CAPÍTULO OITENTA E CINCO
O Senhor Kṛṣṇa Instrui Vasudeva e Recupera os Filhos de Devakī
Este capítulo relata como o Senhor Kṛṣṇa transmitiu conhecimento divino a Seu pai e, juntamente com o Senhor Balarāma, recuperou os falecidos filhos de Sua mãe.
Tendo ouvido os sábios visitantes glorificarem Kṛṣṇa, Vasudeva deixou de considerar Kṛṣṇa e Balarāma como seus filhos e começou a louvar Sua onipotência, onipresença e onisciência como a Suprema Personalidade de Deus. Depois de glorificar seus filhos, Vasudeva caiu aos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa e suplicou-lhe que afastasse a concepção de que o Senhor era seu filho. Em vez disso, o Senhor Kṛṣṇa restabeleceu esse conceito instruindo Vasudeva sobre a ciência de Deus, e, ao ouvir essas instruções, Vasudeva ficou tranquilo e livre de dúvida.
Então, mãe Devakī louvou Kṛṣṇa e Balarāma, lembrando-Lhes como Eles haviam recuperado o filho falecido de Seu mestre espiritual. Ela disse: “Por favor, satisfazei meu desejo da mesma maneira. Por favor, trazei de volta meus filhos que foram mortos por Kaṁsa para que eu possa vê-los mais uma vez.” Solicitados desse modo por Sua mãe, os dois Senhores foram ao planeta subterrâneo Sutala, onde Se aproximaram de Bali Mahārāja. O rei Bali saudou-Os com todo o respeito, oferecendo-Lhes assentos de honra, adorando-Os e recitando orações. Kṛṣṇa e Balarāma, então, pediram a Bali que devolvesse os filhos falecidos de Devakī. Os Senhores receberam de Bali os meninos e devolveram-nos a Devakī, que sentiu tamanha sobrecarga de afeição por eles que leite começou a escorrer espontaneamente de seus seios. Tomada de felicidade, Devakī amamentou seus filhos, os quais, ao beberem os restos de leite que o próprio Senhor Kṛṣṇa certa vez bebera, readquiriram suas formas originais de semideuses e voltaram para o céu.
Texto
athaikadātmajau prāptau
kṛta-pādābhivandanau
vasudevo ’bhinandyāha
prītyā saṅkarṣaṇācyutau
Sinônimos
śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śrī Bādarāyaṇi (Śukadeva Gosvāmī) disse; atha — então; ekadā — certo dia; ātmajau — seus dois filhos; prāptau — vieram a ele; kṛta — tendo feito; pāda — de seus pés; abhivandanau — honra; vasudevaḥ — Vasudeva; abhinandya — saudando-Os; āha — disse; prītyā — com afeição; saṅkarṣaṇa-acyutau — a Balarāma e Kṛṣṇa.
Tradução
Śrī Bādarāyaṇi disse: Certo dia, os dois filhos de Vasudeva – Saṅkarṣaṇa e Acyuta – vieram prestar-lhe Seus respeitos prostrando-Se aos pés dele. Vasudeva saudou-Os com grande afeição e dirigiu-Lhes a palavra.
Texto
putrayor dhāma-sūcakam
tad-vīryair jāta-viśrambhaḥ
paribhāṣyābhyabhāṣata
Sinônimos
munīnām — dos sábios; saḥ — ele; vacaḥ — as palavras; śrutvā — tendo ouvido; putrayoḥ — de seus dois filhos; dhāma — ao poder; sūcakam — que se referiam; tat — dEles; vīryaiḥ — por causa dos valorosos feitos; jāta — tendo desenvolvido; viśrambhaḥ — convicção; paribhāṣya — dirigindo-se a Eles pelo nome; abhyabhāṣata — disse-Lhes.
Tradução
Tendo ouvido as palavras dos grandes sábios relativas ao poder de seus dois filhos e tendo visto Suas valorosas façanhas, Vasudeva se convenceu da divindade dEles. Então, chamando-Os pelo nome, dirigiu-se a Eles com as seguintes palavras.
Texto
saṅkarṣaṇa sanātana
jāne vām asya yat sākṣāt
pradhāna-puruṣau parau
Sinônimos
kṛṣṇa kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa, ó Kṛṣṇa; mahā-yogin — ó maior dos yogīs; saṅkarṣaṇa — ó Balarāma; sanātana — eterno; jāne — sei; vām — que Vós ambos; asya — deste (universo); yat — que; sākṣāt — diretamente; pradhāna — o princípio criador da natureza; puruṣau — e a Personalidade de Deus criadora; parau — supremos.
Tradução
[Vasudeva disse:] Ó Kṛṣṇa, ó Kṛṣṇa, melhor dos yogīs, ó eterno Saṅkarṣaṇa! Sei que sois pessoalmente a fonte da criação universal e também os componentes da criação.
Comentário
SIGNIFICADO—Como se ensina na doutrina sāṅkhya do Senhor Kapiladeva, pradhāna é a energia criadora do puruṣa, a Pessoa Suprema. Assim, destes dois princípios, o pradhāna é a energia predominada, feminina, incapaz de ação independente, ao passo que o puruṣa é o criador e desfrutador primordial e absolutamente independente. Nem Kṛṣṇa nem Seu irmão Balarāma pertencem à categoria de energia subordinada; ao contrário, os dois juntos são o puruṣa original, que está sempre acompanhado de Suas múltiplas potências de prazer, conhecimento e emanação criadora.
Texto
yasmai yad yad yathā yadā
syād idaṁ bhagavān sākṣāt
pradhāna-puruṣeśvaraḥ
Sinônimos
yatra — em que; yena — por que; yataḥ — proveniente de que; yasya — de que; yasmai — a que; yat yat — o que quer que; yathā — como quer que; yadā — quando quer que; syāt — vem a existir; idam — esta (criação); bhagavān — o Senhor Supremo; sākṣāt — em Sua presença pessoal; pradhāna-puruṣa — da natureza e seu criador (Mahā-Viṣṇu); īśvaraḥ — o predominador.
Tradução
Sois a Suprema Personalidade de Deus, que Vos manifestais como o Senhor da natureza e do criador da natureza [Mahā-Viṣṇu]. Tudo o que vem a existir, como e quando quer que seja, é criado dentro de Vós, por Vós, de Vós, para Vós e em relação a Vós.
Comentário
SIGNIFICADO—Para observadores casuais, o mundo conhecido parece ser produzido por muitos agentes distintos. Uma boa indicação desse conceito é a própria linguagem, que os gramáticos tradicionais do sânscrito explicam como um reflexo da diversidade visível da natureza. Na gramática sânscrita clássica, ensinada pelo sábio Pāṇini, o verbo, que expressa a ação, é considerado o núcleo essencial da sentença, e todas as outras palavras funcionam em relação a ele. Os substantivos, por exemplo, assumem um dos vários casos para mostrar sua relação particular com o verbo da sentença. Essas relações do substantivo com o verbo chamam-se kārakas, isto é, as relações de sujeito (kartā, “quem faz”), objeto (karma, “o que é feito”), instrumento (karaṇa, “pelo qual”), recipiente (sampradāna, “para o qual ou em direção ao qual”), fonte (apadāna, “de ou por causa do qual”), e local (adhikaraṇa, “no qual”). Além desses kārakas, os substantivos às vezes também podem se relacionar com outro substantivo em sentido possessivo, e há também várias espécies de advérbios de tempo, lugar e modo. Porém, ainda que a linguagem pareça assim indicar a atividade de muitos agentes separados na criação manifestada, a verdade mais profunda é que todas as formas gramaticais se referem antes de tudo à Suprema Personalidade de Deus. Neste verso, Vasudeva apresenta esse ponto glorificando seus dois elevados filhos com relação às diferentes formas gramaticais.
Texto
ātma-sṛṣṭam adhokṣaja
ātmanānupraviśyātman
prāṇo jīvo bibharṣy aja
Sinônimos
etat — este; nānā-vidham — variegado; viśvam — universo; ātma — de Vós mesmo; sṛṣṭam — criado; adhokṣaja — ó Senhor transcendental; ātmanā — em Vossa manifestação (como o Paramātmā); anupraviśya — entrando; ātman — ó Alma Suprema; prāṇaḥ — o princípio da vitalidade; jīvaḥ — e o princípio da consciência; bibharṣi — mantendes; aja — ó não-nascido.
Tradução
Ó Senhor transcendental, criastes todo este variado universo a partir de Vós mesmo e, então, entrastes dentro dele em Vossa forma pessoal como a Superalma. Dessa maneira, ó não-nascida Alma Suprema, como a força vital e consciência de todos, mantendes a criação.
Comentário
SIGNIFICADO—Ao criar o universo material, o Senhor Se expande como o Paramātmā, ou Superalma, e aceita a criação como o Seu corpo universal. Nenhum corpo material tem razão alguma para existir sem que alguma alma jīva o deseje para seu desfrute, e nenhuma jīva pode manter um corpo de modo independente, sem que o Paramātmā a acompanhe para orientá-la. Os ācāryas vaiṣṇavas, em seus comentários sobre o segundo canto do Śrīmad-Bhāgavatam, explicam que, mesmo antes de nascer do umbigo de lótus do Garbhodakaśāyī Viṣṇu, Brahmā aceita primeiro a energia material total, o mahat-tattva, como o seu corpo. Assim, Brahmā é a jīva corporificada pelo universo, e Viṣṇu é o Paramātmā que o acompanha. Brahmā tem de organizar as manifestações específicas da criação, mas não pode começar a fazê-lo antes que o Senhor Viṣṇu Se expanda de novo na energia sutil da ação – que é o sūtra-tattva, ou ar vital original – e também na energia criadora da consciência, buddhi-tattva.
