Skip to main content

CAPÍTULO OITENTA

O Brāhmaṇa Sudāmā Visita o Senhor Kṛṣṇa em Dvārakā

Este capítulo narra como o Senhor Kṛṣṇa adorou Seu amigo brāhmaṇa, Sudāmā, que foi a Seu palácio pedir caridade, e como conversaram sobre os passatempos que compartilharam enquan­to viviam no lar de seu mestre espiritual, Sāndīpani Muni.

O brāhmaṇa Sudāmā, amigo pessoal do Senhor Kṛṣṇa, era com­pletamente livre de desejos materiais. Ele mantinha a si e sua esposa com qualquer coisa que viesse até eles naturalmente, em virtude do que o casal era muito pobre. Certo dia, a esposa de Sudāmā, não conse­guindo encontrar nenhum alimento para preparar para seu marido, foi até ele e pediu-lhe que visitasse seu amigo Kṛṣṇa em Dvārakā e es­molasse alguma caridade. Sudāmā relutou em aceitar essa súplica, mas, quando ela insistiu, ele concordou em ir, refletindo que uma oportunidade de ver o Senhor era extremamente auspiciosa. Sua esposa mendigou alguns punhados de arroz em flocos para dar de pre­sente ao Senhor Kṛṣṇa, e Sudāmā partiu para Dvārakā.

Conforme Sudāmā se aproximava do palácio da esposa principal do Senhor Kṛṣṇa, Rukmiṇī-devī, o Senhor o viu de longe. Kṛṣṇa de imediato Se levantou do leito de Rukmiṇī e abraçou Seu amigo com grande alegria. Então, fez Sudāmā sentar-se na cama, lavou-lhe os pés com Suas próprias mãos e borrifou em Sua cabeça a água utilizada. Em seguida, deu-lhe muitos presentes e adorou-o com incenso, lampari­nas etc. Enquanto isso, Rukmiṇī, com uma cauda de iaque, abanava o brāhmaṇa maltrapilho. Todas essas atividades espantaram os resi­dentes do palácio.

O Senhor Śrī Kṛṣṇa, então, segurou a mão de Seu amigo, e os dois se entregaram a reminiscências do que haviam feito juntos muito tempo atrás, enquanto viviam na escola de seu mestre espiritual. Sudāmā ressaltou que Kṛṣṇa Se ocupa no passatempo de adquirir edu­cação somente para proporcionar um bom exemplo à sociedade humana.

Texto

śrī-rājovāca
bhagavan yāni cānyāni
mukundasya mahātmanaḥ
vīryāṇy ananta-vīryasya
śrotum icchāmi he prabho

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei (Parīkṣit) disse; bhagavan — meu senhor (Śu­kadeva Gosvāmī); yāni — quais; ca — e; anyāni — outros; mukundasya — do Senhor Kṛṣṇa; mahā-ātmanaḥ — a Alma Suprema; vīryāṇi — au­daciosos feitos; ananta — ilimitada; vīryasya — cuja audácia; śrotum — ouvir; icchāmi — desejo; he prabho — ó mestre.

Tradução

O rei Parīkṣit disse: Meu senhor, ó mestre, desejo ouvir sobre outros audaciosos feitos que a Suprema Personalidade de Deus, Mukunda, cuja audácia é ilimitada, tenha realizado.

Texto

ko nu śrutvāsakṛd brahmann
uttamaḥśloka-sat-kathāḥ
virameta viśeṣa-jño
viṣaṇṇaḥ kāma-mārgaṇaiḥ

Sinônimos

kaḥ — quem; nu — de fato; śrutvā — tendo ouvido; asakṛt — repeti­damente; brahman — ó brāhmaṇa; uttamaḥ-śloka — relacionados com o Senhor; sat — transcendentais; kathāḥ — assuntos; virameta — pode abandonar; viśeṣa — a essência (da vida); jñaḥ — quem conhece; viṣa­ṇṇaḥ — enojado; kāma — do desejo material; mārgaṇaiḥ — da busca.

Tradução

Ó brāhmaṇa, como alguém que conhece a essência da vida e está enojado do esforço pelo gozo dos sentidos poderia perder o interesse pelos assuntos transcendentais relacionados ao Senhor Uttamaḥśloka depois de ouvi-los repetidas vezes?

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī comenta a esse respeito que vemos muitas pessoas que, mesmo depois de ouvirem repetidas vezes os assuntos relacionados ao Senhor, abandonam sua dedicação espiritual. O ācārya responde que a palavra viśeṣa-jña é, portanto, importante nesta passagem. Aqueles que de fato compreenderam a essência da vida não abandonam a consciência de Kṛṣṇa. Outra qualificação é ser viṣaṇṇaḥ kāma-mārgaṇaiḥ, enojado do gozo dos sentidos materiais. Essas duas qualidades são complementares. Quem experimentou o verdadeiro sabor da consciência de Kṛṣṇa automaticamente se enoja do gosto inferior do prazer material. Esse genuíno ouvinte dos assun­tos relacionados a Kṛṣṇa não pode deixar de ouvir sobre os fasci­nantes passatempos do Senhor.

Texto

sā vāg yayā tasya guṇān gṛṇīte
karau ca tat-karma-karau manaś ca
smared vasantaṁ sthira-jaṅgameṣu
śṛṇoti tat-puṇya-kathāḥ sa karṇaḥ

Sinônimos

— aquele (é); vāk — poder da fala; yayā — pelo qual; tasya — Suas; guṇān — qualidades; gṛṇīte — descreve-se; karau — par de mãos; ca — e; tat — dEle; karma — trabalho; karau — fazendo; manaḥ — mente; ca — e; smaret — lembra; vasantam — que mora; sthira — dentro do inerte; jaṅgameṣu — e do móvel; śṛṇoti — ouve; tat — dEle; puṇya — santifi­cantes; kathāḥ — assuntos; saḥ — isto (é); karṇaḥ — um ouvido.

Tradução

Verdadeira fala é a que descreve as qualidades do Senhor, ver­dadeiras mãos são as que trabalham para Ele, verdadeira mente é a que sempre se lembra daquele que habita dentro de todas as coisas móveis e inertes, e verdadeiros ouvidos são aqueles que escutam os santificantes assuntos sobre Ele.

