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CAPÍTULO SETENTA E DOIS

O Extermínio do Demônio Jarāsandha

Este capítulo descreve como o Senhor Kṛṣṇa ouviu o pedido do rei Yudhiṣṭhira e, então, fez os preparativos para que Bhīmasena derrotas­se Jarāsandha.

Certo dia, o rei Yudhiṣṭhira dirigiu-se ao Senhor Kṛṣṇa enquanto este estava sentado na assembleia real: “Meu Senhor, desejo exe­cutar o sacrifício Rājasūya. Nesse sacrifício, as pessoas desinteressa­das em prestar serviço devocional a Ti poderão ver, em primeira mão, a superioridade de Teus devotos e a inferioridade dos não-devotos. Além disso, conseguirão ver Teus pés de lótus.”

O Senhor Kṛṣṇa elogiou a proposta de Yudhiṣṭhira: “Teu plano é tão excelente que disseminará tua fama por todo o universo. De fato, todos os seres vivos devem desejar que se execute este sacrifício. Para torná-lo possível, porém, deves primeiro derrotar todos os reis da Terra e reunir toda a parafernália necessária.”

Satisfeito com as palavras do Senhor Kṛṣṇa, o rei Yudhiṣṭhira enviou seus irmãos para conquistar as várias direções. Depois de terem vencido os reis que dominavam as direções que lhes foram determinadas, ou terem ganhado a lealdade deles, os irmãos Pāṇḍavas volta­ram trazendo abundantes riquezas para Yudhiṣṭhira. Eles lhe informa­ram, todavia, que não era possível derrotar Jarāsandha. Enquanto o rei Yudhiṣṭhira ponderava sobre como poderia subjugar Jarāsandha, Śrī Kṛṣṇa revelou-lhe como fazer isso, seguindo o conselho dado antes por Uddhava.

Bhīma, Arjuna e Śrī Kṛṣṇa, então, disfarçaram-se de brāhmaṇas e foram ao palácio de Jarāsandha, que era muito devotado à classe bramânica. Eles se apresentaram como brāhmaṇas ao rei Jarāsandha, bajulando-o com elogios à sua reputação de hospitalidade, e pediram-lhe que atendesse o desejo deles. Vendo as marcas das cordas de arco em seus corpos, Jarāsandha concluiu que eram guerreiros e não brāhmaṇas, mas, ainda assim, embora temeroso, prometeu sa­tisfazer qualquer desejo que tivessem. Naquele momento, o Senhor Kṛṣṇa tirou o disfarce e pediu que Jarāsandha lutasse contra Ele em um combate individual. Mas Jarāsandha recusou, alegando que Kṛṣṇa era um covarde, pois fugira uma vez do campo de batalha. Jarāsandha também se negou a lutar contra Arjuna sob o pretexto de que este era inferior em idade e tamanho. Quanto a Bhīma, todavia, ele considerou um digno oponente.

Então, Jarāsandha entregou a Bhīma uma maça e apanhou outra para si, e saíram todos da cidade para começar a luta.

Depois de algum tempo de luta, ficou claro que os dois rivais se equiparavam em força, de tal modo que nenhum dos dois venceria. O Senhor Kṛṣṇa, então, partiu ao meio um ramo de árvore, mostrando assim a Bhīma como matar Jarāsandha. Bhīma atirou Jarāsandha ao chão, pisou em uma de suas pernas, agarrou a outra e colocou-se a rasgá-lo dos genitais até a cabeça.

Vendo Jarāsandha morto, seus parentes e súditos gritaram em lamentação. O Senhor Kṛṣṇa, então, nomeou o filho de Jarāsandha governador de Magadha e libertou os reis que Jarāsandha aprisionara.

Texto

śrī-śuka uvāca
ekadā tu sabhā-madhya
āsthito munibhir vṛtaḥ
brāhmaṇaiḥ kṣatriyair vaiśyair
bhrātṛbhiś ca yudhiṣṭhiraḥ
ācāryaiḥ kula-vṛddhaiś ca
jñāti-sambandhi-bāndhavaiḥ
śṛṇvatām eva caiteṣām
ābhāṣyedam uvāca ha

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; ekadā — certa vez; tu — e; sabhā — da assembleia real; madhye — no meio; āsthitaḥ — senta­do; munibhiḥ — por sábios; vṛtaḥ — rodeado; brāhmaṇaiḥ kṣatriyaiḥ vaiśyaiḥ — por brāhmaṇas, kṣatriyas e vaiśyas; bhrātṛbhiḥ — por seus irmãos; ca — e; yudhiṣṭhiraḥ — o rei Yudhiṣṭhira; ācāryaiḥ — por seus mestres espirituais; kula — da família; vṛddhaiḥ — pelos mais velhos; ca — também; jñāti — por parentes consanguíneos; sambandhi — parentes pelo casamento; bāndhavaiḥ — e amigos; śṛṇvatām — enquanto escutavam; eva — de fato; ca — e; eteṣām — todos eles; ābhāṣya — dirigindo-se (ao Senhor Kṛṣṇa); idam — isto; uvāca ha — disse.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Certo dia, enquanto o rei Yudhiṣṭhira estava sentado na assembleia real rodeado por eminentes sábios, brāhmaṇas, kṣatriyas e vaiśyas, e também por seus irmãos, mestres espirituais, anciãos da família, parentes consanguíneos e ami­gos, ele se dirigiu ao Senhor Kṛṣṇa enquanto todos escutavam.

Texto

śrī-yudhiṣṭhira uvāca
kratu-rājena govinda
rājasūyena pāvanīḥ
yakṣye vibhūtīr bhavatas
tat sampādaya naḥ prabho

Sinônimos

śrī-yudhiṣṭhiraḥ uvāca — Śrī Yudhiṣṭhira disse; kratu — dos maiores sacrifícios de fogo; rājena — com o rei; govinda — ó Kṛṣṇa; rājasūyena — chamado Rājasūya; pāvanīḥ — purificadoras; yakṣye — desejo adorar; vibhūtiḥ — as opulentas expansões; bhavataḥ — de Ti; tat — isso; sampādaya — por favor, permite que aconteça; naḥ — para nós; prabho — ó amo.

Tradução

Śrī Yudhiṣṭhira disse: Ó Govinda, desejo adorar Tuas auspiciosas e opulentas expansões mediante o sacrifício Rājasūya, o rei das cerimônias védicas. Por favor, faze de nosso esforço um su­cesso, meu Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī afirma que a palavra vibhūtīḥ refere-se às expansões do Senhor Kṛṣṇa (aṁśān), e Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura explica ainda que, nesta passagem, a palavra vibhūtiḥ refere­-se às opulentas expansões do Senhor Kṛṣṇa dentro deste mundo, tais como os semideuses e outros seres dotados de poder. Assim, em Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, Śrīla Prabhupāda apresen­ta este verso da seguinte maneira: “Meu querido Senhor Kṛṣṇa, o sacrifício conhecido como Rājasūya-yajña deve ser executado pelo imperador e considera-se que ele é o rei de todos os sacrifícios. Executando este sacrifício, desejo satisfazer todos os semideuses, que são Teus representantes autorizados dentro deste mundo material, e quero que tenhas a bondade de me ajudar neste grande empreendimento para que ele seja realizado com sucesso. Quanto aos Pāṇḍa­vas, nada temos a pedir aos semideuses. Estamos satisfeitos em ser Teus devotos. Como dizes na Bhagavad-gītā: ‘Pessoas que estão de­sorientadas em virtude dos desejos materiais adoram os semideuses’, mas nosso propósito é diferente. Quero fazer este sacrifício Rājasūya e convidar os semideuses para lhes mostrar que eles não têm poder algum independente de Ti. Eles são todos Teus servos, e Tu és a Su­prema Personalidade de Deus. Os tolos, dotados de um pobre fundo de conhecimento, consideram-Te um ser humano comum. Algumas vezes, essas pessoas tentam achar defeitos em Ti; outras vezes, difa­mam-Te. Por isso, desejo realizar o Rājasūya-yajña. Desejo convidar todos os semideuses, a começar pelo senhor Brahmā, o senhor Śiva e outros elevados chefes dos planetas celestiais, e então, nessa grande assem­bleia dos semideuses de todas as partes do universo, desejo provar que Tu és a Suprema Personalidade de Deus e que todos são Teus servos.”

