya. Afirma-se que, na hora da concepção, foram as lágrimas de Atri que engravidaram Anasūyā.
Texto
vijitya bhuvana-trayam
patnīṁ bṛhaspater darpāt
tārāṁ nāmāharad balāt
Sinônimos
saḥ — ele, Soma; ayajat — realizou; rājasūyena — o sacrifício conhecido como Rājasūya; vijitya — após conquistar; bhuvana-trayam — os três mundos (Svarga, Martya e Pātāla); patnīm — a esposa; bṛhaspateḥ — de Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses; darpāt — por orgulho; tārām — Tārā; nāma — chamada; aharat — levou; balāt — à força.
Tradução
Após conquistar os três mundos [os sistemas planetários superior, intermediário e inferior], Soma, o deus da Lua, realizou um grande sacrifício conhecido como Rājasūya-yajña. Porque ficara muito arrogante, ele raptou à força a esposa de Bṛhaspati, cujo nome era Tārā.
Texto
yācito ’bhīkṣṇaśo madāt
nātyajat tat-kṛte jajñe
sura-dānava-vigrahaḥ
Sinônimos
yadā — quando; saḥ — ele (Soma, o deus da Lua); deva-guruṇā — pelo mestre espiritual dos semideuses, Bṛhaspati; yācitaḥ — foi abordado; abhīkṣṇaśaḥ — repetidas vezes; madāt — devido ao falso orgulho; na — não; atyajat — entregou; tat-kṛte — por causa disto; jajñe — houve; sura-dānava — entre os semideuses e os demônios; vigrahaḥ — uma luta.
Tradução
Embora Bṛhaspati, o mestre espiritual dos semideuses, solicitasse-lhe repetidas vezes, Soma não devolveu Tārā. Isso se deveu ao seu falso orgulho. Consequentemente, foi deflagrada uma luta entre os semideuses e os demônios.
Texto
agrahīt sāsuroḍupam
haro guru-sutaṁ snehāt
sarva-bhūta-gaṇāvṛtaḥ
Sinônimos
śukraḥ — o semideus chamado Śukra; bṛhaspateḥ — a Bṛhaspati; dveṣāt — devido à inimizade; agrahīt — tomou; sa-asura — com os demônios; uḍupam — o partido do deus da Lua; haraḥ — o senhor Śiva; guru-sutam — partido do filho do seu mestre espiritual; snehāt — devido à afeição; sarva-bhūta-gaṇa-āvṛtaḥ — acompanhado de toda classe de fantasmas e duendes.
Tradução
Devido à inimizade entre Bṛhaspati e Śukra, Śukra se aliou ao deus da Lua, e essa sua ação foi imitada pelos demônios. Mas o senhor Śiva, devido à afeição pelo filho do seu mestre espiritual, tomou o partido de Bṛhaspati, e, nesse empreendimento, seguiram-no todos os fantasmas e duendes.
Comentário
SIGNIFICADO—O deus da Lua é um dos semideuses, mas, para lutar contra outros semideuses, ele recebeu a ajuda dos demônios. Śukra, sendo inimigo de Bṛhaspati, também se aliou ao deus da Lua para revidar iradamente Bṛhaspati. Para equilibrar a situação, o senhor Śiva, que tinha afeição por Bṛhaspati, uniu-se a este. O pai de Bṛhaspati era Aṅgirā, de quem o senhor Śiva recebeu conhecimento. Portanto, o senhor Śiva sentia certa afeição por Bṛhaspati, e tomou o seu partido nessa luta. Śrīdhara Svāmī enfatiza que aṅgirasaḥ sakāśāt prāpta-vidyo hara iti prasiddhaḥ: “Sabe-se muito bem que o senhor Śiva recebeu conhecimento de Aṅgirā.”
Texto
mahendro gurum anvayāt
surāsura-vināśo ’bhūt
samaras tārakāmayaḥ
Sinônimos
sarva-deva-gaṇa — por todos os diferentes semideuses; upetaḥ — aliou-se; mahendraḥ — Mahendra, o rei dos céus, Indra; gurum — a seu mestre espiritual; anvayāt — seguido; sura — dos semideuses; asura — e dos demônios; vināśaḥ — causando a destruição; abhūt — houve; samaraḥ — uma luta; tārakā-mayaḥ — simplesmente por causa de Tārā, uma mulher, a esposa de Bṛhaspati.
Tradução
O rei Indra, acompanhado de toda classe de semideuses, aliou-se a Bṛhaspati. Assim, desencadeada por Tārā, a esposa de Bṛhaspati, houve uma grande luta, destruindo demônios e semideuses.
Texto
somaṁ nirbhartsya viśva-kṛt
tārāṁ sva-bhartre prāyacchad
antarvatnīm avait patiḥ
Sinônimos
niveditaḥ — sendo plenamente informado; atha — assim; aṅgirasā — por Aṅgirā Muni; somam — o deus da Lua; nirbhartsya — repreendendo severamente; viśva-kṛt — o senhor Brahmā; tārām — Tārā, a esposa de Bṛhaspati; sva-bhartre — ao seu esposo; prāyacchat — entregou; antarvatnīm — grávida; avait — pôde entender; patiḥ — o esposo (Bṛhaspati).
Tradução
Ao ser completamente informado por Aṅgirā acerca de todo o episódio, o senhor Brahmā repreendeu severamente o deus da Lua, Soma. Assim, o senhor Brahmā entregou Tārā a seu esposo, que pôde então entender que ela estava grávida.
Texto
mat-kṣetrād āhitaṁ paraiḥ
nāhaṁ tvāṁ bhasmasāt kuryāṁ
striyaṁ sāntānike ’sati
Sinônimos
tyaja — expele; tyaja — expele; āśu — imediatamente; duṣprajñe — sua tola; mat-kṣetrāt — do ventre destinado a ser fecundado por mim; āhitam — gerado; paraiḥ — por outro; na — não; aham — eu; tvām — a ti; bhasmasāt — reduzida a cinzas; kuryām — farei; striyam — porque és uma mulher; sāntānike — desejando um filho; asati — embora sejas incasta.
Tradução
Bṛhaspati disse: Mulher tola! Teu ventre, que se destinava a ser fecundado por mim, foi fecundado por outrem. Deves parir imediatamente! Deves parir imediatamente! Não tenhas dúvida de que, após o nascimento da criança, não te incinerarei, pois sei que, embora sejas incasta, desejavas ter um filho. Portanto, não te punirei!
Comentário
SIGNIFICADO—Tārā era casada com Bṛhaspati, de modo que, como uma mulher casta, ela deveria ter sido fecundada por ele. Em vez disso, no entanto, ela preferiu ser fecundada por Soma, o deus da Lua, e, portanto, ela era incasta. Embora tivesse recebido Tārā do senhor Brahmā, Bṛhaspati, ao ver que ela estava grávida, quis que ela parisse imediatamente. Tārā na certa temia muito o seu esposo, e pensou que podia ser punida após dar à luz. Assim, Bṛhaspati assegurou-lhe que não a puniria, pois, embora ela fosse incasta e tivesse ficado grávida ilicitamente, ela desejava ter um filho.
