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CAPÍTULO VINTE E NOVE

Kṛṣṇa e as Gopīs Encontram-se para a Dança da Rāsa

Este capítulo descreve como o Senhor Śrī Kṛṣṇa, com a intenção de desfrutar a dança da rāsa, ocupou-Se em argumentar e contra­-argumentar com as gopīs. Em seguida, há uma descrição do início da dança da rāsa e o passatempo em que o Senhor desaparece do meio das gopīs.

Lembrando a promessa que fizera às gopīs na ocasião em que rou­bara as roupas delas, o Senhor Kṛṣṇa empregou Sua potência Yoga­māyā e manifestou dentro de Si o desejo de desfrutar passatempos durante uma noite de outono. Então, Ele começou a tocar Sua flauta. Quando as gopīs ouviram o som da flauta, os impulsos do Cupido se despertaram nelas violentamente, e, sem demora, elas abandonaram todos os seus deveres domésticos e foram às pressas ter com Kṛṣṇa. Todas as gopīs tinham corpos puramente espirituais, mas, quando alguns dos maridos e outros familiares das gopīs impediram-nas de ir, o Senhor Kṛṣṇa providenciou para que elas exibissem temporaria­mente corpos materiais, os quais então ficaram ao lado dos maridos. Dessa maneira, elas enganaram os parentes e saíram ao encontro de Kṛṣṇa.

Quando as gopīs chegaram diante do Senhor Kṛṣṇa, Ele pergun­tou: “Por que viestes? Não é bom que andeis na calada da noite por um lugar como este, cheio de criaturas violentas. Vossos mari­dos e filhos logo virão à vossa procura para vos levar para casa e ocupar-vos de novo em vossas tarefas domésticas. Afinal, o dever re­ligioso primordial de uma mulher é servir a seu marido e filhos. Para uma mulher respeitável, entregar-se a um amante é totalmente despre­zível e, com certeza, obstrui seu progresso rumo aos céus. Além disso, desenvolve-se amor puro por Mim não mediante proximidade física, mas por ouvir tópicos relacionados a Mim, ver a forma de Minha Deidade no templo, meditar em Mim e cantar com fé Minhas glórias. Portanto, todas vós faríeis melhor em voltar para casa.”

As gopīs ficaram abatidas ao ouvir isso e, depois de chorar um pouco, responderam um pouco iradas: “É injusto que rejeites mocinhas que abandonaram tudo em suas vidas e vieram a Ti com o desejo exclusivo de Te servir. Por servirmos nossos maridos e filhos, recebemos apenas dor, ao passo que, por servir a Ti, a mais querida Alma de todos os seres vivos, cumpriremos com perfeição o verdadeiro dever religioso do eu. Que mulher não se desviará de seus de­veres prescritos logo que ouvir o som de Tua flauta e vir Tua forma, que encanta os três mundos? Assim como o Supremo Senhor Viṣṇu protege os semideuses, Tu destróis a infelicidade do povo de Vṛndāvana. Deves, portanto, aliviar agora mesmo o tormento que sentimos por causa da separação de Ti.” Querendo agradar às gopīs, o Senhor Kṛṣṇa, que está sempre satisfeito em Si mesmo, respondeu a seus apelos divertindo-Se com elas em vários passatempos. Porém, quando essa atenção que Ele lhes dedicou fez com que elas ficassem um pouco orgulhosas, Ele as humildou desaparecendo de repente da arena da dança da rāsa.

Texto

śrī-bādarāyaṇir uvāca
bhagavān api tā rātṛīḥ
śāradotphulla-mallikāḥ
vīkṣya rantuṁ manaś cakre
yoga-māyām upāśritaḥ

Sinônimos

śrī-bādarāyaṇiḥ uvāca — Śrī Śukadeva, o filho de Śrīla Badarāyaṇa Vedavyāsa, disse; bhagavān — Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus; api — embora; tāḥ — aquelas; rātrīḥ — noites; śārada — de outono; utphulla — florescendo; mallikāḥ — as flores de jasmim; vīkṣya — vendo; rantum — para desfrutar o amor; manaḥ cakre — Ele decidiu; yoga-māyām — Sua potência espiritual que torna possível o impossível; upāśritaḥ — recorrendo a.

Tradução

Śrī Bādarāyaṇi disse: Śrī Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus, pleno de todas as opulências; ainda assim, ao ver aquelas noites de outono perfumadas com as flores de jasmim a desabrochar, Ele voltou o pensamento para Suas aventuras amorosas. Para realizar Seu propósito, Ele empregou Sua potência interna.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao começarmos a famosa narração da dança da rāsa do Senhor Kṛṣṇa, uma dança do amor com belas mocinhas, inevitavelmente surgirão dúvidas na mente das pessoas comuns sobre a propriedade da dança romântica de Deus com muitas jovens no meio de uma noite de lua cheia de outono. Em sua descrição da dança da rāsa do Senhor em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Prabhupāda esmera-se para explicar a pureza espiritual dessas atividades transcendentais. Os devotos avançados na ciência de Kṛṣṇa – os grandes mestres, ou ācāryas – não deixam dúvida de que o Senhor Kṛṣṇa é pleno e satisfeito em Si mesmo, livre de todo desejo mate­rial, o que é, afinal, um sentimento de deficiência ou falta.

Materialistas e filósofos impersonalistas rejeitam a todo custo a explicação autêntica da natureza transcendental de Śrī Kṛṣṇa. Não há razão para negar a bela realidade de uma pessoa absoluta capaz de praticar atividades românticas absolutas, das quais nosso suposto romance é mera sombra ou reflexo pervertido. A insistência irracional de que atividades materiais não podem ser um refle­xo das atividades espirituais perfeitas executadas por Deus reflete a disposição emocional prosaica daqueles que se opõem à realidade de Śrī Kṛṣṇa. Esta disposição psicológica dos não-devotos, que os leva a negar fervorosamente a própria existência da pessoa absoluta, infelizmente resulta no que se pode descrever, em poucas palavras, como inveja, já que a esmagadora maioria dos críticos impessoais busca com avidez seus próprios casos românticos, que eles consi­deram bastante reais e até mesmo “espirituais”.

O verdadeiro amante supremo é o Senhor Kṛṣṇa. O Vedānta-sūtra começa declarando que a Verdade Absoluta é a fonte de tudo, e até mesmo a filosofia ocidental nasceu de uma tentativa um tanto desas­trada de descobrir o Uno original por trás da aparente multiplicidade da existência material. O amor conjugal, um dos mais intensos e exigentes aspectos da existência humana, dificilmente não poderia ter qualquer relação com a realidade suprema.

De fato, o amor conjugal que experimentam os seres humanos é mero reflexo da realidade espiritual, na qual existe o mesmo amor em um estado absoluto e original. Por isso, afirma-se claramente neste verso que, quando Kṛṣṇa decidiu desfrutar a atmosfera romântica do outono, “Ele recorreu à Sua potência espiritual” (yoga-māyām upāśritaḥ). A natureza espiritual dos casos conjugais do Senhor Kṛṣṇa é um tema importante nesta seção do Śrīmad-Bhāgavatam.

Uma mulher é atraente por causa do som agradável de sua voz, por causa de sua beleza e gentileza, por causa de sua fragrância e ternura encantadoras e também por causa de sua perícia e habilidade na música e na dança. As mulheres mais atraentes de todas são as jovens gopīs de Vṛndāvana, que são a potência interna do Senhor, e este capítulo conta como Ele desfrutou das brilhantes qualidades femi­ninas delas – ainda que, como Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura mencionou, o Senhor Kṛṣṇa fosse um menino de oito anos quando aconteceram estes eventos.

As pessoas comuns preferem que Deus seja mera testemunha de seus casos românticos. Quando um rapaz deseja uma moça ou a moça deseja um rapaz, às vezes eles oram a Deus por seu desfrute. Tais pessoas ficam chocadas e consternadas ao descobrirem que o Senhor pode desfrutar Suas próprias aventuras amorosas com Seus próprios sentidos transcendentais. Em verdade, Śrī Kṛṣṇa é o Cupido original, e Seus empolgantes passatempos conjugais serão descritos nesta seção do Bhāgavatam.

Quando o Senhor Kṛṣṇa faz Seu advento à Terra, Seu corpo espiritual parece nascer e crescer à medida que Ele exibe Seus variados passatempos. O Senhor dificilmente poderia deixar passar Sua juventude sem exibir os supremos casos amorosos entre um rapaz e diversas moças. Portanto, Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura cita Śrīla Rūpa Go­svāmī da seguinte maneira, kaiśoraṁ saphalī-karoti kalayan kuñje vihāraṁ hariḥ: “O Senhor Hari torna perfeita Sua juventude median­te os arranjos de passatempos amorosos nos bosques da floresta de Vṛndāvana.”

Texto

tadoḍurājaḥ kakubhaḥ karair mukhaṁ
prācyā vilimpann aruṇena śantamaiḥ
sa carṣaṇīnām udagāc chuco mṛjan
priyaḥ priyāyā iva dīrgha-darśanaḥ

Sinônimos

tadā — naquela ocasião; uḍu-rājaḥ — a Lua, a rainha das estrelas; kakubhaḥ — do horizonte; karaiḥ — com suas “mãos” (raios); mukham — o rosto; prācyāḥ — ocidental; vilimpan — tingindo; aruṇena — com cor avermelhada; śam-tamaiḥ — (seus raios) que dão grande conforto; saḥ — ela; carṣaṇīnām — de todos os que assistiam; udagāt — subiu; śucaḥ — a infelicidade; mṛjan — tirando; priyaḥ — um esposo amado; priyāyāḥ — de sua amada esposa; iva — como; dīrgha — depois de muito tempo; darśanaḥ — ao ser visto de novo.

Tradução

Então, a Lua surgiu, tingindo a face do horizonte ocidental com o matiz avermelhado de seus raios confortantes e, assim, dissipou a dor de todos os que a viam nascer. A Lua era como um esposo amado que regressa após uma longa ausência e adorna o rosto de sua amada esposa com kuṅkuma vermelho.

Comentário

SIGNIFICADO—O jovem Kṛṣṇa empregou Sua potência interna, e esta logo criou uma atmosfera excitante para o amor conjugal.

Texto

dṛṣṭvā kumudvantam akhaṇḍa-maṇḍalaṁ
ramānanābhaṁ nava-kuṅkumāruṇam
vanaṁ ca tat-komala-gobhī rañjitaṁ
jagau kalaṁ vāma-dṛśāṁ manoharam

Sinônimos

dṛṣṭvā — observando; kumut-vantam — fazendo desabrocharem os lótus kumu­da, que florescem à noite; akhaṇḍa — completo; maṇḍalam — o disco de cujo rosto; ramā — da deusa da fortuna; ānana — (assemelhando-se) ao rosto; ābham — cuja luz; nava — novo; kuṅkuma — com pó de vermelhão; aruṇam — avermelhada; vanam — a floresta; ca — e; tat — daquela Lua; komala — gentil; gobhiḥ — pelos raios; rañjitam — colorida; jagau — Ele tocava Sua flauta; kalam — docemente; vāma-dṛśām — para as jovens de olhos encantadores; manaḥ-haram — encantando.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa viu o disco completo da lua cheia resplandecente com a refulgência rubra do vermelhão recém-aplicado, como se fosse o rosto da deusa da fortuna. Viu também os lótus kumuda abrindo-se em resposta à presença da Lua, e viu a floresta gentilmente iluminada por seus raios. Então, o Senhor começou a tocar Sua flauta com muita doçura, atraindo as mentes das gopīs de belos olhos.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra jagau neste verso indica que o Senhor Kṛṣṇa tocava canções em Sua flauta, como o confirma o verso quarenta com as palavras kā stry aṅga te kala-padāyata-veṇu-gītā. A palavra ramā pode indicar não só a consorte do Senhor Viṣṇu, mas também Śrīmatī Rādhārāṇī, a deusa da fortuna original. O Senhor Kṛṣṇa apareceu na dinastia do deus da Lua, e a Lua desempenha um papel preeminente aqui na preparação da entrada do Senhor na dança da rāsa.

Texto

niśamya gītāṁ tad anaṅga-vardhanaṁ
vraja-striyaḥ kṛṣṇa-gṛhīta-mānasāḥ
ājagmur anyonyam alakṣitodyamāḥ
sa yatra kānto java-lola-kuṇḍalāḥ

Sinônimos

niśamya — ouvindo; gītam — a música; tat — essa; anaṅga — Cupido; vardhanam — que fortifica; vraja-striyaḥ — as jovens de Vraja; kṛṣṇa — por Kṛṣṇa; gṛhīta — capturadas; mānasāḥ — cujas mentes; ājagmuḥ — foram; anyonyam — de umas às outras; alakṣita — não percebida; udyamāḥ — sua saída; saḥ — Ele; yatra — onde; kāntaḥ — seu namorado; ja­va — devido à pressa delas; lola — balançando; kuṇḍalāḥ — seus brincos.

Tradução

Quando as jovens de Vṛndāvana ouviram o som da flauta de Kṛṣṇa, que desperta sentimentos românticos, suas mentes se deixaram cativar pelo Senhor. Cada uma delas, sem que as outras soubessem, dirigiu-se para onde seu amante as aguardava, andando tão depressa que seus brincos balançavam para frente e para trás.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao que parece, cada gopī foi às escondidas, na esperança de evitar que suas rivais soubessem que o jovem Kṛṣṇa estava com disposição para aventuras românticas. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura descreve poeticamente a situação da seguinte maneira:

“Kṛṣṇa instigou um terrível roubo em Vṛndāvana quando tocou Sua flauta. O som de Sua flauta entrou pelos ouvidos das gopīs, indo até a câmara secreta do tesouro de seus corações. Aquela mú­sica maravilhosa roubou todos os seus bens mais valiosos – sua sobriedade, timidez, medo e discriminação, juntamente com suas próprias mentes – e, em uma fração de segundo, entregou todos esses bens a Kṛṣṇa. Agora, cada gopī ia implorar ao Senhor que devolvesse sua propriedade pessoal. Cada bela jovem pensava: ‘Tenho de capturar este grande ladrão’, e assim cada uma delas, sem que as outras sou­bessem, foram ao encontro do Senhor.”