Texto

tvat-pāduke avirataṁ pari ye caranti
dhyāyanty abhadra-naśane śucayo gṛṇanti
vindanti te kamala-nābha bhavāpavargam
āśāsate yadi ta āśiṣa īśa nānye

Sinônimos

tvat — Teus; pāduke — chinelos; aviratam — constantemente; pari — plenamente; ye — aqueles que; caranti — servem; dhyāyanti — medi­tam em; abhadra — de coisas inauspiciosas; naśane — que (causam) a destruição; śucayaḥ — purificados; gṛṇanti — e descrevem em suas palavras; vindanti — obtêm; te — eles; kamala — (como um) lótus; nābha — ó Tu cujo umbigo; bhava — da vida material; apavargam — a cessação; āśāsate — abrigam desejos; yadi — se; te — eles; āśiṣaḥ — (alcançam) os objetos desejados; īśa — ó Senhor; na — não; anye — outras pessoas.

Tradução

Pessoas purificadas que constantemente servem, glorificam e meditam em Tuas sandálias, que destroem tudo o que é inauspicioso, com certeza se libertarão da existência material, ó pessoa de umbigo de lótus. Até mesmo se desejam alguma coisa neste mundo, tais pessoas a obtêm, ao passo que outros – aqueles que não se refugiam em Ti – jamais estão satisfeitos, ó Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—A esse respeito, Śrīla Prabhupāda escreve que as pessoas liberadas, conscientes de Kṛṣṇa, “não desejam sequer libertar-se desta existência material nem gozar opulências materiais; seus desejos são satisfeitos pelas atividades conscientes de Kṛṣṇa. Quanto a nós [rei Yudhiṣṭhira], estamos cem por cento rendidos a Teus pés de lótus, e por Tua graça somos tão afortunadas que Te vemos em pessoa. Portanto, é natural que não tenhamos desejo algum de opulências materiais. O veredito da sabedoria védica é que Tu és a Suprema Personalidade de Deus. Quero estabelecer este fato e também mostrar ao mundo a diferença entre aceitar-Te como a Suprema Personalidade de Deus e aceitar-Te como uma poderosa personagem histórica qualquer. Quero mostrar ao mundo que é possível alcançar a mais elevada perfeição da vida apenas refugiando-se em Teus pés de lótus, exatamente como é possível satisfazer os galhos, ramos, folhas e flores de toda uma árvore apenas regando-lhe a raiz. Assim, se alguém adota a consciên­cia de Kṛṣṇa, sua vida é plena de realização tanto material como espiritual.”

Śrīla Viśvanātha Cakravartī apresenta uma explicação semelhante para a afirmação do rei Yudhiṣṭhira: “Não sentimos nenhuma grande urgên­cia em executar o sacrifício Rājasūya, nem temos interesse pessoal algum nisso, pois já estamos vendo Teus pés de lótus e, por Tua misericórdia sem limites, fomos aceitos em Tua companhia pessoal. Neste mundo, entretanto, existe gente cujo coração está contaminado e que, em razão disso, pensa que não és a Suprema Personalidade de Deus, mas um homem qualquer. Ou então eles acham defeitos em Ti e até mesmo Te criticam. Isso é uma flecha que transpassa nossos corações.”

Continua: “Portanto, para arrancar essa flecha de nosso coração, devemos chamar a este lugar – a pretexto do Rājasūya – Brahmā, Rudra e outros sábios brahmacārīs e semideuses que residem em cada um dos quatorze sistemas planetários. Quando estiver reunida tão excelsa assembleia, será dever deles providenciar primeiro o agra-pūjā, ou a primeira adoração para a mais digna das pessoas presentes. E quando lhes for mostrado diretamente que Tu, o Senhor Kṛṣṇa, és a Suprema Personalidade de Deus, será arrancada a flecha que transpassa o nosso coração.”

Texto

tad deva-deva bhavataś caraṇāravinda-
sevānubhāvam iha paśyatu loka eṣaḥ
ye tvāṁ bhajanti na bhajanty uta vobhayeṣāṁ
niṣṭhāṁ pradarśaya vibho kuru-sṛñjayānām

Sinônimos

tat — portanto; deva-deva — ó Senhor dos senhores; bhavataḥ — Teus; caraṇa-aravinda — aos pés de lótus; sevā — do serviço; anubhāvam — o poder; iha — neste mundo; paśyatu — que veja; lokaḥ — a gente do mundo; eṣaḥ — esta; ye — os quais; tvām — a Ti; bhajanti — adoram; na bhajanti — não adoram; uta vā — ou então; ubhayeṣām — de ambos; niṣṭhām — a posição; pradarśaya — por favor, mostra; vibho — ó onipotente; kuru-sṛñjayānām — dos Kurus e Sṛñjayas.

Tradução

Portanto, ó Senhor dos senhores, que as pessoas deste mundo vejam o poder do serviço devocional prestado a Teus pés de lótus. Por favor, mostra-lhes, ó onipotente, a posição daqueles Kurus e Sṛñjayas que Te adoram, e a posição daqueles que não o fazem.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, vemos com clareza o coração de um pregador. O grande devoto Yudhiṣṭhira Mahārāja implora ao Senhor Kṛṣṇa que demonstre abertamente o resultado de adorá-lO e o resultado de não O adorar. Se as pessoas do mundo pudessem compreender isso, poderiam co­meçar a reconhecer que Kṛṣṇa é a Suprema Personalidade de Deus e que o maior interesse pessoal de todos reside em render-se a Ele. Como confirmam as eminentes autoridades, Yudhiṣṭhira Mahārāja é um devoto puro do Senhor, e assim sua verdadeira motivação no cumprimento de seus deveres de rei era estabelecer a supremacia do Senhor Kṛṣṇa como a Suprema Personalidade de Deus. Esse é o verdadeiro significado das atividades dos Pāṇḍavas, descritas tanto no Śrīmad-Bhāgavatam quanto no Mahābhārata.

Texto

na brahmaṇaḥ sva-para-bheda-matis tava syāt
sarvātmanaḥ sama-dṛśaḥ sva-sukhānubhūteḥ
saṁsevatāṁ sura-taror iva te prasādaḥ
sevānurūpam udayo na viparyayo ’tra

Sinônimos

na — não; brahmaṇaḥ — da Verdade Absoluta; sva — da própria; para — e da alheia; bheda — diferencial; matiḥ — mentalidade; tava — de Ti; syāt — pode haver; sarva — de todos os seres; ātmanaḥ — da Alma; sama — igual; dṛśaḥ — cuja visão; sva — dentro dEle mesmo; sukha — de felicidade; anubhūteḥ — cuja experiência; saṁsevatām — para aqueles que adoram de modo apropriado; sura-taroḥ — da árvore-dos-desejos celestial; iva — como se; te — Tua; prasādaḥ — graça; sevā — como o serviço; anurūpam — de acordo; udayaḥ — resultados desejá­veis; na — não; viparyayaḥ — contradição; atra — nisso.