Texto
kumāraṁ kanaka-prabham
spṛhām āṅgirasaś cakre
kumāre soma eva ca
Sinônimos
tatyāja — deu à luz; vrīḍitā — estando muito envergonhada; tārā — Tārā, a esposa de Bṛhaspati; kumāram — a uma criança; kanaka-prabham — tendo uma refulgência corpórea como ouro; spṛhām — aspiração; āṅgirasaḥ — Bṛhaspati; cakre — fez; kumāre — à criança; somaḥ — o deus da Lua; eva — na verdade; ca — também.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī continuou: Por ordem de Bṛhaspati, Tārā, que estava muito envergonhada, imediatamente deu à luz uma criança muito bela e cuja tez era dourada. Tanto Bṛhaspati quanto o deus da Lua, Soma, desejaram ficar com a bela criança.
Texto
tasmin vivadamānayoḥ
papracchur ṛṣayo devā
naivoce vrīḍitā tu sā
Sinônimos
mama — meu; ayam — este (filho); na — não; tava — teu; iti — assim; uccaiḥ — bem alto; tasmin — pelo filho; vivadamānayoḥ — quando os dois grupos estavam lutando; papracchuḥ — perguntaram (a Tārā); ṛṣayaḥ — todas as pessoas santas; devāḥ — todos os semideuses; na — não; eva — na verdade; uce — disse nada; vrīḍitā — sentindo-se envergonhada; tu — na verdade; sā — Tārā.
Tradução
Novamente irrompeu uma luta entre Bṛhaspati e o deus da Lua, cada um deles alegando: “Este filho é meu, e não teu!” Todos os santos e semideuses ali presentes perguntaram a Tārā de quem realmente era a criança recém-nascida, mas, como se sentia envergonhada, ela não conseguiu responder imediatamente.
Texto
kupito ’līka-lajjayā
kiṁ na vacasy asad-vṛtte
ātmāvadyaṁ vadāśu me
Sinônimos
kumāraḥ — o filho; mātaram — à sua mãe; prāha — disse; kupitaḥ — estando muito irado; alīka — fútil; lajjayā — com recato; kim — por que; na — não; vacasi — dizes; asat-vṛtte — ó mulher incasta; ātma-avadyam — o erro que cometeste; vada — dize; āśu — imediatamente; me — a mim.
Tradução
Então, a criança ficou muito irada e exigiu que sua mãe imediatamente dissesse a verdade. “Mulher incasta!”, disse a criança, “de que adianta teu recato desnecessário? Por que não reconheces teu erro? Conta-me logo a falha que houve em teu comportamento.”
Texto
samaprākṣīc ca sāntvayan
somasyety āha śanakaiḥ
somas taṁ tāvad agrahīt
Sinônimos
brahmā — o senhor Brahmā; tām — a ela, Tārā; rahaḥ — em um lugar solitário; āhūya — pondo-a; samaprākṣīt — perguntou pormenorizadamente; ca — e; sāntvayan — apaziguando; somasya — este filho pertence a Soma, o deus da Lua; iti — assim; āha — ela respondeu; śanakaiḥ — bem lentamente; somaḥ — Soma; tam — a criança; tāvat — imediatamente; agrahīt — tomou conta de.
Tradução
Então, o senhor Brahmā levou Tārā a um lugar solitário e, após apaziguá-la, perguntou-lhe a quem realmente pertencia a criança. Ela respondeu bem lentamente: “Este é o filho de Soma, o deus da Lua.” Então, o deus da Lua imediatamente se encarregou da criança.
Texto
budha ity abhidhāṁ nṛpa
buddhyā gambhīrayā yena
putreṇāpoḍurāṇ mudam
Sinônimos
tasya — da criança; ātma-yoniḥ — o senhor Brahmā; akṛta — fez; budhaḥ — Budha; iti — assim; abhidhām — o nome; nṛpa — ó rei Parīkṣit; buddhyā — pela inteligência; gambhīrayā — muito profundamente situada; yena — por meio de quem; putreṇa — por meio desse filho; āpa — obteve; uḍurāṭ — o deus da Lua; mudam — júbilo.
Tradução
Ó Mahārāja Parīkṣit, ao perceber que a criança era muitíssimo inteligente, o senhor Brahmā lhe deu o nome de Budha. Devido a esse filho, o deus da Lua, o governante das estrelas, exultou de grande júbilo.
Texto
ilāyāṁ ya udāhṛtaḥ
tasya rūpa-guṇaudārya-
śīla-draviṇa-vikramān
gīyamānān surarṣiṇā
tad-antikam upeyāya
devī smara-śarārditā
Sinônimos
tataḥ — dele (Budha); purūravāḥ — o filho chamado Purūravā; jajñe — nasceu; ilāyām — do ventre de Ilā; yaḥ — aquele que; udāhṛtaḥ — já foi descrito (no começo do nono canto); tasya — sua (de Purūravā); rūpa — beleza; guṇa — qualidades; audārya — magnanimidade; śīla — comportamento; draviṇa — riqueza; vikramān — poder; śrutvā — ouvindo; urvaśī — a mulher celestial chamada Urvaśī; indra-bhavane — na corte do rei Indra; gīyamānān — quando estavam sendo descritos; sura-ṛṣiṇā — por Nārada; tat-antikam — perto dele; upeyāya — aproximou-se; devī — Urvaśī; smara-śara — pelas flechas de Cupido; arditā — sendo acertada.
Tradução
Em seguida, Budha gerou no ventre de Ilā um filho que, ao nascer, passou a ser chamado Purūravā. Ele foi descrito no começo do nono canto. Quando sua beleza, qualidades pessoais, magnanimidade, comportamento, riqueza e poder foram descritos por Nārada na corte do rei Indra, a mulher celestial Urvaśī sentiu-se atraída por ele. Trespassada pela flecha de Cupido, ela se aproximou dele.
Texto
āpannā nara-lokatām
niśamya puruṣa-śreṣṭhaṁ
kandarpam iva rūpiṇam
upatasthe tad-antike
sa tāṁ vilokya nṛpatir
harṣeṇotphulla-locanaḥ
uvāca ślakṣṇayā vācā
devīṁ hṛṣṭa-tanūruhaḥ
Sinônimos
mitrā-varuṇayoḥ — de Mitra e Varuṇa; śāpāt — pela maldição; āpannā — tendo obtido; nara-lokatām — os hábitos de um ser humano; niśamya — vendo assim; puruṣa-śreṣṭham — o melhor dos varões; kandarpam iva — como o Cupido; rūpiṇam — tendo beleza; dhṛtim — paciência, tolerância; viṣṭabhya — aceitando; lalanā — aquela mulher; upatasthe — aproximou-se; tat-antike — perto dele; saḥ — ele, Purūravā; tām — a ela; vilokya — vendo; nṛpatiḥ — o rei; harṣeṇa — com grande júbilo; utphulla-locanaḥ — cujos olhos tornaram-se muito brilhantes; uvāca — disse; ślakṣṇayā — muito meigas; vācā — com palavras; devīm — à semideusa; hṛṣṭa-tanūruhaḥ — os pelos de seu corpo estavam arrepiados devido ao júbilo.