Texto

duhantyo ’bhiyayuḥ kāścid
dohaṁ hitvā samutsukāḥ
payo ’dhiśritya saṁyāvam
anudvāsyāparā yayuḥ

Sinônimos

duhantyaḥ — durante a ordenha das vacas; abhiyayuḥ — foram embora; kāścit — algumas delas; doham — a ordenha; hitvā — abandonando; samutsukāḥ — extremamente ávidas; payaḥ — leite; adhiśritya — tendo posto no fogão; saṁyāvam — bolos de farinha; anudvāsya — sem tirar do forno; aparāḥ — outras; yayuḥ — foram.

Tradução

Algumas das gopīs estavam ordenhando as vacas quando ouviram a flauta de Kṛṣṇa. Elas pararam de ordenhar e saíram ao encontro dEle. Algumas deixaram leite coalhando no fogão, e outras deixaram bolos queimando no forno.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui se mostra a avidez dessas vaqueirinhas, devotadas com tanto amor ao jovem Kṛṣṇa.

Texto

pariveṣayantyas tad dhitvā
pāyayantyaḥ śiśūn payaḥ
śuśrūṣantyaḥ patīn kāścid
aśnantyo ’pāsya bhojanam
limpantyaḥ pramṛjantyo ’nyā
añjantyaḥ kāśca locane
vyatyasta-vastrābharaṇāḥ
kāścit kṛṣṇāntikaṁ yayuḥ

Sinônimos

pariveṣayantyaḥ — vestindo-se; tat — isto; hitvā — pondo de lado; pāyayantyaḥ — fazendo beber; śiśūn — seus filhos; payaḥ — leite; śuśrūṣantyaḥ — prestando serviço pessoal; patīn — a seus maridos; kāścit — algumas delas; aśnantyaḥ — comendo; apāsya — deixando de lado; bho­janam — suas refeições; limpantyaḥ — aplicando cosméticos; pramṛjan­tyaḥ — limpando-se com óleos; anyāḥ — outras; añjantyaḥ — aplicando kajjala; kāśca — algumas; locane — em seus olhos; vyatyasta — em desalinho; vastra — suas roupas; ābharaṇāḥ — e ornamentos; kāścit — algumas delas; kṛṣṇa-antikam — para perto de Kṛṣṇa; yayuḥ — foram.

Tradução

Algumas delas estavam se vestindo, dando de mamar a seus bebês ou prestando serviço pessoal aos maridos, mas todas abandonaram esses deveres e foram ao encontro de Kṛṣṇa. Outras gopīs estavam jantando, lavando-se, colocando cosméticos ou aplicando kajjala nos olhos. Mas todas as gopīs pararam de imediato essas atividades e, embora suas roupas e ornamentos estivessem em completo desalinho, correram em direção a Kṛṣṇa.

Texto

tā vāryamāṇāḥ patibhiḥ
pitṛbhir bhrātṛ-bandhubhiḥ
govindāpahṛtātmāno
na nyavartanta mohitāḥ

Sinônimos

tāḥ — elas; vāryamāṇāḥ — sendo impedidas; patibhiḥ — por seus maridos; pitṛbhiḥ — por seus pais; bhrātṛ — irmãos; bandhubhiḥ — e outros parentes; govinda — pelo Senhor Kṛṣṇa; apahṛta — roubado; ātmānaḥ — o próprio eu delas; na nyavartanta — elas não voltaram; mohitāḥ — encantadas.

Tradução

Seus maridos, pais, irmãos e outros parentes tentaram detê-las, mas Kṛṣṇa já havia roubado seus corações. Encantadas pelo som de Sua flauta, elas se recusaram a voltar.

Comentário

SIGNIFICADO—Algumas das jovens gopīs eram casadas, e seus maridos tentaram detê-las. As mocinhas solteiras tiveram de lidar com seus pais, irmãos e outros parentes. Em circunstâncias normais, nenhum desses parentes teria permitido nem mesmo que os cadáveres das jovens fossem a sós à floresta à noite, mas o Senhor Kṛṣṇa já empregara Sua potência interna, em razão do que o episódio romântico se desenrolou sem interferência.

Texto

antar-gṛha-gatāḥ kāścid
gopyo ’labdha-vinirgamāḥ
kṛṣṇaṁ tad-bhāvanā-yuktā
dadhyur mīlita-locanāḥ

Sinônimos

antaḥ-gṛha — dentro de casa; gatāḥ — presentes; kāścit — algumas; gopyaḥgopīs; alabdha — não conseguindo; vinirgamāḥ — nenhuma saída; kṛṣṇam — em Śrī Kṛṣṇa; tat-bhāvanā — de amor extático por Ele; yuktāḥ — plenamente dotadas; dadhyuḥ — meditaram; mīlita — fechados; locanāḥ — seus olhos.

Tradução

Algumas das gopīs, todavia, não conseguiram sair de suas casas e, em vez disso, ficaram em casa de olhos fechados, meditando nEle em amor puro.

Comentário

SIGNIFICADO—Por todo o décimo canto, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura tece elaborados comentários poéticos sobre os passatempos do Senhor Kṛṣṇa. Nem sempre é possível incluir essas extensas descrições, mas citaremos na íntegra seus comentários sobre este verso. Recomendamos sinceramente à comunidade vaiṣṇava erudita que um devoto qualificado do Senhor apresente o comentário completo de Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura sobre o décimo canto como um livro à parte, que será sem dúvida apreciado tanto por devotos quanto por não-devotos. Os comentários do ācārya sobre este verso são os seguintes:

“Neste contexto, faremos nossa análise segundo o método descrito no Ujjvala-nīlamaṇi, de Śrīla Rūpa Gosvāmī. Há duas categorias de gopīs: as eternamente perfeitas (as nitya-siddhas) e as que se torna­ram perfeitas mediante a prática de bhakti-yoga (as sādhana-siddhas). As sādhana-siddhas são de duas categorias: as que pertencem a grupos especiais e as que não pertencem. E também existem duas classes das gopīs que pertencem a grupos especiais, a saber, as śruti-cārīs, que vêm do grupo dos Vedas personificados, e as ṛṣi-cārīs, que vêm do grupo de sábios que viram o Senhor Rāmacandra na floresta de Daṇḍakāraṇya.

“O Padma Purāṇa apresenta esta mesma divisão das gopīs em quatro categorias:

gopyas tu śrutayo jñeyā
ṛṣi-jā gopa-kanyakāḥ
deva-kanyāś ca rājendra
na mānuṣyāḥ kathañcana

‘Entende-se que algumas das gopīs são os textos védicos personificados, enquanto outras são sábios renascidos, filhas de vaqueiros ou donzelas celestiais. Porém, meu querido rei, nenhuma delas é, de modo algum, um ser humano ordinário.’ Aqui somos informados de que, embora parecessem ser vaqueirinhas humanas, as gopīs de fato não o eram. Assim se refuta a controvérsia de serem elas mortais.

“As filhas de vaqueiros, aqui chamadas gopa-kanyās, devem ser eternamente perfeitas, pois jamais ouvimos falar que elas tenham executado algum sādhana. O aparente sādhana de sua adoração à deusa Kātyāyanī no papel de gopīs apenas manifesta sua maneira de agir como seres humanos, e o Bhāgavatam traz o relato desta adoração apenas para mostrar como elas tinham assumido na íntegra o papel de vaqueirinhas.

“Que as gopīs gopa-kanyā são de fato nitya-siddhas, devotas eternamente perfeitas do Senhor, é estabelecido por uma declaração da Brahma-saṁhitā (5.37) – ānanda-cinmaya-rasa-pratibhāvitābhiḥ –, que prova que elas são a potência espiritual de prazer do Senhor. Temos também as palavras do Gautamīya-tantra: hlādinī yā mahā-śaktiḥ. Corroboração adicional de sua eterna perfeição é o fato de essas gopīs, sendo coeternas com o Senhor Kṛṣṇa, seu amante, são mencionadas junto com Ele no mantra de dezoito sílabas, no mantra de dez sílabas e outros, e também o fato de a adoração desses mantras, e também os śrutis que os apresentam, existirem desde tempos ime­moriais.

“O Śrī Ujjvala-nīlamaṇi explica que as deva-kanyās, filhas dos semideuses, mencionadas no verso iniciado por sambhavas tv amara­-striyaḥ, são expansões parciais das gopīs que são eternamente perfeitas. Compreende-se que as gopīs śruti-cārī, os Vedas personificados, são sādhana-siddhas devido às seguintes palavras delas citadas no Bṛhad-vāmana Purāṇa:

kandarpa-koṭi-lāvaṇye
tvayi dṛṣṭe manāṁsi naḥ
kāminī-bhāvam āsādya
smara-kṣubdhānya-saṁśayāḥ
yathā tval-loka-vāsinyaḥ
kāma-tattvena gopikāḥ
bhajanti ramaṇaṁ matvā
cikīrṣājaninas tathā

‘Desde que vimos Vosso rosto, que possui a beleza de milhões de Cupidos, nossas mentes passaram a desejar-Vos luxuriosamente, como o fazem jovens mocinhas, e esquecemos todas as outras seduções. Desenvol­vemos o desejo de nos relacionarmos conVosco como o fazem as gopīs que resi­dem em Vosso planeta transcendental e que manifestam a natureza de Cupido adorando-Vos com a ideia de que sois seu amante.’

“As gopīs ṛṣi-cārī são também sādhana-siddha, como se afirma no Ujjvala-nīlamaṇi: gopālopāsakāḥ pūrvam aprāptābhīṣṭa-siddhayaḥ. Outrora, todas elas eram mahārṣis que moravam na floresta de Daṇḍaka. Encontramos evidência disso no Padma Purāṇa, Uttara-khaṇḍa:

dṛṣṭvā rāmaṁ hariṁ tatra
bhoktum aicchan su-vigraham
te sarve strītvam āpannāḥ
samudbhūtāś ca gokule
hariṁ samprāpya kāmena
tato muktā bhavārṇavāt

“Este verso diz que, após verem o Senhor Rāmacandra, os sábios da floresta de Daṇḍaka desejaram desfrutar com o Senhor Hari (Kṛṣṇa). Em outras palavras, a visão da beleza do Senhor Rāma os fez lembrar do Senhor Hari, Gopāla, seu objeto de adoração pessoal, e então eles quiseram desfrutar com Ele. Contudo, devido ao embaraço, eles não agiram de acordo com esse desejo, ao que Śrī Rāma, que é como uma árvore dos desejos, deu-lhes Sua misericórdia, ainda que eles não tivessem manifestado seu pedido em palavras. Dessa maneira, o desejo deles foi satisfeito como o declaram as palavras que começam com te sarve. Por meio de sua atração luxuriosa, eles se libertaram do oceano da existência material e do ciclo de nascimentos e mortes e, por coincidência, obtiveram a associação com Hari em amor conjugal.

“No presente verso do Bhāgavatam, entendemos que as gopīs que tinham filhos é que foram forçadas a permanecer em casa. Esse fato ficará evidente em versos que ainda estão por vir: mātaraḥ pitaraḥ putrāḥ (SB 10.29.20), yat-paty-apatya-suhṛdām anuvṛttir aṅga (SB 10.29.32) e pati-sutānvaya-bhrātṛ-bāndhavān (SB 10.31.16). Em seus comentários sobre o décimo canto, Śrīla Kavi-karṇapūra Gosvāmī menciona este fato. Sem tentar repetir todos os seus pensamentos sobre este verso, daremos a essência de seu significado:

“‘Ao verem a forma pessoal do Senhor Śrī Rāmacandra, os sábios que eram adoradores do Senhor Gopāla logo se elevaram à madura plataforma de devoção espontânea, alcançando automaticamente os níveis de fé firme, atração e apego. Mas eles ainda não se haviam livrado por completo de toda a contaminação material, de modo que Śrī Yogamāyā-devī providenciou para que eles nascessem dos ventres das gopīs e se tornassem vaqueirinhas. Mediante a associação com as gopīs eternamente perfeitas, algumas dessas novas gopīs manifes­taram plena atração amorosa pūrva-raga por Kṛṣṇa logo que alcançaram a puberdade. (Esta espécie de atração se desenvolve até mesmo antes de se encontrar o amado.) Quando essas novas gopīs obtiveram a audiência direta com Kṛṣṇa e se associaram fisicamente com Ele, toda a sua contaminação restante foi reduzida a cinzas, e elas alcança­ram as fases avançadas de prema, sneha e assim por diante.

“‘Ainda que estivessem na companhia de seus maridos vaqueiros, as gopīs, em virtude do poder de Yogamāyā, permaneceram imacula­das no que se refere ao contato sexual com eles; de fato, elas estavam situadas em corpos puramente espirituais, desfrutados por Kṛṣṇa. Na noite em que elas ouviram o som da flauta de Kṛṣṇa, seus maridos tentaram detê-las, mas, pela misericordiosa ajuda de Yogamāyā, as gopīs sādhana-siddha foram capazes de encontrar-se com seu amado, junto das gopīs nitya-siddha.

“‘Outras gopīs, todavia, por não conseguirem a boa fortuna de se associarem com as gopīs nitya-siddha e outras gopīs avançadas, não alcançaram a fase de prema, motivo pelo qual sua contaminação não foi queimada por completo. Elas entraram em contato com seus maridos vaqueiros e, depois da união sexual com eles, tiveram filhos. Porém, pouco tempo depois, mesmo essas gopīs desenvolveram seu pūrva­raga, ansiando ardentemente pela associação física com Kṛṣṇa – desejo este que elas adquiriram em decorrência da associação com as gopīs avançadas. Tornando-se recipientes dignos da misericórdia das gopīs perfeitas, elas assumiram corpos transcendentais aptos a ser desfrutados por Kṛṣṇa, e, quando Yogamāyā deixou de ajudá-las a vencer as tentativas de seus maridos de impedi-las de sair, elas se sentiram vítimas da pior calamidade. Vendo seus maridos, irmãos, pais e outros familiares como inimigos, elas chegaram quase a morrer. Assim como outras mulheres poderiam lembrar-se de suas mães ou outros parentes na hora da morte, essas gopīs se lembravam do único amigo de sua vida, Kṛṣṇa, como se declara no presente verso do Bhāgavatam, que começa com a palavra antar.

“‘Pode-se deduzir que aquelas senhoras não puderam sair porque foram retidas por seus maridos, que ficaram diante delas com varas nas mãos, censurando-as. Embora essas gopīs estivessem perpetuamente absortas em amor por Kṛṣṇa, naquele momento em particular, elas meditaram nEle e gritaram dentro de si: ‘Ai de mim! Ai de mim! Ó único amigo de nossa vida! Ó oceano das habilidades artísticas da floresta de Vṛndāvana! Por favor, permite que sejamos Tuas namora­das em alguma vida futura, porque, desta vez, não podemos ver Teus pés de lótus com nossos olhos. Que assim seja. Olharemos para Ti com nossas mentes.’ Cada uma delas, lamentando-se para si mesma dessa maneira, permaneceram de olhos fechados e meditaram pro­fundamente nEle.’”

