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CAPÍTULO QUINZE

Paraśurāma, o Senhor Encarna como um Guerreiro

Este capítulo descreve a história de Gādhi, membro da dinastia de Aila.

Do ventre de Urvaśī, nasceram seis filhos, chamados Āyu, Śrutāyu, Satyāyu, Raya, Jaya e Vijaya. O filho de Śrutāyu foi Vasu­mān, o filho de Satyāyu foi Śrutañjaya, o filho de Raya foi Eka, o filho de Jaya foi Amita, e o filho de Vijaya foi Bhīma. O filho de Bhīma chamava-se Kāñcana, o filho de Kāñcana foi Hotraka, e o filho de Hotraka foi Jahnu, que se tornou célebre por ter bebido toda a água do Ganges de um só gole. Os descendentes de Jahnu foram, sucessivamente, Puru, Balāka, Ajaka e Kuśa. Os filhos de Kuśa foram Kuśāmbu, Tanaya, Vasu e Kuśanābha. De Kuśāmbu, veio Gādhi, que teve uma filha chamada Satyavatī. Satyavatī casou-se com Ṛcīka Muni após o muni ter contribuído com um dote substancial, e do ventre de Satyavatī, como filho de Ṛcīka Muni, nasceu Jamadagni. O filho de Jamadagni foi Rāma, ou Paraśurāma. Quando um rei chamado Kārtavīryārjuna roubou de Jamadagni a vaca-dos-desejos, Paraśurāma, que é tido pelos estudiosos eruditos como uma encarnação śaktyāveśa da Suprema Personalidade de Deus, matou Kārtavīryārjuna. Mais tarde, ele aniquilou a dinastia kṣatriya vinte e uma vezes. Depois que Paraśurāma matou Kārtavīryārjuna, Jamadagni disse-lhe que matar um rei é pecaminoso e que, como brāhmaṇa, ele deveria ter tolerado a ofensa. Portanto, Jamadagni aconselhou Paraśurāma a expiar o seu pecado viajando a vários lu­gares sagrados.

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
ailasya corvaśī-garbhāt
ṣaḍ āsann ātmajā nṛpa
āyuḥ śrutāyuḥ satyāyū
rayo ’tha vijayo jayaḥ

Sinônimos

śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; ailasya — de Purūravā; ca — também; urvaśī-garbhāt — do ventre de Urvaśī; ṣaṭ — seis; āsan — houve; ātmajāḥ — filhos; nṛpa — ó rei Parīkṣit; āyuḥ — Āyu; śrutāyuḥ — Śrutāyu; satyāyuḥ — Satyāyu; rayaḥ — Raya; atha — bem como; vijayaḥ — Vijaya; jayaḥ — Jaya.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Ó rei Parīkṣit, no ventre de Urvaśī, seis filhos foram gerados por Purūravā. Seus nomes eram Āyu, Śrutāyu, Satyāyu, Raya, Vijaya e Jaya.

Texto

śrutāyor vasumān putraḥ
satyāyoś ca śrutañjayaḥ
rayasya suta ekaś ca
jayasya tanayo ’mitaḥ
bhīmas tu vijayasyātha
kāñcano hotrakas tataḥ
tasya jahnuḥ suto gaṅgāṁ
gaṇḍūṣī-kṛtya yo ’pibat

Sinônimos

śrutāyoḥ — de Śrutāyu; vasumān — Vasumān; putraḥ — um filho; satyāyoḥ — de Satyāyu; ca — também; śrutañjayaḥ — um filho chamado Śrutañjaya; rayasya — de Raya; sutaḥ — um filho; ekaḥ — chamado Eka; ca — e; jayasya — de Jaya; tanayaḥ — o filho; amitaḥ — chamado Amita; bhīmaḥ — chamado Bhīma; tu — na verdade; vijayasya — de Vijaya; atha — em seguida; kāñcanaḥ — Kāñcana, o filho de Bhīma; hotrakaḥ — Hotraka, o filho de Kāñcana; tataḥ — então; tasya — de Hotraka; jahnuḥ — chamado Jahnu; sutaḥ — um filho; gaṅgām — toda a água do Ganges; gaṇḍūṣī-kṛtya — de um só gole; yaḥ — aquele que (Jahnu); apibat — bebeu.

Tradução

O filho de Śrutāyu foi Vasumān; o filho de Satyāyu, Śrutañjaya; o filho de Raya, Eka; o filho de Jaya, Amita; e o filho de Vijaya, Bhīma. O filho de Bhīma foi Kāñcana; o filho de Kāñcana foi Ho­traka, e o filho de Hotraka foi Jahnu, que bebeu toda a água do Ganges de um só gole.

Texto

jahnos tu purus tasyātha
balākaś cātmajo ’jakaḥ
tataḥ kuśaḥ kuśasyāpi
kuśāmbus tanayo vasuḥ
kuśanābhaś ca catvāro
gādhir āsīt kuśāmbujaḥ

Sinônimos

jahnoḥ — de Jahnu; tu — na verdade; puruḥ — um filho chamado Puru; tasya — de Puru; atha — em seguida; balākaḥ — um filho chama­do Balāka; ca — e; ātmajaḥ — o filho de Balāka; ajakaḥ — chamado Ajaka; tataḥ — depois disso; kuśaḥ — Kuśa; kuśasya — de Kuśa; api — então; kuśāmbuḥ — Kuśāmbu; tanayaḥ — Tanaya; vasuḥ — Vasu; kuśa­nābhaḥ — Kuśanābha; ca — e; catvāraḥ — quatro (filhos); gādhiḥ — Gādhi; āsīt — houve; kuśāmbujaḥ — o filho de Kuśāmbu.

Tradução

O filho de Jahnu foi Puru, o filho de Puru foi Balāka, o filho de Balāka foi Ajaka, e o filho de Ajaka foi Kuśa. Kuśa teve quatro filhos, chamados Kuśāmbu, Tanaya, Vasu e Kuśanābha. O filho de Kuśāmbu foi Gādhi.

Texto

tasya satyavatīṁ kanyām
ṛcīko ’yācata dvijaḥ
varaṁ visadṛśaṁ matvā
gādhir bhārgavam abravīt
ekataḥ śyāma-karṇānāṁ
hayānāṁ candra-varcasām
sahasraṁ dīyatāṁ śulkaṁ
kanyāyāḥ kuśikā vayam

Sinônimos

tasya — de Gādhi; satyavatīm — Satyavatī; kanyām — a filha; ṛcīkaḥ — o grande sábio Ṛcīka; ayācata — pediu; dvijaḥ — o brāhmaṇa; varam — como esposo dela; visadṛśam — não igual ou digno; matvā — pensando assim; gādhiḥ — o rei Gādhi; bhārgavam — a Ṛcīka; abravīt — respondeu; ekataḥ — com um; śyāma-karṇānām — cuja orelha é negra; hayānām — cavalos; candra-varcasām — tão brilhantes como o luar; sahasram — mil; dīyatām — por favor, entrega; śulkam — como dote; kanyāyāḥ — à minha filha; kuśikāḥ — da família de Kuśa; vayam — nós (somos).

Tradução

O rei Gādhi tinha uma filha chamada Satyavatī, e Ṛcīka, um sábio e brāhmaṇa, pediu ao rei que ela fosse sua esposa. O rei Gādhi, en­tretanto, considerava Ṛcīka um esposo indigno de sua filha, de modo que disse ao brāhmaṇa: “Meu querido senhor, pertenço à dinastia de Kuśa. Porque somos kṣatriyas aristocráticos, tens de dar algum dote à minha filha. Portanto, traze pelo menos mil cavalos, cada um deles tão brilhante como o luar e cada um com uma orelha negra, seja a direita, seja a esquerda.”

