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CAPÍTULO OITO

O Senhor Kṛṣṇa Mostra a Forma Universal Dentro de Sua Boca

Eis o resumo do oitavo capítulo. Este capítulo descreve a cerimô­nia na qual Kṛṣṇa recebe Seu nome. Também descreve como Ele começou a engatinhar, Suas brincadeiras com as vacas, e o episódio no qual Ele come terra e, em seguida, volta a mostrar a forma universal à Sua mãe.

Certo dia, Vasudeva mandou chamar Garga Muni, o sacerdote fa­miliar do yadu-vaṁśa, e assim Garga Muni se dirigiu à casa de Nanda Mahārāja, que fez uma ótima acolhida e pediu-lhe que desse nomes a Kṛṣṇa e Balarāma. Garga Muni, evidentemente, lembrou a Nanda Mahārāja que Kaṁsa procurava o filho de Devakī e disse-lhe que, se a cerimônia fosse realizada com muita pompa, Kaṁsa tomaria conhecimento da mesma, e esse então suspeitaria que Kṛṣṇa era o filho de Devakī. Nanda Mahārāja, portanto, pediu que Garga Muni realizasse essa cerimônia sem o conhecimento de ninguém, e Garga Muni procedeu de acordo com esse pedido. Porque Balarāma, o filho de Rohiṇī, aumenta a bem-aventurança transcendental dos outros, Seu nome é Rāma, e, devido à Sua força extraordinária, Ele Se chama Baladeva. Ele induz os Yadus a seguirem Suas instruções, daí Seu nome ser Saṅkarṣaṇa. Kṛṣṇa, o filho de Yaśodā, anterior­mente aparecera em muitas outras cores, tais como branco, verme­lho e amarelo, e agora assumira a cor negra. Porque foi filho de Vasudeva algumas vezes, Seu nome é Vāsudeva. De acordo com Suas várias atividades e qualidades, Ele tem muitos outros nomes. Após prestar essas informações a Nanda Mahārāja e concluir a cerimônia na qual a criança recebe Seu nome, Garga Muni aconselhou Nanda Mahārāja a proteger seu filho com muito cuidado e, depois, partiu.

Śukadeva Gosvāmī descreveu em seguida como as duas crianças engatinhavam, caminhavam com Suas perninhas, brincavam com as vacas e bezerros, roubavam manteiga e outros produtos lácteos e quebravam os potes de manteiga. Dessa maneira, ele descreveu muitas travessuras de Kṛṣṇa e Balarāma. Entre elas, a mais mara­vilhosa ocorreu quando os amiguinhos de folguedo de Kṛṣṇa quei­xaram-se com mãe Yaśodā que Kṛṣṇa estava comendo terra. Mãe Yaśodā quis abrir a boca de Kṛṣṇa para comprovar, de modo que pudesse castigà-lO. Às vezes, ela assumia a posição de uma mãe que castiga e, no momento seguinte, ficava dominada pelo amor materno. Após descrever tudo isso a Mahārāja Parīkṣit, Śukadeva Gosvāmī, a pedido de Mahārāja Parīkṣit, louvou a fortuna de mãe Yaśodā e Nanda. Outrora, Nanda e Yaśodā foram Droṇa e Dharā, e, por ordem de Brahmā, eles vieram a esta Terra e tiveram a Suprema Personalidade de Deus como seu filho.

Texto

śrī-śuka uvāca
gargaḥ purohito rājan
yadūnāṁ sumahā-tapāḥ
vrajaṁ jagāma nandasya
vasudeva-pracoditaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; gargaḥ — Garga Muni; purohitaḥ — o sacerdote; rājan — ó rei Parīkṣit; yadūnām — da dinastia Yadu; su-mahā-tapāḥ — muito elevado em austeridade e penitência; vrajam — à vila conhecida como Vrajabhūmi; jagāma — foi; nandasya — de Mahārāja Nanda; vasudeva-pracoditaḥ — sendo inspirado por Vasudeva.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ó Mahārāja Parīkṣit, o sacerdote da dinastia Yadu, a saber, Garga Muni, que era muito elevado em auste­ridade e penitência, foi então inspirado por Vasudeva a ir ver Nanda Mahārāja em seu lar.

Texto

taṁ dṛṣṭvā parama-prītaḥ
pratyutthāya kṛtāñjaliḥ
ānarcādhokṣaja-dhiyā
praṇipāta-puraḥsaram

Sinônimos

tam — a ele (Garga Muni); dṛṣṭvā — após ver; parama-prītaḥ — Nanda Mahārāja ficou muito satisfeito; pratyutthāya — levantando-se para recebê-lo; kṛta-añjaliḥ — de mãos postas; ānarca — adorou; adhokṣaja-­dhiyā — embora Garga Muni fosse visível aos sentidos, Nanda Mahārāja mantinha elevadíssimo respeito por ele; praṇipāta-puraḥsaram — Nanda Mahārāja caiu diante dele e ofereceu reverências.

Tradução

Ao ver Garga Muni presente em seu lar, Nanda Mahārāja ficou tão satisfeito que se levantou para recebê-lo de mãos postas. Embo­ra visse Garga Muni com seus olhos, Nanda Mahārāja pôde apreciar que Garga Muni era adhokṣaja, isto é, ele não era uma pessoa comum, vista pelos sentidos materiais.

Texto

sūpaviṣṭaṁ kṛtātithyaṁ
girā sūnṛtayā munim
nandayitvābravīd brahman
pūrṇasya karavāma kim

Sinônimos

su-upaviṣṭam — quando Garga Muni estava muito confortavelmente sentado; kṛta-ātithyam — e fora devidamente recebido como visitan­te; girā — com palavras; sūnṛtayā — muito doces; munim — Garga Muni; nandayitvā — satisfazendo-o dessa maneira; abravīt — disse; brahman — ó brāhmaṇa; pūrṇasya — de alguém que é pleno de tudo; karavāma kim — o que posso fazer por ti (por favor, ordena-me).

Tradução

Quando Garga Muni foi adequadamente recebido como visitante e sentou-se confortavelmente, Nanda Mahārāja dirigiu-lhe as seguin­tes palavras gentis e submissas: Querido senhor, porque és um devoto, és pleno de tudo. Todavia, meu dever é servir-te. Por favor, orde­na-me. O que posso fazer por ti?

Texto

mahad-vicalanaṁ nṝṇāṁ
gṛhiṇāṁ dīna-cetasām
niḥśreyasāya bhagavan
kalpate nānyathā kvacit

Sinônimos

mahat-vicalanam — as andanças das grandes personalidades; nṝṇām — às casas de pessoas comuns; gṛhiṇām — especialmente chefes de família; dīna-cetasām — que têm mentalidade tacanha, estando apenas ocupados na manutenção da família; niḥśreyasāya — uma grande personalidade não tem razão de ir até um gṛhastha, exceto para beneficiá-lo; bhagavan — ó poderosíssimo devoto; kalpate — deve-se aceitar dessa maneira; na anyathā — e com nenhum outro propósito; kvacit — em momento algum.

Tradução

Ó meu senhor, ó devoto grandioso, pessoas como tu locomovem-se de um lugar a outro não visando a seus próprios interesses, mas em benefício dos gṛhasthas [chefes de família] de coração pobre. Caso contrário, elas não se preocupariam em ir de um lugar a outro.

Comentário

SIGNIFICADO—Como de fato afirmou Nanda Mahārāja, porque era um devoto, Garga Muni não tinha necessidades pessoais. Igualmente, ao fazer Seu advento, Kṛṣṇa não está carente de nada, pois Ele é pūrṇa, ātmārāma. Entretanto, Ele desce a este mundo material para proteger os devotos e aniquilar os canalhas (paritrāṇāya sādhūnāṁ vināśāya ca duṣkṛtām). Essa é a missão da Suprema Personalidade de Deus, e os devotos também têm a mesma missão. A todo aquele que executa essa missão de para­-upakāra, a realização de atividades benéficas à população em geral, Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, reconhece-o como Lhe sendo muitíssimo querido (na ca tasmān manuṣyeṣu kaścin me priya-kṛttamaḥ). De maneira semelhante, Caitanya Mahāprabhu recomenda este para-upakāra, e aconselha especialmente aos habitantes da Índia:

bhārata-bhūmite haila manuṣya-janma yāra
janma sārthaka kari’ kara para-upakāra

“Todo ser humano que nasceu na terra da Índia [Bhārata-varṣa] deve tornar sua vida exitosa e trabalhar para o benefício de todas as outras pessoas.” (Caitanya-caritāmṛta Ādi 9.41) Em suma, é dever de um devoto vaiṣṇava puro agir em prol do bem-estar alheio.

Nanda Mahārāja pôde entender que Garga Muni viera com este propósito e que agora seu próprio dever era agir de acordo com o conselho de Garga Muni. Em razão disso, ele disse: “Por favor, dize-me qual é o meu dever.” Esta deve ser a atitude de todos, especialmente do pai de família. A sociedade varṇāśrama apresenta oito divisões brāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya, śūdra, brahmacarya, gṛhastha, vānaprastha e sannyāsa. Nanda Mahārāja representava-se como gṛhastha, pai de família. O brahmacārī, na verdade, não precisa de nada, mas os gṛhīs, os chefes de família, estão ocupados em gozo dos sentidos. Como se afirma na Bhagavad-gītā (2.44): bhogaiśvarya-prasaktānāṁ tayāpahṛta-cetasām. Todos vêm a este mundo material em busca de gozo dos sentidos, e a posição daqueles que são demasiadamente apegados ao gozo dos sentidos e que, portanto, aceitam o gṛhastha-āśrama é muito precária. Uma vez que todos neste mundo material estão buscando gozo dos sentidos, os gṛhasthas precisam aprender a ser mahat, grandes mahātmās. Logo, Nanda Mahārāja usou espe­cificamente a palavra mahad-vicalanam. Ao ir até Nanda Mahārāja, Garga Muni não se deixava levar por nenhum interesse pessoal, mas Nanda Mahārāja, como gṛhastha, estava sempre inteiramente disposto a receber as instruções de um mahātmā para ganhar o verda­deiro benefício da vida. Assim, ele estava preparado para executar a ordem de Garga Muni.

Texto

jyotiṣām ayanaṁ sākṣād
yat taj jñānam atīndriyam
praṇītaṁ bhavatā yena
pumān veda parāvaram

Sinônimos

jyotiṣām — conhecimento de astrologia (juntamente com outros aspectos culturais da sociedade humana, e especificamente da sociedade civilizada, deve haver conhecimento de astrologia); ayanam — a posição das estrelas e planetas em relação à sociedade humana; sākṣāt — diretamente; yat tat jñānam — esse conhecimento; ati-indriyam — que uma pessoa comum não pode entender porque está além de sua visão; praṇītam bhavatā — preparaste um esmerado livro de conhecimento; yena — pelo qual; pumān — qualquer pessoa; veda — pode entender; para-avaram — a causa e o efeito do destino.

Tradução

Ó pessoa santíssima, compilaste o conhecimento astrológico pelo qual é possível compreender os fenômenos invisíveis do presente e do passado. Em virtude desse conhecimento, todo ser humano pode entender o que fez em sua vida passada e como isso afeta sua vida presente. Tu conheces isso.

Comentário

SIGNIFICADO—Define-se agora a palavra “destino”. As pessoas sem inteligência, que não compreendem o significado da vida, são exatamente como animais. Os animais não conhecem o passado, o presente e o futuro da vida, nem são capazes de entender isso. Contudo, o ser humano pode compreender isso, se ele for sóbrio. Portanto, como se afirma na Bhagavad-gītā (2.13), dhīras tatra na muhyati: uma pessoa sóbria não se confunde. A verdade simples é que, embora a vida seja eterna, troca-se de um corpo para outro neste mundo material. As pessoas tolas, especialmente nesta era, não entendem essa verdade simples. Kṛṣṇa diz:

dehino ’smin yathā dehe
kaumāraṁ yauvanaṁ jarā
tathā dehāntara-prāptir
dhīras tatra na muhyati

“Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice, do mesmo modo, na hora da morte, a alma passa a outro corpo. A alma autorrealizada não se confunde com essas mudanças.” (Bhagavad-gītā 2.13) Kṛṣṇa, a maior autoridade, diz que o corpo mudará. E logo que o corpo muda, todo o roteiro programado por alguém também muda. Hoje sou um ser humano ou uma grande personalidade, mas basta uma pequena infração da lei da natureza para que eu acabe tendo de aceitar uma diferente categoria de corpo. Hoje sou um ser humano, mas amanhã posso tornar-me um cachorro, em decorrência do que todas as atividades que eu acaso tenha realizado nesta vida terão sido um fracasso. Essa simples verdade é agora raramente entendida, mas aquele que é dhīra pode entender isso. Aqueles que, neste mundo material, estão sempre buscando o gozo sen­sorial devem saber que, como sua atual posição deixará de existir, eles devem agir com muito cuidado. Ṛṣabhadeva declara o mesmo. Na sādhu manye yata ātmano ’yam asann api kleśada āsa dehaḥ (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.4). Embora este corpo seja temporário, teremos de sofrer enquanto vivermos nele. Quer a pessoa tenha uma vida curta, quer tenha uma vida longa, terá de sofrer as três classes de sofrimentos impostos pela vida material. Logo, todo cavalheiro, dhīra, deve procurar inte­ressar-se por jyotiṣa, astrologia.

Nanda Mahārāja tentava tirar proveito da oportunidade que surgiu com a presença de Garga Muni, pois Garga Muni era uma grande au­toridade neste conhecimento de astrologia, pelo qual é possível estu­dar os eventos invisíveis, relativos ao passado, ao presente e ao futuro. É dever de um pai entender a situação astrológica de seus filhos e tomar as devidas medidas que lhes tragam felicidade. Então, tirando proveito da oportunidade concedida pela presença de Garga Muni, Nanda Mahārāja sugeriu que Garga Muni preparasse o horóscopo de seus dois filhos, Kṛṣṇa e Balarāma.

Texto

tvaṁ hi brahma-vidāṁ śreṣṭhaḥ
saṁskārān kartum arhasi
bālayor anayor nṝṇāṁ
janmanā brāhmaṇo guruḥ

Sinônimos

tvam — Vossa Santidade; hi — na verdade; brahma-vidām — de todos os brāhmaṇas, ou pessoas que entendem o que é Brahman (brahma jānātīti brāhmaṇaḥ); śreṣṭhaḥ — és o melhor; saṁskārān — cerimô­nias realizadas com o intuito de reformar (porque, através dessas atividades reformatórias, a pessoa obtém seu segundo nascimento: saṁskārād bhaved dvijaḥ); kartum arhasi — porque fizeste a gentile­za de vir até aqui, executa, por favor; bālayoḥ — desses dois filhos (Kṛṣṇa e Balarāma); anayoḥ — de ambos; nṝṇām — não apenas dEles, mas de toda a sociedade humana; janmanā — logo que ele nasce; brāhmaṇaḥ — o brāhmaṇa torna-se; guruḥ — o guia[1].

[1] Os śāstras prescrevem: tad-vijñānārthaṁ sa gurum evābhigacchet (Muṇḍaka Upaniṣad 1.2.12). É dever de todos se renderem a um brāhmaṇa que tenha a capacidade de se tornar seu guru.)

