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CAPÍTULO SETE

O Extermínio do Demônio Tṛṇāvarta

Neste capítulo, descrevem-se especialmente os passatempos nos quais Śrī Kṛṣṇa quebra o carro (śakaṭa-bhañjana), mata o asura co­nhecido como Tṛṇāvarta, e mostra todo o universo dentro de Sua boca.

Ao perceber que Mahārāja Parīkṣit ansiava intensamente por ouvir os passatempos infantis do Senhor Kṛṣṇa, Śukadeva Gosvāmī ficou muito satisfeito e continuou a falar. Quando Śrī Kṛṣṇa tinha apenas três meses e esforçava-Se por virar de barriga para cima, mesmo antes de tentar engatinhar, mãe Yaśodā quis realizar uma cerimônia ritualística com suas amigas, para que a criança fosse favorecida com boa fortuna. Tal cerimônia ritualística é geralmente realizada com a participação de senhoras que também têm filhos pequenos. Quando mãe Yaśodā viu que Kṛṣṇa estava pegando no sono, como estava realizando outras tarefas, ela pôs a criança sob um carro do­méstico, chamado śakaṭa, e, enquanto a criança dormia, ela ocupou-­se em outras atividades, relacionadas com a auspiciosa cerimônia ritualística. Sob o carro, havia um berço, no qual mãe Yaśodā colocou a criança. A criança estava dormindo, mas subitamente despertou e, como é natural a uma criança, começou a espernear com Suas perninhas. Esses esperneios fizeram o carro balançar, e ele tombou com um grande estrondo, quebrando-se completamente e derrubando todo o seu conteúdo. As crianças que brincavam nas proximidades ime­diatamente informaram a mãe Yaśodā que o carro havia se quebra­do, em razão do que, com muita ansiedade, estando acompanhada de outras gopīs, ela chegou bem depressa ao local do acidente. Mãe Yaśodā imediatamente pegou a criança em seu colo e deu-Lhe o seio para mamar. Então, várias classes de cerimônias ritualísticas védicas foram realizadas com a ajuda dos brāhmaṇas. Desconhecendo a verdadeira identidade da criança, os brāhmaṇas derramaram-Lhe bênçãos.

Dias depois, quando estava sentada com seu filho no colo, mãe Yaśodā subitamente observou que Ele assumira o peso de todo o universo. Ela ficou tão atônita que teve de colocar a criança no chão, e, nesse ínterim, Tṛṇāvarta, um dos servos de Kaṁsa, apareceu ali sob a forma de um furacão e carregou a criança. Posto que toda a extensão de terra conhecida como Gokula ficou bem empoei­rada, ninguém podia ver para onde a criança fora levada; todas as gopīs ficaram abatidas porque a criança fora arrastada na tempestade de areia. Nas alturas celestiais, contudo, o asura, sentindo o forte peso exercido pela criança, não pôde ir muito longe com Ela, embora também não pudesse desvencilhar-se dEla porque Ela o agarrara com tanta força que lhe era difícil afastá-lA de seu corpo. Assim, o próprio Tṛṇāvarta caiu de uma grande altura, com a criança agarrando-o fortemente no ombro, e ele teve uma morte instantânea. Depois que o demônio caiu, as gopīs pegaram a criança e levaram-nA para o colo de mãe Yaśodā. Mãe Yaśodā ficou maravilhada, mas, devido à influência de yogamāyā, ninguém podia entender quem era Kṛṣṇa e o que de fato acontecera. Em vez disso, todos começaram a admi­rar-se da sorte de a criança ter sido salva daquela calamidade. Nanda Mahārāja, evidentemente, pensava na maravilhosa previsão de Vasu­deva e começou a louvá-lo como um grande yogī. Mais tarde, quando estava no colo de mãe Yaśodā, a criança bocejou, e mãe Yaśodā pôde ver dentro de Sua boca toda a manifestação universal.

Texto

śrī-rājovāca
yena yenāvatāreṇa
bhagavān harir īśvaraḥ
karoti karṇa-ramyāṇi
mano-jñāni ca naḥ prabho
yac-chṛṇvato ’paity aratir vitṛṣṇā
sattvaṁ ca śuddhyaty acireṇa puṁsaḥ
bhaktir harau tat-puruṣe ca sakhyaṁ
tad eva hāraṁ vada manyase cet

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei perguntou (a Śukadeva Gosvāmī); yena yena avatāreṇa — os passatempos executados pelas diferentes variedades de encarnações; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; hariḥ — o Senhor; īśvaraḥ — o controlador; karoti — apresenta; karṇa-ramyāṇi — eram todos muito agradáveis de se ouvir; manaḥ-jñāni — muito atrativos para a mente; ca — também; naḥ — nossa; prabho — meu senhor, Śukadeva Gosvāmī; yat-śṛṇvataḥ — de qualquer pessoa que simplesmente ouça essas narrações; apaiti — extingue-se; aratiḥ — tédio; vitṛṣṇā — sujeiras dentro da mente que nos fazem perder o in­teresse pela consciência de Kṛṣṇa; sattvam ca — a posição existencial no âmago do coração; śuddhyati — purifica-se; acireṇa — bem depres­sa; puṁsaḥ — de qualquer pessoa; bhaktiḥ harau — apego devocio­nal e serviço ao Senhor; tat-puruṣe — com os vaiṣṇavas; ca — também; sakhyam — atração pela associação; tat eva — apenas isso; hāram — as atividades do Senhor, que devem ser ouvidas e mantidas no pescoço como uma guirlanda; vada — por favor, fala; manyase — julgas conveniente; cet — se.

Tradução

O rei Parīkṣit disse: Meu senhor, Śukadeva Gosvāmī, todas as várias atividades executadas pelas encarnações da Suprema Persona­lidade de Deus decerto são agradáveis ao ouvido e à mente. Pelo simples fato de ouvir essas atividades serem narradas, a pessoa elimina de sua mente todas as impurezas. De um modo geral, reluta­mos em ouvir as atividades do Senhor, mas as atividades infantis de Kṛṣṇa são tão atrativas que agradam a mente e os ouvidos com muita naturalidade. Assim, a pessoa perde todo o interesse por ouvir tópicos materiais, os quais são a causa da existência material, e ela aos poucos entrega-se ao serviço devocional ao Senhor Supremo, desenvolve apego a Ele e nutre amizade pelos devotos que nos retribuem com a consciência de Kṛṣṇa. Se achas conveniente, por favor, fala dessas atividades do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma no Prema-vivarta:

kṛṣṇa-bahirmukha haiyā bhoga-vāñchā kare
nikaṭa-stha māyā tāre jāpaṭiyā dhare

Nossa existência material é māyā, ou ilusão, na qual desejamos dife­rentes variedades de gozo material e, em razão disso, mudamos para diferen­tes variedades de corpos bhrāmayan sarva-bhūtāni yantrārūḍhāni māyayā). Asann api kleśada āsa dehaḥ: Enquanto tivermos estes corpos temporários, eles nos darão uma grande variedade de tribulações – ādhyātmika, ādhibhautika e ādhidaivika. Essa é a causa fundamental de todo o sofrimento, mas essa causa de sofrimento pode ser elimi­nada quando revivemos nossa consciência de Kṛṣṇa. Todos os textos védicos apresentados por Vyāsadeva e outros grandes sábios, portan­to, prestam-se a dar-nos a oportunidade de revivermos nossa consciência de Kṛṣṇa, que desponta com śravaṇa-kīrtanam: śṛṇvatāṁ sva-kathāḥ kṛṣṇaḥ (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.17). O Śrīmad-Bhāgavatam e outros textos védicos existem apenas para nos dar a oportunidade de ouvir sobre Kṛṣṇa. Kṛṣṇa tem diferentes avatāras ou encarnações, todos os quais são maravilhosos e despertam em todos sua sede de saber, mas, de um modo geral, avatāras tais como Matsya, Kūrma e Varāha, não exercem tanto fascínio quanto Kṛṣṇa. Entretanto, o ponto é que, antes de tudo, não temos atração por ouvir sobre Kṛṣṇa, e essa é a causa fundamental do nosso sofrimento.

Parīkṣit Mahārāja, porém, menciona especificamente que as mara­vilhosas atividades do bebê Kṛṣṇa, que enlevavam mãe Yaśodā e os outros habitantes de Vraja, são especialmente atrativas. Desde a mais tenra idade, Kṛṣṇa matou Pūtanā, Tṛṇāvarta e Śakaṭāsura e mostrou todo o universo dentro de Sua boca. Assim, os passatempos de Kṛṣṇa, um após outro, causaram grande espanto a mãe Yaśodā e a todos os habitantes de Vraja. O processo de reviver nossa consciên­cia de Kṛṣṇa é ādau śraddhā tataḥ sādhu-saṅgaḥ (Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.4.15). Os passatempos de Kṛṣṇa podem ser apropriadamente recebidos dos devotos. Se alguém desenvolveu um pouco de consciência de Kṛṣṇa, ouvindo os vaiṣṇavas narrarem as atividades de Kṛṣṇa, ele se torna apegado aos vaiṣṇavas que estão interessados apenas em consciência de Kṛṣṇa. Logo, Parīkṣit Mahārāja recomenda que se ouçam as atividades infantis de Kṛṣṇa, que são mais atrati­vas do que as atividades de outras encarnações, tais como Matsya, Kūrma e Varāha. Desejando continuar ouvindo Śukadeva Gosvāmī, Mahārāja Parīkṣit pediu-lhe que não parasse de descrever as atividades infantis de Kṛṣṇa, que são especialmente fáceis de se ouvir e indu­zem a que se façam mais e mais perguntas.

Texto

athānyad api kṛṣṇasya
tokācaritam adbhutam
mānuṣaṁ lokam āsādya
taj-jātim anurundhataḥ

Sinônimos

atha — também; anyat api — outros passatempos também; kṛṣṇa­sya — da criança Kṛṣṇa; toka-ācaritam adbhutam — eles também são maravilhosos passatempos infantis; mānuṣam — como se Ele brincas­se como uma criança humana; lokam āsādya — aparecendo neste pla­neta Terra, na sociedade humana; tat-jātim — exatamente como uma criança humana; anurundhataḥ — que estava imitando.