Tradução
Amaldiçoada por Mitra e Varuṇa, a mulher celestial Urvaśī adquiriu os hábitos de um ser humano. Por isso, ao ver Purūravā, o melhor dos varões, cuja beleza lembrava o Cupido, ela se controlou e, então, aproximou-se dele. Quando o rei Purūravā viu Urvaśī, seus olhos ficaram jubilosos em êxtase de alegria, e os pelos de seu corpo se arrepiaram. Com palavras meigas e agradáveis, falou-lhe da seguinte maneira.
Texto
svāgataṁ te varārohe
āsyatāṁ karavāma kim
saṁramasva mayā sākaṁ
ratir nau śāśvatīḥ samāḥ
Sinônimos
śrī-rājā uvāca — o rei (Purūravā) disse; svāgatam — boas-vindas; te — a ti; varārohe — ó melhor entre as belas mulheres; āsyatām — por favor, senta-te; karavāma kim — em que te posso servir; saṁramasva — simplesmente torna-te minha companheira; mayā sākam — comigo; ratiḥ — uma relação sexual; nau — entre nós; śāśvatīḥ samāḥ — por muitos anos.
Tradução
O rei Purūravā disse: Ó bela mulher, sê bem-vinda! Por favor, senta-te aqui e dize o que posso fazer por ti. Podes desfrutar comigo todo o tempo que desejares. Vamos viver felizes, fazendo sexo.
Texto
kasyās tvayi na sajjeta
mano dṛṣṭiś ca sundara
yad-aṅgāntaram āsādya
cyavate ha riraṁsayā
Sinônimos
urvaśī uvāca — Urvaśī respondeu; kasyāḥ — de que mulher; tvayi — a ti; na — não; sajjeta — se sentiria atraída; manaḥ — a mente; dṛṣṭiḥ ca — e a visão; sundara — ó formosíssimo homem; yat-aṅgāntaram — cujo peito; āsādya — o desfrute; cyavate — abandona; ha — na verdade; riraṁsayā — do prazer sexual.
Tradução
Urvaśī respondeu: Ó formosíssimo homem, qual é a mulher cuja mente e cuja visão não se sentiriam atraídas por ti? Se uma mulher se refugia em teu peito, ela não pode recusar-se a desfrutar de uma relação sexual contigo.
Comentário
SIGNIFICADO—Quando um belo homem e uma bela mulher se unem e se abraçam, como é que, dentro destes três mundos, eles poderiam evitar uma relação sexual? Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam (7.9.45) diz: yan maithunādi-gṛhamedhi-sukhaṁ hi tuccham.
Texto
nyāsau rakṣasva mānada
saṁraṁsye bhavatā sākaṁ
ślāghyaḥ strīṇāṁ varaḥ smṛtaḥ
Sinônimos
etau — a esses dois; uraṇakau — cordeiros; rājan — ó rei Purūravā; nyāsau — que caíram; rakṣasva — por favor, protege; māna-da — ó pessoa que dá a honra a um convidado ou visitante; saṁraṁsye — desfrutarei de união sexual; bhavatā sākam — em tua companhia; ślāghyaḥ — superior; strīṇām — de uma mulher; varaḥ — o esposo; smṛtaḥ — está dito.
Tradução
Meu querido rei Purūravā, por favor, protege esses dois cordeiros, que caíram quando eu também caí. Embora eu pertença aos planetas celestiais e tu pertenças à Terra, decerto gozarei de uma união sexual contigo. Não faço objeções a aceitar-te como meu esposo, pois és superior sob todos os aspectos.
Comentário
SIGNIFICADO—Como se afirma na Brahma-saṁhitā (5.40), yasya prabhā prabhavato jagad-aṇḍa-koṭi-koṭiṣv aśeṣa-vasudhādi-vibhūti-bhinnam. Existem vários planetas e várias atmosferas dentro deste universo. A atmosfera do planeta celestial de onde Urvaśī desceu após ser amaldiçoada por Mitra e Varuṇa é diferente da atmosfera desta Terra. Na verdade, os habitantes dos planetas celestiais na certa são bem superiores aos habitantes da Terra. Entretanto, Urvaśī concordou em ser a consorte de Purūravā, embora ela pertencesse a uma comunidade superior. Uma mulher que encontra um homem de qualidades superiores pode aceitar esse homem como seu esposo. Igualmente, se um homem encontra uma mulher de família inferior, mas que possui boas qualidades, ele pode aceitar essa brilhante esposa, como aconselha Śrī Cāṇakya Paṇḍita (strī-ratnaṁ duṣkulād api). A combinação entre o homem e a mulher vale a pena se as qualidades de ambos estão no mesmo nível.
Texto
nekṣe tvānyatra maithunāt
vivāsasaṁ tat tatheti
pratipede mahāmanāḥ
Sinônimos
ghṛtam — manteiga clarificada ou néctar; me — meu; vīra — ó herói; bhakṣyam — alimento; syāt — será; na — não; īkṣe — verei; tvā — a ti; anyatra — em algum outro momento; maithunāt — exceto na hora do intercurso sexual; vivāsasam — sem qualquer roupa (despido); tat — isto; tathā iti — deve ser assim; pratipede — prometeu; mahāmanāḥ — ó rei Purūravā.
Tradução
Urvaśī disse: “Meu querido herói, comerei somente as preparações feitas em ghī [manteiga clarificada], e não quero ver-te despido em momento algum, exceto na hora do intercurso sexual.” O magnânimo rei Purūravā aceitou essas propostas.
Texto
nara-loka-vimohanam
ko na seveta manujo
devīṁ tvāṁ svayam āgatām
Sinônimos
aho — maravilhosa; rūpam — beleza; aho — maravilhosos; bhāvaḥ — gestos; nara-loka — na sociedade humana ou no planeta Terra; vimohanam — tão atraente; kaḥ — quem; na — não; seveta — pode aceitar; manujaḥ — entre os seres humanos; devīm — uma semideusa; tvām — como tu; svayam āgatām — que chegou pessoalmente.
Tradução
Purūravā respondeu: Ó pessoa belíssima, tua beleza é maravilhosa e teus gestos também o são. Na verdade, és atraente para toda a sociedade humana. Portanto, como vieste dos planetas celestiais por tua própria conta, quem na Terra não concordaria em servir a uma semideusa da tua magnitude?
Comentário
SIGNIFICADO—Pelas palavras de Urvaśī, parece que, nos planetas celestiais, os padrões de vida, alimentação, comportamento e fala são todos diferentes dos padrões existentes neste planeta Terra. Os habitantes dos planetas celestiais não comem coisas abomináveis, tais como carne e ovos; tudo o que eles comem é preparado com manteiga clarificada. Tampouco gostam de ver homens ou mulheres nus, exceto no momento do intercurso sexual. Viver nu ou seminu é para os incivilizados, mas, neste planeta Terra, tornou-se uma tendência andar seminu, e, às vezes, há hippies que vivem completamente nus. Na verdade, existem muitos clubes e sociedades com esse propósito. Entretanto, não se permite tal conduta nos planetas celestiais. Os habitantes dos planetas celestiais, além de serem muito belos, tanto na compleição quanto nos traços físicos, têm bom comportamento e uma vida longa, e comem primorosos alimentos no modo da bondade. Essas são algumas diferenças entre os habitantes dos planetas celestiais e os habitantes da Terra.