Tradução

Meu Senhor, és o melhor dos brāhmaṇas, especialmente porque conheces por completo o jyotiḥ-śāstra, a ciência astrológica. Portanto, és o mestre espiritual de todo ser humano por natureza. Sendo assim, como fizeste a gentileza de vir até minha casa, por favor, executa as atividades reformatórias em prol de meus dois filhos.

Comentário

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SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (4.13), a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, diz que cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ: os quatro varṇasbrāhmaṇa, kṣatriya, vaiśya e śūdra – devem fazer parte da sociedade. Os brāhmaṇas são necessários para a orientação de toda a sociedade. Se não houver a instituição varṇāśrama-dharma e se a sociedade humana não tiver um guia que esteja à altura de um brāhmaṇa, a sociedade humana será infernal. Em Kali-yuga, especial­mente no momento atual, não existe um brāhmaṇa verdadeiro, daí a condição caótica da sociedade. Outrora, havia brāhmaṇas qualificados, mas, atualmente, embora na certa haja pessoas que se julguem brāhmaṇas, elas não têm realmente a habilidade para guiar a sociedade. O movimento da consciência de Kṛṣṇa, portanto, está muito ansioso para reintroduzir o sistema varṇāśrama de modo que aqueles que estão confusos ou são menos inteligentes consigam receber a orientação de brāhmaṇas qualificados.

Brāhmaṇa significa vaiṣṇava. Depois que alguém se torna brāhmaṇa, sua próxima etapa no desenvolvimento da sociedade humana é tornar-se vaiṣṇava. A população em geral deve ser guiada rumo ao destino ou meta da vida e, portanto, ela deve entender Viṣṇu, a Su­prema Personalidade de Deus. Todo o sistema de conhecimento védico baseia-se neste princípio, mas as pessoas perderam a indicação (na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum) e estão simplesmente em busca de gozo dos sentidos, arriscando-se a descambar para um grau de vida inferior (mṛtyu-saṁsāra-vartmani). Não importa se alguém nasce brāhmaṇa ou não. Ninguém nasce brāhmaṇa; todos nascem śūdras. Porém, pela orientação de um brāhmaṇa e através de saṁs­kāra, a pessoa pode tornar-se dvija, duas vezes nascida, e, então, tornar-se brāhmaṇa gradualmente. O brāhmaṇismo não é um sistema que se presta a criar um monopólio para uma determinada classe de homens. Todos devem ser educados a se tornarem brāhmaṇas. Deve haver pelo menos uma oportunidade que permita que todos alcancem o destino da vida. Independentemente do fato de alguém nascer em família brāhmaṇa, em família kṣatriya ou em família śūdra, ele pode ser guiado por um brāhmaṇa competente e ser promovido à plataforma mais elevada, na qual se torna um vaiṣṇava. Assim, o movimento da consciência de Kṛṣṇa propicia a oportunidade de que se trace o destino certo da sociedade humana. Nanda Mahārāja tirou proveito da oportunidade surgida com a presença de Garga Muni, pedindo-­lhe que realizasse as necessárias atividades reformatórias em prol de seus filhos, com a finalidade de guiá-los rumo ao destino da vida.

Texto

śrī-garga uvāca
yadūnām aham ācāryaḥ
khyātaś ca bhuvi sarvadā
sutaṁ mayā saṁskṛtaṁ te
manyate devakī-sutam

Sinônimos

śrī-gargaḥ uvāca — Garga Muni disse; yadūnām — da dinastia Yadu; aham — sou; ācāryaḥ — o guia sacerdotal, ou purohita; khyātaḥ ca — já se sabe disso; bhuvi — em toda parte; sarvadā — sempre; sutam — o filho; mayā — por mim; saṁskṛtam — tendo-Se submetido ao pro­cesso purificatório; te — teu; manyate — seria considerado; devakī-sutam — o filho de Devakī.

Tradução

Garga Muni disse: Meu querido Nanda Mahārāja, sou o guia sacerdotal da dinastia Yadu. Sabe-se disso em toda parte. Logo, se eu realizar o processo purificatório de teus filhos, Kaṁsa Os considerará filhos de Devakī.

Comentário

SIGNIFICADO—Garga Muni indiretamente revelou que Kṛṣṇa era filho de Devakī, e não de Yaśodā. Como Kaṁsa já estava procurando por Kṛṣṇa, se o processo purificatório fosse realizado por Garga Muni, Kaṁsa pode­ria ser informado, e isso seria uma catástrofe. Pode-se argumen­tar que, embora Garga Muni fosse o sacerdote da dinastia Yadu, Nanda Mahārāja também pertencia a essa dinastia. Nanda Mahārāja, entretanto, não agia como um kṣatriya. Portanto, Garga Muni disse: “Se eu me coloco na posição de teu sacerdote, isso confirmará que Kṛṣṇa é filho de Devakī.”

Texto

kaṁsaḥ pāpa-matiḥ sakhyaṁ
tava cānakadundubheḥ
devakyā aṣṭamo garbho
na strī bhavitum arhati
iti sañcintayañ chrutvā
devakyā dārikā-vacaḥ
api hantā gatāśaṅkas
tarhi tan no ’nayo bhavet

Sinônimos

kaṁsaḥ — o rei Kaṁsa; pāpa-matiḥ — muitíssimo pecaminoso, tendo uma mente sórdida; sakhyam — amizade; tava — tua; ca — também; ānaka-dundubheḥ — de Vasudeva; devakyāḥ — de Devakī; aṣṭamaḥ garbhaḥ — a oitava gravidez; na — não; strī — uma mulher; bhavitum arhati — é possível ser; iti — dessa maneira; sañcintayan — consideran­do; śrutvā — e ouvindo (essa notícia); devakyāḥ — de Devakī; dārikā-­vacaḥ — a mensagem da filha; api — embora houvesse; hantā gata-­āśaṅkaḥ — existe a possibilidade de que Kaṁsa tome providências para matar esta criança; tarhi — portanto; tat — este incidente; naḥ — para nós; anayaḥ bhavet — pode não ser muito bom.

Tradução

Kaṁsa é um grande diplomata e um homem muito pecaminoso. Portanto, tendo ouvido de Yogamāyā, a filha de Devakī, que a criança que o mataria já nascera em alguma outra parte, tendo ouvido que, em sua oitava gravidez, Devakī não poderia gerar uma me­nina, e sabendo de tua amizade com Vasudeva, Kaṁsa, ao tomar conhecimento de que o processo purificatório foi realizado por mim, o sacerdote da dinastia Yadu, na certa considerará todos esses pontos e acabará suspeitando que Kṛṣṇa é filho de Devakī e Vasudeva. Nesse instante, ele poderá tomar providências para matar Kṛṣṇa. Isso seria catastrófico.

Comentário

SIGNIFICADO—Kaṁsa sabia muito bem que, afinal de contas, Yogamāyā era uma criada de Kṛṣṇa e Viṣṇu e que, embora Yogamāyā tivesse aparecido como filha de Devakī, ela poderia ter sido proibida de revelar esse fato. E, na verdade, foi isso o que aconteceu. Garga Muni argumentou muito sobriamente que, se ele participasse da realização do processo reformatório em prol de Kṛṣṇa, surgiriam muitas dúvidas, e Kaṁsa po­deria tomar severas providências para matar a criança. Kaṁsa já enviara muitos demônios para tentar matar essa criança, mas nenhum deles sobreviveu. Se Garga Muni realizasse o processo purificatório, a suspeita de Kaṁsa se confirmaria por completo, e seus próximos passos seriam muito perigosos. Garga Muni deu esse conselho a Nanda Mahārāja.

Texto

śrī-nanda uvāca
alakṣito ’smin rahasi
māmakair api go-vraje
kuru dvijāti-saṁskāraṁ
svasti-vācana-pūrvakam

Sinônimos

śrī-nandaḥ uvāca — Nanda Mahārāja disse (a Garga Muni); alakṣi­taḥ — sem o conhecimento de Kaṁsa; asmin — neste estábulo; rahasi — em um lugar muito solitário; māmakaiḥ — nem mesmo pelos meus parentes; api — um lugar ainda mais solitário; go-vraje — no estábulo; kuru — simplesmente executa; dvijāti-saṁskāram — o processo purificatório alusivo ao segundo nascimento (saṁskārād bhaved dvijaḥ); svasti-vācana-pūrvakam — cantando os hinos védicos próprios para a realização do processo purificatório.

Tradução

Nanda Mahārāja disse: Meu querido e grandioso sábio, se achas que o fato de esse processo de purificação ser realizado por ti indu­zirá a suspeita de Kaṁsa, então canta secretamente os hinos e sem o conhecimento de nenhuma outra pessoa, nem mesmo de meus parentes. Realiza aqui no estábulo de minhas vacas o processo purificatório de segundo nascimento, pois esse processo de purificação é essencial.

Comentário

SIGNIFICADO—Nanda Mahārāja não achava boa ideia prescindir do processo purificatório. Apesar dos muitos obstáculos, ele queria tirar proveito da presença de Garga Muni e fazer tudo o que fosse necessário. O processo purificatório é essencial, especificamente para os brāhmaṇas, os kṣatriyas e os vaiśyas. Portanto, uma vez que Nanda Mahārāja apresentava-se cromo vaiśya, esse processo de purificação era essen­cial. Outrora, essas atividades institucionais eram compulsórias. Cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ. (Bhagavad-gītā 4.13) Sem essas atividades de purificação, a sociedade seria considerada uma sociedade de animais. Para aproveitar-se da presença de Garga Muni, Nanda Mahārāja quis realizar as cerimônias nāma-karaṇa, mesmo secretamente, sem quaisquer arranjos exuberantes. Logo, a oportunidade de purificação deve ser tida como um dever essencial à socie­dade humana. Em Kali-yoga, entretanto, as pessoas se esqueceram do essencial. Mandāḥ sumanda-matayo manda-bhāgyā hy upadrutāḥ. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.1.10) Nesta era, as pessoas são todas malfadadas e desafortunadas, e não aceitam as instruções védicas que podem tornar suas vidas exitosas. Nanda Mahārāja, entretanto, não queria negli­genciar nada. Para manter intacta uma sociedade feliz, avançada em conhecimento espiritual, aproveitou-se plenamente da presença de Garga Muni para tomar todas as medidas necessárias. Em apenas cinco mil anos, quão degradada a sociedade se tornou! Mandāḥ sumanda-matayo manda-bhāgyāḥ. A vida humana é obtida após muitos e muitos milhões de nascimentos, e destina-se à purifi­cação. Antigamente, um pai ficava ansioso por dar toda classe de ajuda para elevar seus filhos, mas, atualmente, como são desencaminhadas, as pessoas estão preparadas até mesmo para matar a fim de evitar a responsabilidade de criar filhos.

Texto

śrī-śuka uvāca
evaṁ samprārthito vipraḥ
sva-cikīrṣitam eva tat
cakāra nāma-karaṇaṁ
gūḍho rahasi bālayoḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; evam — dessa ma­neira; samprārthitaḥ — sendo ansiosamente solicitado; vipraḥ — o brāhmaṇa Garga Muni; sva-cikīrṣitam eva — que já desejava fazer e motivo pelo qual se dirigira até ali; tat — esta; cakāra — realizou; nāma-karaṇam — a cerimônia em que se dá o nome; gūḍhaḥ — confi­dencialmente; rahasi — em um lugar solitário; bālayoḥ — dos dois meninos (Kṛṣṇa e Balarāma).

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Tendo recebido de Nanda Mahā­rāja o especial pedido para fazer aquilo que já desejava fazer, Garga Muni realizou em um lugar solitário a cerimônia na qual Kṛṣṇa e Balarāma receberam Seus nomes.

Texto

śrī-garga uvāca
ayaṁ hi rohiṇī-putro
ramayan suhṛdo guṇaiḥ
ākhyāsyate rāma iti
balādhikyād balaṁ viduḥ
yadūnām apṛthag-bhāvāt
saṅkarṣaṇam uśanty api

Sinônimos

śrī-gargaḥ uvāca — Garga Muni disse; ayam — este; hi — na verdade; rohiṇī-putraḥ — o filho de Rohiṇī; ramayan — satisfazendo; suhṛdaḥ — todos os Seus amigos e parentes; guṇaiḥ — através de qualidades transcendentais; ākhyāsyate — será chamado; rāmaḥ — pelo nome de Rāma, o desfrutador supremo; iti — dessa maneira; bala-ādhikyāt — devido à força extraordinária; balam viduḥ — será conhecido como Balarāma; yadūnām — da dinastia Yadu; apṛthak-bhāvāt — por não estar separada de ti; saṅkarṣaṇam — pelo nome Saṅkarṣaṇa, ou que une duas famílias; uśanti — atrai; api — também.

Tradução

Garga Muni disse: Através de Suas qualidades transcendentais, esta criança, o filho de Rohiṇī, dará toda a felicidade aos Seus parentes e amigos. Portanto, Ele será conhecido como Rāma. E porque manifestará extraordinária força física, Ele também será conhecido como Bala. Ademais, porque Ele une duas famílias – a família de Vasu­deva e a família de Nanda Mahārāja –, será conhecido como Saṅkarṣaṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Baladeva, na verdade, era filho de Devakī, mas foi transferido do ventre de Devakī para o de Rohiṇī. Esse fato não foi revelado. De acordo com uma afirmação contida no Hari-vaṁśa:

pratyuvāca tato rāmaḥ
sarvāṁs tān abhitaḥ sthitān
yādaveṣv api sarveṣu
bhavanto mama vallabhāḥ

Garga Muni revelou a Nanda Mahārāja que Balarāma seria conheci­do como Saṅkarṣaṇa devido ao fato de Ele unir duas famílias – o yadu-vaṁśa e o vaṁśa de Nanda Mahārāja –, uma das quais era classificada como kṣatriya, e a outra, como vaiśya. Ambas as famílias tinham a mesma ascendência paterna, com a única diferença de que Nanda Mahārāja nasceu de mãe vaiśya, ao passo que Vasudeva nasceu de mãe kṣatriya. Mais tarde, Nanda Mahārāja casou-se com uma esposa vaiśya, e Vasudeva casou-se com uma esposa kṣatriya. Assim, embora viessem ambas do mesmo pai, as famílias de Nanda Mahā­rāja e Vasudeva dividiram-se em kṣatriya e vaiśya. Agora, Baladeva as uniu, daí ter ficado conhecido como Saṅkarṣaṇa.

Texto

āsan varṇās trayo hy asya
gṛhṇato ’nuyugaṁ tanūḥ
śuklo raktas tathā pīta
idānīṁ kṛṣṇatāṁ gataḥ

Sinônimos

āsan — foram assumidas; varṇāḥ trayaḥ — três cores; hi — na ver­dade; asya — do teu filho Kṛṣṇa; gṛhṇataḥ — aceitando; anuyugam tanūḥ — corpos transcendentais de acordo com os diferentes yugas; śuklaḥ — ora branco; raktaḥ — ora vermelho: tathā — bem como; pītaḥ — ora amarelo; idānīm kṛṣṇatām gataḥ — no momento atual, Ele assumiu a cor negra.

Tradução

Em todo milênio, teu filho Kṛṣṇa aparece como uma encarnação. No passado, Ele assumiu três diferentes cores – branca, vermelha e amarela –, e agora apareceu na cor negra. [Em outro Dvāpara-­yuga, Ele, como o Senhor Rāmacandra, apareceu na cor de śuka, a cor de um papagaio. Todas essas encarnações agora se congregam em Kṛṣṇa.]