Tradução

Dentro de Tua mente, não pode existir tal diferenciação como “isto é meu e aquilo é de outrem”, porque és a Suprema Verdade Absoluta, a Alma de todos os seres, sempre equilibrado e desfrutando a felicidade transcendental dentro de Ti mesmo. Assim como a árvore-dos-desejos celestial, abençoas todos os que Te adoram de modo apropriado, concedendo-lhes os frutos desejados em proporção ao serviço que prestam a Ti. Nada há de errado nisso.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī explica que uma árvore-dos-desejos não tem apego material nem parcialidade, mas apenas concede seus frutos a quem os merece, e não aos outros. Jīva Gosvāmī Prabhupāda acrescenta que uma árvore-dos-desejos não pensa: “Esta pessoa é apta para me adorar, mas aquela outra não o é.” Em vez disso, uma árvore-dos­-desejos fica satisfeita com todos os que a servem de modo apropria­do. E o Senhor age da mesma maneira, como explica nesta passagem o rei Yudhiṣṭhira.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī acrescenta que ninguém deve acusar o Senhor Kṛṣṇa de ter inveja de uma pessoa e de mostrar favoritismo por outra. Visto que o Senhor é sva-sukhānubhūti, aquele que experi­menta Sua própria felicidade em Si mesmo, Ele nada tem a ganhar ou a perder em relação às almas condicionadas. Ao contrário, Ele corresponde segundo o modo como elas se aproximam dEle. Śrīla Prabhupāda faz a seguir um ótimo resumo deste ponto em sua tradu­ção do que disse o rei Yudhiṣṭhira: “Se alguém adota a consciência de Kṛṣṇa, sua vida é plena de realização tanto material quanto espi­ritual. Isso não significa que sejas parcial com a pessoa consciente de Kṛṣṇa e indiferente à pessoa não-consciente de Kṛṣṇa. És igual para com todos; esta é Tua declaração. Não podes ser parcial em relação a um e desinteressado nos outros, pois estás sentado no coração de todos como a Superalma e conferes a cada um os resultados respectivos de suas atividades fruitivas. Proporcionas a cada entidade viva a oportunidade de gozar este mundo material como ela desejar. Como a Superalma, estás sentado no corpo juntamente com a entidade viva, dando-lhe os resultados de suas ações, bem como oportunidades de voltar-se para Teu serviço devocional através do desenvolvimento da consciência de Kṛṣṇa. Declaras abertamente que todo ser vivo deve render-se a Ti, abandonando quaisquer outros compromissos, e que tomarás conta dele, dando-lhe alívio das reações de todos os pecados. És como a árvore-dos-desejos nos planetas celestiais, que concede bênçãos con­forme os desejos da pessoa. Todos são livres para alcançar a mais alta perfeição, mas, se alguém não deseja isso, então Tua concessão de bênçãos menores não se deve a seres parcial.”

Texto

śrī-bhagavān uvāca
samyag vyavasitaṁ rājan
bhavatā śatru-karśana
kalyāṇī yena te kīrtir
lokān anubhaviṣyati

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — o Senhor Supremo disse; samyak — perfeitamente; vyavasitam — determinado; rājan — ó rei; bhavatā — por ti; śatru — dos inimigos; karśana — ó atormentador; kalyāṇī — auspicio­sa; yena — pelo qual; te — tua; kīrtiḥ — fama; lokān — todos os mundos; anubhaviṣyati — verá.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Tua decisão é perfei­ta, ó rei, de maneira que tua nobre fama se espalhará por todos os mundos, ó atormentador de teus inimigos.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui o Senhor Kṛṣṇa concorda com a decisão do rei Yudhiṣṭhira de que se deveria executar o sacrifício Rājasūya. O Senhor concorda também que não há injustiça no fato de que aqueles que O adoram alcançam um resultado e os que não O adoram alcançam outro. Os grandes comentadores do Bhāgavatam ressaltam que, por chamar o rei Yudhiṣṭhira de śatru-karśana, “atormentador dos inimigos”, o Senhor Kṛṣṇa está lhe concedendo a potência para vencer todos os reis inimigos. Assim, Kṛṣṇa predisse que a nobre fama do rei Yudhiṣṭhira se espalharia por todos os mundos, e de fato ela se espalhou.

Texto

ṛṣīṇāṁ pitṛ-devānāṁ
suhṛdām api naḥ prabho
sarveṣām api bhūtānām
īpsitaḥ kratu-rāḍ ayam

Sinônimos

ṛṣīṇām — para os sábios; pitṛ — antepassados falecidos; devānām — e semideuses; suhṛdām — para os amigos; api — também; naḥ — nossos; prabhoḥ — senhor; sarveṣām — para todos; api — também; bhūtānām — seres vivos; īpsitaḥ — desejável; kratu — dos maiores sacrifícios védi­cos; rāṭ — rei; ayam — este.

Tradução

De fato, Meu senhor, para os grandes sábios, os antepassados e os semideuses, para Nossos amigos benquerentes e, de fato, para todos os seres vivos, é desejável a execução deste rei dos sacrifí­cios védicos.

Texto

vijitya nṛpatīn sarvān
kṛtvā ca jagatīṁ vaśe
sambhṛtya sarva-sambhārān
āharasva mahā-kratum

Sinônimos

vijitya — vencendo; nṛ-patīn — os reis; sarvān — todos; kṛtvā — fazendo; ca — e; jagatīm — a Terra; vaśe — sob teu controle; sambhṛtya — reunindo; sarva — toda; sambhārān — a parafernália; āharasva — exe­cuta; mahā — grande; kratum — o sacrifício.

Tradução

Primeiro, vence todos os reis, põe a Terra sob teu controle e reúne toda a parafernália necessária. Então, executa este grande sacrifício.

Texto

ete te bhrātaro rājaḻ
loka-pālāṁśa-sambhavāḥ
jito ’smy ātmavatā te ’haṁ
durjayo yo ’kṛtātmabhiḥ

Sinônimos

ete — estes; te — teus; bhrātaraḥ — irmãos; rājan — ó rei; loka — dos planetas; pāla — dos semideuses governantes; aṁśa — como expan­sões parciais; sambhavāḥ — nascidos; jitaḥ — vencido; asmi — estou; ātma-vatā — autocontrolado; te — por ti; aham — Eu; durjayaḥ — inven­cível; yaḥ — que; akṛta-ātmabhiḥ — por aqueles que não conquistaram os sentidos.

Tradução

Estes teus irmãos, ó rei, nasceram como expansões parciais dos semideuses que governam vários planetas. E és tão autocontrola­do que conquistaste até mesmo a Mim, que sou inconquistável para aqueles que não conseguem controlar os sentidos.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve no livro Kṛṣṇa: “Afirma-se que Bhīma nasceu do semideus Vāyu e que Arjuna nasceu do semideus Indra, ao passo que o próprio rei Yudhiṣṭhira nasceu do semideus Yamarāja.” Śrīla Prabhupāda continua dizendo: “O Senhor Kṛṣṇa disse ao rei Yudhiṣṭhira que Ele Se deixa conquistar pelo amor de alguém que subjugou os sentidos. Quem não conquistou os sentidos não pode conquistar a Suprema Personalidade de Deus. Esse é o segredo do serviço devocional. Conquistar os sentidos significa ocupá-los constantemente a serviço do Senhor. A qualificação específica de todos os irmãos Pāṇḍavas era que eles sempre ocupavam seus sentidos a serviço do Senhor. Quem assim ocupa os sentidos se purifica e, com sentidos purificados, ele pode de fato prestar serviço ao Senhor. Então, o Senhor pode ser conquistado pelo devoto através do transcendental serviço amoroso.”

Texto

na kaścin mat-paraṁ loke
tejasā yaśasā śriyā
vibhūtibhir vābhibhaved
devo ’pi kim u pārthivaḥ

Sinônimos

na — não; kaścit — alguma pessoa; mat — a Mim; param — quem é dedicado; loke — neste mundo; tejasā — por sua força; yaśasā — fama; śriyā — beleza; vibhūtibhiḥ — opulências; — ou; abhibhavet — pode superar; devaḥ — um semideus; api — mesmo; kim u — o que falar de; pārthivaḥ — um governante da Terra.

Tradução

Ninguém neste mundo, nem mesmo um semideus – isso para não falar de um rei terreno – pode derrotar Meu devoto com sua força, beleza, fama ou riqueza.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, o Senhor Kṛṣṇa garante ao rei Yudhiṣṭhira que este não terá problema algum em vencer os reis mundanos, visto que o rei é um devoto puro, e os devotos puros do Senhor jamais podem ser vencidos nem mesmo pelos semideuses, isso para não falar de reis terrenos. Embora se orgulhem de seu poder, fama, beleza e opulência, os materialistas jamais podem superar os devotos puros do Senhor em nenhuma dessas categorias.