Comentário

SIGNIFICADO—Depois de ter glorificado no verso anterior o sentido da audição dedicado ao Senhor, o rei Parīkṣit agora menciona também os outros sentidos, para que obtenhamos um quadro completo da consciência de Kṛṣṇa. Neste trecho, ele declara que, sem ter ligação com Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, todos os órgãos do corpo tornam-se inúteis. No segundo canto, capítulo terceiro, versos 20 a 24, Śaunaka Ṛṣi faz uma afirmação semelhante.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī menciona que os sentidos devem tra­balhar juntos em consciência de Kṛṣṇa. Em outras palavras, o que quer que experimentem os olhos ou ouvidos, a mente deve apenas lembrar-se de Kṛṣṇa, que está em todas as coisas.

Texto

śiras tu tasyobhaya-liṅgam ānamet
tad eva yat paśyati tad dhi cakṣuḥ
aṅgāni viṣṇor atha taj-janānāṁ
pādodakaṁ yāni bhajanti nityam

Sinônimos

śiraḥ — cabeça; tu — e; tasya — dEle; ubhaya — ambas; liṅgam — dian­te das manifestações; ānamet — prostra-se; tat — aquilo; eva — somen­te; yat — que; paśyati — vê; tat — aquilo; hi — de fato; cakṣuḥ — olho; aṅgāni — membros; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; atha — ou; tat — dEle; janānām — dos devotos; pāda-udakam — a água que lavou os pés; yāni — que; bhajanti — honram; nityam — regularmente.

Tradução

Verdadeira cabeça é a que se inclina diante do Senhor em Suas manifestações entre as criaturas móveis e inertes, olhos de verda­de são aqueles que veem só o Senhor, e verdadeiros membros cor­póreos são aqueles que honram regularmente a água que banhou os pés do Senhor ou os pés de Seus devotos.

Texto

sūta uvāca
viṣṇu-rātena sampṛṣṭo
bhagavān bādarāyaṇiḥ
vāsudeve bhagavati
nimagna-hṛdayo ’bravīt

Sinônimos

sūtaḥ uvāca — Sūta Gosvāmī disse; viṣṇu-rātena — por Viṣṇurāta (Mahārāja Parīkṣit); sampṛṣṭaḥ — bem interrogado; bhagavān — o po­deroso sábio; bādarāyaṇiḥ — Śukadeva; vāsudeve — no Senhor Vāsu­deva; bhagavati — a Suprema Personalidade de Deus; nimagna — ple­namente absorto; hṛdayaḥ — seu coração; abravīt — falou.

Tradução

Sūta Gosvāmī disse: Interrogado assim pelo rei Viṣṇurāta, o poderoso sábio Bādarāyaṇi respondeu, com seu coração plena­mente absorto em meditação na Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva.

Texto

śrī-śuka uvāca
kṛṣṇasyāsīt sakhā kaścid
brāhmaṇo brahma-vittamaḥ
virakta indriyārtheṣu
praśāntātmā jitendriyaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; kṛṣṇasya — do Senhor Kṛṣṇa; āsīt — havia; sakhā — amigo (chamado Sudāmā); kaścit — certo; brāhmaṇaḥbrāhmaṇa; brahma — nos Vedas; vit-tamaḥ — muito ver­sado; viraktaḥ — desapegado; indriya-artheṣu — dos objetos do gozo dos sentidos; praśānta — pacífica; ātmā — cuja mente; jita — conquis­tados; indriyaḥ — cujos sentidos.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: O Senhor Kṛṣṇa tinha um amigo brāhmaṇa [chamado Sudāmā] que era muito versado no conhe­cimento védico e desapegado de todo o gozo dos sentidos. Além disso, sua mente era tranquila, e seus sentidos, subjugados.

Texto

yadṛcchayopapannena
vartamāno gṛhāśramī
tasya bhāryā ku-cailasya
kṣut-kṣāmā ca tathā-vidhā

Sinônimos

yadṛcchayā — espontaneamente; upapannena — com o que era obti­do; vartamānaḥ — existindo; gṛha-āśramī — na ordem de vida fami­liar; tasya — dele; bhāryā — a esposa; ku-cailasya — que andava maltrapilho; kṣut — de fome; kṣāmā — magra; ca — e; tathā-vidhā — igual­mente.

Tradução

Vivendo como chefe de família, ele se mantinha com qualquer coisa que viesse espontaneamente. A esposa daquele brāhmaṇa maltrapilho sofria juntamente com ele e estava magra de fome.

Comentário

SIGNIFICADO—A casta esposa de Sudāmā também usava vestes muito pobres, e qualquer comida que conseguisse ela dava a seu marido. Dessa maneira, ela vivia cansada por causa da fome.

Texto

pati-vratā patiṁ prāha
mlāyatā vadanena sā
daridraṁ sīdamānā vai
vepamānābhigamya ca

Sinônimos

pati-vratā — fiel a seu marido; patim — a seu marido; prāha — disse; mlāyatā — ressequido; vadanena — com seu rosto; — ela; daridram — pobre; sīdamānā — aflita; vai — de fato; vepamānā — tremendo; abhigamya — aproximando-se; ca — e.

Tradução

A casta esposa do paupérrimo brāhmaṇa certa vez aproximou-­se dele, com o rosto ressequido por causa de sua aflição. Tremen­do de medo, ela disse o seguinte.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo Śrīdhara Svāmī, a casta esposa estava especialmente in­feliz porque não conseguia comida para alimentar seu marido. Além disso, ela tinha medo de se aproximar de seu marido porque sabia que ele não queria mendigar do Senhor Supremo outra coisa senão devoção.

Texto

nanu brahman bhagavataḥ
sakhā sākṣāc chriyaḥ patiḥ
brahmaṇyaś ca śaraṇyaś ca
bhagavān sātvatarṣabhaḥ

Sinônimos

nanu — de fato; brahman — ó brāhmaṇa; bhagavataḥ — de ti; sa­khā — o amigo; sākṣāt — diretamente; śriyaḥ — da suprema deusa da fortuna; patiḥ — o esposo; brahmaṇyaḥ — compassivo com os brāhmaṇas; ca — e; śaraṇyaḥ — disposto a dar abrigo; ca — e; bhagavān — o Senhor Supremo; sātvata — dos Yādavas; ṛṣabhaḥ — o melhor.