Comentário

SIGNIFICADOO filho do rei Gādhi era Viśvāmitra, que, segundo diziam, era brāhmaṇa e kṣatriya ao mesmo tempo. Viśvāmitra alcançou o status de brahmarṣi, como se explicará mais tarde. Do casamento de Satya­vatī com Ṛcīka Muni, surgiria um filho com espírito kṣatriya. O rei Gādhi impôs que um pedido incomum fosse satisfeito para que o brāhmaṇa Ṛcīka pudesse casar-se com sua filha.

Texto

ity uktas tan-mataṁ jñātvā
gataḥ sa varuṇāntikam
ānīya dattvā tān aśvān
upayeme varānanām

Sinônimos

iti — assim; uktaḥ — tendo sido solicitado; tat-matam — sua mente; jñātvā — (o sábio) pôde entender; gataḥ — dirigiu-se; saḥ — ele; varuṇa­-antikam — à residência de Varuṇa; ānīya — tendo trazido; dattvā — e após entregar; tān — aqueles; aśvān — cavalos; upayeme — casou-se; vara-ānanām — com a bela filha do rei Gādhi.

Tradução

Quando o rei Gādhi fez essa exigência, o grande sábio Ṛcīka pôde entender a mente do rei. Portanto, dirigiu-se ao semideus Varu­ṇa e conseguiu dele os mil cavalos que Gādhi exigira. Após entre­gar esses cavalos, o sábio casou-se com a bela filha do rei.

Texto

sa ṛṣiḥ prārthitaḥ patnyā
śvaśrvā cāpatya-kāmyayā
śrapayitvobhayair mantraiś
caruṁ snātuṁ gato muniḥ

Sinônimos

saḥ — ele (Ṛcīka); ṛṣiḥ — o grande santo; prārthitaḥ — sendo solicitado; patnyā — pela sua esposa; śvaśrvā — pela sua sogra; ca — também; apatya-kāmyayā — desejando um filho; śrapayitvā — após cozinhar; ubhayaiḥ — duas; mantraiḥ — cantando mantras específicos; carum — uma preparação para oferecer em sacrifício; snātum — banhar-se; gataḥ — foi; muniḥ — o grande sábio.

Tradução

Em seguida, a esposa e a sogra de Ṛcīka Muni, cada uma delas desejando um filho, pediram que o Muni preparasse uma oblação. Assim, Ṛcīka Muni preparou uma oblação para a sua esposa com um mantra brāhmaṇa e outra para a sua sogra com um mantra kṣatriya. Então, saiu para banhar-se.

Texto

tāvat satyavatī mātrā
sva-caruṁ yācitā satī
śreṣṭhaṁ matvā tayāyacchan
mātre mātur adat svayam

Sinônimos

tāvat — nesse ínterim; satyavatī — Satyavatī, a esposa de Ṛcīka; mātrā — por sua mãe; sva-carum — a oblação destinada a ela própria (a Satyavatī); yācitā — solicitada para dar; satī — sendo; śreṣṭham — melhor; matvā — pensando; tayā — por ela; ayacchat — entregue; mātre — à sua mãe; mātuḥ — da mãe; adat — comeu; svayam — pessoalmente.

Tradução

Enquanto isso, porque a mãe de Satyavatī pensou que a oblação preparada para a sua filha, a esposa de Ṛcīka, deveria ser melhor, ela pediu à sua filha aquela oblação. Satyavatī, portanto, deu sua própria oblação à sua mãe e comeu a oblação desta.

Comentário

SIGNIFICADOUm esposo tem certa afeição natural por sua esposa. Portanto, a mãe de Satyavatī pensou que a oblação que o sábio Ṛcīka preparou para Satyavatī deveria ser melhor do que sua própria oblação. Na ausência de Ṛcīka, a mãe pegou de Satyavatī a melhor oblação e a comeu.

Texto

tad viditvā muniḥ prāha
patnīṁ kaṣṭam akāraṣīḥ
ghoro daṇḍa-dharaḥ putro
bhrātā te brahma-vittamaḥ

Sinônimos

tat — este fato; viditvā — tomando conhecimento de; muniḥ — o grande sábio; prāha — disse; patnīm — à sua esposa; kaṣṭam — muito lamentável; akāraṣīḥ — fizeste; ghoraḥ — feroz; daṇḍa-dharaḥ — uma grande personalidade que pode punir os outros; putraḥ — semelhante filho; bhrātā — irmão; te — teu; brahma-vittamaḥ — um erudito, entendido em ciência espiritual.

Tradução

Ao voltar para casa após o banho e tendo compreendido o que acontecera em sua ausência, o grande sábio Ṛcīka disse à sua esposa Satyavatī: “Cometeste um grande erro. Teu filho será um kṣatriya feroz, capaz de punir a todos, e teu irmão será um erudito, entendido em ciência espiritual.”

Comentário

SIGNIFICADOUm brāhmaṇa é altamente qualificado quando pode controlar seus sentidos e sua mente, quando é um erudito que conhece a ciência espiritual, e quando é tolerante e clemente. Um kṣatriya, entretan­to, é altamente qualificado quando não hesita em punir os malfeito­res. Essas qualidades são declaradas na Bhagavad-gītā (18.42-43). Porque Satyavatī, em vez de comer sua própria oblação, comera aquela destinada à sua mãe, ela daria à luz um filho imbuído de es­pírito kṣatriya. Isso era indesejável. De um modo geral, um filho de brāhmaṇa acaba se tornando brāhmaṇa, mas, se esse filho se torna feroz como um kṣatriya, ele é designado de acordo com os quatro varṇas delineados na Bhagavad-gītā (cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ). Se o filho de um brāhmaṇa não se torna brāhmaṇa, ele pode ser chamado de kṣatriya, vaiśya ou śūdra, de acordo com as suas qualificações. O princípio básico que serve para dividir a sociedade não é o nascimento de alguém, mas suas qualidades e ações.

Texto

prasāditaḥ satyavatyā
maivaṁ bhūr iti bhārgavaḥ
atha tarhi bhavet pautro
jamadagnis tato ’bhavat

Sinônimos

prasāditaḥ — apaziguado; satyavatyā — por Satyavatī; — não; evam — assim; bhūḥ — que seja; iti — assim; bhārgavaḥ — o grande sábio; atha — se teu filho não deve tornar-se assim: tarhi — entāo; bhavet — deve tornar-se assim; pautraḥ — o neto; jamadagniḥ — Jamadagni; tataḥ — em seguida; abhavat — nasceu.

Tradução

Satyavatī, entretanto, apaziguou Ṛcīka Muni com palavras serenas e pediu que seu filho não fosse um furioso kṣatriya. Ṛcīka Muni respondeu: “Então, teu neto terá espírito kṣatriya.” Assim, Jama­dagni nasceu como filho de Satyavatī.

Comentário

SIGNIFICADOO grande sábio Ṛcīka estava muito irado, mas, de alguma manei­ra, Satyavatī o apaziguou, e, a pedido dela, ele mudou seu tempera­mento. Aqui se indica que o filho de Jamadagni seria Paraśurāma.