Texto

duḥsaha-preṣṭha-viraha-
tīvra-tāpa-dhutāśubhāḥ
dhyāna-prāptācyutāśleṣa-
nirvṛtyā kṣīṇa-maṅgalāḥ
tam eva paramātmānaṁ
jāra-buddhyāpi saṅgatāḥ
jahur guṇa-mayaṁ dehaṁ
sadyaḥ prakṣīṇa-bandhanāḥ

Sinônimos

duḥsaha — intolerável; preṣṭha — de seu amado; viraha — da separação; tīvra — intensa; tāpa — pela dor ardente; dhuta — removidas; aśubhāḥ — todas as coisas inauspiciosas de seus corações; dhyāna — pela meditação; prāpta — obtido; acyuta — do infalível Senhor Śrī Kṛṣṇa; āśleṣa — causada pelo abraço; nirvṛtyā — pela alegria; kṣīṇa — reduzidas a nada; maṅgalāḥ — suas reações kármicas auspiciosas; tam — a Ele; eva — ainda que; parama-ātmānam — a Superalma; jāra — um amante; buddhyā — pensando que Ele era; api — não obstante; saṅgatāḥ — obtendo Sua associação direta; jahuḥ — abandonaram; guṇa­-mayam — constituídos dos modos da natureza material; deham — seus corpos; sadyaḥ — de imediato; prakṣīṇa — completamente anulado; bandhanāḥ — todo o seu cativeiro do karma.

Tradução

Para aquelas gopīs que não puderam ir ver Kṛṣṇa, a intolerá­vel separação de seu amado causava tamanha agonia que quei­mava todo o karma impiedoso. Por meditarem nEle, elas sentiam Seu abraço, e o êxtase que experimentavam então esgotava sua piedade material. Embora o Senhor Kṛṣṇa seja a Alma Suprema, estas moças simplesmente pensavam nEle como seu amado e se associavam com Ele nesta atitude íntima. Dessa maneira, seu cativeiro kármico foi anulado, e elas abandonaram seus corpos materiais grosseiros.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī elabora o seguinte comentário sobre este verso: “Nesta passagem, Śukadeva Gosvāmī fala de modo peculiar: ele apresenta o objeto íntimo que as gopīs alcançaram como se fosse uma ideia externa, ocultando assim sua verdadeira natureza daqueles que são pro­fanos, ao passo que, ao mesmo tempo, revela aos devotos íntimos e bem versados nas conclusões científicas do serviço devocional o sen­tido interno, que constitui seu verdadeiro significado. Desse modo, para quem é de fora, Śukadeva diz que Kṛṣṇa deu a liberação às gopīs, mas, aos ouvintes confidenciais, Śukadeva revela que, quando as gopīs experimentavam separação de seu amado, surgia nelas tanto uma infelicidade imensurável quanto uma imensurável felicidade e que elas conseguiram, aos poucos, sua meta desejada.

“Pode-se, portanto, compreender o verso da seguinte maneira: Por causa da intolerável separação de seu amado, as gopīs sentiam terrí­vel agonia, devido à qual elas faziam tremer todas as coisas inauspi­ciosas. Em outras palavras, ao ouvirem falar da extrema agonia das gopīs resultante da separação de seu amado, as pessoas em geral abandonam milhares de coisas inauspiciosas – coisas até mesmo tão terríveis como os fogos subterrâneos de milhões de universos ou o poderoso veneno engolido pelo senhor Śiva. Mais especificamente, aqueles que ouvem falar do amor das gopīs em separação abando­nam o terrível falso ego e, considerando-se derrotados, são abalados. Quando as gopīs meditaram no Senhor Acyuta, Ele Se manifestou e veio em pessoa até elas, que então experimentaram grande alegria abraçando Seu corpo, que estava repleto de transcendental amor por elas. As gopīs também experimentaram enorme júbilo exibindo ca­racterísticas pessoais e um sentido de identificação apropriado para tal amor. Esse júbilo fez com que toda a sua boa fortuna, tanto material como espiritual, parecesse desprezível em comparação.

“A dedução é que, quando outras pessoas veem como as gopīs ficaram felizes ao abraçar Kṛṣṇa quando Ele Se manifestou direta­mente diante delas, essas outras pessoas sentem que milhares de obje­tos ditos auspiciosos são insignificantes em comparação, incluídos aí todos os prazeres de gozo dos sentidos encontrados em milhões de universos e até o prazer suprassensorial da bem-aventurança espiri­tual (brahmānanda). Assim ouvindo falar sobre a aflição das gopīs e sobre a alegria que surgiu, respectivamente, de sua separação do Senhor Supremo e de sua união com Ele, qualquer um pode livrar­se de todas as reações de suas atividades passadas, tanto pecaminosas quanto piedosas. Os vaiṣṇavas decerto não acham que as reações pecaminosas e piedosas só podem ser destruídas pela vivência, pois, afinal, nem a separação do Senhor Supremo nem a associação direta com Ele estão na categoria do karma. Essa espécie de eliminação das reações kármicas acontece na fase de bhajana para aqueles que che­garam ao nível de anartha-nivṛtti.

“E assim as gopīs pensavam em Kṛṣṇa – o Paramātmā, ou su­premo objeto digno de todo amor – como seu amante. Mesmo que tal conceito seja comumente desprezível, as gopīs compreendiam Kṛṣṇa em um sentido ainda mais pleno do que Rukmiṇī e Suas outras rainhas, que pensavam nEle muito respeitosamente como seu mari­do. Prova-se que pensar no Senhor como amante é superior a pensar nEle como marido pelo fato de que o amor puro e incontido é superior ao amor domesticado. Confirmam esta ideia as seguintes palavras de Śrī Uddhava, yā dustyajaṁ sva-janam ārya-pathaṁ ca hitvā: ‘Estas damas de Vraja abandonaram suas famílias e seus avançados princípios religiosos, ainda que fazer isso seja muito difícil.’ (Śrīmad-Bhāgavatam 10.47.61)

“Em Seus passatempos na Terra, Kṛṣṇa muitas vezes converte as coisas mais baixas nas mais elevadas. Como disse Bhīṣma, o passatempo em que Kṛṣṇa age como quadrigário de Arjuna é ainda mais elevado do que os passatempos em que Ele agiu como poderoso rei dos reis, vijaya-ratha-kuṭumba ātta-totre/ dhṛta-haya-raśmini tac-chriyeskṣaṇīye: ‘Eu concentro minha mente no quadrigário de Arjuna que Se pôs de pé com um chicote em Sua mão direita e uma rédea em Sua mão esquerda, e que era muito cuidadoso em proteger a qua­driga de Arjuna de todos os modos.’ (Śrīmad-Bhāgavatam 1.9.39) Assim também, no aparecimento do Senhor como Kṛṣṇa, vemos que a normalmente inferior rasa conjugal torna-se melhor do que a atitude normalmente superior de śānta-rasa, bem como a atitude de ter um caso com um amante torna-se superior ao intercâmbio amoroso entre esposos legítimos, e insignificantes colares de guñjā, pasta de óxido vermelho e penas de pavão tornam-se melhores do que as mais excelentes joias.

“Mas talvez alguém objete que não é conveniente que o Senhor Supremo Se divirta com mulheres cujos corpos já foram desfrutados por outros homens. Esta objeção é respondida com as palavras iniciadas por jahuḥ. A palavra deham é usada aqui na forma do singular para indicar unidade de categoria, ainda que as gopīs sejam muitas. Algumas autoridades dizem que, pelo poder de Yogamāyā, os corpos destas gopīs desapareceram de um modo que ninguém notou, mas outras autoridades dizem que o corpo a que se refere neste contexto é o corpo inferior, composto dos modos da natureza material. Assim, pelo destaque do adjetivo guṇa-mayam, entende-se que, antes de ou­virem o som da flauta de Kṛṣṇa, os corpos das gopīs eram de duas espécies, material e espiritual, e, depois de ouvirem a flauta, elas abandonaram os corpos materiais, que seus maridos haviam desfrutado. Podemos analisar isso da seguinte maneira:

“Quando os devotos começam a buscar o serviço devocional de acordo com as instruções de um mestre espiritual autêntico, eles ocupam os ouvidos e outros sentidos em devoção pura, ouvindo falar do Senhor, cantando Suas glórias, lembrando-se dEle, oferecendo-Lhe reverências, dando-Lhe atenção pessoal e assim por diante. Dessa maneira, os devotos fazem das qualidades transcendentais do Senhor os objetos de seus sentidos, como o declarou o próprio Senhor, nirguṇo mad-apāśrayaḥ. (Śrīmad-Bhāgavatam 11.25.26) Deste modo, os corpos dos devotos transcendem os modos materiais. Todavia, às vezes os devotos podem aceitar como objetos de seus sentidos sons mundanos etc., e isso é material. Logo, o corpo do devoto pode ter dois aspectos, o transcendental e o material.

“Segundo o nível de serviço devocional de alguém, os aspectos transcendentais de seu corpo se destacam e os aspectos materiais diminuem. Essa transformação é descrita no seguinte verso do Bhāgavatam (11.2.42):

bhaktiḥ pareśānubhavo viraktir
anyatra caiṣa trika eka-kālaḥ
prapadyamānasya yathāśnataḥ syus
tuṣṭiḥ puṣṭiḥ kṣud-apāyo ’nu-ghāsam

‘A devoção, a experiência direta do Senhor Supremo, e o desapego de outras coisas – estas três ocorrem ao mesmo tempo para quem se abrigou na Suprema Personalidade de Deus, da mesma forma que o prazer, a nutrição e o alívio da fome vêm simultânea e crescente­mente, a cada mordida, para alguém que está comendo.’ Quando alguém alcança amor totalmente puro por Deus, as porções materiais do corpo desaparecem e o corpo se espiritualiza por completo. Não obstante, a fim de não perturbar as opiniões falsas dos ateus e a fim de proteger o caráter confidencial do serviço devocional, o Senhor Supremo em geral determina que Sua energia ilusória exiba a morte do corpo grosseiro. Um exemplo disso é o desaparecimento dos Yādavas durante a mauṣala-līlā.

“Algumas vezes, porém, para proclamar a excelência do bhakti­-yoga, Kṛṣṇa permite que um devoto regresse ao Supremo em seu próprio corpo, como no caso de Dhruva Mahārāja. Podemos citar uma evidência para este ponto do capítulo vinte e cinco do décimo primeiro canto, verso 32:

yeneme nirjitāḥ saumya
guṇā jīvena citta-jāḥ
bhakti-yogena man-niṣṭho
mad-bhāvāya prapadyate

‘Uma entidade viva que vence os modos da natureza material, que se manifestam da mente, pode dedicar-se a Mim [Kṛṣṇa] pelo processo do serviço devocional e assim alcançar amor puro por Mim.’ Nesta passagem, o Senhor afirma que a derrota e destruição daquilo que se compõe dos modos da natureza material só podem ser provocadas pelo processo do serviço devocional.

“Portanto, o que devemos entender a partir do presente verso do Bhāgavatam é que as gopīs que não puderam ir ver Kṛṣṇa tiveram seus inauspiciosos corpos materiais retirados ou queimados, enquanto seus auspiciosos corpos espirituais, longe de serem destruídos, apenas se destacaram ainda mais por causa do êxtase que as gopīs sentiram ao abraçar Kṛṣṇa em meditação. Portanto, seu cativeiro foi completa­mente destruído: pela ajuda de Yogamāyā, elas se livraram da igno­rância e também das proibições de seus maridos e de outros parentes.

“Não devemos cometer o erro de explicar esta queda dos corpos das gopīs como resultado de sua morte. Como o declara o próprio Senhor:

yā mayā krīḍatā rātryāṁ
vane ’smin vraja āsthitāḥ
alabdha-rāsāḥ kalyāṇyo
māpur mad-vīrya-cintayā

‘Algumas daquelas auspiciosíssimas gopīs não puderam vir ter coMi­go diretamente para desfrutar a dança da rāsa naquela noite nesta flo­resta de Vṛndāvana; ainda assim, elas obtiveram Minha associação através da lembrança de Meus passatempos transcendentais.’ (Śrīmad-Bhāgavatam 10.47.37) Ao usar a palavra kalyāṇyaḥ neste verso, o Senhor indica: ‘Ainda que essas gopīs quisessem abandonar seus corpos devido às proibições de seus maridos e ao tormento da separação de Mim, sua morte bem no início do auspiciosíssimo festival da dança da rāsa teria sido desagradável para Mim e, deste modo, inauspiciosa. Então, elas não mor­reram.’

“Outra prova de que as gopīs que foram impedidas de ir ver Kṛṣṇa não morreram fisicamente é dada por uma declaração de Śrī Śuka­deva mais adiante neste canto (10.47.38), tā ūcur uddhavaṁ prītās tat-sandeśāgata-smṛtīḥ: ‘Então, elas [as gopīs] responderam a Uddha­va sentindo-se satisfeitas porque a mensagem dEle fizera com que se lembrassem de Kṛṣṇa.’ Entendemos nesta passagem que as gopīs que falavam com Uddhava eram as que não tiveram a oportunidade de partici­par diretamente na dança da rāsa por terem ficado presas em casa. Conclui-se, portanto, que elas abandonaram seus corpos materiais sem morrer. Queimados pelo intenso calor da separação, seus corpos materiais abandonaram sua materialidade e tornaram-se puramente espirituais, assim como os corpos de grandes devotos, tais como Dhruva Mahārāja. Este é o significado de as gopīs ‘abandonarem seus corpos’.

“A seguinte analogia ilustra as posições das diversas gopīs: Atra­vés da observação de sete ou oito mangas maduras em uma mangueira, podemos verificar que todas as frutas daquela árvore estão maduras. Então, podemos colhê-las todas e levar para casa, onde, no devido tempo, os raios solares e outros agentes vão deixá-las com belo as­pecto, fragrantes e deliciosas – boas para serem oferecidas ao rei para o seu prazer. Quando chega a hora do rei fazer sua refeição, um servo inteligente pode escolher as frutas que estão no ponto para serem oferecidas a ele. Pela aparência das frutas, o servo pode saber quais estão maduras por dentro, mas ainda verdes por fora e, portanto, ainda impróprias para o rei. Através da aplicação de um processo especial de aquecimento, essas frutas restantes amadurecerão em dois ou três dias, momento no qual também estarão prontas para se oferecer ao rei.