Tradução

[A esposa de Sudāmā disse:] Ó brāhmaṇa, não é verdade que o esposo da deusa da fortuna é teu amigo pessoal? Aquele emi­nentíssimo Yādava, o Supremo Senhor Kṛṣṇa, é compassivo com os brāhmaṇas e muito disposto a lhes conceder Seu abrigo.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica em seu comentário como a es­posa do brāhmaṇa antecipou cada possível objeção que seu marido poderia apresentar a seu pedido de que ele fosse até o Senhor Kṛṣṇa para pedir caridade. Se o brāhmaṇa dissesse: “Como o es­poso da deusa da fortuna poderia ser amigo de uma alma caída como eu?”, ela responderia dizendo que o Senhor Kṛṣṇa é brahmaṇya, muito fa­voravelmente disposto para com os brāhmaṇas. Se Sudāmā alegasse não ter verdadeira devoção pelo Senhor, ela responderia dizendo que ele é uma grande e sábia personalidade que, sem dúvida, obteria o abrigo e a misericórdia do Senhor. Se o brāhmaṇa objetasse dizendo que o Senhor Kṛṣṇa é equânime para com todas as incontáveis almas condi­cionadas que sofrem os frutos de seu próprio karma, ela responderia que o Senhor Kṛṣṇa é especialmente o Senhor dos devotos, e, portanto, mesmo que Ele em pessoa não concedesse Sua misericórdia a Sudāmā, decerto os devotos ocupados em servir o Senhor lhe dariam alguma caridade por miseri­córdia. Já que o Senhor protege os Sātva­tas, os membros da dinastia Yadu, que dificuldade haveria para Ele em proteger um brāhmaṇa humilde como Sudāmā, e que mal haveria em Ele fazer isso?

Texto

tam upaihi mahā-bhāga
sādhūnāṁ ca parāyaṇam
dāsyati draviṇaṁ bhūri
sīdate te kuṭumbine

Sinônimos

tam — dEle; upaihi — aproxima-Se; mahā-bhāga — ó pessoa afortu­nada; sādhūnām — dos devotos santos; ca — e; para-ayaṇam — o abrigo último; dāsyati — dará; draviṇam — riqueza; bhūri — abundante; sīda­te — sofredor; te — a ti; kuṭumbine — que manténs uma família.

Tradução

Ó afortunado, por favor, aproxima-te dEle, o verdadei­ro abrigo de todos os santos. Ele com certeza dará abundante riqueza a um pai de família sofredor como tu.

Texto

āste ’dhunā dvāravatyāṁ
bhoja-vṛṣṇy-andhakeśvaraḥ
smarataḥ pāda-kamalam
ātmānam api yacchati
kiṁ nv artha-kāmān bhajato
nāty-abhīṣṭān jagad-guruḥ

Sinônimos

āste — está presente; adhunā — agora; dvāravatyām — em Dvārakā; bhoja-vṛṣṇi-andhaka — dos Bhojas, Vṛṣṇis e Andhakas; īśvaraḥ — o Senhor; smarataḥ — a quem se lembra; pāda-kamalam — de Seus pés de lótus; ātmānam — a Si mesmo; api — até; yacchati — dá; kim nu­ — o que se dizer, então; artha — do sucesso econômico; kāmān — e gozo dos sentidos; bhajataḥ — a quem O adora; na — não; ati — muito; abhīṣṭān — desejáveis; jagat — de todo o universo; guruḥ — o mestre espi­ritual.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa agora é o governante dos Bhojas, Vṛṣṇis e Andhakas e vive em Dvārakā. Visto que Ele entrega até mesmo Seu próprio eu a qualquer um que apenas se lembre de Seus pés de lótus, que dúvida há de que Ele, o mestre espiritual do universo, concederá a Seu adorador sincero prosperidade e gozo material, que nem mesmo são muito desejáveis?

Comentário

SIGNIFICADO—A esposa do brāhmaṇa aqui insinua que, como o Senhor Kṛṣṇa é o governante dos Bhojas, Vṛṣṇis e Andhakas, se estes governantes opu­lentos apenas reconhecerem Sudāmā como amigo pessoal de Kṛṣṇa, eles poderiam lhe dar tudo o que ele precisasse.

Com relação a esta passagem, Śrīla Viśvanātha Cakravartī comen­ta que, como o Senhor Kṛṣṇa, por volta daquela época, havia deposto Suas armas, Ele não viajava mais para fora de Sua própria capital, Dvārakā. Por isso, Śrīla Prabhupāda escreve no livro Kṛṣṇa, a Supre­ma Personalidade de Deus: “[A esposa do brāhmaṇa disse:] ‘Eu ouvi dizer que Ele nunca sai de Sua capital, Dvārakā. Ele está mo­rando lá sem compromissos externos.’”

Como se mencionou aqui, a riqueza material e o gozo dos senti­dos não são muito desejáveis. A razão para isso é que, a longo prazo, eles não dão verdadeira satisfação. Ainda assim, a esposa de Sudāmā pensava, mesmo que Sudāmā fosse a Dvārakā e apenas ficas­se em silêncio diante do Senhor, esse com certeza lhe daria abundantes riquezas, bem como abrigo a Seus pés de lótus, o verdadeiro objetivo de Sudāmā.

Texto

sa evaṁ bhāryayā vipro
bahuśaḥ prārthito muhuḥ
ayaṁ hi paramo lābha
uttamaḥśloka-darśanam
iti sañcintya manasā
gamanāya matiṁ dadhe
apy asty upāyanaṁ kiñcid
gṛhe kalyāṇi dīyatām

Sinônimos

saḥ — ele; evam — dessa maneira; bhāryayā — por sua esposa; vi­praḥ — o brāhmaṇa; bahuśaḥ — profusamente; prārthitaḥ — solicita­do com súplicas; muhuḥ — reiteradas vezes; ayam — este; hi — de fato; paramaḥ — o supremo; lābhaḥ — ganho; uttamaḥ-śloka — do Senhor Kṛṣṇa; darśanam — a visão; iti — assim; sañcintya — pensando; ma­nasā — em sua mente; gamanāya — de ir; matim dadhe — tomou a de­cisão; api — se; asti — há; upāyanam — presente; kiñcit — algum; gṛhe — na casa; kalyāṇi — minha boa mulher; dīyatām — dá, por favor.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Depois que sua esposa repeti­damente apresentou-lhe suas súplicas de várias maneiras, o brāhmaṇa pensou consigo mesmo: “Ver o Senhor Kṛṣṇa é de fato a realização máxima da vida.” Então, ele decidiu ir, mas antes disse-lhe: “Minha boa esposa, se houver algo em casa que eu possa levar como presente, por favor, dá-me tal coisa.”

Comentário

SIGNIFICADO—Sudāmā era naturalmente humilde e, por isso, embora a princípio tenha ficado descontente com a proposta de sua esposa, por fim decidiu ir. Agora, o último detalhe era que ele tinha de levar um presente para o seu amigo.

