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CAPÍTULO DEZ

Os Passatempos do Senhor Supremo, Rāmacandra

Este décimo capítulo descreve como o Senhor Rāmacandra apa­receu na dinastia de Mahārāja Khaṭvāṅga. Narra, também, as ativi­dades do Senhor, contando como Ele matou Rāvaṇa e retornou a Ayodhyā, a capital do Seu reino.

O filho de Mahārāja Khaṭvāṅga foi Dīrghabāhu, cujo filho foi Raghu. O filho de Raghu foi Aja, o filho de Aja foi Daśaratha, e o filho de Daśaratha foi o Senhor Rāmacandra, a Suprema Personalidade de Deus. Quando, em Sua plena expansão quádrupla – como Senhor Rāmacandra, Lakṣmaṇa, Bharata e Śatrughna –, o Senhor desceu a este mundo, grandes sábios como Vālmīki, os quais conhe­ciam de fato a Verdade Absoluta, descreveram Seus passatempos transcendentais. Śrīla Śukadeva Gosvāmī narra esses passatempos re­sumidamente.

O Senhor Rāmacandra partiu com Viśvāmitra e matou Rākṣasas como Mārīca. Após quebrar o forte e rijo arco chamado Haradhanu, o Senhor Se casou com mãe Sītā e acabou com o prestígio de Paraśu­rāma. Em obediência à ordem de Seu pai, Ele seguiu para a floresta, acompanhado de Lakṣmaṇa e Sītā. Ali, cortou o nariz de Śūrpaṇakhā e matou os associados de Rāvaṇa, encabeçados por Khara e Dūṣaṇa. Ao raptar Sītādevī, o demônio Rāvaṇa começou a sofrer seus infortúnios. Quando Mārīca assumiu a forma de um veado de ouro, o Senhor Rāmacandra saiu no encalço do veado para satisfa­zer Sītādevī, entregando-lhe aquele animal, mas, nesse ínterim, Rāvaṇa aproveitou-se da ausência do Senhor e a raptou. Após Sītā­devī ter sido raptada, o Senhor Rāmacandra, acompanhado de Lakṣmaṇa, buscou-a por toda a floresta. No decorrer dessa busca, encontraram-se com Jaṭāyu. Então, o Senhor matou o demônio Ka­bandha e o comandante Vāli e estabeleceu uma relação amistosa com Sugrīva. Após organizar uma força militar composta de macacos e seguir com eles para a beira-mar, o Senhor esperou a chegada de Samudra, o oceano personificado. Quando, porém, viu que Samu­dra não vinha, o Senhor, o amo de Samudra, irou-se. Então, Samudra foi até o Senhor com muita pressa e rendeu-se a Ele, dese­jando ajudá-lO de todas as maneiras. Em seguida, o Senhor tentou construir uma ponte sobre o oceano e, seguindo o conselho de Vibhīṣaṇa, Ele atacou Laṅkā, a capital de Rāvaṇa. Anteriormente, Hanumān, o servo eterno do Senhor, ateara fogo a Laṅkā, e agora, com a ajuda de Lakṣmaṇa, as forças do Senhor Rāmacandra mataram todos os soldados Rākṣasas. O Senhor Rāmacandra pessoalmente matou Ra­vaṇa. Mandodarī e outras esposas se lamentaram por Rāvaṇa, e, de acordo com a ordem do Senhor Rāmacandra, Vibhīṣaṇa realizou as cerimô­nias fúnebres de todos os mortos da família. Então, o Senhor Rāmacandra deu a Vibhīṣaṇa o direito de governar Laṅkā e também conce­deu-lhe vida longa. O Senhor libertou Sītādevī, tirando-a da floresta Aśoka, colocou-a em um aeroplano de flores e levou-a até a Sua capi­tal, Ayodhyā, onde foi recebido por Seu irmão Bharata. Quando o Senhor Rāmacandra entrou em Ayodhyā, Bharata trouxe-Lhe Seus tamancos, Vibhīṣaṇa e Sugrīva seguravam um abano e um leque, Hanumān carregava uma sombrinha, Śatrughna carregava o arco e duas aljavas do Senhor, e Sītādevī tinha consigo um cântaro contendo água dos lugares sagrados. Āṅgada carregava uma espada e Jāmbavān (Ṛkṣarāja) carregava um escudo. Depois que o Senhor Rāmacandra, acompanhado do Senhor Lakṣmaṇa e mãe Sītādevī, encontrou-se com todos os Seus parentes, o grande sábio Vasiṣṭha instalou-O no trono real. No final, o capítulo descreve sucintamente como o Senhor Rāmacandra governou Ayodhyā.

Texto

śrī-śuka uvāca
khaṭvāṅgād dīrghabāhuś ca
raghus tasmāt pṛthu-śravāḥ
ajas tato mahā-rājas
tasmād daśaratho ’bhavat

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; khaṭvāṅgāt — de Mahārāja Khaṭvāṅga; dīrghabāhuḥ — o filho chamado Dīrghabāhu; ca — e; raghuḥ tasmāt — dele nasceu Raghu; pṛthu-śravāḥ — santo e célebre; ajaḥ — o filho chamado Aja; tataḥ — dele; mahā-rājaḥ — o grande rei chamado Mahārāja Daśaratha; tasmāt — de Aja; daśarathaḥ — chamado Daśaratha; abhavat — nasceu.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: O filho de Mahārāja Khaṭvāṅga foi Dīrghabāhu, cujo filho foi o célebre Mahārāja Raghu. De Mahārāja Raghu, surgiu Aja, e de Aja, nasceu a grande personalidade Mahā­rāja Daśaratha.

Texto

tasyāpi bhagavān eṣa
sākṣād brahmamayo hariḥ
aṁśāṁśena caturdhāgāt
putratvaṁ prārthitaḥ suraiḥ
rāma-lakṣmaṇa-bharata-
śatrughnā iti saṁjñayā

Sinônimos

tasya — dele, de Mahārāja Daśaratha; api — também; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; eṣaḥ — todos Eles; sākṣāt — diretamente; brahma-mayaḥ — o Parabrahman Supremo, a Verdade Absoluta; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus; aṁśa-aṁśena — por uma expansão de uma porção plenária; caturdhā — por expansões quádruplas; agāt — aceitou; putratvam — filiação; prārthitaḥ — recebendo orações; suraiḥ — dos semideuses; rāma — Senhor Rāmacandra; lakṣmaṇa — Senhor Lakṣmaṇa; bharata — Senhor Bharata; śatrughnāḥ — e Senhor Śatrughna; iti — assim; saṁjñayā — com diferentes nomes.

Tradução

Ao receber orações dos semideuses, a Suprema Personalidade de Deus, a própria Verdade Absoluta, apareceu diretamente com sua expansão e expansões da expansão. Seus santos nomes eram Rāma, Lakṣmaṇa, Bharata e Śatrughna. Como filhos de Mahārāja Daśa­ratha, essas célebres encarnações apareceram, então, sob quatro formas.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Rāmacandra e Seus irmãos, Lakṣmaṇa, Bharata e Śatrughna, eram todos viṣṇu-tattva, e não jīva-tattva. A Suprema Personalidade de Deus expande-Se em muitas e muitas formas. Advaitam acyutam anādim ananta-rūpam. Embora sejam exatamente iguais e idênticas, o viṣṇu-tattva tem muitas formas e encarnações. Como se confirma na Brahma-saṁhitā (5.39), rāmādi-mūrtiṣu kalā-niyamena tiṣṭhan. O Senhor manifesta-Se sob muitas formas, tais como Rāma, Lakṣmaṇa, Bharata e Śatrughna, e essas formas podem existir em qualquer parte de Sua criação. Todas essas formas têm existência eterna e permanente como Personalidades de Deus individuais, assim como muitas velas são todas igualmente poderosas. O Senhor Rāmacandra, Lakṣmaṇa, Bharata e Śatrughna, que, sendo, viṣṇu­-tattva, são todos igualmente poderosos, tornaram-se os filhos de Mahārāja Daśaratha em resposta às orações dos semideuses.

Texto

tasyānucaritaṁ rājann
ṛṣibhis tattva-darśibhiḥ
śrutaṁ hi varṇitaṁ bhūri
tvayā sītā-pater muhuḥ

Sinônimos

tasya — dEle, da Suprema Personalidade de Deus, Senhor Rāma­candra, e de Seus irmãos; anucaritam — atividades transcendentais; rājan — ó rei (Mahārāja Parīkṣit); ṛṣibhiḥ — pelos grandes sábios ou pessoas santas; tattva-darśibhiḥ — por pessoas que conhecem a Verdade Absoluta; śrutam — foram todas ouvidas; hi — de fato; varṇi­tam — à medida que foram tão belamente descritas; bhūri — muitas; tvayā — por ti; sītā-pateḥ — do Senhor Rāmacandra, o esposo de mãe Sītā; muhuḥ — com muita frequência.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, as atividades transcendentais do Senhor Rāmacandra foram descritas por grandiosas pessoas santas que viram a verdade. Como ouviste repetidas vezes a respeito do Senhor Rāmacandra, o esposo de mãe Sītā, farei apenas uma descrição sucinta dessas ativi­dades. Por favor, ouve-me falar.

Comentário

SIGNIFICADO—Os Rākṣasas modernos, fazendo-se passar por pessoas de elevada educação meramente porque têm doutorado, tentam provar que o Senhor Rāmacandra não é a Suprema Personalidade de Deus, mas uma pessoa comum. Todavia, aqueles que são eruditos e avançados espiritualmente jamais aceitarão esses argumentos; eles aceitam apenas a descrição do Senhor Rāmacandra e Suas atividades apresentada pelos tattva-darśīs, aqueles que conhecem a Verdade Absoluta. Na Bhagavad-gītā (4.34), a Suprema Personalidade de Deus aconselha:

tad viddhi praṇipātena
paripraśnena sevayā
upadekṣyanti te jñānaṁ
jñāninas tattva-darśinaḥ

“Tenta aprender a verdade aproximando-se de um mestre espiritual. Faze-lhe perguntas com submissão e presta-lhe serviço. As almas autorrealizadas podem te transmitir conhecimento porque elas são videntes da verdade.” A menos que alguém seja tattva-darśī, um indivíduo que tem completo conhecimento acerca da Verdade Absoluta, esse alguém não pode descrever as atividades da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, embora haja diversos assim chamados Rāmāyaṇas, ou histórias das atividades do Senhor Rāmacandra, muitos não são realmente au­torizados. Às vezes, as atividades do Senhor Rāmacandra são descri­tas em termos da imaginação, especulação ou sentimentos materiais do próprio narrador. Mas as características do Senhor Rāmacandra não podem ser apresentadas como algo imaginário. Ao descrever a história do Senhor Rāmacandra, Śukadeva Gosvāmī disse a Mahā­rāja Parīkṣit: “Já ouviste sobre as atividades do Senhor Rāmacandra.” Há cinco mil anos, portanto, parece que havia muitos Rāmāyaṇas, ou histórias das atividades do Senhor Rāmacandra, e ainda há muitos. Mas devemos aceitar somente os livros escritos pelos tattva-­darśīs (jñāninas tattva-darśinaḥ), e não os livros dos supostos eruditos que ostentam seu conhecimento baseando-se apenas em seu doutorado. Esta advertência é de Śukadeva Gosvāmī. Ṛṣibhis tattva-­darśibhiḥ. Embora o Rāmāyaṇa composto por Vālmīki seja uma obra extensa, as mesmas atividades são aqui resumidas por Śukadeva Gosvāmī, que as apresenta em poucos versos.

Texto

gurv-arthe tyakta-rājyo vyacarad anuvanaṁ padma-padbhyāṁ priyāyāḥ
pāṇi-sparśākṣamābhyāṁ mṛjita-patha-rujo yo harīndrānujābhyām
vairūpyāc chūrpaṇakhyāḥ priya-viraha-ruṣāropita-bhrū-vijṛmbha-
trastābdhir baddha-setuḥ khala-dava-dahanaḥ kosalendro ’vatān naḥ

Sinônimos

guru-arthe — com o propósito de manter a promessa feita por Seu pai; tyakta-rājyaḥ — abandonando a posição de rei; vyacarat — vagou; anuvanam — de floresta a floresta; padma-padbhyām — com Seus dois pés de lótus; priyāyāḥ — com Sua queridíssima esposa, mãe Sītā; pāṇi-sparśa-akṣamābhyām — que eram tão delicados a ponto de não poderem suportar nem mesmo o contato da palma da mão de Sītā; mṛjita-patha-rujaḥ — cuja fadiga decorrente de Ele cami­nhar nas estradas foi mitigada; yaḥ — o Senhor que; harīndra-anu­jābhyām — acompanhado pelo rei dos macacos, Hanumān, e por Seu irmão caçula, Lakṣmaṇa; vairūpyāt — porque ficou desfigurada; śūrpaṇakhyāḥ — da Rākṣasī (demônia) chamada Śūrpaṇakhā; priya-­viraha — sofrendo a separação de sua queridíssima esposa; ruṣā āro­pita-bhrū-vijṛmbha — pelo franzir irado de Suas sobrancelhas; trasta­temendo; abdhiḥ — o oceano; baddha-setuḥ — alguém que construiu uma ponte sobre o oceano; khala-dava-dahanaḥ — aquele que, igual a um fogo que devora uma floresta, mata pessoas invejosas, tais como Rāvaṇa; kosala-indraḥ — o rei de Ayodhyā; avatāt — faça o obséquio de proteger; naḥ — a nós.