Comentário

SIGNIFICADO—Parcialmente explicando a posição do Senhor Kṛṣṇa e parcialmente cobrindo os fatos, Garga Muni indicou: “Teu filho é uma grande personalidade, e, em diferentes eras, Ele pode mudar a cor de Seu corpo.” A palavra gṛhṇataḥ indica que Kṛṣṇa tem a liberdade de fazer Sua escolha. Em outras palavras, Ele é a Suprema Personali­dade de Deus e, portanto, pode fazer o que bem quiser. A literatura védica declara as diferentes cores assumidas pela Personalidade de Deus em diferentes milênios, e, portanto, ao afirmar: “Teu filho as­sumiu três cores”, Garga Muni indiretamente disse: “Ele é a Suprema Personalidade de Deus.” Devido às atrocidades de Kaṁsa, Garga Muni preferiu não revelar esse fato, senão que, indiretamente, informou a Nanda Mahārāja que Kṛṣṇa, seu filho, era a Suprema Personalidade de Deus.

Pode-se notar que Śrīla Jīva Gosvāmī, em seu livro Krama-san­darbha, enunciou o significado deste verso. Em todo milênio, Kṛṣṇa aparece em uma forma diferente, seja em uma cor branca, verme­lha ou amarela, mas, desta vez, Ele apareceu pessoalmente em Sua forma escura original e, como predito por Garga Muni, manifestou poderes de Nārāyaṇa. Porque nesta forma a Suprema Personalidade de Deus manifesta-Se plenamente, Seu nome é Śrī Kṛṣṇa, o todo­-atrativo.

De fato, Kṛṣṇa é a fonte de todos os avatāras, de maneira que todos os diversos aspectos dos diferentes avatāras estão presentes em Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa encarna, todos os aspectos das outras encarnações já estão presentes nEle. Outras encarnações são representações parciais de Kṛṣṇa, que é a encanação irrestrita do Ser Supremo. Deve-se entender que o Ser Supremo, quer apareça como śukla, quer como rak­ta, quer como pīta (branco, vermelho ou amarelo), é a mesma pessoa. Ao vir em diferentes encarnações, Ele aparece em diferentes cores, assim como o brilho solar, que contém sete cores. Às vezes, as cores do brilho solar apresentam-se separadamente; de outro modo, o bri­lho solar é observado principalmente como a luz brilhante. Os diferentes avatāras, tais como os manvantara-avatāras, os līlā-avatāras e os daśa-avatāras, estão todos incluídos no kṛṣṇa-avatāra. Quando Kṛṣṇa aparece, todos os avatāras aparecem com Ele. Como se descreve no Śrīmad-Bhāgavatam (1.3.26):

avatārā hy asaṅkhyeyā
hareḥ sattva-nidher dvijāḥ
yathāvidāsinaḥ kulyāḥ
sarasaḥ syuḥ sahasraśaḥ

Os avatāras aparecem incessantemente, como a água que flui sem cessar. Ninguém pode contar quantas ondas existem na água corrente, e, do mesmo modo, há ilimitados avatāras. E Kṛṣṇa é a representação plena de todos os avatāras porque Ele é a fonte de todos os avatāras. Kṛṣṇa é o aṁśī, ao passo que os outros são aṁśa, partes de Kṛṣṇa. Todas as entidades vivas, incluindo nós, somos aṁśas (mamaivāṁśo jīva-loke jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ). Esses aṁśas são de diferentes mag­nitudes. Os seres humanos (que são aṁśas diminutos) e os semideuses, os viṣṇu-tattvas e todos os outros seres vivos são partes do Supremo. Nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām. (Kaṭha Upaniṣad 2.2.13) Kṛṣṇa é a representação completa de todas as entidades vivas, e quando Kṛṣṇa está presente, todos os avatāras estão incluídos nEle.

O décimo primeiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam descreve, em ordem cronológica, as encarnações designadas para cada yuga. O Bhāgavatam diz que kṛte śuklaś catur-bāhuḥ, tretāyāṁ rakta-varṇo’sau, dvāpare bhagavān śyāmaḥ and kṛṣṇa-varṇaṁ tviṣākṛṣṇam. Realmente vemos que, em Kali-yuga, Bhagavān apareceu no pīta-varṇa, ou em uma cor amarela, como Gaurasundara, embora o Bhāgavatam mencione kṛṣṇa-varṇam. Para a harmonia de todas essas afirma­ções, deve-se entender que, embora em alguns yugas, algumas cores sejam proeminentes, em todo yuga, sempre que Kṛṣṇa aparece, todas as cores estão presentes. Kṛṣṇa-varṇaṁ tviṣākṛṣṇam: Embora apare­ça sem kṛṣṇa, ou sem a cor negra, Caitanya Mahāprabhu é entendido como sendo o próprio Kṛṣṇa. Idānīṁ kṛṣṇatāṁ gataḥ. O mesmo Kṛṣṇa original que aparece em diferentes varṇas acaba de aparecer. A palavra āsan indica que Ele está sempre presente. Sempre que aparece em Seu aspecto completo, tem-se a Suprema Personalidade de Deus como kṛṣṇa-varṇam, embora Ele apareça em diferentes cores. Prahlāda Mahārāja afirma que Caitanya Mahāprabhu é channa, isto é, embora seja Kṛṣṇa, Ele está cobergto por uma cor amarela. Logo, os vaiṣṇavas gauḍīyas aceitam a conclusão de que, embora aparecesse na cor pīta, Caitanya Mahāprabhu é Kṛṣṇa.

kṛṣṇa-varṇaṁ tviṣākṛṣṇaṁ
sāṅgopāṅgāstra-pārṣadam
yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair
yajanti hi sumedhasaḥ

Texto

prāg ayaṁ vasudevasya
kvacij jātas tavātmajaḥ
vāsudeva iti śrīmān
abhijñāḥ sampracakṣate

Sinônimos

prāk — antes; ayam — esta criança; vasudevasya — de Vasudeva; kvacit — às vezes; jātaḥ — nasceu; tava — teu; ātmajaḥ — Kṛṣṇa, que nasceu como teu filho; vāsudevaḥ — portanto, Ele pode ser chama­do de Vāsudeva; iti — assim; śrīmān — muito belo; abhijñāḥ — aqueles que são eruditos; sampracakṣate — também dizem que Kṛṣṇa é Vāsudeva.

Tradução

Por muitas razões, este teu belo filho às vezes apareceu em outras oportunidades como o filho de Vasudeva. Portanto, aqueles que são eruditos às vezes chamam esta criança de Vāsudeva.

Comentário

SIGNIFICADO—Indiretamente, Garga Muni revelou: “Esta criança nasceu original­mente como filho de Vasudeva, embora esteja agindo como teu filho. Em geral, Ele é teu filho, mas, certas vezes, Ele é filho de Vasudeva.”

Texto

bahūni santi nāmāni
rūpāṇi ca sutasya te
guṇa-karmānurūpāṇi
tāny ahaṁ veda no janāḥ

Sinônimos

bahūni — vários; santi — existem; nāmāni — nomes; rūpāṇi — formas; ca — também; sutasya — do filho; te — teu; guṇa-karma-anu-rūpāṇi — de acordo com Seus atributos e atividades; tāni — a eles; aham — eu; veda — conheço; no janāḥ — as pessoas comuns não.

Tradução

Para este teu filho, existem muitas formas e nomes de acordo com Suas qualidades e atividades transcendentais. Eu os conheço a todos, mas as pessoas em geral não os compreendem.

Comentário

SIGNIFICADO—Bahūni: o Senhor tem muitos nomes. Advaitam acyutam anādim ananta-rūpam ādyaṁ purāṇa-puruṣaṁ nava-yauvanaṁ ca. Como se afirma na Brahma-saṁhitā (5.33), o Senhor é apenas um, mas Ele tem muitas formas e muitos nomes. Ninguém deve pensar que, porque Garga Muni deu à criança o nome Kṛṣṇa, esse era o Seu único nome. Ele tem outros nomes, tais como Bhakta-vatsala, Giridhārī, Govinda e Gopāla. Se analisarmos o nirukti, ou a deri­vação semântica, da palavra “Kṛṣṇa”, observaremos que na significa que Ele acaba com a repetição de nascimentos e mortes, e kṛṣ significa sattārtha, ou “existência”. (Kṛṣṇa é toda a existência.) Além disso, kṛṣ significa “atração”, e na significa ānanda, ou “bem-aven­turança”. Kṛṣṇa é conhecido como Mukunda porque deseja dar a todos a eterna vida espiritual bem-aventurada. Infelizmente, devido à pequena independência da entidade viva, ela quer “desprogramar” o programa de Kṛṣṇa. Essa é a doença material. Entretanto, porque deseja dar bem-aventurança transcendental às entidades vivas, Kṛṣṇa aparece sob várias formas. Portanto, Ele Se chama Kṛṣṇa. Como era um astrólogo, Garga Muni sabia o que os outros não sabiam. No entanto, Kṛṣṇa tem tantos nomes que nem mesmo Garga Muni conhecia todos. Deve-se concluir que Kṛṣṇa, de acordo com Suas atividades transcendentais, possui muitos nomes e muitas formas.

Texto

eṣa vaḥ śreya ādhāsyad
gopa-gokula-nandanaḥ
anena sarva-durgāṇi
yūyam añjas tariṣyatha

Sinônimos

eṣaḥ — esta criança; vaḥ — para todos vós; śreyaḥ — a mais auspicio­sa; ādhāsyat — agirá muito auspiciosamente; gopa-gokula-nandanaḥ — assim como um vaqueirinho, que em uma família de vaqueiros nasceu como filho de uma quinta de Gokula; anena — por Ele; sarva-durgāṇi — todas as espécies de condições dolorosas; yūyam — todos vós; añjaḥ — facilmente; tariṣyatha — superareis.

Tradução

Para aumentar a bem-aventurança transcendental dos vaqueiros de Gokula, esta criança sempre executará ações que vos serão auspi­ciosas. E unicamente através de Sua graça, superareis todas as difi­culdades.

Comentário

SIGNIFICADO—Para os vaqueiros e as vacas, Kṛṣṇa é o amigo supremo. Logo, Ele é adorado com a oração namo brahmaṇya-devāya go-brāhmaṇa-hitāya ca. Seus passatempos em Gokula, Seu dhāma, sempre são favoráveis aos brāhmaṇas e às vacas. Sua primeira preocupação é dar todo o conforto às vacas e aos brāhmaṇas. De fato, para os brāhmaṇas, o conforto é secundário, e o conforto das vacas é Sua primeira preocupação. Devido à Sua presença, todas as pessoas su­perariam todas as dificuldades e sempre se situariam em bem-aventu­rança transcendental.

Texto

purānena vraja-pate
sādhavo dasyu-pīḍitāḥ
arājake rakṣyamāṇā
jigyur dasyūn samedhitāḥ

Sinônimos

purā — outrora; anena — por Kṛṣṇa; vraja-pate — ó rei de Vraja; sādhavaḥ — aqueles que eram honestos; dasyu-pīḍitāḥ — sendo perturbados pelos ladrões e assaltantes; arājake — quando havia um gover­no irregular; rakṣyamāṇāḥ — eram protegidos; jigyuḥ — subjugava; dasyūn — os assaltantes e ladrões; samedhitāḥ — prosperavam.

Tradução

Ó Nanda Mahārāja, como se registra na história, quando havia um governo irregular e incompetente, e estando Indra destronado, as pessoas passando então a ser afligidas e perturbadas por ladrões, essa criança apareceu para proteger a população e permiti-la pros­perar, e Ele subjugou os ladrões e assaltantes.

Comentário

SIGNIFICADO—Indra é o rei do universo. Os demônios, ladrões e assaltantes sempre perturbam Indra (indrāri-vyākulaṁ lokam), mas, quando os indrāris, os inimigos de Indra, tornam-se proeminentes, Kṛṣṇa apa­rece. Kṛṣṇas tu bhagavān svayaṁ/ indrāri-vyākulaṁ lokaṁ mṛḍayanti yuge yuge. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.3.28)

Texto

ya etasmin mahā-bhāgāḥ
prītiṁ kurvanti mānavāḥ
nārayo ’bhibhavanty etān
viṣṇu-pakṣān ivāsurāḥ

Sinônimos

ye — aquelas pessoas que; etasmin — a esta criança; mahā-bhāgāḥ — muito afortunadas; prītim — afeição; kurvanti — executam; mānavāḥ — essas pessoas; na — não; arayaḥ — os inimigos; abhibhavanti — subjugam; etān — aqueles que são apegados a Kṛṣṇa; viṣṇu-pakṣān — os semideuses, que sempre têm a seu lado o Senhor Viṣṇu; iva — como; asurāḥ — os demônios.

Tradução

Os demônios [asuras] não são capazes de prejudicar os semideuses, que sempre têm a seu lado o Senhor Viṣṇu. Do mesmo modo, qualquer pessoa ou grupo apegados a Kṛṣṇa são extremamente afortunados. Porque têm muita afeição por Kṛṣṇa, tais pessoas não podem ser derrotadas por demônios como os associados de Kaṁsa [ou pelos inimigos internos, os sentidos].

Texto

tasmān nandātmajo ’yaṁ te
nārāyaṇa-samo guṇaiḥ
śriyā kīrtyānubhāvena
gopāyasva samāhitaḥ

Sinônimos

tasmāt — portanto; nanda — ó Nanda Mahārāja; ātmajaḥ — teu filho; ayam — este; te — de ti; nārāyaṇa-samaḥ — está em pé de igualdade com Nārāyaṇa (o próprio Nārāyaṇa mostrando qualidades transcen­dentais); guṇaiḥ — pelas qualidades; śriyā — pela opulência; kīrtyā — especialmente pelo Seu nome e fama; anubhāvena — e por Seu prestígio; gopāyasva — simplesmente cria esta criança; samāhitaḥ — com muita atenção e cuidado.

Tradução

Em conclusão, portanto, ó Nanda Mahārāja, este teu filho está no mesmo nível de Nārāyaṇa. Em Suas qualidades, opulência, nome, fama e influência transcendentais, Ele é exatamente como Nārāyaṇa. Todos vós deveis criar esta criança com muito cuidado e atenção.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra nārāyaṇa-samaḥ é significativa. Não há pessoa que se iguale a Nārāyaṇa. Ele é asamordhva: ninguém é igual a Ele, tampouco alguém é maior do que Ele. Como afirmam os śāstras:

yas tu nārāyaṇaṁ devaṁ
brahma-rudrādi-daivataiḥ
samatvenaiva vīkṣeta
sa pāṣaṇḍī bhaved dhruvam

Alguém que quer igualar outros a Nārāyaṇa, mesmo que esses outros sejam semideuses grandes e elevados como o senhor Śiva ou o senhor Brahmā, é um pāṣaṇḍī, um agnóstico. Ninguém pode igualar-se a Nārāyaṇa. Entretanto, Garga Muni usou a palavra sama, significando “igual”, porque queria tratar Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus que Se tornou filho de Nanda Mahārāja. Garga Muni queria incutir na mente de Nanda Mahārāja o seguinte: “Tua Deidade adorável, Nārāyaṇa, está tão satisfeito contigo que te enviou um filho quase igual a Ele em quali­ficações. Logo, podes dar a teu filho um nome semelhante, tal como Mukunda ou Madhusūdana. Mas deves sempre lembrar-te de que, sempre que quiseres fazer algo muito bom, haverá muitos obstáculos. Portanto, deves criar e proteger esta criança com muito cuidado. Se puderes proteger esta criança com grande zelo, como Nārāyaṇa sempre te protege, a criança será tal qual Nārāyaṇa.” Garga Muni também indicou que, embora tivesse as mesmas qualidades nobres de Nārāyaṇa, a criança, como rasa-vihārī, o sumo desfrutador da dança da rāsa, desfrutaria mais do que Nārāyaṇa. Como se afirma na Brahma- saṁhitā, lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama­-sevyamānam: Ele seria servido por muitas gopīs, todas as quais esta­riam no mesmo nível da deusa da fortuna.