Texto
ramayantyā yathārhataḥ
reme sura-vihāreṣu
kāmaṁ caitrarathādiṣu
Sinônimos
tayā — com ela; saḥ — ele; puruṣa-śreṣṭhaḥ — o melhor dos seres humanos (Purūravā); ramayantyā — desfrutando; yathā-arhataḥ — na medida do possível; reme — desfrutava; sura-vihāreṣu — em lugares parecidos com bosques celestiais; kāmam — de acordo com seu desejo; caitraratha-ādiṣu — nos melhores jardins, como Caitraratha.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: O melhor dos seres humanos, Purūravā, começou a desfrutar livremente da companhia de Urvaśī, que se ocupava em atividades sexuais com ele em muitos lugares celestiais, tais como Caitraratha e Nandana-kānana, onde os semideuses desfrutam.
Texto
padma-kiñjalka-gandhayā
tan-mukhāmoda-muṣito
mumude ’har-gaṇān bahūn
Sinônimos
ramamāṇaḥ — desfrutando de sexo; tayā — com ela; devyā — a deusa celestial; padma — de um lótus; kiñjalka — como o açafrão; gandhayā — a fragrância de quem; tat-mukha — seu belo rosto; āmoda — pela fragrância; muṣitaḥ — sendo vivificado mais e mais; mumude — desfrutou a vida; ahaḥ-gaṇān — dias após dias; bahūn — muitos.
Tradução
O corpo de Urvaśī era tão perfumado como o açafrão de um lótus. Sendo vivificado pela fragrância do seu rosto e do seu corpo, Purūravā, em grande júbilo, desfrutou de sua companhia por muitos dias.
Texto
gandharvān samacodayat
urvaśī-rahitaṁ mahyam
āsthānaṁ nātiśobhate
Sinônimos
apaśyan — sem ver; urvaśīm — Urvaśī; indraḥ — o rei do planeta celestial; gandharvān — aos Gandharvas; samacodayat — instruiu; urvaśī-rahitam — sem Urvaśī; mahyam — minha; āsthānam — morada; na — não; atiśobhate — parece bela.
Tradução
Não vendo Urvaśī em sua assembleia, o rei dos céus, o senhor Indra, disse: “Sem Urvaśī, minha assembleia deixou de ser bela.” Considerando isso, ele pediu aos Gandharvas que a trouxessem de volta ao seu planeta celestial.
Texto
tamasi pratyupasthite
urvaśyā uraṇau jahrur
nyastau rājani jāyayā
Sinônimos
te — eles, os Gandharvas; upetya — indo ali; mahā-rātre — na calada da noite; tamasi — quando estava escuro; pratyupasthite — apareceram; urvaśyā — por Urvaśī; uraṇau — dois cordeiros; jahruḥ — roubaram; nyastau — entregues aos cuidados; rājani — do rei; jāyayā — por sua esposa, Urvaśī.
Tradução
Assim, os Gandharvas vieram à Terra e, à meia-noite, quando tudo estava escuro, apareceram na casa de Purūravā e roubaram os dois cordeiros confiados ao rei por sua esposa, Urvaśī.
Comentário
SIGNIFICADO—A “calada da noite” refere-se à meia-noite. A mahā-niśā é descrita neste smṛti-mantra: mahā-niśā dve ghaṭike rātrer madhyama-yāmayoḥ: “A meia-noite chama-se ‘calada da noite’.”
Texto
putrayor nīyamānayoḥ
hatāsmy ahaṁ kunāthena
napuṁsā vīra-māninā
Sinônimos
niśamya — ouvindo; ākranditam — berrando (por estarem sendo roubados); devī — Urvaśī; putrayoḥ — daqueles dois cordeiros, a quem ela tratava como filhos; nīyamānayoḥ — enquanto eram levados; hatā — morta; asmi — estou; aham — eu; ku-nāthena — sob a proteção de um esposo ruim; na-puṁsā — pelo eunuco; vīra-māninā — embora se considere um herói.
Tradução
Urvaśī tratava os dois cordeiros como os seus próprios filhos. Portanto, quando eles estavam sendo levados pelos Gandharvas e começaram a berrar, Urvaśī os ouviu e censurou seu esposo. “Agora estou sendo morta”, disse ela, “sob a proteção de um esposo indigno, que é um covarde e um eunuco, embora se julgue um grande herói.”
Texto
hṛtāpatyā ca dasyubhiḥ
yaḥ śete niśi santrasto
yathā nārī divā pumān
Sinônimos
yat-viśrambhāt — por depender de quem; aham — eu (estou); naṣṭā — perdida; hṛta-apatyā — desprovida de meus dois filhos, os cordeiros; ca — também; dasyubhiḥ — pelos criminosos; yaḥ — aquele que (meu dito esposo); śete — deita-se; niśi — à noite; santrastaḥ — sentindo medo; yathā — como; nārī — uma mulher; divā — durante o dia; pumān — macho.
Tradução
“Porque dependo dele, os criminosos despojaram-me dos meus dois filhos, os cordeiros, de modo que agora estou arruinada. À noite, meu esposo deita-se com medo, exatamente como uma mulher, embora durante o dia ele pareça ser um homem.”
Texto
pratottrair iva kuñjaraḥ
niśi nistriṁśam ādāya
vivastro ’bhyadravad ruṣā
Sinônimos
iti — assim; vāk-sāyakaiḥ — pelas flechas das fortes palavras; biddhaḥ — sendo trespassado; pratottraiḥ — pelas aguilhoadas; iva — como; kuñjaraḥ — um elefante; niśi — à noite; nistriṁśam — uma espada; ādāya — empunhado; vivastraḥ — nu; abhyadravat — saiu; ruṣā — irado.
Tradução
Purūravā, golpeado pelas palavras afiadas de Urvaśī, assim como um elefante é golpeado pelo bastão pontiagudo utilizado pelo seu condutor, ficou muito irado. Sem nem mesmo vestir-se adequadamente, empunhou uma espada e saiu desnudo noite adentro, para seguir os Gandharvas que haviam roubado os cordeiros.
Texto
vyadyotanta sma vidyutaḥ
ādāya meṣāv āyāntaṁ
nagnam aikṣata sā patim
Sinônimos
te — eles, os Gandharvas; visṛjya — após abandonarem; uraṇau — os dois cordeiros; tatra — no local; vyadyotanta sma — brilhantes; vidyutaḥ — reluzindo como o raio; ādāya — carregando nas mãos; meṣau — os dois cordeiros; āyāntam — retornando; nagnam — nu; aikṣata — viu; sā — Urvaśī; patim — seu esposo.
Tradução
Após abandonar os dois cordeiros, os Gandharvas reluziam brilhantemente como o raio, iluminando assim a casa de Purūravā. Então, Urvaśī viu seu esposo retornando com seus cordeiros nas mãos, mas, como ele estava nu, ela partiu.
Texto
apaśyan vimanā iva
tac-citto vihvalaḥ śocan
babhrāmonmattavan mahīm
Sinônimos
ailaḥ — Purūravā; api — também; śayane — no leito; jāyām — sua esposa; apaśyan — não vendo; vimanāḥ — melancólico; iva — assim; tat-cittaḥ — estando muito apegado a ela; vihvalaḥ — com a mente perturbada; śocan — lamentando-se; babhrāma — viajou; unmatta-vat — como um louco; mahīm — pela Terra.