Texto
śaktayo yāḥ parasya tāḥ
pāratantryād vaisādṛṣyād
dvayoś ceṣṭaiva ceṣṭatām
Sinônimos
prāṇa — do ar vital; ādīnām — etc.; viśva — do universo; sṛjām — os fatores criativos; śaktayaḥ — potências; yāḥ — que; parasya — pertencentes ao Supremo; tāḥ — elas; pāratantryāt — por serem dependentes; vaisādṛśyāt — por serem diferentes; dvayoḥ — de ambas (manifestações vivas e não-vivas no mundo material); ceṣṭa — a atividade; eva — meramente; ceṣṭatām — daquelas entidades (a saber, prāṇa etc.) que são ativas.
Tradução
Quaisquer potências que o ar vital e outros elementos da criação universal exibam são todas, em verdade, energias pessoais do Senhor Supremo, pois tanto a vida quanto a matéria são subordinadas a Ele e dependentes dEle, e também diferentes uma da outra. Desse modo, tudo o que é ativo no mundo material é posto em movimento pelo Senhor Supremo.
Comentário
SIGNIFICADO—O prāṇa é o ar vital, um elemento mais sutil do que o ar ordinário que podemos tocar. E porque o prāṇa é tão sutil – mais refinado do que as manifestações tangíveis da criação –, ele às vezes é considerado a fonte última de tudo. Todavia, até mesmo energias sutis como o prāṇa dependem, para sua capacidade funcional, do sumamente sutil Paramātmā. É essa a ideia que Vasudeva expressa aqui através da palavra pāratantryāt, “por causa da dependência”. Assim como a velocidade de uma flecha provém da força do arqueiro que a atira, de igual modo todas as energias subordinadas dependem do poder do Senhor Supremo.
Além disso, mesmo quando as várias causas sutis receberam sua capacidade de atuação, elas não podem agir em harmonia sem a direção coordenadora da Superalma. Como declara o senhor Brahmā em sua descrição da criação no segundo canto do Śrīmad-Bhāgavatam:
bhūtendriya-mano-guṇāḥ
yadāyatana-nirmāṇe
na śekur brahma-vittama
bhagavac-chakti-coditāḥ
sad-asattvam upādāya
cobhayaṁ sasṛjur hy adaḥ
“Ó Nārada, ó melhor dos transcendentalistas, as formas do corpo não podem ocorrer enquanto essas partes criadas, a saber, os elementos, os sentidos, a mente e os modos da natureza não estiverem reunidas. Então, quando todas essas partes se juntaram por força da energia da Suprema Personalidade de Deus, este universo na certa passou a existir, aceitando tanto as causas primárias quanto as causas secundárias da criação.” (Śrīmad-Bhāgavatam 2.5.32-33)
Texto
candrāgny-arkarkṣa-vidyutām
yat sthairyaṁ bhū-bhṛtāṁ bhūmer
vṛttir gandho ’rthato bhavān
Sinônimos
kāntiḥ — o resplendor atraente; tejaḥ — brilho; prabhā — luminosidade; sattā — a existência particular; candra — da Lua; agni — fogo; arka — o Sol; ṛkṣa — as estrelas; vidyutām — e relâmpago; yat — que; sthairyam — permanência; bhū-bhṛtām — de montanhas; bhūmeḥ — da terra; vṛttiḥ — a qualidade de sustentação; gandhaḥ — fragrância; arthataḥ — em verdade; bhavān — Vós.
Tradução
O resplendor da Lua, o brilho do fogo, a radiância do Sol, a cintilação das estrelas, o clarão do relâmpago, a estabilidade das montanhas e o aroma e poder sustentador da terra – tudo isso, em verdade, sois Vós.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrī Vasudeva, ao dizer a Kṛṣṇa que Ele é a essência do Sol, da Lua, das estrelas, do relâmpago e do fogo, apenas está repetindo a opinião das escrituras, tanto śruti quanto smṛti. A Śvetāśvatara Upaniṣad (6.14), por exemplo, afirma:
nemā vidyuto bhānti kuto ’yam agniḥ
tam eva bhāntam anu bhāti sarvaṁ
tasya bhāsā sarvam idaṁ vibhāti
“Ali [no céu espiritual], o Sol, a Lua, as estrelas ou o relâmpago não brilham como nós os conhecemos; isso para não falar no fogo comum. É devido ao reflexo da refulgência do céu espiritual que tudo mais emana luz, e assim, através de sua irradiação, este universo inteiro se torna luminoso.” E na Śrīmad-Bhagavad-gītā (15.12), o Senhor Supremo declara:
jagad bhāsayate ’khilam
yac candramasi yac cāgnau
tat tejo viddhi māmakam
“O esplendor do Sol, que dissipa a escuridão de todo este mundo, vem de Mim. E o esplendor da Lua e o esplendor do fogo também vêm de Mim.”
Texto
deva tvaṁ tāś ca tad-rasaḥ
ojaḥ saho balaṁ ceṣṭā
gatir vāyos taveśvara
Sinônimos
tarpaṇan — a capacidade de gerar satisfação; prāṇanam — o ato de dar a vida; apām — de água; deva — ó Senhor; tvam — Vós; tāḥ — a própria (água); ca — e; tat — dela (água); rasaḥ — o sabor; ojaḥ — calor e vitalidade do corpo, decorrentes da força do ar vital; sahaḥ — força mental; balam — e força física; ceṣṭā — esforço; gatiḥ — e movimento; vāyoḥ — do ar; tava — Vossos; īśvara — ó controlador supremo.
Tradução
Meu Senhor, sois a água, e também seu sabor e suas capacidades de saciar a sede e sustentar a vida. Exibis Vossas potências através das manifestações do ar como calor corpóreo, vitalidade, poder mental, força física, esforço e movimento.
Texto
diśaḥ khaṁ sphoṭa āśrayaḥ
nādo varṇas tvam oṁkāra
ākṛtīnāṁ pṛthak-kṛtiḥ
Sinônimos
diśām — das direções; tvam — Vós; avakāśaḥ — o poder de acomodar; asi — sois; diśaḥ — as direções; kham — o éter; sphoṭaḥ — som elementar; āśravaḥ — tendo como sua base (o éter); nādaḥ — o som em sua forma de vibração imanifesta; varṇaḥ — a sílaba primordial; tvam — Vós; oṁkāraḥ — oṁ; ākṛtīnām — de formas particulares; pṛthak-kṛtiḥ — a causa da diferenciação (isto é, a linguagem manifesta).
Tradução
Sois as direções e sua capacidade de acomodação, o éter onipenetrante e o som elementar que reside dentro dele. Sois a primordial forma imanifesta do som; a primeira sílaba, om; e a fala audível, por meio da qual o som, em forma de palavras, adquire referências particulares.
Comentário
SIGNIFICADO—Em conformidade com o processo geral da criação, a fala sempre se torna audível por etapas, que vão desde o impulso interior sutil até a expressão exterior. Essas etapas são mencionadas nos mantras do Ṛg Veda (1.164.45):
tāni vidur brāhmaṇā ye manīṣiṇaḥ
guhāyāṁ trīṇi nihitāni neṅgayanti
turīyaṁ vāco manuṣyā vadanti
“Os brāhmaṇas perspicazes conhecem quatro etapas progressivas da linguagem. Três delas permanecem ocultas no coração como vibrações imperceptíveis, enquanto a quarta é o que as pessoas ordinariamente entendem por fala.”
Texto
devāś ca tad-anugrahaḥ
avabodho bhavān buddher
jīvasyānusmṛtiḥ satī
Sinônimos
indriyam — ó poder de iluminar seus objetos; tu — e; indriyāṇām — dos sentidos; tvam — Vós; devāḥ — os semideuses (que regulam os vários sentidos); ca — e; tat — deles (os semideuses); anugrahaḥ — a misericórdia (mediante a qual os sentidos podem agir); avabodhaḥ — o poder de decisão; bhavān — Vós; buddheḥ — da inteligência; jīvasya — da entidade viva; anusmṛtiḥ — o poder de lembrança; satī — correta.
Tradução
Sois o poder que os sentidos têm de revelar seus objetos, os semideuses regentes dos sentidos e a sanção dada por estes semideuses para a atividade sensória. Sois a capacidade da inteligência para tomar decisões e a habilidade que o ser vivo tem de lembrar as coisas com exatidão.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī assinala que sempre que um dos sentidos materiais se envolve com seu objeto, o semideus que rege esse determinado órgão sensorial deve dar sua sanção. O ācārya Viśvanātha Cakravartī explica a palavra anusmṛti neste verso em seu sentido superior, como o reconhecimento que a pessoa tem de si como alma espiritual eterna.
Texto
indriyāṇāṁ ca taijasaḥ
vaikāriko vikalpānāṁ
pradhānam anuśāyinam
Sinônimos
bhūtānām — dos elementos físicos; asi — sois; bhūta-ādiḥ — sua fonte, o falso ego no modo da ignorância; indriyāṇām — dos sentidos; ca — e; taijasaḥ — o falso ego no modo da paixão; vaikārikaḥ — o falso ego no modo da bondade; vikalpānām — dos semideuses criadores; pradhānam — a energia material total imanifesta; anuśāyinam — subjacente.
Tradução
Sois o falso ego no modo da ignorância, que é a fonte dos elementos físicos; o falso ego no modo da paixão, que é a fonte dos sentidos corpóreos; o falso ego no modo da bondade, que é a fonte dos semideuses; e a energia material total imanifesta, que está por trás de tudo.
Texto
tad asi tvam anaśvaram
yathā dravya-vikāreṣu
dravya-mātraṁ nirūpitam
Sinônimos
naśvareṣu — sujeitas à destruição; iha — neste mundo; bhāveṣu — entre entidades; tat — isto; asi — sois; tvam — Vós; anaśvaram — o indestrutível; yathā — assim como; dravya — de uma substância; vikāreṣu — entre as transformações; dravya-mātram — a própria substância; nirūpitam — verificada.
Tradução
Sois a única entidade indestrutível dentre todas as coisas destrutíveis deste mundo, assim como a substância subjacente que se vê permanecer inalterada enquanto as coisas feitas dela sofrem transformações.
