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CAPÍTULO QUARENTA E CINCO

Kṛṣṇa Resgata o Filho de Seu Mestre

Este capítulo descreve como o Senhor Kṛṣṇa consolou Devakī, Vasudeva e Nanda Mahārāja e instalou Ugrasena como rei. Relata também como Kṛṣṇa e Balarāma completaram Sua educação, recuperaram o filho morto de Seu guru e, em seguida, voltaram para casa.

Notando que Seus pais – Vasudeva e Devakī – haviam perce­bido Sua verdadeira posição como Deus, Śrī Kṛṣṇa expandiu Sua yogamāyā para de novo fazê-los pensar nEle como seu filho querido. Então, com o Senhor Balarāma, Kṛṣṇa aproximou-Se deles e disse como estava infeliz por Ele e Seus pais não terem podido desfrutar a satisfação mútua de pais e filhos que vivem juntos. Então, Ele disse: “Nem mesmo com uma duração de vida de cem anos, pode um filho pagar, em algum momento, a dívida que tem para com seus pais, de quem ele re­cebe o próprio corpo. Qualquer filho apto que deixe de amparar seus pais será forçado, na vida seguinte, a comer sua própria carne. De fato, qualquer um que não mantenha e sustente seus dependentes – filhos, esposa, mestres espirituais, brāhmaṇas, pais idosos e assim por diante – não passa de um morto-vivo. Foi por medo de Kaṁsa que não pudemos servir-vos, então agora, por favor, perdoai-Nos.” Vasudeva e Devakī, dominados pela emoção ao ouvir estas palavras de Śrī Kṛṣṇa, abraçaram seus dois filhos e, em êxtase, derramaram uma torrente de lágrimas.

Tendo satisfeito assim Sua mãe e Seu pai, o Senhor Kṛṣṇa ofereceu o reino de Kaṁsa a Seu avô materno, Ugrasena, após o que providen­ciou para que todos os membros de Sua família que haviam fugido por temor a Kaṁsa retornassem para suas casas. Protegidos pelos poderosos braços de Kṛṣṇa e Balarāma, os Yādavas passaram a desfrutar de suprema bem-aventurança.

Kṛṣṇa e Balarāma, em seguida, aproximaram-Se de Nanda Mahārāja e louvaram-no por ter cuidado dEles, filhos alheios, com tanto amor. Kṛṣṇa, então, disse a Nanda: “Querido pai, por favor, volta para Vraja. Sabendo o quanto tua pessoa e Nossos outros parentes estais sofrendo por saudade de Nós, Eu e Balarāma iremos ver-vos logo que tivermos satis­feito vossos amigos aqui em Mathurā.” Depois dessas palavras, Kṛṣṇa adorou Nanda com várias oferendas, e Nanda ficou dominado de amor por seus filhos. Depois de abraçar Kṛṣṇa e Balarāma com lágrimas nos olhos, ele partiu para Vraja levando os vaqueiros consigo. A seguir, Vasudeva solicitou a seus sacerdotes que celebrassem o ritual de segundo nascimento de seus filhos, a iniciação bramânica. Kṛṣṇa e Balarāma, então, foram ter com Garga Muni para aceitar o voto de brahmacarya, celibato. Depois disso, Kṛṣṇa e Balarāma, embora oniscientes, quiseram residir na escola de um mestre espiritual, de modo que foram morar com Sāndīpani Muni em Avantīpura.

Para ensinarem a maneira correta de respeitar o próprio guru, Kṛṣṇa e Balarāma serviram Seu mestre espiritual com grande de­voção, como o fariam com a Deidade do próprio Senhor Supremo. Sāndīpani Muni, satisfeito com o serviço dEles, transmitiu-Lhes co­nhecimento detalhado acerca de todos os Vedas, bem como de seus seis corolários e das Upaniṣads. Kṛṣṇa e Balarāma só precisavam ouvir cada assunto uma vez para assimilá-lo por completo, e assim, em sessenta e quatro dias, Eles aprenderam as sessenta e quatro artes tradicionais.

Antes de Se despedirem de Seu guru, os dois Senhores ofereceram a Sāndīpani Muni qualquer presente que ele quisesse. O sábio Sāndīpani, vendo a espantosa potência dEles, pediu-Lhes que trouxessem de volta seu filho, que morrera no oceano em Prabhāsa.