Tradução

Para manter intacta a promessa feita por Seu pai, o Senhor Rāma­candra imediatamente abandonou a posição de rei e, acompanhado de Sua esposa, mãe Sītā, vagou de floresta em floresta com Seus pés de lótus, que eram tão delicados a ponto de serem incapazes de suportar até mesmo o afago das palmas das mãos de Sītā. O Senhor fazia-Se acompanhar por Hanumān, o rei dos macacos, [ou por outro macaco, Sugrīva], e pelo Seu próprio irmão caçula, o Senhor Lakṣmaṇa, ambos os quais aliviavam a fadiga que Ele sentia ao perambular pela floresta. Tendo cortado o nariz e as orelhas de Śūrpaṇakhā, deixando-a, portanto, desfigurada, o Senhor perdeu a companhia de mãe Sītā. Então, Ele ficou irado e franziu Suas sobrancelhas e, com isto, amedrontou o oceano, que então permitiu que o Senhor construísse uma ponte para cruzá-­lo. Em seguida, tal qual um incêndio que devora uma floresta, o Senhor entrou no reino de Rāvaṇa para matá-lo. Que esse Supremo Senhor Rāmacandra conceda-nos Sua proteção.

Texto

viśvāmitrādhvare yena
mārīcādyā niśā-carāḥ
paśyato lakṣmaṇasyaiva
hatā nairṛta-puṅgavāḥ

Sinônimos

viśvāmitra-adhvare — na arena de sacrifício construída pelo grande sábio Viśvāmitra; yena — por quem (Senhor Rāmacandra); mārīca­-ādyāḥ — encabeçadas por Mārīca; niśā-carāḥ — as pessoas incivilizadas que, à noite, perambulavam na escuridão da ignorância; paśyataḥ lakṣmaṇasya — na presença de Lakṣmaṇa; eva — na verdade; hatāḥ — foram mortos; nairṛta-puṅgavāḥ — os grandes líderes dos Rākṣasas.

Tradução

Na arena do sacrifício realizado por Viśvāmitra, o Senhor Rāma­candra, o rei de Ayodhyā, matou muitos demônios, Rākṣasas e homens incivilizados que vagavam à noite influenciados pelo modo da escuridão. Possa o Senhor Rāmacandra, que, na companhia de Lakṣmaṇa, matou todos esses demônios, ser bastante bondoso para proteger-nos.

Texto

yo loka-vīra-samitau dhanur aiśam ugraṁ
sītā-svayaṁvara-gṛhe triśatopanītam
ādāya bāla-gaja-līla ivekṣu-yaṣṭiṁ
sajjyī-kṛtaṁ nṛpa vikṛṣya babhañja madhye
jitvānurūpa-guṇa-śīla-vayo ’ṅga-rūpāṁ
sītābhidhāṁ śriyam urasy abhilabdhamānām
mārge vrajan bhṛgupater vyanayat prarūḍhaṁ
darpaṁ mahīm akṛta yas trir arāja-bījām

Sinônimos

yaḥ — o Senhor Rāmacandra que; loka-vīra-samitau — na sociedade ou em meio a muitos heróis deste mundo; dhanuḥ — o arco; aiśam — do senhor Śiva; ugram — muito rijo; sītā-svayaṁvara-gṛhe — no salão onde mãe Sītā permanecia para escolher seu esposo; triśata-upanītam — o arco carregado por trezentos homens; ādāya — pegando (aquele arco); bāla-gaja-līlaḥ — agindo como um filhote de elefante em uma flo­resta de cana-de-açúcar; iva — como este; ikṣu-yaṣṭim — uma haste de cana-de-açúcar; sajjyī-kṛtam — esticou a corda do arco; nṛpa — ó rei; vikṛṣya — dobrando; babhañja — quebrou-o; madhye — ao meio; jitvā — obtendo através da vitória; anurūpa — bem adequada à Sua posição e beleza; guṇa — qualidades; śīla — comportamento; vayaḥ — idade; aṅga — corpo; rūpām — beleza; sītā-abhidhām — a jovem cha­mada Sītā; śriyam — a deusa da fortuna; urasi — no peito; abhilabdhamānām — havia obtido Sītā anteriormente; mārge — no caminho; vrajan — enquanto caminhava; bhṛgupateḥ — de Bhṛgupati; vyanayat — destruiu; prarūḍham — muito profundamente enraizado; darpam — orgulho; mahīm — a Terra; akṛta — acabou com; yaḥ — aquele que; triḥ — três vezes (sete); arāja — sem dinastia real; bījām — semente.

Tradução

Ó rei, os passatempos do Senhor Rāmacandra eram maravilhosos, como os de um filhote de elefante. Na assembleia onde mãe Sītā de­veria escolher seu esposo, Ele, em meio aos heróis deste mundo, quebrou o arco pertencente ao senhor Śiva. Esse arco era tão pesa­do que eram necessários trezentos homens para carregá-lo, mas o Senhor Rāmacandra o dobrou e o partiu ao meio, assim como um filhote de elefante quebra uma haste de cana-de-açúcar. Assim, o Senhor obteve a mão de mãe Sītā, que possuía no mesmo nível de igualdade as qualidades transcendentais: forma, beleza, com­portamento, idade e natureza. Na verdade, ela era a deusa da fortuna que, constantemente, repousa no peito do Senhor. Enquanto retor­nava da casa de Sītā após reavê-la na assembleia de competidores, o Senhor Rāmacandra encontrou-Se com Paraśurāma. Embora fosse muito orgulhoso de ter eliminado da Terra a ordem real vinte e uma vezes, Paraśurāma foi derrotado pelo Senhor, que parecia um kṣatriya da ordem real.

Texto

yaḥ satya-pāśa-parivīta-pitur nideśaṁ
straiṇasya cāpi śirasā jagṛhe sabhāryaḥ
rājyaṁ śriyaṁ praṇayinaḥ suhṛdo nivāsaṁ
tyaktvā yayau vanam asūn iva mukta-saṅgaḥ

Sinônimos

yaḥ — o Senhor Rāmacandra que; satya-pāśa-parivīta-pituḥ — do Seu pai, que fizera uma promessa à sua esposa; nideśam — a ordem; straiṇasya — do pai que era muito apegado à sua esposa; ca — também; api — na verdade; śirasā — sobre Sua cabeça; jagṛhe — aceitou; sa­bhāryaḥ — com Sua esposa; rājyam — o reino; śriyam — opulência; praṇayinaḥ — parentes; suhṛdaḥ — amigos; nivāsam — residência; tyak­tvā — abandonando; yayau — foi; vanam — para a floresta; asūn — vida; iva — como; mukta-saṅgaḥ — uma alma liberada.

Tradução

Cumprindo a ordem de Seu pai, que estava atado por uma promessa à sua esposa, o Senhor Rāmacandra deixou para trás o Seu reino, opulência, amigos, benquerentes, residência e tudo o mais, assim como uma alma liberada abandona sua vida, e foi para a floresta com Sītā.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Daśaratha tinha três esposas. Uma delas, Kaikeyī, servia-o muito atenciosamente, de modo que ele desejou conferir-lhe uma bênção. Kai­keyī, entretanto, disse que lhe pediria a bênção quando chegasse a ocasião oportuna. No momento da coroação do príncipe Rāmacandra, Kaikeyī pediu ao seu esposo que elevasse ao trono o seu filho Bharata e enviasse Rāmacandra para a floresta. Mahārāja Daśaratha, sendo fiel à sua promessa, ordenou que Rāmacandra fosse para a flores­ta, de acordo com a decisão de sua amada. E o Senhor, como um filho obediente, aceitou imediatamente a ordem. Ele deixou tudo sem he­sitação, assim como uma alma liberada ou um grande yogī abandona sua vida sem sentir nenhuma atração material.

Texto

rakṣaḥ-svasur vyakṛta rūpam aśuddha-buddhes
tasyāḥ khara-triśira-dūṣaṇa-mukhya-bandhūn
jaghne caturdaśa-sahasram apāraṇīya-
kodaṇḍa-pāṇir aṭamāna uvāsa kṛcchram

Sinônimos

rakṣaḥ-svasuḥ — de Śūrpaṇakhā, a irmã do Rākṣasa (Rāvaṇa); vyakṛta — (o Senhor Rāma) desfigurou; rūpam — a forma; aśuddha-buddheḥ — porque a inteligência dela estava contaminada com desejos luxuriosos; tasyāḥ — dela; khara-triśira-dūṣaṇa-mukhya-bandhūn — muitos amigos, encabeçados por Khara, Triśira e Dūṣaṇa; jaghne — Ele (o Senhor Rāmacandra) matou; caturdaśa-sahasram — quatorze mil; apāraṇīya — invencíveis; kodaṇḍa — arco e flechas; pāṇiḥ — em Sua mão; aṭamānaḥ — vagando pela floresta; uvāsa — viveu ali; kṛcchram — em meio a grandes dificuldades.

Tradução

Enquanto vagava pela floresta, onde aceitou uma vida cheia de dificuldades, o Senhor Rāmacandra, carregando nas mãos seus in­vencíveis arco e flechas, mutilou a irmã de Rāvaṇa, que estava to­mada de desejos luxuriosos, cortando-lhe o nariz e as orelhas. Ele matou também seus quatorze mil amigos Rākṣasas, encabeçados por Khara, Triśira e Dūṣaṇa.

Texto

sītā-kathā-śravaṇa-dīpita-hṛc-chayena
sṛṣṭaṁ vilokya nṛpate daśa-kandhareṇa
jaghne ’dbhutaiṇa-vapuṣāśramato ’pakṛṣṭo
mārīcam āśu viśikhena yathā kam ugraḥ

Sinônimos

sītā-kathā — tópicos sobre Sītādevī; śravaṇa — ouvindo; dīpita — agitado; hṛt-śayena — desejos luxuriosos dentro da mente de Rāvaṇa; sṛṣṭam — criados; vilokya — vendo isto; nṛpate — ó rei Parīkṣit; daśa-­kandhareṇa — por Rāvaṇa, que tinha dez cabeças; jaghne — o Senhor matou; adbhuta-eṇa-vapuṣā — por um veado feito de ouro; āśrama­taḥ — de Sua residência; apakṛṣṭaḥ — tendo sido levado a afastar-Se; mārīcam — o demônio Mārīca, que assumiu a forma de um veado de ouro; āśu — imediatamente; viśikhena — com uma flecha afiada; yathā — como; kam — Dakṣa; ugraḥ — o senhor Śiva.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, quando Rāvaṇa, que tinha dez cabeças sobre seus ombros, ouviu comentários acerca dos belos e atraentes traços de Sītā, sua mente ficou agitada por desejos luxuriosos, e ele foi até ela com a intenção de raptá-la. Para afastar o Senhor Rāmacandra de Seu āśrama, Rāvaṇa enviou Mārīca sob a forma de um veado dourado, e, ao ver aquele maravilhoso veado, o Senhor Rāmacandra deixou Sua residência e o seguiu até conseguir matá-lo com uma flecha afiada, assim como o senhor Śiva matou Dakṣa.

Texto

rakṣo-’dhamena vṛkavad vipine ’samakṣaṁ
vaideha-rāja-duhitary apayāpitāyām
bhrātrā vane kṛpaṇavat priyayā viyuktaḥ
strī-saṅgināṁ gatim iti prathayaṁś cacāra

Sinônimos

rakṣaḥ-adhamena — pelo mais atroz entre os Rākṣasas, Rāvaṇa; vṛka-vat — como um tigre; vipine — na floresta; asamakṣam — desprotegida; vaideha-rāja-duhitari — por essa condição de mãe Sītā, a filha do rei de Videha; apayāpitāyām — tendo sido raptada; bhrātrā — com Seu irmão; vane — na floresta; kṛpaṇa-vat — como se fosse uma pessoa muito aflita; priyayā — de Sua querida esposa; viyuktaḥ — separado; strī-saṅginām — das pessoas atraídas ou interessadas por mulheres; gatim — destino; iti — assim; prathayan — dando o exemplo; cacāra — vagou.

Tradução

Quando Rāmacandra entrou na floresta e Lakṣmaṇa também se ausentou, o pior dos Rākṣasas, Rāvaṇa, raptou Sītādevī, a filha do rei de Videha, assim como um tigre captura ovelhas desprotegidas aproveitando-se da ausência do pastor. Em seguida, como se estivesse muito aflito devido à separação de Sua esposa, o Senhor Rāmacandra caminhou pela floresta com Seu irmão Lakṣmaṇa. Com isto, Ele mostrou com Seu exemplo pessoal a condição de uma pessoa apegada a mulheres.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras strī-saṅgināṁ gatim iti indicam que o próprio Senhor retratou as condições de uma pessoa apegada a mulheres. De acordo com as instruções morais, gṛhe nārīṁ vivarjayet: ao sair de viagem, a pessoa não deve levar sua esposa. Outrora, os homens costumavam viajar sem veículos, mas, mesmo assim, na medida do possível, quando alguém deixa o lar, não deve levar sua esposa consigo, especialmente se estiver em condições semelhantes àquelas em que o Senhor Rāmacandra Se encontrava quando foi ba­nido por ordem de Seu pai. Seja na floresta, seja no lar, se alguém é apegado a mulheres, esse apego sempre traz problemas, como a Suprema Personalidade de Deus mostrou através de Seu exemplo pessoal.