“De modo semelhante, dentre as gopīs muni-cārī que nasceram em Gokula, aquelas que abandonaram por completo a materialidade de seus corpos e bem cedo na vida obtiveram corpos puramente espirituais foram capazes de permanecer intocadas por qualquer outro homem; assim, Yogamāyā permitiu-lhes juntarem-se às nitya-siddha e outras gopīs avançadas quando estas foram ao encontro de Kṛṣṇa. “Outras gopīs muni-cārī ainda retiveram alguma ligação com o corpo material externo, mas até elas, depois de serem queimadas pelo calor da saudade de Śrī Kṛṣṇa, abandonaram a materialidade de seus corpos e assumiram corpos perfeitamente transcendentais, purificados de todo vestígio de contato com outros homens. Na noite da dança da rāsa, Yogamāyā mandou algumas dessas gopīs saírem atrás da­quelas que já haviam saído; outras, que Yogamāyā via terem ainda uma pequena quantidade de contaminação, ela manteve para trás para purificá-las mais com o calor da separação e, então, mandou-as sair em alguma outra noite.

“Depois de desfrutarem os prazeres da dança da rāsa e outros passatempos com Kṛṣṇa, as gopīs muni-cārī que haviam participado voltaram para casa quando a noite acabou, como fizeram as nitya-siddha e outras gopīs avançadas. Mas agora Yogamāyā protegeu aquelas gopīs muni-cārī da associação mundana com seus maridos; em outras palavras, essas gopīs não tinham nenhum apego egoísta a marido, filhos etc. Como essas gopīs estavam imersas por completo no grande oceano de amor por Kṛṣṇa, seus seios secaram-se e elas não podiam amamentar seus bebês, e, a seus familiares, elas pareciam assombradas por fantasmas. Em suma, não é impróprio que as gopīs que antes estavam em associação material participassem da dança da rāsa.

“Algumas autoridades, contudo, sustentam que as gopīs que foram retidas em casa não tinham filhos. Segundo essas autoridades, sempre que apare­cem palavras como apatya (“filhos”) nos versos que ainda estão por vir, essas palavras referem-se a filhos de co-esposas, a filhos adotivos ou a sobrinhos e sobrinhas.”

Texto

śrī-parīkṣid uvāca
kṛṣṇaṁ viduḥ paraṁ kāntaṁ
na tu brahmatayā mune
guṇa-pravāhoparamas
tāsāṁ guṇa-dhiyāṁ katham

Sinônimos

śrī-parīkṣit uvāca — Śrī Parīkṣit disse; kṛṣṇam — o Senhor Kṛṣṇa; viduḥ — conheciam; param — somente; kāntam — como seu amado; na — não; tu — mas; brahmatayā — como a Verdade Absoluta; mune — ó sábio, Śukadeva; guṇa — dos três modos da natureza material; pravāha — da poderosa corrente; uparamaḥ — a cessação; tāsām — para elas; guṇa-dhiyām — cuja mentalidade estava presa àqueles modos; katham — como.

Tradução

Śrī Parīkṣit Mahārāja disse: Ó sábio, as gopīs conheciam Kṛṣṇa somente como seu amante, não como a Suprema Verdade Absoluta. Então, como essas jovens, com suas mentes presas nas ondas dos modos da natureza, poderiam libertar-se do apego material?

Comentário

SIGNIFICADO—O rei Parīkṣit estava sentado em uma assembleia de grandes sábios e outras personalidades importantes, ouvindo as palavras de Śuka­deva Gosvāmī. Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, quando Śukadeva começou a falar do amor conjugal das gopīs por Kṛṣṇa, o rei notou a expressão do rosto de algumas das pessoas mais materia­listas ali presentes e percebeu a dúvida que se escondia em seus corações. Portanto, embora entendesse todo o significado das palavras de Śukadeva, o rei se apresentou como se tivesse uma dúvida pessoal a fim de poder erradicar a dúvida alheia. Foi por isso que ele fez esta pergunta.

Texto

śrī-śuka uvāca
uktaṁ purastād etat te
caidyaḥ siddhiṁ yathā gataḥ
dviṣann api hṛṣīkeśaṁ
kim utādhokṣaja-priyāḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; uktam — falado; purastāt — antes; etat — isto; te — para ti; caidyaḥ — o rei de Cedi, Śiśupāla; siddhim — perfeição; yathā — como; gataḥ — alcançou; dviṣan — odiando; api — mesmo; hṛṣīkeśam — o Supremo Senhor Hṛṣīkeśa; kim uta — o que dizer então; adhokṣaja — ao Senhor transcendental, que está além do alcance dos sentidos ordinários; priyāḥ — daqueles devotos que são muito queridos.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Este ponto já te foi explicado antes. Visto que até mesmo Śiśupāla, que odiava Kṛṣṇa, alcançou a perfeição, o que dizer, então, dos queridos devotos do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Ainda que a natureza espiritual das almas condicionadas possa ser encoberta pela ilusão, a natureza espiritual do Senhor Kṛṣṇa é onipotente e jamais é encoberta por qualquer outro poder. De fato, todos os outros poderes são energias dEle e, por isso, funcionam de acordo com Sua vontade. A Brahma-saṁhitā (5.44) afirma que sṛṣṭi sthiti-pralaya-sādhana-śaktir ekā/ chāyeva yasya bhuvanāni bibharti durgā/ icchānurūpam api yasya ca ceṣṭate sā: “A poderosa Durgā, que cria, mantém e aniquila os mundos materiais, é a potência do Senhor Supremo e se move como a sombra dEle, segundo Seu desejo.” Assim, porque a influência espiritual do Senhor não depende de alguém compreen­dê-lO ou não, o amor espontâneo das gopīs por Kṛṣṇa garantiu-lhes a perfeição espiritual.

O eminente Madhvācārya cita as seguintes passagens relevantes do Skanda Purāṇa:

kṛṣṇa-kāmās tadā gopyas
tyaktvā dehaṁ divaṁ gatāḥ
samyak kṛṣṇaṁ para-brahma
jñātvā kālāt paraṁ yayuḥ

“Naquele momento, as gopīs, que desejavam Kṛṣṇa, abandonaram seus corpos e foram para o mundo espiritual. Por terem compreen­dido de forma apropriada que Kṛṣṇa é a Suprema Verdade Absoluta, elas transcenderam a influência do tempo.”

pūrvaṁ ca jñāna-saṁyuktās
tatrāpi prāyaśas tathā
atas tāsāṁ paraṁ brahma
gatir āsīn na kāmataḥ

“Em suas vidas anteriores, a maioria das gopīs já tinha sido dotada de pleno conhecimento transcendental. É por causa desse conhecimento, e não de sua luxúria, que elas foram capazes de alcançar o Brahman Supremo.”

na tu jñānam ṛte mokṣo
nānyaḥ pantheti hi śrutiḥ
kāma-yuktā tadā bhaktir
jñānaṁ cāto vimukti-gāḥ

“Os Vedas declaram que, sem conhecimento espiritual, inexiste caminho válido para a liberação. Porque estas gopīs aparentemente luxuriosas possuíam devoção e conhecimento, elas alcançaram a liberação.”

ato mokṣe ’pi tāsāṁ ca
kāmo bhaktyānuvartate
mukti-śabdodito caidya-
prabhṛtau dveṣa-bhāginaḥ

“Deste modo, até mesmo em sua obtenção de liberação, a ‘luxúria’ seguia como manifestação de sua devoção pura. Afinal, o que chamamos de liberação foi experimentado até por pessoas invejosas como Śiśupāla.”

bhakti-mārgī pṛthaṅ muktim
agād viṣṇu-prasādataḥ
kāmas tv aśubha-kṛc cāpi
bhaktyā viṣṇoḥ prasāda-kṛt

“Pela misericórdia do Senhor Viṣṇu, alguém que segue o caminho do serviço devocional obtém a liberação como subproduto, e o dese­jo luxurioso de tal pessoa, que normalmente invocaria a má fortuna, em vez disso, quando exibido em devoção pura, invoca a misericór­dia de Viṣṇu.”

dveṣi-jīva-yutaṁ cāpi
bhaktaṁ viṣṇur vimocayet
aho ’ti-karuṇā viṣṇoḥ
śiśupālasya mokṣaṇāt

“O Senhor Viṣṇu salvará até mesmo um devoto afetado pela inveja. Vede só a extrema misericórdia do Senhor, como mostra o fato de Ele ter concedido a liberação a Śiśupāla!”

Śiśupāla era primo do Senhor Kṛṣṇa. Ele ficou mortificado quando o Senhor Kṛṣṇa roubou a esplêndida jovem Rukmiṇī, com quem o próprio Śiśupāla estava decidido a casar. Também por várias outras razões, Śiśupāla se consumia de inveja do Senhor Kṛṣṇa e, por fim, tal qual um louco, chegou a ofendê-lO em uma grande assembleia cha­mada “o sacrifício Rājasūya”. Nessa ocasião, Kṛṣṇa despreocupadamente decepou a cabeça de Śiśupāla e outorgou-lhe a liberação. Todos os presentes viram a refulgente alma de Śiśupāla sair de seu corpo morto e fundir­-se na existência do Senhor. O sétimo canto explica que Śiśupāla era a encarnação de um porteiro do mundo espiritual que recebera a maldição de nascer na Terra como demônio. Já que até mesmo Śiśupāla foi liberado pelo Senhor, que levou em consideração toda a situação, o que dizer, então, das gopīs, que amavam Kṛṣṇa mais do que tudo.

Texto

nṛṇāṁ niḥśreyasārthāya
vyaktir bhagavato nṛpa
avyayasyāprameyasya
nirguṇasya guṇātmanaḥ

Sinônimos

nṛṇām — para a humanidade; niḥśreyasa — do maior benefício; arthāya — para o propósito; vyaktiḥ — o aparecimento pessoal; bhagavataḥ — do Senhor Supremo; nṛpa — ó rei; avyayasya — dEle, que é inesgotável; aprameyasya — imensurável; nirguṇasya — intocado por qualidades materiais; guṇa-ātmanaḥ — o controlador dos modos materiais.

Tradução

Ó rei, o Senhor Supremo é inesgotável e imensurável e, por ser o controlador dos modos materiais, não é tocado por eles. Seu aparecimento pessoal neste mundo objetiva conceder à humanidade o benefício mais grandioso.

Comentário

SIGNIFICADO—Como o Senhor Kṛṣṇa faz Seu advento para beneficiar a humanidade em geral, por que Ele negligenciaria mocinhas inocentes que O amavam mais do que qualquer outra pessoa? Embora o Senhor Se dê a Seus devotos puros, Ele é avyaya, inesgotável, porque é aprameya, imensurável. Ele também é nirguṇa, livre de qualidades materiais, de modo que aqueles que se associam intimamente com Ele estão na mesma plataforma espiritual. Ele é guṇātmā, o controlador ou personalidade original por trás dos modos da natureza, e é por essa razão específica que Ele está livre desses modos. Em outras palavras, porque são Sua energia, os modos da natureza não podem agir sobre Ele.

Texto

kāmaṁ krodhaṁ bhayaṁ sneham
aikyaṁ sauhṛdam eva ca
nityaṁ harau vidadhato
yānti tan-mayatāṁ hi te

Sinônimos

kāmam — luxúria; krodham — ira; bhayam — medo; sneham — afeição amorosa; aikyam — unidade; sauhṛdam — amizade; eva ca — também; nityam — sempre; harau — pelo Senhor Hari; vidadhataḥ — exibindo; yānti — obtêm; tat-mayatām — absorção nEle; hi — de fato; te — tais pessoas.

Tradução

Pessoas que constantemente canalizam sua luxúria, ira, medo, afeição protetora, sentimento de unidade impessoal ou amizade para o Senhor Hari com certeza se absorverão em pensar nEle.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa é a existência espiritual pura, e aqueles que, de um modo ou de outro, apegam-se a Ele, absortos em pensar nEle, elevam­-se à plataforma espiritual. Esta é a natureza absoluta da associação pessoal com o Senhor.

Com este verso, Śukadeva Gosvāmī responde à pergunta do rei Parīkṣit sobre as gopīs. Afinal, Śukadeva começou a narrar o passatempo mais íntimo de Kṛṣṇa, a dança da rāsa, e Parīkṣit está coope­rando para tirar as dúvidas de outros que estão ouvindo ou que no futuro poderão ouvir esta surpreendente história. Śrīla Madhvācārya cita uma afirmação do Skanda Purāṇa que declara enfaticamente que pessoas como as gopīs são almas liberadas, além do âmbito da ilusão material:

bhaktyā hi nitya-kāmitvaṁ
na tu muktiṁ vinā bhavet
ataḥ kāmitayā vāpi
muktir bhaktimatāṁ harau

“A atração conjugal eterna por Kṛṣṇa, expressa em serviço devocional puro, não pode se desenvolver em quem já não esteja liberado. Logo, aqueles que são devotados ao Senhor Hari, mesmo em atração conjugal, já estão liberados.”

Então, Śrīla Madhvācārya cita o Padma Purāṇa para elucidar o ponto essencial de que ninguém pode se libertar apenas por sentir lu­xúria pelo Senhor Kṛṣṇa, senão que isso é possível somente por possuir atração conjugal em serviço devocional puro:

sneha-bhaktāḥ sadā devāḥ
kāmitsenāpsara-striyaḥ
kāscit kāscin na kāmena
bhaktyā kevalayaiva tu

“Os semideuses sempre sentem afetuosa devoção pelo Senhor, e as jovens celestiais chamadas Apsarās têm sentimentos luxuriosos por Ele, embora algumas delas tenham por Ele devoção pura e sem má­cula de luxúria material. Somente estas Apsarās é que estão preparadas para a liberação, pois, sem serviço devocional autêntico, fica afastada qualquer hipótese de se alcançar a liberação.”