Kṛṣṇa e Balarāma montaram em uma quadriga e foram para Prabhāsa, onde Se aproximaram da margem e adoraram a deidade que rege o oceano. Kṛṣṇa pediu que o oceano devolvesse o filho de Seu mestre espiritual, e o senhor do oceano respondeu que um demônio chamado Pāñcajana, que morava no oceano, levara embora o menino. Ouvindo isso, Śrī Kṛṣṇa entrou no oceano, matou aquele demônio e tomou o búzio que crescera de seu corpo. Contudo, por não encontrar o filho de Seu guru dentro do ventre do demônio, Kṛṣṇa foi para o planeta de Yamarāja, o senhor da morte. Ao ouvir Kṛṣṇa soar o búzio Pāñca­janya, Yamarāja apresentou-se diante dEle e adorou-O com devoção. O Senhor Kṛṣṇa, então, pediu a Yamarāja o filho de Sāndīpani Muni, e Yamarāja de imediato o entregou aos dois Senhores.

Kṛṣṇa e Balarāma, então, voltaram para Seu mestre espiritual e deram-lhe seu filho como presente, pedindo-lhe que escolhesse mais um favor. Sāndīpani Muni, porém, respondeu que, por ter obtido discípulos tais como Eles, todos os seus desejos estavam satisfeitos. Então, ele Os instruiu a voltarem para casa.

Kṛṣṇa e Balarāma viajaram de quadriga para Sua casa, e, ao chegarem, todos os cidadãos sentiram ilimitado êxtase por vê-lOs, assim como pessoas que recuperam um tesouro perdido.

Texto

śrī-śuka uvāca
pitarāv upalabdhārthau
viditvā puruṣottamaḥ
mā bhūd iti nijāṁ māyāṁ
tatāna jana-mohinīm

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; pitarau — Seus pais; upalabdha — tendo compreendido; arthau — a ideia (de Sua posição opulenta como Deus); viditvā — sabendo; puruṣa-uttamaḥ — a Supre­ma Personalidade; mā bhūt iti — “isso não deve ser”; nijām — Sua pessoal; māyām — potência ilusória; tatāna — Ele expandiu; jana — Seus devotos; mohinīm — que confunde.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Compreendendo que Seus pais estavam ficando cientes de Suas opulências transcendentais, a Supre­ma Personalidade de Deus julgou correto não permitir que isso acontecesse. Assim, Ele expandiu Sua yogamāyā, que confunde os devotos.

Comentário

SIGNIFICADO—Se Vasudeva e Devakī tivessem visto Kṛṣṇa como o Deus onipotente, seu intenso amor por Ele como filho teria sido arruinado. O Senhor Kṛṣṇa não queria isso. Em vez disso, o Senhor queria des­frutar com eles o amor extático de vātsalya-rasa, a relação entre pais e filhos. Como Śrīla Prabhupāda costumava salientar, embora nor­malmente pensemos em Deus como o pai supremo, na consciência de Kṛṣṇa podemos entrar nos passatempos do Senhor e fazer o papel de pais dEle, intensificando, dessa maneira, o nosso amor por Ele.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura ressalta que a palavra jana pode ser traduzida nesta passagem como “devotos”, tal como no verso dīyamānaṁ na gṛhṇanti vinā mat-sevanaṁ janaḥ. (Śrīmad-Bhāgavatam 3.29.13) Ele explica ainda que jana também pode ser traduzido como “pais”, pois jana deriva do verbo jan, que, na forma causativa (janayate), significa “gerar ou dar à luz”. Neste sentido da palavra (como em jananī ou janakau), o termo jana-mohinī indica que o Senhor estava para expandir Sua potência ilusória interna para que Vasudeva e De­vakī voltassem a amá-lO como seu querido filho.

Texto

uvāca pitarāv etya
sāgrajaḥ sātvatarṣabhaḥ
praśrayāvanataḥ prīṇann
amba tāteti sādaram

Sinônimos

uvāca — Ele disse; pitarau — a Seus pais; etya — aproximando-Se deles; sa — junto de; agra-jaḥ — Seu irmão mais velho, o Senhor Balarāma; sātvata — da dinastia Sātvata; ṛṣabhaḥ — o mais eminente herói; praśraya — com humildade; avanataḥ — prostrando-Se; prīṇan — satisfazendo-os; amba tāta iti — “Minha querida mãe, Meu querido pai”; sa-ādaram — com respeito.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa, o mais eminente dos Sātvatas, aproximou-Se de Seus pais junto com Seu irmão mais velho. Inclinando humildemente a cabeça e satisfazendo-os com expressões respeitosas tais como “Minha querida mãe” e “Meu querido pai”, Kṛṣṇa disse as seguintes palavras.