Texto
guṇās tad-vṛttayaś ca yāḥ
tvayy addhā brahmaṇi pare
kalpitā yoga-māyayā
Sinônimos
sattvam rajaḥ tamaḥ iti — conhecidos como bondade, paixão e ignorância; guṇāḥ — os modos da natureza material; tat — suas; vṛttayaḥ — funções; ca — e; yāḥ — que; tvayi — dentro de Vós; addhāḥ — manifestamente; brahmaṇi — dentro da Verdade Absoluta; pare — suprema; kalpitāḥ — arranjados; yoga-māyavā — por yogamāyā (a potência interna do Senhor Supremo que facilita Seus passatempos).
Tradução
Os modos da natureza material – a saber, a bondade, paixão e ignorância –, juntamente com todas as suas funções, tornam-se diretamente manifestos dentro de Vós, a Suprema Verdade Absoluta, por arranjo de Vossa yogamāyā.
Comentário
SIGNIFICADO—A descrição feita por Vasudeva de como o Senhor Supremo Se expande nos produtos dos três modos materiais talvez leve alguém a pensar erroneamente que Ele seja tocado pelos modos ou mesmo que esteja sujeito à destruição. Para negar esses entendimentos equivocados, Vasudeva afirma nesta passagem que os três modos e seus produtos funcionam devido ao arranjo da energia criadora do Senhor, yogamāyā, que está sempre sob o completo controle dEle. Logo, o Senhor jamais é maculado de forma alguma por qualquer contato material.
Texto
yarhi tvayi vikalpitāḥ
tvaṁ cāmīṣu vikāreṣu
hy anyadāvyāvahārikaḥ
Sinônimos
tasmāt — portanto; na — não; santi — existem; amī — estas; bhāvāḥ — entidades; yarhi — quando; tvayi — dentro de Vós; vikalpitāḥ — arranjadas; tvam — Vós; ca — também; amīṣu — dentro destes; vikāreṣu — produtos da criação; hi — de fato; anyadā — em qualquer outro tempo; avyāvahārikaḥ — não material.
Tradução
Assim, estas entidades criadas, transformações da natureza material, não existem, exceto quando a natureza material manifesta-as dentro de Vós, momento em que também Vos manifestais dentro delas. Contudo, exceto por esses períodos de criação, Vós permaneceis só, como a realidade transcendental.
Comentário
SIGNIFICADO—Quando ocorre a retração do universo por ocasião de sua aniquilação periódica, todos os objetos inertes e corpos dos seres vivos que até então se manifestavam por meio da māyā do Senhor separam-se de Sua visão. Então, como Ele não mantém associação alguma com eles durante o período da dissolução universal, eles de fato não existem mais. Em outras palavras, as manifestações materiais têm verdadeira existência funcional apenas quando o Senhor volta Sua atenção para a criação e manutenção do cosmos material. O Senhor jamais está “dentro” desses objetos em qualquer sentido material, apesar do que, por misericórdia, Ele Se difunde em todos eles como o Brahman impessoal e, como o Paramātmā, entra em cada átomo e também acompanha as almas jīvas em suas encarnações individuais. Como o Senhor descreve com Suas próprias palavras nos versos da Bhagavad-gītā (9.4-5):
jagad avyakta-mūrtinā
mat-sthāni sarva-bhūtāni
na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ
paśya me yogam aiśvaram
bhūta-bhṛn na ca bhūta-stho
mamātmā bhūta-bhāvanaḥ
“Sob Minha forma imanifesta, Eu penetro este universo inteiro. Todos os seres estão em Mim, mas Eu não estou neles. E mesmo assim, os elementos criados não repousam em Mim. Observa Minha opulência mística! Embora Eu seja o mantenedor de todas as entidades vivas e embora esteja em toda a parte, não faço parte desta manifestação cósmica, pois Meu eu é a própria fonte da criação.”
Texto
abudhās tv akhilātmanaḥ
gatiṁ sūkṣmām abodhena
saṁsarantīha karmabhiḥ
Sinônimos
guṇa — dos modos materiais; pravāhe — no fluxo; etasmin — este; abudhāḥ — os que são ignorantes; tu — mas; akhila — de tudo; ātmanaḥ — da Alma; gatim — o destino; sūkṣmām — sublime; abodhena — por causa de sua falta de entendimento; saṁsaranti — movem-se através do ciclo de nascimentos e mortes; iha — neste mundo; karmabhiḥ — forçados por suas atividades materiais.
Tradução
São imensamente ignorantes aqueles que, enquanto aprisionados no fluxo incessante das qualidades materiais deste mundo, deixam de conhecer-Vos, a Alma Suprema de tudo o que existe, como seu destino sublime e derradeiro. Por causa de sua ignorância, o enredamento do trabalho material força tais almas a vagarem no ciclo de nascimentos e mortes.
Comentário
SIGNIFICADO—A alma que se esquece de sua verdadeira identidade como servo de Deus é enviada a este mundo para ser aprisionada em uma sucessão de corpos materiais. Por identificarem-se erroneamente com esses corpos, semelhante alma condicionada sofre a consequente aflição da ação e reação do karma. Vasudeva, como um vaiṣṇava compassivo, lamenta-se pelas almas condicionadas sofredoras, cuja infelicidade, resultado da ignorância, pode ser remediada pelo conhecimento dos princípios do serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa.
Texto
su-kalpām iha durlabhām
svārthe pramattasya vayo
gataṁ tvan-māyayeśvara
Sinônimos
yadṛcchayā — de um modo ou de outro; nṛtām — a posição humana; prāpya — obtendo; su-kalpām — apropriada; iha — nesta vida; durlabhām — difícil de alcançar; sva — seu; arthe — sobre o bem-estar; pramattasya — de alguém que está confuso; vayaḥ — a duração da vida; gatam — gasta; tvat — Vossa; māyayā — pela energia ilusória; īśvara — ó Senhor.
Tradução
Por boa fortuna, uma alma pode obter uma saudável vida humana – uma oportunidade raramente alcançada. Contudo, se apesar disso ela se confundir sobre o que é melhor para si, ó Senhor, Vossa māyā ilusória a fará desperdiçar toda a sua vida.
Texto
dehe cāsyānvayādiṣu
sneha-pāśair nibadhnāti
bhavān sarvam idaṁ jagat
Sinônimos
asau — isto; aham — eu; mama — meu; eva — de fato; ete — estes; dehe — em relação com o corpo da pessoa; ca — e; asya — dele; anvaya-ādiṣu — e em relação com filhos e outras coisas relacionadas; sneha — da afeição; pāśaiḥ — com as cordas; nibadhnāti — amarrais; bhavān — Vós; sarvam — todo; idam — este; jagat — mundo.
Tradução
Mantendes todo este mundo atado pelas cordas da afeição, motivo pelo qual, quando alguém pondera sobre seu corpo material, ele pensa: “Isto sou eu”, e quando pondera sobre seus filhos e outros parentes, ele pensa: “Eles são meus.”
Texto
pradhāna-puruṣeśvarau
bhū-bhāra-kṣatra-kṣapaṇa
avatīrṇau tathāttha ha
Sinônimos
yuvām — Vós ambos; na — não; naḥ — nossos; sutau — filhos; sākṣāt — diretamente; pradhāna-puruṣa — da natureza e seu criador (Mahā-Viṣṇu); īśvarau — os controladores supremos; bhū — da Terra; bhāra — o fardo; kṣatra — a realeza; kṣapaṇe — para erradicar; avatīrṇau — descestes; tathā — assim; āttha — dissestes; ha — de fato.
Tradução
Não sois nossos filhos, mas os próprios Senhores tanto da natureza material quanto de seu criador [Mahā-Viṣṇu]. Como Vós mesmos nos dissestes, descestes para livrar a Terra dos governantes que são um fardo pesado sobre ela.
Comentário
SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, Vasudeva oferece a si mesmo e a sua esposa neste verso como excelentes exemplos daqueles que se encontram materialmente iludidos. Embora o Senhor Kṛṣṇa, na ocasião de Seu nascimento na prisão de Kaṁsa, tivesse dito a Vasudeva e Devakī que Sua missão era livrar a Terra dos kṣatriyas indesejados, mesmo assim Seus pais não conseguiam deixar de pensar nEle como seu desamparado filho que precisava de proteção contra o rei Kaṁsa. Em realidade, é claro, Vasudeva e Devakī estavam ambos participando do divino passatempo do nascimento do Senhor sob a perfeita direção de Sua energia interna; é apenas por humildade transcendental que Vasudeva critica a si próprio dessa maneira.
Texto
āpanna-saṁsṛti-bhayāpaham ārta-bandho
etāvatālam alam indriya-lālasena
martyātma-dṛk tvayi pare yad apatya-buddhiḥ
Sinônimos
tat — portanto; te — Vossos; gataḥ — vindo; asmi — estou; araṇam — em busca de refúgio; adya — hoje; pāda-aravindam — aos pés de lótus; āpanna — para aqueles que se renderam; saṁsṛti — do envolvimento material; bhaya — o medo; apaham — que afastam; ārta — dos aflitos; bandho — ó amigo; etāvatā — isto; alam alam — basta, basta; indriya — de gozo dos sentidos; lālasena — com desejo; martya — como mortal (o corpo material); ātma — eu mesmo; dṛk — cuja visão; tvayi — a Vós; pare — o Supremo; yat — por causa do qual (desejo); apatya — (de serdes meu) filho; buddhiḥ — a mentalidade.
Tradução
Portanto, ó amigo dos aflitos, agora aproximo-me de Vossos pés de lótus em busca de refúgio – os mesmos pés de lótus que dissipam todo o medo da existência mundana para os que se renderam a eles. Basta! Basta de desejar o gozo dos sentidos, que me leva a identificar-me com este corpo mortal e a pensar em Vós, o Supremo, como meu filho.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī sugere que Vasudeva aqui se condena por pensar em tentar ganhar opulências especiais por ser o pai do Senhor Supremo. Dessa maneira, Vasudeva faz um contraste entre ele e Nanda, o rei de Vraja, que vivia satisfeito com o amor puro por Deus e nada mais.