Texto

yācitvā caturo muṣṭīn
viprān pṛthuka-taṇḍulān
caila-khaṇḍena tān baddhvā
bhartre prādād upāyanam

Sinônimos

yācitvā — mendigando; caturaḥ — quatro; muṣṭīn — punhados; vi­prān — aos brāhmaṇas (vizinhos); pṛthuka-taṇḍulān — arroz em flocos; caila — de tecido; khaṇḍena — com um pedaço; tān — a eles; baddhvā — embrulhando; bhartre — a seu marido; prādāt — deu; upāyanam — pre­sente.

Tradução

A esposa de Sudāmā mendigou quatro punhados de arroz em flocos aos brāhmaṇas vizinhos, embrulhou o arroz em um peda­ço de tecido e deu-o a seu marido como presente para o Senhor Kṛṣṇa.

Texto

sa tān ādāya viprāgryaḥ
prayayau dvārakāṁ kila
kṛṣṇa-sandarśanaṁ mahyaṁ
kathaṁ syād iti cintayan

Sinônimos

saḥ — ele; tān — a eles; ādāya — apanhando; vipra-agryaḥ — o melhor dos brāhmaṇas; prayayau — foi; dvārakām — para Dvārakā; kila­ — de fato; kṛṣṇa-sandarśanam — a audiência com o Senhor Kṛṣṇa; mahyam — para mim; katham — como; syāt — acontecerá; iti — assim; cintayan — pensando.

Tradução

Levando consigo o arroz em flocos, o santo brāhmaṇa partiu para Dvārakā, pensando a todo instante: “Como conseguirei uma au­diência com Kṛṣṇa?”

Comentário

SIGNIFICADO—Entre outras coisas, Sudāmā achava que os porteiros não o deixariam passar.

Texto

trīṇi gulmāny atīyāya
tisraḥ kakṣāś ca sa-dvijaḥ
vipro ’gamyāndhaka-vṛṣṇīnāṁ
gṛheṣv acyuta-dharmiṇām
gṛhaṁ dvy-aṣṭa-sahasrāṇāṁ
mahiṣīṇāṁ harer dvijaḥ
viveśaikatamaṁ śrīmad
brahmānandaṁ gato yathā

Sinônimos

trīṇi — por três; gulmāni — contingentes de guardas; atīyāya — pas­sando; tisraḥ — três; kakṣāḥ — portais; ca — e; sa-dvijaḥ — acompanhado de brāhmaṇas; vipraḥ — o erudito brāhmaṇa; agamya — intransponíveis; andhaka-vṛṣṇīnām — dos Andhakas e Vṛṣṇis; gṛheṣu — entre as casas; acyuta — o Senhor Kṛṣṇa; dharmiṇām — que seguem fielmente; gṛham — residência; dvi — duas; aṣṭa — vezes oito; sahasrāṇām — mil; mahiṣīṇām — das rainhas; hareḥ — do Senhor Kṛṣṇa; dvijaḥ — o brāhmaṇa; viveśa — entrou; ekatamam — em uma delas; śrī-mat — opulen­ta; brahma-ānandam — a bem-aventurança da liberação impessoal; gataḥ — alcançando; yathā — como que.

Tradução

O erudito brāhmaṇa, acompanhado de alguns brāhmaṇas lo­cais, cruzou três postos de guardas e três portais, após o que passou pelas casas dos Andhakas e Vṛṣṇis, fiéis devotos do Senhor Kṛṣṇa, algo que em situações comuns ninguém conseguiria fazer. Então, entrou em um dos opulentos palácios pertencentes às dezes­seis mil rainhas do Senhor Hari e, ao fazer isso, sentiu como se estivesse alcançando a bem-aventurança da liberação.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao atravessar a área dos palácios do Senhor Kṛṣṇa e entrar de fato em um dos palácios, o santo brāhmaṇa esqueceu-se por completo de tudo mais, de maneira que seu estado de espírito compara-se ao de alguém que acaba de alcançar a bem-aventurança da liberação es­piritual. Śrīla Viśvanātha Cakravartī cita uma passagem do Padma Purāṇa, Uttara-khaṇḍa, onde se descreve que o brāhmaṇa, em ver­dade, entrou no palácio de Rukmiṇī, sa tu rukmiṇy-antaḥ-pura-dvāri kṣaṇaṁ tūṣṇīṁ sthitaḥ: “Em silêncio, ele ficou por um momento em frente à porta do palácio da rainha Rukmiṇī.”

Texto

taṁ vilokyācyuto dūrāt
priyā-paryaṅkam āsthitaḥ
sahasotthāya cābhyetya
dorbhyāṁ paryagrahīn mudā

Sinônimos

tam — a ele; vilokya — vendo; acyutaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; dūrāt — à distância; priyā — de Sua amada consorte; paryaṅkam — no leito; āsthi­taḥ — sentado; sahasā — imediatamente; utthāya — levantando-Se; ca — e; abhyetya — adiantando-Se; dorbhyām — em Seus braços; paryagrahīt — abraçou; mudā — com prazer.

Tradução

Naquele momento, o Senhor Acyuta estava sentado no leito de Sua consorte. Vendo o brāhmaṇa a alguma distância, o Senhor imediatamente Se levantou, foi ao encontro dele e, com grande prazer, abraçou-o.

Texto

sakhyuḥ priyasya viprarṣer
aṅga-saṅgāti-nirvṛtaḥ
prīto vyamuñcad ab-bindūn
netrābhyāṁ puṣkarekṣaṇaḥ

Sinônimos

sakhyuḥ — de Seu amigo; priyasya — querido; vipra-ṛṣeḥ — o brāhmaṇa sagaz; aṅga — do corpo; saṅga — pelo contato; ati — extremamen­te; nirvṛtaḥ — extático; prītaḥ — afetuoso; vyamuñcat — soltou; ap — de água; bindūn — gotas; netrābhyām — de Seus olhos; puṣkara-īkṣaṇaḥ — a Personalidade de Deus, que possui olhos de lótus.

Tradução

O Supremo Senhor de olhos de lótus sentiu intenso êxtase ao tocar o corpo de Seu caro amigo, o sábio brāhmaṇa, motivo pelo qual derramou lágrimas de amor.