Tradução

Por favor, descreve outros passatempos de Kṛṣṇa, a Personalidade Suprema, que apareceu neste planeta Terra, imitando uma criança humana e realizando atividades maravilhosas, tais como matar Pūtanā.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Parīkṣit pediu que Śukadeva Gosvāmī narrasse outros passatempos infantis que Kṛṣṇa manifestara enquanto desempenhava o papel de uma criança humana. Em diferentes épocas, a Suprema Personalidade de Deus encarna em diferentes planetas e universos e, de acordo com a natureza desses lugares, Ele manifesta Sua potên­cia ilimitada. É extremamente maravilhoso para os habitantes deste planeta que uma criança sentada no colo de Sua mãe fosse capaz de matar a gigantesca Pūtanā, mas, em outros planetas, os habitan­tes são mais avançados, de modo que os passatempos que o Senhor realiza ali são ainda mais maravilhosos. O fato de Kṛṣṇa vir a este planeta e aparecer como um ser humano nos torna mais afortunados do que os semideuses nos planetas superiores. Em razão disso, Mahārāja Parīkṣit estava muito interessado em ouvir sobre Ele.

Texto

śrī-śuka uvāca
kadācid autthānika-kautukāplave
janmarkṣa-yoge samaveta-yoṣitām
vāditra-gīta-dvija-mantra-vācakaiś
cakāra sūnor abhiṣecanaṁ satī

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī continuou a falar (a pedido de Mahārāja Parīkṣit); kadācit — naquele momento (quando Kṛṣṇa tinha três meses de idade); autthānika-kautuka-āplave — quando tinha três ou quatro meses de idade e Seu corpo se desenvolvia, Kṛṣṇa tentou virar-Se, e essa agradável ocasião foi comemorada com um festival e uma cerimônia de ablução; janma-ṛkṣa-yoge — naquele mo­mento, havia também uma conjunção da Lua com a auspiciosa constelação Rohiṇī; samaveta-yoṣitām — (a cerimônia foi realizada) com a participação das mulheres reunidas, uma cerimônia de mães; vāditra-gīta — diferentes variedades de música e canto; dvija-mantra-vāca­kaiḥ — com o canto de hinos védicos por parte de brāhmaṇas qualificados; cakāra — executou; sūnoḥ — do seu filho; abhiṣecanam — a cerimônia de ablução; satī — mãe Yaśodā.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Quando o bebê de mãe Yaśodā inclinava Seu corpo, tentando levantar-Se e virar-Se, essa tentativa foi comemorada com uma cerimônia védica. Nessa cerimônia, chamada ut­thāna, que é realizada quando chega a hora de a criança sair de casa pela primeira vez, a criança recebe um banho adequado. Logo que Kṛṣṇa completou três meses de idade, mãe Yaśodā celebrou essa cerimônia com outras mulheres da vizinhança. Naquele dia, houve uma conjunção da Lua com a constelação Rohiṇī. À medida que os brāhmaṇas apresentaram-se, cantando hinos védicos, e músicos pro­fissionais também participaram, essa grande cerimônia era executada por mãe Yaśodā.

Comentário

SIGNIFICADO—Em uma sociedade védica, é incogitável a ideia de superpopulação ou de os filhos serem um fardo para seus pais. Tal sociedade é tão bem organizada e as pessoas são tão avançadas em consciência espiritual que o nascimento de um filho jamais é tido como uma carga ou um incômodo. Quanto mais a criança cresce, mais seus pais ficam felizes, e quando a criança tenta virar-se, isso também causa muita alegria. Mesmo antes de a criança nascer, quando a mãe está grávida, realizam-se muitas cerimônias ritualísticas recomendadas. Por exemplo, quando faz três e sete meses que a criança está no ventre, há uma cerimônia que a mãe realiza, comendo com crianças que moram na vizinhança. Essa cerimônia chama-se svāda-bhakṣaṇa. De modo semelhante, existe a cerimô­nia garbhādhāna antes do nascimento da criança. Na civilização védica, o nascimento de uma criança ou a gravidez jamais são considerados como um fardo, senão que são motivo de alegria. Em contraste, as pessoas da civilização mo­derna não gostam da gravidez ou do nascimento de uma criança, e, quando surge uma criança, elas às vezes matam-na. Podemos simples­mente considerar como a sociedade humana decaiu desde a chegada de Kali-yuga. Embora as pessoas ainda aleguem serem civilizadas, não há verdadeira civilização humana na atualidade, senão que o que temos é apenas um agrupamento de animais bípedes.

Texto

nandasya patnī kṛta-majjanādikaṁ
vipraiḥ kṛta-svastyayanaṁ supūjitaiḥ
annādya-vāsaḥ-srag-abhīṣṭa-dhenubhiḥ
sañjāta-nidrākṣam aśīśayac chanaiḥ

Sinônimos

nandasya — de Mahārāja Nanda; patnī — esposa (mãe Yaśodā); kṛta-majjana-ādikam — depois que ela e os outros membros da casa banharam-se e a criança também tinha sido banhada; vipraiḥ — pelos brāhmaṇas; kṛta-svastyayanam — ocupando-os em cantar auspiciosos hinos védicos; su-pūjitaiḥ — que foram todos recebidos e adorados com o devido respeito; anna-ādya — oferecendo-lhes em abundância grãos e outros comestíveis; vāsaḥ — roupas; srak-abhīṣṭa-dhenubhiḥ — oferecendo guirlandas de flores e vacas das mais cobiçadas; sañjāta­nidrā — ficaram com sono; akṣam — cujos olhos; aśīśayat — deitou a criança; śanaiḥ — por enquanto.

Tradução

Após concluída a cerimônia de ablução da criança, mãe Yaśodā recebeu os brāhmaṇas, adorando-os com o devido respeito e dando­-lhes uma farta quantidade de grãos alimentícios e outros comestíveis, roupa, vacas das mais ambicionadas e guirlandas. Os brāhmaṇas cantaram apropriadamente hinos védicos para observar a cerimônia auspiciosa, e, quando eles terminaram e mãe Yaśodā viu que a crian­ça estava com sono, ela se deitou na cama com a criança até que Ela adormeceu pacificamente.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma mãe afetuosa cuida muito bem de seu filho e sempre se inte­ressa em garantir que o filho não seja molestado por um momento sequer. Enquanto a criança quiser permanecer com a mãe, a mãe não se afasta da criança, e a criança sente-se muito confortável. Mãe Yaśodā viu que seu filho estava com sono, e, para que Ele dispusesse de todas as condições favoráveis para dormir, ela se deitou com a crian­ça, e, quando Ele Se acalmou, ela se levantou para executar seus outros afazeres domésticos.

Texto

autthānikautsukya-manā manasvinī
samāgatān pūjayatī vrajaukasaḥ
naivāśṛṇod vai ruditaṁ sutasya sā
rudan stanārthī caraṇāv udakṣipat

Sinônimos

autthānika-autsukya-manā — mãe Yaśodā estava muito ocupada em celebrar a cerimônia utthāna em prol de seu filho; manasvinī — muito liberal em distribuir alimento, roupas, adornos e vacas, de acordo com a necessidade; somāgatān — para os visitantes reunidos; pūjayatī — só para satisfazê-los; vraja-okasaḥ — aos habitantes de Vraja; na — não; eva — decerto; aśṛṇot — ouviu; vai — em verdade; ru­ditam — o choro; sutasya — de seu filho; — mãe Yaśodā; rudan — chorando; stana-arthī — Kṛṣṇa, que ansiava por tomar o leite de Sua mãe, mamando seu seio; caraṇau udakṣipat — devido à ira, agitava Suas pernas de um lado para outro.

Tradução

A magnânima mãe Yaśodā, absorta em celebrar a cerimônia ut­thāna, estava atarefada, recebendo os visitantes, adorando-os com todo o respeito e oferecendo-lhes roupas, vacas, guirlandas e cereais. Por isso, ela não pôde ouvir a criança chorando por Sua mãe. Na­quele momento, a criança Kṛṣṇa, querendo mamar o leite no seio de Sua mãe, iradamente atirou Suas pernas para cima.

Comentário

SIGNIFICADO—Kṛṣṇa fora posto sob um carro de mão doméstico, mas esse carro de mão era de fato outra forma de Śakaṭāsura, certo demônio que viera até ali para matar a criança. Agora, sob o pretexto de que queria mamar o seio de Sua mãe, Kṛṣṇa aproveitou essa oportunidade para matar o demônio. Assim, ele chutou Śakaṭāsura simplesmen­te para que ele aparecesse tal como ele é. Embora a mãe de Kṛṣṇa estivesse ocupada em receber os visitantes, o Senhor Kṛṣṇa queria chamar-lhe a atenção, matando Śakaṭāsura, de modo que Ele chutou aquele demônio que assumira a forma de um carro. Esses são os passatempos de Kṛṣṇa. Kṛṣṇa queria atrair a atenção de Sua mãe, mas, ao adotar esse procedimento, Ele criou um grande tumulto, in­compreensível para as pessoas comuns. Estas narrações são maravilhosamente agradáveis, e aqueles que são afortunados encantam-se ao ouvirem essas extraordinárias atividades do Senhor. Embora os menos inteligentes tratem-nas como mitológicas porque um cérebro tosco não pode entendê-las, elas são reais. Essas narrações são de fato tão deleitosas e esclarecedoras que Mahārāja Parīkṣit e Śukadeva Gosvāmī sentiam prazer nelas, e outras pessoas liberadas, seguindo seus passos, tornam-se plenamente jubilosas ouvindo as maravilho­sas atividades do Senhor.

Texto

adhaḥ-śayānasya śiśor ano ’lpaka-
pravāla-mṛdv-aṅghri-hataṁ vyavartata
vidhvasta-nānā-rasa-kupya-bhājanaṁ
vyatyasta-cakrākṣa-vibhinna-kūbaram

Sinônimos

adhaḥ-śayānasya — que foi posta sob o carro de mão; śiśoḥ — da criança; anaḥ — o carro; alpaka — não muito crescida; pravāla — como uma folha nova; mṛdu-aṅghri-hatam — golpeado por suas belas e delicadas pernas; vyavartata — virou e caiu; vidhvasta — espalharam-se; nānā-rasa-kupya-bhājanam — utensílios feitos de vários metais; vyatyasta — deslocaram-se; cakra-akṣa — as duas rodas e o eixo; vi­bhinna — quebrada; kūbaram — a haste com que se guia o carro de mão.