Texto
sañjajña ity anu-yugaṁ nija-dharma-guptyai
nānā-tanūr gagana-vad vidadhaj jahāsi
ko veda bhūmna uru-gāya vibhūti-māyām
Sinônimos
sūtī-gṛhe — na maternidade; nanu — de fato; jagāda — dissestes; bhavān — Vós; ajaḥ — o Senhor não nascido; nau — a nós; sañjajñe — nascestes; iti — assim; anu-yugam — em uma era após a outra; nija — Vossos; dharma — os princípios da religião; guptyai — para proteger; nānā — vários; tanūḥ — corpos divinos; gagana-vat — como uma nuvem; vidadhat — assumido; jahāsi — tornais imanifestos; kaḥ — quem; veda — pode compreender; bhūmnaḥ — o onipenetrante Senhor Supremo; uru-gāya — ó Vós que sois grandemente glorificado; vibhūti — das opulentas expansões; māyām — a potência ilusória mística.
Tradução
De fato, enquanto ainda estáveis na maternidade, dissestes-nos que Vós, o Senhor não nascido, já nascêreis várias vezes como nosso filho em eras anteriores. Depois de manifestar cada um desses corpos transcendentais para proteger Vossos próprios princípios da religião, então os tornastes imanifestos, assim aparecendo e desaparecendo como uma nuvem. Ó glorificadíssimo Senhor onipenetrante, quem pode compreender a mística potência ilusória de Vossas expansões opulentas?
Comentário
SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa nasceu para Vasudeva e Devakī pela primeira vez em suas vidas anteriores como Sutapā e Pṛśni. Mais tarde, tornaram-se de novo Seus pais como Kaśyapa e Aditi. Esta, então, era a terceira vez que Ele aparecia como filho deles.
Texto
ākarṇyetthaṁ pitur vākyaṁ
bhagavān sātvatarṣabhaḥ
pratyāha praśrayānamraḥ
prahasan ślakṣṇayā girā
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; ākarṇya — ouvindo; ittham — dessa maneira; pituḥ — de Seu pai; vākyam — as afirmações; bhagavān — o Senhor Supremo; sātvata-ṛṣabhaḥ — o melhor dos Yadus; pratyāha — respondeu; praśraya — com humildade; ānamraḥ — curvando (a cabeça); prahasan — sorrindo largamente; ślakṣṇayā — suave; girā — com voz.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: Tendo ouvido as palavras de Seu pai, o Senhor Supremo, o líder dos Sātvatas, respondeu com uma voz suave enquanto curvava a cabeça em sinal de humildade e sorria.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī descreve o que o Senhor Kṛṣṇa pensou após ouvir Seu pai glorificá-lO: “Vasudeva foi honrado com o papel eterno de Meu pai, algo a que nem semideuses como Brahmā podem aspirar. Portanto, ele não deveria absorver-se em pensar em Meus aspectos divinos. Além disso, sua reverência Me deixa extremamente embaraçado. Foi para evitar esta mesma situação que, depois de matar Kaṁsa, fiz um esforço especial para reforçar o amor paternal puro que eles sentiam por Mim e Balarāma. Mas agora, infelizmente, as declarações desses sábios ameaçam reviver um pouco da consciência anterior que Vasudeva e Devakī tinham acerca de Minha majestade.”
Texto
vaco vaḥ samavetārthaṁ
tātaitad upamanmahe
yan naḥ putrān samuddiśya
tattva-grāma udāhṛtaḥ
Sinônimos
śrī-bhagavān uvāca — a Personalidade de Deus disse; vacaḥ — palavras; vaḥ — tuas; samaveta — apropriado; artham — cujo sentido; tāta — ó pai; etat — estas; upamanmahe — considero; yat — desde que; naḥ — a Nós; putrān — teus filhos; samuddiśya — com relação a; tattva — de categorias de fato; grāmaḥ — a totalidade; udāhṛtaḥ — apresentada.
Tradução
O Senhor Supremo disse: Meu querido pai, considero apropriadas tuas afirmações, pois explicaste as várias categorias da existência com referência a Nós, teus filhos.
Comentário
SIGNIFICADO—Representando o filho dependente de Vasudeva, o Senhor Kṛṣṇa expressa gratidão pelas edificantes instruções de Seu pai.
Texto
ime ca dvārakāukasaḥ
sarve ’py evaṁ yadu-śreṣṭha
vimṛgyāḥ sa-carācaram
Sinônimos
aham — Eu; yūyam — tu; asau — Ele; āryaḥ — Meu respeitado irmão (Balarāma); ime — estes; ca — e; dvārakā-okasaḥ — habitantes de Dvārakā; sarve — todos; api — mesmo; evam — desta mesma maneira; yadu-śreṣṭha — ó melhor dos Yadus; vimṛgyāḥ — a ser considerado; sa — juntamente com; cara — aquilo que se move; acaram — e aquilo que não se move.
Tradução
Não apenas Eu, mas também tu, bem como Meu respeitado irmão e estes residentes de Dvārakā, devemos todos ser considerados sob esta mesma luz filosófica, ó melhor dos Yadus. De fato, devemos incluir tudo o que existe, tanto móvel quanto inerte.
Comentário
SIGNIFICADO—Para proteger o relacionamento íntimo de Seus pais com Ele, o Senhor Kṛṣṇa, nesta afirmação a Seu pai, Vasudeva, enfatiza a unidade de toda a existência. Por ouvir os sábios reunidos em Kurukṣetra, Vasudeva fora relembrado da grandeza de seus filhos. No entanto, seu sentimento de admiração reverente estava arruinando sua íntima relação paternal com Kṛṣṇa, daí Kṛṣṇa desejar dissipar esse sentimento.
Não devemos interpretar mal a “unidade” sobre a qual o Senhor Kṛṣṇa fala aqui. As palavras sutis das Upaniṣads muitas vezes levam os impersonalistas a crer, erroneamente, que toda a existência é inefavelmente una, sem nenhuma variedade em última análise. Alguns mantras das Upaniṣads enfatizam a igualdade de Deus e Sua criação, ao passo que outros falam da diferença entre eles. Tat tvam asi śvetaketo (“Tu és isso, ó Śvetaketu”), por exemplo, é um abheda-vākya, um mantra que afirma que todas as coisas são unas com Deus, sendo Suas expansões dependentes. Mas as Upaniṣads também contêm muitos bheda-vākyas, declarações que afirmam as qualidades únicas e distintivas do Supremo, como esta declaração, ka evānyāt kaḥ prāṇyād yady eṣa ākāśa ānando na syāt, eṣa evānandayati: “Quem existiria para ativar a criação e dar vida a todos os seres se este infinito Supremo não fosse o desfrutador original? De fato, Ele sozinho é a fonte de todo o prazer.” (Taittirīya Upaniṣad 2.7.1) Por causa da influência da desnorteante māyā do Senhor Supremo, impersonalistas invejosos leem os abheda-vākyas literalmente e aceitam os bheda-vākyas apenas de modo figurativo. Comentadores vaiṣṇavas autorizados, por outro lado, conciliam cuidadosamente as aparentes contradições existentes entre os princípios de interpretação do mīmāṁsā védico e as conclusões logicamente estabelecidas do vedānta.
Texto
nityo ’nyo nirguṇo guṇaiḥ
ātma-sṛṣṭais tat-kṛteṣu
bhūteṣu bahudheyate
Sinônimos
ātmā — a Alma Suprema; hi — de fato; ekaḥ — um; svayam-jyotiḥ — autoluminoso; nityaḥ — eterno; anyaḥ — distinto (da energia material); nirguṇaḥ — livre de qualidades materiais; guṇaiḥ — pelos modos; ātma — de si mesmo; sṛṣṭaiḥ — criados; tat — em seus; kṛteṣu — produtos; bhūteṣu — entidades materiais; bahudhā — múltiplo; īyate — parece.
Tradução
O espírito supremo, Paramātmā, é de fato um. Ele é autoluminoso e eterno, transcendental e desprovido de qualidades materiais. Contudo, por meio da ação dos próprios modos que Ele criou, a Verdade Suprema única manifesta-Se como muitos entre as expansões daqueles modos.
Texto
tat-kṛteṣu yathāśayam
āvis-tiro-’lpa-bhūry eko
nānātvaṁ yāty asāv api
Sinônimos
kham — éter; vāyuḥ — ar; jyotiḥ — fogo; āpaḥ — água; bhūḥ — terra; tat — deles; kṛteṣu — nos produtos; yathā-āśayam — segundo os lugares particulares; āviḥ — manifesto; tiraḥ — imanifesto; alpa — pequeno; bhūri — grande; ekaḥ — um; nānātvam — a multiplicidade; yāti — assume; asau — de; api — também.
Tradução
Os elementos éter, ar, fogo, água e terra tornam-se visíveis, invisíveis, diminutos ou vastos à medida que se manifestam em vários objetos. De modo semelhante, o Paramātmā, embora um, parece multiplicar-Se.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica este verso e o precedente da seguinte maneira: O Paramātmā único parece ser muitos por influência dos modos da natureza que Ele mesmo cria. Como acontece isso? Porque, embora em verdade o Paramātmā seja autoiluminante, eterno, à parte de tudo e livre dos modos da natureza, quando Se apresenta como Suas manifestações, Ele parece ser exatamente o oposto – uma multiplicidade de objetos temporários saturados dos modos da natureza. Assim como os elementos éter etc., quando se manifestam em potes e outros objetos, parecem surgir e desaparecer, da mesma forma o Paramātmā parece surgir e desaparecer em Suas várias manifestações.
Texto
evaṁ bhagavatā rājan
vasudeva udāhṛtaḥ
śrutvā vinaṣṭa-nānā-dhīs
tūṣṇīṁ prīta-manā abhūt
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; evam — assim; bhagavatā — pelo Senhor Supremo; rājan — ó rei (Parīkṣit); vasudevaḥ — Vasudeva; udāhṛtaḥ — falado para; śrutvā — ouvindo; vinaṣṭa — destruída; nānā — dualística; dhīḥ — sua mentalidade; tūṣṇīm — em silêncio; prīta — satisfeito; manāḥ — em seu coração; abhūt — ficou.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, ouvindo estas instruções que o Senhor Supremo lhe transmitiu, Vasudeva livrou-se de todas as concepções de dualidade. Com o coração satisfeito, ele ficou em silêncio.