Texto

śrī-śuka uvāca
ity ātmānaṁ samādiśya
garge ca sva-gṛhaṁ gate
nandaḥ pramudito mene
ātmānaṁ pūrṇam āśiṣām

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; ātmānam — sobre a Verdade Absoluta, a Alma Suprema; samādiśya — após instruir plenamente; garge — quando Garga Muni; ca — também; sva-gṛham — para sua própria morada; gate — partiu; nandaḥ — Mahārāja Nanda; pramuditaḥ — ficou deveras satisfeito; mene — conside­rou; ātmānam — a si próprio; pūrṇam āśiṣām — pleno de toda a boa fortuna.

Tradução

Śrīla Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Depois que Garga Muni partiu para seu próprio lar, tendo instruído Nanda Mahārāja acerca de Kṛṣṇa, Nanda Mahārāja ficou muito satisfeito e considerou-se pleno de toda a boa fortuna.

Comentário

SIGNIFICADO—Kṛṣṇa é a Superalma, e Nanda Mahārāja é uma alma individual. Através das instruções de Garga Muni, ambos foram abençoados. Nanda Mahārāja pensava na proteção de Kṛṣṇa contra de­mônios como Pūtanā e Śakaṭāsura, e, porque possuía semelhante filho, julgava-se muito afortunado.

Texto

kālena vrajatālpena
gokule rāma-keśavau
jānubhyāṁ saha pāṇibhyāṁ
riṅgamāṇau vijahratuḥ

Sinônimos

kālena — de tempo; vrajatā — passando; alpena — uma duração muito breve; gokule — em Gokula, Vraja-dhāma; rāma-keśavau — Balarāma e Kṛṣṇa; jānubhyām — com a força de Seus joelhos; saha ­pāṇibhyām — apoiando-Se em Suas mãos; riṅgamāṇau — engatinhando; vijahratuḥ — desfrutaram de diversões infantis.

Tradução

Passado pouco tempo, ambos os irmãos, Rāma e Kṛṣṇa, começaram a engatinhar pelo solo de Vraja com a força de Suas mãos e joelhos, desfrutando então de Seus divertimentos infantis.

Comentário

SIGNIFICADO—Há um devoto brāhmaṇa que diz:

śrutim apare smṛtim itare bhāratam anye bhajantu bhava-bhītāḥ
aham iha nandaṁ vande yasyālinde paraṁ brahma

“Que os outros, temendo a existência material, adorem os Vedas, os Purāṇas védicos suplementares e o Mahābhārata, mas eu adorarei Nanda Mahārāja, em cujo quintal o Brahman Supremo está engati­nhando.” Para um devoto muitíssimo elevado, kaivalya, imergir na existência do Supremo, não parece melhor do que o inferno (nara­kāyate). Aqui, no entanto, alguém pode simplesmente pensar no episódio em que Kṛṣṇa e Balarāma engatinham no quintal de Nanda Mahārāja e sempre imergir em felicidade transcendental. Enquanto alguém estiver absorto em pensar na kṛṣṇa-līlā, especialmente nos passatempos infantis de Kṛṣṇa, nos quais Parīkṣit Mahārāja desejava absorver­-se, ele sempre ficará imerso em verdadeiro kaivalya. Portanto, Vyasa­deva compilou o Śrīmad-Bhāgavatam. Lokasyājānato vidvāṁś cakre sātvata-saṁhitām. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.7.6) Sob a instrução de Nārada, Vyasa­deva compilou o Śrīmad-Bhāgavatam para que qualquer um possa aproveitar-se dessa literatura, pensar nos passatempos de Kṛṣṇa e sempre estar liberado.

śrutim apare smṛtim itare bhāratam anye bhajantu bhava-bhītāḥ
aham iha nandaṁ vande yasyālinde paraṁ brahma

Texto

tāv aṅghri-yugmam anukṛṣya sarīsṛpantau
ghoṣa-praghoṣa-ruciraṁ vraja-kardameṣu
tan-nāda-hṛṣṭa-manasāv anusṛtya lokaṁ
mugdha-prabhītavad upeyatur anti mātroḥ

Sinônimos

tau — Kṛṣṇa e Balarāma; aṅghri-yugmam anukṛṣya — arrastando Suas pernas; sarīsṛpantau — engatinhando como serpentes; ghoṣa­-praghoṣa-ruciram — produzindo um som com Seus sinos de tornoze­lo que era muitíssimo doce de se ouvir; vraja-kardameṣu — na lama que o excremento e a urina de vaca criavam na terra de Vrajabhūmi; tat-nāda — com o som daqueles sinos de tornozelos; hṛṣṭa-manasau — estando muito satisfeitos; anusṛtya — seguindo; lokam — outras pessoas; mugdha — ficando assim encantados; prabhīta-vat — então, temendo-as novamente; upeyatuḥ — logo retornavam; anti mātroḥ — para Suas mães.

Tradução

Quando Kṛṣṇa e Balarāma, com a força de Suas pernas, engati­nhavam nos lugares lamacentos criados em Vraja pelo esterco e urina de vaca, Seu engatinhar parecia o rastejamento das serpentes, e o som dos sinos de Seus tornozelos era muito encantador. Muito satis­feitos com o som emitido pelos sinos de tornozelos de outras pessoas, Eles costumavam seguir essas pessoas como se estivessem indo ter com Suas mães. Quando viam que eram outras pessoas, Eles fica­vam com medo e retornavam às Suas verdadeiras mães, Yaśodā e Rohiṇī.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao engatinharem por Vrajabhūmi, Kṛṣṇa e Balarāma ficavam en­cantados com o som dos sinos de tornozelo. Assim, Eles às vezes seguiam outras pessoas, que apreciavam o engatinhar de Kṛṣṇa e Balarāma e exclamavam: “Oh! Vejam como Kṛṣṇa e Balarāma estão en­gatinhando!” Ao ouvirem isso, Kṛṣṇa e Balarāma podiam entender que essas pessoas que Eles seguiam não eram Suas mães, momento no qual regressavam às Suas verdadeiras mães. Logo, o engatinhar de Kṛṣṇa e Balarāma era desfrutado pela população circunvizinha, bem como por mãe Yaśodā e Rohiṇī e pelas próprias crianças.

Texto

tan-mātarau nija-sutau ghṛṇayā snuvantyau
paṅkāṅga-rāga-rucirāv upagṛhya dorbhyām
dattvā stanaṁ prapibatoḥ sma mukhaṁ nirīkṣya
mugdha-smitālpa-daśanaṁ yayatuḥ pramodam

Sinônimos

tat-mātarau — Suas mães (Rohiṇī e Yaśodā); nija-sutau — seus respectivos filhos; ghṛṇayā — com grande afeição; snuvantyau — cheias de felicidade, permitiam que mamassem o leite que escorria de seus seios; paṅka-aṅga-rāga-rucirau — cujos belos corpos transcendentais estavam cobertos com uma lamacenta mistura de excremento e urina de vaca; upagṛhya — cuidando de; dorbhyām — com seus braços; dattvā — dando-lhes; stanam — os seios; prapibatoḥ — quando os bebês estavam mamando; sma — na verdade; mukham — a boca; nirīkṣya — e vendo; mugdha-smita-alpa-daśanam — sorrindo com os dentinhos que despontavam em Suas bocas (elas se sentiam cada vez mais atraídas); yayatuḥ — e desfrutavam de; pramodam — bem-aventurança transcendental.

Tradução

Cobertos de terra lamacenta misturada com esterco e urina de vaca, os bebês pareciam muito belos, e, quando iam até Suas mães, tanto Yaśodā quanto Rohiṇī pegavam-nOs com muita afeição, abra­çavam-nOs e permitiam que Eles mamassem o leite que fluía de seus seios. Enquanto sugavam o seio, os bebês sorriam, e Seus dentinhos ficavam visíveis. Suas mães, ao verem aqueles belos dentes, sentiam grande bem-aventurança transcendental.

Comentário

SIGNIFICADO—Conforme as mães cuidavam de seus respectivos bebês, por arranjo de yogamāyā, os bebês pensavam: “Eis Minha mãe”, e as mães pensavam: “Eis meu filho.” Devido à afeição, o leite natural­mente escorria dos seios das mães, e os bebês tomavam-no. Ao verem os dentinhos despontando, as mães contavam-nos e ficavam felizes, e, ao verem que Suas mães permitiam-Lhes beber o leite de seus seios, os bebês também experimentavam um prazer transcendental. À medida que prosseguia entre Rohiṇī e Balarāma e entre Yaśodā e Kṛṣṇa essa afeição transcenden­tal, todos eles desfrutavam de bem-aventurança transcendental.

Texto

yarhy aṅganā-darśanīya-kumāra-līlāv
antar-vraje tad abalāḥ pragṛhīta-pucchaiḥ
vatsair itas tata ubhāv anukṛṣyamāṇau
prekṣantya ujjhita-gṛhā jahṛṣur hasantyaḥ

Sinônimos

yarhi — quando; aṅganā-darśanīya — visíveis somente às senhoras dentro da casa; kumāra-līlau — os passatempos que Śrī Kṛṣṇa e Balarāma executaram quando eram crianças; antaḥ-vraje — no interior de Vraja, na casa de Nanda Mahārāja; tat — naquele momento; abalāḥ — todas as senhoras; pragṛhīta-pucchaiḥ — as extremidades de suas caudas tendo sido agarradas por Kṛṣṇa e Balarāma; vatsaiḥ — pelos bezerros; itaḥ tataḥ — para aqui e para ali; ubhau — tanto Kṛṣṇa quanto Balarāma; anukṛṣyamāṇau — sendo arrastados; prekṣantyaḥ — vendo isso; ujjhita — largados; gṛhāḥ — seus afazeres domésticos; jahṛṣuḥ — desfrutavam muito; hasantyaḥ — enquanto riam.

Tradução

Dentro da casa de Nanda Mahārāja, as senhoras vaqueiras gosta­vam de ver os passatempos dos bebês Rāma e Kṛṣṇa. Os bebês costu­mavam agarrar as extremidades das caudas dos bezerros, e os bezerros arrastavam-nOs de um lado a outro. Ao verem esses passatempos, as senhoras na certa interrompiam suas atividades domésticas e riam e desfrutavam com os incidentes.

Comentário

SIGNIFICADO—Enquanto engatinhavam com curiosidade, Kṛṣṇa e Balarāma às vezes agarravam as pontas das caudas dos bezerros. Os bezerros, sentindo que alguém os havia agarrado, começavam a fugir de um lugar a outro, e os bebês seguravam com muita firmeza, pois não sabiam que rumo os bezerros tomariam. Os bezerros, vendo que os bebês estavam segurando-os firmemente, também ficavam com medo. Então, as senhoras vinham em socorro dos bebês e riam alegremente. E elas sentiam prazer nisso.

Texto

śṛṅgy-agni-daṁṣṭry-asi-jala-dvija-kaṇṭakebhyaḥ
krīḍā-parāv aticalau sva-sutau niṣeddhum
gṛhyāṇi kartum api yatra na taj-jananyau
śekāta āpatur alaṁ manaso ’navasthām

Sinônimos

śṛṅgī — com as vacas; agni — fogo; daṁṣṭrī — macacos e cães; asi — espadas; jala — água; dvija — pássaros; kaṇṭakebhyaḥ — e espinhos; krīḍā-parau ati-calau — os bebês, sendo muito inquietos, ocupavam-Se em brincar; sva-sutau — seus próprios filhos; niṣeddhum — de simplesmente contê-lOs; gṛhyāṇi — deveres domésticos; kartum api — executando; yatra — quando; na — não; tat-jananyau — Suas mães (Rohiṇī e Yaśodā); śekāte — capazes; āpatuḥ — obtinham; alam — na verdade; manasaḥ — da mente; anavasthām — equilíbrio.

Tradução

Ao se sentirem incapazes de proteger os bebês, impedindo que lhes sobreviessem calamidades produzidas por vacas com chifres, pelo fogo, por animais com garras e dentes, tais como os macacos, cães e gatos, e por espinhos, espadas e outras armas terrestres, mãe Yaśodā e Rohiṇī ficavam sempre em ansiedade, e suas ocupações domésticas eram perturbadas. Nesses momentos, elas estavam plena­mente equilibradas, firmes no êxtase transcendental conhecido como a angústia da afeição material, pois isso surgia em suas mentes.

Comentário

SIGNIFICADO—Todos esses passatempos de Kṛṣṇa, e o grande prazer que se apo­derava das mães, são transcendentais; nada que lhes diz respeito é material. Eles são descritos na Brahma-saṁhitā como ānanda-cinmaya­-rasa. No mundo espiritual, há ansiedade, há choro e há outros sen­timentos semelhantes àqueles do mundo material, mas, como a realidade desses sentimentos está no mundo transcendental, do qual este mundo é uma mera imitação, mãe Yaśodā e Rohiṇī desfrutavam-nos transcendentalmente.

Texto

kālenālpena rājarṣe
rāmaḥ kṛṣṇaś ca gokule
aghṛṣṭa-jānubhiḥ padbhir
vicakramatur añjasā

Sinônimos

kālena alpena — dentro de pouquíssimo tempo; rājarṣe — ó rei (Mahārāja Parīkṣit); rāmaḥ kṛṣṇaḥ ca — tanto Rāma quanto Kṛṣṇa; gokule — na vila de Gokula; aghṛṣṭa-jānubhiḥ — sem precisarem engatinhar com Seus joelhos; padbhiḥ — apenas com Suas pernas; vicakrama­tuḥ — começaram a caminhar; añjasā — muito facilmente.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, dentro de pouquíssimo tempo, Rāma e Kṛṣṇa co­meçaram a caminhar muito facilmente em Gokula sobre Suas pernas, com Sua própria força, sem a necessidade de engatinhar.

Comentário

SIGNIFICADO—Em vez de engatinharem com Seus joelhos, os bebês podiam agora ficar em pé, apoiar-Se em algo e, sem dificuldade, caminhar aos pouquinhos com a força de Suas pernas.

Texto

tatas tu bhagavān kṛṣṇo
vayasyair vraja-bālakaiḥ
saha-rāmo vraja-strīṇāṁ
cikrīḍe janayan mudam

Sinônimos

tataḥ — em seguida; tu — mas; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; kṛṣṇaḥ — Senhor Kṛṣṇa; vayasyaiḥ — com Seus companhei­ros de folguedo; vraja-bālakaiḥ — com outras criancinhas de Vraja; saha-rāmaḥ — juntamente com Balarāma; vraja-strīṇām — de todas as senhoras de Vraja; cikrīḍe — brincava com muita alegria; janayan — despertando; mudam — bem-aventurança transcendental.