Evidentemente, este é o aspecto material de strī-saṅgī, mas a situa­ção do Senhor Rāmacandra é espiritual, pois Ele não pertence ao mundo material. Nārāyaṇaḥ paro ’vyaktāt: Nārāyaṇa está além da criação material. Porque é o criador do mundo material, Ele não está sujeito às condições do mundo material. A separação entre o Senhor Rāmacandra e Sītā é compreendida espiritualmente como vipralambha, uma atividade da potência hlādinī da Suprema Personalidade de Deus que está incluída em śṛṅgāra-rasa, a doçura do amor conjugal no mundo espiritual. No mundo espiritual, a Suprema Personalidade de Deus experimenta todos os relacionamentos amoro­sos, manifestando os sintomas chamados sāttvika, sañcārī, vilāpa, mūrcchā e unmāda. Logo, quando o Senhor Rāmacandra viu-Se se­parado de Sītā, todos esses sintomas espirituais manifestaram-se. O Senhor não é impessoal nem impotente. Ao contrário, Ele é sac­-cid-ānanda-vigraha, a eterna forma de conhecimento e bem-aventurança. Portanto, Ele apresenta todos os sintomas de bem-aventurança trans­cendental. Sentir saudades da pessoa amada também é um item da bem-aventurança espiritual. Como explica Śrīla Svarūpa Dāmodara Gosvāmī, rādhā-kṛṣṇa-praṇaya-vikṛtir hlādinī-śaktiḥ: os relaciona­mentos amorosos entre Rādhā e Kṛṣṇa são manifestos como potência de prazer do Senhor. O Senhor é a fonte que origina todo o prazer, o reservatório de todo o prazer. O Senhor Rāmacandra, portanto, manifestou a verdade espiritual e material. Materialmente, aqueles que são apegados a mulheres sofrem, mas, espiritualmente, quando há sentimentos de saudade entre o Senhor e Sua potência de prazer, a bem-aventurança espiritual do Senhor aumenta. Essa explicação é reforçada na Bhagavad-gītā (9.11):

avajānanti māṁ mūḍhā
mānuṣīṁ tanum āśritam
paraṁ bhāvam ajānanto
mama bhūta-maheśvaram

Alguém que não conhece a potência espiritual da Suprema Persona­lidade de Deus pensa que o Senhor é um ser humano comum. Porém, a mente, a inteligência e os sentidos do Senhor jamais podem ser afetados por condições materiais. Esse fato continua sendo explicado no Skanda Purāṇa, conforme citação de Madhvācārya:

nitya-pūrṇa-sukha-jñāna-
svarūpo ’sau yato vibhuḥ
ato ’sya rāma ity ākhyā
tasya duḥkhaṁ kuto ’ṇv api
tathāpi loka-śikṣārtham
aduḥkho duḥkha-vartivat
antarhitāṁ loka-dṛṣṭyā
sītām āsīt smarann iva
jñāpanārthaṁ punar nitya-
sambandhaḥ svātmanaḥ śriyāḥ
ayodhyāyā vinirgacchan
sarva-lokasya ceśvaraḥ
pratyakṣaṁ tu śriyā sārdhaṁ
jagāmānādir avyayaḥ
nakṣatra-māsa-gaṇitaṁ
trayodaśa-sahasrakam
brahmaloka-samaṁ cakre
samastaṁ kṣiti-maṇḍalam
rāmo rāmo rāma iti
sarveṣām abhavat tadā
sarvoramamayo loko
yadā rāmas tv apālayat

Realmente, era impossível Rāvaṇa levar Sītā. A forma de Sītā levada por Rāvaṇa era uma representação ilusória de mãe Sītā – māyā­-sītā. Quando Sītā foi submetida ao teste do fogo, essa māyā-sītā foi incinerada, e a verdadeira Sītā saiu intacta do fogo.

Outra compreensão a ser extraída a partir deste exemplo é que toda mulher, por mais poderosa que ela acaso seja no mundo material, deve rece­ber proteção, pois, logo que ela fica desprotegida, é explorada por Rākṣasas como Rāvaṇa. Aqui, as palavras vaideha-rāja-duhitari in­dicam que, antes de casar-se com o Senhor Rāmacandra, mãe Sītā era protegida pelo seu pai, Vaideha-rāja. Ao casar-se, ela ficou sob a proteção de seu esposo. Portanto, conclui-se que a mulher sempre deve ser protegida. De acordo com as regras védicas, não há fundamento em uma mulher querer ser independente (asamakṣam), pois a mulher não pode proteger-se por conta própria.

Texto

dagdhvātma-kṛtya-hata-kṛtyam ahan kabandhaṁ
sakhyaṁ vidhāya kapibhir dayitā-gatiṁ taiḥ
buddhvātha vālini hate plavagendra-sainyair
velām agāt sa manujo ’ja-bhavārcitāṅghriḥ

Sinônimos

dagdhvā — queimando; ātma-kṛtya-hata-kṛtyam — após realizar os rituais religiosos fúnebres de Jaṭāyu, que morreu defendendo a causa do Senhor; ahan — matou; kabandham — o demônio Kabandha; sakhyam — amizade; vidhāya — após fazer; kapibhiḥ — com os lí­deres dos macacos; dayitā-gatim — providências para libertar Sītā; taiḥ — por eles; buddhvā — conhecendo; atha — em seguida; vālini hate — quando Vāli fora morto; plavaga-indra-sainyaiḥ — com a ajuda dos macacos soldados; velām — para a beira-mar; agāt — foi; saḥ — Ele, o Senhor Rāmacandra; manu-jaḥ — aparecendo como ser humano; aja — pelo senhor Brahmā; bhava — e pelo senhor Śiva; arcita-aṅghriḥ — cujos pés de lótus são adorados.

Tradução

O Senhor Rāmacandra, cujos pés de lótus são adorados pelo senhor Brahmā e pelo senhor Śiva, havia assumido a forma de um ser huma­no. Assim, Ele realizou a cerimônia fúnebre de Jaṭāyu, que havia sido morto por Rāvaṇa. Então, o Senhor matou o demônio chamado Kabandha e, após fazer amizade com os líderes dos macacos, matar Vāli e propiciar a libertação de mãe Sītā, Ele Se dirigiu à beira-mar.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao raptar Sītā, Rāvaṇa foi barrado no caminho por Jaṭāyu, um pássaro de grande porte. Todavia, o poderoso Rāvaṇa derrotou Jaṭāyu na luta e cortou-lhe a asa. Quando procurava Sītā, Rāmacandra encontrou Jaṭāyu quase morto e foi informado de que Sītā fora carregada por Rāvaṇa. Quando Jaṭāyu morreu, o Senhor Rāmacandra cumpriu um dever filial realizando a cerimônia fúnebre. Após isso, fez amizade com os macacos para libertar Sītādevī.

Texto

yad-roṣa-vibhrama-vivṛtta-kaṭākṣa-pāta-
sambhrānta-nakra-makaro bhaya-gīrṇa-ghoṣaḥ
sindhuḥ śirasy arhaṇaṁ parigṛhya rūpī
pādāravindam upagamya babhāṣa etat

Sinônimos

yat-roṣa — cuja ira; vibhrama — induzida por; vivṛtta — ficaram; kaṭākṣa-pāta — pelo olhar; sambhrānta — agitados; nakra — crocodi­los; makaraḥ — e tubarões; bhaya-gīrṇa-ghoṣaḥ — cujo barulho foi silenciado pelo medo; sindhuḥ — o oceano; śirasi — sobre sua cabeça; arhaṇam — toda a parafernália utilizada no processo de adoração ao Senhor; parigṛhya — carregando; rūpī — ganhando forma; pāda-­aravindam — os pés de lótus do Senhor; upagamya — alcançando; ba­bhāṣa — disse; etat — o seguinte.

Tradução

Após alcançar a praia, o Senhor Rāmacandra jejuou durante três dias enquanto esperava a chegada do oceano personificado. Ao ver que o oceano não vinha, o Senhor manifestou Seus passatempos de ira, e, pelo Seu simples olhar em direção ao oceano, todas as en­tidades que viviam dentro dele, incluindo os crocodilos e tubarões, ficaram tomados de medo. Então, o oceano personificado, cheio de temor, aproximou-se do Senhor Rāmacandra, levando toda a paraferná­lia utilizada no processo de adoração ao Senhor. Caindo a Seus pés de lótus, o oceano personificado falou as seguintes palavras.

Texto

na tvāṁ vayaṁ jaḍa-dhiyo nu vidāma bhūman
kūṭa-stham ādi-puruṣaṁ jagatām adhīśam
yat-sattvataḥ sura-gaṇā rajasaḥ prajeśā
manyoś ca bhūta-patayaḥ sa bhavān guṇeśaḥ

Sinônimos

na — não; tvām — Vossa Onipotência; vayam — nós; jaḍa-dhiyaḥ — de mente obtusa, possuindo inteligência embotada; nu — na verdade; vidāmaḥ — podemos conhecer; bhūman — ó Supremo; kūṭa-stham — no âmago do coração; ādi-puruṣam — a original Personalidade de Deus; jagatām — dos universos, que continuam sua marcha progressivamente; adhīśam — o mestre supremo; yat — baseando-se em Vossa orientação; sattvataḥ — envaidecidas por sattva-guṇa; sura-gaṇāḥ — esses semideuses; rajasaḥ — envaidecidos por rajo-guṇa; prajā-īśāḥ — os Prajāpatis; manyoḥ — influenciados por tamo-guṇa; ca — e; bhūta-pa­tayaḥ — governantes dos fantasmas; saḥ — tal personalidade; bhavān — Vossa Onipotência; guṇa-īśaḥ — o mestre de todos os três modos da natureza material.

Tradução

Ó onipenetrante Pessoa Suprema, temos uma mente obtusa e não havíamos entendido quem éreis, mas agora sabemos que sois a Pessoa Suprema, o mestre de todo o universo, a imutável e original Perso­nalidade de Deus. Os semideuses se sentem orgulhosos no modo da bondade, os Prajāpatis se envaidecem com o modo da paixão, e o senhor dos fantasmas vangloria-se do modo da ignorância – Vós, no entanto, sois o mestre de todas essas qualidades.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra jaḍa-dhiyaḥ refere-se à inteligência animalesca. A pessoa que tem essa inteligência não pode entender a Suprema Personalidade de Deus. Sem ser golpeado, o animal não pode entender o que o homem deseja dele. De modo semelhante, aqueles que têm mente embotada não podem compreender a Suprema Personalidade de Deus, mas, quando são punidos severamente pelos três modos da natureza ma­terial, eles passam a compreendê-lO. Há um poeta híndi que diz:

duḥkha se saba hari bhaje
sukha se bhaje koī
sukha se agar hari bhaje
duḥkha kāthāṅ se haya

Quando alguém está aflito, vai à igreja ou ao templo para adorar o Senhor, mas, quando se torna opulento, ele se esquece do Senhor. Portanto, a punição que o Senhor inflige através da natureza material é necessária na sociedade humana, pois, sem ela, os homens, de­vido à sua inteligência obtusa e embotada, esquecem-se da supremacia do Senhor.

Texto

kāmaṁ prayāhi jahi viśravaso ’vamehaṁ
trailokya-rāvaṇam avāpnuhi vīra patnīm
badhnīhi setum iha te yaśaso vitatyai
gāyanti dig-vijayino yam upetya bhūpāḥ

Sinônimos

kāmam — como desejardes; prayāhi — podeis atravessar minha água; jahi — simplesmente destroçai; viśravasaḥ — de Viśravā Muni; avameham — poluição, como a urina; trailokya — para os três mundos; rāvaṇam — a pessoa conhecida como Rāvaṇa, causa de prantos; avāpnuhi — recuperai; vīra — ó grande herói; patnīm — Vossa esposa; badhnīhi — simplesmente construí; setum — uma ponte; iha — aqui (nesta água); te — de Vossa pessoa; yaśasaḥ — fama; vitatyai — para expandir; gāyanti — glorificarão; dik-vijayinaḥ — grandes heróis que triunfaram em todas as direções; yam — a qual (ponte); upetya — aproximando-se de; bhūpāḥ — grandes reis.

Tradução

Meu Senhor, podeis usar minha água como desejardes. Na verda­de, podeis cruzá-la e ir até a morada de Rāvaṇa, que é grande fonte de perturbação e pranto para os três mundos. Ele é o filho de Viś­ravā, mas é detestável como a urina. Por favor, ide matá-lo para, desta maneira, reaver Vossa esposa, Sītādevī. Ó grande herói, embora minha água não represente nenhum impedimento à Vossa marcha a Laṅkā, por favor, construí uma ponte sobre ela para difundirdes Vossa fama transcendental. Ao tomarem conhecimento desta façanha maravilhosa e inco­mum de Vossa Onipotência, todos os grandes sábios e reis futuros Vos glorificarão.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se que o filho e a urina emanam da mesma fonte – os órgãos genitais. Quando o filho é devoto ou um grande erudito, a secreção seminal que o gerou foi exitosa, mas se o filho é desqualifi­cado e não traz glória para a sua família, ele não passa de urina. Aqui, Rāvaṇa é comparado à urina porque era causa de perturba­ções para os três mundos. Logo, o oceano personificado quis que ele fosse morto pelo Senhor Rāmacandra.