Texto
devakī sarva-devatā
śrutvānītaṁ guroḥ putram
ātmajābhyāṁ su-vismitā
putrān kaṁsa-vihiṁsitān
smarantī kṛpaṇaṁ prāha
vaiklavyād aśru-locanā
Sinônimos
atha — então; tatra — naquele lugar; kuru-śreṣṭha — ó melhor dos Kurus; devakī — mãe Devakī; sarva — de todos; devatā — a deusa sumamente adorável; śrutvā — tendo ouvido; nītam — trazido de volta; guroḥ — do mestre espiritual dEles; putram — o filho; ātmajābhyām — por seus dois filhos; su — muito; vismitā — surpresa; kṛṣṇa-rāmau — a Kṛṣṇa e Balarāma; samāśrāvya — dirigindo-se abertamente; putrān — seus filhos; kaṁsa-vihiṁsitān — assassinados por Kaṁsa; smarantī — lembrando; kṛpaṇam — lastimosa; prāha — falou; vaiklavyāt — devido a seu estado de perturbação; aśru — (cheios de) lágrimas; locanā — seus olhos.
Tradução
Naquele momento, ó melhor dos Kurus, Devakī, que é adorada em todo o universo, aproveitou a oportunidade para dirigir-se a seus dois filhos, Kṛṣṇa e Balarāma. Outrora, ela ouvira com assombro que Eles haviam ressuscitado o filho de Seu mestre espiritual. Agora, pensando em seus próprios filhos que tinham sido assassinados por Kaṁsa, ela sentiu grande pesar e, então, com os olhos cheios de lágrimas, fez a seguinte súplica a Kṛṣṇa e Balarāma.
Comentário
SIGNIFICADO—O amor de Vasudeva por Kṛṣṇa se perturbara porque seu conhecimento a respeito das opulências de Kṛṣṇa conflitava com o fato de vê-lO como seu filho. De um modo diferente, o amor de Devakī se aturdiu um pouco por causa de sua lamentação pelos filhos mortos. Então, Kṛṣṇa fez um arranjo para aliviá-la da ideia errônea de que alguém mais que não o Senhor era realmente filho dela. Como se sabe que Devakī é adorada por todas as grandes almas, sua exibição de afeição materna deve de fato ter sido um efeito da yogamāyā do Senhor, que aumenta o prazer de Seus passatempos. Por isso, no verso 54, Devakī será descrita como mohitā māyayā viṣṇoḥ, “desorientada pela energia interna do Senhor Kṛṣṇa”.
Texto
rāma rāmāprameyātman
kṛṣṇa yogeśvareśvara
vedāhaṁ vāṁ viśva-sṛjām
īśvarāv ādi-pūruṣau
Sinônimos
śrī-devakī uvāca — Śrī Devakī disse; rāma rāma — ó Rāma, ó Rāma; aprameya-ātman — ó imensurável Superalma; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; yoga-īśvara — dos mestres do yoga místico; īśvara — ó mestre; veda — sei; aham — eu; vām — que Vós ambos; viśva — do universo; sṛjām — dos criadores; īśvarau — os Senhores; ādi — originais; pūruṣau — as duas Personalidades de Deus.
Tradução
Śrī Devakī disse: Ó Rāma, ó Rāma, imensurável Alma Suprema! Ó Kṛṣṇa, Senhor de todos os mestres do yoga! Sei que sois os governantes supremos de todos os criadores universais, as primordiais Personalidades de Deus.
Texto
rājñām ucchāstra-vartinām
bhūmer bhārāyamāṇānām
avatīrṇau kilādya me
Sinônimos
kāla — pelo tempo; vidhvasta — destruídas; sattvānām — cujas boas qualidades; rājñām — para (matar) os reis; ut-śāstra — fora do âmbito das regras das escrituras; vartinām — que agem; bhūmeḥ — para a Terra; bhārāyamāṇānām — tornando-se um fardo; avatīrṇau — (ambos) descestes; kila — de fato; adya — agora; me — para mim.
Tradução
Nascendo de mim, descestes agora a este mundo para matar aqueles reis cujas boas qualidades foram destruídas pela era atual e que por isso desafiam a autoridade das escrituras reveladas e são um fardo para a Terra.
Texto
viśvotpatti-layodayāḥ
bhavanti kila viśvātmaṁs
taṁ tvādyāhaṁ gatiṁ gatā
Sinônimos
yasya — de quem; aṁśa — da expansão; aṁśa — da expansão; aṁśa — da expansão: bhāgena — por uma parte; viśva — do universo; utpatti — a geração; laya — dissolução; udayāḥ — e prosperidade; bhavanti — surgem; kila — de fato; viśva-ātman — ó alma de tudo o que existe; tat — a Ele; tvā — Vós mesmo; adya — hoje; aham — eu; gatim — em busca de abrigo; gatā — vim.
Tradução
Ó Alma de tudo o que existe, a criação, manutenção e destruição do universo são todas efetuadas por uma fração de uma expansão de uma expansão de Vossa expansão. Hoje, vim me refugiar em Vós, o Senhor Supremo.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī explica da seguinte maneira este verso: O Senhor de Vaikuṇṭha, Nārāyaṇa, não passa de uma expansão de Śrī Kṛṣṇa. Mahā-Viṣṇu, o primeiro criador, é uma expansão do Senhor Nārāyaṇa. A energia material total emana do olhar de Mahā-Viṣṇu, e os três modos da natureza são porções divididas daquela energia material total. Logo, é Śrī Kṛṣṇa, agindo através de Suas expansões, que gera, sustenta e dissolve o universo.
Texto
guruṇā kila coditau
āninyathuḥ pitṛ-sthānād
gurave guru-dakṣiṇām
yuvāṁ yogeśvareśvarau
bhoja-rāja-hatān putrān
kāmaye draṣṭum āhṛtān
Sinônimos
cirāt — há muito tempo; mṛta — morto; suta — o filho; ādāne — a recuperar; guruṇā — por Vosso mestre espiritual; kila — foi ouvido; coditau — ordenados; āninyathuḥ — Vós o trouxestes; pitṛ — dos antepassados; sthānāt — do lugar; gurave — a Vosso mestre espiritual; guru-dakṣiṇām — como sinal de agradecimento pela misericórdia de Vosso guru; tathā — da mesma maneira; me — meu; kurutam — por favor, satisfazei; kāmam — o desejo; yuvām — Vós dois; yoga-īśvara — dos mestres do yoga; īśvarau — ó mestres; bhoja-rāja — pelo rei de Bhoja (Kaṁsa); hatān — mortos; putrān — meus filhos; kāmaye — desejo; draṣṭum — ver; āhṛtān — trazidos de volta.
Tradução
Dizem que quando Vosso mestre espiritual Vos ordenou que recuperásseis seu filho morto há muito tempo, Vós o trouxestes de volta da morada dos antepassados como gesto de retribuição pela misericórdia de Vosso guru. Por favor, satisfazei meu desejo da mesma maneira, ó mestres supremos de todos os mestres de yoga. Por favor, trazei de volta meus filhos que foram mortos pelo rei de Bhoja, para que eu possa vê-los mais uma vez.
Texto
evaṁ sañcoditau mātrā
rāmaḥ kṛṣṇaś ca bhārata
sutalaṁ saṁviviśatur
yoga-māyām upāśritau
Sinônimos
ṛṣiḥ uvāca — o sábio (Śrī Śukadeva) disse; evam — assim; sañcoditau — solicitados; mātrā — por Sua mãe; rāmaḥ — Balarāma; kṛṣṇaḥ — Kṛṣṇa; ca — e; bhārata — ó descendente de Bhārata (Parīkṣit); sutalam — no planeta subterrâneo de Sutala, governado por Bali Mahārāja; saṁviviśatuḥ — entraram; yoga-māyāyam — Sua mística potência de passatempo; upāśritau — utilizando.
Tradução
O sábio Śukadeva disse: Assim solicitados por Sua mãe, ó Bhārata, Balarāma e Kṛṣṇa empregaram Sua mística potência yogamāyā e entraram na região de Sutala.
Texto
viśvātma-daivaṁ sutarāṁ tathātmanaḥ
tad-darśanāhlāda-pariplutāśayaḥ
sadyaḥ samutthāya nanāma sānvayaḥ
Sinônimos
tasmin — lá; praviṣṭau — (Eles dois) entraram; upalabhya — notando; daitya-rāṭ — o rei dos Daityas (Bali); viśva — do universo inteiro; ātma — a Alma; daivam — e Deidade suprema; sutarām — especialmente; tathā — também; ātmanaḥ — dele mesmo; tat — a Eles; darśana — devido ao fato de ver; āhlāda — pela alegria; paripluta — dominado; āśayaḥ — seu coração; sadyaḥ — de imediato; samutthāya — levantando-se; nanāma — prostrou-se; sa — juntamente com; anvayaḥ — seu séquito.
Tradução
Quando o rei dos Daityas, Bali Mahārāja, notou a chegada dos dois Senhores, seu coração transbordou de alegria, pois sabia que Eles eram a Alma Suprema e Deidade adorável do universo inteiro, e especialmente dele mesmo. Ele se levantou de imediato e, então, prostrou-se para oferecer respeitos, juntamente com todo o seu séquito.
Texto
niviṣṭayos tatra mahātmanos tayoḥ
dadhāra pādāv avanijya taj jalaṁ
sa-vṛnda ā-brahma punad yad ambu ha
Sinônimos
tayoḥ — para Eles; samānīya — trazendo; vara — elevados; āsanam — assentos; muda — com alegria; niviṣṭayoḥ — que Se assentaram; tatra — ali; mahā-ātmanoḥ — das maiores das personalidades; tayoḥ — dEles; dadhāra — pegou; pādau — os pés; avanijya — lavando; tat — aquela; jalam — água; sa — juntamente com; vṛndaḥ — seus seguidores; ā-brahma — até o senhor Brahmā; punat — que purifica; yat — que; ambu — água; ha — de fato.