Texto

sā cābhūt sumahat-puṇyā
kauśikī loka-pāvanī
reṇoḥ sutāṁ reṇukāṁ vai
jamadagnir uvāha yām
tasyāṁ vai bhārgava-ṛṣeḥ
sutā vasumad-ādayaḥ
yavīyāñ jajña eteṣāṁ
rāma ity abhiviśrutaḥ

Sinônimos

— ela (Satyavatī); ca — também; abhūt — tornou-se; sumahat-­puṇyā — muito grande e sagrado; kauśikī — o rio chamado Kauśikī; loka-pāvanī — purificando o mundo inteiro; reṇoḥ — de Reṇu; sutām — a filha; reṇukām — chamada Reṇukā; vai — na verdade; jamadagniḥ — o filho de Satyavatī, Jamadagni; uvāha — casou-se com; yām — quem; tasyām — no ventre de Reṇukā; vai — na verdade; bhārgava-ṛṣeḥ — através do sêmen de Jamadagni; sutāḥ — filhos; vasumat-ādayaḥ — muitos, encabeçados por Vasumān; yavīyān — o mais novo; jajñe — nasceu; eteṣām — entre eles; rāmaḥ — Paraśurāma; iti — assim; abhiviśrutaḥ — era conhecido em toda parte.

Tradução

Mais tarde, para purificar o mundo inteiro, Satyavatī tornou-se o sagrado rio Kauśikī, e seu filho, Jamadagni, casou-se com Reṇukā, a filha de Reṇu. Através do sêmen de Jamadagni, muitos filhos, encabeçados por Vasumān, nasceram do ventre de Reṇukā. O mais novo deles chamava-se Rāma, ou Paraśurāma.

Texto

yam āhur vāsudevāṁśaṁ
haihayānāṁ kulāntakam
triḥ-sapta-kṛtvo ya imāṁ
cakre niḥkṣatriyāṁ mahīm

Sinônimos

yam — quem (Paraśurāma); āhuḥ — todos os estudiosos eruditos dizem; vāsudeva-aṁśam — uma encarnação de Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus; haihayānām — dos Haihayas; kula-antakam — o aniquilador da dinastia; triḥ-sapta-kṛtvaḥ — vinte e uma vezes; yaḥ — quem (Paraśurāma); imām — este; cakre — fez; niḥkṣatriyām — desprovida de kṣatriyas; mahīm — a Terra.

Tradução

Os estudiosos eruditos aceitam esse Paraśurāma como a célebre encarnação de Vāsudeva que aniquilou a dinastia de Kārtavīrya. Paraśurāma matou vinte e uma vezes todos os kṣatriyas da Terra.

Texto

dṛptaṁ kṣatraṁ bhuvo bhāram
abrahmaṇyam anīnaśat
rajas-tamo-vṛtam ahan
phalguny api kṛte ’ṁhasi

Sinônimos

dṛptam — muito orgulhosos; kṣatram — os kṣatriyas, a classe governante; bhuvaḥ — da Terra; bhāram — o fardo; abrahmaṇyam — peca­minosos, não se importando com os princípios religiosos enunciados pelos brāhmaṇas; anīnaśat — expulsou ou exterminou; rajaḥ-tamaḥ — pelas qualidades de paixão e ignorância; vṛtam — cobertos; ahan — ele matou; phalguni — não muito grande; api — embora; kṛte — foi cometida; aṁhasi — uma ofensa.

Tradução

Quando a dinastia real, estando excessivamente orgulhosa devido aos modos materiais de paixão e ignorância, tornou-se irreligiosa e deixou de se importar com as leis decretadas pelos brāhmaṇas, Paraśurāma a matou. Embora suas ofensas não fossem muito severas, ele a matou para diminuir o fardo do mundo.

Comentário

SIGNIFICADOOs kṣatriyas, ou a classe governante, devem reger o mundo de acordo com as regras e regulações enunciadas pelos grandes brāhmaṇas e pessoas santas. Logo que se torna irresponsável no que diz respeito aos princípios religiosos, a classe governante se torna um fardo para a Terra. Como se afirma aqui, rajas-tamo-vṛtaṁ, bhāram abrahmaṇyam: quando é influenciada pelos modos inferiores da natureza, a saber, ignorância e paixão, a classe governante se torna um fardo para o mundo e tem de ser aniquilada por um poder superior. De fato, vemos nos anais da história moderna que as monarquias foram abolidas por várias revoluções, mas, infelizmente, elas foram abo­lidas para que se estabelecesse a supremacia de homens de terceira e quarta classe. Muito embora as monarquias dominadas pelos modos da paixão e da ignorância tenham sido abolidas do mundo, os habitantes do mundo continuam infelizes, visto que, embora as qualidades dos antigos monarcas tivessem o estigma da ignorân­cia, esses monarcas foram substituídos por homens das classes mer­cantil e operária, cujas qualidades são ainda mais degradadas. Quando o governo é realmente guiado por brāhmaṇas, ou homens conscien­tes de Deus, então as pessoas podem ter verdadeira felicidade. Por­tanto, em outras eras, quando a classe governante se degradou aos modos da paixão e da ignorância, os brāhmaṇas, encabeçados por semelhante brāhmaṇa de espírito kṣatriya, Paraśurāma, mataram-na vinte e uma vezes consecutivas.

Em Kali-yuga, como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (12.2.13), dasyu-prāyeṣu rājasu: a classe governante (rājanya) será meramente composta de assaltantes (dasyus), pois os homens de terceira e quarta classe monopolizarão os afazeres do governo. Ignorando os princípios religiosos e as regras e regulações bramânicas, eles certamente tentarão assaltar as riquezas dos cidadãos, sem qualquer consideração. Como se afirma em outra passagem do Śrīmad-Bhāgavatam (12.1.40):

asaṁskṛtāḥ kriyā-hīnā
rajasā tamasāvṛtāḥ
prajās te bhakṣayiṣyanti
mlecchā rājanya-rūpiṇaḥ

Sendo impuras, negligenciando desempenhar apropriadamente os de­veres humanos, e sendo influenciadas pelos modos de paixão (rajas) e ignorância (tamas), pessoas sujas (mlecchas), fazendo-se passar por membros do governo (rājanya-rūpiṇaḥ), engolirão os cidadãos (prājas te bhakṣayiṣyanti). E em mais outra passagem, o Śrīmad-­Bhāgavatam (12.2.7-8) diz:

evaṁ prajābhir duṣṭābhir
ākīrṇe kṣiti-maṇḍale
brahma-viṭ-kṣatra-śūdrāṇāṁ
yo balī bhavitā nṛpaḥ
prajā hi lubdhai rājanyair
nirghṛṇair dasyu-dharmabhiḥ
ācchinna-dāra-draviṇā
yāsyanti giri-kānanam

A sociedade humana agrupa-se naturalmente em quatro classes, como se afirma na Bhagavad-gītā (cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ). Contuod, se esse sistema é negligenciado e não se levam em consideração as qualidades e divisões da sociedade, o resultado será brahma-viṭ-kṣatra-śūdrāṇāṁ yo balī bhavitā nṛpaḥ: o suposto sistema de castas, dividido em brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra, não terá significado. Como resultado, qualquer pessoa que, de alguma maneira, torna-se poderosa será o rei ou o presidente, e, em decorrência disso, os prajās, ou cidadãos, serão tão importunados que terão de abando­nar o aconchego do lar e ir para a floresta (yāsyanti giri-kānanam) para escapar das arremetidas dos funcionários governamentais, que não têm misericórdia e agem como assaltantes. Portanto, os prajās, ou as pessoas em geral, devem adotar o movimento da cons­ciência de Kṛṣṇa, o movimento Hare Kṛṣṇa, que é a encarnação sonora da Suprema Personalidade de Deus. Kali-kāle nāma-rūpe kṛṣṇa-avatāra: através do Seu santo nome, Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, apareceu agora como uma encarnação. Portanto, ao se tornarem conscientes de Kṛṣṇa, os prajās podem contar com um bom governo e uma boa sociedade, ter vida perfeita e libertar­-se do cativeiro imposto pela existência material.