Um dos atributos do Senhor Rāmacandra, a Suprema Personalidade de Deus, é a onipotência. O Senhor pode agir desconsiderando impedimentos ou inconveniências materiais, mas, para provar que Ele é a Suprema Personalidade de Deus e não estava apenas Se fazendo passar por Deus ou havia sido eleito pelo voto popular, Ele construiu uma maravilhosa ponte sobre o oceano. Na atualidade, tornou-se moda criar algum Deus artificial que não realiza atividades in­comuns; um pouco de mágica confundirá um tolo, fazendo com que ele escolha um Deus artificial, pois ele não entende quão pode­roso é Deus. O Senhor Rāmacandra, entretanto, construiu sobre a água uma ponte de pedras, tornando as pedras flutuantes. Esta é uma prova do poder incomum e maravilhoso de Deus. Por que alguém que não demonstra uma potência extraordinária, fazendo algo jamais feito por algum homem comum, deveria ser aceito como Deus? Acei­tamos o Senhor Rāmacandra como a Suprema Personalidade de Deus porque Ele construiu essa ponte, e aceitamos o Senhor Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus porque Ele ergueu a colina Govardhana quando tinha apenas sete anos de idade. Não deve­mos aceitar nenhum patife como Deus ou como encarnação de Deus, pois, em Suas várias atividades, Deus manifesta aspectos espe­ciais. Portanto, o próprio Senhor diz na Bhagavad-gītā (4.9):

janma karma ca me divyam
evaṁ yo vetti tattvataḥ
tyaktvā dehaṁ punar janma
naiti mām eti so ’rjuna

“Aquele que conhece a natureza transcendental do Meu aparecimento e atividades, ao deixar o corpo não volta a nascer neste mundo material, senão que alcança Minha morada eterna, ó Arjuna.” As atividades do Senhor não são comuns; todas elas são transcendentais e maravilhosas e incapazes de serem realizadas por algum outro ser vivo. As características das atividades do Senhor são todas mencio­nadas nos śāstras, e depois que alguém as entende, pode aceitar o Senhor como Ele é.

Texto

baddhvodadhau raghu-patir vividhādri-kūṭaiḥ
setuṁ kapīndra-kara-kampita-bhūruhāṅgaiḥ
sugrīva-nīla-hanumat-pramukhair anīkair
laṅkāṁ vibhīṣaṇa-dṛśāviśad agra-dagdhām

Sinônimos

baddhvā — após construir; udadhau — na água do oceano; raghu­-patiḥ — Senhor Rāmacandra; vividha — muitas variedades de; adri­-kūṭaiḥ — com picos de grandes montanhas; setum — uma ponte; kapi­-indra — de macacos poderosos; kara-kampita — movidas pelas grandes mãos; bhūruha-aṅgaiḥ — com as árvores e plantas; sugrīva — Sugrīva; nīla — Nīla; hanumat — Hanumān; pramukhaiḥ — encabeçados por; anīkaiḥ — com esses soldados; laṅkāṁ — Laṅkā, o reino de Rāvaṇa; vibhīṣaṇa-dṛśā — de acordo com a orientação dada por Vibhīṣaṇa, o irmão de Rāvaṇa; āviśat — entrou em; agra-dagdhām — que anterior­mente fora queimado (pelo macaco soldado Hanumān).

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Após construir uma ponte sobre o oceano, atirando na água picos de montanhas cujas árvores e outras vegetações haviam sido sacudidas pelas mãos dos grandes macacos, o Senhor Rāmacandra foi até Laṅkā para libertar Sītādevī, tirando-a das garras de Rāvaṇa. Com a orientação e ajuda de Vibhīṣaṇa, irmão de Rāvaṇa, o Senhor, juntamente com os soldados macacos, encabeçados por Sugrīva, Nīla e Hanumān, entrou no reino de Rāvaṇa, Laṅkā, que anteriormente fora queimado por Hanumān.

Comentário

SIGNIFICADO—Grandes picos de montanhas, cobertos com árvores e plantas, foram atirados no mar pelos macacos soldados e, pela vontade suprema do Senhor, começaram a flutuar. Pela vontade suprema do Senhor, enormes planetas flutuam levemente no espaço, como flocos de algodão. Se isso é possível, por que grandes picos de montanha não seriam capazes de flutuar na água? Eis como age a onipotência da Suprema Personalidade de Deus. Ele pode fazer tudo o que quiser, dado que não está sob o controle da natureza material; na verdade, a natureza material é controlada por Ele. Mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sacarācaram: somente sob Sua direção é que a prakṛti, ou a natureza material, funciona. Informação semelhante fornece a Brahma-­saṁhitā (5.52):

yasyājñayā bhramati sambhṛta-kāla-cakro
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

 Descrevendo como funciona a natureza material, a Brahma-saṁhitā diz que o Sol se move conforme o desejo da Suprema Personalidade de Deus. Consequentemente, o fato de o Senhor Rāmacandra construir uma ponte sobre o Oceano Índico com a ajuda de macacos soldados que atiraram grandes picos de montanha na água não é nada extraordinário; é extraordinário apenas no sentido de que isso promoveu o nome e a fama do Senhor Rāmacandra, tornando-O eternamente célebre.

Texto

sā vānarendra-bala-ruddha-vihāra-koṣṭha-
śrī-dvāra-gopura-sado-valabhī-viṭaṅkā
nirbhajyamāna-dhiṣaṇa-dhvaja-hema-kumbha-
śṛṅgāṭakā gaja-kulair hradinīva ghūrṇā

Sinônimos

— o lugar conhecido como Laṅkā; vānara-indra — dos grandes líderes dos macacos; bala — pela força; ruddha — contido, circundado; vihāra — casas de diversão; koṣṭha — os lugares onde eram estocados grãos alimentícios; śrī — a tesouraria; dvāra — as portas dos palácios; gopura — os portões da cidade; sadaḥ — as assembleias; valabhī — o frontispício dos grandes palácios; viṭaṅkā — os pombais; nirbhajya­māna — no processo de serem desmantelados; dhiṣaṇa — plataformas; dhvaja — as bandeiras; hema-kumbha — cântaros de ouro, colocados sobre as cúpulas; śṛṅgāṭakā — e as encruzilhadas; gaja-kulaiḥ — por manadas de elefantes; hradinī — um rio; iva — como; ghūrṇā — agitado.

Tradução

Após entrarem em Laṅkā, os macacos soldados, conduzidos por líderes como Sugrīva, Nīla e Hanumān, ocuparam todas as casas de diversão, celeiros, tesouros, entradas de palácios, pontes urbanas, assembleias, frontispícios de palácios e mesmo os pombais. Quando na cidade as encruzilhadas, plataformas, bandeiras e cântaros doura­dos colocados nas cúpulas foram todos destruídos, toda a cidade de Laṅkā parecia um rio assolado por uma manada de elefantes.

Texto

rakṣaḥ-patis tad avalokya nikumbha-kumbha-
dhūmrākṣa-durmukha-surāntaka-narāntakādīn
putraṁ prahastam atikāya-vikampanādīn
sarvānugān samahinod atha kumbhakarṇam

Sinônimos

rakṣaḥ-patiḥ — o mestre dos Rākṣasas (Rāvaṇa); tat — essas perturbações; avalokya — após ver; nikumbha — Nikumbha; kumbha — Kumbha; dhūmrākṣa — Dhūmrākṣa; durmukha — Durmukha; surān­taka — Surāntaka; narāntaka — Narāntaka; ādīn — todos eles juntos; putram — seu filho, Indrajit; prahastam — Prahasta; atikāya — Atikāya; vikampana — Vikampana; ādīn — todos eles juntos; sarva-­anugān — todos os seguidores de Rāvaṇa; samahinot — ordenados (a lutar com os inimigos); atha — finalmente; kumbhakarṇam — Kumbhakarṇa, o irmão mais importante.

Tradução

Ao ver as perturbações criadas pelos soldados macacos, Rāvaṇa, o mestre dos Rākṣasas, convocou Nikumbha, Kumbha, Dhūmrākṣa, Durmukha, Surāntaka, Narāntaka, outros Rākṣasas e seu filho In­drajit. Em seguida, mandou chamar Prahasta, Atikāya, Vikampana e, finalmente, Kumbhakarṇa. Então, ordenou que todos os seus seguido­res lutassem contra os inimigos.

Texto

tāṁ yātudhāna-pṛtanām asi-śūla-cāpa-
prāsarṣṭi-śaktiśara-tomara-khaḍga-durgām
sugrīva-lakṣmaṇa-marutsuta-gandhamāda-
nīlāṅgadarkṣa-panasādibhir anvito ’gāt

Sinônimos

tām — todos eles; yātudhāna-pṛtanām — os soldados dos Rākṣasas; asi — com espadas; śūla — com lanças; cāpa — com arcos; prāsa-ṛṣṭi — armas prāsa e armas ṛṣṭi; śakti-śara — flechas śakti; tomara — armas tomara; khaḍga — com uma espécie de espada; durgām — todos invencíveis; sugrīva — pelo macaco chamado Sugrīva; lakṣmaṇa — pelo irmão caçula do Senhor Rāmacandra; marut-suta — por Hanumān; gandhamāda — por Gandhamāda, outro macaco; nīla — pelo maca­co chamado Nīla; aṅgada — Aṅgada; ṛkṣa — Ṛkṣa; panasa — Panasa; ādibhiḥ — e por outros soldados; anvitaḥ — estando rodeado, o Senhor Rāmacandra; agāt — apresentou-Se diante de (com o propósito de lutar).

Tradução

O Senhor Rāmacandra, ladeado por Lakṣmaṇa e soldados macacos, tais como Sugrīva, Hanumān, Gandhamāda, Nīla, Aṅgada, Jāmbavān e Panasa, atacou os soldados dos Rākṣasas, que estavam muito bem equipados com várias armas invencíveis, tais como espa­das, lanças, arcos, prāsas, ṛṣṭis, flechas śakti, khaḍgas e tomaras.

Texto

te ’nīkapā raghupater abhipatya sarve
dvandvaṁ varūtham ibha-patti-rathāśva-yodhaiḥ
jaghnur drumair giri-gadeṣubhir aṅgadādyāḥ
sītābhimarṣa-hata-maṅgala-rāvaṇeśān

Sinônimos

te — todos eles; anīka-pāḥ — os comandantes dos soldados; raghu­pateḥ — do Senhor Śrī Rāmacandra; abhipatya — no encalço do inimigo; sarve — todos eles; dvandvam — lutando; varūtham — os soldados de Rāvaṇa; ibha — com elefantes; patti — com infantaria; ratha — com quadrigas; aśva — com cavalos; yodhaiḥ — com esses guerreiros; jaghnuḥ — mataram-nos; drumaiḥ — arremessando grandes árvores; giri — picos de montanhas; gadā — maças; iṣubhiḥ — e flechas; aṅgada­-ādyāḥ — todos os soldados do Senhor Rāmacandra, encabeçados por Aṅgada e outros; sītā — de mãe Sītā; abhimarṣa — pela ira; hata — foi condenada; maṅgala — cuja prosperidade; rāvaṇa-īśān — os seguidores ou dependentes de Rāvaṇa.

Tradução

Aṅgada e os outros comandantes dos soldados de Rāmacandra en­frentaram os elefantes, a infantaria, os cavalos e as quadrigas do inimigo e arremessaram contra eles grandes árvores, picos de monta­nhas, maças e flechas. Assim, os soldados do Senhor Rāmacandra mataram os soldados de Rāvaṇa, que perderam toda a boa fortuna porque Rāvaṇa fora condenado pela ira de mãe Sītā.

Comentário

SIGNIFICADO—Os soldados que o Senhor Rāmacandra recrutou na floresta eram todos macacos e não tinham equipamentos adequados para combater os soldados de Rāvaṇa, pois os soldados de Rāvaṇa estavam com modernas armas militares, ao passo que os macacos podiam apenas arremessar pedras, picos de montanhas e árvores. O Senhor Rāmacandra e Lakṣmaṇa eram os únicos que lançavam algumas flechas. Porém, como os soldados de Rāvaṇa estavam condenados pela mal­dição lançada por mãe Sītā, os macacos conseguiram matá-los sim­plesmente jogando pedras e árvores. Existem duas classes de força – daiva e puruṣākāra. Daiva refere-se à força obtida da Transcen­dência, e puruṣākāra refere-se à força que a pessoa aufere graças à sua própria inteligência e poder. O poder transcendental sempre supera o poder do materialista. Aceitando ficar dependente da miseri­córdia do Senhor Supremo, a pessoa deve lutar com seus inimigos, muito embora não esteja equipada com armas modernas. Portanto, a Arjuna Kṛṣṇa ensinou que mām anusmara yudhya ca: “Pensa em Mim e luta.” Devemos lutar contra nosso inimigo até esgotarmos nossa capacidade, mas, para a vitória, temos que depender da misericórdia da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

rakṣaḥ-patiḥ sva-bala-naṣṭim avekṣya ruṣṭa
āruhya yānakam athābhisasāra rāmam
svaḥ-syandane dyumati mātalinopanīte
vibhrājamānam ahanan niśitaiḥ kṣurapraiḥ

Sinônimos

rakṣaḥ patiḥ — o líder dos Rākṣasas, Rāvaṇa; sva-bala-naṣṭim — a destruição de seus próprios soldados; avekṣya — após observar; ruṣṭaḥ — ficando muito irado; āruhya — montando em; yānakam — seu belo aeroplano decorado com flores; atha — depois disso; abhisasāra — partiu em direção ao; rāmam — Senhor Rāmacandra; svaḥ-syandane — na quadriga celestial de Indra; dyumati — reluzente; mātalinā — por Mātali, o quadrigário de Indra; upanīte — tendo sido trazida; vibhrā­jamānam — o Senhor Rāmacandra, como se apresentasse um brilho fulgurante; ahanat — Rāvaṇa golpeou-O; nisītāiḥ — muito afiada; kṣu­rapraiḥ — com flechas.