Texto

śrī-śuka uvāca
niśamya bhagavad-gītaṁ
prītaḥ phulla-mukhāmbujaḥ
bhrātṝn dig-vijaye ’yuṅkta
viṣṇu-tejopabṛṁhitān

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śuka disse; niśamya — ouvindo; bhagavat — do Senhor Supremo; gītam — a canção; prītaḥ — satisfeito; phulla — desabrochante; mukha — seu rosto; ambujaḥ — semelhante ao lótus; bhrātṝn — seus irmãos; dik — de todas as direções; vijaye — na conquista; ayuṅkta — ocupados; viṣṇu — do Senhor Viṣṇu; tejaḥ — com a potência; upabṛṁhitān — fortificados.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Após ouvir estas palavras cantadas pelo Senhor Supremo, o rei Yudhiṣṭhira ficou jubiloso, e seu rosto desabrochou como um lótus. Então, ele enviou seus irmãos, que eram dotados com a potência do Senhor Viṣṇu, para conquistar todas as direções.

Texto

sahadevaṁ dakṣiṇasyām
ādiśat saha sṛñjayaiḥ
diśi pratīcyāṁ nakulam
udīcyāṁ savyasācinam
prācyāṁ vṛkodaraṁ matsyaiḥ
kekayaiḥ saha madrakaiḥ

Sinônimos

sahadevam — Sahadeva; dakṣiṇasyām — para o sul; ādiśat — orde­nou; saha — com; sṛñjayaiḥ — os guerreiros do clã Sṛñjaya; diśi — para a direção; pratīcyām — ocidental; nakulam — Nakula; udīcyām — para o norte; savyasācinam — Arjuna; prācyām — para o oriente; vṛkoda­ram — Bhīma; matsyaiḥ — os Matsyas; kekayaiḥ — os Kekayas; saha — com; madrakaiḥ — e os Madrakas.

Tradução

Ele mandou Sahadeva para o sul com os Sṛñjayas, Nakula para o ocidente com os Matsyas, Arjuna para o norte com os Kekayas, e Bhīma para o oriente com os Madrakas.

Texto

te vijitya nṛpān vīrā
ājahrur digbhya ojasā
ajāta-śatrave bhūri
draviṇaṁ nṛpa yakṣyate

Sinônimos

te — eles; vijitya — derrotando; nṛpān — reis; vīrāḥ — os heróis; ājah­ruḥ — trouxeram; digbhyaḥ — das diferentes direções; ojasā — com sua força pessoal; ajāta-śatrave — a Yudhiṣṭhira Mahārāja, cujo inimigo jamais nasceu; bhūri — abundante; draviṇam — riqueza; nṛpa — ó rei (Parīkṣit); yakṣyate — que pretendia executar sacrifício.

Tradução

Depois de derrotar muitos reis valentes, estes heroicos irmãos voltaram trazendo abundantes riquezas para Yudhiṣṭhira Mahārāja, que intencionava executar o sacrifício, ó rei.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve: “Pode-se assinalar que, ao enviar seus irmãos mais novos para conquistar as diferentes regiões, o rei Yudhiṣṭhira não pretendia, na verdade, que eles declarassem guerra aos reis. De fato, os irmãos partiram em diferentes direções para in­formar aos respectivos reis sobre a intenção do rei Yudhiṣṭhira de executar o sacrifício Rājasūya. Então, os reis eram informados de que tinham de pagar impostos para a execução do sacrifício. Esse paga­mento de impostos ao imperador Yudhiṣṭhira significava que o rei aceitava sua submissão a ele. No caso de um rei recusar-se a agir de acordo, então, sem dúvida, havia uma luta. Dessa maneira, por sua influên­cia e força, os irmãos conquistaram todos os reis em diferentes di­reções e conseguiram trazer suficientes impostos e presentes, que eram entregues ao rei Yudhiṣṭhira por seus irmãos.”

Texto

śrutvājitaṁ jarāsandhaṁ
nṛpater dhyāyato hariḥ
āhopāyaṁ tam evādya
uddhavo yam uvāca ha

Sinônimos

śrutvā — ouvindo; ajitam — que invicto; jarāsandham — Jarāsandha; nṛpateḥ — o rei; dhyāyataḥ — enquanto ponderava; hariḥ — o Senhor Kṛṣṇa; āha — disse; upāyam — os meios; tam — a ele; eva — de fato; ādyaḥ — a pessoa original; uddhavaḥ — Uddhava; yam — que; uvāca ha — tinha falado.

Tradução

Ao ouvir que Jarāsandha continuava invicto, o rei Yudhiṣṭhira colocou-se a ponderar, e então Hari, o Senhor primordial, contou-lhe o meio que Uddhava apresentara para levar Jarāsandha à der­rota.

Texto

bhīmaseno ’rjunaḥ kṛṣṇo
brahma-linga-dharās trayaḥ
jagmur girivrajaṁ tāta
bṛhadratha-suto yataḥ

Sinônimos

bhīmasenaḥ arjunaḥ kṛṣṇaḥ — Bhīmasena, Arjuna e Kṛṣṇa; brahma — de brāhmaṇas; liṅga — os disfarces; dharāḥ — usando; trayaḥ — os três; jagmuḥ — foram; girivrajam — à cidade fortificada de Girivraja; tāta — meu querido (Parīkṣit); bṛhadratha-sutaḥ — o filho de Bṛhadra­tha (Jarāsandha); yataḥ — onde.

Tradução

Então, Bhīmasena, Arjuna e Kṛṣṇa disfarçaram-se de brāhmaṇas e foram para Girivraja, meu querido rei, onde se encontrava o filho de Bṛhadratha.

Texto

te gatvātithya-velāyāṁ
gṛheṣu gṛha-medhinam
brahmaṇyaṁ samayāceran
rājanyā brahma-liṅginaḥ

Sinônimos

te — eles; gatvā — indo; ātithya — para receber hóspedes não convidados; velāyām — na hora marcada; gṛheṣu — em sua residência; gṛha-­medhinam — do religioso pai de família; brahmaṇyam — respeitador dos brāhmaṇas; samayāceran — pediram; rājanyāḥ — os reis; brahma­liṅginaḥ — que apareceram com os sinais de brāhmaṇas.

Tradução

Disfarçados de brāhmaṇas, os guerreiros reais foram à casa de Jarāsandha na hora marcada para receber hóspedes e submeteram sua súplica àquele zeloso pai de família, que tinha respeito especial pela classe bramânica.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve: “O rei Jarāsandha era um pai de família cumpridor de seus deveres e tinha grande respeito pelos brāhmaṇas. Era um formidável lutador, um rei kṣatriya, mas jamais negligencia­va os preceitos védicos. Segundo esses preceitos, consideram-se os brāhmaṇas como os mestres espirituais de todas as outras castas. O Senhor Kṛṣṇa, Arjuna e Bhīmasena de fato eram kṣatriyas, mas estavam vestidos de brāhmaṇas, e então, no momento em que o rei Jarāsandha ia fazer caridade aos brāhmaṇas e recebê-los como hóspedes, eles se aproximaram dele.”

Texto

rājan viddhy atithīn prāptān
arthino dūram āgatān
tan naḥ prayaccha bhadraṁ te
yad vayaṁ kāmayāmahe

Sinônimos

rājan — ó rei; viddhi — por favor, ficai sabendo; atithīn — hóspedes; prāptān — chegados; arthinaḥ — desejosos de ganho; dūram — de muito longe; āgatān — vindos; tat — isto; naḥ — a nós; prayaccha — por favor, concedei; bhadram — todo o bem; te — para vós; yat — seja o que for; vayam — que nós; kāmayāmahe — estejamos desejando.