Texto

śrī-rājovāca
kiṁ tad aṁho bhagavato
rājanyair ajitātmabhiḥ
kṛtaṁ yena kulaṁ naṣṭaṁ
kṣatriyāṇām abhīkṣṇaśaḥ

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — Mahārāja Parīkṣit perguntou; kim — qual; tat aṁhaḥ — essa ofensa; bhagavataḥ — à Suprema Personalidade de Deus; rājanyaiḥ — pela família real; ajita-ātmabhiḥ — que não podia controlar seus sentidos e, portanto, era degradada; kṛtam — que foi feita; yena — devido à qual; kulam — a dinastia; naṣṭam — foi aniquila­da; kṣatriyāṇām — da família real; abhīkṣṇaśaḥ — repetidas vezes.

Tradução

O rei Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Que ofensa os kṣatriyas que não podiam controlar seus sentidos cometeram contra o Senhor Paraśurāma, a Suprema Personalidade de Deus, levando o Senhor a aniquilar repetidas vezes a dinastia kṣatriya?

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
haihayānām adhipatir
arjunaḥ kṣatriyarṣabhaḥ
dattaṁ nārāyaṇāṁśāṁśam
ārādhya parikarmabhiḥ
bāhūn daśa-śataṁ lebhe
durdharṣatvam arātiṣu
avyāhatendriyaujaḥ śrī-
tejo-vīrya-yaśo-balam
yogeśvaratvam aiśvaryaṁ
guṇā yatrāṇimādayaḥ
cacārāvyāhata-gatir
lokeṣu pavano yathā

Sinônimos

śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī respondeu; haihayānām adhipatiḥ — o rei dos Haihayas; arjunaḥ — chamado Kārtavīryārjuna; kṣatriya-ṛṣabhaḥ — o melhor dos kṣatriyas; dattam — a Dattātreya; nārāyaṇa-aṁśa-aṁśam — a porção plenária da porção plenária de Nārāyaṇa; ārādhya — após adorar; parikarmabhiḥ — adorando de acordo com os princípios reguladores; bāhūn — braços; daśa-śatam — mil (dez vezes cem); lebhe — alcançou; durdharṣatvam — a qualidade muito difícil de conquistar; arātiṣu — em meio aos inimigos; avyāhata — imbatível; indriya-ojaḥ — força dos sentidos; śrī — beleza; tejaḥ — prestígio; vīrya — poder; yaśaḥ — fama; balam — força física; yoga-īśvaratvam — capacidade de controlar, obtida através da prática de yoga místico; aiśvaryam — opulência; guṇāḥ — qualidades; yatra — nas quais; aṇimā-ādayaḥ — oito classes de perfeição ió­guica (aṇimā, laghimā etc.); cacāra — ele foi; avyāhata-gatiḥ — cuja marcha era infatigável; lokeṣu — por todo o mundo ou universo; pavanaḥ — o vento; yathā — como.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: O melhor dos kṣatriyas, Kārtavīryārjuna, o rei dos Haihayas, recebeu mil braços ao adorar Dattātreya, a ex­pansão plenária da Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa. Ele também se tornou imbatível e recebeu poder sensório desimpedido, beleza, prestí­gio, força, fama e o poder místico pelo qual se alcançam todas as perfeições do yoga, tais como aṇimā e laghimā. Tornando-se então plenamente opulento, ele vagou livremente por todo o universo, assim como o vento.

Texto

strī-ratnair āvṛtaḥ krīḍan
revāmbhasi madotkaṭaḥ
vaijayantīṁ srajaṁ bibhrad
rurodha saritaṁ bhujaiḥ

Sinônimos

strī-ratnaiḥ — por belas mulheres; āvṛtaḥ — cercado; krīḍan — desfrutando; revā-ambhasi — na água do rio Revā, ou Narmadā; mada-utkaṭaḥ — muito arrogante devido à opulência; vaijayantīm srajam — a guirlanda da vitória; bibhrat — estando decorado com; rurodha — interrompeu o fluxo; saritam — do rio; bhujaiḥ — com seus braços.

Tradução

Certa vez, enquanto desfrutava da água do rio Narmadā, o arrogante Kārtavīryārjuna, cercado de belas mulheres e enguirlandado com uma guirlanda triunfal, interrompeu com seus braços o fluxo da água.

Texto

viplāvitaṁ sva-śibiraṁ
pratisrotaḥ-sarij-jalaiḥ
nāmṛṣyat tasya tad vīryaṁ
vīramānī daśānanaḥ

Sinônimos

viplāvitam — tendo sido inundado; sva-śibiram — seu próprio acampamento; pratisrotaḥ — que estava correndo na direção oposta; sarit-­jalaiḥ — pela água do rio; na — não; amṛṣyat — pôde tolerar; tasya — de Kārtavīryārjuna; tat vīryam — aquela influência; vīramānī — considerando-se um grande herói; daśa-ānanaḥ — o Rāvaṇa de dez cabeças.

Tradução

Porque Kārtavīryārjuna fez a água fluir na direção oposta, o acam­pamento de Rāvaṇa, que foi montado às margens do Narmadā, perto da cidade de Māhiṣmatī, ficou inundado. Isso foi insuportá­vel para o Rāvaṇa de dez cabeças, que se considerava um grande herói e não podia tolerar o poder de Kārtavīryārjuna.

Comentário

SIGNIFICADORāvaṇa saíra viajando para obter a vitória sobre todas as outras regiões (dig-vijaya), e acampara às margens do rio Narmadā, perto da cidade de Māhiṣmatī.

Texto

gṛhīto līlayā strīṇāṁ
samakṣaṁ kṛta-kilbiṣaḥ
māhiṣmatyāṁ sanniruddho
mukto yena kapir yathā

Sinônimos

gṛhītaḥ — foi preso à força; līlayā — muito facilmente; strīṇām — das mulheres; samakṣam — na presença; kṛta-kilbiṣaḥ — tornando-se, dessa maneira, um ofensor; māhiṣmatyām — na cidade conhecida como Māhiṣmatī; sanniruddhaḥ — foi preso; muktaḥ — solto; yena — por quem (Kārtavīryārjuna); kapiḥ yathā — exatamente como se faz com um macaco.

Tradução

Quando Rāvaṇa, tentando insultar Kārtavīryārjuna na presença das mulheres, ofendeu-o, Kārtavīryārjuna, assim como alguém cap­tura um macaco, facilmente capturou Rāvaṇa e o pôs sob custódia na cidade de Māhiṣmatī e, então, soltou-o de maneira displicente.

Texto

sa ekadā tu mṛgayāṁ
vicaran vijane vane
yadṛcchayāśrama-padaṁ
jamadagner upāviśat

Sinônimos

saḥ — ele, Kārtavīryārjuna; ekadā — certa vez; tu — mas; mṛgayām — enquanto caçava; vicaran — vagando; vijane — solitária; vane — em uma floresta; yadṛcchayā — sem qualquer compromisso; āśrama-padam — a residência; jamadagneḥ — de Jamadagni Muni; upāviśat — ele entrou em.