Tradução

Depois, ao perceber que perdera os seus soldados, Rāvaṇa, o rei dos Rākṣasas, ficou extremamente irado. Assim, subiu para o seu aeroplano, que estava decorado com flores, e foi ao encontro do Senhor Rāmacandra, que estava sentado na refulgente quadriga tra­zida por Mātali, o quadrigário de Indra. Então, Rāvaṇa tentou acertar o Senhor Rāmacandra com flechas afiadas.

Texto

rāmas tam āha puruṣāda-purīṣa yan naḥ
kāntāsamakṣam asatāpahṛtā śvavat te
tyakta-trapasya phalam adya jugupsitasya
yacchāmi kāla iva kartur alaṅghya-vīryaḥ

Sinônimos

rāmaḥ — o Senhor Rāmacandra; tam — a ele, Rāvaṇa; āha — disse; puruṣa-ada-purīṣa — és o excremento dos canibais (Rākṣasas); yat — porque; naḥ — Minha; kāntā — esposa; asamakṣam — desamparada devido à Minha ausência; asatā — por ti, o mais pecaminoso; apahṛtā — foi raptada; śva-vat — como um cachorro que, aproveitando-se da ausên­cia do proprietário, pega alimentos da cozinha; te — de ti; tyakta-tra­pasya — porque és um descarado; phalam adya — eu te darei o resultado hoje; jugupsitasya — de ti, o mais abominável; yacchāmi — eu te punirei; kālaḥ iva — como a morte; kartuḥ — de ti, que és o executor de todas as atividades pecaminosas; alaṅghya-vīryaḥ — porém Eu, sendo onipotente, nunca falho em Meu intento.

Tradução

O Senhor Rāmacandra disse a Rāvaṇa: És o mais abominável dos antropófagos. Na verdade, és igual ao excremento deles. Pareces um cão, pois, assim como um cão rouba alimentos da cozinha na ausência do dono da casa, raptaste Minha es­posa Sītādevī em Minha ausência. Portanto, assim como Yamarāja pune os homens pe­caminosos, Eu também te punirei. És muito abominável, pecaminoso e descarado. Hoje, portanto, Eu, que jamais falho em Meus intentos, estou disposto a punir-te.

Comentário

SIGNIFICADO—Na ca daivāt paraṁ balam: ninguém pode suplantar a força da Transcendência. Rāvaṇa era tão pecaminoso e descarado que não sabia o que aconteceria a alguém que raptasse mãe Sītā, a potência de prazer de Rāmacandra. Esta é a desqualificação dos Rākṣasas. Asatyam apratiṣṭhaṁ te jagad āhur anīśvaram. Os Rākṣasas não sabem que o Senhor Supremo é o governante da criação. Eles pensam que tudo surgiu por acaso ou acidentalmente e que não há governante, rei ou controlador. Portanto, os Rākṣasas agem de modo independente, como querem, chegando ao extremo de raptar a deusa da for­tuna. Esta política de Rāvaṇa traz graves perigos para o materialista; na verdade, ela causa a ruína da civilização materialista. Entretan­to, como são Rākṣasas, os ateístas ousam praticar os atos mais abo­mináveis, e com isso acabam sendo punidos. A religião consiste nas ordens do Senhor Supremo, e aquele que cumpre essas ordens é religioso. Alguém que deixa de acatar as ordens do Senhor é irreligioso e deve ser punido.

Texto

evaṁ kṣipan dhanuṣi sandhitam utsasarja
bāṇaṁ sa vajram iva tad-dhṛdayaṁ bibheda
so ’sṛg vaman daśa-mukhair nyapatad vimānād
dhāheti jalpati jane sukṛtīva riktaḥ

Sinônimos

evam — dessa maneira; kṣipan — repreendendo (Rāvaṇa); dhanu­ṣi — no arco; sandhitam — fixou uma flecha; utsasarja — disparou (contra ele); bāṇam — a flecha; saḥ — aquela flecha; vajram iva — como um raio; tat-hṛdayam — o coração de Rāvaṇa; bibheda — trespassou; saḥ — ele, Rāvaṇa; asṛk — sangue; vaman — vomitando; daśa-mukhaiḥ — pelas dez bocas; nyapatat — caiu; vimānāt — de seu aero­plano; hāhā — oh! O que aconteceu?; iti — assim; jalpati — rugindo; jane — quando todas as pessoas ali presentes; sukṛtī iva — como um homem piedoso; riktaḥ — quando expiram os resultados de suas atividades piedosas.

Tradução

Após repreender Rāvaṇa com essas palavras, o Senhor Rāmacandra fixou uma flecha em Seu arco, apontou para Rāvaṇa e disparou a flecha, que trespassou o coração de Rāvaṇa como um raio. Ao verem isso, os seguidores de Rāvaṇa fizeram um som tumultuoso, gritan­do: “Oh, não! Oh, não! O que aconteceu? O que aconteceu?”, enquanto Rāvaṇa, vomitando sangue por suas dez bocas, caía de seu aeroplano, assim como um homem piedoso cai dos planetas celestiais em direção à Terra quando se esgotam os resultados de suas atividades piedosas.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (9.21), afirma-se que kṣīṇe puṇye martya­lokaṁ viśanti: “Quando os resultados de suas atividades piedosas se esgotam, aqueles que desfrutaram nos planetas celestiais caem no­vamente à Terra.” As atividades fruitivas deste mundo material são tais que, quer alguém aja piedosa, quer aja impiedosamente, ele deve permanecer no mundo material, preso a diferentes condições, pois nem as ações piedosas nem as ações impiedosas podem libertar alguém, tirando-o das garras de māyā que se apresentam a ele sob a forma de repetidos nascimentos e mortes. De alguma maneira, Rāvaṇa as­cendera à elevada posição de monarca de um grande reino, com acesso a todas as opulências materiais, mas, devido ao seu ato pe­caminoso que consistiu em raptar mãe Sītā, todos os resultados de suas atividades piedosas foram destruídos. Se alguém ofende uma grande personalidade, especialmente a Suprema Personalidade de Deus, é certo que ele se torna a pessoa mais abominável; desprovida dos resultados das atividades piedosas, qualquer pessoa terá de cair como Rāvaṇa e outros demônios. Portanto, aconselha-se às pessoas que transcendam tanto as atividades piedosas quanto as impiedosas e permaneçam em estado puro, livres de todas as designações (sarvopādhi-vinirmuktaṁ tat-paratvena nirmalam). Quando alguém se fixa em serviço devocional, coloca-se acima da plataforma material. Na plataforma material, há posições superiores e inferiores, mas, quando alguém está acima da plataforma material, fixa-se sempre em posição espiritual (sa guṇān samatītyaitān brahma-bhūyāya kal­pate). Rāvaṇa, ou sujeitos como ele, podem ser muito poderosos e opulentos neste mundo material, mas a posição deles não é segura porque, por fim, estão atados aos resultados de seu karma (karmaṇā daiva-netreṇa). Não devemos esquecer-nos de que depen­demos inteiramente das leis da natureza.

prakṛteḥ kriyamāṇāni
guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ
ahaṅkāra-vimūḍhātmā
kartāham iti manyate

“Confusa, a alma espiritual que está sob a influência dos três modos da natureza material julga-se autora das atividades que, de fato, são executadas pela natureza.” (Bhagavad-gītā 3.27) Ninguém deve orgulhar-se de sua elevada posição e agir como Rāvaṇa, julgando-se independente das leis da natureza material.

Texto

tato niṣkramya laṅkāyā
yātudhānyaḥ sahasraśaḥ
mandodaryā samaṁ tatra
prarudantya upādravan

Sinônimos

tataḥ — em seguida; niṣkramya — saindo; laṅkāyāḥ — de Laṅkā; yātudhānyaḥ — as esposas dos Rākṣasas; sahasraśaḥ — aos milhares e milhares; mandodaryā — encabeçadas por Mandodarī, a esposa de Rāvaṇa; samam — com; tatra — lá; prarudantyaḥ — chorando e lamentando-se; upādravan — aproximaram-se (de seus esposos mortos).

Tradução

Em seguida, encabeçadas por Mandodarī, a esposa de Rāvaṇa, todas as mulheres cujos esposos tombaram na batalha saíram de Laṅkā. Chorando continuamente, elas se aproximaram dos cadáve­res de Rāvaṇa e de outros Rākṣasas.

Texto

svān svān bandhūn pariṣvajya
lakṣmaṇeṣubhir arditān
ruruduḥ susvaraṁ dīnā
ghnantya ātmānam ātmanā

Sinônimos

svān svān — seus respectivos esposos; bandhūn — amigos; pariṣva­jya — abraçando; lakṣmaṇa-iṣubhiḥ — pelas flechas de Lakṣmaṇa; ar­ditān — que foram mortos; ruruduḥ — todas as esposas choravam de maneira tocante; su-svaram — era muito comovente ouvir; dīnāḥ — muito pobres; ghnantyaḥ — golpeando; ātmānam — seus seios; ātmanā — sozinhas.

Tradução

Golpeando seus seios, aflitas porque seus esposos haviam sido mortos pelas flechas de Lakṣmaṇa, as mulheres abraçaram seus res­pectivos esposos e choravam de maneira comovente, e seus gemidos sensi­bilizavam a todos.

Texto

hā hatāḥ sma vayaṁ nātha
loka-rāvaṇa rāvaṇa
kaṁ yāyāc charaṇaṁ laṅkā
tvad-vihīnā parārditā

Sinônimos

— oh!; hatāḥ — morto; sma — no passado; vayam — todas nós; nātha — ó protetor; loka-rāvaṇa — ó esposo, ó tu que provocaste prantos em tantas outras pessoas; rāvaṇa — ó Rāvaṇa, alguém que pode fazer os outros chorar; kam — em quem; yāyāt — buscará; śaraṇam — refúgio; laṅkā — o estado de Laṅkā; tvat-vihīnā — estando desprovido de ti; para-arditā — depois de derrotado pelos inimigos.

Tradução

Ó meu senhor, ó mestre! Como foste o pior problema das pessoas, eras chamado Rāvaṇa. Mas agora que foste derrotado, também fomos derrotadas, pois, sem ti, o estado de Laṅkā foi conquistado pelo inimigo. Em quem o reino se refugiará?

Comentário

SIGNIFICADO—A esposa de Rāvaṇa, Mandodarī, e as outras esposas dos Rākṣa­sas sabiam muito bem quão cruel Rāvaṇa fora. A própria palavra “Rāvaṇa” significa “aquele que causa lágrimas nos outros”. Rāvaṇa continuamente causava problemas aos outros, mas, quando suas atividades pecaminosas chegaram ao máximo, culminando nos problemas que ele causou a Sītādevī, ele foi morto pelo Senhor Rāma­candra.

Texto

na vai veda mahā-bhāga
bhavān kāma-vaśaṁ gataḥ
tejo ’nubhāvaṁ sītāyā
yena nīto daśām imām

Sinônimos

na — não; vai — na verdade; veda — sabias; mahā-bhāga — ó pessoa afortunadíssima; bhavān — tu; kāma-vaśam — influenciado por desejos luxuriosos; gataḥ — tendo-te tornado; tejaḥ — pelo prestígio; anubhā­vam — como resultado desse prestígio; sītāyāḥ — de mãe Sītā; yena — pelo qual; nītaḥ — trazido a; daśām — uma condição; imām — como esta (destruição).

Tradução

Ó pessoa afortunadíssima, tu te deixaste influenciar por desejos luxu­riosos e, portanto, não pudeste entender a influência de mãe Sītā. Agora, devido à maldição que ela lançou, foste reduzido a este esta­do, tendo sido morto pelo Senhor Rāmacandra.

Comentário

SIGNIFICADO—Não apenas mãe Sītā era poderosa, mas qualquer mulher que siga os passos de mãe Sītā pode adquirir um poder semelhante ao dela. Na história da literatura védica, existem muitos desses exemplos. Sempre que encontramos uma descrição de mulheres castas ideais, mãe Sītā está entre elas. Mandodarī, a esposa de Rāvaṇa, também era muito casta. Igualmente, Draupadī está incluída entre as cinco mulheres castas mais exce­lentes. Assim como os homens devem seguir grandes personalidades como Brahmā e Nārada, as mulheres devem seguir o caminho de mulheres ideais como Sītā, Mandodarī e Draupadī. Permanecendo casta e fiel ao seu esposo, a mulher se enriquece com poder sobrenatural. É um princípio moral que ninguém deve deixar-se influenciar por desejos luxuriosos perante a esposa de outrem. Mā­tṛvat para-dāreṣu: a pessoa inteligente deve ver a esposa de outrem como sendo sua mãe. Esse é um preceito moral ensinado no Cāṇakya­-śloka (10).

mātṛvat para-dāreṣu
para-dravyeṣu loṣṭravat
ātmavat sarva-bhūteṣu
yaḥ paśyati sa paṇḍitaḥ

“Aquele que considera a esposa alheia como sua mãe, a posse alheia como um monte de areia e trata todos os outros seres vivos como trataria a si mesmo, deve ser considerado erudito.” Portanto, Rāvaṇa foi condenado não apenas pelo Senhor Rāmacandra, mas até mesmo por sua própria esposa, Mandodarī. Porque ela era uma mulher casta, ela conhecia o poder de outra mulher casta, especial­mente se essa mulher era alguém como mãe Sītādevī.