Tradução

Em um canto do quintal, o Senhor Śrī Kṛṣṇa estava deitado sob o carro de mão, e embora Suas perninhas fossem tenras como folhas, quando Ele acertou o carro com Suas pernas, este virou violenta­mente e tombou. As rodas se separaram do eixo, os cubos e raios desabaram, e a haste com que se guia o carro de mão se quebrou. Sobre o carro, havia muitos pequenos utensílios feitos de vários metais, e todos eles se espalharam pelo chão.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura faz o seguinte comentário acerca deste verso. Quando o Senhor Kṛṣṇa tinha uma idade muito tenra, Suas mãos e pernas pareciam delicadas folhas recém-brotadas, mas, pelo simples fato de tocar o carro de mão com Suas pernas, Ele derrubou e despedaçou o carro. Foi-Lhe deveras possível agir dessa manei­ra sem precisar executar muito esforço. Em Seu avatāra Vāmana, o Senhor teve de esticar Sua perna às maiores alturas para penetrar a cobertura do universo, e, ao matar o gigantesco de­mônio Hiraṇyakaśipu, Ele teve de assumir a constituição corpórea especial de Nṛsiṁhadeva. Contudo, em seu avatāra Kṛṣṇa, o Senhor não precisou empregar toda essa energia. Logo, kṛṣṇas tu bhagavān svayam: Kṛṣṇa é a própria Suprema Personalidade de Deus. Em outras encarnações, o Senhor teve de aplicar alguma energia de acordo com o tempo e as circunstâncias, mas, sob esta forma, Ele manifestou uma potência ilimitada. Assim, o carro de mão tombou, seus encaixes se desfizeram, e todos os potes e utensílios de metal espalharam-se.

O Vaiṣṇava-toṣaṇī enfatiza que, embora o carro de mão estives­se acima da criança, a criança pôde facilmente tocar a roda do carro, e isso foi o suficiente para derrubar o demônio ao solo. De uma só vez, o Senhor jogou o demônio ao chão e quebrou superficialmente o carro de mão.

Texto

dṛṣṭvā yaśodā-pramukhā vraja-striya
autthānike karmaṇi yāḥ samāgatāḥ
nandādayaś cādbhuta-darśanākulāḥ
kathaṁ svayaṁ vai śakaṭaṁ viparyagāt

Sinônimos

dṛṣṭvā — após verem; yaśodā-pramukhāḥ — encabeçadas por mãe Yaśodā; vraja-striyaḥ — todas as senhoras de Vraja; autthānike kar­maṇi — na celebração da cerimônia de utthāna; yāḥ — aquelas que; samāgatāḥ — ali reunidas; nanda-ādayaḥ ca — e os homens, encabeçados por Nanda Mahārāja; adbhuta-darśana — vendo a maravilhosa calamidade (que o carro que sustentava grande fardo quebrara sobre o bebezinho, mas este continuava deitado ileso); ākulā — e assim ficaram muito perturbados, querendo saber como aquilo se dera; katham — como; svayam — sozinho; vai — na verdade; śakaṭam — o carro de mão; viparyagāt — danificou-se muito, desmantelou-se.

Tradução

Quando mãe Yaśodā e as outras senhoras que se haviam reunido para o festival ūtthāna, e todos os homens, encabeçados por Nanda Mahārāja, viram o maravilhoso acontecimento, eles começaram a imaginar como o carro de mão teria tombado sozinho. Começaram a vasculhar de um lado a outro, tentando encontrar a causa, mas foram incapazes de chegar a uma conclusão.

Texto

ūcur avyavasita-matīn
gopān gopīś ca bālakāḥ
rudatānena pādena
kṣiptam etan na saṁśayaḥ

Sinônimos

ūcuḥ — disseram; avyavasita-matīn — que haviam perdido toda a inteligência na presente situação; gopān — aos vaqueiros; gapīḥ ca — e às senhoras; bālakā — as crianças; rudatā anena — logo que a crian­ça começou a chorar; pādena — com uma perna; kṣiptan etat — este carro recebeu um golpe certeiro e imediatamente caiu, despedaça­do; na saṁśayaḥ — quanto a isso, não há dúvidas.

Tradução

As senhoras e vaqueiros ali reunido começaram a refletir em como aquilo teria acontecido. “Teria sido obra de algum demônio ou planeta maligno?”, perguntavam-se eles. Foi então que as crianças ali presentes afirmaram que o carro fora despedaçado pelo chute desferido pelo bebê Kṛṣṇa. Assim que o bebê que chorava chutou a roda do carro, este tombou. Quanto a isso, não havia dúvida alguma.

Comentário

SIGNIFICADO—Ouve-se falar de pessoas que são perseguidas por fantasmas. Não tendo um corpo material grosseiro, um fantasma busca refúgio em um corpo grosseiro para ali poder ficar e fazer assombrações. Śakaṭāsura era um fantasma que se refugiara no carro de mão e aguardava uma oportunidade para prejudicar Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa chutou o carro com Suas pequenas e delicadíssimas pernas, o fantasma foi imediatamente jogado ao chão, e seu refúgio desmantelou-se, como já se descreveu. Isso foi possível para Kṛṣṇa porque Ele tem potências plenas, como se confirma na Brahma-saṁhitā (5.32):

aṅgāni yasya sakalendriya-vṛttimanti
paśyanti pānti kalayanti ciraṁ jaganti
ānanda-cinmaya-sad-ujjvala-vigrahasya
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

O corpo de Kṛṣṇa é sac-cid-ānanda-vigraha, ou ānanda-cinmaya-rasa-vigraha. Isto é, qualquer parte do Seu corpo ānanda-cinmaya pode agir como qualquer outra parte. Essas são as inconcebíveis po­tências da Suprema Personalidade de Deus. O Senhor Supremo não precisa adquirir essas potências; Ele já as tem. Assim, quando Kṛṣṇa esperneou, todo o Seu propósito foi satisfeito. Por outro lado, que­brando-se o carro, uma criança comum poderia ter ficado muito machucada, mas, porque é a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa viu o carro desmantelar-se sem feri-lO em nada. Tudo feito por Ele é ānanda-cinmaya-rasa, cheio de bem-aventurança transcendental. Assim, Kṛṣṇa obteve verdadeiro prazer.

As crianças que tinham estado nas proximidades viram que Kṛṣṇa de fato chutara a roda do carro e que fora por isso que o acidente se dera. Pelo arranjo de yogamāyā, todas as gopīs e gopas pensaram que o acidente ocorrera devido à ação de algum planeta maléfico ou fantasma, mas, na verdade, tudo foi feito por Kṛṣṇa para Seu próprio deleite. Aqueles que se deleitam com as atividades de Kṛṣṇa também estão na plataforma de ānanda-cinmaya-rasa; eles estão libertos da plataforma material. Quando alguém se acostuma a ouvir kṛṣṇa-kathā, decerto ele é transcendental à existência material, como se confirma na Bhagavad-gītā (sa guṇān samatītyaitān brahma-bhūyāya kalpate). A menos que alguém esteja na plataforma espiritual, não pode deleitar-se com as atividades transcendentais de Kṛṣṇa, ou, em outras palavras, quem quer que se ocupe em ouvir as atividades transcendentais de Kṛṣṇa não está na plataforma material, senão que está na plataforma transcendental, a plataforma espiritual.

Texto

na te śraddadhire gopā
bāla-bhāṣitam ity uta
aprameyaṁ balaṁ tasya
bālakasya na te viduḥ

Sinônimos

na — não; te — os vaqueiros e vaqueiras; śraddadhire — depositaram sua fé (nessas afirmações); gopāḥ — os vaqueiros e vaqueiras; bāla-­bhāṣitam — conversa infantil das crianças reunidas; iti uta — assim fa­lada; aprameyam — ilimitado, inconcebível; balam — o poder; tasya bālakasya — do bebezinho Kṛṣṇa; na — não; te — as gopīs e gopas; viduḥ — estavam inteirados de.

Tradução

As gopīs e gopas reunidos, desconhecendo o fato de que Kṛṣṇa sempre é ilimitado, não podiam acreditar que o bebê Kṛṣṇa tivesse esse poder inconcebível. Eles não podiam acreditar nas afirmações das crianças, e, portanto, consideraram essas afirmações como sendo nada além de uma conversa infantil.

Texto

rudantaṁ sutam ādāya
yaśodā graha-śaṅkitā
kṛta-svastyayanaṁ vipraiḥ
sūktaiḥ stanam apāyayat

Sinônimos

rudantam — chorando; sutam — filho; ādāya — apanhando; yaśo­dā — mãe Yaśodā; graha-śaṅkitā — temendo algum planeta maléfico; kṛta-svastyayanam — imediatamente realizou uma cerimônia ritualística que propicia boa fortuna; vipraiḥ — convocando todos os brāhmaṇas; sūktaiḥ — com hinos védicos; stanam — seu seio; apāyayat — fez a crian­ça mamar.

Tradução

Pensando que algum planeta maléfico atacara Kṛṣṇa, mãe Yaśodā apanhou a criança que chorava e Lhe deu o seio para Ela mamar. Então, Yaśodā convocou os brāhmaṇas experientes para cantarem hinos védicos e realizarem uma auspiciosa cerimônia ritualística.

Comentário

SIGNIFICADO—Sempre que há algum perigo ou algum episódio inauspicioso, é costume, na civilização védica, solicitar que brāhmaṇas qualifica­dos imediatamente cantem hinos védicos para anular isso. Mãe Yaśodā tomou as medidas cabíveis e permitiu que o bebê mamasse seu seio.