Tradução
Não vendo mais Urvaśī em sua cama, Purūravā ficou muito aflito. Devido à grande atração que sentia por ela, ele estava muito perturbado. Assim, lamentando-se, colocou-se a viajar pela Terra, como um louco.
Texto
sarasvatyāṁ ca tat-sakhīḥ
pañca prahṛṣṭa-vadanaḥ
prāha sūktaṁ purūravāḥ
Sinônimos
saḥ — ele, Purūravā; tām — Urvaśī; vīkṣya — observando; kurukṣetre — no lugar conhecido como Kurukṣetra; sarasvatyām — às margens do Sarasvatī; ca — também; tat-sakhīḥ — suas companheiras; pañca — cinco; prahṛṣṭa-vadanaḥ — estando muito feliz e risonho; prāha — disse; sūktam — palavras doces; purūravāḥ — o rei Purūravā.
Tradução
Certa vez, durante suas viagens pelo mundo, Purūravā, às margens do Sarasvatī em Kurukṣetra, viu Urvaśī na associação de cinco companheiras. Com júbilo em seu rosto, falou-lhe, então, as seguintes palavras doces.
Texto
ghore na tyaktum arhasi
māṁ tvam adyāpy anirvṛtya
vacāṁsi kṛṇavāvahai
Sinônimos
aho — olá; jāye — ó minha querida esposa; tiṣṭha tiṣṭha — por favor, fica, fica; ghore — ó pessoa crudelíssima; na — não; tyaktum — abandonar; arhasi — deves; mām — a mim; tvam — tu; adya api — até agora; anirvṛtya — não tendo obtido de mim nenhuma felicidade; vacāṁsi — algumas palavras; kṛṇavāvahai — conversemos por algum tempo.
Tradução
Ó minha querida esposa, ó mais cruel das mulheres. Por favor, fica! Por favor, fica! Sei que, até agora, nunca consegui te fazer feliz, mas isso não é motivo para me abandonares. Essa atitude não é digna de ti. Mesmo que tenhas decidido deixar minha companhia, conversemos por algum tempo.
Texto
devi dūraṁ hṛtas tvayā
khādanty enaṁ vṛkā gṛdhrās
tvat-prasādasya nāspadam
Sinônimos
su-dehaḥ — corpo belíssimo; ayam — este; patati — agora desmoronará; atra — aqui mesmo; devi — ó Urvaśī; dūram — muitíssimo longe de casa; hṛtaḥ — arrastado; tvayā — por ti; khādanti — comerão; enam — este (corpo); vṛkāḥ — as raposas; gṛdhrāḥ — os abutres; tvat — tua; prasādasya — em misericórdia; na — não; āspadam — adequado.
Tradução
Ó deusa, agora que me recusaste, meu belo corpo desmoronará aqui, e como não serve para que dele possas tirar algum prazer, ele será comido por raposas e abutres.
Texto
mā mṛthāḥ puruṣo ’si tvaṁ
mā sma tvādyur vṛkā ime
kvāpi sakhyaṁ na vai strīṇāṁ
vṛkāṇāṁ hṛdayaṁ yathā
Sinônimos
urvaśī uvāca — Urvaśī disse; mā — não; mṛthāḥ — abandones tua vida; puruṣaḥ — homem; asi — és; tvam — tu; mā sma — não permitas isso; tvā — a ti; adyuḥ — podem comer; vṛkāḥ — as raposas; ime — esses sentidos (não fiques sob o controle dos teus sentidos); kva api — em parte alguma; sakhyam — amizade; na — não; vai — na verdade; strīṇām — de mulheres; vṛkāṇām — das raposas; hṛdayam — o coração; yathā — como.
Tradução
Urvaśī disse: Meu querido rei, és um homem, um herói. Espera e não abandones tua vida. Sê sóbrio e não deixes que os sentidos te dominem que nem raposas. Não deixes as raposas te comerem. Em outras palavras, não deves ser controlado pelos teus sentidos. Ao contrário, deves saber que o coração da mulher é como o de uma raposa. Não há proveito em fazer amizade com mulheres.
Comentário
SIGNIFICADO—Cāṇakya Paṇḍita aconselha que viśvāso naiva kartavyaḥ strīṣu rāja-kuleṣu ca: “Nunca deposites tua fé em uma mulher ou em um político.” Quem não é elevado em consciência espiritual é condicionado e caído – o que dizer, então, das mulheres, que são menos inteligentes do que os homens? As mulheres são comparadas aos śūdras e vaiśyas (striyo vaiśyās tathā śūdrāḥ). Na plataforma espiritual, entretanto, quando alguém se eleva à plataforma da consciência de Kṛṣṇa, seja homem, mulher, śūdra ou qualquer outra coisa, todos são iguais. Por outro lado, Urvaśī, sendo ela própria uma mulher e conhecendo a natureza das mulheres, disse que o coração de uma mulher é como o de uma raposa astuciosa. O homem que não pode controlar seus sentidos torna-se vítima desses animais astutos. Se ele puder controlar os sentidos, no entanto, não haverá possibilidade de cair vítima de astuciosas mulheres vulpinas. Cāṇakya Paṇḍita também aconselha que, se alguém tem uma esposa semelhante a uma raposa astuciosa, ele deve imediatamente deixar de viver no lar e ir para a floresta.
bhāryā cāpriya-vādinī
araṇyaṁ tena gantavyaṁ
yathāraṇyaṁ tathā gṛham
(Cāṇakya-śloka 57)
Os gṛhasthas conscientes de Kṛṣṇa devem tomar muito cuidado com as astuciosas mulheres vulpinas. Se a esposa é obediente no lar e segue seu esposo em consciência de Kṛṣṇa, a vida no lar é bem-vinda. Caso contrário, a pessoa deve abandonar o seu lar e ir para a floresta.
vanaṁ gato yad dharim āśrayeta
(Śrīmad-Bhāgavatam 7.5.5)
A pessoa deve ir para a floresta e refugiar-se nos pés de lótus de Hari, a Suprema Personalidade de Deus.
Texto
durmarṣāḥ priya-sāhasāḥ
ghnanty alpārthe ’pi viśrabdhaṁ
patiṁ bhrātaram apy uta
Sinônimos
striyaḥ — mulheres; hi — na verdade; akaruṇāḥ — sem misericórdia; krūrāḥ — astutas; durmarṣāḥ — intolerantes; priya-sāhasāḥ — para o seu próprio prazer são capazes de fazer qualquer coisa; ghnanti — elas matam; alpa-arthe — por motivo insignificante; api — na verdade; viśrabdham — fiel; patim — esposo; bhrātaram — irmão; api — também; uta — está dito.
Tradução
As mulheres, como uma classe, são inclementes e ardilosas. Elas não podem tolerar nem mesmo a mais leve ofensa. Para o seu próprio prazer, são capazes de fazer qualquer atividade irreligiosa e, portanto, não temem matar nem mesmo um esposo ou irmãos fiéis.