Texto

kṛtaiṣā vidhavā laṅkā
vayaṁ ca kula-nandana
dehaḥ kṛto ’nnaṁ gṛdhrāṇām
ātmā naraka-hetave

Sinônimos

kṛtā — feito por ti; eṣā — tudo isto; vidhavā — sem um protetor; laṅkā — o estado de Laṅkā; vayam ca — e nós; kula-nandana — ó prazer dos Rākṣasas; dehaḥ — o corpo; kṛtaḥ — feito por ti; annam — digno de ser comido; gṛdhrāṇām — pelos abutres; ātmā — e tua alma; naraka-hetave — de ir ao inferno.

Tradução

Ó prazer da dinastia Rākṣasa, devido a ti, o estado de Laṅkā e também nós próprias agora não temos protetor. Através de teus feitos, tornaste teu corpo digno de ser devorado pelos abutres, e tua alma digna de ir para o inferno.

Comentário

SIGNIFICADO—Aquele que segue o caminho de Rāvaṇa recebe duas condenações: seu corpo serve para ser comido por cães e abutres, e a alma vai para o inferno. Como o próprio Senhor afirma na Bhagavad-gītā (16.19):

tān ahaṁ dviṣataḥ krūrān
saṁsāreṣu narādhamān
kṣipāmy ajasram aśubhān
āsurīṣv eva yoniṣu

“Aqueles invejosos e canalhas que são os mais baixos entre os homens, Eu os lanço no oceano da existência material, onde assumirão várias espécies de vidas demoníacas.” Logo, o destino reservado a ateístas ímpios, tais como Rāvaṇa, Hiraṇyakaśipu, Kaṁsa e Dantavakra, é uma condição de vida infernal. Porque era uma mulher casta, Man­dodarī, a esposa de Rāvaṇa, podia entender tudo isso. Embora lamentasse a morte de seu esposo, ela sabia o que aconteceria a seu corpo e alma, pois, embora não se possa ver diretamente com os olhos materiais, pode-se ver com os olhos do conhecimento (paśyanti jñāna-cakṣuṣaḥ). Na história védica, há muitos exemplos de pessoas que se tornaram ateístas e foram condenadas pelas leis da natureza.

Texto

śrī-śuka uvāca
svānāṁ vibhīṣaṇaś cakre
kosalendrānumoditaḥ
pitṛ-medha-vidhānena
yad uktaṁ sāmparāyikam

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; svānām — de seus próprios membros familiares; vibhīṣaṇaḥ — Vibhīṣaṇa, o irmão de Rāvaṇa e devoto do Senhor Rāmacandra; cakre — executou; kosala­-indra-anumoditaḥ — louvado pelo rei de Kosala, o Senhor Rāmacandra; pitṛ-medha-vidhānena — através da cerimônia fúnebre realizada pelo filho em prol do seu pai ou de algum membro familiar; yat uktam — que foram prescritos; sāmparāyikam — deveres a serem realizados após a morte de alguém, para livrá-lo de ir para o inferno.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Vibhīṣaṇa, o piedoso irmão de Rāvaṇa e devoto do Senhor Rāmacandra, recebeu os louvores do Senhor Rāmacandra, o rei de Kosala. Então, ele realizou as cerimônias fú­nebres em prol de seus membros familiares, a fim de salvá-los do ca­minho do inferno.

Comentário

SIGNIFICADO—Após abandonar o corpo, a pessoa transfere-se a outro corpo, mas às vezes, quando alguém é muito pecaminoso, deixa de trans­migrar a outro corpo e, então, vira um fantasma. Para salvar uma pessoa doente, evitando que ela assuma uma vida de fantasma, deve-se rea­lizar a cerimônia fúnebre, ou cerimônia śrāddha, conforme prescrita nos śāstras autorizados. Rāvaṇa foi morto pelo Senhor Rāmacandra e estava destinado à vida infernal, mas, por conselho do Senhor Rāmacandra, Vibhīṣaṇa, o irmão de Rāvaṇa, realizou todo o cerimonial prescrito em conexão com o morto. Logo, o Senhor Rāmacandra foi bondoso com Rāvaṇa, mesmo após a morte deste.

Texto

tato dadarśa bhagavān
aśoka-vanikāśrame
kṣāmāṁ sva-viraha-vyādhiṁ
śiṁśapā-mūlam-āśritām

Sinônimos

tataḥ — em seguida; dadarśa — viu; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; aśoka-vanika-āśrame — em uma pequena cabana na floresta de árvores Aśoka; kṣāmām — muito magra e esquálida; sva­viraha-vyādhim — sofrendo a dor da separação do Senhor Rāmacandra; śiṁśapā — da árvore conhecida como Siṁśapā; mūlam — a raiz; āśri­tām — refugiando-se em.

Tradução

Em seguida, o Senhor Rāmacandra encontrou Sītādevī sentada em uma pequena cabana, sob uma árvore chamada Siṁśapā, em uma flo­resta de árvores Aśoka. Magra e esquálida, ela se sentia pesarosa devido à separação dEle.

Texto

rāmaḥ priyatamāṁ bhāryāṁ
dīnāṁ vīkṣyānvakampata
ātma-sandarśanāhlāda-
vikasan-mukha-paṅkajām

Sinônimos

rāmaḥ — o Senhor Rāmacandra; priya-tamām — Sua queridíssima; bhāryām — esposa; dīnām — tão precariamente situada; vīkṣya — vendo; anvakampata — encheu-Se de compaixão; ātma-sandarśana — quando a pessoa vê seu amado; āhlāda — um êxtase de vida jubilosa; vikasat — manifestando; mukha — boca; paṅkajām — de lótus.

Tradução

Vendo Sua esposa naquelas condições, o Senhor Rāmacandra encheu-Se de compaixão. Quando Rāmacandra apareceu diante dela, ela ficou extremamente feliz ao ver o seu amado, e sua boca de lótus expressava sua alegria.

Texto

āropyāruruhe yānaṁ
bhrātṛbhyāṁ hanumad-yutaḥ
vibhīṣaṇāya bhagavān
dattvā rakṣo-gaṇeśatām
laṅkām āyuś ca kalpāntaṁ
yayau cīrṇa-vrataḥ purīm

Sinônimos

āropya — mantendo ou pondo; āruruhe — subiu; yānam — para o aeroplano; bhrātṛbhyām — com Seu irmão Lakṣmaṇa e o comandante Sugrīva; hanumat-yutaḥ — acompanhado de Hanumān; vibhīṣaṇāya — a Vibhīṣaṇa, o irmão de Rāvaṇa; bhagavān — o Senhor; dattvā — concedeu; rakṣaḥ-gaṇa-īśatām — o poder de governar a população Rākṣasa de Laṅkā; laṅkām — o estado de Laṅkā; āyuḥ ca — e a duração de vida; kalpa-antam — por muitos e muitos anos, até o final de um kalpa; yayau — retornou ao lar; cīrṇa-vrataḥ — terminado o pe­ríodo de permanência na floresta; purīm — a Ayodhyā-purī.

Tradução

Após dar a Vibhīṣaṇa o poder de governar a população Rākṣasa de Laṅkā pela duração de um kalpa, o Senhor Rāmacandra, a Suprema Personalidade de Deus [Bhagavān], colocou Sītādevī em um aeroplano decorado com flores e, então, Ele próprio subiu para o ae­roplano. Tendo terminado o período de Sua permanência na floresta, o Senhor retornou a Ayodhyā, acompanhado de Hanumān, Sugrīva e de Seu irmão Lakṣmaṇa.

Texto

avakīryamāṇaḥ sukusumair
lokapālārpitaiḥ pathi
upagīyamāna-caritaḥ
śatadhṛty-ādibhir mudā

Sinônimos

avakīryamāṇaḥ — ficando submerso; su-kusumaiḥ — em flores fragrantes e belas; loka-pāla-arpitaiḥ — oferecidas pela ordem principesca; pathi — no caminho; upagīyamāna-caritaḥ — sendo glorificado por causa de Suas atividades incomuns; śatadhṛti-ādibhiḥ — por personalidades como o senhor Brahmā e outros semideuses; mudā — com muito júbilo.

Tradução

Ao retornar à Sua capital, Ayodhyā, o Senhor Rāmacandra, ainda na estrada, foi saudado pela ordem principesca, que derramou sobre Seu corpo belas e fragrantes flores, enquanto grandes personalidades, como o senhor Brahmā e outros semideuses, glorificavam as atividades do Senhor em grande júbilo.

Texto

go-mūtra-yāvakaṁ śrutvā
bhrātaraṁ valkalāmbaram
mahā-kāruṇiko ’tapyaj
jaṭilaṁ sthaṇḍile-śayam

Sinônimos

go-mūtra-yāvakam — comendo cevada preparada com urina fervida de vaca; śrutvā — ouvindo; bhrātaram — Seu irmão Bharata; valkala-­ambaram — coberto com casca de árvores; mahā-kāruṇikaḥ — o sumamente misericordioso Senhor Rāmacandra; atapyat — lamentou muito; jaṭilam — usando mechas de cabelo entrançadas; sthaṇḍile-śayam — deitando-Se em uma esteira de grama, ou kuśāsana.

Tradução

Ao chegar a Ayodhyā, o Senhor Rāmacandra tomou conhecimento de que, em Sua ausência, Seu irmão Bharata comia cevada preparada em urina de vaca, cobria Seu corpo com casca de árvores, usava mechas de cabelo entrançadas e deitava-Se sobre uma esteira de kuśa. O misericordiosíssimo Senhor muito lamentou isso.

Texto

bharataḥ prāptam ākarṇya
paurāmātya-purohitaiḥ
pāduke śirasi nyasya
rāmaṁ pratyudyato ’grajam
nandigrāmāt sva-śibirād
gīta-vāditra-niḥsvanaiḥ
brahma-ghoṣeṇa ca muhuḥ
paṭhadbhir brahmavādibhiḥ
svarṇa-kakṣa-patākābhir
haimaiś citra-dhvajai rathaiḥ
sad-aśvai rukma-sannāhair
bhaṭaiḥ puraṭa-varmabhiḥ
śreṇībhir vāra-mukhyābhir
bhṛtyaiś caiva padānugaiḥ
pārameṣṭhyāny upādāya
paṇyāny uccāvacāni ca
pādayor nyapatat premṇā
praklinna-hṛdayekṣaṇaḥ

Sinônimos

bharataḥ — o Senhor Bharata; prāptam — regressando para casa; ākarṇya — ouvindo; paura — toda classe de cidadãos; amātya — todos os ministros; purohitaiḥ — acompanhado por todos os sacerdotes; pāduke — os dois tamancos; śirasi — sobre a cabeça; nyasya — mantendo; rāmam — ao Senhor Rāmacandra; pratyudyataḥ — adiantando-Se para receber; agrajam — Seu irmão mais velho; nandigrāmāt — de Sua residência, conhecida como Nandigrāma; sva-śibirāt — de Seu próprio acampamento; gīta-vāditra — canções e vibrações de tambores e outros instrumentos musicais; niḥsvanaiḥ — acompanhado por esses sons; brahma-ghoṣeṇa — pelo som do canto dos mantras védicos; ca — e; muhuḥ — sempre; paṭhadbhiḥ — recitação dos Vedas; brahma­-vādibhiḥ — por brāhmaṇas excelentes; svarṇa-kakṣa-patākābhiḥ — decoradas com bandeiras bordadas a ouro; haimaiḥ — de ouro; citra­dhvajaiḥ — com bandeiras decorativas; rathaiḥ — com quadrigas; sat-­aśvaiḥ — tendo cavalos muito belos; rukma — de ouro; sannāhaiḥ — com arreios; bhaṭaiḥ — por soldados; puraṭa-varmabhiḥ — cobertos com escudos feitos de ouro; śreṇībhiḥ — por essa fileira ou procissão; vāra-mukhyābhiḥ — acompanhada por prostitu­tas belas e bem vestidas; bhṛtyaiḥ — pelos servos; ca — também; eva — na verdade; pada­-anugaiḥ — pela infantaria; pārameṣṭhyāni — outra parafernália digna de uma recepção real; upādāya — juntando tudo; paṇyāni — pedras preciosas etc.; ucca-avacāni — de diferentes valores; ca — também; pādayoḥ — aos pés de lótus do Senhor; nyapatat — caiu; premṇā — em amor extático; praklinna — amolecido, umedecido; hṛdaya — o âmago do coração; īkṣaṇaḥ — cujos olhos.

Tradução

Ao compreender que o Senhor Rāmacandra retornava à capital, Ayodhyā, o Senhor Bharata imediatamente colocou sobre Sua própria cabeça os tamancos do Senhor Rāmacandra e saiu de Seu acampamento em Nandigrāma. O Senhor Bharata fazia-Se acompanhar por ministros, sacerdotes e outros cidadãos respeitáveis, por músicos profissionais que vibravam melodias agradáveis, e por brāhmaṇas eruditos que cantavam alto os hinos védicos. Seguindo o cortejo, havia quadrigas puxadas por belos cavalos cujos arreios tinham rédeas de ouro. Essas quadrigas estavam decoradas com bandeiras borda­das a ouro e com outras bandeiras de vários tamanhos e formatos. Havia soldados usando armaduras de ouro, servos portando noz-de-bétel, e muitas prostitutas belas e famosas. Muitos servos seguiam a pé, carregando uma sombrinha, abanos, diferentes qualidades de joias preciosas, e outra parafernália digna de uma recepção real. Acompanhado dessa maneira, o Senhor Bharata, com Seu coração tomado de êxtase e Seus olhos rasos d’água, aproximou-Se do Senhor Rāmacandra e, em grande amor extático, caiu a Seus pés de lótus.