Texto

pūrvavat sthāpitaṁ gopair
balibhiḥ sa-paricchadam
viprā hutvārcayāṁ cakrur
dadhy-akṣata-kuśāmbubhiḥ

Sinônimos

pūrva-vat — como o carro de mão encontrava-se antes; sthāpitam — remontado, estando os potes devidamente arrumados; gopaiḥ — pelos vaqueiros; balibhiḥ — todos os quais eram muito fortes e vigorosos e, portanto, podiam reunir os utensílios sem dificuldade; sa-pariccha­dam — com toda a parafernália mantida sobre ele; viprāḥ — os brāhmaṇas; hutvā — após realizarem uma cerimônia de fogo; arcayām cakruḥ — realizaram cerimônias ritualísticas; dadhi — com coalhada; akṣata — grãos de arroz; kuśa — e grama kuśa; ambubhiḥ — com água.

Tradução

Depois que os fortes e vigorosos vaqueiros ajeitaram os potes e a parafernália no carro de mão e deram-lhes a mesma arrumação anterior, os brāhmaṇas realizaram uma cerimônia ritualística com um sacrifício de fogo para aplacar o planeta maléfico, após o que, com grãos de arroz, kuśa, água e coalhada, eles adoraram o Senhor Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—O carro de mão estava carregado com pesados utensílios e outra parafernália. Para remontar o carro, era preciso muita força, mas os vaqueiros não sentiram nenhuma dificuldade em empreender essa tarefa. Depois, de acordo com o sistema de gopa-jāti, várias cerimônias védicas foram realizadas para controlar a situação calamitosa.

Texto

ye ’sūyānṛta-dambherṣā-
hiṁsā-māna-vivarjitāḥ
na teṣāṁ satya-śīlānām
āśiṣo viphalāḥ kṛtāḥ
iti bālakam ādāya
sāmarg-yajur-upākṛtaiḥ
jalaiḥ pavitrauṣadhibhir
abhiṣicya dvijottamaiḥ
vācayitvā svastyayanaṁ
nanda-gopaḥ samāhitaḥ
hutvā cāgniṁ dvijātibhyaḥ
prādād annaṁ mahā-guṇam

Sinônimos

ye — aqueles brāhmaṇas que; asūya — inveja; anṛta — inveracidade; dambha — falso orgulho; īrṣā — rancores; hiṁsā — perturbando-se com a opulência alheia; māna — falso prestígio; vivarjitāḥ — completamente desprovidos de; na — não; teṣām — desses brāhmaṇas; satya-śīlānām — que são dotados de perfeitas qualificações bramânicas (satya, śama, dama etc.); āśiṣaḥ — as bênçãos; viphalā — inúteis; kṛtāḥ — tornaram­-se; iti — considerando todos esses pontos; bālakam — a criança; ādāya — cuidando de; sāma — de acordo com o Sāma Veda; ṛk — de acordo com o Ṛg Veda; yajuḥ — de acordo com o Yajur Veda; upākṛtaiḥ — purificada por esses meios; jalai — com água; pavitra-auṣadhibhiḥ — misturada com ervas puras; abhiṣicya — após banhar (a criança); dvija-uttamaiḥ — com cerimônias realizadas por primorosos brāhmaṇas possuidores das qualificações acima; vācayitvā — convidados a cantar; svasti-ayanam — hinos auspiciosos; nanda-gopaḥ — Mahārāja Nanda, o líder dos vaqueiros; samāhitaḥ — liberal e bom; hutvā — após fazer oblações; ca — também; agnim — ao fogo sagrado; dvijātibhyaḥ — àqueles brāhmaṇas virtuosos; prādāt — deu em caridade; annam — grãos alimentícios; mahā-guṇam — excelentes.

Tradução

Quando os brāhmaṇas estão livres da inveja, da inveracidade, do orgulho desnecessário, dos rancores, do falso prestígio e do incômodo com a opulência alheia, suas bênçãos nunca são em vão. Considerando isso, Nanda Mahārāja sobriamente pôs Kṛṣṇa em seu colo e convidou esses brāhmaṇas verazes para que realizas­sem uma cerimônia ritualística de acordo com os hinos sagrados do Sāma Veda, Ṛg Veda e Yajur Veda. Depois, enquanto os hinos eram cantados, ele banhou a criança com água misturada com ervas puras e, após realizar uma cerimônia de fogo, alimentou suntuo­samente todos os brāhmaṇas com cereais e outros alimentos primo­rosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Nanda Mahārāja tinha muita confiança nas qualificações dos brāhmaṇas e em suas bênçãos. Ele estava completamente confiante de que bastava os bons brāhmaṇas derramarem suas bênçãos para que a criança Kṛṣṇa fosse feliz. As bênçãos dos brāhmaṇas qualificados podem trazer felicidade não somente a Kṛṣṇa, a Suprema Personali­dade de Deus, mas a todos. Porque é autossuficiente, Kṛṣṇa não precisa da bênção de ninguém, mas Nanda Mahārāja pensou que Kṛṣṇa precisava das bênçãos dos brāhmaṇas. Então, o que dizer dos outros? Na sociedade humana, portanto, deve haver uma classe de homens perfeitos, os brāhmaṇas, que possam conceder bênçãos aos outros, a saber, aos kṣatriyas, vaiśyas e śudras, para que todos sejam felizes. Kṛṣṇa, portanto, diz na Bhagavad-gītā (4.13) que a sociedade humana deve ter quatro ordens sociais (cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ guṇa-karma-vibhāgaśaḥ); não se deve pensar que todos devem tornar-se śudras ou vaiśyas e, em razão disso, a sociedade hu­mana prosperará. Como se expõe na Bhagavad-gītā, deve haver uma classe de brāhmaṇas com as qualidades de satya (veracidade), śama (tranquilidade), dama (autocontrole) e titikṣā (tolerância).

Aqui também, no Bhāgavatam, Nanda Mahārāja convida os brāhmaṇas qualificados. Mesmo havendo brāhmaṇas de casta, por quem temos todo o respeito, seu nascimento em famílias brāhmaṇas não significa que eles estejam qualificados a conceder bênçãos aos outros membros da sociedade humana. Este é o veredito dos śāstras. Em Kali-yuga, os brāhmaṇas de casta são aceitos como brāhmaṇas. Vipratve sūtram eva hi (Śrīmad-Bhāgavatam 12.2.3): Em Kali-yuga, o simples fato de alguém colocar um cordão que vale alguns centavos faz dele um brāhmaṇa. Esses brāhmaṇas não foram convocados por Nanda Mahārāja. Como afirma Narada Muni (Śrīmad-Bhāgavatam 7.11.35), yasya yal lakṣaṇaṁ proktam. As características de um brāhmaṇa são descritas nos śāstras, e a pessoa deve adquirir essas qualificações.

As bênçãos dos brāhmaṇas que não são invejosos, perturbados ou envaidecidos pelo orgulho e falso prestígio e que são plenamente qualificados com veracidade serão úteis. Portanto, uma classe de homens deve ser treinada como brāhmaṇas desde o começo. Brahmacārī gurukule vasan dānto guror hitam (Śrīmad-Bhāgavatam 7.12.1). A palavra dāntaḥ é muito importante. Dāntaḥ refere-se a alguém que não é in­vejoso, perturbado ou arrogante devido ao falso prestígio. Através do movimento da consciência de Kṛṣṇa, estamos tentando introduzir esses brāhmaṇas na sociedade. Em última análise, os brāhmaṇas devem ser vaiṣṇavas, e se alguém é um vaiṣṇava, já adquiriu as qualificações de um brāhmaṇa. Brahma-bhūtaḥ prasannātmā (Bhagavad-gītā 18.54). A palavra brahma-bhūta aplica-se àquele que se torna brāhmaṇa, ou entende o que é o Brahman (brahma jānātīti brāhmaṇaḥ). Aquele que é brahma-bhūtaḥ está sempre feliz (prasannātmā). Na śocati na kāṅkṣati: ele nunca se perturba com necessidades materiais. Samaḥ sarveṣu bhūteṣu: ele está disposto a conceder as mesmas bênçãos a todos. Mad-bhaktiṁ labhate parām: Então, ele se torna um vaiṣṇava. Nesta era, Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura introduziu a cerimônia em que seus discípulos vaiṣṇavas recebem o cordão sagrado e, com isso, ele queria ajudar as pessoas a entenderem que, quando alguém se torna um vaiṣṇava, ele já adquiriu as qualificações próprias de um brāhmaṇa. Portanto, na Sociedade Internacional para a Consciência de Kṛṣṇa, aqueles que recebem sua segunda iniciação, a iniciação bramânica, devem ter em mente sua grande responsabilidade – serem verazes, controlar a mente e os sentidos, serem tolerantes e assim por diante. Então, suas vidas serão exitosas. Foram brāhmaṇas dessa catego­ria que Nanda Mahārāja convidou para cantarem os hinos védicos, e não brāhmaṇas ordinários. O verso treze menciona claramente hiṁsā-māna. A palavra māna refere-se ao falso prestígio ou ao falso orgulho. Aqueles que tinham falso orgulho, pensando que eram brāhmaṇas porque nasceram em famílias brāhmaṇas, jamais foram convidados por Nanda Mahārāja naquelas ocasiões.

O verso quatorze menciona pavitrauṣadhi. Em toda cerimônia ri­tualística, precisava-se de muitas ervas e flores, que eram conhecidas como pavitra-patra. Às vezes, havia folhas nimba; outras vezes, folhas bael, folhas de mangueira, folhas aśvattha ou folhas āmalakī. Igualmente, havia pañca-gavya, pañca-śasya e pañca-ratna. Em­bora pertencesse à comunidade vaiśya, Nanda Mahārāja conhecia tudo.