Portanto, o serviço devocional não é yogyam, ou apropriado, se não estiver livre da luxúria material. Não se deve ver como algo ba­rato o fato de as gopīs obterem associação pessoal com o Senhor Kṛṣṇa em um relacionamento conjugal. Para mostrar o peso da relação direta com o Senhor, Śrīla Madhvācārya citou os seguintes versos do Varāha Purāṇa:

patitvena śriyopāsyo
brahmaṇā me piteti ca
pitāmahatayānyeṣāṁ
tridaśānāṁ janārdanaḥ

“A deusa Lakṣmī adora o Senhor Janārdana como seu esposo, o senhor Brahmā adora-O como seu pai, e os outros semideuses ado­ram-nO como seu avô.”

prapitāmaho me bhagavān
iti sarva-janasya tu
guruḥ śrī-brahmaṇo viṣṇuḥ
surāṇāṁ ca guror guruḥ

“Assim devem pensar as pessoas em geral: ‘O Senhor Supremo é meu bisavô’. O Senhor Viṣṇu é o mestre espiritual de Brahmā e, portanto, é o guru do guru dos semideuses.”

gurur brahmāsya jagato
daivaṁ viṣṇuḥ sanātanaḥ
ity evopāsanaṁ kāryaṁ
nānyathā tu kathañcana

“Brahmā é o mestre espiritual deste universo, e Viṣṇu é a Deidade eternamente adorável. Com esse entendimento, e não de outra manei­ra, é que se deve adorar o Senhor.”

Os preceitos acima se aplicam a sarva-jana, “a todos em geral”. Logo, devemos seguir estes preceitos até alcançarmos a sublime plataforma de relação íntima com o Senhor Supremo. Há abundante evidência de que as gopīs de Vṛndāvana eram almas liberadas muito elevadas, e, dessa maneira, seus passatempos com Kṛṣṇa são casos amorosos puros e espirituais. Com isso em mente, podemos realmente entender este capítulo do Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

na caivaṁ vismayaḥ kāryo
bhavatā bhagavaty aje
yogeśvareśvare kṛṣṇe
yata etad vimucyate

Sinônimos

na ca — nem; evam — assim; vismayaḥ — espanto; kāryaḥ — deve ser tido; bhavatā — por ti; bhagavati — em relação à Suprema Personali­dade de Deus; aje — que é não nascido; yoga-īśvara — dos mestres do yoga; īśvare — o mestre último; kṛṣṇe — o Senhor Kṛṣṇa; yataḥ — por quem; etat — este (mundo); vimucyate — é liberado.

Tradução

Não te deves espantar com Kṛṣṇa, o não nascido mestre de todos os mestres do poder místico, a Suprema Personalidade de Deus. Afinal, é o Senhor quem libera este mundo.

Comentário

SIGNIFICADO—Parīkṣit Mahārāja não deveria ter-se espantado tanto com o fato de que as aparentes aventuras românticas do Senhor Kṛṣṇa, na verdade, destinam-se a liberar o universo inteiro. Afinal, este é o propósito do Senhor – levar todas as almas condicionadas de volta ao lar, de volta ao Supremo, para uma vida eterna de bem-aventurança e co­nhecimento. As aventuras conjugais do Senhor com as gopīs se ajus­tam muito bem com este programa porque nós, que de fato temos uma consciência material luxuriosa, podemos nos purificar e nos liberar por ouvir falar sobre elas.

No primeiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.33), Nārada Muni afirma:

āmayo yaś ca bhūtānāṁ
jāyate yena su-vrata
tad eva hy āmayaṁ dravyaṁ
na punāti cikitsitam

“Ó boa alma, não é verdade que uma substância aplicada de modo terapêutico cura uma doença causada por essa mesma substância?” Logo, as aventuras amorosas de Kṛṣṇa, sendo atividades puras e espirituais, curarão da doença da luxúria material aqueles que as ouvirem.

Texto

tā dṛṣṭvāntikam āyātā
bhagavān vraja-yoṣitaḥ
avadad vadatāṁ śreṣṭho
vācaḥ peśair vimohayan

Sinônimos

tāḥ — a elas; dṛṣṭvā — vendo; antikam — perto; āyātāḥ — chegadas; bhagavāno Senhor Supremo; vraja-yoṣitaḥ — as meninas de Vraja; avadat — falou; vadatām — dos oradores; śreṣṭhaḥ — o melhor; vācaḥ — da linguagem; peśaiḥ — com enfeites; vimohayan — confundindo.

Tradução

Vendo que as mocinhas de Vraja haviam chegado, o Senhor Kṛṣṇa, o melhor dos oradores, saudou-as com palavras encantadoras, as quais lhes confundiram a mente.

Comentário

SIGNIFICADO—Depois de ter estabelecido a natureza espiritual do amor das gopīs por Kṛṣṇa, Śukadeva Gosvāmī prossegue sua narração.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
svāgataṁ vo mahā-bhāgāḥ
priyaṁ kiṁ karavāṇi vaḥ
vrajasyānāmayaṁ kaccid
brūtāgamana-kāraṇam

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; su­-āgatam — boas-vindas; vaḥ — a vós; mahā-bhāgāḥ — ó damas afortunadíssimas; priyam — agradável; kim — o que; karavāṇi — posso fazer; vaḥ — por vós; vrajasya — de Vraja; anāmayam — o bem-estar, kaccit — se; brūta — por favor, dizei; āgamana — de vossa vinda; kāraṇam — a razão.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa disse: Ó damas afortunadíssimas, sede bem-­vindas. O que posso fazer para vos agradar? Está tudo bem em Vraja? Dizei-Me, por favor, a razão de virdes aqui.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa sabia muito bem por que as gopīs tinham vindo. De fato, Ele as chamara com as melodias românticas de Sua flauta. Assim, Kṛṣṇa estava apenas importunando as gopīs ao lhes perguntar: “Por que viestes tão depressa para cá? Há algo de errado na cidade? Por que viestes aqui, afinal? O que quereis?”

As gopīs eram jovens amantes de Kṛṣṇa, de maneira que essas perguntas decerto as desconcertaram, pois elas haviam respondido ao chamado de Kṛṣṇa com a mentalidade simples de desfrutar de amor conjugal com Ele.

Texto

rajany eṣā ghora-rūpā
ghora-sattva-niṣevitā
pratiyāta vrajaṁ neha
stheyaṁ strībhiḥ su-madhyamāḥ

Sinônimos

rajanī — noite; eṣā — esta; ghora-rūpā — de aparência assustadora; ghora-sattva — por criaturas medonhas; niṣevitā — povoada; pratiyāta — regressai, por favor; vrajam — à vila pastoril de Vraja; na — não; iha — aqui; stheyam — devem estar; strībhiḥ — mulheres; su-madhya­māḥ — ó meninas de cintura fina.

Tradução

Esta noite está muito assustadora, e criaturas medonhas estão à espreita. Retornai a Vraja, meninas de cintura fina. Este não é um lugar conveniente para mulheres.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura escreveu o seguinte encanta­dor comentário sobre este verso:

“[As gopīs pensaram:] ‘Ai de nós, ai de nós! Mesmo depois de destruir nossas responsabilidades familiares, nossa sobriedade e vergonha e desfrutar de nós dia após dia, e depois de nos arrastar até aqui com o som de Sua flauta, Ele está perguntando por que viemos!’

“Enquanto as gopīs lançavam olhares umas às outras, o Senhor disse: ‘Se tentardes dizer-Me que viestes para apanhar flores que desabrocham à noite para usar na adoração a Deus, e que é para essas flores que estais lançando olhares de soslaio, terei de rejeitar vossa desculpa como inaceitável, já que nem o tempo, nem o lugar nem as pessoas envolvidas são apropriados.’

“É isso que o Senhor quer dizer no verso que começa com rajanī. Ele poderia ter dito: ‘Embora haja um luar esplendoroso, esta hora da noite é bastante amedrontadora, visto que muitas cobras, escorpiões e outras criaturas perigosas, pequenas demais para verdes, estão de­baixo das trepadeiras, raízes e ramos. Logo, esta hora é inconvenien­te para colherdes flores. E não só a hora, mas também este lugar é inadequado para colherdes flores, porque, à noite, criaturas terríveis, tais como tigres, ficam à solta por aqui. Por isso, deveis voltar para Vraja.’

“‘Mas’, as gopīs poderiam objetar, ‘vamos apenas descansar por alguns minutos e, depois, iremos embora.’

“Então, o Senhor poderia responder: ‘Mulheres não devem permanecer nesta espécie de lugar’. Em outras palavras: ‘Por causa da hora e do local, é errado que pessoas como vós fiquem aqui mesmo por um momento.’

“Além disso, com a expressão su-madhyamāḥ, ‘Ó moças de cintura fina’, o Senhor indicou: ‘Sois belas jovens e Eu sou um belo rapaz. Por serdes todas muito castas, e Eu ser um brahmacārī, como se confirma pelas palavras kṛṣṇo brahmacārī no śruti [Gopāla­-tāpanī Upaniṣad], não deve haver transgressão alguma em ficarmos no mesmo lugar. Não obstante, jamais se pode confiar na mente – nem na vossa nem na Minha.’

“A avidez interior do Senhor aludida desta maneira é evidenciada se lermos Suas palavras nas entrelinhas da seguinte maneira: ‘Se, devi­do à timidez, não podeis dizer-Me a razão de vossa vinda, então não faleis. De qualquer forma, Eu já a conheço, então escutai enquanto Eu conto a vós.’ Então, o Senhor disse as palavras iniciadas por rajanī.”

A seguinte afirmação de Kṛṣṇa baseia-se em um sentido alternativo do verso caso se separem de maneira diferente as palavras sânscritas. A separação alternativa, de acordo com Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, seria: rajanī eṣā aghora-rūpā aghora-sattva-niṣevitā/ pratiyāta vrajaṁ na iha stheyaṁ stribhiḥ su-madhyamāḥ. Através do co­mentário de Śrīla Viśvanātha, Kṛṣṇa agora explica o significado desta divisão das palavras.

“‘O luar penetrante fez com que esta noite não parecesse em nada temível, de modo que esta floresta está povoada de criaturas inofensi­vas, como veados (aghora-sattvaiḥ), ou então por animais como tigres, que são inofensivos por causa da atmosfera naturalmente não violen­ta de Vṛndāvana. Por conseguinte, esta noite não vos deve assustar.’ Ou então Kṛṣṇa talvez tenha intencionado dizer: ‘Não deveis ter medo de vossos maridos e de outros parentes porque, como a noite está cheia de animais assustadores, eles não se aproximarão daqui. Por isso, por favor, não retomeis a Vraja [na pratiyāta], mas permanecei aqui em Minha companhia [iha stheyam].’

“As gopīs talvez perguntem ao Senhor: ‘Como é que estás aqui?’

“O Senhor responde: ‘Com mulheres.’

“‘Mas ficas satisfeito de ter quaisquer mulheres em Tua com­panhia?’

“O Senhor responde a isso com a palavra su-madhyamāḥ, que quer dizer: ‘Só mulheres que são jovens e belas, de cintura fina – isto é, vós mesmas – devem ficar aqui coMigo, e não outras.’ Assim podemos apreciar que as afirmações de Kṛṣṇa são cheias de sentimentos de consideração bem como de desprezo.”

As palavras de Kṛṣṇa são sem dúvida brilhantes, pois, segundo as regras da gramática sânscrita, elas podem ser entendidas de qualquer das duas maneiras divergentes. No primeiro caso, como foi tradu­zido no verso acima, o Senhor Kṛṣṇa continua a importunar as gopīs dizendo-lhes que a noite é perigosa e inauspiciosa e que elas devem ir para casa. Mas, ao mesmo tempo, Kṛṣṇa está dizendo exatamente o oposto – a saber, que não há absolutamente razão alguma para as gopīs temerem ficar com o Senhor, visto que a noite é muito auspiciosa e as mocinhas não devem voltar para casa em circunstância alguma. Dessa maneira, o Senhor Kṛṣṇa importuna e, ao mesmo tempo, encan­ta as gopīs com Suas palavras.

Texto

mātaraḥ pitaraḥ putrā
bhrātaraḥ patayaś ca vaḥ
vicinvanti hy apaśyanto
mā kṛḍhvaṁ bandhu-sādhvasam

Sinônimos

mātaraḥ — mães; pitaraḥ — pais; putrāḥ — filhos; bhrātaraḥ — irmãos; patayaḥ — maridos; ca — e; vaḥ — vossos; vincinvanti — estão procuran­do; hi — decerto; apaśyantaḥ — não vendo; mā kṛḍhvam — não crieis; bandhu — para vossos familiares; sādhvasam — ansiedade.

Tradução

Não vos encontrando em casa, vossas mães, pais, filhos, irmãos e maridos decerto estão procurando por vós. Não deixeis vossos familiares ansiosos.

Texto

dṛṣṭaṁ vanaṁ kusumitaṁ
rākeśa-kara-rañjitam
yamunānila-līlaijat
taru-pallava-śobhitam
tad yāta mā ciraṁ goṣṭhaṁ
śuśrūṣadhvaṁ patīn satīḥ
krandanti vatsā bālāś ca
tān pāyayata duhyata

Sinônimos

dṛṣṭam — vista; vanam — a floresta; kusumitam — cheia de flores; rākā-īśa — da lua, o senhor da deusa que rege o dia de lua cheia; kara — pela mão; rañjitam — tornada resplandecente; yamunā — que vem do rio Yamunā; anila — pelo vento; līlā — de brincadeira; ejat — tremendo; taru — das árvores; pallava — com as folhas; śobhitam — embelezada; tat — portanto; yāta — regressai; mā ciram — sem demora; goṣṭham — à vila dos vaqueiros; śuśrūṣadhvam — deveis servir; patīn — vossos maridos; satīḥ — ó castas mulheres; krandanti — estão cho­rando; vatsāḥ — os bezerros; bālāḥ — as crianças; ca — e; tān — a eles; pāyayata — amamentai; duhyata — dai leite de vaca.

Tradução

Agora vistes esta floresta de Vṛndāvana, cheia de flores e resplandecente com a luz da lua cheia. Vistes a beleza das árvores, com suas folhas a balançar com a suave brisa que vem do Yamu­nā. Agora, portanto, regressai à vila dos vaqueiros. Não vos demo­reis. Ó moças castas, prestai serviço a vossos maridos e alimentai vossos filhos e bezerros que estão a chorar.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura apresenta as seguintes explicações adicionais sobre o verso vinte e dois: “O Senhor Kṛṣṇa diz: ‘Portanto, não espereis muito tempo antes de ir, mas ide agora mesmo.’ A palavra satīḥ significa que as gopīs são leais a seus ma­ridos; portanto, Kṛṣṇa indica que as gopīs devem servir seus maridos para que estes possam cumprir seus deveres religiosos, e que as gopīs também devem ser consideradas adoráveis por causa de sua castida­de. Tudo isso Kṛṣṇa diz às gopīs casadas. E às mocinhas solteiras, Ele diz: ‘Os bezerros estão chorando, então providenciai leite para eles.’ Às gopīs muni-cārī, Ele diz: ‘Vossos bebês estão chorando, então amamentai-os.’”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura revela ainda o significado oculto destes dois versos da seguinte maneira: “No verso vinte e um, Kṛṣṇa poderia ter dito: ‘Esta Vṛndāvana é, em verdade, o melhor dos lugares, e, além disso, esta é uma noite de lua cheia. Ainda mais, temos o Yamunā por todos os lados, e há brisas frescas, suaves e perfumadas. Todas estas são opulências transcendentais que estimu­lam os intercâmbios amorosos, e já que Eu também estou aqui como a principal opulência extática – o objeto de amor –, vamos testar agora quanta habilidade podeis mostrar ao saborear as rasas.’