Texto

pāduke nyasya purataḥ
prāñjalir bāṣpa-locanaḥ
tam āśliṣya ciraṁ dorbhyāṁ
snāpayan netrajair jalaiḥ
rāmo lakṣmaṇa-sītābhyāṁ
viprebhyo ye ’rha-sattamāḥ
tebhyaḥ svayaṁ namaścakre
prajābhiś ca namaskṛtaḥ

Sinônimos

pāduke — os dois calçados de madeira; nyasya — após colocar; purataḥ — diante do Senhor Rāmacandra; prāñjaliḥ — de mãos postas; bāṣpa-locanaḥ — com lágrimas nos olhos; tam — a Ele, Bharata; āśliṣya — abraçando; ciram — demoradamente; dorbhyām — com Seus dois braços; snā­payan — banhando; netra-jaiḥ — que vinha dos Seus olhos; jalaiḥ — com a água; rāmaḥ — o Senhor Rāmacandra; lakṣmaṇa-sītābhyām — com Lakṣmaṇa e mãe Sītā; viprebhyaḥ — aos brāhmaṇas eruditos; ye — também aos outros que; arha-sattamāḥ — dignos de serem adorados; tebhyaḥ — a eles; svayam — pessoalmente; namaḥ-cakre — ofereceu respeitosas reverências; prajābhiḥ — pelos cidadãos; ca — e; namaḥ­-kṛtaḥ — foram-Lhe oferecidas reverências.

Tradução

Após apresentar os calçados de madeira diante do Senhor Rāmacandra, o Senhor Bharata permaneceu de mãos postas, com os olhos cheios de lágrimas, e o Senhor Rāmacandra banhou Bharata com Suas lágrimas enquanto O abraçava demoradamente com ambos os braços. Acompanhado de mãe Sītā e Lakṣmaṇa, o Senhor Rāmacandra ofe­receu Suas respeitosas reverências aos brāhmaṇas eruditos e às pessoas mais velhas da família, e todos os cidadãos de Ayodhyā prestaram respeitosas reverências ao Senhor.

Texto

dhunvanta uttarāsaṅgān
patiṁ vīkṣya cirāgatam
uttarāḥ kosalā mālyaiḥ
kiranto nanṛtur mudā

Sinônimos

dhunvantaḥ — agitando; uttara-āsaṅgān — as roupas superiores que cobrem o corpo; patim — o Senhor; vīkṣya — vendo; cira-āgatam — retorna após muitos anos de exílio; uttarāḥ kosalāḥ — os cidadãos de Ayodhyā; mālyaiḥ kirantaḥ — oferecendo-Lhe guirlandas; nanṛtuḥ — começaram a dançar; mudā — em grande júbilo.

Tradução

Os cidadãos de Ayodhyā, ao verem seu rei de volta após longa ausência, ofereceram-Lhe guirlandas de flores, agitaram seus mantos e dançaram em grande júbilo.

Texto

pāduke bharato ’gṛhṇāc
cāmara-vyajanottame
vibhīṣaṇaḥ sasugrīvaḥ
śveta-cchatraṁ marut-sutaḥ
dhanur-niṣaṅgāñ chatrughnaḥ
sītā tīrtha-kamaṇḍalum
abibhrad aṅgadaḥ khaḍgaṁ
haimaṁ carmarkṣa-rāṇ nṛpa

Sinônimos

pāduke — os dois calçados de madeira; bharataḥ — o Senhor Bharata; agṛh­ṇāt — carregava; cāmara — abano; vyajana — leque; uttame — muito opulento; vibhīṣaṇaḥ — o irmão de Rāvaṇa; sa-sugrīvaḥ — com Su­grīva; śveta-chatram — uma sombrinha branca; marut-sutaḥ — Hanu­mān, o filho do deus do vento; dhanuḥ — o arco; niṣaṅgān — com duas aljavas; śatrughnaḥ — um dos irmãos do Senhor Rāmacandra; sītā — mãe Sītā; tīrtha-kamaṇḍalum — o cântaro cheio de água dos lugares sagrados; abibhrat — carregava; aṅgadaḥ — o comandante dos macacos chamado Aṅgada; khaḍgam — a espada; haimam — feito de ouro; carma — escudo; ṛkṣa-rāṭ — o rei dos Ṛkṣas, Jāmbavān; nṛpa — ó rei.

Tradução

Ó rei, o Senhor Bharata carregava os calçados de madeira do Senhor Rāmacandra, Sugrīva e Vibhīṣaṇa carregavam um moscadeiro e um excelente abano, Hanumān carregava uma sombrinha branca, Śatrughna carre­gava um arco e duas aljavas, e Sītādevī carregava um cântaro cheio de água dos lugares sagrados. Aṅgada carregava uma espada, e Jāmbavān, o rei dos Ṛkṣas, carregava um escudo de ouro.

Texto

puṣpaka-stho nutaḥ strībhiḥ
stūyamānaś ca vandibhiḥ
vireje bhagavān rājan
grahaiś candra ivoditaḥ

Sinônimos

puṣpaka-sthaḥ — sentado em um aeroplano feito de flores; nutaḥ — adorado; strībhiḥ — pelas mulheres; stūyamānaḥ — sendo-Lhe dirigi­das orações; ca — e; vandibhiḥ — pelos recitadores; vireje — embelezado; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus, Senhor Rāmacandra; rājan — ó rei Parīkṣit; grahaiḥ — entre os planetas; candraḥ — a Lua; iva — como; uditaḥ — surgida.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, logo que o Senhor sentou-Se em Seu aeroplano de flores, com as mulheres oferecendo-Lhe orações e recitadores glorificando Suas características, Ele parecia a Lua rodeada por estrelas e planetas.

Texto

bhrātrābhinanditaḥ so ’tha
sotsavāṁ prāviśat purīm
praviśya rāja-bhavanaṁ
guru-patnīḥ sva-mātaram
gurūn vayasyāvarajān
pūjitaḥ pratyapūjayat
vaidehī lakṣmaṇaś caiva
yathāvat samupeyatuḥ

Sinônimos

bhrātrā — pelo Seu irmão (Bharata); abhinanditaḥ — sendo devidamente acolhido; saḥ — Ele, o Senhor Rāmacandra; atha — em seguida; sa-utsavām — em meio a um festival; prāviśat — entrou; purīm — na cidade de Ayodhyā; praviśya — após entrar; rāja-bhavanam — no pa­lácio real; guru-patnīḥ — Kaikeyī e outras madrastas; sva-mātaram — Sua própria mãe (Kauśalyā); gurūn — os mestres espirituais (Śrī Va­siṣṭha e outros); vayasya — aos amigos da mesma idade; avara-jān — e àqueles que eram mais jovens do que Ele; pūjitaḥ — sendo adorado por eles; pratyapūjayat — Ele retribuiu as reverências; vaidehī — mãe Sītā; lakṣmaṇaḥ — Lakṣmaṇa; ca eva — e; yathā-vat — de maneira ade­quada; samupeyatuḥ — recebendo boas-vindas, entraram no palácio.

Tradução

Em seguida, tendo recebido as boas-vindas de Seu irmão Bharata, o Senhor Rāmacandra entrou na cidade de Ayodhyā em meio a um festival. Ao adentrar-Se no palácio, Ele ofereceu reverências a todas as mães, incluindo Kaikeyī e as outras esposas de Mahārāja Daśaratha, e especialmente à Sua própria mãe, Kauśalyā. Também ofereceu reverências aos preceptores espirituais, tais como Vasiṣṭha. Amigos de Sua própria idade e amigos mais jovens adoraram-nO, e Ele respondeu às suas respeitosas reverências, e essa mesma atitude foi também tomada por Lakṣmaṇa e mãe Sītā. Dessa maneira, todos eles entraram no palácio.

Texto

putrān sva-mātaras tās tu
prāṇāṁs tanva ivotthitāḥ
āropyāṅke ’bhiṣiñcantyo
bāṣpaughair vijahuḥ śucaḥ

Sinônimos

putrān — os filhos; sva-mātaraḥ — Suas mães; — elas, encabeça­das por Kauśalyā e Kaikeyī; tu — mas; prāṇān — vida; tanvaḥ — corpos; iva — como; utthitāḥ — levantados; āropya — mantendo; aṅke — no colo; abhiṣiñcantyaḥ — umedecendo (os corpos de seus filhos); bāṣpa — com as lágrimas; oghaiḥ — que jorravam continuamente; vijahuḥ — abandonaram; śucaḥ — lamentação decorrente da saudade de seus filhos.

Tradução

Ao verem seus filhos, as mães de Rāma, Lakṣmaṇa, Bharata e Śatrughna imediatamente se levantaram, como corpos inconscientes que retomam a consciência. As mães puseram seus filhos em seus colos e banharam-nOs com lágrimas, aliviando-se assim do sofrimento causado pela longa separação.

Texto

jaṭā nirmucya vidhivat
kula-vṛddhaiḥ samaṁ guruḥ
abhyaṣiñcad yathaivendraṁ
catuḥ-sindhu-jalādibhiḥ

Sinônimos

jaṭāḥ — as mechas de cabelo entrançadas; nirmucya — raspando; vidhi-vat — de acordo com os princípios reguladores; kula-vṛddhaiḥ — as pessoas mais velhas da família; samam — com; guruḥ — o sacerdote ou o mestre espiritual da família, Vasiṣṭha; abhyaṣiñcat — realizou a cerimônia de abhiṣeka do Senhor Rāmacandra; yathā — do mesmo modo; eva — como; indram — ao rei Indra; catuḥ-sindhu-jala — com a água dos quatro oceanos; ādibhiḥ — e com outra parafernália de banho.

Tradução

O sacerdote ou mestre espiritual da família, Vasiṣṭha, providenciou que o Senhor Rāmacandra cortasse o Seu cabelo, livrando-se de Suas mechas emaranhadas. Depois, com a cooperação dos membros mais velhos da família, ele realizou a cerimônia de banho [abhiṣeka] do Senhor Rāmacandra, utilizando a água dos quatro mares e outras substâncias, do mesmo modo que o rei Indra fizera.

Texto

evaṁ kṛta-śiraḥ-snānaḥ
suvāsāḥ sragvy-alaṅkṛtaḥ
svalaṅkṛtaiḥ suvāsobhir
bhrātṛbhir bhāryayā babhau

Sinônimos

evam — assim; kṛta-śiraḥ-snānaḥ — tendo tomado um banho com­pleto, lavando a cabeça; su-vāsāḥ — estando vestido com esmero; sragvi-alaṅkṛtaḥ — decorado com uma guirlanda; su-alaṅkṛtaḥ — muito bem decorados; su-vāsobhiḥ — vestidos com muito esmero; bhrātṛbhiḥ — com Seus irmãos; bhāryayā — e com Sua esposa, Sītā; babhau — o Senhor tornou-Se muito brilhante.

Tradução

O Senhor Rāmacandra, tendo-Se banhado e estando com Sua ca­beça raspada, vestiu-Se com muito esmero e estava decorado com uma guirlanda e joias. Assim, Ele brilhava com grande esplendor, cercado por Seus irmãos e esposa, que usavam roupas e adornos de padrão semelhante.

Texto

agrahīd āsanaṁ bhrātrā
praṇipatya prasāditaḥ
prajāḥ sva-dharma-niratā
varṇāśrama-guṇānvitāḥ
jugopa pitṛvad rāmo
menire pitaraṁ ca tam

Sinônimos

agrahīt — aceitou; āsanam — o trono do estado; bhrātrā — pelo Seu irmão (Bharata); praṇipatya — após render-Se plenamente a Ele; pra­sāditaḥ — tendo sido satisfeito; prajāḥ — e os cidadãos; sva-dharma-ni­ratāḥ — inteiramente dedicados a seus respectivos deveres ocupacionais; varṇāśrāma — de acordo com o sistema de varṇa e āśrāma; guṇa-anvi­tāḥ — todos eles estando qualificados naquele processo; jugopa — o Senhor protegeu-os; pitṛ-vat — exatamente como um pai; rāmaḥ — o Senhor Rāmacandra; menire — eles consideraram; pitaram — exatamente como um pai; ca — também; tam — a Ele, o Senhor Rāmacandra.

Tradução

Estando satisfeito com a plena rendição e submissão do Senhor Bharata, o Senhor Rāmacandra aceitou o trono do estado. Ele cuidava dos cidadãos exatamente como um pai, e os cidadãos, estando completamente dedicados a seus deveres ocupacionais determinados pelo seu varṇa e āśrama, aceitaram-nO como seu pai.