Texto

athopaveśya paryaṅke
svayam sakhyuḥ samarhaṇam
upahṛtyāvanijyāsya
pādau pādāvanejanīḥ
agrahīc chirasā rājan
bhagavāḻ loka-pāvanaḥ
vyalimpad divya-gandhena
candanāguru-kuṅkamaiḥ
dhūpaiḥ surabhibhir mitraṁ
pradīpāvalibhir mudā
arcitvāvedya tāmbūlaṁ
gāṁ ca svāgatam abravīt

Sinônimos

atha — então; upaveśya — fazendo-o sentar-se; paryaṅke — na cama; svayam — Ele mesmo; sakhyuḥ — para Seu amigo; samarhaṇam — ar­tigos de adoração; upahṛtya — trazendo adiante; avanijya — lavando; asya — dele; pādau — pés; pāda-avanejanīḥ — a água que lavara seus pés; agrahīt — aceitou; śirasā — sobre a cabeça; rājan — ó rei (Parīkṣit); bhagavān — o Senhor Supremo; loka — de todos os mundos; pāva­naḥ — o purificador; vyalimpat — ungiu-o; divya — divina; gandhena — cuja fragrância; candana — com pasta de sândalo; aguru — pasta de aloés; kuṅkumaiḥ — e vermelhão; dhūpaiḥ — com incenso; surabhi­bhiḥ — aromático; mitram — Seu amigo; pradīpa — de lamparinas; ava­libhiḥ — com fileiras; mudā — alegremente; arcitvā — adorando; āve­dya — oferecendo como refresco; tāmbūlam — noz de bétel; gām — uma vaca; ca — e; su-āgatam — bem-vindo; abravīt — falou.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa fez Seu amigo Sudāmā sentar-se na cama. Então, o próprio Senhor, que purifica o mundo inteiro, ofereceu-lhe vários artigos em sinal de respeito e lavou-lhe os pés, ó rei, depois do que borrifou a água em Sua própria cabeça. Em segui­da, ungiu-o com pastas de sândalo, aguru e kuṅkuma, que tinham fragrância divina, e então, pleno de alegria, adorou-o com incenso aro­mático e muitas lamparinas. Depois de presenteá-lo com noz de bétel e uma vaca, Ele o acolheu com palavras agradáveis.

Texto

ku-cailaṁ malinaṁ kṣāmaṁ
dvijaṁ dhamani-santatam
devī paryacarat sākṣāc
cāmara-vyajanena vai

Sinônimos

ku — pobre; cailam — cuja roupa; malinam — suja; kṣāmam — magro; dvijam — o brāhmaṇa; dhamani-santatam — suas veias visíveis; devī — a deusa da fortuna; paryacarat — serviu; sākṣāt — em pessoa; cāma­ra — com um abano de cauda de iaque; vyajanena — abanando; vai — de fato.

Tradução

Abanando-o com seu cāmara, a divina deusa da fortuna em pessoa serviu aquele pobre brāhmaṇa, cuja roupa estava rasgada e suja e que era tão magro que suas veias se tornavam visíveis em todo o corpo.

Texto

antaḥ-pura-jano dṛṣṭvā
kṛṣṇenāmala-kīrtinā
vismito ’bhūd ati-prītyā
avadhūtaṁ sabhājitam

Sinônimos

antaḥ-pura — do palácio real; janaḥ — as pessoas; dṛṣṭvā — vendo; kṛṣṇena — pelo Senhor Kṛṣṇa; amala — imaculada; kīrtinā — cuja fama; vismitaḥ — espantadas; abhūt — ficaram; ati — intensa; prītyā — com afeição amorosa; avadhūtam — o brāhmaṇa maltrapilho; sabhājitam — hon­rado.

Tradução

As pessoas no palácio real surpreenderam-se ao verem Kṛṣṇa, o Senhor de glória imaculada, honrar com tanta afeição esse brāhmaṇa de vestes pobres.

Texto

kim anena kṛtaṁ puṇyam
avadhūtena bhikṣuṇā
śriyā hīnena loke ’smin
garhitenādhamena ca
yo ’sau tri-loka-guruṇā
śrī-nivāsena sambhṛtaḥ
paryaṅka-sthāṁ śriyaṁ hitvā
pariṣvakto ’gra-jo yathā

Sinônimos

kim — o que; anena — por ele; kṛtam — foi feita; puṇyam — atividade piedosa; avadhūtena — não banhado; bhikṣuṇā — pelo mendicante; śriyā — de prosperidade; hīnena — que está privado; loke — no mundo; asmin — este; garhitena — condenado; adhamena — baixo; ca — e; yaḥ — que; asau — ele mesmo; tri — três; loka — dos sistemas planetários do universo; guruṇā — pelo mestre espiritual; śrī — de Lakṣmī, a supre­ma deusa da fortuna; nivāsena — a morada; sambhṛtaḥ — serviu com reverência; paryaṅka — em seu leito; sthām — sentada; śrīyam — a deusa da fortuna; hitvā — deixando de lado; pariṣvaktaḥ — abraçado; agra-­jaḥ — um irmão mais velho; yathā — como.

Tradução

[Os residentes do palácio disseram:] Que atos piedosos fez este brāhmaṇa pobre e maltrapilho? As pessoas consideram-no infe­rior e desprezível, mas o mestre espiritual dos três mundos, a morada da deusa Śrī, serve-o reverentemente. Deixando a deusa da fortuna sentada em seu leito, o Senhor abraçou esse brāhmaṇa como se fosse um irmão mais velho.

Texto

kathayāṁ cakratur gāthāḥ
pūrvā gurukule satoḥ
ātmanor lalitā rājan
karau gṛhya parasparam

Sinônimos

kathayām cakratuḥ — discutiram; gāthāḥ — assuntos; pūrvāḥ — do pas­sado; gurukule — na escola de seu mestre espiritual; satoḥ — que mo­ravam; ātmanoḥ — deles mesmos; lalitāḥ — encantadores; rājan — ó rei (Parīkṣit); karau — mãos; gṛhya — segurando; parasparam — mutua­mente.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Segurando as mãos um do outro, ó rei, Kṛṣṇa e Sudāmā se deleitaram conversando sobre como eles, durante certo tempo, viveram juntos na escola de seu guru.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
api brahman gurukulād
bhavatā labdha-dakṣiṇāt
samāvṛttena dharma-jña
bhāryoḍhā sadṛśī na vā

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — o Senhor Supremo disse; api — acaso; brahman — ó brāhmaṇa; gurukulāt — da escola do mestre espiritual; bha­vatā — por ti; labdha — tendo recebido; dakṣiṇāt — remuneração; sa­māvṛttena — retornado; dharma — dos princípios religiosos; jña — ó conhecedor; bhāryā — com uma esposa; ūḍhā — casado; sadṛśī — ade­quada; na — não; — ou.