Texto

nāsmatto yuvayos tāta
nityotkaṇṭhitayor api
bālya-paugaṇḍa-kaiśorāḥ
putrābhyām abhavan kvacit

Sinônimos

na — não; asmattaḥ — por causa de Nós; yuvayoḥ — para vós dois; tāta — ó querido pai; nitya — sempre; utkaṇṭhitayoḥ — que estivestes em ansiedade; api — de fato; bālya — (os prazeres da) idade de bebê; paugaṇḍa — meninice; kaiśorāḥ — e adolescência; putrābhyām — por causa de teus dois filhos; abhavan — houve; kvacit — absolutamente.

Tradução

[O Senhor Kṛṣṇa disse:] Querido pai, por causa de Nós, teus dois filhos, tu e mãe Devakī permanecestes sempre ansiosos e jamais pudestes gozar Nossa infância, meninice ou adolescência.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī discute este verso da seguinte manei­ra: “Talvez alguém objete que, neste ponto, o Senhor Kṛṣṇa, na verdade, ainda não passara da fase kaiśora [dos dez aos quinze anos de idade], pois as mulheres de Mathurā haviam afirmado que kva cāti-sukumārāṅgau kiśorau nāpta-yauvanau: ‘Kṛṣṇa e Balarāma têm membros corpó­reos muito delicados, por estarem ainda na fase kaiśora, não tendo alcançado a adolescência.’ (Śrīmad-Bhāgavatam 10.44.8) A definição das diferen­tes fases do crescimento é dada a seguir:

kaumāraṁ pañcamābdāntaṁ
paugaṇḍaṁ daśamāvadhi
kaiśoram ā-pañcadaśād
yauvanaṁ tu tataḥ param

‘A fase kaumāra dura até os cinco anos, paugaṇḍa dura até os dez, e kaiśora dura até os quinze anos. Daí em diante, chama-se yauvana.’ De acordo com esta afirmação, o período kaiśora termina aos quinze anos de idade. Kṛṣṇa tinha apenas onze anos quando matou Kaṁsa, segun­do as palavras de Uddhava, ekādaśa-samās tatra gūḍhārciḥ sa-balo ’vasat: ‘Como uma chama encoberta, o Senhor Kṛṣṇa permaneceu ali incógnito com Balarāma durante onze anos.’ (Śrīmad-Bhāgavatam 3.2.26) E visto que Kṛṣṇa e Balarāma nunca receberam a iniciação bramânica em Vrajabhūmi, foi na ocasião [em que Eles foram para Mathurā] quando Sua fase kaiśora começou, e não quando terminou.

“Esta objeção à afirmação do Senhor Kṛṣṇa no presente verso – de que Seus pais não puderam desfrutar Sua fase kaiśora – baseia­-se na contagem comum de idade. Mas devemos considerar a seguinte afirmação:

kālenālpena rājarṣe
rāmaḥ kṛṣṇaś ca go-vraje
aghṛṣṭa-jānubhiḥ padbhir
vicakramatur añjasā

‘Ó rei Parīkṣit, dentro de pouquíssimo tempo, Rāma e Kṛṣṇa começaram a caminhar muito facilmente em Gokula sobre Suas pernas, com Sua própria força, sem a necessidade de engatinhar.’ (Bhāgavatam 10.8.26) Às vezes, vemos que o filho de um rei, mesmo em sua fase paugaṇḍa de vida, desenvolve excepcional força física e exibe atividades próprias de um kaiśora. Então, o que se dizer do Senhor Kṛṣṇa, cujo crescimento excepcional está estabelecido no Vaiṣṇava-toṣaṇī, Bhakti-rasāmṛta-sindhu, Ānanda-vṛndavana-campū e outras obras?