Comentário
SIGNIFICADO—O rei Purūravā estava muitíssimo apegado a Urvaśī. Entretanto, apesar de sua fidelidade a ela, ela o deixara. Agora, considerando que o rei estava desperdiçando sua forma de vida humana raramente alcançada, Urvaśī explicou com toda a franqueza a natureza da mulher. Devido à sua natureza, a mulher pode reagir até mesmo à mais leve ofensa de seu esposo, não apenas deixando-o, mas também matando-o, se necessário. Ela pode matar não apenas o esposo, senão que pode matar até mesmo o próprio irmão. Essa é a natureza da mulher. Portanto, no mundo material, enquanto as mulheres não aprenderem a ser castas e fiéis aos seus esposos, não poderá haver paz ou prosperidade na sociedade.
Texto
ajñeṣu tyakta-sauhṛdāḥ
navaṁ navam abhīpsantyaḥ
puṁścalyaḥ svaira-vṛttayaḥ
Sinônimos
vidhāya — estabelecendo; alīka — falsa; viśrambham — fidelidade; ajñeṣu — aos homens tolos; tyakta-sauhṛdāḥ — que abandonaram a companhia dos benquerentes; navam — novos; navam — novos; abhīpsantyaḥ — desejando; puṁścalyaḥ — mulheres muito facilmente seduzidas por outros homens; svaira — independentemente; vṛttayaḥ — profissionais.
Tradução
As mulheres se deixam seduzir pelos homens muito facilmente. Portanto, as mulheres corruptas abandonam a amizade de um homem que é seu benquerente e estabelecem falsa amizade com os tolos. Na verdade, elas buscam novos e novos amigos, um após o outro.
Comentário
SIGNIFICADO—Porque as mulheres são muito facilmente seduzidas, a Manu-saṁhitā prescreve que não devem receber liberdade. A mulher sempre deve ser protegida, seja pelo seu pai, seja pelo seu esposo, seja pelo seu filho mais velho. Se as mulheres recebem liberdade para conviver com os homens como iguais, e atualmente elas alegam que o são, elas não podem manter o seu decoro. A natureza da mulher, como pessoalmente descrita por Urvaśī, é estabelecer falsa amizade com alguém e, em seguida, buscar novos companheiros, um após o outro, mesmo que isso signifique abandonar a companhia de um benquerente sincero.
Texto
eka-rātraṁ mayeśvaraḥ
raṁsyaty apatyāni ca te
bhaviṣyanty aparāṇi bhoḥ
Sinônimos
saṁvatsara-ante — no final de cada ano; hi — na verdade; bhavān — tu; eka-rātram — apenas uma noite; mayā — comigo; īśvaraḥ — meu esposo; raṁsyati — desfrutarás de vida sexual; apatyāni — filhos; ca — também; te — teus; bhaviṣyanti — gerarás; aparāṇi — outros, um após o outro; bhoḥ — ó meu querido rei.
Tradução
Ó meu querido rei, poderás desfrutar comigo como meu esposo no final de cada ano, apenas por uma noite. Dessa maneira, terás outros filhos, um após o outro.
Comentário
SIGNIFICADO—Embora Urvaśī tivesse explicado adversamente a natureza da mulher, Mahārāja Purūravā estava muito apegado a ela, de modo que ela quis fazer alguma concessão ao rei, concordando em ser sua esposa por uma noite no final de cada ano.
Texto
devīṁ sa prayayau purīm
punas tatra gato ’bdānte
urvaśīṁ vīra-mātaram
Sinônimos
antarvatnīm — grávida; upālakṣya — observando; devīm — Urvaśī; saḥ — ele, o rei Purūravā; prayayau — retornou; purīm — ao seu palácio; punaḥ — novamente; tatra — àquele mesmo lugar; gataḥ — foi; abda-ante — no final do ano; urvaśīm — Urvaśī; vīra-mātaram — a mãe de um filho kṣatriya.
Tradução
Compreendendo que Urvaśī estava grávida, Purūravā retornou ao seu palácio. No final de um ano, ali em Kurukṣetra, ele obteve novamente a companhia de Urvaśī, que era então a mãe de um filho heroico.
Texto
samuvāsa tayā niśām
athainam urvaśī prāha
kṛpaṇaṁ virahāturam
Sinônimos
upalabhya — obtendo a associação; mudā — em grande júbilo; yuktaḥ — unindo-se; samuvāsa — desfrutou de sexo em sua companhia; tayā — com ela; niśām — naquela noite; atha — em seguida; enam — ao rei Purūravā; urvaśī — a mulher chamada Urvaśī; prāha — disse; kṛpaṇam — àquele que era pobre de coração; viraha-āturam — aflito ao imaginar a separação.
Tradução
Tendo recuperado Urvaśī no final do ano, o rei Purūravā estava muito jubiloso, e desfrutou de sexo com ela por uma noite. Em seguida, entretanto, ele ficou muito sentido ao pensar em separar-se dela, de modo que Urvaśī falou-lhe as seguintes palavras.
Texto
tubhyaṁ dāsyanti mām iti
tasya saṁstuvatas tuṣṭā
agni-sthālīṁ dadur nṛpa
urvaśīṁ manyamānas tāṁ
so ’budhyata caran vane
Sinônimos
gandharvān — nos Gandharvas; upadhāva — vai refugiar-te; imān — estes; tubhyam — a ti; dāsyanti — entregarão; mām iti — exatamente como eu, ou eu de fato; tasya — com ele; saṁstuvataḥ — oferecendo orações; tuṣṭāḥ — estando satisfeitos; agni-sthālīm — uma jovem produzida do fogo; daduḥ — entregaram; nṛpa — ó rei; urvaśīm — Urvaśī; manya-mānaḥ — pensando; tām — a ela; saḥ — ele (Purūravā); abudhyata — entendeu de fato; caran — enquanto caminhava; vane — na floresta.
Tradução
Urvaśī disse: “Meu querido rei, busca refúgio nos Gandharvas, pois eles serão capazes de novamente me entregar a ti.” Seguindo a instrução contida nessas palavras, o rei satisfez os Gandharvas com orações, e os Gandharvas, estando satisfeitos com ele, deram-lhe uma jovem chamada Agnisthālī, que tinha exatamente a mesma aparência de Urvaśī. Pensando que a jovem era Urvaśī, o rei começou a andar com ela pela floresta, mas, posteriormente, pôde entender que ela não era Urvaśī, mas Agnisthālī.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta que Purūravā era muito luxurioso. Logo após obter a jovem Agnisthālī, ele quis fazer sexo com ela, mas, durante o ato sexual, pôde entender que a jovem era Agnisthālī, e não Urvaśī. Isso indica que todo homem apegado a uma determinada mulher conhece as características particulares daquela mulher durante o ato sexual. Assim, Purūravā entendeu durante o intercurso sexual que a jovem Agnisthālī não era Urvaśī.
Texto
gṛhān ādhyāyato niśi
tretāyāṁ sampravṛttāyāṁ
manasi trayy avartata
Sinônimos
sthālīm — a mulher Agnisthālī; nyasya — abandonando imediatamente; vane — na floresta; gatvā — ao retornar; gṛhān — em casa; ādhyāyataḥ — começou a meditar; niśi — a noite toda; tretāyām — quando o milênio Treta; sampravṛttāyām — estava prestes a começar; manasi — em sua mente; trayī — o princípio dos três Vedas; avartata — revelaram-se.