Tradução

O Senhor Supremo disse: Meu querido brāhmaṇa, conheces bem os preceitos do dharma. Depois que deste uma remuneração de presente a nosso guru e voltaste da escola dele para casa, tu te casaste com uma esposa compatível ou não?

Comentário

SIGNIFICADO—Entre seres humanos civilizados, a questão do āśrama, ou ordem espiritual, é significativa. Em outras palavras, todo ser humano deve executar deveres prescritos como estudante celibatário, homem ou mulher casados, pessoa afastada das obrigações sociais ou renuncian­te. Como podia ver que o brāhmaṇa usava vestes pobres, o Senhor Kṛṣṇa perguntou se Seu amigo tinha se casado bem e cumpria os deveres da vida familiar. Visto que não estava vestido como renuncian­te, ele estaria sem um āśrama conveniente se não estivesse bem casado.

Texto

prāyo gṛheṣu te cittam
akāma-vihitaṁ tathā
naivāti-prīyase vidvan
dhaneṣu viditaṁ hi me

Sinônimos

prāyaḥ — a maior parte do tempo; gṛheṣu — nos assuntos familia­res; te — tua; cittam — mente; akāma-vihitam — não influenciada pelos desejos materiais; tathā — também; na — não; eva — de fato; ati — muito; prīyase — sentes prazer; vidvan — ó sábio; dhaneṣu — na busca da ri­queza material; viditam — é conhecido; hi — de fato; me — por Mim.

Tradução

Muito embora estejas a maior parte do tempo envolvido nos assuntos familiares, tua mente não se deixa afetar por desejos materiais. Tampouco, ó erudito, sentes muito prazer na busca da riqueza material. Acerca disso estou bem informado.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, o Senhor Kṛṣṇa revela que de fato estava bem ciente da situação de Seu amigo. Sudāmā era deveras erudito e espiritualmente avançado e, por isso, não se interessava pelo ordinário gozo dos sen­tidos, como o faz o homem comum.

Texto

kecit kurvanti karmāṇi
kāmair ahata-cetasaḥ
tyajantaḥ prakṛtīr daivīr
yathāhaṁ loka-saṅgraham

Sinônimos

kecit — algumas pessoas; kurvanti — executam; karmāṇi — deve­res mundanos; kāmaiḥ — por desejos; ahata — não perturbadas; ceta­sa — cujas mentes; tyajantaḥ — abandonando; prakṛtīḥ — propensões; daivīḥ — criadas pela energia material do Senhor Supremo; yathā — como; aham — Eu; loka-saṅgraham — para instruir o povo em geral.

Tradução

Tendo renunciado a todas as propensões materiais, que surgem da energia ilusória do Senhor, alguns homens executam deveres terrenos sem que suas mentes se perturbem com desejos munda­nos. Eles agem como Eu, para instruir a população em geral.

Texto

kaccid gurukule vāsaṁ
brahman smarasi nau yataḥ
dvijo vijñāya vijñeyaṁ
tamasaḥ pāram aśnute

Sinônimos

kaccit — acaso; gurukule — na escola do mestre espiritual; vāsam — residência; brahman — ó brāhmaṇa; smarasi — lembras-te; nau — nosso; yataḥ — do qual (mestre espiritual); dvijaḥ — uma pessoa duas vezes nascida; vijñāya — entendendo; vijñeyam — o que precisa ser conheci­do; tamasaḥ — da ignorância; pāram — o transcender; aśnute — experi­menta.

Tradução

Meu querido brāhmaṇa, lembras como vivíamos juntos na escola de nosso mestre espiritual? Depois que um estudante duas vezes nascido aprendeu com seu guru tudo o que deve ser apren­dido, ele pode desfrutar a vida espiritual, que se encontra além de toda a ignorância.

Texto

sa vai sat-karmaṇāṁ sākṣād
dvijāter iha sambhavaḥ
ādyo ’ṅga yatrāśramiṇāṁ
yathāhaṁ jñāna-do guruḥ

Sinônimos

saḥ — ele; vai — de fato; sat — santificados; karmaṇām — de deve­res; sākṣāt — diretamente; dvi-jāteḥ — de quem nasceu duas vezes; iha — nesta vida material; sambhavaḥ — nascimento; ādyaḥ — primeiro; aṅga — Meu caro amigo; yatra — através de quem; āśramiṇām — para os membros de todas as ordens espirituais da sociedade; yathā — como; aham — Eu mesmo; jñāna — conhecimento divino; daḥ — o que concede; guruḥ — mestre espiritual.

Tradução

Meu caro amigo, aquele que concede à pessoa seu nascimento físico é seu primeiro mestre espiritual, e aquele que o inicia como um brāhmaṇa duas vezes nascido e o ocupa em deveres religiosos é, em verdade, mais diretamente seu mestre espiritual. Mas quem proporciona conhecimento transcendental aos membros de todas as ordens espirituais da sociedade é o mestre espiritual supremo. De fato, ele se encontra no mesmo nível que Eu.

Texto

nanv artha-kovidā brahman
varṇāśrama-vatām iha
ye mayā guruṇā vācā
taranty añjo bhavārṇavam

Sinônimos

nanu — decerto; artha — de seu verdadeiro bem-estar; kovidāḥ — co­nhecedores peritos; brahman — ó brāhmaṇa; varṇāśrama-vatām — ­entre os que se ocupam no sistema varṇāśrama; iha — neste mundo; ye — que; mayā — por Mim; guruṇā — como o mestre espiritual; vācā — através de suas palavras; taranti — atravessam; añjaḥ — facilmente; bhava — da vida material; arṇavam — o oceano.

Tradução

Decerto, ó brāhmaṇa, de todos os seguidores do sistema varṇāś­rama, aqueles que tiram proveito das palavras que falo através de Minha forma como o mestre espiritual e assim atravessam facilmente o oceano da existência material, são os que compreen­dem melhor qual é o seu verdadeiro bem-estar pessoal.

Comentário

SIGNIFICADO—O pai de uma pessoa bem como um líder religioso que a inicia nas cerimônias sagradas e a instrui na sabedoria geral, são objetos natu­rais de reverência. Mas, em última análise, o mestre espiritual autên­tico, versado na ciência transcendental e, portanto, capaz de ajudar seu discípulo a atravessar o oceano de nascimentos e mortes e alcançar o mundo espiritual – tal guru é o mais merecedor de adoração e respeito, pois, como se declara aqui, é o representante direto da Su­prema Personalidade de Deus.