A palavra mais importante nestes versos é mahā-guṇam, indicando que os brāhmaṇas receberam saborosíssimos alimentos da melhor qualidade. Essas saborosas iguarias geralmente eram preparadas com dois ingredientes, a saber, grãos alimentícios e produtos lácteos. A Bhagavad-gītā (18.44), portanto, prescreve que a sociedade humana­ deve proteger as vacas e estimular a agricultura (kṛṣi-go-rakṣya-vāṇijyaṁ vaiśya-karma svabhāvajam). Simplesmente através de hábil culinária, centenas e milhares de saborosas iguarias podem ser pre­paradas a partir de produtos agrícolas e dos derivados lácteos. Isso é indicado aqui pelas palavras annaṁ mahā-guṇam. Mesmo hoje em dia na Índia, centenas e milhares de variedades de alimentos são preparadas a partir desses dois artigos, a saber, grãos alimentícios e leite, e depois são oferecidas à Suprema Personalidade de Deus. (Catur-vidha-śrī-bhagavat-prasāda. Patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyaṁ yo me bhaktyā prayacchati.) Em seguida, distribui-se a prasāda. Mesmo hoje em dia, em Jagannātha-kṣetra e outros grandes templos, alimentos muito saborosos são oferecidos à Deidade, e a prasāda é distribuída profusamente. Cozinhada por brāhmaṇas virtuosos que têm profundo conhecimento e depois distribuída ao público, essa prasāda também é uma bênção dos brāhmaṇas ou vaiṣṇavas. Existem quatro classes de prasāda (catur-vidha). Os sabores salgado, doce, acre e picante aparecem com diferentes tipos de especiarias, e o ali­mento é preparado em quatro categorias, chamadas carvya, cūṣya, lehya e peya a prasāda que é mastigada, a prasāda que é lambi­da, a prasāda que é saboreada com a língua e a prasāda que é bebida. Logo, existem muitas variedades de prasāda, muito bem preparadas com cereais e ghī, oferecidas às Deidades e distribuídas aos brāhmaṇas e vaiṣṇavas e depois ao público em geral. Esse é o processo da sociedade humana. Matar as vacas e arruinar a terra não resolverá o problema alimentar. Isso não é civilização. Os homens incivilizados que vivem na floresta e não servem para produzir alimentos através da agricultura e da proteção às vacas talvez prefiram comer animais, mas uma sociedade humana perfeita, avançada em conhecimento, deve aprender a produzir alimentos primorosos simplesmente atra­vés da agricultura e da proteção às vacas.

Texto

gāvaḥ sarva-guṇopetā
vāsaḥ-srag-rukma-mālinīḥ
ātmajābhyudayārthāya
prādāt te cānvayuñjata

Sinônimos

gāvaḥ — vacas; sarva-guṇa-upetāḥ — estando em plenas condições de dar leite suficiente etc.; vāsaḥ — bem vestidas; srak — com guirlan­das de flores; rukma-mālinī — e com guirlandas de ouro; ātmaja­abhyudaya-arthāya — em prol da afluência de seu filho; prādāt — deu em caridade; te — aqueles brāhmaṇas; ca — também; anvayuñjata — aceitaram-nas.

Tradução

Nanda Mahārāja, em prol da afluência de seu próprio filho Kṛṣṇa, deu aos brāhmaṇas vacas plenamente decoradas com roupas, guir­landas de flores e colares de ouro. Essas vacas, em plenas condições de dar leite em abundância, foram dadas aos brāhmaṇas em carida­de, e os brāhmaṇas aceitaram-nas e concederam bênçãos a toda a família, especialmente a Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Em primeiro lugar, Nanda Mahārāja alimentou os brāhmaṇas suntuosamente e, depois, deu-lhes em caridade vacas formosas, deco­radas com colares de ouro, roupas e guirlandas de flores.

Texto

viprā mantra-vido yuktās
tair yāḥ proktās tathāśiṣaḥ
tā niṣphalā bhaviṣyanti
na kadācid api sphuṭam

Sinônimos

viprāḥ — os brāhmaṇas; mantra-vidaḥ — muito hábeis em cantar os hinos védicos; yuktāḥyogīs místicos perfeitos; taiḥ — por eles; taiḥ — tudo o que; proktāḥ — fosse falado; tatha — acontecia precisamente daquela maneira; āśiṣaḥ — todas as bênçãos; tāḥ — tais palavras; niṣphalāḥ — inúteis, infrutíferas; bhaviṣyanti na — nunca se tornarão; kadācit — em tempo algum; api — na verdade; sphuṭam — sempre reais e autênticas.

Tradução

Os brāhmaṇas, que eram bastante hábeis nos cantos de hinos védicos, eram todos yogīs equipados com plenos poderes místicos. Todas as bênçãos que outorgavam certamente jamais se revelavam infrutíferas.

Comentário

SIGNIFICADO—Os brāhmaṇas plenamente equipados com qualificações bramânicas sempre são yogīs completamente poderosos em yoga místico. Suas palavras nunca falham. Em toda partilha com os outros membros da sociedade, os brāhmaṇas são certamente dignos de confiança. Nesta era, entretanto, deve-se levar em conta que os brāhmaṇas são inconstantes em suas qualificações. Porque não há brāhmaṇas yajñicos, todos os yajñas são proibidos. O único yajña recomendado nesta era é o saṅkīrtana-yajña. Yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ. (Śrīmad-Bhāgavatam 11.5.32) Yajña destina-se a satisfazer Viṣṇu (yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ). Porque nesta era não há brāhmaṇas qualificados, as pessoas devem realizar o yajña cantando o mantra Hare Kṛṣṇa (yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair yajanti hi sumedhasaḥ). A vida se destina à realização de yajña, e deve-se executar o yajña cantando Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.

Texto

ekadāroham ārūḍhaṁ
lālayantī sutaṁ satī
garimāṇaṁ śiśor voḍhuṁ
na sehe giri-kūṭavat

Sinônimos

ekadā — certa vez (que se calcula ter sido quando Kṛṣṇa tinha um ano de idade); āroham — no colo de Sua mãe; ārūḍham — que estava sentado; lālayantī — estava afagando; sutam — seu filho; satī — mãe Yaśodā; garimāṇam — devido a um aumento do peso; śiśoḥ — da criança; voḍhum — de suportá-lO; na — não; sehe — era capaz; giri-kūṭa-vat — parecendo o peso do pico de uma montanha.

Tradução

Certo dia, um ano após o aparecimento de Kṛṣṇa, mãe Yaśodā estava afagando seu filho em seu colo e subitamente sentiu que a criança era mais pesada do que o pico de uma montanha, e que não podia mais suportar o Seu peso.

Comentário

SIGNIFICADO—Lālayantī. Às vezes, a mãe joga o seu filho para o alto e, quando o filho cai em seus braços, ele ri, e a mãe também sente prazer. Yaśodā costumava fazer isso, mas, dessa vez, Kṛṣṇa tornou-Se muito pesado, e ela não pôde suportar-Lhe o peso. Nessas circunstâncias, deve-se entender que Kṛṣṇa sabia da vinda de Tṛṇāvartāsura, que o arrebataria para bem longe de Sua mãe. Kṛṣṇa sabia que, quando Tṛṇāvarta viesse e O tirasse do colo de Sua mãe, mãe Yaśodā fica­ria muito consternada. Ele não queria que Sua mãe sofresse devido a algum problema provocado pelo demônio. Portanto, visto que Ele é a fonte de tudo (janmādy asya yataḥ), Ele assumiu o peso de todo o universo. A criança estava no colo de Yaśodā, que, portanto, possuía tudo no mundo, mas, quando a criança assumiu aquele peso, ela teve de soltá-lO para dar ao demônio Tṛṇāvartāsura a oportuni­dade de levá-lO e divertir-se com Ele por algum tempo, até que a criança retornasse ao colo de Sua mãe.

Texto

bhūmau nidhāya taṁ gopī
vismitā bhāra-pīḍitā
mahā-puruṣam ādadhyau
jagatām āsa karmasu

Sinônimos

bhūmau — no chão; nidhāya — pondo; tam — a criança; gopī — mãe Yaśodā; vismitā — atônita; bhāra-pīḍitā — estando aflita com o peso da criança; mahā-puruṣam — Senhor Viṣṇu, Nārāyaṇa; ādadhyau — refugiou-se em; jagatām — como se o peso do mundo inteiro; āsa — ocupou-se; karmasu — em outros afazeres domésticos.

Tradução

Sentindo que a criança estava tão pesada como todo o universo e, consequentemente, ficando ansiosa, pensando que talvez a criança estivesse sendo atacada por algum outro fantasma ou demônio, mãe Yaśodā, atônita, colocou a criança no chão e começou a pensar em Nārāyaṇa. Prevendo perturbações, ela chamou os brāhmaṇas para anular aquele peso e, em seguida, foi ocupar-se em seus outros afazeres domésticos. Não lhe restava nenhuma alternativa além de lembrar-se dos pés de lótus de Nārāyaṇa, pois ela não podia entender que Kṛṣṇa era a fonte que tudo origina.

Comentário

SIGNIFICADO—Mãe Yaśodā não compreendia que Kṛṣṇa pesa mais do que qualquer coisa e que Kṛṣṇa repousa dentro de tudo (mat-sthāni sarva-bhūtāni). Como se confirma na Bhagavad-gītā (9.4), mayā tatam idaṁ sarvaṁ jagad avyakta-mūrtinā: Sob Sua forma impessoal, Kṛṣṇa está em toda parte, e tudo repousa nEle. Entretanto, na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ: Kṛṣṇa não está em toda parte. Mãe Yaśodā era incapaz de entender essa filosofia porque, por arranjo de yogamāyā, ela lidava com Kṛṣṇa como Sua verdadeira mãe. Não compreendendo a importância de Kṛṣṇa, só lhe restava pedir a Nārāyaṇa que protegesse Kṛṣṇa e chamar os brāhmaṇas para remediar a situação.

Texto

daityo nāmnā tṛṇāvartaḥ
kaṁsa-bhṛtyaḥ praṇoditaḥ
cakravāta-svarūpeṇa
jahārāsīnam arbhakam

Sinônimos

daityaḥ — outro demônio; nāmnā — chamado; tṛṇāvartaḥ — Tṛṇāvartāsura; kaṁsa-bhṛtyaḥ — um servo de Kaṁsa; praṇoditaḥ — tendo sido induzido por ele; cakravāta-svarūpeṇa — sob a forma de um fu­racão; jahāra — arrebatou; āsīnam — que estava sentada; arbhakam — a criança.

Tradução

Enquanto a criança estava sentada no chão, um demônio chamado Tṛṇāvarta, que era um servo de Kaṁsa, chegou ali sob a forma de um furacão, instigado por Kaṁsa, e muito facilmente arrebatou a criança para o céu.

Comentário

SIGNIFICADO—O peso de Kṛṣṇa era insuportável para a mãe da criança, mas, quando Tṛṇāvartāsura veio, ele imediatamente arrebatou a criança para longe. Essa foi outra demonstração da energia inconcebível de Kṛṣṇa. Quando o demônio Tṛṇāvarta veio, Kṛṣṇa Se tornou mais leve do que a grama para que o demônio pudesse carregá-lO. Isso foi ānanda-cinmaya-rasa, o prazer transcendental e bem-aventurado de Kṛṣṇa.