Tradução

Em seguida, o Senhor Kṛṣṇa, juntamente com Balarāma, come­çou a brincar com os outros filhos dos vaqueiros, despertando assim a bem-aventurança transcendental das vaqueiras.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra saha-rāmaḥ, que significa “juntamente com Balarāma”, é significativa. Nesses passatempos transcendentais, Kṛṣṇa é o herói principal, e Balarāma participa com Sua ajuda.

Texto

kṛṣṇasya gopyo ruciraṁ
vīkṣya kaumāra-cāpalam
śṛṇvantyāḥ kila tan-mātur
iti hocuḥ samāgatāḥ

Sinônimos

kṛṣṇasya — de Kṛṣṇa; gopyaḥ — todas as gopīs; ruciram — muito atraente; vīkṣya — observando; kaumāra-cāpalam — a agitação dos passatempos infantis; śṛṇvantyāḥ — só para ouvi-los repetidamente; kila — na verdade; tat-mātuḥ — na presença de Sua mãe; iti — assim; ha — na verdade; ūcuḥ — disseram; samāgatāḥ — ali reunidas.

Tradução

Observando a atraentíssima inquietação infantil de Kṛṣṇa, todas as gopīs da vizinhança, para repetidamente ouvirem sobre as atividades de Kṛṣṇa, aproximavam-se de mãe Yaśodā e falavam-lhe como segue.

Comentário

SIGNIFICADO—As atividades de Kṛṣṇa são sempre muito atrativas para os devo­tos. Portanto, as vizinhas, que eram amigas de mãe Yaśodā, infor­mavam mãe Yaśodā de tudo o que viam Kṛṣṇa fazer na vizinhança. Mãe Yaśodā, simplesmente para ouvir acerca das atividades de seu filho, interrompia seus deveres domésticos e recebia a informação dada pelas moradoras vizinhas.

Texto

vatsān muñcan kvacid asamaye krośa-sañjāta-hāsaḥ
steyaṁ svādv atty atha dadhi-payaḥ kalpitaiḥ steya-yogaiḥ
markān bhokṣyan vibhajati sa cen nātti bhāṇḍaṁ bhinnatti
dravyālābhe sagṛha-kupito yāty upakrośya tokān

Sinônimos

vatsān — os bezerros; muñcan — soltando; kvacit — às vezes; asa­maye — de vez em quando; krośa-sañjāta-hāsaḥ — depois disso, quando o chefe da casa fica irado, Kṛṣṇa começa a sorrir; steyam — obtidos através do roubo; svādu — muito saborosos; atti — come; atha — assim; dadhi-payaḥ — potes de coalhada e leite; kalpitaiḥ — planejada; steya-­yogaiḥ — por algum processo de furto; markān — aos macacos; bhokṣyan — dando para comer; vibhajati — divide sua porção; saḥ — o macaco; cet — se; na — não; atti — come; bhāṇḍam — o pote; bhinnatti — Ele quebra; dravya-alābhe — quando os comestíveis não são disponíveis ou Ele não consegue encontrar esses potes; sa-gṛha-kupitaḥ — fica com raiva dos moradores da casa; yāti — Ele vai embora; upakro­śya — irritando e beliscando; tokān — as criancinhas.

Tradução

“Nossa querida amiga Yaśodā, teu filho às vezes vem a nossas casas antes da ordenha das vacas e solta os bezerros, e quando o dono da casa fica irado, teu filho simplesmente sorri. Certas vezes, Ele planeja algum processo para roubar coalhada saborosa, manteiga e leite, os quais Ele então come e bebe. Quando os macacos se reúnem, Ele divide isso com eles, e quando os macacos enchem tanto suas barrigas que não conseguem comer mais, Ele quebra os potes. Às vezes, se Ele não tem a oportunidade de roubar manteiga ou leite em uma casa, Ele fica com raiva dos chefes de família e, por vin­gança, agita as criancinhas beliscando-as. Então, quando as crianças começam a chorar, Kṛṣṇa vai embora.”

Comentário

SIGNIFICADO—A narração das travessuras infantis de Kṛṣṇa costumava ser apre­sentada a mãe Yaśodā sob a forma de reclamações. Às vezes, Kṛṣṇa entrava na casa de um vizinho e, se não encontrava ninguém por ali, Ele soltava os bezerros antes da hora de as vacas serem ordenha­das. Na verdade, os bezerros normalmente seriam soltos depois que suas mães fossem ordenhadas, mas Kṛṣṇa os soltava antes e, por isso, os bezerros bebiam todo o leite de suas mães. Ao verem isso, os va­queiros passavam a perseguir Kṛṣṇa e tentavam agarrá-lO dizendo: “Aqui está Kṛṣṇa fazendo Suas travessuras”, mas Ele fugia e entrava em outra casa, onde voltava a planejar algum meio de roubar manteiga e coalhada. Então, os vaqueiros novamente tentavam capturá-lO, dizendo: “Eis o ladrão de manteiga. É melhor pegá-lO!” E eles fica­vam irados. Mas Kṛṣṇa simplesmente sorria, e eles se esqueciam de tudo. Outras vezes, na presença deles, Kṛṣṇa passava a comer a coalhada e a manteiga. Não havia necessidade de Kṛṣṇa comer manteiga, uma vez que Seu estômago estava sempre cheio, mas Ele tentava comê-la, ou então quebrava os potes e distribuía o conteúdo para os macacos. Dessa maneira, Kṛṣṇa sempre estava ocupado em fazer travessuras. Se, em alguma casa, Ele não podia encontrar manteiga ou coalhada para roubar, Ele entrava em um quarto e agitava as criancinhas que aí dormiam, beliscando-as, e quando elas choravam, Ele ia embora.

Texto

hastāgrāhye racayati vidhiṁ pīṭhakolūkhalādyaiś
chidraṁ hy antar-nihita-vayunaḥ śikya-bhāṇḍeṣu tad-vit
dhvāntāgāre dhṛta-maṇi-gaṇaṁ svāṅgam artha-pradīpaṁ
kāle gopyo yarhi gṛha-kṛtyeṣu suvyagra-cittāḥ

Sinônimos

hasta-agrāhye — quando o destino está fora do alcance das Suas mãos; racayati — Ele toma as providências necessárias; vidhim — um meio; pīṭha­ka — com tábuas de madeira empilhadas; ulūkhala-ādyaiḥ — e viran­do de cabeça para baixo o pilão de pedra para moer especiarias; chidram — um buraco; hi — na verdade; antaḥ-nihita — sobre os conteúdos do pote; vayunaḥ — com esse conhecimento; śikya — dependurados em um balanço; bhāṇḍeṣu — nos potes; tat-vit — hábil nesse conhecimento, ou em conhecimento pleno; dhvānta-āgāre — em um quarto muito escuro; dhṛta-maṇi-gaṇam — por estar decorado com joias preciosas; sva-aṅgam — Seu próprio corpo; artha-pradīpam — é a luz necessária para ver na escuridão; kāle — depois disso, no decor­rer do tempo; gopyaḥ — as gopīs mais velhas; yarhi — logo que; gṛha­-kṛtyeṣu — no desempenho de afazeres domésticos; su-vyagra-cittāḥ — estão ocupadas.

Tradução

“Quando o leite e a coalhada são mantidos em um balanço pendurado bem alto no teto e Kṛṣṇa e Balarāma não podem alcançá-lo, Eles fazem o que for necessário para alcançá-lo empilhando várias tábuas e virando de ponta cabeça o pilão de moer especiarias. Conhecendo muito bem o conteúdo do pote, Eles abrem buracos nele. Enquan­to isso, as gopīs mais velhas estão entregues a seus afazeres domésticos. Kṛṣṇa e Balarāma às vezes entram em um quarto escuro, iluminando o lugar com as valiosas joias e adornos que ficam sobre Seus corpos e aproveitando-Se dessa luz para roubar.”

Comentário

SIGNIFICADO—Outrora, em todas as casas, guardavam-se iogurte e manteiga para serem usados quando surgisse alguma emergência. Todavia, Kṛṣṇa e Balarāma costumavam empilhar tábuas para que pudessem alcançar os potes e, então, faziam buracos nos potes com Suas mãos para que o conteúdo escorresse e Eles pudessem bebê-lo. Esse era outro meio de roubar manteiga e leite. Quando a manteiga e o leite eram man­tidos em um quarto escuro, Kṛṣṇa e Balarāma iam até lá e ilumina­vam o lugar com as joias preciosas que usavam sobre Seus corpos. Em geral, Kṛṣṇa e Balarāma utilizavam várias maneiras para roubar manteiga e leite das casas vizinhas.

Texto

evaṁ dhārṣṭyāny uśati kurute mehanādīni vāstau
steyopāyair viracita-kṛtiḥ supratīko yathāste
itthaṁ strībhiḥ sa-bhaya-nayana-śrī-mukhālokinībhir
vyākhyātārthā prahasita-mukhī na hy upālabdhum aicchat

Sinônimos

evam — dessa maneira; dhārṣṭyāni — atividades travessas; uśati — em um lugar limpo e asseado; kurute — às vezes faz; mehana-ādīni — defecando e urinando; vāstau — em nossas casas; steya-upāyaiḥ — e inventando diferentes recursos para roubar manteiga e leite; viracita­-kṛtiḥ — é muito hábil; su-pratīkaḥ — agora está sentado aqui como uma ótima criança bem-comportada; yathā āste — enquanto perma­nece aqui; ittham — todos esses tópicos de conversa; strībhiḥ — pelas gopīs; sa-bhaya-nayana — exatamente agora sentado ali com olhos amedrontados; śrī-mukha — esse belo rosto; ālokinībhiḥ — pelas gopīs, que sentem o prazer de ver; vyākhyāta-arthā — e enquanto se queixa­vam dEle para mãe Yaśodā; prahasita-mukhī — elas sorriam e desfruta­vam; na — não; hi — na verdade; upālabdhum — castigar e ameaçar (em vez disso, ela se alegrava de ver como Kṛṣṇa estava sentado ali como um menino muito bom); aicchat — ela desejava.

Tradução

“Quando Kṛṣṇa é apanhado fazendo Suas travessuras, o dono da casa Lhe diz: ‘Oh! Você é um ladrão’, e aparentemente expressa ira contra Kṛṣṇa. Então, Kṛṣṇa responde: ‘Não sou ladrão. Você é que é ladrão!’ Às vezes, ficando com raiva, Kṛṣṇa urina e defeca em um lugar limpo e asseado de nossas casas. Agora, no entanto, nossa querida amiga Yaśodā, esse ladrão esperto está sentado diante de ti como um menino muito bom.” Às vezes, todas as gopīs olhavam para Kṛṣṇa sentado ali com Seus olhos tão apavorados que Sua mãe não O castigava, e quando viam o belo rosto de Kṛṣṇa, em vez de castigá-lO, elas simplesmente ficavam olhando para o Seu rosto e sentiam bem­-aventurança transcendental. Mãe Yaśodā meigamente sorria diante de toda essa brincadeira e perdia a vontade de castigar seu abençoado filho transcendental.

Comentário

SIGNIFICADO—A atividade que Kṛṣṇa realizava na vizinhança não era apenas roubar, mas às vezes Ele defecava e urinava em uma casa limpa e asseada. Quando apanhado pelo dono da casa, Kṛṣṇa o censurava dizendo: “És um ladrão.” Como se não Lhe bastasse ser um ladrão em Seus afazeres infantis, Kṛṣṇa agiu como um ladrão muito hábil quando era garoto, atraindo mocinhas e desfrutando com elas na dança da rāsa. Essa é a ocupação de Kṛṣṇa. Ele também é violen­to, como ao matar muitos demônios. Embora as pessoas mundanas gostem da não-violência e de outras dessas qualidades brilhantes, Deus, a Verdade Absoluta, sendo sempre o mesmo, é bom em quaisquer atividades, mesmo nas atividades consideradas imorais, como roubar, matar e praticar violência. Kṛṣṇa é sempre puro, e Ele sempre é a Suprema Verdade Absoluta. Kṛṣṇa pode fazer qualquer atividade que, na vida material, é tida como abominável, mas, mesmo assim, Ele continua sendo atraente. Logo, Seu nome é Kṛṣṇa, que significa “todo-atrativo”. Essa é a plataforma na qual se reciproca serviço e amor transcendentais. Devido aos traços do rosto de Kṛṣṇa, as mães sentiam-se tão atraídas que não tinham coragem de castigá-lO. Em vez de castigá-lO, elas sorriam e preferiam ouvir as atividades de Kṛṣṇa. Assim as gopīs permaneciam satisfeitas, e Kṛṣṇa desfrutava da felicidade delas. Portanto, outro nome de Kṛṣṇa é Gopī-jana-vallabha, visto que Ele arquitetava essas atividades para agradar as gopīs.

Texto

ekadā krīḍamānās te
rāmādyā gopa-dārakāḥ
kṛṣṇo mṛdaṁ bhakṣitavān
iti mātre nyavedayan

Sinônimos

ekadā — certa vez; krīḍamānāḥ — agora Kṛṣṇa, estando ainda mais crescido, brincava com outras crianças da mesma idade; te — eles; rāma-ādyāḥ — Balarāma e outros; gopa-dārakāḥ — outros meninos nascidos na mesma vizinhança dos vaqueiros; kṛṣṇaḥ mṛdam bhakṣitavān — ó mãe, Kṛṣṇa comeu terra (uma queixa foi apresentada); iti — assim; mātre — a mãe Yaśodā; nyavedayan — eles apresentaram.

Tradução

Certo dia, enquanto Kṛṣṇa brincava com Seus amiguinhos de fol­guedo, incluindo Balarāma e outros filhos dos gopas, todos os Seus amigos reuniram-se e apresentaram uma queixa a mãe Yaśo­dā. “Mãe”, disseram eles, “Kṛṣṇa comeu terra”.

Comentário

SIGNIFICADO—Eis outra das atividades transcendentais de Kṛṣṇa, inventada para satisfazer as gopīs. Primeiro, queixaram-se a mãe Yaśodā de que Kṛṣṇa estava roubando, mas mãe Yaśodā não O castigou. Agora, em uma tentativa de despertar a ira de Yaśodā para que ela castigasse Kṛṣṇa, apresentou-se outra reclamação: de que Kṛṣṇa comera terra.

Texto

sā gṛhītvā kare kṛṣṇam
upālabhya hitaiṣiṇī
yaśodā bhaya-sambhrānta-
prekṣaṇākṣam abhāṣata

Sinônimos

— mãe Yaśodā; gṛhītvā — pegando; kare — com as mãos (estando preocupada com o que Kṛṣṇa poderia ter comido); kṛṣṇam — Kṛṣṇa; upālabhya — queria castigá-lO; hita-eṣiṇī — porque se interessava pelo bem-estar de Kṛṣṇa, ela ficou muito agitada, pensando: “Por que Kṛṣṇa foi comer terra?”; yaśodā — mãe Yaśodā; bhaya-sambhrānta­-prekṣaṇa-akṣam — com medo, começou a olhar muito cuidadosamente o interior da boca de Kṛṣṇa para ver se Kṛṣṇa comera algo perigoso; abhāṣata — começou a dirigir-se a Kṛṣṇa.