Tradução

Certa vez, enquanto percorria sem compromisso uma flo­resta solitária e caçava, Kārtavīryārjuna se aproximou da residência de Jamadagni.

Comentário

SIGNIFICADOKārtavīryārjuna não tinha nenhum motivo para ir à residência de Jamadagni, mas, como estava envaidecido com seu extraordi­nário poder, ele foi até lá e ofendeu Paraśurāma. Essa ofensa foi o prelúdio de sua morte pelas mãos de Paraśurāma.

Texto

tasmai sa naradevāya
munir arhaṇam āharat
sasainyāmātya-vāhāya
haviṣmatyā tapo-dhanaḥ

Sinônimos

tasmai — a ele; saḥ — ele (Jamadagni); naradevāya — ao rei Kārtavīryārjuna; muniḥ — o grande sábio; arhaṇam — parafernália própria para adoração; āharat — ofereceu; sa-sainya — com seus soldados; amātya — seus ministros; vāhāya — e as quadrigas, os elefantes, os cavalos ou os homens que carregavam os palanquins; haviṣmatyā — por possuir uma kāmadhenu, uma vaca que podia fornecer tudo; tapaḥ-dhanaḥ — o grande sábio, cujo único poder era sua austeridade, ou que estava ocupado em austeridades.

Tradução

O sábio Jamadagni, que estava ocupado em grandes austeridades na floresta, deu ótima acolhida ao rei, aos soldados, ministros e car­regadores do rei. Ele forneceu todos os itens necessários à adoração daqueles visitantes, pois possuía uma vaca kāmadhenu, capaz de fornecer tudo.

Comentário

SIGNIFICADOA Brahma-saṁhitā nos informa que o mundo espiritual, e especialmente o planeta Goloka Vṛndāvana, onde Kṛṣṇa vive, está cheio de vacas surabhi (surabhīr abhipālayantam). A vaca surabhi também se chama kāmadhenu. Embora possuísse apenas uma vaca kāmadhenu, Jamadagni podia obter dela tudo o que se desejasse. Assim, ele foi capaz de receber o rei e seu grande número de seguidores, ministros, soldados, animais e carregadores de palanquins. Quando falamos de um rei, compreendemos que ele está acompanhado de muitos se­guidores. Jamadagni foi capaz de receber adequadamente todos os seguidores do rei e oferecer-lhes suntuosas refeições preparadas no ghī. O rei ficou atônito de ver como Jamadagni possuía apenas uma vaca e, devido a isso, era muito opulento; portanto, ele ficou com inveja do grande sábio. Foi nesse ponto que sua ofensa come­çou a desenvolver-se. Paraśurāma, uma encarnação da Suprema Personalidade de Deus, matou Kārtavīryārjuna porque este era muito orgulhoso. Talvez alguém possua muita opulência neste mundo material, mas, se ele se torna arrogante e age caprichosamente, ele será punido pela Suprema Personalidade de Deus. Essa é a lição a ser aprendida nesta história, na qual Paraśurāma ficou irado contra Kārtavīryārjuna, matou-o e, vinte e uma vezes, varreu de todo o mundo os kṣatriyas.

Texto

sa vai ratnaṁ tu tad dṛṣṭvā
ātmaiśvaryātiśāyanam
tan nādriyatāgnihotryāṁ
sābhilāṣaḥ sahaihayaḥ

Sinônimos

saḥ — ele (Kārtavīryārjuna); vai — na verdade; ratnam — uma grande fonte de riqueza; tu — na verdade; tat — a kāmadhenu que estava aos cuidados de Jamadagni; dṛṣṭvā — observando; ātma-aiśvarya — sua opulência pessoal; ati-śāyanam — que era exorbitante; tat — isto; na — não; ādriyata — apreciou muito; agnihotryām — daquela vaca, que era útil para executar sacrifícios agnihotra; sa-abhilāṣaḥ — tornou-se desejoso; sa-haihayaḥ — com os seus próprios homens, os Haihayas.

Tradução

Pelo fato de Jamadagni possuir uma joia sob a forma de uma kāmadhenu, Kārtavīryārjuna julgava-o mais rico e poderoso do que ele próprio. Portanto, ele e seus homens, os Haihayas, não apreciaram muito a recepção dada por Jamadagni. Ao contrário, eles queriam levar aquela kāmadhenu, que era útil para a execução do sacrifício agnihotra.

Comentário

SIGNIFICADOJamadagni era mais poderoso do que Kārtavīryārjuna porque realizava o agnihotra-yajña com manteiga clarificada recebida da kāma­dhenu. Não é todo mundo que tem o privilégio de possuir semelhante vaca. Entretanto, o homem comum pode possuir uma vaca comum, proteger esse animal, tirar dela suficiente leite, e utilizar o leite na produção de manteiga e ghī clarificado, especialmente para realizar o agnihotra-yajña. Isso todos podem fazer. Logo, na Bhagavad-gītā, verifica-se que o Senhor Kṛṣṇa aconselha go-rakṣya, proteção às vacas. Isso é essencial, pois, se forem cuidadas adequadamente, as vacas decerto produzirão bastante leite. Temos experiência prática nos Estados Unidos da América, onde, em nossas várias fazendas da ISKCON, por estarmos dando proteção adequada às vacas, re­cebemos leite em profusão. Em outras fazendas, as vacas não dão tanto leite quanto em nossas fazendas – porque sabem muito bem que não vamos matá-las, nossas vacas sentem-se felizes e dão muito leite. Portanto, esta instrução dada pelo Senhor Kṛṣṇa – go-rakṣya – é deveras significativa. O mundo inteiro deve aprender com Kṛṣṇa como evitar a escassez e viver feliz, simplesmente produzindo grãos alimentícios (annād bhavanti bhūtāni) e dando proteção às vacas (go-rakṣya). Kṛṣi-go-rakṣya-vāṇijyaṁ vaiśya-karma svabhāvajam. Aqueles que pertencem à terceira divisão da sociedade humana, a saber, a classe mercantil, devem manter a terra para produzir grãos alimentícios e proteger as vacas. Esse é o preceito da Bhagavad-gītā. Quando se fala de proteger as vacas, talvez os comedores de carne protestem, mas, em resposta a eles, podemos dizer que, já que Kṛṣṇa enfatiza que se protejam as vacas, aqueles que são propensos a comer carne podem comer a carne de animais insignificantes, tais como porcos, cães, bodes e carneiros, mas não devem ceifar a vida das vacas, pois isso é destrutivo para o avanço espiritual da sociedade humana.

Texto

havirdhānīm ṛṣer darpān
narān hartum acodayat
te ca māhiṣmatīṁ ninyuḥ
sa-vatsāṁ krandatīṁ balāt

Sinônimos

haviḥ-dhānīm — a kāmadhenu; ṛṣeḥ — do grande sábio Jamadagni; darpāt — por ser muito arrogante devido ao poder material; narān — todos os seus homens (soldados); hartum — a roubarem ou levarem; acodayat — encorajou; te — os homens de Kārtavīryārjuna; ca — também; māhiṣmatīm — à capital de Kārtavīryārjuna; ninyuḥ — trouxeram; sa­-vatsām — com o bezerro; krandatīm — lacrimejante; balāt — por ser le­vada à força.

Tradução

Sendo arrogante por causa de seu poder material, Kārtavīryārjuna encorajou seus homens a roubarem de Jamadagni a kāmadhenu. Assim, os homens tomaram à força a lacrimejante kāmadhenu, juntamente com o seu bezerro, levando-os a Māhiṣmatī, a capital de Kārtavīryārjuna.