Comentário

SIGNIFICADO—As pessoas gostam muito do modelo do Rāma-rājya, e mesmo hoje em dia os políticos, às vezes, formam um partido chamado Rāma-rājya, mas, infelizmente, eles não obedecem ao Senhor Rāma. Às vezes se diz que as pessoas querem o reino de Deus sem Deus. Tal aspiração, entretanto, jamais será satisfeita. Pode existir um bom governo quando a relação entre os cidadãos e o governo é como aquela exemplificada pelo Senhor Rāmacandra e Seus cida­dãos. O Senhor Rāmacandra governou Seu reino exatamente como um pai cuida de seus filhos, e os cidadãos, sentindo-se agradecidos ao bom governo do Senhor Rāmacandra, aceitavam o Senhor como seu pai. Logo, a relação entre os cidadãos e o governo deve ser exa­tamente como a que existe entre o pai e o filho. Quando os filhos de uma família recebem boa educação, eles obedecem ao pai e à mãe, e quando o pai é bem qualificado, ele cuida muito bem dos filhos. Como indicam aqui as palavras sva-dharma-niratā varṇāśrama­-guṇān-vitāḥ, a população era constituída de bons cidadãos porque aceitava a instituição de varṇa e āśrama, que distribui a sociedade em varṇas, formados de brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra, e āśramas, divididos em brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa. Essa é a civilização verdadeiramente humana. Todos devem ser treinados de acordo com os diferentes deveres ocupacionais delineados no varṇāśrāma. Como se confirma na Bhagavad-gītā (4.13), cātur­-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ: os quatro varṇas devem ser estabelecidos de acordo com as várias qualificações e ati­vidades. O primeiro princípio de um bom governo é que ele deve instituir este sistema varṇāśrama. O propósito do varṇāśrama é ca­pacitar as pessoas a tornarem-se conscientes de Deus. Varṇāśramācāravatā puruṣeṇa paraḥ pumān viṣṇur ārādhyate. Todo o esquema varṇāśrama visa a capacitar as pessoas a tornarem-se vaiṣṇavas. Viṣṇur asya devatā. Quando adora o Senhor Viṣṇu como o Senhor Supremo, a população se torna vaiṣṇava. Logo, todos devem aprender a tornarem-se vaiṣṇavas através do sistema de varṇa e āśrama, como se dava com aqueles que viviam no reino do Senhor Rāmacandra, quando todos eram plenamente treinados a seguir os princípios de varṇāśrama.

A simples imposição de leis e decretos não pode fazer os cida­dãos obedientes e respeitosos. Isso é impossível. Em todo o mundo, existem muitos estados, assembleias legislativas e parlamentos, mas, apesar disso, os cidadãos são ladrões e assaltantes. A boa cidada­nia, portanto, não pode ser imposta pela força; os cidadãos têm de ser educados. Assim como há escolas e faculdades próprias para treinar os estudantes a tornarem-se engenheiros químicos, advogados ou especialistas em muitos outros departamentos de conhecimento, é necessário que haja escolas e faculdades dedicadas a treinar os es­tudantes a tornarem-se brāhmaṇas, kṣatriyas, vaiśyas, śūdras, brahma­cārīs, gṛhasthas, vānaprasthas e sannyāsīs. Isso fornecerá condições preliminares para uma boa cidadania (varṇāśrama-guṇān-vitāḥ). Fa­lando em termos genéricos, se o rei ou o presidente é um rājarṣi, a relação entre os cidadãos e o líder executivo será transparente, e não ha­verá possibilidade de ruptura no estado, porque o número de ladrões e assaltantes diminuirá. Em Kali-yuga, entretanto, como o sistema varṇāśrama é negligenciado, a população é cons­tituída de ladrões e assaltantes de um modo geral. No sistema democrático, esses ladrões e assaltantes naturalmente coletam dinheiro de outros ladrões e as­saltantes, em decorrência do que surge o caos no governo e ninguém é feliz. Aqui, no entanto, o exemplo de bom governo pode ser encontrado no reinado do Senhor Rāmacandra. Se as pessoas seguirem este exemplo, haverá bom governo no mundo todo.

Texto

tretāyāṁ vartamānāyāṁ
kālaḥ kṛta-samo ’bhavat
rāme rājani dharma-jñe
sarva-bhūta-sukhāvahe

Sinônimos

tretāyām — em Tretā-yuga; vartamānāyām — embora situado dentro daquele período; kālaḥ — o período; kṛta — a Satya-yuga; samaḥ — igual; abhavat — tornou-se assim; rāme — devido ao fato de o Senhor Rāmacandra estar presente; rājani — como o rei governante; dharma­-jñe — devido à Sua completa religiosidade; sarva-bhūta — a todas as entidades vivas; sukha-āvahe — dando total felicidade.

Tradução

O Senhor Rāmacandra tornou-Se rei durante Treta-yuga, mas, devido ao Seu bom governo, era como se as pessoas estivessem em Satya-yuga. Todos eram religiosos e completamente felizes.

Comentário

SIGNIFICADO—Entre os quatro yugas – Satya, Tretā, Dvāpara e Kali –, Kali-­yuga é o pior, mas, se o processo de varṇāśrama-dharma for in­troduzido mesmo nesta era de Kali, pode-se reviver o mesmo ambiente de Satya-yuga. O Movimento Hare Kṛṣṇa, ou o Movimento da Cons­ciência de Kṛṣṇa, destina-se a esse propósito.

kaler doṣa-nidhe rājann
asti hy eko mahān guṇaḥ
kīrtanād eva kṛṣṇasya
mukta-saṅgaḥ paraṁ vrajet

“Meu querido rei, embora Kali-yuga seja cheia de defeitos, ainda resta uma boa qualidade nesta era: basta alguém cantar o mahā­-mantra Hare Kṛṣṇa para livrar-se do cativeiro material e elevar-­se ao reino transcendental.” (Śrīmad-Bhāgavatam 12.3.51) Se as pessoas aceitam este movimento de saṅkīrtana, que consiste em cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Rāma, decerto se livrarão da contaminação de Kali-yuga, e as pessoas desta era serão felizes, como o eram as pessoas de Satya-­yuga, a era de ouro. Em qualquer parte, todos podem facilmen­te aderir a este Movimento Hare Kṛṣṇa; é preciso apenas cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, cumprir as regras e regulações e se livrar­ da contaminação da vida pecaminosa. Mesmo que alguém seja pecaminoso e não consiga abandonar imediatamente a vida pecaminosa, com certeza se livrará de todas as atividades pecaminosas se cantar o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa com fé e devoção, e sua vida será bem-sucedida. Paraṁ vijayate śrī-kṛṣṇa-saṅkīrtanam. Esta é a bênção do Senhor Rāmacandra, que, nesta era de Kali, apareceu como o Senhor Gaurasundara.

Texto

vanāni nadyo girayo
varṣāṇi dvīpa-sindhavaḥ
sarve kāma-dughā āsan
prajānāṁ bharatarṣabha

Sinônimos

vanāni — as florestas; nadyaḥ — os rios; girayaḥ — as colinas e montanhas; varṣāṇi — várias partes do estado ou divisões na superfície da Terra; dvīpa — ilhas; sindhavaḥ — os oceanos e mares; sarve — todos eles; kāma-dughāḥ — plenos de suas respectivas opulências; āsan — assim existiam; prajānām — de todos os seres vivos; bharata-ṛṣabha — ó Mahārāja Parīkṣit, melhor da dinastia Bharata.

Tradução

Ó Mahārāja Parīkṣit, ó melhor da dinastia Bharata, durante o reinado do Senhor Rāmacandra, as florestas, os rios, as montanhas e colinas, os estados, as sete ilhas e os sete mares estavam todos propícios a suprir as necessidades da vida de todos os seres vivos.

Texto

nādhi-vyādhi-jarā-glāni-
duḥkha-śoka-bhaya-klamāḥ
mṛtyuś cānicchatāṁ nāsīd
rāme rājany adhokṣaje

Sinônimos

na — não; ādhi — sofrimentos adhyātmika, adhibhautika e adhidai­vika (isto é, sofrimentos causados pelo corpo e pela mente, por outras entidades vivas e por fenômenos naturais); vyādhi — doenças; jarā — velhice; glāni — pesar; duḥkha — aflição; śoka — lamentação; bhaya — medo; klamāḥ — e fadiga; mṛtyuḥ — morte; ca — também; aniccha­tām — daqueles que não a queriam; na āsīt — não havia; rāme — du­rante o reinado do Senhor Rāmacandra; rājani — por ser Ele o rei; adhokṣaje — a Suprema Personalidade de Deus, que está além deste mundo material.

Tradução

Quando o Senhor Rāmacandra, a Suprema Personalidade de Deus, era o rei deste mundo, todos os sofrimentos mentais e físicos, doenças, velhice, pesar, lamentação, angústia, medo e fadiga estavam completamente ausentes. Nem mesmo havia morte para aqueles que não a queriam.

Comentário

SIGNIFICADO—Todas essas condições favoráveis existiam devido à presença do Senhor Rāmacandra como rei do mundo inteiro. Mesmo nesta era de Kali, a pior de todas as eras, seria possível introduzir imediatamente uma situação similar. Declara-se que kali-kāle nāma-rūpe kṛṣṇa-­avatāra: Neste Kali-yuga, Kṛṣṇa desce na forma de Seus santos nomes Hare Kṛṣṇa, Hare Rāma. Se cantarmos sem cometermos ofensas, Rāma e Kṛṣṇa ainda estarão presentes nesta era. O reino de Rāma era muitíssimo popular e benéfico, e a difusão deste movi­mento Hare Kṛṣṇa pode imediatamente introduzir uma situação semelhante, mesmo neste Kali-yuga.

Texto

eka-patnī-vrata-dharo
rājarṣi-caritaḥ śuciḥ
sva-dharmaṁ gṛha-medhīyaṁ
śikṣayan svayam ācarat

Sinônimos

eka-patnī-vrata-dharaḥ — fazendo o voto de não aceitar outra es­posa ou ter vínculos com alguma outra mulher; rāja-ṛṣi — como um rei santo; caritaḥ — de cujo caráter; śuciḥ — puro; sva-dharmam — o próprio dever ocupacional de cada um; gṛha-medhīyam — especial­mente de pessoas situadas na vida familiar; śikṣayan — ensinando (através do exemplo pessoal); svayam — pessoalmente; ācarat — exe­cutou Seu dever.

Tradução

O Senhor Rāmacandra fez o voto de aceitar apenas uma esposa e não ter vínculos com nenhuma outra mulher. Ele era um rei santo, e tudo em Seu caráter era bom, não estigmatizado por defeitos, tais como a ira. Ele ensinou bom comportamento a todos, especialmente aos pais de família, tomando como base o varṇāśrama-dharma. Destarte, por meio de Suas atividades pessoais, Ele ensinou ao pú­blico em geral.

Comentário

SIGNIFICADO—Eka-patnī-vrata, aceitar apenas uma esposa, foi o glorioso exem­plo estabelecido pelo Senhor Rāmacandra. Ninguém deve aceitar mais do que uma esposa. Naqueles dias, é claro, os homens assumiam mais de uma esposa. Mesmo o pai do Senhor Rāmacandra aceitou várias esposas. Mas o Senhor Rāmacandra, como o rei ideal, aceitou apenas uma esposa, mãe Sītā. Quando mãe Sītā foi raptada por Rāvaṇa e pelos Rākṣasas, o Senhor Rāmacandra, na condição de Suprema Personalidade de Deus, poderia ter desposado centenas e milhares de Sītās, mas, para ensinar-nos quão fiel Ele era à Sua es­posa, Ele lutou contra Rāvaṇa e, por fim, ceifou-lhe a vida. O Senhor puniu Rāvaṇa e resgatou Sua esposa para ensinar os homens a possuírem apenas uma esposa. O Senhor Rāmacandra aceitou apenas uma es­posa e manifestou um caráter sublime, estabelecendo assim um exem­plo para os pais de família. Todo pai de família deve viver segundo o padrão perfeito do Senhor Rāmacandra, que mostrou como alguém pode tornar-se uma pessoa perfeita. Ser pai de família ou viver com esposa e filhos nunca é condenável, contanto que a pessoa viva de acordo com os princípios reguladores delineados no varṇāśrama­-dharma. Aqueles que vivem segundo esses princípios, quer sejam pais de família, quer sejam brahmacārīs, quer sejam vānaprasthas, assumem igual importância.

Texto

premṇānuvṛttyā śīlena
praśrayāvanatā satī
bhiyā hriyā ca bhāva-jñā
bhartuḥ sītāharan manaḥ

Sinônimos

premṇā anuvṛttyā — devido ao serviço prestado ao esposo com fé e amor; śīlena — através de um caráter excelente; praśraya-avanatā — sempre muito submissa e disposta a satisfazer seu esposo; satī — casta; bhiyā — sendo receosa; hriyā — com timidez; ca — também; bhāva­-jñā — compreendendo a atitude (do esposo); bhartuḥ — de seu espo­so, o Senhor Rāmacandra; sītā — mãe Sītā; aharat — simplesmente cativando; manaḥ — a mente.

Tradução

Mãe Sītā era muito submissa, fiel, tímida e casta, compreendendo sempre a atitude de seu esposo. Assim, com seu caráter, amor e ser­viço, ela atraiu por completo a mente do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como o Senhor Rāmacandra é o esposo ideal (eka-patnī-vrata), mãe Sītā é a esposa ideal. Tal combinação torna a vida fa­miliar muito feliz. Yad yad ācarati śreṣṭhas tat tad evetaro janaḥ: Qualquer que seja o exemplo que um grande homem estabeleça, as pessoas comuns seguem-no. Se os reis, os líderes e os brāhmaṇas, os preceptores, pusessem em prática os exemplos apresentados na li­teratura védica, o mundo inteiro se tornaria o céu; de fato, não mais haveria condições infernais neste mundo material.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do nono canto, décimo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Os Passatempos do Senhor Supremo, Rāmacandra”.