“No verso vinte e dois, Ele intenciona dizer: ‘Então, por muito tem­po, durante toda esta noite, não partais, mas sim ficai aqui e desfrutai coMigo. Não vades servir vossos maridos e as senhoras gentis – vossas sogras e assim por diante. Não ficaria bem que desperdiçás­seis tanta beleza e juventude, que são dons do criador. Tampouco deveis ordenhar as vacas ou dar leite aos bezerros e bebês. O que é que vós, que sois tão cheias de atração extática por Mim, tendes a ver com esses assuntos?’”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura também explica que as gopīs não puderam ter completa certeza sobre qual era a intenção exata de Kṛṣṇa – se Ele só estava brincando, convidando-as a ficar ou instruindo-as a voltar para casa. Dessa maneira, quando Śrī Kṛṣṇa falou sobre a beleza da floresta, as gopīs ficaram desconcertadas e confusas e olharam para as árvores, e quando Ele falou sobre o Yamunā, elas olharam para o rio ao redor. Sua absoluta pureza e simplicidade, junto com sua absoluta devoção ao Senhor Kṛṣṇa no humor conjugal, criaram os mais belos passatempos jamais exibidos neste universo.

Texto

atha vā mad-abhisnehād
bhavatyo yantritāśayāḥ
āgatā hy upapannaṁ vaḥ
prīyante mayi jantavaḥ

Sinônimos

atha vā — ou então; mat-abhisnehāt — por causa do amor por Mim; bhavatyaḥ — vós; yantrita — subjugados; aśayāḥ — vossos corações; āgatāḥ — viestes; hi — de fato; upapannam — conveniente; vaḥ — de vossa parte; prīyante — têm afeição; mayi — por Mim; jantavaḥ — todos os seres vivos.

Tradução

Por outro lado, talvez tenhais vindo aqui devido ao vosso grande amor por Mim, que assumiu o controle de vossos corações. Isto, é claro, é muito louvável de vossa parte, pois todas as entidades vivas possuem afeição natural por Mim.

Texto

bhartuḥ śuśrūṣaṇaṁ strīṇāṁ
paro dharmo hy amāyayā
tad-bandhūnāṁ ca kalyāṇaḥ
prajānāṁ cānupoṣaṇam

Sinônimos

bhartuḥ — de seu marido; śuśrūṣaṇam — serviço fiel; strīṇām — para as mulheres; paraḥ — o mais elevado; dharmaḥ — dever religioso; hi — de fato; amāyayā — sem duplicidade; tat-bandhūnām — aos parentes de seus maridos; ca — e; kalyāṇaḥ — fazendo o bem; prajānām — dos filhos; ca — e; anupoṣaṇam — o cuidado.

Tradução

O dever religioso mais elevado de uma mulher é servir sinceramente ao esposo, portar-se bem com a família dele e cuidar bem dos filhos.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī, com muita astúcia, salienta a este respeito que o verdadeiro esposo eterno das gopīs é o Senhor Kṛṣṇa, e não seus ditos maridos, que erroneamente consideravam que as gopīs eram sua propriedade. Logo, uma interpretação estrita da palavra amāyayā, “sem ilusão”, revela que o supremo dever religioso das gopīs é servir Śrī Kṛṣṇa, seu verdadeiro amante.

Texto

duḥśīlo durbhago vṛddho
jaḍo rogy adhano ’pi vā
patiḥ strībhir na hātavyo
lokepsubhir apātakī

Sinônimos

duḥśīlaḥ — de mau caráter; durbhagaḥ — desventurado; vṛddhaḥ — velho; jaḍaḥ — retardado; rogī — doente; adhanaḥ — pobre; api vā — mesmo; patiḥ — o esposo; strībhiḥ — pelas mulheres; na hātavyaḥ — não deve ser rejeitado; loka — um bom destino na próxima vida; īpsu­bhiḥ — que desejam; apātakī — (se ele) não é caído.

Tradução

As mulheres que desejam um bom destino na próxima vida jamais devem abandonar um esposo que não caiu de seus padrões religiosos, ainda que ele seja desagradável, desventurado, velho, ininteligente, doente ou pobre.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī cita uma declaração semelhante do smṛti-śāstra, patim tv apatitaṁ bhajet: “Deve-se servir a um mestre que não seja caído.” Às vezes, apresenta-se o tolo argumento de que mesmo que um marido caia dos princípios espirituais, sua esposa deve continuar a segui-lo, pois ele é seu “guru”. De fato, visto que a consciência de Kṛṣṇa não pode sujeitar-se a nenhum outro princípio religioso, um guru que ocupa seu seguidor em atividades materialis­tas, pecaminosas, perde sua posição de guru. Śrīla Prabhupāda declarou que o sistema monárquico desmoronou na Europa porque os monarcas abusaram de sua posição e a exploraram. Analogamente, no mundo ocidental, os homens abusaram das mulheres e as explo­raram, e agora existe um movimento popular em que as mulheres rejeitam a autoridade de seus maridos. De forma ideal, os homens devem ser firmes na vida espiritual e dar orientação pura e sincera às mulheres que estão sob seu cuidado.

As gopīs, é claro, estando na plataforma máxima de perfeição espiritual, eram transcendentais a todas as considerações religiosas positivas e negativas. Em outras palavras, elas eram as amantes eternas da Verdade Absoluta.

Texto

asvargyam ayaśasyaṁ ca
phalgu kṛcchraṁ bhayāvaham
jugupsitaṁ ca sarvatra
hy aupapatyaṁ kula-striyaḥ

Sinônimos

asvargyam — que não leva aos céus; ayaśasyam — desfavorável a uma boa reputação; ca — e; phalgu — insignificante; kṛcchram — difí­cil; bhaya-āvaham — que cria medo; jugupsitam — desprezível; ca — e; sarvatra — em todos os casos; hi — de fato; aupapatyam — casos de adultério; kula-striyaḥ — para uma mulher que provém de família respeitável.

Tradução

Para uma mulher de família respeitável, casos inferiores de adultério são sempre condenados. Isso a exclui do paraíso, arruína sua reputação e lhe traz dificuldade e temor.

Texto

śravaṇād darśanād dhyānān
mayi bhāvo ’nukīrtanāt
na tathā sannikarṣeṇa
pratiyāta tato gṛhān

Sinônimos

śravaāt — por ouvir (minhas glórias); darśanāt — por ver (a forma de Minha Deidade no templo); dhyānāt — pela meditação; mayi — por Mim; bhāvaḥ — amor; anukīrtanāt — pelo canto subsequente; na — não; tathā — da mesma forma; sannikarṣea — pela proximidade física; pratiyāta — por favor, regressai; tataḥ — portanto; gṛhān — a vossos lares.

Tradução

O amor transcendental por Mim nasce mediante os processos devocionais de ouvir sobre Mim, ver a forma de Minha Deidade, meditar em Mim e cantar com fé as Minhas glórias. Não se obtém o mesmo resultado através da mera proximidade física. Portanto, fazei o favor de regressar a vossos lares.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa com certeza está apresentando argumentos formidáveis.

Texto

śrī-śuka uvāca
iti vipriyam ākarṇya
gopyo govinda-bhāṣitam
viṣaṇṇā bhagna-saṅkalpāś
cintām āpur duratyayām

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; vipriyam — desagradáveis; ākarṇya — ouvindo; gopyaḥ — as gopīs; govinda-bhāṣitam — as palavras faladas por Govinda; viṣaṇṇāḥ — ficando taciturnas; bhagna — frustrados; saṅkalpāḥ — seus fortes desejos; cintām — ansiedade; āpuḥ — experimentaram; duratyayām — insuperável.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ao ouvirem estas desagradáveis palavras faladas por Govinda, as gopīs ficaram taciturnas. Suas grandes esperanças foram frustradas e elas sentiram incontrolá­vel ansiedade.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs não sabiam o que fazer. Elas pensaram em cair aos pés de Kṛṣṇa e chorar por Sua misericórdia, ou talvez permanecer indiferentes e voltar para casa. Entretanto, como não conseguiram fazer nada disso, sentiram uma enorme ansiedade.

Texto

kṛtvā mukhāny ava śucaḥ śvasanena śuṣyad
bimbādharāṇi caraṇena bhuvaḥ likhantyaḥ
asrair upātta-masibhiḥ kuca-kuṅkumāni
tasthur mṛjantya uru-duḥkha-bharāḥ sma tūṣṇīm

Sinônimos

kṛtvā — colocando; mukhāni — seus rostos; ava — para baixo; śucaḥ — por causa do pesar; śvasanena — suspirando; śuṣyat — secando; bimba — (parecendo) frutas bimba vermelhas; adharāṇi — seus lábios; caraṇe­na — com os dedos dos pés; bhuvaḥ — o chão; likhantyaḥ — riscan­do; asraiḥ — com suas lágrimas; upātta — que tirava; masibhiḥ — o kajjala de seus olhos; kuca — nos seios; kuṅkumāni — o pó de vermelhão; tasthuḥ — ficaram imóveis; mṛjantyaḥ — lavando; uru — excessi­va; duḥkha — da infelicidade; bharāḥ — sentindo o fardo; sma — de fato; tūṣṇīm — em silêncio.

Tradução

Cabisbaixas, com sua pesada e triste respiração a secar-lhes os lábios avermelhados, as gopīs riscavam o chão com os dedos de seus pés. Lágrimas escorriam-lhes dos olhos, levando embora seu kajjala e lavando o vermelhão em seus seios. Assim, postadas, elas carregavam em silêncio o fardo de sua infelicidade.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs sentiam: “Se Kṛṣṇa não Se deixou conquistar por nosso amor, é porque este não deve ser genuíno. E se não somos capazes de amar a Kṛṣṇa da maneira apropriada, de que servem nossas vidas?” Seus lábios avermelhados secaram-se em virtude da respiração quente provocada por sua infelicidade. Quando o sol seca as vermelhas frutas bimba maduras, aparecem nelas manchas escuras e elas amolecem. Os belos lábios das gopīs, analogamente, mudaram de aspecto. Elas ficaram em silêncio diante de Kṛṣṇa, incapazes de falar.

Texto

preṣṭhaṁ priyetaram iva pratibhāṣamāṇaṁ
kṛṣṇaṁ tad-artha-vinivartita-sarva-kāmāḥ
netre vimṛjya ruditopahate sma kiñcit
saṁrambha-gadgada-giro ’bruvatānuraktāḥ

Sinônimos

preṣṭham — seu amado; priya-itaram — bem o oposto de um amado; iva — como se; pratibhāṣamāṇam — dirigindo-Se a elas; kṛṣṇam — o Senhor Kṛṣṇa; tat-artha — por causa dEle; vinivartita — desistiram de; sarva — todos; kāmāḥ — seus desejos materiais; netre — seus olhos; vimṛjya — enxugando; rudita — seu choro; upahate — tendo parado; sma — então; kiñcit — algo; saṁrambha — com agitação; gadgada — sufocando; giraḥ — suas vozes; abruvata — falaram; anuraktāḥ — firmemente apegadas.

Tradução

Embora Kṛṣṇa fosse seu amado, e embora elas tivessem abandonado todos os outros objetos desejáveis por causa dEle, Ele falara com elas de modo desfavorável. Entretanto, elas permaneceram inabaláveis em seu apego por Ele. Parando de chorar, enxugaram os olhos e começaram a falar. Elas gaguejavam devido à perturbação.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs agora responderam a Śrī Kṛṣṇa, com vozes sufocadas de ira proveniente de seu intenso amor por Ele e de sua falta de vontade de abandoná-lO. Elas não permitiriam que Ele as rejeitasse.

Texto

śrī-gopya ūcuḥ
maivaṁ vibho ’rhati bhavān gadituṁ nṛ-śaṁsaṁ
santyajya sarva-viṣayāṁs tava pāda-mūlam
bhaktā bhajasva duravagraha mā tyajāsmān
devo yathādi-puruṣo bhajate mumukṣūn

Sinônimos

śrī-gopyaḥ ūcuḥ — as belas gopīs disseram; — não; evam — desta maneira; vibho — ó onipotente; arhati — deves; bhavān — Tu; gaditum — falar; nṛ-śaṁsam — cruelmente; santyajya — renunciando por completo; sarva — a todas; viṣayān — as variedades de gozo dos sentidos; tava — Teus; pāda-mūlam — pés; bhaktāḥ — adorando; bhajasva — por favor, reciproca; duravagraha — ó obstinado; mā tyaja — não rejeites; asmān — a nós; devāḥ — a Suprema Personalidade de Deus; yathā — assim como; ādi-puruṣaḥ — o Senhor primordial, Nārāyaṇa; bhaja­te — reciproca; mumukṣūn — com aqueles que desejam a liberação.

Tradução

As belas gopīs disseram: Ó onipotente, não deves falar deste modo cruel. Não nos rejeites, pois renunciamos a todo gozo material para prestar serviço devocional a Teus pés de lótus. Reciproca conosco, ó pessoa obstinada, assim como o Senhor primordial, Śrī Nārāyaṇa, reciproca os esforços de Seus devotos para se obter a liberação.

Texto

yat paty-apatya-suhṛdām anuvṛttir aṅga
strīṇāṁ sva-dharma iti dharma-vidā tvayoktam
astv evam etad upadeśa-pade tvayīśe
preṣṭho bhavāṁs tanu-bhṛtāṁ kila bandhur ātmā

Sinônimos

yat — que; pati — dos maridos; apatya — filhos; suhṛdām — e paren­tes e amigos benquerentes; anuvṛttiḥ — o seguir; aṅga — nosso queri­do Kṛṣṇa; strīṇām — das mulheres; sva-dharmaḥ — o dever religioso apropriado; iti — assim; dharma-vidā — pelo conhecedor da religião; tvayā — Tu; uktam — falado; astu — seja; evam — assim; etat — isto; upadeśa — desta instrução; pade — ao verdadeiro objeto; tvayi — Tu; īśe — ó Senhor; preṣṭhaḥ — o mais querido; bhavān — Tu; tanu-bhṛtām — por todos os seres vivos corporificados; kila — decerto; bandhuḥ — o parente próximo; ātmā — o próprio eu.