Tradução
Então, o rei Purūravā deixou Agnisthālī na floresta e retornou à sua casa, onde meditou em Urvaśī ao longo de toda a noite. No decorrer de sua meditação, começou o milênio Treta, de modo que os princípios dos três Vedas, incluindo o processo de realizar yajña para concretizar as aspirações fruitivas, apareceu dentro do seu coração.
Comentário
SIGNIFICADO—Declara-se que tretāyāṁ yajato makhaiḥ: em Treta-yuga, se alguém realizasse yajñas, obteria o resultado daqueles yajñas. Realizando o viṣṇu-yajña especificamente, seria possível até mesmo alcançar os pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus. Evidentemente, o yajña destina-se a satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Enquanto Purūravā meditava em Urvaśī, começou Tretā-yuga, e, por conseguinte, os yajñas védicos foram revelados em seu coração. Mas Purūravā era um materialista, especialmente preocupado em desfrutar dos sentidos. Yajñas para o gozo dos sentidos chamam-se karma-kāṇḍīya-yajñas. Portanto, ele decidiu realizar karma-kāṇḍīya-yajñas para concretizar seus desejos luxuriosos. Em outras palavras, os karma-kāṇḍīya-yajñas destinam-se às pessoas sensuais, ao passo que, na verdade, deve-se realizar yajña para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus em Kali-yuga, recomenda-se o saṅkīrtana-yajña. Yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ. Apenas aqueles que são muito inteligentes adotam o saṅkīrtana-yajña para satisfazer todos os seus desejos, materiais e espirituais, ao passo que aqueles que são luxuriosos e buscam o gozo dos sentidos realizam karma-kāṇḍīya-yajñas.
Texto
śamī-garbhaṁ vilakṣya saḥ
tena dve araṇī kṛtvā
urvaśī-loka-kāmyayā
adharāraṇim uttarām
ātmānam ubhayor madhye
yat tat prajananaṁ prabhuḥ
Sinônimos
sthālī-sthānam — o lugar onde deixara Agnisthālī; gataḥ — indo até lá; aśvattham — uma árvore aśvattha; śamī-garbham — produzida das entranhas de uma árvore śamī; vilakṣya — vendo; saḥ — ele; Purūravā; tena — daquela; dve — dois; araṇī — pedaços de madeira necessários para acender um fogo de sacrifício; kṛtvā — fazendo; urvaśī-lokakāmyayā — desejando ir ao planeta onde Urvaśī estava presente; urvaśīm — Urvaśī; mantrataḥ — cantando o mantra adequado; dhyāyan — meditando em; adhara — inferior; araṇim — madeira araṇi; uttarām — e a superior; ātmānam — ele próprio; ubhayoḥ madhye — entre as duas; yat tat — aquele que (ele meditava em); prajananam — como um filho; prabhuḥ — o rei.
Tradução
Quando o processo de yajñas fruitivos se manifestou em seu coração, o rei Purūravā dirigiu-se ao mesmo lugar onde deixara Agnisthālī. Ali, ele viu que, das entranhas de uma árvore śamī, havia brotado uma árvore aśvattha. Então, ele pegou um pedaço de madeira dessa árvore e fez dele dois araṇis. Desejando ir ao planeta onde Urvaśī residia, ele cantou mantras, meditando no araṇi inferior como sendo Urvaśī, no superior como sendo ele mesmo, e no pedaço de madeira entre eles como sendo seu filho. Dessa maneira, ele começou a acender um fogo.
Comentário
SIGNIFICADO—O fogo védico para a realização de yajña não era aceso com fósforos comuns ou artefatos semelhantes. Em vez disso, o fogo sacrificatório védico era aceso com araṇis, ou dois pedaços de madeira sagrada que produziam o fogo através da fricção com um terceiro. Tal fogo é necessário para a realização do yajña. Se exitoso, o yajña satisfaz o desejo daquele que o realiza. Assim, Purūravā tirou proveito do processo de yajña para satisfazer seus desejos luxuriosos. Ele pensava no araṇi inferior como sendo Urvaśī, no superior como sendo ele mesmo, e no intermediário como sendo seu filho. Um relevante mantra védico que Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura cita nesta passagem é śamī-garbhād agniṁ mantha. Um mantra semelhante é urvaśyām urasi purūravāḥ. Purūravā queria continuamente ter filhos com Urvaśī. Sua única ambição era gozar de vida sexual com ela e, desse modo, obter filhos. Em outras palavras, ele tinha tanta luxúria em seu coração que, mesmo durante a realização do yajña, pensava em Urvaśī, em vez de pensar no mestre do yajña, Yajñeśvara, o Senhor Viṣṇu.
Texto
jāta-vedā vibhāvasuḥ
trayyā sa vidyayā rājñā
putratve kalpitas tri-vṛt
Sinônimos
tasya — de Purūravā; nirmanthanāt — devido à interação; jātaḥ — nasceu; jāta-vedāḥ — destinado ao gozo material de acordo com princípios védicos; vibhāvasuḥ — um fogo; trayyā — segundo os princípios védicos; saḥ — o fogo; vidyayā — mediante esse processo; rājñā — pelo rei; putratve — o nascimento de um filho; kalpitaḥ — assim se tornou; tri-vṛt — as três letras a-u-m combinadas formando o oṁ.
Tradução
Ao friccionar os araṇis, Purūravā produziu um fogo. Através desse fogo, a pessoa pode alcançar todo o sucesso no gozo material e purificar-se no nascimento seminal, na iniciação e na realização de sacrifício, que são invocados com as letras a-u-m combinadas. Assim, o fogo era considerado o filho do rei Purūravā.
Comentário
SIGNIFICADO—De acordo com o processo védico, pode-se obter um filho através de sêmen (śukra), pode-se obter um discípulo genuíno através da iniciação (sāvitra) ou pode-se obter um filho ou discípulo através do fogo do sacrifício (yajña). Logo, quando Mahārāja Purūravā gerou o fogo, friccionando os araṇis, o fogo se tornou seu filho. Quer através do sêmen, quer através da iniciação, quer através do yajña, pode-se obter um filho. O mantra védico oṁkara, ou praṇava, consistindo nas letras a-u-m, pode trazer à existência cada um desses três métodos. Portanto, as palavras nirmanthanāj jātaḥ indicam que, friccionando os araṇis, nasceu um filho.
Texto
bhagavantam adhokṣajam
urvaśī-lokam anvicchan
sarva-devamayaṁ harim
Sinônimos
tena — gerando semelhante fogo; ayajata — ele adorou; yajña-īśam — o mestre ou desfrutador do yajña; bhagavantam — a Suprema Personalidade de Deus; adhokṣajam — situado além da percepção sensorial; urvaśī-lokam — ao planeta onde Urvaśī estava; anvicchan — embora desejasse ir; sarva-deva-mayam — o reservatório de todos os semideuses; harim — a Suprema Personalidade de Deus.
Tradução
Por meio daquele fogo, Purūravā, que desejava ir ao planeta onde Urvaśī residia, realizou um sacrifício, com o qual satisfez a Suprema Personalidade de Deus, Hari, o desfrutador dos resultados dos sacrifícios. Assim, ele adorou o Senhor, que está além da percepção sensorial e é o reservatório de todos os semideuses.