Tradução

[Kṛṣṇa, Arjuna e Bhīma disseram:] Ó rei, somos hóspedes necessitados que viemos de longe à vossa pro­cura. Nós vos desejamos tudo o que há de bom. Por favor, con­cedei-nos qualquer coisa que desejarmos.

Texto

kiṁ durmarṣaṁ titikṣūṇāṁ
kim akāryam asādhubhiḥ
kiṁ na deyaṁ vadānyānāṁ
kaḥ paraḥ sama-darśinām

Sinônimos

kim — o que; durmarṣam — intolerável; titikṣūṇām — para os pacien­tes; kim — o que; akāryam — impossível de fazer; asādhubhiḥ — para os ímpios; kim — o que; na deyam — impossível de dar; vadānyānām — para os generosos; kaḥ — quem; paraḥ — separado; sama — equânime; darśinām — para aqueles que têm visão.

Tradução

O que o tolerante não pode tolerar? O que os perver­sos não farão? O que o generoso não dará em caridade? E a quem os homens de visão equânime verão como um estranho?

Comentário

SIGNIFICADO—No verso anterior, o Senhor Kṛṣṇa e os dois irmãos Pāṇḍavas, Bhīma e Arjuna, solicitaram que Jarāsandha lhes desse qualquer coisa que lhe pedissem. Aqui, eles explicam por que não precisam especificar seu desejo.

Os ācāryas tecem o seguinte comentário sobre este verso: Jarāsandha podia estar pensando: “E se pedirdes o meu filho, de quem seria intolerável eu me separar?”

A essa possível objeção, Kṛṣṇa e os Pāṇḍavas respondem: “Para alguém tolerante, nada é intolerável.”

De igual modo, Jarāsandha podia objetar: “E se pedirdes que eu dê meu corpo ou minhas joias preciosas e outros ornamentos, que devem ser dados a meus filhos, e não a mendigos ordinários?”

A isso, eles respondem: “Para o generoso, o que não deve ser dado em caridade?” Em outras palavras, tudo deve ser dado.

Jarāsandha também poderia contestar que assim talvez estivesse fazendo caridade a seus inimigos. A isso, seus hóspedes retrucam com a frase kaḥ paraḥ sama-darśinām: “Para os homens de visão equâ­nime, quem é um estranho?”

Desse modo, Śrī Kṛṣṇa e os Pāṇḍavas encorajaram Jarāsandha a simplesmente concordar em atender ao pedido deles sem mais discussão.

Texto

yo ’nityena śarīreṇa
satāṁ geyaṁ yaśo dhruvam
nācinoti svayaṁ kalpaḥ
sa vācyaḥ śocya eva saḥ

Sinônimos

yaḥ — quem; anityena — temporário; śarīreṇa — com o corpo ma­terial; satām — por santos; geyam — a ser glorificada; yaśaḥ — fama; dhruvam — permanente; na ācinoti — não adquire; svayam — ele mesmo; kalpaḥ — capaz; saḥ — ele; vācyaḥ — desprezível; śocyaḥ — digno de pena; eva — de fato; saḥ — ele.

Tradução

De fato, deve-se considerar censurável e digno de pena aquele que, embora capaz de fazê-lo, deixa de conseguir com seu corpo temporário a fama duradoura glorificada pelos grandes santos.

Texto

hariścandro rantideva
uñchavṛttiḥ śibir baliḥ
vyādhaḥ kapoto bahavo
hy adhruveṇa dhruvaṁ gatāḥ

Sinônimos

hariścandraḥ rantidevaḥ — Hariścandra e Rantideva; uñcha-vṛttiḥ — Mudgala, que vivia recolhendo os cereais deixados nos campos de­pois da colheita; śibiḥ baliḥ — Śibi e Bali; vyādhaḥ — o caçador; ka­potaḥ — o pombo; bahavaḥ — muitos; hi — de fato; adhruveṇa — pelo temporário; dhruvam — ao permanente; gatāḥ — foram.

Tradução

Hariścandra, Rantideva, Uñchavṛtti Mudgala, Śibi, Bali, e o caçador e o pombo lendários, bem como muitos outros, alcançaram o permanente por meio do impermanente.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, o Senhor Kṛṣṇa e os dois Pāṇḍavas estão salientando a Jarāsandha que é possível usar o corpo material temporário para conseguir uma situação permanente na vida. Porque Jarāsandha era um materialista, eles apelaram a seu interesse natural pelos pla­netas celestiais, onde a vida dura tanto que parece permanente para as pessoas da Terra.

Śrīla Śrīdhara Svāmī traça um breve resumo da história das personalidades mencionadas neste verso: “Para saldar suas dívidas com Viśvāmitra, Hariścandra vendeu tudo o que tinha, inclusive sua es­posa e filhos. Todavia, nem depois de alcançar a posição de caṇḍāla, ele se desanimou; assim, ele foi para o céu, juntamente com todos os habitan­tes de Ayodhyā. Rantideva, depois de passar quarenta e oito dias sem beber nem mesmo água, de algum modo conseguiu alguma comida e água, mas então chegaram alguns mendigos e ele lhes deu tudo. Desse modo, ele foi para Brahmaloka. Mudgala seguia a prática de juntar cereais deixados nos campos após a colheita. Ainda assim, ele era hospitaleiro com os hóspedes não convidados, mesmo depois que sua família estivera vivendo em extrema pobreza durante seis meses. Assim, ele também foi para Brahmaloka.”

Śrīla Śrīdhara Svāmī continua: “Para proteger um pombo que buscara seu refúgio, o rei Śibi deu sua própria carne a um falcão e, por isso, alcançou o céu. Bali Mahārāja deu toda a sua propriedade ao Senhor Hari quando este Se disfarçou de um brāhmaṇa anão (Vāmanadeva), e assim Bali conseguiu a associação pessoal do Senhor. O pombo e sua compa­nheira deram sua própria carne a um caçador como demonstração de hospi­talidade e, dessa maneira, foram levados para o céu em um aeroplano celestial. Ao entender que eles estavam situados no modo da bonda­de, o caçador também se tornou renunciado, e assim desistiu de caçar e saiu a praticar severas austeridades. Porque estava livre de todos os pecados, ele, depois de morrer em um incêndio na floresta, elevou-se ao céu. Assim, muitas personalidades conseguiram uma vida perma­nente em planetas superiores utilizando-se do corpo material tempo­rário.”

Texto

śrī-śuka uvāca
svarair ākṛtibhis tāṁs tu
prakoṣṭhair jyā-hatair api
rājanya-bandhūn vijñāya
dṛṣṭa-pūrvān acintayat

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; svaraiḥ — por suas vozes; ākṛtibhiḥ — a estatura de seus corpos; tān — a eles; tu — porém; prakoṣṭhaiḥ — (vendo) seus antebraços; jyā — por cordas de arco; hataiḥ — marcados; api — mesmo; rājanya — da realeza; bandhūn — como membros de família; vijñāya — reconhecendo; dṛṣṭa — visto; pūrvān — antes; acintayat — considerou.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Pelo som de suas vozes, sua estatura física e as marcas de cordas de arcos em seus antebraços, Jarāsandha pôde perceber que seus hóspedes pertenciam à ordem real. Ele se colocou a pensar que os vira antes em algum lugar.

Comentário

SIGNIFICADO—Os ācāryas assinalam que Jarāsandha vira o Senhor Kṛṣṇa, Bhīmasena e Arjuna na cerimônia svayaṁvara de Draupadī. Como eles vieram mendigando disfarçados de brāhmaṇas, Jarāsandha pensou que deviam ser kṣatriyas de baixa classe, como aqui o indica a palavra rājanya-bandhūn.

Texto

rājanya-bandhavo hy ete
brahma-liṅgāni bibhrati
dadāni bhikṣitaṁ tebhya
ātmānam api dustyajam

Sinônimos

rājanya-bandhavaḥ — parentes de kṣatriyas; hi — de fato; ete — estes; brahma — de brāhmaṇas; liṅgāni — os sinais; bibhrati — trazem; dadāni — devo dar; bhikṣitam — o que é pedido; tebhyaḥ — a eles; ātmānam — meu próprio corpo; api — mesmo; dustyajam — impossível de abandonar.