Tradução
Bali teve prazer em oferecer assentos elevados aos Senhores. Depois que estes Se sentaram, ele banhou os pés das duas Supremas Personalidades. Então, pegou aquela água, que purifica o mundo todo, inclusive o senhor Brahmā, e derramou-a sobre si e seus seguidores.
Texto
mahārha-vastrābharaṇānulepanaiḥ
tāmbūla-dīpāmṛta-bhakṣaṇādibhiḥ
sva-gotra-vittātma-samarpaṇena ca
Sinônimos
samarhayām asa — adorou; saḥ — ele; tau — a Eles; vibhūtibhiḥ — com suas riquezas; mahā-arha — muito valiosas; vastra — com roupas; ābharaṇa — ornamentos; anulepanaiḥ — e pastas fragrantes; tāmbūla — com noz de bétel; dīpa — lamparinas; amṛta — nectáreo; bhakṣaṇa — alimento; ādibhiḥ — etc.; sva — dele; gotra — da família; vitta — da riqueza; ātma — e dele mesmo; samarpaṇena — com o oferecimento; ca — e.
Tradução
Ele Os adorou com todas as riquezas à sua disposição – roupas valiosas, ornamentos, pasta de sândalo aromático, noz de bétel, lamparinas, alimento suntuoso etc. Então, ofereceu-Lhes toda a riqueza de sua família, e também a si próprio.
Comentário
SIGNIFICADO—A atitude devocional de Bali Mahārāja é célebre como o exemplo perfeito de completa rendição. Quando o Senhor Viṣṇu. disfarçado de um jovem estudante brāhmaṇa, aproximou-Se dele pedindo caridade, Bali ofereceu-Lhe tudo o que possuía e, quando nada mais tinha a oferecer, rendeu-se como um servo eterno do Senhor Supremo.
Existem nove processos clássicos de serviço devocional, e o último, ātma-samarpaṇam, como ensinou Bali Daityarāja através de seu próprio exemplo, é o ápice a que deve visar todo esforço. Se alguém tenta impressionar o Senhor com riqueza, poder, inteligência etc., mas deixa de compreender com humildade que é servo dEle, sua dita devoção não passa de presunçosa exibição.
Texto
bibhran muhuḥ prema-vibhinnayā dhiyā
uvāca hānanda-jalākulekṣaṇaḥ
prahṛṣṭa-romā nṛpa gadgadākṣaram
Sinônimos
saḥ — ele; indra-senaḥ — Bali, que venceu o exército de Indra; bhagavat — dos Senhores Supremos; pāda-ambujam — os pés de lótus; bibhrat — segurando; muhuḥ — repetidas vezes; prema — devido ao amor; vibhinnayā — que estava derretendo; dhiyā — de seu coração; uvāca ha — disse; ānanda — cansada por seu êxtase; jala — de água (lágrimas); ākula — cheios; īkṣaṇaḥ — cujos olhos; prahṛṣṭa — arrepiados; romā — os pelos do corpo; nṛpa — ó rei (Parīkṣit); gadgada — sufocando; akṣaram — cujas sílabas.
Tradução
Segurando repetidas vezes os pés de lótus dos Senhores, Bali, o conquistador do exército de Indra, falou palavras provenientes do fundo de seu coração, que se derretia devido a seu intenso amor. Ó rei, com os olhos cheios de lágrimas de êxtase e os pelos do corpo arrepiados, ele começou a balbuciar as seguintes orações.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda descreve esta cena no livro Kṛṣṇa da seguinte maneira: “O rei Bali sentia tanto prazer transcendental que repetidas vezes agarrava os pés de lótus do Senhor e os mantinha em seu peito; outras vezes, colocava-os sobre sua cabeça e, dessa maneira, sentia bem-aventurança transcendental. Lágrimas de amor e afeição começaram a escorrer de seus olhos, e todos os pelos de seu corpo se arrepiaram.”
Texto
namo ’nantāya bṛhate
namaḥ kṛṣṇāya vedhase
sāṅkhya-yoga-vitānāya
brahmaṇe paramātmane
Sinônimos
baliḥ uvāca — Bali disse; namaḥ — reverências; anantāya — a Ananta, o Senhor ilimitado; bṛhate — o maior ser; namaḥ — reverências; kṛṣṇāya — a Kṛṣṇa; vedhase — o criador; sāṅkhya — da análise sāṅkhya; yoga — e do yoga místico; vitānāya — o disseminador; brahmaṇe — a Verdade Absoluta; parama-ātmane — a Superalma.
Tradução
O rei Bali disse: Reverências ao ilimitado Senhor, Ananta, o maior de todos os seres. E reverências ao Senhor Kṛṣṇa, o criador do universo, que aparece como o Absoluto impessoal e a Superalma a fim de disseminar os princípios de sāṅkhya e yoga.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī identifica o supremo Ananta mencionado nesta passagem como o Senhor Balarāma, de quem Se expande a serpente divina, Ananta Śeṣa. O Brahman impessoal é a fonte dos textos pertencentes aos filósofos sāṅkhya, enquanto a representação pessoal do Senhor conhecida como Paramātmā dissemina os compêndios de yoga.
Texto
duṣprāpaṁ cāpy adurlabham
rajas-tamaḥ-svabhāvānāṁ
yan naḥ prāptau yadṛcchayā
Sinônimos
darśanam — a visão; vām — de Vós ambos; hi — de fato; bhūtānām — para os seres vivos em geral; duṣprāpam — raramente alcançada; ca api — ainda assim; adurlabham — não difícil de obter; rajaḥ — na paixão; tamaḥ — e ignorância; svabhāvānām — para aqueles cuja natureza; yat — naquilo; naḥ — por nós; prāptau — obtido; yadṛcchayā — sem causa.
Tradução
Ver a Vós, Senhores, é uma rara conquista para a maioria dos seres vivos. Mas até mesmo pessoas como nós, situadas nos modos da paixão e ignorância, podemos facilmente ver-Vos quando Vos revelais por Vossa própria vontade.
Comentário
SIGNIFICADO—Por se atribuir a condição degradada de nascimento demoníaco, Bali Mahārāja negou qualquer qualificação espiritual para ser digno da visita de Kṛṣṇa e Balarāma. Bali pensou: “Se nem mesmo avançados renunciantes que trilham os caminhos de jñāna e yoga conseguem agradar ao Senhor quando não abandonam seu orgulho e inveja, o que se dizer de demônios como eu?”
Texto
siddha-vidyādhra-cāraṇāḥ
yakṣa-rakṣaḥ-piśācāś ca
bhūta-pramatha-nāyakāḥ
tvayi śāstra-śarīriṇi
nityaṁ nibaddha-vairās te
vayaṁ cānye ca tādṛśāḥ
bhaktyā kecana kāmataḥ
na tathā sattva-saṁrabdhāḥ
sannikṛṣṭāḥ surādayaḥ
Sinônimos
daitya-dānava — os demônios Daityas e Dānavas; gandharvāḥ — e os Gandharvas, cantores celestiais; siddha-vidyādhara-cāraṇāḥ — os semideuses Siddhas, Vidyādharas e Cāraṇas; yakṣa — os Yakṣas (espíritos semipiedosos); rakṣaḥ — os Rākṣasas (espíritos antropófagos); piśācāḥ — os carnívoros demônios Piśācas; ca — e; bhūta — os fantasmas; pramatha-nāyakāḥ — e os maus espíritos Pramathas e Nāyakas; viśuddha — perfeitamente pura; sattva — da bondade; dhāmni — para a personificação; addhā — direto; tvayi — Vós; śāstra — que contém em si as escrituras reveladas; śarīriṇi — o possuidor de tal corpo; nityam — sempre; nibaddha — fixa; vairāḥ — em inimizade; te — eles; vayam — nós; ca — também; anye — outros; ca — e; tādṛśāḥ — como eles; kecana — alguns; udbaddha — especialmente obstinados; vaireṇa — com ódio; bhaktyā — com devoção; kecana — alguns; kāmataḥ — surgindo devido à luxúria; na — não; tathā — assim; sattva — pelo modo material da bondade; saṁrabdhāḥ — aqueles que são predominados; sannikṛṣṭāḥ — atraídos; sura — semideuses; ādayaḥ — e outros.
Tradução
Muitos que haviam estado constantemente absortos em inimizade a Vós terminaram atraídos por Vós, que sois a direta encarnação da bondade transcendental e cuja divina forma contém em si as escrituras reveladas. Entre esses inimigos reformados, constam Daityas, Dānavas, Gandharvas, Siddhas, Vidyādharas, Cāraṇas, Yakṣas, Rākṣasas, Piśācas, Bhūtas, Pramathas e Nāyakas, e também nós mesmo e muitos outros como nós. Alguns de nós sentiram-se atraídos por Vós devido ao ódio excepcional, ao passo que outros foram atraídos devido a seu humor de devoção baseado em luxúria. Mas os semideuses e outros seres arrogantes por causa da bondade material não sentem semelhante atração por Vós.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī explica esta passagem da seguinte maneira: Os Gandharvas, Siddhas, Vidyādharas e Cāraṇas são adversários do Senhor Supremo quando seguem a liderança dos demônios Daityas e Dānavas. Os Yakṣas, Rākṣasas, Piśācas etc. tendem a ser hostis porque, em geral, vivem cobertos pela ignorância. Existem alguns patifes no modo de ignorância pura, como Śiśupāla e Pauṇḍraka, que se encontram cem por cento absortos em meditar no Senhor como inimigo deles, e essa consciência fixa lhes outorga a liberação. Outros, em uma condição mista de paixão e ignorância, associam-se com o Senhor desejando posição e prestígio; Mahārāja Bali vê a si próprio como pertencente a essa categoria. Contudo, o Senhor Viṣṇu favoreceu Bali tornando-Se seu porteiro na região subterrânea de Sutala, assim como favoreceu os demônios matando-os e liberando-os, e os Gandharvas ocupando-os em cantar Suas glórias. Por outro lado, o Senhor concede gozo dos sentidos àqueles semideuses que estão orgulhosos de estarem situados no modo da bondade – assim eles se iludem e O esquecem.