Texto

nāham ijyā-prajātibhyāṁ
tapasopaśamena vā
tuṣyeyaṁ sarva-bhūtātmā
guru-śuśrūṣayā yathā

Sinônimos

na — não; aham — Eu; ijyā — pela adoração ritualística; prajāti­bhyām — o nascimento superior da iniciação de brāhmaṇa; tapasā — pela austeridade; upaśamena — pelo autocontrole; — ou; tuṣyeyam — posso ser satisfeito; sarva — de todos; bhūta — os seres; ātmā — a Alma; guru — a seu mestre espiritual; śuśrūṣayā — pelo serviço fiel; yathā — como.

Tradução

Eu, a Alma de todos os seres, não fico tão satisfeito com a ado­ração ritualística, a iniciação bramânica, as penitências ou a auto­disciplina quanto com o serviço fiel prestado ao mestre espiritual.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, a palavra prajāti indica ou o gerar de bons filhos ou o segundo nascimento obtido mediante a iniciação ritualística à cul­tura védica. Embora ambos sejam dignos de louvor, o Senhor Kṛṣṇa aqui afirma que o serviço fiel prestado ao mestre espiritual autêntico é ainda mais elevado.

Texto

api naḥ smaryate brahman
vṛttaṁ nivasatāṁ gurau
guru-dāraiś coditānām
indhanānayane kvacit
praviṣṭānāṁ mahāraṇyam
apartau su-mahad dvija
vāta-varṣam abhūt tīvraṁ
niṣṭhurāḥ stanayitnavaḥ

Sinônimos

api — acaso; naḥ — por nós; smaryate — são lembrados; brahman — ó brāhmaṇa; vṛttam — o que fizemos; nivasatām — que vivíamos; gurau — com nosso mestre espiritual; guru — de nosso guru; dāraiḥ — pela esposa; coditānām — que fomos enviados; indhana — lenha; anayane — para buscar; kvacit — certa vez; praviṣṭānām — tendo entra­do; mahā-araṇyam — na grande floresta; apa-ṛtau — fora de estação; su-mahat — fortíssimo; dvija — ó duas vezes nascido; vāta — vento; varṣam — e chuva; abhūt — surgiram; tīvram — violentos; niṣṭhurāḥ — severa; stanayitnavaḥ — trovoada.

Tradução

Ó brāhmaṇa, tu te lembras do que nos aconteceu enquanto morávamos com nosso mestre espiritual? Certa vez, a esposa de nosso guru mandou-nos buscar lenha, e, depois que entramos na vasta floresta, ó duas vezes nascido, ocorreu uma tempestade fora de estação, com vento e chuva violentos e trovões assustadores.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica que essa tempestade ocorreu durante o inverno e, portanto, estava fora de estação.

Texto

sūryaś cāstaṁ gatas tāvat
tamasā cāvṛtā diśaḥ
nimnaṁ kūlaṁ jala-mayaṁ
na prājñāyata kiñcana

Sinônimos

sūryaḥ — o Sol; ca — e; astam gataḥ — tendo-se posto; tāvat — então; tamasā — pela escuridão; ca — e; āvṛtāḥ — cobertas; diśaḥ — todas as direções; nimnam — baixa; kūlam — terra alta; jala-mayam — com água por toda a parte; na prājñāyata — não se podia reconhecer; kiñcana — nenhuma.

Tradução

Então, quando o Sol se pôs, a floresta cobriu-se de escuridão em todas as direções, e, com todo o dilúvio, não podíamos distin­guir a terra alta da baixa.

Texto

vayaṁ bhṛśam tatra mahānilāmbubhir
nihanyamānā mahur ambu-samplave
diśo ’vidanto ’tha parasparaṁ vane
gṛhīta-hastāḥ paribabhrimāturāḥ

Sinônimos

vayam — nós; bhṛśam — completamente; tatra — lá; mahā — grande; anila — pelo vento; ambubhiḥ — e água; nihanyamānāḥ — atacados; muhuḥ — continuamente; ambu-samplave — na inundação; diśaḥ — as direções; avidantaḥ — incapazes de discernir; atha — então; paraspa­ram — um do outro; vane — na floresta; gṛhīta — segurando; hastāḥ — as mãos; paribabhrima — vagamos; āturāḥ — aflitos.

Tradução

Constantemente assediados pelo vento e chuva poderosos, per­demo-nos entre as águas da enxurrada. Então, apenas seguramos as mãos um do outro e, com grande aflição, vagamos sem rumo pela floresta.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī assinala que se pode entender o verbo paribabhrima como sendo composto do prefixo pari com o verbo bhṛ ou bhram. No caso de bhram, ele indica que Kṛṣṇa e Sudāmā vagaram por toda parte, e, no caso de bhṛ, que quer dizer “carregar”, indica que, enquanto vagavam, os dois menininhos continuavam a carregar a lenha que tinham conseguido para seu mestre espiritual.

Texto

etad viditvā udite
ravau sāndīpanir guruḥ
anveṣamāṇo naḥ śiṣyān
ācāryo ’paśyad āturān

Sinônimos

etat — isto; viditvā — sabendo; udite — quando saiu; ravau — o Sol; sāndīpaniḥ — Sāndīpani; guruḥ — nosso mestre espiritual; anveṣamā­ṇaḥ — procurando; naḥ — por nós; śiṣyān — seus discípulos; ācāryaḥ — nosso mestre; apaśyat — viu; āturān — a nós, que estávamos aflitos.

Tradução

Nosso guru, Sāndīpani, compreendendo que estávamos em apu­ros, saiu depois do nascer do Sol a nossa procura, e encontrou-nos aflitos.

Texto

aho he putrakā yūyam
asmad-arthe ’ti-duḥkhitāḥ
ātmā vai prāṇinām preṣṭhas
tam anādṛtya mat-parāḥ

Sinônimos

aho — ah; he putrakāḥ — ó filhos; yūyam — vós; asmat — de nós; arthe — por causa; ati — extremamente; duḥkhitāḥ — sofrestes; ātmā — o corpo; vai — de fato; prāṇinām — para todos os seres vivos; preṣṭhaḥ — o mais querido; tam — aquele; anādṛtya — desconsiderando; mat — a mim; parāḥ — dedicados.

Tradução

[Sāndīpani disse:] Ó meus filhos, sofrestes tanto por minha causa! O corpo é muito querido a toda criatura viva, mas sois tão dedicados a mim que desconsiderastes por completo vosso próprio conforto.