Comentário

SIGNIFICADONeste verso, a palavra havirdhānīm é significativa. Havirdhānīm refere-se à vaca que serve para fornecer havis, ou ghī, para a realização das cerimônias ritualísticas dos sacrifícios. Na vida humana, deve-­se aprender a realizar yajñas. Como nos informa a Bhagavad-gītā (3.9), yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ: se não realizarmos yajña, simplesmente trabalharemos arduamente na tentativa de obtermos gozo dos sentidos, como os cães e os porcos. Isso não é civilização. O ser humano deve ser treinado para realizar yajñas. Yajñād bhavati parjanyaḥ. Se os yajñas são regularmente rea­lizados, cairão do céu chuvas adequadas, e, quando há chuva regular, a terra é fértil e facilita a produção de todas as necessidades da vida. O yajña, portanto, é essencial. Para realizar yajña, a manteiga clari­ficada é essencial, e, para obter manteiga clarificada, a proteção às vacas é essencial. Portanto, se negligenciarmos o processo da civiliza­ção védica, com certeza sofreremos. Os supostos eruditos e filósofos não conhecem o segredo do sucesso da vida e, portanto, sofrem nas mãos da prakṛti, a natureza (prakṛteḥ kriyamāṇāni guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ). Entretanto, embora sejam forçados a sofrer, eles pensam estar avançando em civilização (ahaṅkāra-vimūḍhātmā kartāham iti manyate). Por conseguinte, o movimento da consciência de Kṛṣṇa destina-se a reviver o modo de civilização em que todos serão felizes. Esse é o objetivo do nosso movimento da consciência de Kṛṣṇa. Yajñe sukhena bhavantu.

Texto

atha rājani niryāte
rāma āśrama āgataḥ
śrutvā tat tasya daurātmyaṁ
cukrodhāhir ivāhataḥ

Sinônimos

atha — em seguida; rājani — quando o rei; niryāte — foi embora; rāmaḥ — Paraśurāma, o filho mais novo de Jamadagni; āśrame — à caba­na; āgataḥ — regressou; śrutvā — quando ouviu; tat — esta; tasya — de Kārtavīryārjuna; daurātmyam — ação nefasta; cukrodha — ficou extremamente irado; ahiḥ — uma serpente; iva — como; āhataḥ — pisoteada ou machucada.

Tradução

Em seguida, quando Kārtavīryārjuna se fora com a kāmadhenu, Paraśurāma regressou ao āśrama. Ao tomar conhecimento do nefasto feito de Kārtavīrvārjuna, Paraśurāma, o filho caçula de Jamadagni, ficou tão irado como uma serpente pisoteada.

Texto

ghoram ādāya paraśuṁ
satūṇaṁ varma kārmukam
anvadhāvata durmarṣo
mṛgendra iva yūthapam

Sinônimos

ghoram — extremamente terrível; ādāya — empunhando; paraśum — um cutelo; sa-tūṇam — juntamente com uma aljava; varma — um escudo; kārmukam — um arco; anvadhāvata — seguiu; durmarṣaḥ — o Senhor Paraśurāma, estando excessivamente irado; mṛgendraḥ — um leão; iva — como; yūthapam — (ataca) um elefante.

Tradução

Apanhando seu terrível cutelo, seu escudo, seu arco e uma aljava de flechas, o Senhor Paraśurāma, excessivamente irado, procurou Kārtavīryārjuna, assim como um leão caça um elefante.

Texto

tam āpatantaṁ bhṛgu-varyam ojasā
dhanur-dharaṁ bāṇa-paraśvadhāyudham
aiṇeya-carmāmbaram arka-dhāmabhir
yutaṁ jaṭābhir dadṛśe purīṁ viśan

Sinônimos

tam — aquele Senhor Paraśurāma; āpatantam — seguindo-o; bhṛgu-­varyam — o melhor da dinastia Bhṛgu, o Senhor Paraśurāma; ojasā — muito ferozmente; dhanuḥ-dharam — carregando um arco; bāṇa — flechas; paraśvadha — cutelo; āyudham — tendo todas essas armas; aiṇeya-carma — pele de veado negra; ambaram — a cobertura de seu corpo; arka-dhāmabhiḥ — parecendo o brilho solar; yutam jaṭā­bhiḥ — com mechas de cabelo; dadṛśe — ele viu; purīm — na capital; viśan — entretanto.

Tradução

Logo que entrou em sua capital, Māhiṣmatī Purī, o rei Kārtavīryārjuna viu o Senhor Paraśurāma, o melhor da dinastia Bhṛgu, seguindo-o, armado de cutelo, escudo, arco e flechas. O Senhor Paraśurāma estava coberto com uma pele de veado negro, e suas mechas de cabelo encaracolado pareciam o brilho do Sol.

Texto

acodayad dhasti-rathāśva-pattibhir
gadāsi-bāṇarṣṭi-śataghni-śaktibhiḥ
akṣauhiṇīḥ sapta-daśātibhīṣaṇās
tā rāma eko bhagavān asūdayat

Sinônimos

acodayat — ele enviou para lutar; hasti — com elefantes; ratha — com quadrigas; aśva — com cavalos; pattibhiḥ — e com infantaria; gadā — com maças; asi — com espadas; bāṇa — com flechas; ṛṣṭi — com armas chamadas ṛṣṭis; śataghni — com armas chamadas śataghnis; śaktibhiḥ — com armas chamadas śaktis; akṣauhiṇīḥ — completos agrupamentos de akṣauhiṇīs; sapta-daśa — dezessete; ati-bhīṣaṇāḥ — muito ferozes; tāḥ — todos eles; rāmaḥ — o Senhor Paraśurāma; ekaḥ — sozi­nho; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; asūdayat — matou.

Tradução

Ao ver Paraśurāma, Kārtavīryārjuna imediatamente o temeu e enviou para lutar contra ele muitos elefantes, quadrigas, cavalos e soldados de infantaria equipados com maças, espadas, flechas, ṛṣṭis, śataghnis, śaktis e muitas armas semelhantes. Para conter Paraśurāma, Kārtavīryārjuna mandou um total de dezessete akṣauhiṇīs de soldados. Todavia, o Senhor Paraśurāma, sem a ajuda de mais ninguém, tirou a vida de todos.

Comentário

SIGNIFICADOA palavra akṣauhiṇī refere-se a uma falange militar que consiste em 21.870 quadrigas e elefantes, 109.350 soldados de infantaria e 65.610 cavalos. Uma descrição exata é dada da seguinte maneira no Mahābhārata, Ādi-parva, segundo capítulo:

eko ratho gajaś caikaḥ
narāḥ pañca padātayaḥ
trayaś ca turagās taj-jñaiḥ
pattir ity abhidhīyate
pattiṁ tu triguṇām etāṁ
viduḥ senāmukhaṁ budhāḥ
trīṇi senāmukhāny eko
gulma ity adhidhīyate
trayo gulmā gaṇo nāma
vāhinī tu gaṇās trayaḥ
śrutās tisras tu vāhinyaḥ
pṛtaneti vicakṣaṇaiḥ
camūs tu pṛtanās tisraś
caṁvas tisras tv anīkinī
anīkinīṁ daśa-guṇām
āhur akṣauhiṇīṁ budhāḥ
akṣauhiṇyas tu saṅkhyātā
rathānāṁ dvija-sattamāḥ
saṅkhyā-gaṇita-tattvajñaiḥ
sahasrāṇy eka-viṁśati
śatāny upari cāṣṭau ca
bhūyas tathā ca saptatiḥ
gajānāṁ tu parīmāṇaṁ
tāvad evātra nirdiśet
jñeyaṁ śata-sahasraṁ tu
sahasrāṇi tathā nava
narāṇām adhi pañcāśac
chatāni trīṇi cānaghāḥ
pañca-ṣaṣṭi-sahasrāṇi
tathāśvānāṁ śatāni ca
daśottarāṇi ṣaṭ cāhur
yathāvad abhisaṅkhyayā
etām akṣauhiṇīṁ prāhuḥ
saṅkhyā-tattva-vido janāḥ