Texto
tava yogeśvareśvara
na vidanty api yogeśā
yoga-māyāṁ kuto vayam
Sinônimos
idam — isto; ittham — caracterizado desta maneira; iti — nestes termos; prāyaḥ — na maior parte; tava — Vosso; yoga-īśvara — dos mestres de yoga; īśvara — ó mestre supremo; na vidanti — não conhecem; api — mesmo; yoga-īśāḥ — os mestres do yoga; yoga-māyām — Vosso poder espiritual de ilusão; kutaḥ — o que dizer então; vayam — de nós.
Tradução
Ó Senhor de todos os yogīs perfeitos, se nem mesmo os maiores místicos sabem o que é ou como age Vosso poder espiritual de ilusão, o que dizer de nós?
Comentário
SIGNIFICADO—O entendimento sistemático de algo deve incluir o conhecimento tanto de sua svarūpa, ou identidade essencial, quanto de seus viśeṣas, os atributos que o tornam diferente das outras coisas. Māyā, a energia subjacente a toda a existência material, é mais sutil do que os fenômenos ordinários. Somente Deus e Seus devotos liberados, portanto, podem conhecer sua svarūpa e viśeṣa.
Texto
pādāravinda-dhiṣaṇānya-gṛhāndha-kūpāt
niṣkramya viśva-śaraṇāṅghry-upalabdha-vṛttiḥ
śānto yathaika uta sarva-sakhaiś carāmi
Sinônimos
tat — de tal maneira; naḥ — conosco; prasīda — por favor, sede misericordiosos; nirapekṣa — por aqueles que não têm motivos materiais; vimṛgya — procurado; yuṣmat — Vossos; pāda — do que os pés; aravinda — lótus; dhiṣaṇa — abrigo; anya — outro; gṛha — da casa; andha — cego; kūpāt — que é um poço; niṣkramya — saindo; viśva — ao mundo inteiro; śaraṇa — daquelas que são úteis (as árvores); aṅghri — aos pés; upalabdha — obtido; vṛttiḥ — cujo meio de sustento; śāntaḥ — pacífico; yathā — como; ekaḥ — sozinho; uta — ou então; sarva — de todos; sakhaiḥ — com os amigos; carāmi — posso vagar.
Tradução
Por favor, sede misericordiosos comigo para que eu possa sair do poço escuro da vida familiar – meu falso lar – e encontrar o verdadeiro abrigo de Vossos pés de lótus, que os sábios abnegados sempre buscam. Então, quer sozinho, quer em companhia de grandes santos, que são os amigos de todos, poderei divagar à vontade, encontrando, aos pés das árvores, que são caridosas ao mundo inteiro, o que é necessário para viver.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī diz que, em resposta às orações de Bali, Śrī Kṛṣṇa convidou-o a escolher alguma bênção, e, neste verso, Bali apresenta seu pedido. Bali suplica para ser aliviado do enredamento da vida material, e assim ele ficará livre para deixar o lar e vaguear por terras selvagens, tendo apenas os pés de lótus do Senhor como abrigo. Para sua subsistência, Bali propõe, ele obterá ajuda das árvores da floresta, em cujos pés encontram-se frutas para comer e folhas onde dormir, para todos usarem conforme a necessidade. E se o Senhor for especialmente misericordioso para com ele, Bali espera, ele não terá de vagar sozinho, senão que receberá a permissão de viajar em companhia dos devotos do Senhor Kṛṣṇa.
Texto
niṣpāpān kuru naḥ prabho
pumān yac chraddhayātiṣṭhaṁś
codanāyā vimucyate
Sinônimos
śādhi — por favor, ordenai; asmān — a nós; īśitavya — daqueles que estão sujeitos a serem controlados; īśa — ó controlador; niṣpāpān — livre de pecado; kuru — por favor, fazei; naḥ — a nós; prabho — ó mestre; pumān — uma pessoa; yat — que; śraddhayā — com fé; ātiṣṭhan — executando; codanāyāḥ — da regulação da escritura; vimucyate — liberta-se.
Tradução
Ó Senhor de todas as criaturas subordinadas, por favor, dizei-nos o que fazer e, então, livrai-nos de todo pecado. Quem cumpre fielmente Vosso comando, ó mestre, não é mais obrigado a seguir os ritos védicos ordinários.
Comentário
SIGNIFICADO—Os ācāryas explicam os pensamentos de Bali da seguinte maneira. Refletindo na possibilidade de que seu pedido de liberação imediata tenha sido muito atrevido, Bali Mahārāja considera que primeiro precisará purificar-se o suficiente. Em todo caso, ele pensa, o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Balarāma devem ter vindo a ele com algum propósito específico: caso possa receber a ordem do Senhor e executá-la, esta será sua melhor oportunidade de purificação. De fato, como declara Bali, um devoto que age sob a instrução da Personalidade de Deus não precisa mais seguir os preceitos e proibições dos Vedas.
Texto
āsan marīceḥ ṣaṭ putrā
ūrṇāyāṁ prathame ’ntare
devāḥ kaṁ jahasur vīkṣya
sutaṁ yabhitum udyatam
Sinônimos
śrī-bhagavān uvāca — o Senhor Supremo disse; āsan — havia; marīceḥ — de Marīci; ṣaṭ — seis; putrāḥ — filhos; ūrṇāyām — nascidos de Ūrṇā (sua esposa); prathame — no primeiro; antare — governo de Manu; devāḥ — semideuses; kam — do senhor Brahmā; jahasuḥ — riram; vīkṣya — vendo; sutām — com sua filha (Sarasvatī); yabhitum — para copular; udyatam — preparado.
Tradução
O Senhor Supremo disse: Durante a era do primeiro Manu, o sábio Marīci teve seis filhos com sua esposa Ūrnā. Eles eram todos sublimes semideuses, mas certa vez riram do senhor Brahmā quando o viram preparando-se para ter relação sexual com sua própria filha.
Texto
adhunāvadya-karmaṇā
hiraṇyakaśipor jātā
nītās te yoga-māyayā
rājan kaṁsa-vihiṁsitāḥ
sā tān śocaty ātmajān svāṁs
ta ime ’dhyāsate ’ntike
Sinônimos
tena — por aquele; āsurīm — demoníaco; agan — entraram; yonim — num ventre; adhunā — imediatamente; avadya — impróprio; karmaṇā — pelo ato; hiraṇyakaśipoḥ — de Hiraṇyakaśipu; jātāḥ — nascidos; nītāḥ — trazidos; te — eles; yoga-māyayā — pelo divino poder de ilusão do Senhor; devakyāḥ — de Devakī; udare — do ventre; jātāḥ — nascidos; rājan — ó rei (Bali); kaṁsa — por Kaṁsa; vihiṁsitāḥ — assassinados; sā — ela; tān — por eles; śocati — lamenta-se; ātma-jān — filhos; svān — seus; te — eles; ime — estes mesmos; adhyāsate — estão vivendo; antike — próximo.
Tradução
Por causa daquele ato impróprio, eles entraram imediatamente em uma forma de vida demoníaca e, desta maneira, nasceram como filhos de Hiraṇyakaśipu. A deusa Yogamāyā, então, tirou-os de Hiraṇyakaśipu, e eles nasceram de novo do ventre de Devakī. Depois disso, ó rei, Kaṁsa os assassinou. Devakī ainda se lamenta por eles, pensando neles como seus filhos. Esses mesmos filhos de Marīci agora vivem aqui contigo.
Comentário
SIGNIFICADO—Os ācāryas Śrīdhara Svāmī e Viśvanātha Cakravartī explicam que, após tirar de Hiraṇyakaśipu os seis filhos de Marīci, a yogamāyā do Senhor Kṛṣṇa fê-los passar primeiro por mais uma vida como filhos de outro grande demônio, Kālanemi, após o que ela finalmente os transferiu para o ventre de Devakī.
Texto
mātṛ-śokāpanuttaye
tataḥ śāpād vinirmaktā
lokaṁ yāsyanti vijvarāḥ
Sinônimos
itaḥ — daqui; etān — a eles; praṇeṣyāmaḥ — desejamos levar; mātṛ — de sua mãe; śoka — a lamentação; apanuttaye — para dissipar; tataḥ — então; śāpāt — de sua maldição; vinirmuktāḥ — libertados; lokam — a seu próprio planeta (dos semideuses); yāsyanti — irão; vijvarāḥ — aliviados de sua condição febril.
Tradução
Desejamos levá-los deste lugar para dissipar a tristeza da mãe deles. Então, aliviados de sua maldição e livres de todo o sofrimento, eles regressarão a seu lar no céu.
Comentário
SIGNIFICADO—Como Śrīla Prabhupāda assinalou nos significados dos versos 5 e 8 do segundo capítulo deste canto, os filhos de Marīci foram condenados por causa de sua ofensa ao senhor Brahmā, e, além disso, Hiraṇyakaśipu certa vez amaldiçoou-os a serem mortos por seu próprio pai em uma vida futura. Essa maldição se cumpriu quando Vasudeva deixou que Kaṁsa os matasse, um a um.
Texto
pataṅgaḥ kṣudrabhṛd ghṛṇī
ṣaḍ ime mat-prasādena
punar yāsyanti sad-gatim
Sinônimos
smara-udgīthaḥ pariṣvaṅgaḥ — Smara, Udgītha e Pariṣvaṅga; pataṅgaḥ kṣudrabhṛt ghṛṇī — Pataṅga, Kṣudrabhṛt e Ghṛṇī; ṣaṭ — seis; ime — estes; mat — Minha; prasādena — pela graça; punaḥ — de novo; yāsyanti — irão; sat — das pessoas santas; gatim — para o destino.