Tradução

[Jarāsandha pensou:] Sem dúvida, estes são membros da ordem real vestidos de brāhmaṇas, mas, ainda assim, devo satisfazer-lhes a súplica de caridade, mesmo que me peçam o próprio corpo.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, Jarāsandha revela seu forte compromisso com a caridade, em especial quando mendigada por brāhmaṇas.

Texto

baler nu śrūyate kīrtir
vitatā dikṣv akalmaṣā
aiśvaryād bhraṁśitasyāpi
vipra-vyājena viṣṇunā
śriyaṁ jihīrṣatendrasya
viṣṇave dvija-rūpiṇe
jānann api mahīm prādād
vāryamāṇo ’pi daitya-rāṭ

Sinônimos

baleḥ — de Bali; nu — não é assim; śrūyate — são ouvidas; kīrtiḥ — as glórias; vitatā — difundidas; dikṣu — em todas as direções; akalmaṣā — imaculadas; aiśvaryāt — de sua poderosa posição; bhraṁśitasya — que foi levado a cair; api — ainda que; vipra — de um brāhmaṇa; vyāje­na — sob o disfarce; viṣṇunā — pelo Senhor Viṣṇu; śrīyam — a opulên­cia; jihīrṣatā — que queria arrebatar; indrasya — de Indra; viṣṇave — a Viṣṇu; dvija-rūpiṇe — aparecendo como um brāhmaṇa; jānan — sabendo; api — embora; mahīm — toda a Terra; prādāt — deu; vāryamā­ṇaḥ — sendo proibido; api — mesmo; daitya — dos demônios; rāṭ — o rei.

Tradução

De fato, as imaculadas glórias de Bali Mahārāja são ouvidas no mundo inteiro. O Senhor Viṣṇu, desejando recuperar a opu­lência de Indra que fora extorquida por Bali, apareceu diante deste disfarçado de brāhmaṇa e fê-lo cair de sua poderosa posi­ção. Embora ciente da artimanha e proibido por seu guru, Bali, rei dos demônios, ainda assim deu a Viṣṇu toda a Terra em ca­ridade.

Texto

jīvatā brāhmaṇārthāya
ko nv arthaḥ kṣatra-bandhunā
dehena patamānena
nehatā vipulaṁ yaśaḥ

Sinônimos

jīvatā — quem está vivo; brāhmaṇa-arthāya — para benefício dos brāhmaṇas; kaḥ — o que; nu — em absoluto; arthaḥ — utilidade; kṣatra­bandhunā — com um kṣatriya caído; dehena — por seu corpo; pata­mānena — prestes a cair; na īhatā — que não se esforça; vipulam — por ampla; yaśaḥ — glória.

Tradução

Qual é o valor de um kṣatriya desqualificado que continua vivo, mas deixa de lograr glória eterna mediante o trabalho rea­lizado com seu corpo perecível para o benefício dos brāhmaṇas?

Texto

ity udāra-matiḥ prāha
kṛṣṇārjuna-vṛkodarān
he viprā vriyatāṁ kāmo
dadāmy ātma-śiro ’pi vaḥ

Sinônimos

iti — assim; udāra — generosa; matiḥ — cuja mentalidade; prāha­ — disse; kṛṣṇa-arjuna-vṛkodarān — a Kṛṣṇa, Arjuna e Bhīma; he vi­prāḥ — ó brāhmaṇas eruditos; vriyatām — que seja escolhido; kāmaḥ — o que desejais; dadāmi — darei; ātma — minha própria; śiraḥ — cabeça; api — mesmo; vaḥ — a vós.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Tomando, então, uma decisão, o generoso Jarāsandha disse a Kṛṣṇa, Arjuna e Bhīma: “Ó brāhmaṇas eruditos, escolhei o que quiserdes. Eu vos darei qualquer coisa, mesmo que seja minha própria cabeça.”

Texto

śrī-bhagavān uvāca
yuddhaṁ no dehi rājendra
dvandvaśo yadi manyase
yuddhārthino vayaṁ prāptā
rājanyā nānya-kāṅkṣiṇaḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — o Senhor Supremo (Kṛṣṇa) disse; yuddham — batalha; naḥ — a nós; dehi — por favor, dá; rāja-indra — ó excelso rei; dvandvaśaḥ — como um duelo; yadi — se; manyase — consideras apropriado; yuddha — de uma luta; arthinaḥ — desejosos; vayam — nós; prāptāḥ — viemos aqui; rājanyāḥ — membros da ordem real; na — não; anya — nada mais; kāṅkṣiṇaḥ — desejando.

Tradução

O Senhor Supremo disse: Ó excelso rei, concede-nos um combate sob a forma de um duelo, se julgas isso apropriado. Somos príncipes e viemos solicitar uma luta. Não temos nenhum outro pedido a fazer-te.

Texto

asau vṛkodaraḥ pārthas
tasya bhrātārjuno hy ayam
anayor mātuleyaṁ māṁ
kṛṣṇaṁ jānīhi te ripum

Sinônimos

asau — aquele; vṛkodaraḥ — Bhīma; pārthaḥ — o filho de Pṛthā; tasya — dele; bhrātā — irmão; arjunaḥ — Arjuna; hi — de fato; ayam — este outro; anayoḥ — dos dois; mātuleyam — o primo materno; mām — que Eu; kṛṣṇam — Kṛṣṇa; jānīhi — por favor, fica sabendo; te — teu; ripum — inimigo.

Tradução

Aquele é Bhīma, filho de Pṛthā, e este é seu irmão Arjuna. Fica sabendo que Eu sou o primo materno deles, Kṛṣṇa, teu inimigo.

Texto

evam āvedito rājā
jahāsoccaiḥ sma māgadhaḥ
āha cāmarṣito mandā
yuddhaṁ tarhi dadāmi vaḥ

Sinônimos

evam — assim; āveditaḥ — convidado; rājā — o rei; jahāsa — riu; uccaiḥ — bem alto; sma — de fato; māgadhaḥ — Jarāsandha; āha — disse; ca — e; amarṣitaḥ — intolerante; mandāḥ — ó tolos; yuddham — bata­lha; tarhi — então; dadāmi — darei; vaḥ — a vós.

Tradução

[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Assim desafiado, Magadharāja riu bem alto e disse com desprezo: “Tudo bem, tolos, eu vos darei um combate!”

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī comenta que Jarāsandha sentiu satisfação interior porque achava que seus inimigos tinham sido humilhados por terem de se vestir como brāhmaṇas para se aproximarem dele. Então, o ācārya compreende a mente de Jarāsandha e a revela assim: “Ó homens fracos, esquecei o incômodo da luta. Por que simplesmente não acei­tais minha cabeça? Por vos vestirdes como brāhmaṇas mendicantes, fizestes que vosso heroísmo declinasse como o sol no oeste, mas se, de algum modo, não perdestes a coragem, eu vos darei um combate.”

O ācārya observa, por fim, que a deusa da sabedoria deseja que a frase amarṣito mandāḥ seja lida amarṣito 'mandāḥ. Em outras palavras, o Senhor Kṛṣṇa e os Pāṇḍavas são amandāḥ, “nunca tolos”. E é por isso que escolheram a melhor tática para acabar, de uma vez por todas, com o cruel Jarāsandha.

Texto

na tvayā bhīruṇā yotsye
yudhi viklava-tejasā
mathurāṁ sva-purīṁ tyaktvā
samudraṁ śaraṇaṁ gataḥ

Sinônimos

na — não; tvayā — conTigo; bhīruṇā — covardemente; yotsye — luta­rei; yudhi — em batalha; viklava — diminuída; tejasā — cuja força; mathurām — Mathurā; sva — Tua; purīm — cidade; tyaktvā — abandonando; samudram — para o oceano; śaraṇam — em busca de refúgio; gataḥ — foste.