“Uma quadriga, um elefante, cinco soldados de infantaria e três cavalos são chamados de patti pelos peritos na ciência militar. Os eruditos também sabem que um senāmukha é três vezes um patti. Três senāmukhas são conhecidos como um gulma, três gulmas são chamadas de gaṇa, e três gaṇas são chamadas de vāhinī. Os entendidos no assunto dizem que três vāhinīs são tidas como uma pṛta­nā, três pṛtanās equivalem a uma camū, e três camūs são iguais a uma anīkinī. Os sábios mencionam que dez anīkinīs são uma akṣauhiṇī. De acordo com os peritos que realizam esses cálculos, as quadrigas de uma akṣauhiṇī totalizam 21.870, ó melhor dos duas vezes nascidos, e também é esse o número de elefantes. O número dos soldados de infantaria perfaz 109.350, e o número de cavalos perfaz 65.610. Isso se chama uma akṣauhiṇī.”

Texto

yato yato ’sau praharat-paraśvadho
mano-’nilaujāḥ para-cakra-sūdanaḥ
tatas tataś chinna-bhujoru-kandharā
nipetur urvyāṁ hata-sūta-vāhanāḥ

Sinônimos

yataḥ — onde quer que; yataḥ — onde quer que; asau — o Senhor Paraśurāma; praharat — retalhando; paraśvadhaḥ — sempre hábil em usar sua arma, o paraśu, ou cutelo; manaḥ — como a mente; anila — como o vento; ojāḥ — sendo vigoroso; para-cakra — da força militar dos inimigos; sūdanaḥ — matador; tataḥ — aqui; tataḥ — e ali; chinna — espalhados e decepados; bhuja — braços; ūru — pernas; kandha­rāḥ — ombros; nipetuḥ — caídos; urvyām — no chão; hata — mortos; sūta — quadrigários; vāhanāḥ — cavalos e elefantes carregadores.

Tradução

O Senhor Paraśurāma, sendo hábil em destruir a força militar do inimigo, agiu com a velocidade da mente e do vento, retalhando os inimigos com seu cutelo [paraśu]. Aonde quer que ele fosse, seus inimigos caíam, com suas pernas, braços e ombros decepados, seus quadrigários mortos, e seus carregadores, os elefantes e os cava­los, todos aniquilados.

Comentário

SIGNIFICADONo começo, quando o exército inimigo estava repleto de soldados combatentes, elefantes e cavalos, o Senhor Paraśurāma infiltrou-se entre eles na velocidade da mente para matá-los. Quando estava um pouco cansado, ele ficou mais lento, agindo na velocidade do vento, mas continuou a matar os inimigos vigorosamente. A veloci­dade da mente é maior do que a do vento.

Texto

dṛṣṭvā sva-sainyaṁ rudhiraugha-kardame
raṇājire rāma-kuṭhāra-sāyakaiḥ
vivṛkṇa-varma-dhvaja-cāpa-vigrahaṁ
nipātitaṁ haihaya āpatad ruṣā

Sinônimos

dṛṣṭvā — vendo; sva-sainyam — seus próprios soldados; rudhira­-ogha-kardame — enlameado de sangue; raṇa-ajire — no campo de batalha; rāma-kuṭhāra — pelo machado do Senhor Paraśurāma; sāyakaiḥ — e pelas flechas; vivṛkṇa — espalhados; varma — os escudos; dhvaja — as bandeiras; cāpa — arcos; vigraham — os corpos; nipātitam — caídos; haihayaḥ — Kārtavīryārjuna; āpatat — precipitou-se para lá; ruṣā — estando muito irado.

Tradução

Manipulando seu machado e suas flechas, o Senhor Paraśurāma despe­daçou os escudos, arcos, bandeiras e corpos dos soldados de Kārta­vīryārjuna, que caíam pelo campo de batalha, enlameando o chão com seu sangue. Diante desse revés, Kārtavīryārjuna, enfurecido, precipitou-se para o campo de batalha.

Texto

athārjunaḥ pañca-śateṣu bāhubhir
dhanuḥṣu bāṇān yugapat sa sandadhe
rāmāya rāmo ’stra-bhṛtāṁ samagraṇīs
tāny eka-dhanveṣubhir ācchinat samam

Sinônimos

atha — em seguida; arjunaḥ — Kārtavīryārjuna; pañca-śateṣu — quinhentos; bāhubhiḥ — com seus braços; dhanuḥṣu — nos arcos; bāṇān — flechas; yugapat — simultaneamente; saḥ — ele; sandadhe — fixou; rāmāya — simplesmente para matar o Senhor Paraśurāma; rāmaḥ — o Senhor Paraśurāma; astra-bhṛtām — de todos os guerreiros que podiam usar armas; samagraṇīḥ — o melhor; tāni — todos os arcos de Kārtavīryārjuna; eka-dhanvā — possuindo um arco; iṣubhiḥ — as flechas; ācchinat — despedaçou; samam — com.

Tradução

Então, Kārtavīryārjuna, com seus mil braços, simultaneamente fixou flechas em quinhentos arcos para matar o Senhor Paraśurāma. Mas o Senhor Paraśurāma, o melhor guerreiro, disparou com apenas um arco flechas suficientes para despedaçar de imediato todos os arcos e flechas que estavam nas mãos de Kārtavīryārjuna.

Texto

punaḥ sva-hastair acalān mṛdhe ’ṅghripān
utkṣipya vegād abhidhāvato yudhi
bhujān kuṭhāreṇa kaṭhora-neminā
ciccheda rāmaḥ prasabhaṁ tv aher iva

Sinônimos

punaḥ — novamente; sva-hastaiḥ — com suas próprias mãos; acalān — colinas; mṛdhe — no campo de batalha; aṅghripān — árvores; utkṣipya — após arrancar; vegāt — com muita força; abhidhāvataḥ — daquele que corria impetuosamente; yudhi — no campo de batalha; bhujān — todos os braços; kuṭhārena — com seu machado: kaṭhora­neminā — que era muito afiado; ciccheda — despedaçou; rāmaḥ — o Senhor Paraśurāma; prasabham — com muita força; tu — mas; aheḥ iva — assim como os capelos de uma serpente.

Tradução

Quando suas flechas foram despedaçadas, Kārtavīryārjuna arran­cou muitas árvores e colinas com suas próprias mãos e, desejando matar o Senhor Paraśurāma, voltou a investir impetuosamente contra ele. Mas, então, Paraśurāma aplicou muita força em seu machado para cortar os braços de Kārtavīryārjuna, assim como alguém decepa os capelos de uma serpente.