Tradução

Ao ouvir os amiguinhos de Kṛṣṇa contarem isso, mãe Yaśodā, que sempre estava muito preocupada com o bem-estar de Kṛṣṇa, agarrou Kṛṣṇa com suas mãos para olhar o interior de Sua boca e castigá-lO. Com olhos temerosos, ela dirigiu ao seu filho as seguintes palavras.

Texto

kasmān mṛdam adāntātman
bhavān bhakṣitavān rahaḥ
vadanti tāvakā hy ete
kumārās te ’grajo ’py ayam

Sinônimos

kasmāt — por que; mṛdam — barro; adānta-ātman — seu menino inquieto; bhavān — Tu; bhakṣitavān — comeste; rahaḥ — em um lugar solitário; vadanti — estão apresentando esta queixa; tāvakāḥ — Teus amigos e companheiros; hi — na verdade; ete — todos eles; kumārāḥ — meninos; te — Teu; agrajaḥ — irmão mais velho; api — também (confirma); ayam — isto.

Tradução

Querido Kṛṣṇa, por que és tão inquieto que comeste barro em um lugar solitário? Essa reclamação contra Ti foi apresentada por todos os Teus companheiros, incluindo Teu irmão mais velho, Balarāma. O que está acontecendo?

Comentário

SIGNIFICADO—Mãe Yaśodā estava agitada com o comportamento inquieto de Kṛṣṇa. Sua casa estava cheia de doces. Por que, então, o menino in­quieto preferia comer barro em um lugar solitário? Kṛṣṇa respondeu: “Minha querida mãe, eles conspiraram entre si e apresentaram uma queixa contra Mim para que a senhora Me punisse. Meu irmão mais velho, Balarāma, aliou-Se a eles. Na verdade, não fiz nada disso. Aceita Minhas palavras como verdadeiras. Não fiques com raiva de Mim e não Me castigues.”

Texto

nāhaṁ bhakṣitavān amba
sarve mithyābhiśaṁsinaḥ
yadi satya-giras tarhi
samakṣaṁ paśya me mukham

Sinônimos

na — não; aham — Eu; bhakṣitavān — comi barro; amba — Minha querida mãe; sarve — todos eles; mithya-abhiśaṁsinaḥ — todos mentirosos, simplesmente reclamando de Mim para que possas casti­gar-Me; yadi — se é um fato; satya-giraḥ — que eles falaram a verdade; tarhi — então; samakṣam — diretamente; paśya — vê; me — Minha; mukham — boca.

Tradução

O Senhor Śrī Kṛṣṇa respondeu: Minha querida mãe, Eu jamais comi barro. Todos os Meus amigos que reclamam de Mim são mentirosos. Se pensas que estão falando a verdade, podes olhar diretamente dentro de Minha boca e examiná-la.

Comentário

SIGNIFICADO—Kṛṣṇa apresentava-Se como uma criança inocente para aumentar o êxtase transcendental da afeição materna. Como se descreve no śāstra, tāḍana-bhayān mithyoktir vātsalya-rasa-poṣikā. Isso signifi­ca que, certas vezes, uma criancinha fala mentiras. Por exemplo, ela pode ter roubado algo ou comido algo e, apesar disso, nega que o fez. Ordinariamente, vemos isso no mundo material, mas, em relação a Kṛṣṇa, é diferente; essas atividades destinam-se a despertar no de­voto o êxtase transcendental. Em Suas brincadeiras, a Suprema Personalidade de Deus, agindo como um mentiroso, acusava todos os outros devotos de serem mentirosos. Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (10.12.11), kṛta-puṇya-puñjāḥ: Depois de muitos e muitos nascimentos em que presta serviço devocional, o devoto pode alcançar essa posição extática. As pessoas que acumularam os resultados de uma vasta quantidade de atividades piedosas podem alcançar a fase na qual se associam com Kṛṣṇa e brincam com Ele, como simples companheiros. Ninguém deve considerar esse intercâmbio de serviço transcendental como acusações mentirosas. Ninguém jamais deve acusar esses devotos de serem meninos comuns que falam mentiras, pois, através de grandes austeridades (tapasā brahmacaryeṇa śamena ca damena ca), eles alcançaram essa fase na qual se associam com Kṛṣṇa.

Texto

yady evaṁ tarhi vyādehī-
ty uktaḥ sa bhagavān hariḥ
vyādattāvyāhataiśvaryaḥ
krīḍā-manuja-bālakaḥ

Sinônimos

yadi — caso; evam — é assim; tarhi — então; vyādehi — abre bem Tua boca (desejo ver); iti uktaḥ — recebendo essa ordem de mãe Yaśodā; saḥ — Ele; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; hariḥ — o Senhor Supremo; vyādatta — abriu Sua boca; avyāhata-aiśvaryaḥ — sem minimizar quaisquer potências da opulência absoluta (aiśvaryasya samagrasya); krīḍā — passatempos; manuja-bālakaḥ — exatamente como o filho de um ser humano.

Tradução

Mãe Yaśodā desafiou Kṛṣṇa: “Se não comeste terra, então abra bem Tua boca.” Ao receber esse desafio de Sua mãe, Kṛṣṇa, o filho de Nanda Mahārāja e Yaśodā, para manifestar passatempos como uma criança humana, abriu Sua boca. Embora a Suprema Persona­lidade de Deus, Kṛṣṇa, que é pleno de todas as opulências, não tivesse perturbado a afeição parental de Sua mãe com isso, Sua opulência manifestou-se automaticamente, pois a opulência de Kṛṣṇa jamais se perde em alguma etapa, senão que se manifesta no momento adequado.

Comentário

SIGNIFICADO—Sem perturbar o êxtase da afeição de Sua mãe, Kṛṣṇa abriu Sua boca e manifestou Suas próprias opulências naturais. Quando uma pessoa simplesmente gosta de śāka, espinafre, ela prefere comer isso, mesmo caso possa escolher entre mil e uma variedades de alimentos. Igualmente, embora Kṛṣṇa fosse pleno de opulências, agora, por ordem de mãe Yaśodā, Ele, tal qual uma criança humana, abriu bem Sua boca e não negligenciou o sentimento de afeição materna transcendental.

Texto

sā tatra dadṛśe viśvaṁ
jagat sthāsnu ca khaṁ diśaḥ
sādri-dvīpābdhi-bhūgolaṁ
sa-vāyv-agnīndu-tārakam
jyotiś-cakraṁ jalaṁ tejo
nabhasvān viyad eva ca
vaikārikāṇīndriyāṇi
mano mātrā guṇās trayaḥ
etad vicitraṁ saha-jīva-kāla-
svabhāva-karmāśaya-liṅga-bhedam
sūnos tanau vīkṣya vidāritāsye
vrajaṁ sahātmānam avāpa śaṅkām

Sinônimos

— mãe Yaśodā; tatra — dentro da boca bem aberta de Kṛṣṇa; dadṛśe — viu; viśvam — todo o universo; jagat — entidades móveis; sthāsnu — manutenção de entidades inertes; ca — e; kham — o céu; diśaḥ — as direções; sa-adri — com as montanhas; dvīpa — ilhas; abdhi — e oceanos; bhū-golam — a superfície da Terra; sa-vāyu — com o vento que sopra; agni — fogo; indu — a Lua; tārakam — estrelas; jyotiḥ-­cakram — os sistemas planetários; jalam — água; tejaḥ — luz; nabha­svān — espaço exterior; viyat — o céu; eva — também; ca — e; vaikā­rikāṇi — criação através da transformação do ahaṅkāra; indriyāṇi — os sentidos; manaḥ — mente; mātrāḥ — percepção sensorial; guṇāḥ trayaḥ — as três qualidades materiais (sattva, rajas e tamas); etat — tudo isso; vicitram — variedades; saha — juntamente com; jīva-kāla — ­a duração de vida de todas as entidades vivas; svabhāva — instinto natural; karma-āśaya — ação resultante e desejo de gozo mate­rial; liṅga-bhedam — variedades de corpos de acordo com o desejo; sūnoḥ tanau — no corpo de seu filho; vīkṣya — vendo; vidārita-āsye — dentro da boca bem aberta; vrajam — Vṛndāvana-dhama, a residência de Nanda Mahārāja; saha-ātmānam — juntamente com ela própria; avāpa — foi golpeada; śaṅkām — com todas as dúvidas e espanto.

Tradução

Quando Kṛṣṇa abriu Sua boca por ordem de mãe Yaśodā, ela viu dentro de Sua boca todas as entidades móveis e inertes, o espaço exterior e todas as direções, juntamente com as montanhas, as ilhas, os oceanos, a superfície da Terra, as correntes de vento, o fogo, a Lua e as estrelas. Ela viu os sistemas planetários, a água, a luz, o ar, o céu e a criação através da transformação do ahaṅkāra. Ela também viu os sentidos, a mente, a percepção sensorial e as três qualidades – bondade, paixão e ignorância. Ela viu o tempo desig­nado às entidades vivas, viu o instinto natural e as reações do karma, e viu os desejos e as diferentes variedades de corpos móveis e inertes. Vendo todos esses aspectos da manifestação cósmica, juntamente com ela própria e Vṛndāvana-dhāma, ela ficou receosa e temerosa da natureza de seu filho.

Comentário

SIGNIFICADO—Todas as manifestações cósmicas que existem nos elementos gros­seiros e sutis, bem como os meios capazes de agitá-las, os três guṇas, a entidade viva, a criação, a manutenção, a aniquilação e tudo o que ocorre na energia externa do Senhor – tudo isso vem da Supre­ma Personalidade de Deus, Govinda. Tudo está dentro do controle da Suprema Personalidade de Deus. Também se confirma isso na Bhagavad-gītā (9.10). Mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sa-carācaram: Na natureza material (prakṛti), tudo funciona sob Seu controle. Porque vêm de Govinda, todas essas manifestações podiam ser visíveis dentro da boca de Govinda. Não é de estranhar que mãe Yaśodā ficasse com medo devido à intensa afeição materna. Ela não podia acredi­tar que essas coisas pudessem aparecer dentro da boca de seu filho. No entanto, ela as viu, daí ter-se enchido de medo e espanto.

Texto

kiṁ svapna etad uta devamāyā
kiṁ vā madīyo bata buddhi-mohaḥ
atho amuṣyaiva mamārbhakasya
yaḥ kaścanautpattika ātma-yogaḥ

Sinônimos

kim — se; svapnaḥ — um sonho; etat — tudo isso; uta — ou de outro modo; deva-māyā — uma manifestação ilusória da energia externa; kim — ou ainda; madīyaḥ — minha própria; bata — na verdade; buddhi-mohaḥ — ilusão da inteligência; atho — de outro modo; amu­ṣya — desse; eva — na verdade; mama arbhakasya — de meu filho; yaḥ­ — o qual; kaścana — algum; autpattikaḥ — natural; ātma-yogaḥ — poder místico pessoal.

Tradução

[Mãe Yaśodā começou a argumentar consigo mesma:] Será isto um sonho, ou será uma criação ilusória da energia externa? Acaso isto se manifestou através de minha própria inteligência, ou se trata­ de algum poder místico do meu filho?

Comentário

SIGNIFICADO—Ao ver essa maravilhosa manifestação dentro da boca de seu filho, mãe Yaśodā começou a perguntar a si mesma se tudo aquilo não era um sonho. Então, considerou: “Não estou sonhando, porque meus olhos estão abertos. Na verdade, estou presenciando esses acon­tecimentos. Não estou dormindo, nem estou sonhando. Então, talvez isso seja uma ilusão criada por devamāyā. Mas isso também não é possível. Que interesse os semideuses teriam em mostrar-me isso? Sou uma mulher insignificante, sem qualquer ligação com os semideu­ses. Por que eles se dariam ao trabalho de colocar-me em devamāyā? Aqui também, isso não é possível.” Então, mãe Yaśodā considerou se a visão poderia dever-se à confusão: “Estou gozando de perfeita saúde; não estou doente. Por que deveria haver alguma confusão? Não é possível que meu cérebro tenha sofrido algum dano, pois, ao que parece, estou em plenas condições de utilizar o pensamento. Então, certamente esta visão se deve a algum poder místico do meu filho, como foi predito por Garga Muni.” Assim, ela chegou à conclusão de que a visão se devia exclusivamente às atividades de seu filho.

Texto

atho yathāvan na vitarka-gocaraṁ
ceto-manaḥ-karma-vacobhir añjasā
yad-āśrayaṁ yena yataḥ pratīyate
sudurvibhāvyaṁ praṇatāsmi tat-padam

Sinônimos

atho — portanto, ela decidiu render-se ao Senhor Supremo; yathā-­vat — tão perfeitamente como alguém pode perceber; na — não; vitarka­-gocaram — acima de todos os argumentos, razão e percepção sensorial; cetaḥ — pela consciência; manaḥ — pela mente; karma — pelas atividades; vacobhiḥ — ou pelas palavras; añjasā — juntando tudo isso, não podemos entendê-lo; yat-āśrayam — sob cujo controle; yena — por quem; yataḥ — de quem; pratīyate — pode-se conceber somente que tudo emana dEle; su-durvibhāvyam — além de nossa percepção sensorial ou consciência; praṇatā asmi — que eu me renda; tat-padam — a Seus pés de lótus.

Tradução

Portanto. que eu me renda à Suprema Personalidade de Deus e ofereça minhas reverências a Ele, que está além da concepção da especulação humana, da mente, das atividades, palavras e argumen­tos; que é a causa da qual se origina esta manifestação cósmica; por quem todo o cosmo é mantido; e por quem podemos conceber a existência deste. Que eu simplesmente ofereça minhas reverências, pois ele está além de minha contemplação, especulação e medita­ção. Ele está além de todas as minhas atividades materiais.

Comentário

SIGNIFICADO—Deve-se apenas tentar compreender quão grande é a Suprema Personalidade de Deus. Ninguém deve esforçar-se por entendê-lO va­lendo-se de algum meio material, seja sutil, seja grosseiro. Mãe Yaśodā, sendo uma mulher simples, não podia descobrir a verdadeira causa da visão, de modo que, por afeição materna, tudo o que ela fez foi ofe­recer reverências ao Senhor Supremo para que Este protegesse seu filho. Então, só lhe restava oferecer reverências ao Senhor. Afirma-se: acintyāḥ khalu ye bhāvā na tāṁs tarkeṇa yojayet. (Mahābhārata, Bhīṣma-parva 5.22) Ninguém deve tentar entender a causa supre­ma através de argumento ou raciocínio. Quando somos assediados por algum problema para o qual não podemos encontrar razão algu­ma, só nos resta como alternativa render-nos ao Senhor Supremo e oferecer-Lhe nossas respeitosas reverências. Então, estaremos em uma posição segura. Esse foi o meio que mãe Yaśodā também adotou neste caso. Tudo o que acontece tem como causa original a Suprema Personalidade de Deus (sarva-kāraṇa-kāraṇam). Quando não se pode determinar a causa imediata, só nos resta oferecermos nossas reve­rências aos pés de lótus do Senhor. Mãe Yaśodā concluiu que as maravilhas que viu dentro da boca de seu filho deviam-se a Ele, embora não pudesse determinar claramente a causa. Assim, quando não pode determinar a causa do sofrimento, o devoto conclui:

tat te ’nukampāṁ susamīkṣamāṇo
bhuñjāna evātma-kṛtaṁ vipākam
hṛd-vāg-vapurbhir vidadhan namas te
jīveta yo mukti-pade sa dāya-bhāk

O devoto aceita que é devido aos seus próprios erros praticados no passado que a Suprema Personalidade de Deus faz com que ele passe por uma pequena quantidade de sofrimento. Assim, ele oferece re­petidas reverências ao Senhor. Tal devoto se chama mukti-pade sa dāya-bhāk, isto é, garante-se que ele se libertará deste mundo mate­rial. Como se afirma na Bhagavad-gītā (2.14):

mātrā-sparśās tu kaunteya
śītoṣṇa-sukha-duḥkha-dāḥ
āgamāpāyino nityās
tāṁs titikṣasva bhārata

Devemos saber que o sofrimento material devido ao corpo material é oscilante. Logo, devemos tolerar o sofrimento e continuar executando o dever que nos foi atribuído por nosso mestre espiritual.