Tradução

“Mas não lutarei conTigo, Kṛṣṇa, porque és um covarde. Tua força Te abandonou no meio da batalha, e fugiste de Mathurā, Tua capital, para Te abrigares no mar.”

Texto

ayaṁ tu vayasātulyo
nāti-sattvo na me samaḥ
arjuno na bhaved yoddhā
bhīmas tulya-balo mama

Sinônimos

ayam — este; tu — por outro lado; vayasā — em idade; atulyaḥ — desigual; na — não; ati — muito; sattvaḥ — que tem força; na — não; me — a mim; samaḥ — igualado; arjunaḥ — Arjuna; na bhavet — não deve ser; yoddhā — o adversário; bhīmaḥ — Bhīma; tulya — igual; balaḥ — em força; mama — a mim.

Tradução

“Quanto a este, Arjuna, ele não tem a mesma idade que eu, nem é muito forte. Como não se compara a mim, não deve ser o adversário. Bhīma, porém, é tão forte quanto eu.”

Texto

ity uktvā bhīmasenāya
prādāya mahatīṁ gadām
dvitīyāṁ svayam ādāya
nirjagāma purād bahiḥ

Sinônimos

iti — assim; uktvā — falando; bhīmasenāya — a Bhīmasena; prādāya — dando; mahatīm — grande; gadām — maça; dvitīyām — outra; svayam — ele mesmo; ādāya — apanhando; nirjagāma — saiu; purāt — da cidade; bahiḥ — para fora.

Tradução

Tendo dito isso, Jarāsandha ofereceu a Bhīmasena uma enor­me maça e apanhou outra para si, e saíram da cidade juntos.

Texto

tataḥ samekhale vīrau
saṁyuktāv itaretaram
jaghnatur vajra-kalpābhyāṁ
gadābhyāṁ raṇa-durmadau

Sinônimos

tataḥ — então; samekhale — nos terrenos planos para luta; vīrau — os dois heróis; saṁyuktau — ocupados; itara-itaram — um ao outro; jaghnatuḥ — golpeavam; vajra-kalpābhyām — como relâmpagos; gadā­bhyām — com suas maças; raṇa — pela luta; durmadau — levados a uma fúria louca.

Tradução

Nos terrenos planos para luta localizados nos arredores da cidade, os dois heróis, então, começaram a lutar. Enlouquecidos com a fúria do combate, eles se golpeavam com suas maças semelhan­tes a relâmpagos.

Texto

maṇḍalāni vicitrāṇi
savyaṁ dakṣiṇam eva ca
caratoḥ śuśubhe yuddhaṁ
naṭayor iva raṅgiṇoḥ

Sinônimos

maṇḍalāni — arcos; vicitrāṇi — habilidosos; savyam — à esquerda; dakṣiṇam — à direita; eva ca — também; caratoḥ — deles que se mo­viam; śuśubhe — parecia esplêndida; yuddham — a luta; naṭayoḥ — de atores; iva — como; raṅgiṇoḥ — em um palco.

Tradução

Enquanto giravam com destreza para a esquerda e para a direita, como atores dançando em um palco, a luta se revelava um magnífico espetáculo.

Comentário

SIGNIFICADO—Jarāsandha e Bhīma demonstram aqui sua perícia no uso das maças. Assim, pode-se compreender que ambos os lutadores eram destemidos e imperturbáveis mesmo no calor da batalha.

Texto

tataś caṭa-caṭā-śabdo
vajra-niṣpesa-sannibhaḥ
gadayoḥ kṣiptayo rājan
dantayor iva dantinoḥ

Sinônimos

tataḥ — então; caṭa-caṭā-śabdaḥ — o som estrepitoso; vajra — do relâmpago; niṣpeṣa — o estrondo; sannibhaḥ — semelhante; gadayoḥ — de suas maças; kṣiptayoḥ — sendo brandidas; rājan — ó rei (Parīkṣit); dantayoḥ — das presas; iva — como se; dantinoḥ — de elefantes.

Tradução

Quando as maças de Jarāsandha e Bhīmasena se chocavam, ó rei, o som alto era como o impacto de grandes presas de dois elefantes em luta, ou o estrondo de um relâmpago em uma fulgu­rante tempestade elétrica.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta tradução baseia-se no livro Kṛṣṇa, de Śrīla Prabhupāda.

Texto

te vai gade bhuja-javena nipātyamāne
anyonyato ’ṁsa-kaṭi-pāda-karoru-jatrum
cūrṇī-babhūvatur upetya yathārka-śākhe
saṁyudhyator dviradayor iva dīpta-manvyoḥ

Sinônimos

te — eles; vai — de fato; gade — as duas maças; bhuja — de seus braços; javena — pela rápida força; nipātyamāṇe — sendo brandidas com poder; anyonyataḥ — um contra o outro; aṁsa — seus ombros; kaṭi — quadris; pāda — pés; kara — mãos; ūru — coxas; jatrum — e clavículas; cūrṇī — amassadas; babhūvatuḥ — ficaram; upetya — contactando; yathā — como; arka-śākhe — dois galhos de árvores arka; saṁyudhya­toḥ — lutando com vigor; dviradayoḥ — de um par de elefantes; iva — como; dīpta — inflamada; manvyoḥ — cuja ira.

Tradução

Eles brandiam suas maças um contra o outro com tamanha velocidade e força que, ao atingirem seus ombros, quadris, pés, mãos, coxas e clavículas, as armas se amassavam e quebravam como galhos de árvores arka com os quais dois elefantes enfurecidos atacam um ao outro.

Texto

itthaṁ tayoḥ prahatayor gadayor nṛ-vīrau
kruddhau sva-muṣṭibhir ayaḥ-sparaśair apiṣṭām
śabdas tayoḥ praharator ibhayor ivāsīn
nirghāta-vajra-paruṣas tala-tāḍanotthaḥ

Sinônimos

ittham — dessa maneira; tayoḥ — deles; prahatayoḥ — sendo arruinadas; gadayoḥ — as maças; nṛ — entre seres humanos; vīrau — os dois formidáveis heróis; kruddhau — irados; sva — seus; muṣṭibhiḥ — com os punhos; ayaḥ — como ferro; sparaśaiḥ — cujo toque; apiṣṭām — batiam; śabdaḥ — o som; tayoḥ — deles; praharatoḥ — golpean­do; ibhayoḥ — de dois elefantes; iva — como; āsīt — tornou-se; nirghā­ta — ribombante; vajra — como o trovão; paruṣaḥ — severo; tala — de suas palmas; tāḍana — pelo bater; utthaḥ — erguido.

Tradução

Com suas maças assim destruídas, aqueles formidáveis heróis entre os homens esmurraram-se iradamente com seus punhos de ferro. Enquanto se esbofeteavam, o som parecia o estrondo de elefantes em colisão ou o ribombar de severos trovões.

Texto

tayor evaṁ praharatoḥ
sama-śikṣā-balaujasoḥ
nirviśeṣam abhūd yuddham
akṣīṇa-javayor nṛpa

Sinônimos

tayoḥ — dos dois; evam — assim; praharatoḥ — lutando; sama — igual; śikṣā — cujo treinamento; bala — força; ojasoḥ — e resistência; nirviśeṣam — empatada; abhūt — estava; yuddham — a luta; akṣīṇa — sem di­minuir; javayoḥ — o esforço deles; nṛpa — ó rei.

Tradução

Enquanto lutavam assim, essa competição entre adversários de treinamento, força e resistência iguais não chegava a uma conclusão. E por isso eles continuavam lutando, ó rei, sem nenhuma pausa.