Tradução

Nosso querido Kṛṣṇa, como perito em religião, Tu nos advertis­te que o dever religioso próprio para a mulher é servir fielmente seu marido, filhos e outros parentes. Concordamos que este prin­cípio é válido, mas, na verdade, esse serviço deve ser prestado a Ti. Afinal, ó Senhor, és o amigo mais querido de todas as almas corporificadas. És seu parente mais íntimo e, de fato, és o seu próprio eu.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Kṛṣṇa é a Alma de todas as almas, seu mais querido amigo e benquerente. Como se afirma no décimo primeiro canto do Bhāgavatam (11.5.41):

devarṣi-bhūtāpta-nṛṇāṁ pitṝṇāṁ
na kiṅkaro nāyam ṛṇī ca rājan
sarvātmanā yaḥ śaraṇaṁ śaraṇyaṁ
gato mukundaṁ parihṛtya kartam

“Ó rei, aquele que renunciou a todos os deveres materiais e aceitou completo refúgio nos pés de lótus de Mukunda, que oferece abrigo a todos, não está em dívida com os semideuses, grandes sábios, seres humanos comuns, parentes, amigos, humanidade ou mesmo os antepassados que se foram. Porque todas essas classes de entidades vivas são partes integrantes do Senhor Supremo, aquele que se rendeu ao serviço do Senhor não tem necessidade de servir essas pessoas separadamente.” A autoridade provém do autor de toda a existência, o Senhor Supremo. Figuras naturais de autoridade tais como esposos, mães, líderes governamentais e sábios recebem seu poder e autoridade do Senhor Supremo e devem, então, representar a Verdade Absoluta para aqueles que os seguem. Se alguém se entrega de todo o coração ao serviço amoroso à original Verdade Suprema, não é preciso que sirva indiretamente à Verdade Absoluta através das autoridades secundá­rias supracitadas.

Mesmo uma alma rendida a Deus, todavia, continua a servir ao mestre espiritual, que é um representante direto, não indireto, do Senhor Supremo. Um ācārya, ou mestre espiritual autêntico, é um meio transparente que conduz o discípulo aos pés de lótus de Kṛṣṇa. Todas as autoridades indiretas tornam-se obsoletas quando alguém está em contato direto com a Verdade Absoluta. As gopīs queriam explicar para Kṛṣṇa este ponto básico, e algumas das jovens mais ousadas entre elas tentaram derrotar Śrī Kṛṣṇa com Suas próprias declarações, como se exemplifica neste verso.

Texto

kurvanti hi tvayi ratiṁ kuśalāḥ sva ātman
nitya-priye pati-sutādibhir ārti-daiḥ kim
tan naḥ prasīda parameśvara mā sma chindyā
āśāṁ dhṛtāṁ tvayi cirād aravinda-netra

Sinônimos

kurvanti — mostram; hi — de fato; tvayi — por Ti; ratim — atração; kuśalāḥ — pessoas peritas; sve — para seu próprio; ātman — eu; nitya — eternamente; priye — que é querido; pati — com nossos maridos; suta — filhos; ādibhiḥ — e outros parentes; ārti-daiḥ — que trazem somente perturbação; kim — o que; tat — portanto; naḥ — para nós; prasīda — sê misericordioso; parama-īśvara — ó controlador supremo; mā sma chindyāḥ — por favor, não trucides; āśām — nossas esperanças; dhṛtām — sustentadas; tvayi — para Ti; cirāt — por muito tempo; aravinda-netra — ó pessoa de olhos de lótus.

Tradução

Transcendentalistas peritos sempre canalizam para Ti sua afeição, pois Te reconhecem como seu verdadeiro eu e amado eterno. De que nos servem estes maridos, filhos e parentes, que não fazem nada além de nos trazer problemas? Portanto, ó controlador supremo, conce­de-nos Tua misericórdia. Ó pessoa de olhos de lótus, por favor, não trucides nossa esperança há tanto tempo acalentada de obter a Tua companhia.

Texto

cittaṁ sukhena bhavatāpahṛtaṁ gṛheṣu
yan nirviśaty uta karāv api gṛhya-kṛtye
pādau padaṁ na calatas tava pāda-mūlād
yāmaḥ kathaṁ vrajam atho karavāma kiṁ vā

Sinônimos

cittam — nossas mentes; sukhena — facilmente; bhavatā — por Ti; apahṛtam — foram roubadas; gṛheṣu — em nossas casas; yat — que; nirviśati — estavam absortas; uta — além disso; karau — nossas mãos; api — bem como; gṛhya-kṛtye — no serviço doméstico; pādau — nossos pés; padam — um passo; na calataḥ — não se mexem; tava — Teus; pāda-mūlāt — longe dos pés; yāmaḥ — iremos; katham — como; vrajam — de volta a Vraja; atha u — e então; karavāma — faremos; kim — o que; — além disso.

Tradução

Até hoje, nossas mentes estavam absortas em assuntos familia­res, mas, com muita facilidade, roubaste nossas mentes e nossas mãos desse serviço doméstico. Agora, nossos pés não se afastarão um passo de Teus pés de lótus. Como podemos voltar para Vraja? O que faríamos lá?

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Kṛṣṇa tocara Sua flauta, e a música inebriante que saíra de seus orifícios roubara as mentes das jovens gopīs. Agora, elas tinham vindo ver Kṛṣṇa para exigir a devolução de sua propriedade roubada, mas só poderiam readquirir suas mentes caso Śrī Kṛṣṇa as aceitasse e Se ocupasse com elas em aventuras conjugais.

Śrī Kṛṣṇa talvez tenha respondido: “Mas, Minhas queridas gopīs, por ora ide para casa. Deixai-Me considerar a situação por um ou dois dias, após o que Eu devolverei vossas mentes.” Em resposta a esse possível argumento, as gopīs dizem: “Nossos pés se recusam a dar sequer um passo. Portanto, devolve nossas mentes e aceita-nos. Depois disso, nós partiremos.”

Texto

siñcāṅga nas tvad-adharāmṛta-pūrakeṇa
hāsāvaloka-kala-gīta-ja-hṛc-chayāgnim
no ced vayaṁ virahajāgny-upayukta-dehā
dhyānena yāma padayoḥ padavīṁ sakhe te

Sinônimos

siñca — por favor, derrama; aṅga — nosso querido Kṛṣṇa; naḥ — nosso; tvat — Teus; adhara — dos lábios; amṛta — do néctar; pūrake­ṇa — com o dilúvio; hāsa — sorridentes; avaloka — por Teus olhares; kala — melodioso; gīta — e o canto (de Tua flauta); ja — gerado; hṛt­śaya — situado em nossos corações; agnim — o fogo; na u cet — se não; vayam — nós; viraha — da separação; ja — nascido; agni — dentro do fogo; upayukta — colocando; dehāḥ — nossos corpos; dhyānena — pela meditação; yāma — iremos; padayoḥ — dos pés; padavīm — ao lugar; sakhe — ó amigo; te — Teu.

Tradução

Querido Kṛṣṇa, por favor, derrama o néctar de Teus lábios sobre o fogo ardente de nossos corações – o qual acendeste com Teus olhares sorridentes e a doce música de Tua flauta. Se não o fizeres, consagraremos nossos corpos ao fogo da separação de Ti, ó amigo, e, assim como os yogīs, alcançaremos a morada de Teus pés de lótus através da meditação.

Texto

yarhy ambujākṣa tava pāda-talaṁ ramāyā
datta-kṣaṇaṁ kvacid araṇya-jana-priyasya
asprākṣma tat-prabhṛti nānya-samakṣam añjaḥ
sthātuṁs tvayābhiramitā bata pārayāmaḥ

Sinônimos

yarhi — quando; ambuja — como lótus; akṣa — ó Tu cujos olhos; tava — Teus; pāda — dos pés; talam — na base; ramāyāḥ — para a deusa da fortuna, Śrīmatī Lakṣmīdevī; datta — dando; kṣaṇam — um fes­tival; kvacit — às vezes; araṇya — que moram na floresta; jana — as pessoas; priyasya — que consideram querido; asprākṣma — tocaremos; tat-prabhṛti — daquele momento em diante; na — nunca; anya — de nenhum outro homem; samakṣam — na presença; añjaḥ — diretamen­te; sthātum — para ficar de pé; tvayā — por Ti; abhiramitāḥ — cheias de alegria; bata — certamente; pārayāmaḥ — seremos capazes.

Tradução

Ó pessoa de olhos de lótus, a deusa da fortuna considera uma ocasião festiva toda oportunidade de tocar as solas de Teus pés de lótus. És muito querido aos moradores da floresta, de modo que também tocaremos esses pés de lótus. Desse momento em diante, seremos incapazes até mesmo de ficar de pé na presença de qualquer outro homem, pois teremos sido completamente satisfeitas por Ti.

Texto

śrīr yat padāmbuja-rajaś cakame tulasyā
labdhvāpi vakṣasi padaṁ kila bhṛtya-juṣṭam
yasyāḥ sva-vīkṣaṇa utānya-sura-prayāsas
tadvad vayaṁ ca tava pāda-rajaḥ prapannāḥ

Sinônimos

śrīḥ — a deusa da fortuna, esposa do Senhor Nārāyaṇa; yat — como; pada-ambuja — dos pés de lótus; rajaḥ — a poeira; cakame — deseja­da; tulasyā junto com Tulasī-devī; labdhvā — tendo obtido; api — mesmo; vakṣasi — sobre Seu peito; padam — sua posição; kila — de fato; bhṛtya — pelos servos; juṣṭam — servido; yasyāḥ — cujo (de Lakṣmī); sva — sobre si mesmos; vīkṣaṇe — por causa do olhar; uta — por outro lado; anya — do outro; sura — semideuses; prayāsaḥ — o esforço; ta­dvat — do mesmo modo; vayam — nós; ca — também; tava — Teus; pāda — dos pés; rajaḥ — a poeira; prapannāḥ — aproximamo-nos em busca de abrigo.

Tradução

A deusa Lakṣmī, cujo olhar os semideuses se esforçam muito por obter, alcançou a posição única de permanecer sempre no peito do seu Senhor, Nārāyaṇa. Ainda assim, ela deseja a poei­ra dos pés de lótus dEle, embora tenha de compartilhá-la com Tulasī-devī e, em verdade, com os muitos outros servos do Senhor. De igual modo, nós nos aproximamos da poeira de Teus pés de lótus em busca de abrigo.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, as gopīs salientam que a poeira dos pés do Senhor é tão extática e avivadora que a deusa da fortuna quer abandonar a posição incomparável que ocupa em Seu peito para compartilhar com muitos outros devotos uma posição a Seus pés. Assim, as gopīs insistem com o Senhor Kṛṣṇa para que Ele não Se torne culpado de usar dois pesos e duas medidas. Visto que o Senhor concedeu à deusa da fortuna um lugar em Seu peito e também lhe permitiu que buscasse a poeira de Seus pés de lótus, Kṛṣṇa com certeza deveria dar a mesma oportunidade a Suas devotas mais amorosas, as gopīs. “Afinal”, argumentam as gopīs, “é perfeitamente justificável buscar a poeira de Teus pés de lótus, e deves incentivar-nos neste esforço e não tentar mandar-nos embora.”

Texto

tan naḥ prasīda vṛjinārdana te ’nghri-mūlaṁ
prāptā visṛjya vasatīs tvad-upāsanāśāḥ
tvat-sundara-smita-nirīkṣaṇa-tīvra-kāma
taptātmanāṁ puruṣa-bhūṣaṇa dehi dāsyam

Sinônimos

tat — portanto; naḥ — para nós; prasīda — por favor, mostra Tua misericórdia; vṛjina — de toda aflição; ardana — ó subjugador; te — Teus; aṅghri-mūlam — pés; prāptāḥ — nós nos aproximamos de; visṛjya — renunciando; vasatīḥ — nossos lares; tvat-upāsanā — a adoração a Ti; āśāḥ — esperando por; tvat — Teus; sundara — belos; smita — sorridentes; nirīkṣaṇa — por causa dos olhares; tīvra — intensa; kāma — pela luxúria; tapta — queimados; ātmanām — cujos corações; puruṣa — de todos os homens; bhūṣaṇa — ó ornamento; dehi — por favor, concede; dāsyam — serviço.

Tradução

Portanto, ó subjugador de toda aflição, por favor, concede-nos Tua misericórdia. Para nos aproximarmos de Teus pés de lótus, abandonamos nossas famílias e lares e não temos outro desejo senão servir a Ti. Nossos corações estão ardendo de desejos intensos provocados por Teus belos olhares sorridentes. Ó joia entre os homens, por favor, faze de nós Tuas servas.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando Śrī Kṛṣṇa nasceu, o sábio Garga predisse que Ele manifestaria todas as opulências do Supremo Senhor Nārāyaṇa. Agora, as gopīs apelam para que o Senhor cumpra esta predição sendo misericordioso e dando-lhes serviço direto, assim como o Senhor Nārāyaṇa concede serviço direto a Seus amorosos devotos. As gopīs enfatizam que não abandonaram famílias e lares com a esperança de obter de Kṛṣṇa um prazer superior. Elas só estão suplicando por serviço, re­velando a devoção pura de seus corações. As gopīs pensam: “Se no decurso de Tua busca de felicidade nós, de um modo ou de outro, fi­carmos felizes por ver Teu rosto, que mal há nisso?”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura comenta a respeito das pala­vras puruṣa-bhūṣaṇa, “ó joia entre os homens”, que as gopīs que­riam dizer: “Ó joia entre todos os homens, por favor, enfeita nossos corpos dourados com as joias azul-escuras de Teus membros.”