Texto

gokulaṁ sarvam āvṛṇvan
muṣṇaṁś cakṣūṁṣi reṇubhiḥ
īrayan sumahā-ghora-
śabdena pradiśo diśaḥ

Sinônimos

gokulam — toda a extensão de terra conhecida como Gokula; sar­vam — em toda parte; āvṛṇvan — cobrindo; muṣṇan — tirando; cakṣūṁṣi — o poder da visão; reṇubhiḥ — com partículas de poeira; īrayan — vibrava; su-mahā-ghora — muito feroz e pesado; śabdena — um som; pradiśaḥ diśaḥ — que penetrava toda parte, em todas as direções.

Tradução

Cobrindo toda a terra de Gokula com partículas de poeira, esse demônio, agindo como um forte furacão, obstruiu a visão de todos e começou a vibrar em toda parte um som muito assustador.

Comentário

SIGNIFICADO—Tṛṇāvartāsura assumiu a forma de um furacão e cobriu com uma tempestade de poeira toda a extensão de terra conhecida como Go­kula, para que ninguém pudesse ver nem mesmo o que estivesse mais perto.

Texto

muhūrtam abhavad goṣṭhaṁ
rajasā tamasāvṛtam
sutaṁ yaśodā nāpaśyat
tasmin nyastavatī yataḥ

Sinônimos

muhūrtam — por um momento; abhavat — houve; goṣṭham — através de todo o campo de pastagem; rajasā — pelas grandes partículas de poeira; tamasā āvṛtam — imerso na escuridão; sutam — seu filho; yaśo­dā — mãe Yaśodā; na apaśyat — não pôde encontrar; tasmin — naque­le mesmo lugar; nyastavatī — ela O deixara; yataḥ — onde.

Tradução

Por um momento, todo o campo de pastagem foi invadido pela densa escuridão produzida pela tempestade de areia, e mãe Yaśodā não conseguia encontrar seu filho onde O deixara.

Texto

nāpaśyat kaścanātmānaṁ
paraṁ cāpi vimohitaḥ
tṛṇāvarta-nisṛṣṭābhiḥ
śarkarābhir upadrutaḥ

Sinônimos

na — não; apaśyat — via; kaścana — ninguém; ātmānam — ele próprio; param ca api — ou outrem; vimohitaḥ — estando iludido; tṛṇāvarta-nisṛṣṭābhiḥ — atirada por Tṛṇāvartāsura; śarkarābhiḥ — pela areia; upadrutaḥ — e assim ficando perturbado.

Tradução

Devido às partículas de areia lançadas por Tṛṇāvarta, as pessoas não podiam ver nem a si mesmas nem aos outros e, dessa maneira, ficaram iludidas e perturbadas.

Texto

iti khara-pavana-cakra-pāṁśu-varṣe
suta-padavīm abalāvilakṣya mātā
atikaruṇam anusmaranty aśocad
bhuvi patitā mṛta-vatsakā yathā gauḥ

Sinônimos

iti — assim; khara — muito forte; pavana-cakra — por um redemoinho; pāṁśu-varṣe — quando havia chuvas de areia e pequenas partículas de poeira; suta-padavīm — o lugar do seu filho; abalā — a mulher inocente; avilakṣya — não vendo; mātā — por ser Sua mãe; ati-karu­ṇam — de modo muito tocante; anusmarantī — ela pensava em seu filho; aśocat — lamentou-se imensamente; bhuvi — ao chão; patitā — caiu; mṛta-vatsakā — que perdeu seu bezerro; yathā — como; gauḥ — uma vaca.

Tradução

Devido à tempestade de poeira levantada pelo forte redemoinho, mãe Yaśodā não pôde ver nenhum indício de seu filho, tampouco pôde entender o porquê disso. Assim, ela caiu ao chão como uma vaca que perdeu seu bezerro e começou a lamentar-se de maneira muito tocante.

Texto

ruditam anuniśamya tatra gopyo
bhṛśam anutapta-dhiyo ’śru-pūrṇa-mukhyaḥ
rurudur anupalabhya nanda-sūnuṁ
pavana upārata-pāṁśu-varṣa-vege

Sinônimos

ruditam — mãe Yaśodā, chorando de forma muito tocante; anuniśamya — após ouvirem; tatra — lá; gopyaḥ — as outras senhoras, as gopīs; bhṛ­śam — altamente; anutapta — trazendo reforço ao choro de mãe Yaśodā; dhiyaḥ — com esses sentimentos; aśru-pūrṇa-mukhyaḥ — e as outras gopīs, estando seus rostos cheios de lágrimas; ruruduḥ — elas estavam chorando; anupalabhya — sem encontrar; nanda-sūnum — o filho de Nanda Mahārāja, Kṛṣṇa; pavane — quando o redemoinho; upārata — cessou; pāṁśu-varṣa-vege — sua força de levantar poeira.

Tradução

Quando a força da tempestade de areia e os ventos cederam, as amigas de Yaśodā, as outras gopīs, aproximaram-se de mãe Yaśodā, por terem ouvido seu choro de lamentação. Não vendo Kṛṣṇa presente, elas também se sentiram muito pesarosas e passaram a chorar com mãe Yaśodā, e seus olhos ficaram rasos d’água.

Comentário

SIGNIFICADO—Este apego que as gopīs devotam a Kṛṣṇa é maravilhoso e transcendental. O centro de todas as atividades das gopīs era Kṛṣṇa. Quando Kṛṣṇa estava por ali, elas se sentiam felizes, e quando Kṛṣṇa ausen­tava-Se, elas ficavam infelizes. Assim, quando mãe Yaśodā lamentava a ausência de Kṛṣṇa, as outras senhoras também começaram a chorar.

Texto

tṛṇāvartaḥ śānta-rayo
vātyā-rūpa-dharo haran
kṛṣṇaṁ nabho-gato gantuṁ
nāśaknod bhūri-bhāra-bhṛt

Sinônimos

tṛṇāvartaḥ — o demônio Tṛṇāvarta; śānta-rayaḥ — a força da raja­da tendo sido reduzida; vātyā-rūpa-dharaḥ — que assumira a forma de um violento furacão; haran — e assim arrebatara; kṛṣṇam — Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus; nabhaḥ-gataḥ — subiu bem alto no céu; gantum — de ir adiante; na aśaknot — não foi capaz; bhūri­-bhāra-bhṛt — porque Kṛṣṇa tornou-Se, então, mais poderoso e pesado do que o demônio.

Tradução

Tendo assumido a forma de um violento furacão, o demônio Tṛṇāvarta levou Kṛṣṇa para bem alto no céu, mas logo que Kṛṣṇa tornou-Se mais pesado do que o demônio, este teve de parar de fazer força e não pôde ir adiante.

Comentário

SIGNIFICADO—Eis uma competição de poder ióguico entre Kṛṣṇa e Tṛṇāvartāsura. Praticando o yoga místico, os asuras geralmente se aprimoram em al­gum dos oito siddhis, ou perfeições, a saber, aṇimā, laghimā, mahimā, prāpti, prākāmya, īśitva, vaśitva e kāmāvasāyitā. Porém, embora possa adquirir quantidades muito limitadas desses poderes, um de­mônio não consegue competir com o poder místico de Kṛṣṇa, pois Kṛṣṇa é Yogeśvara, a fonte de todo o poder místico (yatra yogeśvaro hariḥ). Ninguém pode competir com Kṛṣṇa. Às vezes, evidentemen­te, tendo adquirido uma porção fragmentária do poder místico de Kṛṣṇa, os asuras demonstram seu poder ao público tolo e alegam ser Deus, desconhecendo que Deus é o Yogeśvara supremo. Aqui também vemos que Tṛṇāvarta assumiu a mahimā-siddhi e arrebatou Kṛṣṇa como se Kṛṣṇa fosse uma criança comum. Mas Kṛṣṇa também tornou-Se um mahimā-siddha místico. Quando mãe Yaśodā O esta­va carregando, Ele Se tornou tão pesado que Sua mãe, que estava acostumada a carregá-lO, não conseguiu segurá-lO e teve de descê-lO, colocando-O no chão. Assim, Tṛṇāvarta pôde tirar Kṛṣṇa de mãe Yaśodā. Porém, quando Kṛṣṇa, bem alto no céu, assumiu o mahimā-siddhi, o demônio, incapaz de ir adiante, foi obrigado a parar de fazer força e teve de descer de acordo com o desejo de Kṛṣṇa. Por­tanto, ninguém deve competir com o poder místico de Kṛṣṇa.

Os devotos automaticamente têm todo o poder místico, mas não gostam de competir com Kṛṣṇa. Em vez disso, eles se rendem com­pletamente a Kṛṣṇa, e seu poder ióguico aflora pela misericórdia de Kṛṣṇa. Os devotos podem demonstrar um yoga místico tão podero­so com a qual um demônio nem mesmo sonharia, mas jamais tentam apresentá-lo para obter o gozo dos seus próprios sentidos. Eles só agem para servir ao Senhor, e, portanto, sua posição sempre é supe­rior à dos demônios. Existem muitos karmīs, yogīs e jñānīs que apa­rentemente estão a competir com Kṛṣṇa, de modo que as pessoas tolas e comuns não se preocupam em ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam através das autoridades e consideram que algum yogī farsante é Bha­gavān, a Suprema Personalidade de Deus. No momento atual, exis­tem muitos falsos bābās que se apresentam como encarnações de Deus, mostrando alguma maravilha mística insignificante, e há os tolos que os tratam por Deus, pois lhes falta conhecimento acerca de Kṛṣṇa.

Texto

tam aśmānaṁ manyamāna
ātmano guru-mattayā
gale gṛhīta utsraṣṭuṁ
nāśaknod adbhutārbhakam

Sinônimos

tam — Kṛṣṇa; aśmānam — pedra muito pesada como um grande pedaço de ferro; manyamānaḥ — pensando assim; ātmanaḥ guru­-mattayā — por ser mais pesado do que ele podia perceber pessoal­mente; gale — seu pescoço; gṛhīte — senda abraçado ou cingido por Seus braços; utsraṣṭum — de abandonar; na aśaknot — não era capaz; adbhuta-arbhakam — esta maravilhosa criança, que era diferente de uma criança comum.