“Os três anos e quatro meses que o Senhor Kṛṣṇa ficou em Mahāvana foram o equivalente a cinco anos para uma criança comum, e assim, naquele período, Ele completou Sua fase kaumāra da infância. O período que vai desde então até os seis anos e oito meses de idade, durante os quais Ele viveu em Vṛndāvana, constitui Sua fase paugaṇḍa. E o período que vai dos seis anos e oito meses até a idade de dez anos, em que Ele viveu em Nandīśvara [Nandagrāma], constitui Sua fase kaiśora. Então, com a idade de dez anos e sete meses, no déci­mo primeiro dia da quinzena da lua nova do mês de Caitra, Ele foi para Mathurā e, depois, no décimo quarto dia, Ele matou Kaṁsa. Dessa forma, Ele completou Seu período kaiśora aos dez anos, e per­manece eternamente nessa idade. Em outras palavras, devemos en­tender que, deste ponto em diante, o Senhor permanece para sempre um kiśora.”

Assim, Śrīla Viśvanātha Cakravartī analisa as complexidades deste verso.

Texto

na labdho daiva-hatayor
vāso nau bhavad-antike
yāṁ bālāḥ pitṛ-geha-sthā
vindante lālitā mudam

Sinônimos

na — não; labdhaḥ — obtida; daiva — pelo destino; hatayoḥ — que fomos privados; vāsaḥ — residência; nau — por Nós; bhavat-antike — tua presença; yām — que; bālāḥ — filhos; pitṛ — de seus pais; geha — no lar; sthāḥ — permanecendo; vindante — experimentam; lālitāḥ — mi­mados; mudam — felicidade.

Tradução

Privados pelo destino, não pudemos viver contigo e gozar da mimada felicidade que a maioria das crianças desfruta na casa dos pais.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa ressalta nesta passagem que não só Seus pais sofreram com a separação dEle e de Balarāma, senão que os dois meninos também so­freram por estarem separados de Seus pais.

Texto

sarvārtha-sambhavo deho
janitaḥ poṣito yataḥ
na tayor yāti nirveśaṁ
pitror martyaḥ śatāyuṣā

Sinônimos

sarva — de todas; artha — as metas da vida; sambhavaḥ — a fonte; dehaḥ — o corpo; janitaḥ — nascido; poṣitaḥ — mantido; yataḥ — de quem; na — não; tayoḥ — a eles; yāti — consegue-se; nirveśam — pagar a dívida; pitroḥ — aos pais; martyaḥ — um mortal; śata — de cem (anos); āyuṣā — com uma duração de vida.

Tradução

Com o corpo, podemos lograr todas as metas da vida, e são nossos pais que proporcionam nascimento e sustento ao corpo. Portanto, nenhum homem mortal pode pagar a dívida que tem para com os pais, mesmo que os sirva por toda uma vida de cem anos.

Comentário

SIGNIFICADO—Depois de afirmar que “tanto vós, Nossos pais, como Nós sofremos por causa de Nossa separação”, agora Kṛṣṇa diz que os princípios religiosos dEle e de Balarāma foram arruinados por Sua deficiência em corresponder Seus pais.

Texto

yas tayor ātmajaḥ kalpa
ātmanā ca dhanena ca
vṛttiṁ na dadyāt taṁ pretya
sva-māṁsaṁ khādayanti hi

Sinônimos

yaḥ — quem; tayoḥ — deles; ātma-jaḥ — um filho; kalpaḥ — capaz; ātmanā — com seus recursos físicos; ca — e; dhanena — com sua riqueza; ca — também; vṛttim — sustento; na dadyāt — não dá; tam — a ele; pretya — depois de morrer; sva — sua própria; māṁsam — carne; khādayanti — fazem comer; hi — de fato.

Tradução

Um filho que, embora capaz de fazê-lo, deixa de amparar seus pais com os próprios recursos físicos e riquezas, é forçado a comer a própria carne depois da morte.

Texto

mātaraṁ pitaraṁ vṛddhaṁ
bhāryāṁ sādhvīṁ sutam śiśum
guruṁ vipraṁ prapannaṁ ca
kalpo ’bibhrac chvasan-mṛtaḥ

Sinônimos

mātaram — a própria mãe; pitaram — e pai; vṛddham — idosos; bhāryām — a esposa; sādhvīm — casta; sutam — filho; śiśum — muito jovem; gurum — o mestre espiritual; vipram — um brāhmaṇa; prapannam — uma pessoa que recorreu a alguém em busca de abrigo; ca — e; kal­paḥ — capaz; abibhrat — não mantendo; śvasan — respirando; mṛtaḥ — morto.