Texto

etad eva hi sac-chiṣyaiḥ
kartavyaṁ guru-niṣkṛtam
yad vai viśuddha-bhāvena
sarvārthātmārpaṇaṁ gurau

Sinônimos

etat — isto; eva — somente; hi — decerto; sat — verdadeiros; śiṣyaiḥ — por discípulos; kartavyam — a ser feito; guru — para o mestre espiri­tual; niṣkṛtam — pagamento de uma dívida; yat — que; vai — de fato; viśuddha — completamente pura; bhāvena — com uma atitude; sarva — de todos; artha — os bens; ātmā — e o corpo; arpaṇam — o ofereci­mento; gurau — ao próprio mestre espiritual.

Tradução

Este é de fato o dever de todos os verdadeiros discípulos: pagar a dívida que têm para com o mestre espiritual oferecendo-lhe, com o coração puro, sua riqueza e até mesmo suas próprias vidas.

Comentário

SIGNIFICADO—A pessoa usa o corpo para realizar o que pretende. O corpo é também a base do conceito material de “eu”, enquanto a fortuna é a base do conceito de “meu”. Assim, oferecendo tudo ao mestre espiritual, a pessoa compreende que é um servo eterno do Senhor. O mestre espiritual não explora o discípulo, mas sim ocupa-o totalmen­te em consciência de Kṛṣṇa para o benefício eterno do discípulo.

Texto

tuṣṭo ’haṁ bho dvija-śreṣṭhāḥ
satyāḥ santu manorathāḥ
chandāṁsy ayāta-yāmāni
bhavantv iha paratra ca

Sinônimos

tuṣṭaḥ — satisfeito; aham — eu estou; bho — meus queridos; dvija — dos brāhmaṇas; śreṣṭhāḥ — ó melhores; satyāḥ — satisfeitos; santu — sejam; manaḥ-rathāḥ — vossos desejos; chandāṁsimantras védicos; ayāta-yāmāni — jamais envelhecendo; bhavantu — que sejam; iha — neste mundo; paratra — no próximo mundo; ca — e.

Tradução

Vós, meninos, sois brāhmaṇas de primeira classe, e estou satis­feito convosco. Que todos os vossos desejos se realizem, e que os mantras védicos que aprendestes jamais percam o sentido para vós, neste ou no outro mundo.

Comentário

SIGNIFICADO— A comida cozida deixada de lado por três horas passa a ser chamada de yāta-yāma, o que indica que perdeu seu sabor; analogamente, se um devoto não permanecer fixo na consciência de Kṛṣṇa, o conhecimento trans­cendental que certa vez o inspirou no caminho espiritual perderá seu “sabor”, ou significado, para ele. Assim, Sāndīpani Muni abençoa seus discípulos para que os mantras védicos, que revelam a Verdade Absoluta, jamais percam seu significado para eles, mas permaneçam sempre novos em suas mentes.

Texto

itthaṁ-vidhāny anekāni
vasatāṁ guru-veśmani
guror anugraheṇaiva
pumān pūrṇaḥ praśāntaye

Sinônimos

ittham-vidhāni — assim; anekāni — muitas coisas; vasatām — por nós que estávamos morando; guru — de nosso mestre espiritual; veśmani — na casa; guroḥ — do mestre espiritual; anugraheṇa — pela misericórdia; eva — apenas; pumān — uma pessoa; pūrṇaḥ — satisfeita; praśāntaye — para alcançar a paz total.

Tradução

[O Senhor Kṛṣṇa continuou:] Tivemos muitas experiências se­melhantes enquanto morávamos no lar de nosso mestre espiritual. É só pela graça do mestre espiritual que alguém pode realizar o objetivo da vida e alcançar a paz eterna.

Texto

śrī-brāhmaṇa uvāca
kim asmābhir anirvṛttaṁ
deva-deva jagad-guro
bhavatā satya-kāmena
yeṣāṁ vāso guror abhūt

Sinônimos

śrī-brāhmaṇaḥ uvāca — o brāhmaṇa disse; kim — o que; asmābhiḥ — por nós; anirvṛttam — não alcançado; deva-deva — ó Senhor dos senho­res; jagat — do universo; guro — ó mestre espiritual; bhavatā — contigo; satya — satisfeitos; kāmena — todos os desejos; yeṣām — dos quais; vāsaḥ — residência; guroḥ — na casa do mestre espiritual; abhūt — houve.

Tradução

O brāhmaṇa disse: O que eu poderia ter deixado de con­seguir, ó Senhor dos senhores, ó mestre espiritual, cujos desejos todos se realizam, já que pude viver pessoalmente conTigo na casa de nosso mestre espiritual?

Comentário

SIGNIFICADO—O brāhmaṇa Sudāmā compreende sabiamente sua extraordinária boa fortuna de ter vivido com Śrī Kṛṣṇa na residência do mestre espiri­tual deles. Assim, quaisquer dificuldades externas que experimenta­ram foram de fato expressão da misericórdia do Senhor, para ensinar a importância do serviço ao mestre espiritual.

Śrīla Prabhupāda apresenta os sentimentos do culto brāhmaṇa com as seguintes palavras: “[Sudāmā disse:] ‘Meu querido Kṛṣṇa, és o Senhor Supremo e o mestre espiritual supremo de todos, e já que fui afortunado o bastante para viver conTigo na casa de nosso guru, acho que não tenho mais afazeres em relação aos deveres védicos prescritos.’”

Texto

yasya cchando-mayaṁ brahma
deha āvapanaṁ vibho
śreyasāṁ tasya guruṣu
vāso ’tyanta-viḍambanam

Sinônimos

yasya — de quem; chandaḥ — os Vedas; mayam — que consistem em; brahma — a Verdade Absoluta; dehe — dentro do corpo; āvapanam — o campo de semeadura; vibho — ó Senhor onipotente; śreyasām — de metas auspiciosas; tasya — dEle; guruṣu — com mestres espirituais; vāsaḥ — residência; atyanta — extremo; viḍambanam — simulação.

Tradução

Ó Senhor onipotente, Teu corpo abarca a Verdade Absoluta sob a forma dos Vedas e é, por isso, a fonte de todas as metas auspiciosas da vida. O fato de teres residido na escola de um mestre espiritual não passa de um de Teus passatempos no qual encenas o papel de um ser humano.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humil­des servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda referentes ao décimo canto, octogésimo capítulo, do Śrīmad­-Bhāgavatam, intitulado “O Brāhmaṇa Sudāmā Visita o Senhor Kṛṣṇa em Dvārakā”.