Tradução

Devido ao peso de Kṛṣṇa, Tṛṇāvarta considerou-O como sendo uma grande montanha ou um enorme pedaço de ferro. Contudo, como Kṛṣṇa agarrara o pescoço do demônio, esse não conseguiu afastá-­lO. Portanto, ele considerou a criança como maravilhosa, uma vez que não podia nem suportá-lA, nem livrar-se do fardo.

Comentário

SIGNIFICADO—Tṛṇāvarta pretendia erguer Kṛṣṇa até o céu e matá-lO, mas Kṛṣṇa desfrutou do passatempo que consistia em Ele montar no corpo de Tṛṇāvarta e viajar durante algum tempo pelo céu. Logo, Tṛṇāvarta fracassou ao tentar matar Kṛṣṇa, mas Kṛṣṇa, ānanda-cinmaya-rasa-vigraha, desfrutou desse passatempo. E agora, enquanto sucumbia devido ao peso de Kṛṣṇa, Tṛṇāvarta desejava salvar-se, afastando Kṛṣṇa de seu pescoço, mas não foi feliz nesse empreendimento, porque Kṛṣṇa o segurava muito fortemente. Em consequência disso, essa seria a última vez em que Tṛṇāvarta manifestaria seu poder de yoga. Agora, ele estava prestes a morrer, por arranjo de Kṛṣṇa.

Texto

gala-grahaṇa-niśceṣṭo
daityo nirgata-locanaḥ
avyakta-rāvo nyapatat
saha-bālo vyasur vraje

Sinônimos

gala-grahaṇa-niśceṣṭaḥ — devido ao fato de Kṛṣṇa ter agarrado o pescoço do demônio Tṛṇāvarta, o demônio ficou sufocado e não pôde fazer nada; daityaḥ — o demônio; nirgata-locanaḥ — seus olhos ficaram esbugalhados devido ao aperto; avyakta-rāvaḥ — devido à asfixia, ele não pôde emitir um som sequer; nyapatat — caiu; saha-­bālaḥ — com a criança; vyasuḥ vraje — sem vida no solo de Vraja.

Tradução

Porque Kṛṣṇa agarrava-o pelo pescoço, Tṛṇāvarta ficou asfixia­do, incapaz de emitir qualquer som ou mesmo de mover suas mãos e pernas. Com os olhos esbugalhados, o demônio perdeu sua vida e caiu, juntamente com a criancinha, sobre o solo de Vraja.

Texto

tam antarikṣāt patitaṁ śilāyāṁ
viśīrṇa-sarvāvayavaṁ karālam
puraṁ yathā rudra-śareṇa viddhaṁ
striyo rudatyo dadṛśuḥ sametāḥ

Sinônimos

tam — ao demônio Tṛṇāvarta; antarikṣāt — do espaço exterior; pa­titam — caído; śilāyām — sobre um bloco de pedra; viśīrṇa — espalhadas, separadas; sarva-avayavam — todas as partes de seu corpo; karālam — mãos e pernas muito ferozes; puram — a morada de Tripurāsura; yathā — como; rudra-śareṇa — pela flecha do senhor Śiva; viddham — trespassada; striyaḥ — todas as mulheres, as gopīs; rudatyaḥ — embo­ra chorando porque Kṛṣṇa estava separado delas; dadṛśuḥ — viram diante delas; sametāḥ — todas reunidas.

Tradução

Enquanto as gopīs que haviam se reunido choravam por Kṛṣṇa, o demônio caiu do céu sobre um grande bloco de pedra e seus membros deslocaram-se, como se ele tivesse sido trespassado pela flecha do senhor Śiva, tal qual se deu com Tripurāsura.

Comentário

SIGNIFICADO—Na vida transcendental, logo que mergulham na lamentação, os devotos do Senhor experimentam as atividades transcendentais do Senhor e sentem bem-aventurança transcendental. Na verdade, esses devotos vivem em bem-aventurança transcendental, e essas aparen­tes calamidades fomentam essa bem-aventurança.

Texto

prādāya mātre pratihṛtya vismitāḥ
kṛṣṇaṁ ca tasyorasi lambamānam
taṁ svastimantaṁ puruṣāda-nītaṁ
vihāyasā mṛtyu-mukhāt pramuktam
gopyaś ca gopāḥ kila nanda-mukhyā
labdhvā punaḥ prāpur atīva modam

Sinônimos

prādāya — após pegarem; mātre — à Sua mãe (Yaśodā); pratihṛtya — entregaram; vismitāḥ — todas se sentindo surpresas; kṛṣṇam ca — e Kṛṣṇa; tasya — do demônio; urasi — sobre o peito; lambamānam — situado; tam — Kṛṣṇa; svastimantam — dotado com toda a boa fortuna; puruṣāda-nītam — que foi levado pelo demônio canibalesco; vihāya­sā — ao céu; mṛtyu-mukhāt — da boca da morte; pramuktam — agora liberado; gopyaḥ — as gopīs; ca — e; gopaḥ — os vaqueiros; kila — na verdade; nanda-mukhyāḥ — encabeçados por Nanda Mahārāja; labdhvā — após obterem; punaḥ — novamente (seu filho); prāpuḥ — desfrutam de; atīva — muita; modam — bem-aventurança.

Tradução

As gopīs imediatamente tiraram Kṛṣṇa do peito do demônio e entregaram-nO, livre de todo infortúnio, para mãe Yaśodā. Visto que a criança, embora levada ao céu pelo demônio, estava ilesa e agora livrara-Se de todo o perigo e desventura, as gopīs e os vaqueiros, encabeçados por Nanda Mahārāja, ficaram extremamente felizes.

Comentário

SIGNIFICADO—O demônio caiu direto do céu, e Kṛṣṇa brincava sobre seu peito com muita alegria, ileso e livre de infortúnios. Nada perturbado por ter sido levado bem alto no céu pelo demônio, Kṛṣṇa divertia­-Se e desfrutava. Isso é ānanda-cinmaya-rasa-vigraha. Em qualquer condição, Kṛṣṇa é sac-cid-ānanda-vigraha. Ele não sente infelicidade. Outros talvez pensassem que Ele estava em apuros, mas, como havia bastante espaço para uma criança brincar no peito do demô­nio, o bebê estava feliz em todos os sentidos. Era muito espantoso que, embora o demônio tivesse subido a tamanha altura no céu, a criança não tivesse caído. Portanto, a criança praticamente Se salvou das garras da morte. Agora que Ele estava a salvo, todos os habitantes de Vṛndāvana sentiam-se felizes.

Texto

aho batāty-adbhutam eṣa rakṣasā
bālo nivṛttiṁ gamito ’bhyagāt punaḥ
hiṁsraḥ sva-pāpena vihiṁsitaḥ khalaḥ
sādhuḥ samatvena bhayād vimucyate

Sinônimos

aho — oh!; bata — na verdade; ati — muito; adbhutam — este inciden­te é maravilhoso e espantoso; eṣaḥ — esta (criança); rakṣasā — pelo demônio canibalesco; bālaḥ — a inocente criança Kṛṣṇa; nivṛttim — levada simplesmente para ser morta e devorada; gamitaḥ — foi embora; abhyagāt punaḥ — mas Ele voltou ileso; hiṁsraḥ — uma pessoa invejosa; sva-pāpena — devido a suas próprias atividades pecaminosas; vihiṁsitaḥ — agora (aquele demônio) foi morto; khalaḥ — porque ele era invejoso e corrompido; sādhuḥ — todo aquele que é inocente e livre da vida pecaminosa; samatvena — sendo igual com todos; bhayāt — de toda classe de temor; vimucyate — livra-se.

Tradução

É muito espantoso que, embora o Rākṣasa houvesse levado a criança para devorá-lA, essa criança retornou viva e sem nem mesmo algum ferimento. Visto que esse demônio era invejoso, cruel e pecaminoso, ele foi morto por causa de suas próprias atividades pecaminosas. Esta é a lei da natu­reza. Um devoto inocente sempre é protegido pela Suprema Personalidade de Deus, mas uma pessoa pecaminosa sempre é aniquilada por causa de sua vida pecaminosa.

Comentário

SIGNIFICADO—A vida em consciência de Kṛṣṇa significa vida devocional inocente, e sādhu é aquele que é plenamente devotado a Kṛṣṇa. Como Kṛṣṇa confirma na Bhagavad-gītā (9.30), bhajate māṁ ananya-bhāk sādhur eva sa mantavyaḥ: Qualquer pessoa plenamente apegada a Kṛṣṇa é um sādhu. Nanda Mahārāja, as gopīs e os demais vaqueiros não podiam entender que Kṛṣṇa era a Suprema Personalidade de Deus agindo como uma criança humana e que Sua vida não corria perigo em circunstân­cia alguma. Em vez disso, devido ao seu imenso amor parental por Kṛṣṇa, eles pensavam que Kṛṣṇa era uma criança inocente que fora salva pelo Senhor Supremo.

No mundo material, devido à intensa luxúria e ao desejo de des­frutar, a pessoa envolve-se cada vez mais com a vida pecaminosa (kāma eṣa krodha eṣa rajo-guṇa-samudbhavaḥ). Portanto, sentir medo faz parte da vida material (āhāra-nidrā-bhaya-maithunaṁ ca). Contudo, se alguém se torna consciente de Kṛṣṇa, o processo de serviço devocional, śravaṇaṁ kīrtanam, destrói sua vida material viciosa, e ele se purifica e é protegido pela Suprema Personalidade de Deus. Śṛṇvatāṁ sva-kathāḥ kṛṣṇaḥ puṇya-śravaṇa-kīrtanaḥ. Na vida devo­cional, tem-se fé nesse processo. Essa fé é um dos seis tipos de rendição. Rakṣiṣyatīti viśvāsaḥ (Hari-bhakti-vilāsa 11.676). Em um dos processos de rendição, a pessoa deve simplesmente depender de Kṛṣṇa, tendo plena convicção de que Ele lhe dará toda a proteção. Que Kṛṣṇa protegerá Seu devoto é um fato, e Nanda Mahārāja e os outros habitantes de Vṛndāvana aceitavam isso com muita simplicidade, embora não soubessem que o próprio Senhor Supre­mo estava presente diante deles. Tem havido muitos exemplos nos quais devotos como Prahlāda Mahārāja ou Dhruva Mahārāja são postos em dificuldades mesmo pelos seus próprios pais, mas são salvos em quaisquer circunstâncias. Portanto, nossa única ocupação é tornarmo-nos conscientes de Kṛṣṇa e dependermos plenamente de Kṛṣṇa, que nas dará toda proteção.