Tradução
Por Minha graça, estas seis pessoas – Smara, Udgītha, Pariṣvaṅga, Pataṅga, Kṣudrabhṛt e Ghṛṇī – retornarão à morada dos santos puros.
Comentário
SIGNIFICADO—Estes eram os nomes que as seis crianças tinham quando eram filhos de Marīci. O mais velho, Smara, chamou-se Kīrtimān quando nasceu de novo como filho de Vasudeva, como se registra no Śrīmad-Bhāgavatam (10.1.57):
kaṁsāyānakadundubhiḥ
arpayām āsa kṛcchreṇa
so ’nṛtad ati-vihvalaḥ
“Vasudeva ficou muito perturbado pelo medo de tornar-se um mentiroso que quebra sua promessa. Assim, com muita dor, ele entregou nas mãos de Kaṁsa seu filho primogênito, chamado Kīrtimān.”
Texto
indrasenena pūjitau
punar dvāravatīm etya
mātuḥ putrān ayacchatām
Sinônimos
iti — assim; uktvā — falando; tān — a eles; samādāya — tomando; indrasenena — por Bali Mahārāja; pūjitau — ambos honrados; punaḥ — mais uma vez; dvāravatīm — para Dvārakā; etya — indo; mātuḥ — de Sua mãe; putrān — os filhos; ayacchatām — apresentaram.
Tradução
[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Após dizer estas palavras, o Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Balarāma, tendo recebido de Bali Mahārāja a devida adoração, regressaram juntamente com os seis filhos a Dvārakā, onde os apresentaram à Sua mãe.
Texto
putra-sneha-snuta-stanī
pariṣvajyāṅkam āropya
mūrdhny ajighrad abhīkṣṇaśaḥ
Sinônimos
tān — a eles; dṛṣṭvā — vendo; bālakān — os meninos; devī — a deusa (Devakī); putra — por seus filhos; sneha — devido à sua afeição; snuta — fluindo; stanī — cujos seios; pariṣvajya — abraçando; aṅkam — em seu colo; āropya — colocando; mūrdhni — suas cabeças; ajighrat — cheirou; abhīkṣṇaśaḥ — repetidas vezes.
Tradução
Ao rever seus filhos desaparecidos, a deusa Devakī sentiu tanta afeição por eles que leite escorreu de seus seios. Ela os abraçou e os colocou em seu colo, cheirando-lhes a cabeça muitas vezes.
Texto
suta-sparśa-parisnutam
mohitā māyayā viṣṇor
yayā sṛṣṭiḥ pravartate
Sinônimos
apāyayat — deixou-os mamar; stanam — em seu peito; prītā — amorosamente; suta — de seus filhos; sparśa — por causa do toque; parisnutam — molhados; mohitā — confundida; māyayā — pela energia ilusória; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; yayā — pela qual; sṛṣṭiḥ — a criação; pravartate — vem a existir.
Tradução
Amorosamente, ela deixou que seus filhos mamassem em seu seio, que se encharcou de leite ao simples contato com eles. A mesma energia ilusória do Senhor Viṣṇu que origina a criação do universo fez com que ela se extasiasse.
Comentário
SIGNIFICADO—Na opinião de Śrīla Jīva Gosvāmī, a palavra sṛṣṭi neste verso pode também referir-se ao processo criador pelo qual a yogamāyā do Senhor Viṣṇu providencia os cenários e situações de Seus passatempos. Em realidade, não há nenhuma possibilidade de mãe Devakī ser afetada pelo aspecto material de māyā.
Texto
pīta-śeṣaṁ gadā-bhṛtaḥ
nārāyaṇāṅga-saṁsparśa-
pratilabdhātma-darśanāḥ
devakīṁ pitaraṁ balam
miṣatāṁ sarva-bhūtānāṁ
yayur dhāma divaukasām
Sinônimos
pītvā — tendo bebido; amṛtam — nectáreo; payaḥ — leite; tasyāḥ — dela; pīta — do que fora bebido; śeṣam — o remanescente; gadā-bhṛtaḥ — de Kṛṣṇa, o manejador da maça; nārāyaṇa — do Senhor Supremo, Nārāyaṇa (Kṛṣṇa); aṅga — do corpo; saṁsparśa — pelo toque; pratilabdha — recuperada; ātma — de seus eus originais (como semideuses); darśanāḥ — a percepção; te — eles; namaskṛtya — prostrando-se; govindam — diante do Senhor Kṛṣṇa; devakīm — Devakī; pitaram — seu pai; balam — e do Senhor Balarāma; miṣatām — enquanto assistia; sarva — todo; bhūtānām — o povo; yayuḥ — foram; dhāma — para a morada; diva-okasām — dos semideuses.
Tradução
Ao beberem seu leite nectáreo, que era o remanescente do que o próprio Kṛṣṇa bebera antes, os seis filhos tocaram o corpo transcendental do Senhor, Nārāyaṇa, e este contato despertou neles suas identidades originais. Eles se prostraram diante de Govinda, Devakī, seu pai e Balarāma, e então, enquanto todos assistiam, partiram para a morada dos semideuses.
Comentário
SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa permaneceu como um bebê com Devakī e Vasudeva por muito pouco tempo. Primeiro, o Senhor apareceu diante deles em Sua forma de Viṣṇu de quatro braços e, depois de ouvir suas preces, transformou-Se, para o prazer deles, em um bebê aparentemente comum. Contudo, para salvar Kṛṣṇa do mesmo sofrimento que o destino infligira a Seus irmãos, Vasudeva retirou-O sem demora da prisão de Kaṁsa. Bem na hora que Vasudeva ia levá-lO embora, mãe Devakī amamentou Kṛṣṇa para que Ele não sentisse fome durante a longa viagem até Nanda-vraja. Essas informações são extraídas do comentário de Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura.
Texto
mṛtāgamana-nirgamam
mene su-vismitā māyāṁ
kṛṣṇasya racitāṁ nṛpa
Sinônimos
tam — isto; dṛṣṭvā — vendo; devakī — Devakī; devī — divina; mṛta — dos (filhos) mortos; āgamana — o regresso; nirgamam — e a partida; mene — pensou; su — muito; vismitā — surpresa; māyām — mágica; kṛṣṇasya — por Kṛṣṇa; racitām — produzida; nṛpa — ó rei (Parīkṣit).
Tradução
Vendo seus filhos retornarem do reino da morte e, então, tornarem a partir, a santa Devakī foi tomada de espanto, ó rei. Ela concluiu que tudo isso não passava de mera ilusão criada por Kṛṣṇa.
Texto
kṛṣṇasya paramātmanaḥ
vīryāṇy ananta-vīryasya
santy anantāni bhārata
Sinônimos
evam-vidhāni — como esta; adbhutāni — surpreendentes; kṛṣṇasya — de Kṛṣṇa; parama-ātmanaḥ — a Alma Suprema; vīryāṇi — façanhas; ananta — ilimitada; vīryasya — cuja coragem; santi — existem; anantāni — ilimitadas; bhārata — ó descendente de Bharata.
Tradução
Śrī Kṛṣṇa, a Alma Suprema, o Senhor de coragem ilimitada, executou incontáveis passatempos tão surpreendentes como este, ó descendente de Bharata.
Texto
ya idam anuśṛṇoti śrāvayed vā murāreś
caritam amṛta-kīrter varṇitaṁ vyāsa-putraiḥ
jagad-agha-bhid alaṁ tad-bhakta-sat-karṇa-pūraṁ
bhagavati kṛta-citto yāti tat-kṣema-dhāma
Sinônimos
śrī-sūtaḥ uvāca — Śrī Sūta disse (aos sábios reunidos em Naimiṣāraṇya, aos quais estava repetindo a conversa entre Śukadeva Gosvāmī e Parīkṣit Mahārāja); yaḥ — quem quer que; idam — este; anuśṛṇoti — ouvir de modo correto; śrāvayet — fizer que outros ouçam; vā — ou; murāreḥ — do Senhor Kṛṣṇa, o matador do demônio Mura; caritam — passatempo; amṛta — imortais; kīrteḥ — cujas glórias; varṇitam — descrito; vyāsa-putraiḥ — pelo respeitado filho de Vyāsadeva; jagat — do universo; agha — os pecados; bhit — o qual (passatempo) destrói; alam — por completo; tat — Seus; bhakta — dos devotos; sat — transcendental; karṇa-pūram — ornamento para as orelhas; bhagavati — sobre o Senhor Supremo; kṛta — fixando; cittaḥ — sua mente; yāti — vai; tat — dEle; kṣema — auspiciosa; dhāma — para a morada pessoal.
Tradução
Śrī Sūta Gosvāmī disse: Este passatempo encenado pelo Senhor Murāri, cuja fama é eterna, destrói os pecados do universo e serve como ornamento transcendental para as orelhas de Seus devotos. Qualquer um que, com atenção, ouvir ou narrar este passatempo, conforme recontou o venerável filho de Vyāsa, será capaz de fixar a mente na meditação no Senhor Supremo e atingir o auspiciosíssimo reino de Deus.
Comentário
SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Śrīdhara Svāmī, ouvir os maravilhosos eventos da vida do Senhor Kṛṣṇa destrói os pecados de uma maneira que é perfeita (alam) porque é fácil. Qualquer um pode participar facilmente desta audição, e aqueles que se tornam devotados a Kṛṣṇa sempre sentem prazer em usar em suas orelhas os ornamentos dos assuntos referentes a Ele. Não apenas aqueles que estavam presentes na ocasião em que aconteceram esses passatempos, mas também Śukadeva Gosvāmī, Sūta Gosvāmī, todos os que os ouviram desde então e todos no universo que os ouvirão no futuro, são abençoados pela recitação contínua das glórias transcendentais do Senhor Kṛṣṇa.
Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda referentes ao décimo canto, octogésimo quinto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Senhor Kṛṣṇa Instrui Vasudeva e Recupera os Filhos de Devakī”.