Texto

ahaṁ mamāsau patir eṣa me suto
vrajeśvarasyākhila-vittapā satī
gopyaś ca gopāḥ saha-godhanāś ca me
yan-māyayetthaṁ kumatiḥ sa me gatiḥ

Sinônimos

aham — minha existência (“sou algo”); mama — meu; asau — Nanda Mahārāja; patiḥ — esposo; eṣaḥ — este (Kṛṣṇa); me sutaḥ — é meu filho; vraja-īśvarasya — do meu esposo, Nanda Mahārāja; akhila-vitta-pā — sou possuidora de ilimitada opulência e riqueza; satī — porque sou sua esposa; gopyaḥ ca — e todas as donzelas dos vaqueiros; gopāḥ — todos os vaqueiros (são meus subordinados); saha-godhanāḥ ca — com as vacas e bezerros; me — meus; yat-māyayā — todas essas coisas mencionadas por mim são, em última análise, dadas pela misericór­dia do Supremo; ittham — assim; kumatiḥ — estou pensando que são posses minhas; saḥ me gatiḥ — portanto, Ele é meu único refúgio (sou um simples instrumento).

Tradução

É pela influência de māyā, a energia do Senhor Supremo, que penso que Nanda Mahārāja é meu esposo, que Kṛṣṇa é meu filho, e que, porque sou a rainha de Nanda Mahārāja, toda a rique­za sob a forma de vacas e bezerros está em meu poder e todos os vaqueiros e suas esposas são meus súditos. Na verdade, também sou eternamente subordinada ao Senhor Supremo. Ele é meu refúgio derradeiro.

Comentário

SIGNIFICADO—Seguindo os passos de mãe Yaśodā, todos devem adotar esta men­talidade de renúncia. Toda riqueza, opulência ou o que quer que possuamos não pertencem a nós, senão que pertencem à Suprema Personalidade de Deus, que é o refúgio último de todos e definitivamente o proprietário de tudo. Como o próprio Senhor afirma na Bhagavad-gītā (5.29):

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

“Os sábios, conhecendo-Me como o objetivo último de todos os sa­crifícios e austeridades, o Senhor Supremo de todos os planetas e semideuses e o benfeitor e benquerente de todas as entidades vivas, obtém paz, aliviando-se das dores e sofrimentos materiais.”

Não devemos ter orgulho de nossas posses. Como mãe Yaśodā expressa aqui: “Não sou proprietária de nada; não sou a opulenta esposa de Nanda Mahārāja. A propriedade, as posses, as vacas e bezerros e os súditos, tais como as gopīs e os vaqueiros, foram todos dados a mim.” Todos devem deixar de pensar em termos de “minhas posses, meu filho e meu esposo” (janasya moho ’yam ahaṁ mameti). A não ser ao Senhor Supremo, nada pertence a ninguém. É somente devido à ilusão que pensamos: “Eu existo” ou “Tudo me perten­ce”. Assim, mãe Yaśodā rendeu-se por completo ao Senhor Supremo. Naquele momento, sentia-se muito desapontada, pensando: “Os esforços que empreendo para proteger meu filho através da caridade e de outras atividades auspiciosas são inúteis. O Senhor Supremo deu-me muitas coisas, mas, a menos que Ele Se encarregue de tudo, proteção alguma funcionará. Portanto, em última análise, devo buscar refúgio na Suprema Personalidade de Deus.” Como afirma Prahlāda Mahārāja, bālasya neha śaraṇaṁ pitarau nṛsiṁha: “Afinal de contas, o pai e a mãe não podem cuidar de seus filhos.” (Śrīmad-Bhāgavatam 7.9.19) Ato gṛha-kṣetra-sutāpta-vittair janasya moho ’yam ahaṁ mameti. (Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.8). Nossas terras, lares, riquezas e todas as nossas posses pertencem à Suprema Personalidade de Deus, embora pense­mos: “Sou isto” e “Estes objetos são meus”.

Texto

itthaṁ vidita-tattvāyāṁ
gopikāyāṁ sa īśvaraḥ
vaiṣṇavīṁ vyatanon māyāṁ
putra-snehamayīṁ vibhuḥ

Sinônimos

ittham — dessa maneira; vidita-tattvāyām — quando ela entendeu filosoficamente toda a verdade; gopikāyām — a mãe Yaśodā; saḥ — o Senhor Supremo; īśvaraḥ — o controlador supremo; vaiṣṇavīmviṣṇumāyā, ou yogamāyā; vyatanot — expandiu; māyāmyogamāyā; putra-sneha-mayīm — muito apegada devido à afeição materna pelo seu filho; vibhuḥ — o Senhor Supremo.

Tradução

Mãe Yaśodā, por graça do Senhor, pôde entender a verdade insofismável. Foi então, no entanto, que o mestre supremo, por influência da potência interna, yogamāyā, novamente a inspirou a absorver-se em intensa afeição maternal pelo seu filho.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora em dado momento mãe Yaśodā houvesse compreendido toda a filosofia da vida, logo em seguida ela ficou dominada pela afeição por seu filho, em razão da influência de yogamāyā. A menos que ela cuidasse de seu filho Kṛṣṇa, pensou ela, como Ele Se protegeria? Ela não podia pensar de outro modo, e assim se esqueceu de todas as suas especulações filosóficas. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descre­ve que esse esquecimento é inspirado pela influência de yogamāyā (mohana-sādharmyān māyām). Os materialistas deixam-se cativar por mahāmāyā, ao passo que os devotos, por arranjo da energia es­piritual, são cativados por yogamāyā.

Texto

sadyo naṣṭa-smṛtir gopī
sāropyāroham ātmajam
pravṛddha-sneha-kalila-
hṛdayāsīd yathā purā

Sinônimos

sadyaḥ — depois de todas essas especulações filosóficas, mãe Yaśo­dā rendeu-se plenamente à Suprema Personalidade de Deus; naṣṭa-­smṛtiḥ — tendo afastado da memória a visão da forma universal dentro da boca de Kṛṣṇa; gopī — mãe Yaśodā; — ela; āropya — sentando; āroham — no colo; ātmajam — seu filho; pravṛddha — aumentada; sneha — com afeição; kalila — sensibilizada; hṛdayā — o âmago de seu coração; āsīt — voltou a assumir; yathā purā — a mesma posição anterior.

Tradução

Imediatamente se esquecendo da ilusão de yogamāyā de que Kṛṣṇa mostrara a forma universal dentro de Sua boca, mãe Yaśodā colocou seu filho no colo como antes, sentindo que, em seu coração, crescia o amor por seu filho transcendental.

Comentário

SIGNIFICADO—Tal qual um sonho, mãe Yaśodā considerava a visão da forma universal dentro da boca de Kṛṣṇa como um arranjo de yogamāyā. Assim como alguém esquece todo o seu sonho, mãe Yaśodā imedia­tamente esqueceu todo o incidente. À medida que seu natural senti­mento de afeição aumentava, ela decidiu consigo mesma: “Agora, esqueçamos este incidente. Não me importo. Aqui está meu filho. Irei beijá-lo.”

Texto

trayyā copaniṣadbhiś ca
sāṅkhya-yogaiś ca sātvataiḥ
upagīyamāna-māhātmyaṁ
hariṁ sāmanyatātmajam

Sinônimos

trayyā — estudando os três Vedas (Sāma, Yajur e Atharva); ca — ­também; upaniṣadbhiḥ ca — e estudando o conhecimento védico contido nas Upaniṣads; sāṅkhya-yogaiḥ — lendo a literatura de sāṅkhya-­yoga; ca — e; sātvataiḥ — através dos grandes sábios e devotos, ou lendo o Vaiṣṇava-tantra, os Pañcarātras; upagīyamāna-māhātmyam — cujas glórias são adoradas (através de todos esses textos védicos); harim — a Suprema Personalidade de Deus; — ela; amanyata — con­siderou (comum); ātmajam — como seu próprio filho.

Tradução

As glórias da Suprema Personalidade de Deus são estudadas através dos três Vedas, das Upaniṣads, da literatura de sāṅkhya-yoga, e de outros textos vaiṣṇavas, mas mãe Yaśodā considerava essa Pessoa Suprema como seu filho comum.

Comentário

SIGNIFICADO—Como a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, afirma na Bhagavad-gītā (15.15), o propósito de alguém estudar os Vedas é enten­dê-lO (vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ). Śrī Caitanya Mahāprabhu explicou a Sanātana Gosvāmī que há três objetivos nos Vedas. Um é entendermos nossa relação com Kṛṣṇa (sambandha), outro é agirmos de acordo com essa relação (abhidheya), e o terceiro é alcançarmos a meta última (prayojana). A palavra prayojana significa “necessi­dades”, e a necessidade última é explicada por Śrī Caitanya Mahā­prabhu. Premā pum-artho mahān: A maior necessidade do ser humano é desenvolver amor pela Suprema Personalidade de Deus. Aqui, vemos que mãe Yaśodā executa a atividade mais elevada, pois está absorta em completo amor por Kṛṣṇa.

No começo, o propósito védico é buscado mediante três processos (trayī) – através de karma-kāṇḍa, jñāna-kāṇḍa e upāsanā-kāṇḍa. Quando alguém atinge completamente a perfeita fase de upāsanā-kāṇḍa, ele passa a adorar Nārāyaṇa, ou o Senhor Viṣṇu. Quando Pārvatī perguntou ao Senhor Mahādeva, o senhor Śiva, qual era o melhor método de upāsanā, ou adoração, o senhor Śiva respondeu: ārādhanānāṁ sarveṣāṁ viṣṇor ārādhanaṁ param. Viṣṇūpāsanā, ou viṣṇv-ārādhana, adoração ao Senhor Viṣṇu, é a fase máxima de per­feição, como experienciada por Devakī. Aqui, no entanto, mãe Yaśodā não realiza upāsanā, pois ela desenvolveu transcendental amor extá­tico por Kṛṣṇa. Logo, ela está situada em uma posição melhor do que a de Devakī. Para mostrar isso, Śrīla Vyāsadeva enuncia este verso: trayyā copaniṣadbhiḥ etc.

Ao ingressar nos estudos dos Vedas para obter vidyā, conhecimento, o ser humano começa a participar da civilização humana. Então, continuando seu avanço, ele passa a estudar as Upaniṣads e obtém brahma-jñāna, compreensão impessoal acerca da Verdade Absoluta; a partir daí, segue avançando, até sāṅkhya-yoga, para entender o controla­dor supremo, que é mencionado na Bhagavad-gītā (paraṁ brahma paraṁ dhāma pavitraṁ paramaṁ bhavān/ puruṣaṁ śāśvatam). Quando alguém entende que puruṣa, o controlador supremo, é Para­mātmā, ele está ocupado no método de yoga (dhyānāvasthita-tad-gatena manasā paśyanti yaṁ yoginaḥ). Mas mãe Yaśodā superou todas essas etapas. Ela chegou à plataforma na qual ama Kṛṣṇa como seu querido filho, daí ela ser aceita como estando na fase má­xima de compreensão espiritual. A Verdade Absoluta é compreendida em três aspectos (brahmeti paramātmeti bhagavān iti śabdyate), mas tamanho é seu êxtase que ela não se importa em entender o que é Brahman, o que é Paramātmā ou o que é Bhagavān. Bhaga­vān desceu pessoalmente para tornar-Se seu amado filho. Portanto, nada pode comparar-se à boa fortuna de mãe Yaśodā, como declara Śrī Caitanya Mahāprabhu (ramyā kācid upāsanā vrajavadhū-vargeṇa yā kalpitā). A Verdade Absoluta, a Suprema Personalidade de Deus, pode ser compreendida em diferentes etapas. Como o Senhor diz na Bhagavad-gītā (4.11):

ye yathā māṁ prapadyante
tāṁs tathaiva bhajāmy aham
mama vartmānuvartante
manuṣyāḥ pārtha sarvaśaḥ

“A todos os que se rendem a Mim, Eu recompenso proporcionalmente. Todos seguem o Meu caminho sob todos os aspectos, ó filho de Pṛthā.” Talvez alguém seja karmī, jñānī, yogī e, então, bhakta ou prema-bhakta. Mas a última etapa de compreensão é prema-bhakti, como de fato foi demonstrado por mãe Yaśodā.

Texto

śrī-rājovāca
nandaḥ kim akarod brahman
śreya evaṁ mahodayam
yaśodā ca mahā-bhāgā
papau yasyāḥ stanaṁ hariḥ

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — Mahārāja Parīkṣit continuou perguntando (a Śuka­deva Gosvāmī); nandaḥ — Mahārāja Nanda; kim — o que; akarot — realizou; brahman — ó brāhmaṇa erudito; śreyaḥ — atividades auspiciosas tais como a realização de penitências e austeridades; evam — como manifestas por ele; mahā-udayam — através das quais alcançaram a perfeição máxima; yaśodā — mãe Yaśodā; ca — também; mahā-­bhāgā — muito afortunada; papau — bebeu; yasyāḥ — de quem; sta­nam — o leite do seio; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Tendo ouvido sobre a grande fortuna de mãe Yaśodā, Parīkṣit Mahārāja perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Ó brāhmaṇa erudito, a Suprema Personalidade de Deus mamou o leite do seio de mãe Yaśodā. Que atividades auspiciosas ela e Nanda Mahārāja realizaram no passado a ponto de alcançarem essa perfeição em amor extático?

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma na Bhagavad-gītā (7.16), catur-vidhā bhajante māṁ janāḥ sukṛtino ’rjuna. Sem sukṛti, ou atividades piedosas, ninguém pode ficar ao abrigo da Suprema Personalidade de Deus. Quatro classes de homens piedosos (ārto jijñāsur arthārthī jñānī ca) aproximam-se do Senhor, mas aqui vemos que Nanda Mahārāja e Yaśodā suplantaram todos os quatro. Portanto, foi muito natural que Parīkṣit Mahārāja perguntasse: “Que espécie de atividades piedosas eles realizaram em suas vidas passadas, dando-lhes a oportunidade de alcançar essa fase de perfeição?” Evidentemente, Nanda Mahārāja e Yaśodā são aceitos como o pai e a mãe de Kṛṣṇa, mas mãe Yaśodā era mais afortunada do que Nanda Mahārāja, o pai de Kṛṣṇa, porque Nanda Mahārāja às vezes tinha de afastar-se de Kṛṣṇa, ao passo que Yaśodā, a mãe de Kṛṣṇa, não se separava de Kṛṣṇa em momento algum. Desde que Kṛṣṇa era bebê até Sua meninice, e de Sua meninice à juventude, mãe Yaśodā vivia na companhia de Kṛṣṇa. Mesmo quando estava crescido, Kṛṣṇa costumava ir a Vṛndāvana e sentar-Se no colo de mãe Yaśodā. Logo, nada podia comparar-se à fortuna de mãe Yaśodā, e foi bastante natural Parīkṣit Mahārāja interessar-se em saber por que yaśodā ca mahā-bhāgā.