Tradução

Um homem que, embora capaz de fazê-lo, deixa de sustentar seus pais idosos, esposa casta, filho pequeno ou mestre espiritual, ou que despreza um brāhmaṇa ou qualquer um que recorra a ele em busca de abrigo, é considerado morto, embora respire.

Texto

tan nāv akalpayoḥ kaṁsān
nityam udvigna-cetasoḥ
mogham ete vyatikrāntā
divasā vām anarcatoḥ

Sinônimos

tat — por isso; nau — de Nós dois; akalpayoḥ — que estávamos incapazes; kaṁsāt — por causa de Kaṁsa; nityam — sempre; udvigna — perturbadas; cetasoḥ — cujas mentes; mogham — inutilmente; ete — estes; vyatikrāntāḥ — passados; divasāḥ — dias; vām — a vós; anarcatoḥ — não honrando.

Tradução

Incapazes como estávamos de honrar-vos de maneira conveniente porque Nossas mentes viviam perturbadas pelo temor a Kaṁsa, desperdiçamos assim todos esses dias.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa continua a reconduzir Vasudeva e Devakī a seus sentimentos normais de pais em relação a Ele e Balarāma. Uma crian­ça comum teria medo de um rei cruel e tirânico como Kaṁsa, e o Senhor Kṛṣṇa aqui faz o papel de semelhante criança, evocando a compaixão parental de Vasudeva e Devakī dessa maneira.

Texto

tat kṣantum arhathas tāta
mātar nau para-tantrayoḥ
akurvator vāṁ śuśrūṣāṁ
kliṣṭayor durhṛdā bhṛśam

Sinônimos

tat — isto; kṣantum — de perdoar; arhathaḥ — fazei o favor; tāta — ó pai; mātaḥ — ó mãe; nau — de Nossa parte; para-tantrayoḥ — que estamos sob o controle alheio; akurvatoḥ — não executando; vām — vosso; śuśrūṣām — serviço; kliṣṭayoḥ — obrigados a sofrer; durhṛdā — pelo (Kaṁsa) de coração de pedra; bhṛśam — grandemente.

Tradução

Queridos pai e mãe, por favor, perdoai-Nos por não vos termos servido. Não somos independentes e fomos muito importunados pelo cruel Kaṁsa.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo a gramática sânscrita, os termos para-tantrayoḥ e kliṣṭayoḥ podem referir-se também a Vasudeva e Devakī. De fato, Vasudeva e Devakī estavam sob o controle da Providência e foram perturbados pelas atividades de Kaṁsa, ao passo que Śrī Kṛṣṇa é sempre a abso­luta Personalidade de Deus.

Texto

śrī-śuka uvāca
iti māyā-manuṣyasya
harer viśvātmano girā
mohitāv aṅkam āropya
pariṣvajyāpatur mudam

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; iti — assim; māyā — por Sua potência ilusória interna; manuṣyasya — dEle que aparece como um ser humano; hareḥ — o Senhor Śrī Hari; viśva — do universo; ātma­naḥ — a Alma; girā — pelas palavras; mohitau — confundidos; aṅkam — sobre seus colos; āropya — erguendo; pariṣvajya — abraçando; āpa­tuḥ — ambos experimentaram; mudam — alegria.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Iludidos assim pelas palavras do Senhor Hari, a Alma Suprema do universo, que parecia um ser humano devido à Sua potência ilusória interna, Seus pais alegremente puseram-nO em seus colos e abraçaram-nO.

Texto

siñcantāv aśru-dhārābhiḥ
sneha-pāśena cāvṛtau
na kiñcid ūcatū rājan
bāṣpa-kaṇṭhau vimohitau

Sinônimos

siñcantau — derramando; aśru — de lágrimas; dhārābhiḥ — chuvas; sneha — da afeição; pāśena — pela corda; ca — e; āvṛtau — envolvi­dos; na — não; kiñcit — nada; ūcatuḥ — falaram; rājan — ó rei (Parīkṣit); bāṣpa — (cheias de) lágrimas; kaṇṭhau — cujas gargantas; vimohitau — perplexos.