Comentário

SIGNIFICADO—Alguns ācāryas incluem os dois versos seguintes no texto deste capítulo, e Śrīla Prabhupāda também os traduziu no livro Kṛṣṇa:

evaṁ tayor mahā-rāja
yudhyatoḥ sapta-viṁśatiḥ
dināni niragaṁs tatra
suhṛd-van niśi tiṣṭhatoḥ
ekadā mātuleyaṁ vai
prāha rājan vṛkodaraḥ
na śakto ’haṁ jarāsandhaṁ
nirjetuṁ yudhi mādhava

“No final de cada dia de luta, eles viviam à noite como amigos no palácio de Jarāsandha e, no dia seguinte, eles lutavam novamente. Dessa forma, passaram-se vinte e sete dias em combate. No vigésimo oitavo dia, Bhīmasena disse a Kṛṣṇa: ‘Meu querido Kṛṣṇa, devo admitir francamente que não consigo conquistar Jarāsandha.’”

Texto

śatror janma-mṛtī vidvāñ
jīvitaṁ ca jarā-kṛtam
pārtham āpyāyayan svena
tejasācintayad dhariḥ

Sinônimos

śatroḥ — do inimigo; janma — o nascimento; mṛtī — e morte; vi­dvān — conhecendo; jīvitam — a restituição da vida; ca — e; jarā — pela demônia Jarā; kṛtam — feita; pārtham — Bhīma, o filho de Pṛthā; āpyāyayan — dotando de poder; svena — com Sua própria; tejasā — po­tência; acintayat — pensou; hariḥ — o Senhor Kṛṣṇa.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa conhecia o segredo do nascimento e da morte de Seu inimigo Jarāsandha, e também como a demônia Jara lhe restituíra a vida. Considerando tudo isso, o Senhor Kṛṣṇa concedeu Seu poder especial a Bhīma.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve que o Senhor Kṛṣṇa “conhecia o misté­rio do nascimento de Jarāsandha. Jarāsandha nasceu em duas partes diferentes de duas diferentes mães. Ao ver que o bebê era inútil, seu pai jogou as duas partes na floresta, onde foram mais tarde encontra­das por uma perversa feiticeira chamada Jarā. Ela conseguiu juntar as duas partes do bebê de cima a baixo. Sabendo disso, o Senhor Kṛṣṇa também sabia como matá-lo.”

Texto

sañcintyārī-vadhopāyaṁ
bhīmasyāmogha-darśanaḥ
darśayām āsa viṭapaṁ
pāṭayann iva saṁjñayā

Sinônimos

sañcintya — tendo pensado; ari — seu inimigo; vadha — de matar; upāyam — sobre o meio; bhīmasya — a Bhīma; amogha-darśanaḥ — o Senhor Supremo, cuja visão é infalível; darśayām āsa — mostrou; viṭapam — um galho de árvore; pāṭayan — partindo; iva — como se; saṁjñayā — como um sinal.

Tradução

Tendo determinado como matar o inimigo, aquele Senhor de visão infalível fez um sinal a Bhīma partindo ao meio o ramo de uma árvore.

Texto

tad vijñāya mahā-sattvo
bhīmaḥ praharatāṁ varaḥ
gṛhītvā pādayoḥ śatruṁ
pātayām āsa bhū-tale

Sinônimos

tat — isso; vijñāya — compreendendo; mahā — grande; sattvaḥ — cuja força; bhīmaḥ — Bhīma; praharatām — de lutadores; varaḥ — o melhor; gṛhītvā — agarrando; pādayoḥ — pelos pés; śatrum — seu inimigo; pātayām asa — derrubou-o; bhū-tale — no chão.

Tradução

Entendendo aquele sinal, o poderoso Bhīma, o melhor dos lutadores, agarrou seu adversário pelos pés e atirou-o ao chão.

Texto

ekam pādaṁ padākramya
dorbhyām anyaṁ pragṛhya saḥ
gudataḥ pāṭayām āsa
śākham iva mahā-gajaḥ

Sinônimos

ekam — uma; pādam — perna; padā — com seu pé; ākramya — ficando de pé sobre; dorbhyām — com as duas mãos; anyam — a outra; pragṛhya — segurando; saḥ — ele; gudataḥ — a começar do ânus; pāṭayām āsa — rasgou-o; śākhām — um galho de árvore; iva — como; mahā — formidável; gajaḥ — um elefante.

Tradução

Bhīma pisou em uma das pernas de Jarāsandha enquanto segurava a outra perna, e então, assim como um formidável elefante pode quebrar o galho de uma árvore, Bhīma rasgou Jarāsandha do ânus à cabeça.

Texto

eka-pādoru-vṛṣaṇa-
kaṭi-pṛṣṭha-stanāṁsake
eka-bāhv-akṣi-bhrū-karṇe
śakale dadṛśuḥ prajāḥ

Sinônimos

eka — com uma; pāda — perna; ūru — coxa; vṛṣaṇa — testículo; ka­ṭi — quadril; pṛṣṭha — lado das costas; stana — peito; aṁsake — e ombro; eka — com um; bāhu — braço; akṣi — olho; bhrū — sobrancelha; karṇe — e orelha; śakale — dois pedaços; dadṛśuḥ — viram; prajāḥ — os cidadãos.

Tradução

Então, os súditos do rei viram-no jogado no chão em duas partes separadas, cada uma com uma única perna, coxa, testículo, quadril, ombro, braço, olho, sobrancelha e orelha, e com a metade das costas e do peito.

Texto

hāhā-kāro mahān āsīn
nihate magadheśvare
pūjayām āsatur bhīmaṁ
parirabhya jayācyatau

Sinônimos

hāhā-kāraḥ — um grito de lamentação; mahān — grande; āsīt — houve; nihate — tendo sido morto; magadha-īśvare — o senhor da província de Magadha; pūjayām āsatuḥ — eles dois honraram; bhīmam — a Bhīma; parirabhya — abraçando; jaya — Arjuna; acyutau — e Kṛṣṇa.

Tradução

Com a morte do senhor de Magadha, ergueu-se um grande clamor de lamentação, enquanto Arjuna e Kṛṣṇa congratularam Bhīma abraçando-o.

Texto

sahadevaṁ tat-tanayaṁ
bhagavān bhūta-bhāvanaḥ
abhyaṣiñcad ameyātmā
magadhānāṁ patiṁ prabhuḥ
mocayām āsa rājanyān
saṁruddhā māgadhena ye

Sinônimos

sahadevam — chamado Sahadeva; tat — dele (de Jarāsandha); tanayam — filho; bhagavān — a Personalidade de Deus; bhūta — de todos os seres vivos; bhāvanaḥ — o sustentador; abhyaṣiñcat — coroou; ameya-ātmā — o incomensurável; magadhānām — dos Magadhas; patim — como o mestre; prabhuḥ — o Senhor; mocayām āsa — libertou; rājanyān — os reis; saṁruddhāḥ — aprisionados; māgadhena — por Jarāsandha; ye — os quais.

Tradução

A incomensurável Suprema Personalidade de Deus, o sustentador e benfeitor de todos os seres vivos, coroou o filho de Jarā­sandha, Sahadeva, como o novo governante dos Magadhas. O Senhor, então, libertou todos os reis que Jarāsandha aprisionara.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Prabhupāda escreve: “Embora Jarāsandha estivesse morto, nem Kṛṣṇa nem os dois irmãos Pāṇḍavas reivindicaram o trono. Seu propósito em matar Jarāsandha era impedi-lo de criar distúrbios na paz mundial. Um demônio sempre cria distúrbios, ao passo que um semideus sempre tenta manter a paz no mundo. A missão do Senhor Kṛṣṇa é proteger as pessoas íntegras e matar os demônios que perturbam uma situação pacífica. Por isso, o Senhor Kṛṣṇa de imediato convocou o filho de Jarāsandha, cujo nome era Sahadeva, e, com as devidas cerimônias ritualísticas, pediu-lhe que ocupasse o lugar de seu pai e reinasse pacificamente. O Senhor Kṛṣṇa é o mestre de toda a criação cósmica e quer que todos vivam em paz e pratiquem a consciência de Kṛṣṇa. Depois de instalar Sahadeva no trono, Ele libertou todos os reis e príncipes que Jarāsandha aprisionara sem necessidade.”

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu­pāda referentes ao décimo canto, septuagésimo segundo capítulo do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “O Extermínio do Demônio Jarā­sandha”.