Texto

vīkṣyālakāvṛta-mukhaṁ tava kuṇdala-śrī
gaṇḍa-sthalādhara-sudhaṁ hasitāvalokam
dattābhayaṁ ca bhuja-daṇḍa-yugaṁ vilokya
vakṣaḥ śriyaika-ramaṇaṁ ca bhavāma dāsyaḥ

Sinônimos

vīkṣya — vendo; alaka — por Teu cabelo; āvṛta — coberto; mukham — o rosto; tava — Teu; kuṇḍala — de Teus brincos; śrī — com a beleza; gaṇḍa-sthala — tendo as bochechas; adhara — de Teus lábios; sudham — e o néctar; hasita — sorridentes; avalokam — com olhares; datta — concedendo; abhayam — destemor; ca — e; bhuja-daṇḍa — de Teus braços poderosos; yugam — o par; vilokya — olhando para; vakṣaḥ — Teu peito; śrī — da deusa da fortuna; eka — a única; ramaṇam — fonte de prazer; ca — e; bhavāma — devemos nos tornar; dāsyaḥ — Tuas servas.

Tradução

Vendo Teu rosto rodeado de cachos de cabelo ondulado, Tuas bochechas embelezadas com brincos, Teus lábios cheios de néctar e Teu olhar sorridente, e vendo também Teus dois imponentes braços, que afastam nosso temor, e Teu peito, que é a única fonte de prazer para a deusa da fortuna, temos de nos tornar Tuas servas.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura visiona o relacionamento das gopīs com Kṛṣṇa da seguinte maneira:

“Kṛṣṇa diz: ‘Como quereis tornar-vos Minhas servas, tenho de comprar-vos com algum pagamento, ou estais vos entregando de graça?’

“As gopīs respondem: ‘Desde o despertar de nossa jovem femi­nilidade, tens estado a nos comprar com um pagamento milhões e milhões de vezes maior do que o suficiente. Esse pagamento é Teu sorri­dente olhar semelhante a uma joia, que constitui um grande tesouro do qual nunca ouvimos falar nem vimos em nenhum outro lugar.’

“Quando acomodas sobre a cabeça o Teu turbante dourado, Tua serva agirá como camareira, ajeitando-o aos poucos para que ele fique na posi­ção correta. E mesmo quando lhe apontas um dedo ameaçador, ten­tando a todo custo proibi-la, ela passará a mão por debaixo de Teu turbante e aproveitará a oportunidade para olhar para Teu rosto. Dessa maneira, nós, Tuas servas, desfrutaremos com nossos olhos de Tua abundante do­çura.’

“Kṛṣṇa diz: ‘Vossos maridos não tolerarão este comportamento de vossa parte. Eles apresentarão amargas queixas ao rei Kaṁsa, provocando desse modo uma terrível situação para Mim e também para vós.’

“As gopīs dizem: ‘Mas Kṛṣṇa, Teus dois poderosos braços nos deixam destemidas, assim como o fizeram quando ergueste a colina Govardhana para nos proteger do orgulho de Mahendra. Esses braços com certeza matarão aquele detestável Kaṁsa.’

“‘Contudo, por ser uma pessoa religiosa, não posso tornar as esposas alheias Minhas servas.’

“‘Ó joia mais preciosa dentre as personalidades religiosas, podes dizer que recusas fazer das esposas dos vaqueiros Tuas servas, mas, à força, já tiraste Lakṣmī, a esposa de Nārāyaṇa, de Vaikuṇṭha e a estás levando em Teu peito. Por acanhamento, ela assumiu a forma de um cordão dourado em Teu peito e ali obtém seu único prazer. 

“‘Além disso, dentro de todos os quatorze mundos, e mesmo acima desses mundos – em Vaikuṇṭhaloka, além deste universo –, jamais rejeitas uma mulher bela, não importando quem seja ou a quem pertença. Sabemos disso muito bem.’”

Texto

kā stry aṅga te kala-padāyata-veṇu-gīta-
sammohitārya-caritān na calet tri-lokyām
trailokya-saubhagam idaṁ ca nirīkṣya rūpaṁ
yad go-dvija-druma-mṛgāḥ pulakāny abibhran

Sinônimos

— que; strī — mulher; aṅga — querido Kṛṣṇa; te — Tua; kala — de sons doces; pada — tendo estrofes; āyata — tiradas; veṇu — de Tua flauta; gīta — pela canção; sammohitā — completamente desorientada; ārya — das pessoas civilizadas; caritāt — do comportamento adequa­do; na calet — não se desvia; tri-lokyām — dentro dos três mundos; trai-lokya — de todos os três mundos; saubhagam — a causa de auspiciosidade; idam — esta; ca — e; nirīkṣya — vendo; rūpam — a beleza pessoal; yat — por causa da qual; go — as vacas; dvija — aves; druma — árvores; mṛgāḥ — e veados; pulakāni — de pelos arrepiados; abibhran — ficaram.

Tradução

Querido Kṛṣṇa, que mulher em todos os três mundos não se desviaria do comportamento religioso quando desorientada pela doce melodia proveniente de Tua flauta? Tua beleza torna auspiciosos todos os três mundos. De fato, até mesmo as vacas, aves, árvores e veados, ao verem Tua bela forma, manifestam o sinto­ma extático de se arrepiarem.

Texto

vyaktaṁ bhavān vraja-bhayārti-haro ’bhijāto
devo yathādi-puruṣaḥ sura-loka-goptā
tan no nidhehi kara-paṅkajam ārta-bandho
tapta-staneṣu ca śiraḥsu ca kiṅkarīṇām

Sinônimos

vyaktam — obviamente; bhavān — Tu; vraja — do povo de Vraja; bhaya — o medo; ārti — e aflição; haraḥ — como aquele que remo­ve; abhijātaḥ — nascido; devaḥ — a Suprema Personalidade de Deus; yathā — assim como; ādi-puruṣaḥ — o Senhor primordial; sura-loka — dos planetas dos semideuses; goptā — o protetor; tat — portanto; naḥ — de nós; nidhehi — por favor, coloca; kara — Tua mão; paṅkajam — como lótus; ārta — dos aflitos; bandho — ó amigo; tapta — queimando; staneṣu — nos seios; ca — e; śiraḥsu — nas cabeças; ca — também; kiṅ­kariṇām — de Tuas servas.

Tradução

Decerto nasceste neste mundo para aliviar o medo e aflição do povo de Vraja, assim como a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor primordial, protege o domínio dos semideuses. Portanto, ó amigo dos aflitos, por favor, coloca Tua mão de lótus na cabeça e nos seios ardentes de Tuas servas.

Texto

śrī-śuka uvāca
iti viklavitaṁ tāsāṁ
śrutvā yogeśvareśvaraḥ
prahasya sa-dayaṁ gopīr
ātmārāmo ’py arīramat

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — com estas pala­vras; viklavitam — as expressões desanimadas; tāsām — delas; śrutvā — tendo ouvido; yoga-īśvara-īśvaraḥ — o Senhor de todos os senhores do poder místico; prahasya — rindo; sa-dayam — misericordiosamente; gopīḥ — as gopīs; ātma ārāmaḥ — autossatisfeito; api — embora; arīra­mat — satisfez.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Sorrindo ao ouvir essas desanimadas palavras das gopīs, o Senhor Kṛṣṇa, o mestre supremo de todos os mestres do yoga místico, desfrutou misericordiosamente com elas, embora Ele seja autossatisfeito.

Texto

tābhiḥ sametābhir udāra-ceṣṭitaḥ
priyekṣaṇotphulla-mukhībhir acyutaḥ
udāra-hāsa-dvija-kunda-dīdhatir
vyarocataiṇāṅka ivoḍubhir vṛtaḥ

Sinônimos

tābhiḥ — com elas; sametābhiḥ — que estavam todas juntas; udāra — magnânimas; ceṣṭitaḥ — Ele cujas atividades; priya — afetuosos; īkṣaṇa — por Seus olhares; utphulla — florescentes; mukhībhiḥ — cujos rostos; acyutaḥ — o Senhor infalível; udāra — com largos; hāsa — sorrisos; dvija — de Seus dentes; kunda — (como) flores de jasmim; dīdha­tiḥ — mostrando a refulgência; vyarocata — Ele pareceu esplêndido; eṇa-aṅkaḥ — a Lua, que traz marcas que se assemelham a um veado negro; iva — como; uḍubhiḥ — por estrelas; vṛtaḥ — rodeada.

Tradução

Entre as gopīs reunidas, o infalível Senhor Kṛṣṇa parecia a Lua rodeada de estrelas. Ele cujas atividades são tão magnâni­mas fez florescer os rostos das gopīs com Seus olhares afetuo­sos, e Seus largos sorrisos revelaram a refulgência de Seus dentes semelhantes a botões de jasmim.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra acyuta neste verso indica que o Senhor Kṛṣṇa não deixou de dar prazer a toda e cada gopī na assembleia noturna.

Texto

upagīyamāna udgāyan
vanitā-śata-yūthapaḥ
mālāṁ bibhrad vaijayantīṁ
vyacaran maṇḍayan vanam

Sinônimos

upagīyamānaḥ — quando se cantava sobre; udgāyan — Ele mesmo cantando em voz alta; vanitā — de mulheres; śata — de centenas; yūthapaḥ — o comandante; mālām — a guirlanda; bibhrat — usando; vaijayantīm — conhecida como Vaijayantī (que consiste em flores de cinco cores diferentes); vyacaran — movendo-Se; maṇḍayan — embelezando; vanam — a floresta.

Tradução

À medida que as gopīs cantavam Seus louvores, aquele líder de centenas de mulheres respondia cantando em voz alta. Ele, com Sua guirlanda Vaijayantī, movia-Se entre elas embelezando a floresta de Vṛndāvana.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Jīva Gosvāmī, o Senhor Kṛṣṇa cantou muitas melodias e métricas maravilhosas, e as gopīs O acompanhavam, seguindo Sua direção. O Śrī Viṣṇu Purāṇa descreve o canto de Kṛṣṇa nessa ocasião:

kṛṣṇaḥ śarac-candramasaṁ
kaumudīṁ kumudākaram
jagau gopī-janas tv ekaṁ
kṛṣṇa-nāma punaḥ punaḥ

“Kṛṣṇa cantou as glórias da lua de outono, do mar e do rio cheio de lótus, enquanto as gopīs apenas cantavam Seu nome repetidamente.”

Texto

nadyāḥ pulinam āviśya
gopībhir hima-vālukam
juṣṭaṁ tat-taralānandi
kumudāmoda-vāyunā
bāhu-prasāra-parirambha-karālakoru
nīvī-stanālabhana-narma-nakhāgra-pātaiḥ
kṣvelyāvaloka-hasitair vraja-sundarīṇām
uttambhayan rati-patiṁ ramayāṁ cakāra

Sinônimos

nadyān — o rio; pulinam — a margem; āviśya — entrando; gopībhiḥ — junto com as gopīs; hima — fria; vālukam — por sua areia; juṣṭam — servida; tat — dele; tarala — pelas ondas; ānandi — tornando alegre; kumuda — dos lótus; āmoda — (levando) a fragrância; vāyunā — pelo vento; bāhu — de Seus braços; prasāra — com o atirar; parirambha — com abraços; kara — das mãos delas; alaka — cabelo; ūru — coxas; nīvī — cintos; stana — e seios; ālabhana — com o toque; narma — de brincadeira; nakha — das unhas; agra-pātaiḥ — com o arranhar; kṣvelyā — com conversa divertida: avaloka — olhares; hasitaiḥ — e riso; vraja-sundarīṇām — para as belas jovens de Vraja; uttambhayan — incitando; rati-patim — o Cupido; ramayām cakāra — teve prazer.

Tradução

Śrī Kṛṣṇa foi com as gopīs à margem do Yamunā, onde a areia era refrescante e onde o vento, animado com as ondas do rio, carre­gava a fragrância dos lótus. Ali, Kṛṣṇa atirou os braços em volta das gopīs e as abraçou. Ele despertou o Cupido nas belas jovens de Vraja ao tocar-lhes as mãos, cabelos, coxas, cintos e seios e arranhá-las de brincadeira com Suas unhas, e também ao gracejar com elas, olhar para elas e rir com elas. Dessa maneira, o Senhor desfrutava de Seus passatempos.

Texto

evaṁ bhagavataḥ kṛṣṇāl
labdha-mānā mahātmanaḥ
ātmānaṁ menire strīṇāṁ
māninyo hy adhikaṁ bhuvi

Sinônimos

evam — dessa maneira; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; kṛṣṇāt — o Senhor Kṛṣṇa; labdha — recebendo; mānāḥ — respeito especial; mahā-ātmanaḥ — da Alma Suprema; ātmānam — elas mesmas; menire — consideraram; strīṇām — entre todas as mulheres; māni­nyaḥ — ficando orgulhosas; hi — de fato; adhikam — a melhor; bhuvi — na Terra.

Tradução

As gopīs ficaram orgulhosas por terem recebido uma atenção tão especial de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, e cada uma delas se julgava a melhor mulher na Terra.

Comentário

SIGNIFICADO—As gopīs estavam orgulhosas porque haviam obtido como seu amante a maior de todas as personalidades. Portanto, em um sentido, elas estavam orgulhosas de Kṛṣṇa. Além disso, o orgulho das gopīs era um pretexto criado pela potência de passatempo de Kṛṣṇa para intensificar seu amor por Ele através da separação. A esse respeito, Śrīla Viśvanātha Cakravartī cita o Nāṭya-śāstra, de Bharata Muni, na vinā vipralambhena sambhogaḥ puṣṭim aśnute: “Não se aprecia em plenitude o contato direto enquanto não se experimentou a separação.”

Texto

tāsāṁ tat-saubhaga-madaṁ
vīkṣya mānaṁ ca keśavaḥ
praśamāya prasādāya
tatraivāntaradhīyata

Sinônimos

tāsām — delas; tat — isto; saubhaga — devido à boa fortuna delas; madam — estado de inebriamento; vīkṣya — observando; mānam — o falso orgulho; ca — e; keśavaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; praśamāya — para diminuí-lo; prasādāya — para lhes mostrar favor; tatra eva — bem ali; antaradhīyata — desapareceu.

Tradução

O Senhor Keśava, vendo as gopīs muito orgulhosas de sua boa fortuna, quis aliviá-las deste orgulho e mostrar-lhes ainda mais misericórdia. Então, Ele desapareceu imediatamente.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra prasādāya neste verso é significativa. O Senhor Kṛṣṇa não ia desprezar as gopīs, senão que aumentaria o poder de suas aventuras amorosas fazendo outro arranjo espetacular. Afinal, as gopīs estavam basicamente orgulhosas de Kṛṣṇa. Ele fez este arranjo também, como veremos, para mostrar favor especial à bela e jovem filha do rei Vṛṣabhānu.

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu­pāda referentes ao décimo canto, vigésimo nono capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado Kṛṣṇa e as Gopīs Encontram-se para a Dança da Rāsa”.