Texto

kiṁ nas tapaś cīrṇam adhokṣajārcanaṁ
pūrteṣṭa-dattam uta bhūta-sauhṛdam
yat samparetaḥ punar eva bālako
diṣṭyā sva-bandhūn praṇayann upasthitaḥ

Sinônimos

kim — que espécie de; naḥ — por nós; tapaḥ — austeridade; cīrṇam — foi feita por um muitíssimo tempo; adhokṣaja — à Suprema Personalidade de Deus; arcanam — adoração; pūrta — construindo vias pú­blicas etc.; iṣṭa — atividades em benefício do público; dattam — dando caridade; uta — ou por outro lado; bhūta-sauhṛdam — devido ao amor pelo público em geral; yat — razão pela qual; samparetaḥ — muito embora a criança praticamente estivesse entregue à morte; punaḥ eva — e também devido às atividades piedosas; bālakaḥ — a criança; diṣṭyā — pela fortuna; sva-bandhūn — todos os Seus parentes; praṇayan — para satisfazer; upasthitaḥ — está presente aqui.

Tradução

Nanda Mahārāja e os outros disseram: Sem dúvida, anteriormente realizamos austeridades por muitíssimo tempo, adoramos a Suprema Personalidade de Deus, executamos atividades piedosas em benefício do público, construindo estradas e poços públicos, e também fizemos caridade, razão pela qual esse menino, embora diante da morte, retornou para dar felicidade aos Seus parentes.

Comentário

SIGNIFICADO—Nanda Mahārāja confirmou que, através de atividades piedosas, alguém pode tornar-se sādhu, para então ter boas condições de ser feliz no lar e seus filhos serem protegidos. Nos śāstras, há muitas prescrições para os karmīs e os jñānīs, especialmente para os karmīs, mediante as quais eles podem tornar-se piedosos e felizes mesmo na vida material. De acordo com a civilização védica, todos devem realizar atividades para o benefício público, tais como construir estradas públicas, plantar árvores em ambos os lados da estrada para que as pessoas possam caminhar na sombra, e construir poços pú­blicos para que todos possam conseguir água sem dificuldade. Todos devem realizar austeridades para controlar seus desejos, e devem também adorar a Suprema Personalidade de Deus. Assim, a pessoa se torna piedosa e, consequentemente, é feliz mesmo nas condições exis­tentes na vida material.

Texto

dṛṣṭvādbhutāni bahuśo
nanda-gopo bṛhadvane
vasudeva-vaco bhūyo
mānayām āsa vismitaḥ

Sinônimos

dṛṣṭvā — após ver; adbhutāni — os maravilhosos e espantosos incidentes; bahuśaḥ — muitas vezes; nanda-gopaḥ — Nanda Mahārāja, o líder dos vaqueiros; bṛhadvane — em Bṛhadvana; vasudeva-vacaḥ — as palavras faladas por Vasudeva quando Nanda Mahārāja estava em Mathurā; bhūyaḥ — repetidamente; mānayam āsa — aceitou quão verdadeiras elas eram; vismitaḥ — com grande espanto.

Tradução

Tendo visto todos os incidentes em Bṛhadvana, Nanda Mahārāja ficou ainda mais atônito e lembrou-se das palavras que Vasudeva lhe falara em Mathurā.

Texto

ekadārbhakam ādāya
svāṅkam āropya bhāminī
prasnutaṁ pāyayām āsa
stanaṁ sneha-pariplutā

Sinônimos

ekadā — certa vez; arbhakam — a criança; ādāya — pegando; sva-­aṅkam — em seu próprio colo; āropya — e colocando-A; bhāminī — mãe Yaśodā; prasnutam — com o leite que escorria do seio; pāyayām āsa — alimentou a criança; stanam — seu seio; sneha-pariplutā — com muito amor e afeição.

Tradução

Certo dia, mãe Yaśodā, tendo levantado Kṛṣṇa e colocado-O em seu colo, sentia muita afeição materna ao alimentá-lO com o leite de seu seio. O leite fluía de seu seio, e a criança o bebia.

Texto

pīta-prāyasya jananī
sutasya rucira-smitam
mukhaṁ lālayatī rājañ
jṛmbhato dadṛśe idam
khaṁ rodasī jyotir-anīkam āśāḥ
sūryendu-vahni-śvasanāmbudhīṁś ca
dvīpān nagāṁs tad-duhitṝr vanāni
bhūtāni yāni sthira-jaṅgamāni

Sinônimos

pīta-prāyasya — da criança Kṛṣṇa, que tomava leite materno e estava quase satisfeita; jananī — mãe Yaśodā; sutasya — do seu filho; rucira­-smitam — vendo a criança plenamente satisfeita e sorrindo; mukham — o rosto; lālayatī — afagando e roçando suavemente com sua mão; rājan — ó rei; jṛmbhataḥ — enquanto a criança bocejava; dadṛśe — ela viu; idam — o seguinte; kham — o céu; rodasī — o sistema planetá­rio superior e a Terra; jyotiḥ-anīkam — os luzeiros; āśaḥ — as dire­ções; sūrya — o Sol; indu — a Lua; vahni — o fogo; śvasana — o ar; ambudhīn — os mares; ca — e; dvīpān — as ilhas; nagān — as montanhas; tat-duhitṝḥ — as filhas das montanhas (os rios); vanāni — flo­restas; bhūtāni — toda classe de entidades vivas; yāni — que são; sthira-­jaṅgamāni — inertes e móveis.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, quando a criança Kṛṣṇa estava quase terminando de beber o leite de Sua mãe e mãe Yaśodā tocava-O e olhava Seu belo rosto brilhante e sorridente, o bebê bocejou, e mãe Yaśodā viu em Sua boca todo o céu, o sistema planetário superior e a Terra, os luzeiros em todas as direções, o Sol, a Lua, o fogo, o ar, os mares, as ilhas, as montanhas, os rios, as florestas e toda classe de entida­des vivas, móveis e inertes.

Comentário

SIGNIFICADO—Por arranjo de yogamāyā, os passatempos que Kṛṣṇa desempenhou com mãe Yaśodā eram todos tidos como comuns. Ali estava uma oportunidade, então, para Kṛṣṇa mostrar à Sua mãe que todo o universo está dentro dEle. Em Sua pequena forma, Kṛṣṇa foi bastante bondoso em mostrar à Sua mãe o virāṭ-rūpa, a forma universal, para que ela pudesse alegrar-se de ver que espécie de criança tinha em seu colo. Os rios são aqui mencionados como as filhas das montanhas (nagāṁs tad-duhitṝḥ) Os rios que correm possibilitam a existência de grandes florestas. Existem entidades vivas em toda parte, sendo algumas móveis e algumas inertes. Nenhum lugar é vazio. Esse é um aspecto especial da criação de Deus.

Texto

sā vīkṣya viśvaṁ sahasā
rājan sañjāta-vepathuḥ
sammīlya mṛgaśāvākṣī
netre āsīt suvismitā

Sinônimos

— mãe Yaśodā; vīkṣya — vendo; viśvam — todo o universo; saha­sā — subitamente dentro da boca de seu filho; rājan — o rei (Mahārāja Parīkṣit); sañjāta-vepathuḥ — cujo coração estava batendo; sammī­lya — abrindo; mṛgaśāva-akṣī — como os olhos de um filhote de veado; netre — seus dois olhos; āsīt — ficaram; su-vismitā — espantados.

Tradução

Quando mãe Yaśodā viu todo o universo dentro da boca de seu filho, seu coração começou a palpitar, e, espantada, ela quis fechar seus olhos inquietos.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido ao seu amor materno e puro, mãe Yaśodā pensava que essa maravilhosa criança que pregava tantas peças deveria ter tido alguma doença. Ela não apreciava as maravilhas mostradas pelo seu filho; em vez disso, preferia fechar seus olhos. Ela espreitava outro peri­go, daí seus olhos terem-se tornado inquietos como os de um fi­lhote de veado. Tudo isso era arranjo de yogamāyā. A relação entre mãe Yaśodā e Kṛṣṇa é de amor materno e puro. Nesse tipo de amor, mãe Yaśodā não apreciava muito quando as opulências da Persona­lidade de Deus tornavam-se manifestas.

No começo deste capítulo, às vezes aparecem dois versos extras:

evaṁ bahūni karmāṇi
gopānāṁ śaṁ sa-yoṣitām
nandasya gehe vavṛdhe
kurvan viṣṇu-janārdanaḥ

“Dessa maneira, para castigar e matar os demônios, a criança Kṛṣṇa executou muitas atividades na casa de Nanda Mahārāja, e os habi­tantes de Vraja alegravam-se com esses acontecimentos.”

evaṁ sa vavṛdhe viṣṇur
nanda-gehe janārdanaḥ
kurvann aniśam ānandaṁ
gopālānāṁ sa-yoṣitām

“Para aumentar o prazer transcendental dos gopas e das gopīs, Kṛṣṇa, o matador de todos os demônios, foi assim criado por Seu pai e por Sua mãe, Nanda e Yaśodā.”

Śrīpāda Vijayadhvaja Tīrtha também acrescenta outro verso logo após o terceiro verso deste capítulo:

vistareṇeha kāruṇyāt
sarva-pāpa-praṇāśanam
vaktum arhasi dharma-jña
dayālus tvam iti prabho

“Parīkṣit Mahārāja pediu então que Śukadeva Gosvamī continuasse a falar essas narrações sobre os passatempos de Kṛṣṇa, para que o rei pudesse sentir através delas uma bem-aventurança transcendental.”

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do décimo canto, sétimo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Extermínio do Demônio Tṛṇāvarta”.