Texto

pitarau nānvavindetāṁ
kṛṣṇodārārbhakehitam
gāyanty adyāpi kavayo
yal loka-śamalāpaham

Sinônimos

pitarau — os verdadeiros pai e mãe de Kṛṣṇa; na — não; anvavinde­tām — desfrutaram de; kṛṣṇa — de Kṛṣṇa; udāra — sublimes; arbhaka­īhitam — os passatempos que Ele realizou na infância; gāyanti — glorificam; adya api — mesmo hoje em dia; kavayaḥ — grandiosos sábios e pessoas santas; yat — isto é; loka-śamala-apaham — ouvindo os quais se aniquila a contaminação de todo o mundo material.

Tradução

Embora Kṛṣṇa estivesse tão satisfeito com Vasudeva e Devakī que desceu como filho deles, eles não puderam desfrutar dos magníficos passatempos infantis de Kṛṣṇa, que são tão imponentes que basta alguém cantar sobre eles para que extermine a contaminação do mundo material. Nanda Mahārāja e Yaśodā, entretanto, desfru­taram plenamente desses passatempos, daí eles sempre estarem em uma situação melhor do que Vasudeva e Devakī.

Comentário

SIGNIFICADO—Kṛṣṇa realmente nasceu do ventre de Devakī, mas, logo após Seu nascimento, Ele foi transferido para a casa de mãe Yaśodā. Deva­kī nem mesmo teve a oportunidade de que Kṛṣṇa mamasse seu seio. Portanto, Parīkṣit Mahārāja estava atônito. Como mãe Yaśodā e Nanda Mahārāja tornaram-se tão afortunados a ponto de desfruta­rem completamente dos passatempos infantis de Kṛṣṇa, que ainda são glorificados por pessoas santas? Que atos eles realizaram no passado para se elevaram a essa posição magnífica?

Texto

śrī-śuka uvāca
droṇo vasūnāṁ pravaro
dharayā bhāryayā saha
kariṣyamāṇa ādeśān
brahmaṇas tam uvāca ha

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; droṇaḥ — chamado Droṇa; vasūnām — dos oito Vasus (uma classe de semideus); prava­raḥ — que era o melhor; dharayā — com Dharā; bhāryayā — sua espo­sa; saha — com; kariṣyamāṇaḥ — apenas para executar; ādeśān — as ordens; brahmaṇaḥ — do senhor Brahmā; tam — a ele; uvāca — disse; ha — no passado.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Para seguir as ordens do senhor Brahmā, Droṇa, o melhor dos Vasus, juntamente com sua esposa, Dharā, dirigiu ao senhor Brahmā as seguintes palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma na Brahma-saṁhitā (5.37):

ānanda-cinmaya-rasa-pratibhāvitābhis
tābhir ya eva nija-rūpatayā kalābhiḥ
goloka eva nivasaty akhilātma-bhūto
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Quando Kṛṣṇa faz Seu advento em qualquer lugar, vem acompanhado de Seus as­sociados pessoais. Esses associados não são seres vivos comuns. Os passatempos de Kṛṣṇa são eternos, e, ao descer, Ele vem com Seus associados. Logo, Nanda e mãe Yaśodā são os eternos pai e mãe de Kṛṣṇa. Isso significa que, sempre que Kṛṣṇa desce, Nanda e Yaśodā, bem como Vasudeva e Devakī, também descem como o pai e a mãe do Senhor. Suas personalidades são expansões do corpo pessoal de Kṛṣṇa; eles não são seres vivos comuns. Mahārāja Parīkṣit sabia disso, mas desejava ardentemente que Śukadeva Gosvāmī compartilhasse com ele a informação de se era possível que um ser humano comum chegasse a essa etapa através de sādhana-siddhi. Existem duas classes de perfeição – nitya-­siddhi e sādhana-siddhi. Nitya-siddha é aquele que é eternamente um associado de Kṛṣṇa, ou seja, uma expansão do corpo pessoal de Kṛṣṇa, ao passo que o sādhana-siddha é um ser humano comum que, executando atividades piedosas e seguindo os princípios regula­dores ensinados no serviço devocional, também chega àquela etapa. Logo, através de sua pergunta, Mahārāja Parīkṣit queria saber se um ser humano comum pode alcançar a posição de mãe Yaśodā e Nanda Mahārāja. Śukadeva Gosvāmī respondeu a essa pergunta da seguinte maneira.

Texto

jātayor nau mahādeve
bhuvi viśveśvare harau
bhaktiḥ syāt paramā loke
yayāñjo durgatiṁ taret

Sinônimos

jātayoḥ — depois que nós dois tivermos nascido; nau — esposo e esposa, Droṇa e Dharā; mahādeve — na Pessoa Suprema, a Suprema Personalidade de Deus; bhuvi — na Terra; viśva-īśvare — no mestre de todos os sistemas planetários; harau — no Senhor Supremo; bhaktiḥ — serviço devocional; syāt — se espalhará; paramā — a meta última da vida; loke — no mundo; yayā — pelo qual; añjaḥ — muito facilmente; durgatim — vida dolorosa; taret — alguém possa evitar e liberte-se.

Tradução

Droṇa e Dharā disseram: Por favor, permite-nos nascer no plane­ta Terra para que, após nosso aparecimento, o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, o controlador supremo e mestre de todos os planetas, também apareça e espalhe o serviço devocional, a meta última da vida, e então aqueles que nasceram neste mundo material possam libertar-se muito facilmente da penosa condição da vida material, aceitando esse serviço devocional.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta afirmação de Droṇa deixa bem claro que Droṇa e Dharā são os eternos pai e mãe de Kṛṣṇa. Sempre que é necessário Kṛṣṇa apa­recer, Droṇa e Dharā vêm primeiro, após o que Kṛṣṇa aparece. Na Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa diz que Seu nascimento não é comum (janma karma ca me divyam).

ajo ’pi sann avyayātmā
bhūtānām īśvaro ’pi san
prakṛtiṁ svām adhiṣṭhāya
sambhavāmy ātma-māyayā

“Embora Eu seja não nascido e Meu corpo transcendental jamais se deteriore, e embora Eu seja o Senhor de todos os seres sencientes, mesmo assim, em cada milênio, Eu apareço em Minha forma transcendental original.” (Bhagavad-gītā 4.6) Antes de Kṛṣṇa aparecer, Droṇa e Dharā vêm para tornarem-se Seu pai e Sua mãe. São eles que apare­cem como Nanda Mahārāja e sua esposa, Yaśodā. Em outras palavras, não é possível que um ser vivo sādhana-siddha torne-se o pai ou a mãe de Kṛṣṇa, pois o pai e a mãe de Kṛṣṇa já estão designa­dos. Porém, seguindo os princípios apresentados por Nanda Mahārāja e Yaśodā e seus associados, os habitantes de Vṛndāvana, os seres vivos comuns podem alcançar a mesma afeição que Nanda e Yaśodā sentiam.

Quando foram solicitados a gerarem filhos, Droṇa e Dharā opta­ram por vir a este mundo para terem como seu filho Kṛṣṇa, a Su­prema Personalidade de Deus. O aparecimento de Kṛṣṇa significa paritrāṇāya sādhūnāṁ vināśāya ca duṣkṛtām – os devotos são pro­tegidos, e os canalhas são aniquilados. Sempre que vem, Kṛṣṇa dis­tribui a meta máxima da vida, o serviço devocional. Como Caitanya Mahāprabhu, Ele aparece com o mesmo propósito porque quem não se estabelece em serviço devocional não pode libertar-se dos sofrimentos existentes no mundo material (duḥkhālayam aśāśvatam), onde os seres vivos lutam pela existência. Na Bhagavad-gītā (15.7), o Senhor diz:

mamaivāṁśo jīva-loke
jīva-bhūtaḥ sanātanaḥ
manaḥ ṣaṣṭhānīndriyāṇi
prakṛti-sthāni karṣati

“As entidades vivas neste mundo condicionado são Minhas eternas partes fragmentárias. Por força da vida condicionada, elas empreendem árdua luta com os seis sentidos, entre os quais se inclui a mente.” As entidades vivas estão lutando para se tornarem felizes, mas, enquanto não adotarem o culto de bhakti, sua felicidade não será possível. Kṛṣṇa diz claramente:

aśraddadhānāḥ puruṣā
dharmasyāsya parantapa
aprāpya māṁ nivartante
mṛtyu-saṁsāra-vartmani

“Aqueles que não são fiéis neste serviço devocional não podem Me alcançar, ó subjugador dos inimigos. Por isso, eles voltam a trilhar o caminho de nascimentos e mortes neste mundo material.” (Bhagavad-gītā 9.3)

Os tolos não sabem quão arriscada é a vida daqueles que não seguem as instruções de Kṛṣṇa. O movimento da consciência de Kṛṣṇa, portanto, foi introduzido para que, praticando a consciência de Kṛṣṇa, a pessoa possa evitar a arriscada vida nesta existência material. Não se trata de aceitar ou não aceitar a consciência de Kṛṣṇa. Isso não é opcional; é compulsório. Se não adotarmos a cons­ciência de Kṛṣṇa, arriscaremos muito nossas vidas. Tudo é explica­do na Bhagavad-gītā. Por conseguinte, para alguém aprender como livrar-se da dolorosa condição da existência material, deve primei­ro estudar o Bhagavad-gītā Como Ele É. Então, após entender essa obra, ele pode proceder rumo ao Śrīmad-Bhāgavatam e, se continuar avançando, pode estudar o Caitanya-caritāmṛta. Por­tanto, estamos apresentando esses livros inestimáveis a todos, para que as pessoas possam estudá-los e serem felizes, conseguindo livrar-se da penosa vida condicionada.

Texto

astv ity uktaḥ sa bhagavān
vraje droṇo mahā-yaśāḥ
jajñe nanda iti khyāto
yaśodā sā dharābhavat

Sinônimos

astu — quando Brahmā concordou: “Sim, está bem”; iti uktaḥ — sendo assim ordenado por ele; saḥ — ele (Droṇa); bhagavān — eternamente o pai de Kṛṣṇa (o pai de Bhagavān também é Bhagavān); vraje — em Vrajabhūmi, Vṛndāvana; droṇaḥ — Droṇa, o poderosíssimo Vasu; mahā-yaśāḥ — o famosíssimo transcendentalista; jajñe — apare­ceu; nandaḥ — como Nanda Mahārāja; iti — assim; khyātaḥ — é cele­bre; yaśodā — como mãe Yaśodā; — ela; dharā — a mesma Dharā; abhavat — apareceu.

Tradução

Quando Brahmā disse: “Sim, que assim o seja”, o afortunadíssimo Droṇa, que era igual a Bhagavān, apareceu em Vrajapura, Vṛndāvana, como o famosíssimo Nanda Mahārāja, e sua esposa, Dharā, apare­ceu como mãe Yaśodā.

Comentário

SIGNIFICADO—Porque sempre que aparece nesta Terra, Kṛṣṇa age como se pre­cisasse de um pai e de uma mãe, Droṇa e Dharā, Seu pai e Sua mãe eternos, apareceram na Terra antes de Kṛṣṇa como Nanda Mahārāja e Yaśodā. Em contraste com Sutapā e Pṛśni, eles não se submeteram a rigorosas penitências e austeridades para conseguirem tornar­-se o pai e a mãe de Kṛṣṇa. Essa é a diferença entre o nitya-siddha e o sādhana-siddha.

Texto

tato bhaktir bhagavati
putrī-bhūte janārdane
dampatyor nitarām āsīd
gopa-gopīṣu bhārata

Sinônimos

tataḥ — em seguida; bhaktiḥ bhagavati — o culto de bhaktī, o servi­ço devocional à Suprema Personalidade de Deus; putrī-bhūte — no Senhor, que aparecera como filho de mãe Yaśodā; janārdane — no Senhor Kṛṣṇa; dam-patyoḥ — do esposo e da esposa; nitarām — conti­nuamente; āsīt — havia; gopa-gopīṣu — todos os habitantes de Vṛndāvana, os gopas e as gopīs, associando-se com Nanda Mahārāja e Yaśodā e seguindo-lhes os passos; bhārata — ó Mahārāja Parīkṣit.

Tradução

Em seguida, ó Mahārāja Parīkṣit, melhor dos Bhāratas, quando a Suprema Personalidade de Deus tornou-Se filho de Nanda Mahārāja e Yaśodā, eles sentiam contínuo e inabalável amor devocional em afeição parental. E, na companhia deles, todos os outros habitantes de Vṛndāvana, os gopas e as gopīs, desenvolveram a cultura de kṛṣṇa-bhakti.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora quando a Suprema Personalidade de Deus roubava a manteiga, coalhada e leite dos gopas e gopīs vizinhos esta imper­tinência parecesse perturbadora, era, na verdade, uma troca amorosa no êxtase do serviço devocional. Quanto mais os gopas e as gopīs se relacionavam com o Senhor, mais seu serviço devocional aumentava. Às vezes, em uma percepção superficial, talvez enxerguemos um devoto como alguém em dificuldade por estar ocupado no serviço devocio­nal, mas o fato é bem diferente. Quando um devoto sofre por amor a Kṛṣṇa, esse sofrimento é um prazer transcendental. Para quem não é devoto, isso não pode ser entendido. Quando Kṛṣṇa manifestou Seus passatempos infantis, não apenas Nanda Mahārāja e Yaśodā intensificaram sua afeição devocional, senão que aqueles que viviam na companhia deles também aumentaram seu serviço devocional. Em outras palavras, as pessoas que seguem as atividades que são exe­cutadas em Vṛndāvana também desenvolverão o serviço devocional na máxima perfeição.

Texto

kṛṣṇo brahmaṇa ādeśaṁ
satyaṁ kartuṁ vraje vibhuḥ
saha-rāmo vasaṁś cakre
teṣāṁ prītiṁ sva-līlayā

Sinônimos

kṛṣṇaḥ — a Personalidade Suprema, Kṛṣṇa; brahmaṇaḥ — do senhor Brahmā; ādeśam — a ordem; satyam — veraz; kartum — para fazer; vraje — em Vrajabhūmi, Vṛndāvana; vibhuḥ — o poderoso supremo; saha-rāmaḥ — juntamente com Balarāma; vasan — residindo; cakre — aumentava; teṣām — de todos os habitantes de Vṛndāvana; prītim — o prazer; sva-līlayā — com Seus passatempos transcendentais.

Tradução

Assim, a Personalidade Suprema, Kṛṣṇa, juntamente com Balarāma, viveu em Vrajabhūmi, Vṛndāvana, apenas para corroborar as bênçãos de Brahmā. Manifestando diferentes passatempos em Sua infância, Ele aumentava o prazer transcendental de Nanda e dos outros habitantes de Vṛndāvana.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do décimo canto, oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado O Senhor Kṛṣṇa Mostra a Forma Universal Dentro de Sua Boca.