Texto

kṛtta-bāhoḥ śiras tasya
gireḥ śṛṅgam ivāharat
hate pitari tat-putrā
ayutaṁ dudruvur bhayāt
agnihotrīm upāvartya
savatsāṁ para-vīra-hā
samupetyāśramaṁ pitre
parikliṣṭāṁ samarpayat

Sinônimos

kṛtta-bāhoḥ — de Kārtavīryārjuna, cujos braços foram decepados; śiraḥ — a cabeça; tasya — dele (Kārtavīryārjuna); gireḥ — de uma montanha; śṛṅgam — o pico; iva — como; āharat — (Paraśurāma) cortou de seu corpo; hate pitari — quando o pai deles foi morto; tat-putrāḥ — seus filhos; ayutam — dez mil; dudruvuḥ — fugiram; bhayāt — de medo; agnihotrīm — a kāmadhenu; upāvartya — trazendo para perto; sa-­vatsām — com seu bezerro; para-vīra-hā — Paraśurāma, que podia matar os heróis dos inimigos; samupetya — após retornar; āśramam — à residência de seu pai; pitre — ao seu pai; parikliṣṭām — que passara por um sofrimento extremo; samarpayat — entregou.

Tradução

Em seguida, como se estivesse cortando o pico de uma montanha, Paraśurāma degolou Kārtavīryārjuna, que já perdera seus braços. Ao verem seu pai morto, todos os dez mil filhos de Kārtavīryārjuna fugiram de medo. Então, Paraśurāma, tendo matado o inimigo, li­bertou a kāmadhenu, que passara por um grande sofrimento, e, junta­mente com seu bezerro, levou-a de volta à sua residência, onde a entregou a seu pai.

Texto

sva-karma tat kṛtaṁ rāmaḥ
pitre bhrātṛbhya eva ca
varṇayām āsa tac chrutvā
jamadagnir abhāṣata

Sinônimos

sva-karma — suas próprias atividades; tat — toda aquela façanha; kṛtam — que foi realizada; rāmaḥ — Paraśurāma; pitre — a seu pai; bhrātṛbhyaḥ — a seus irmãos; eva ca — bem como; varṇayām āsa — descreveu; tat — isto; śrutvā — após ouvir; jamadagniḥ — o pai de Paraśurāma; abhāṣata — disse o seguinte.

Tradução

Paraśurāma descreveu ao seu pai e irmãos as atividades através das quais ele matou Kārtavīryārjuna. Ao ouvir esses feitos, Jamadagni dirigiu a seu filho as seguintes palavras.

Texto

rāma rāma mahābāho
bhavān pāpam akāraṣīt
avadhīn naradevaṁ yat
sarva-devamayaṁ vṛthā

Sinônimos

rāma rāma — meu querido filho Paraśurāma; mahābāho — ó grande herói; bhavān — tu; pāpam — atividades pecaminosas; akāraṣīt — executaste; avadhīt — mataste; naradevam — o rei; yat — que é; sarva­-deva-mayam — a personificação de todos os semideuses; vṛthā — desnecessariamente.

Tradução

Ó grande herói, meu querido filho Paraśurāma, mataste desneces­sariamente o rei, que é tido como a personificação de todos os se­mideuses. Dessa maneira, cometeste um pecado.

Texto

vayaṁ hi brāhmaṇās tāta
kṣamayārhaṇatāṁ gatāḥ
yayā loka-gurur devaḥ
pārameṣṭhyam agāt padam

Sinônimos

vayam — nós; hi — na verdade; brāhmaṇāḥ — somos brāhmaṇas qualificados; tāta — ó meu querido filho; kṣamayā — com a qualidade de perdoarmos; arhaṇatām — a posição de sermos adorados; gatāḥ — alcançamos; yayā — através dessa qualidade; loka-guruḥ — o mestre espiritual deste universo; devaḥ — o senhor Brahmā; pārameṣṭhyam — a pessoa suprema dentro deste universo; agāt — alcançou; padam — a posição.

Tradução

Meu querido filho, todos somos brāhmaṇas e, devido a uma qualidade nossa, a clemência, as pessoas em geral passaram a considerar­-nos adoráveis. É em função dessa qualidade que o senhor Brahmā, o supremo mestre espiritual deste universo, alcançou seu posto.

Texto

kṣamayā rocate lakṣmīr
brāhmī saurī yathā prabhā
kṣamiṇām āśu bhagavāṁs
tuṣyate harir īśvaraḥ

Sinônimos

kṣamayā — simplesmente perdoando; rocate — torna-se agradável; lakṣmīḥ — a deusa da fortuna; brāhmī — em relação com as qualidades bramânicas; saurī — o deus do Sol; yathā — como; prabhā — o brilho solar; kṣamiṇām — com os brāhmaṇas, que são tão clementes; āśu — muito em breve; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; tuṣyate — fica satisfeito; hariḥ — o Senhor; īśvaraḥ — o controlador supremo.

Tradução

É dever do brāhmaṇa cultivar a clemência, que é resplandecente como o Sol. A Suprema Personalidade de Deus, Hari, fica satisfeito com aqueles que são clementes.

Comentário

SIGNIFICADODiferentes seres tornam-se belos por possuírem diferentes qualidades. Cāṇakya Paṇḍita diz que o cuco, embora muito negro, é belo devido à sua doce voz. Igualmente, uma mulher torna-se bela através de sua castidade e fidelidade ao seu esposo, e uma pessoa feia fica bela ao tornar-se um sábio erudito. Da mesma maneira, os brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas e śūdras tornam-se belos graças às suas quali­dades. Os brāhmaṇas são belos quando são clementes; os kṣatriyas, quando são heroicos e nunca fogem da luta; os vaiśyas, quando se dedicam a cultivar a terra e proteger as vacas; e os śūdras, quando são fiéis no desempenho dos deveres que satisfazem os seus amos. Logo, todos se tornam belos através de suas qualidades específicas. E a qualidade típica do brāhmaṇa, como se descreve aqui, é a cle­mência.

Texto

rājño mūrdhābhiṣiktasya
vadho brahma-vadhād guruḥ
tīrtha-saṁsevayā cāṁho
jahy aṅgācyuta-cetanaḥ

Sinônimos

rājñaḥ — do rei; mūrdha-abhiṣiktasya — que é classificado como imperador; vadhaḥ — o aniquilamento; brahma-vadhāt — do que matar um brāhmaṇa; guruḥ — mais severo; tīrtha-saṁsevayā — adorando os lugares sagrados; ca — também; aṁhaḥ — o ato pecaminoso; jahi — lava; aṅga — ó meu querido filho; acyuta-cetanaḥ — sendo inteiramente consciente de Kṛṣṇa.

Tradução

Meu querido filho, matar um rei governante é muito mais peca­minoso do que matar um brāhmaṇa. Mas agora, se te tornares cons­ciente de Kṛṣṇa e adorares os lugares sagrados, poderás expiar esse grande pecado.

Comentário

SIGNIFICADOAquele que se rende por completo à Suprema Personalidade de Deus está livre de todos os pecados (ahaṁ tvāṁ sarva-pāpebhyo mokṣayiṣyāmi). A partir do dia ou momento que se rende plenamente a Śrī Kṛṣṇa, até mesmo a pessoa mais pecaminosa liberta-se. Entre­tanto, como um exemplo, Jamadagni aconselhou seu filho Paraśurāma a adorar os lugares sagrados. Porque não pode se render imediatamente à Suprema Personalidade de Deus, a pessoa comum é acon­selhada a ir de um a outro lugar sagrado a fim de entrar em contato com pessoas santas e, então, libertar-se das reações pecaminosas pouco a pouco.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do nono canto, décimo quinto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Paraśurāma, o Senhor Encarna como um Guerreiro”.