Comentário
SIGNIFICADO—Como se afirma na Bhagavad-gītā, bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ sarva-loka-maheśvaram: qualquer loka, ou planeta, ao qual alguém deseje ir é propriedade da Suprema Personalidade de Deus, o desfrutador dos resultados dos sacrifícios. O propósito do yajña é satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. Nesta era de Kali, como explicamos muitas vezes, o yajña que consiste em cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa é o único sacrifício que pode satisfazer o Senhor Supremo. Quando o Senhor Supremo está satisfeito, pode-se concretizar qualquer desejo, seja ele material, seja espiritual. A Bhagavad-gītā (3.14) também diz que yajñād bhavati parjanyaḥ: oferecendo sacrifícios ao Senhor Viṣṇu, pode-se obter chuva o suficiente. Quando há chuva o suficiente, a terra torna-se propícia a produzir tudo (sarva-kāma-dughā mahī). Se alguém utiliza a terra adequadamente, pode obter da terra as necessidades da vida, incluindo grãos alimentícios, frutas, flores e legumes. Tudo o que pode se transformar em riqueza material vem da terra, daí se dizer que sarva-kāma-dughā mahī. Tudo é possível para aquele que realiza yajña para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus. O Senhor é adhokṣaja, além da percepção de Purūravā e dos demais. Consequentemente, a entidade viva deve realizar alguma classe de yajña. Portanto, embora desejasse algo material, Purūravā de fato realizou yajña para a satisfação dos seus desejos. Os yajñas são realizados na sociedade somente quando esta, seguindo o varṇāśrama-dharma, divide-se em quatro varṇas e quatro āśramas. Sem esse processo regulador, ninguém pode realizar yajñas, e, sem a realização de yajñas, não há planos materiais que possam em algum momento tornar a sociedade humana feliz. Todos, portanto, devem sentir-se animados a praticar yajñas. Nesta era de Kali, o yajña recomendado é o saṅkīrtana, o canto individual ou coletivo do mahā-māntra Hare Kṛṣṇa. Isso satisfará todas as necessidades da sociedade humana.
Texto
praṇavaḥ sarva-vāṅmayaḥ
devo nārāyaṇo nānya
eko ’gnir varṇa eva ca
Sinônimos
ekaḥ — somente um; eva — na verdade; purā — outrora; vedaḥ — livro de conhecimento transcendental; praṇavaḥ — o oṁkāra; sarva-vāk-mayaḥ — consistindo em todos os mantras védicos; devaḥ — o Senhor, Deus; nārāyaṇaḥ — apenas Nārāyaṇa (era adorável em Satya-yuga); na anyaḥ — nenhum outro; ekaḥ agniḥ — apenas uma divisão para o agni; varṇaḥ — ordem de vida; eva ca — e com certeza.
Tradução
Em Satya-yuga, o primeiro milênio, todos os mantras védicos estavam incluídos em um mantra – o praṇava, a raiz de todos os mantras védicos. Em outras palavras, sozinho, o Atharva Veda era a fonte de todo o conhecimento védico. A Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, era a única Deidade adorável; não havia recomendação de que se adorassem os semideuses. Só havia um fogo, e a única ordem de vida na sociedade humana era conhecida como haṁsa.
Comentário
SIGNIFICADO—Em Satya-yuga, havia apenas um Veda, e não quatro. Mais tarde, antes do começo de Kali-yuga, esse único Veda, o Atharva Veda (ou, dizem alguns, o Yajur Veda), foi dividido em quatro – Sāma, Yajur, Ṛg e Atharva – para facilitar a vida da sociedade humana. Em Satya-yuga, o único mantra era o oṁkāra (oṁ tat sat). O mesmo nome oṁkāra manifesta-se no mantra Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. A menos que alguém seja brāhmaṇa, não pode pronunciar o oṁkāra e, então, obter o resultado desejado. Em Kali-yuga, todavia, quase todos são śūdras, sem competência para pronunciar o praṇava, o oṁkāra. Portanto, os śāstras recomendam o canto do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. O oṁkāra é um mantra, ou mahā-mantra, e o Hare Kṛṣṇa também é um mahā-mantra. O propósito de pronunciar o oṁkāra é dirigir-se à Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva (oṁ namo bhagavate vāsudevāya). E o propósito de cantar o mantra Hare Kṛṣṇa é o mesmo. Hare: “Ó energia do Senhor!” Kṛṣṇa: “Ó Senhor Kṛṣṇa!” Hare: “Ó energia do Senhor!” Rāma: “Ó Senhor Supremo, ó desfrutador Supremo!” O único Senhor adorável é Hari, que é a meta dos Vedas (vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ). Adorando os semideuses, a pessoa adora as diferentes partes do Senhor, assim como se pode regar os ramos e brotos de uma árvore. Mas adorar Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus em quem tudo está incluído, é como regar a raiz da árvore, dessa maneira fornecendo água ao tronco, ramos, brotos, folhas e assim por diante. Em Satya-yuga, as pessoas sabiam como satisfazer as necessidades da vida simplesmente adorando Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus. O mesmo objetivo pode ser alcançado nesta era de Kali cantando-se o mantra Hare Kṛṣṇa, como se recomenda no Bhāgavatam. Kīrtanād eva kṛṣṇasya mukta-saṅgaḥ paraṁ vrajet. Pelo simples fato de cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, o indivíduo se livra do cativeiro imposto pela existência material e, assim, qualifica-se para retornar ao lar, retornar ao Supremo.
Texto
trayī tretā-mukhe nṛpa
agninā prajayā rājā
lokaṁ gāndharvam eyivān
Sinônimos
purūravasaḥ — do rei Purūravā; eva — assim; āsīt — houve; trayī — os princípios védicos sob a forma de karma, jñāna e upāsanā; tretā-mukhe — no começo de Tretā-yuga; nṛpa — ó rei Parīkṣit; agninā — pelo simples fato de gerar o fogo do sacrifício; prajayā — através de seu filho; rājā — o rei Purūravā; lokam — ao planeta; gāndharvam — dos Gandharvas; eyivān — alcançou.
Tradução
Ó Mahārāja Parīkṣit, no começo de Treta-yuga, o rei Purūravā inaugurou um sacrifício karma-kāṇḍa. Assim, Purūravā, que considerava o fogo do yajña como seu filho, foi capaz de ir a Gandharvaloka, conforme era o seu desejo.
Comentário
SIGNIFICADO—Em Satya-yuga, o Senhor Nārāyaṇa era adorado através da meditação (kṛte yad dhyāyato viṣṇum). Na verdade, todos sempre meditavam no Senhor Viṣṇu, Nārāyaṇa, e alcançavam todo o sucesso através desse processo de meditação. No yuga seguinte, Tretā-yuga, começou a realização de yajña (tretāyāṁ yajato mukhaiḥ). Portanto, este verso diz: trayī tretā-mukhe. De um modo geral, as cerimônias ritualísticas são chamadas de atividades fruitivas. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura diz que, em Tretā-yuga, começando no Svāyambhuva-manvantara, as atividades fruitivas ritualísticas igualmente se manifestaram através de Priyavrata e outros.
Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do nono canto, décimo quarto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Rei Purūravā Encanta-se com Urvaśī”.