Tradução

Derramando uma chuva de lágrimas sobre o Senhor, Seus pais, que estavam atados pela corda da afeição, não conseguiram falar. Eles ficaram perplexos, ó rei, e suas gargantas, embargadas pelo choro e lágrimas.

Texto

evam āśvāsya pitarau
bhagavān devakī-sutaḥ
mātāmahaṁ tūgrasenaṁ
yadūnām akaron ṇṛpam

Sinônimos

evam — dessa maneira; āśvāsya — assegurando; pitarau — Seus pais; bhagavān — o Senhor Supremo; devakī-sutaḥ — o filho de Devakī; mātāmaham — Seu avô materno; tu — e; ugrasenam — Ugrasena; yadū­nām — dos Yadus; akarot — Ele fez; nṛpam — rei.

Tradução

Tendo assim confortado Sua mãe e Seu pai, a Suprema Personalidade de Deus, que apareceu como o filho de Devakī, instalou Seu avô materno, Ugrasena, como o rei dos Yadus.

Texto

āha cāsmān mahā-rāja
prajāś cājñaptum arhasi
yayāti-śāpād yadubhir
nāsitavyaṁ nṛpāsane

Sinônimos

āha — Ele (o Senhor Kṛṣṇa) disse; ca — e; asmān — a Nós; mahā-­rāja — ó grande rei; prajāḥ — teus súditos; ca — também; ājñaptum arhasi — por favor, comanda; yayāti — do antigo rei Yayāti; śāpāt — por causa da maldição; yadubhiḥ — os Yadus; na āsitavyam — não devem sentar-se; nṛpa — real; āsane — no trono.

Tradução

O Senhor lhe disse: Ó poderoso rei, somos teus súditos, então, por favor, comanda-Nos. De fato, por causa da maldição de Ya­yāti, nenhum Yadu pode sentar-se no trono real.

Comentário

SIGNIFICADO—Ugrasena talvez dissesse ao Senhor: “Meu querido Senhor, na verdade, és Tu que deves ocupar o trono.” Antecipando-Se a essa afirmação, o Senhor Kṛṣṇa disse a Ugrasena que, por causa da antiga maldição de Yayāti, os príncipes da dinastia Yadu tecnicamente não podiam sentar-se no trono real, de modo que Kṛṣṇa e Balarāma não eram idôneos para essa posição. É evidente que Ugrasena também podia ser considerado parte da dinastia Yadu, mas, pela ordem do Senhor, ele pôde assumir o trono real. Em conclusão, esses eram todos passatempos que o Senhor Supremo desfrutava enquanto fazia o papel de ser humano.

Texto

mayi bhṛtya upāsīne
bhavato vibudhādayaḥ
baliṁ haranty avanatāḥ
kim utānye narādhipāḥ

Sinônimos

mayi — quando Eu; bhṛtye — como servo; upāsīne — estou presen­te em atitude de serviço; bhavataḥ — a ti; vibudha — os semideuses; ādayaḥ — e assim por diante; balim — tributo; haranti — trarão; ava­natāḥ — prostrados em humildade; kim uta — então, o que se dizer de; anye — outros; nara — de homens; adhipāḥ — governantes.

Tradução

Visto que estou presente em teu séquito como teu assistente pessoal, todos os semideuses e outras eminentes personalidades virão de cabeça inclinada oferecer-te tributo. Então, o que dizer dos governantes dos homens?

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Kṛṣṇa volta a garantir a Ugrasena que ele deve assumir o trono com confiança.

Texto

sarvān svān jñati-sambandhān
digbhyaḥ kaṁsa-bhayākulān
yadu-vṛṣṇy-andhaka-madhu
dāśārha-kukurādikān
sabhājitān samāśvāsya
videśāvāsa-karśitān
nyavāsayat sva-geheṣu
vittaiḥ santarpya viśva-kṛt

Sinônimos

sarvān — todos; svān — os Seus; jñāti — parentes próximos; sambandhān — e outros familiares; digbhyaḥ — de todas as direções; kaṁsa-bhaya — por temor a Kaṁsa; ākulān — perturbados; yadu-vṛṣṇi-andhaka-madhu-dāśārha kukura-ādikān — os Yadus, Vṛṣṇis, Andhakas, Madhus, Dāśārhas, Kukuras etc.; sabhājitān — honrados; samāś­vāsya — consolando-os; videśa — em regiões estrangeiras; āvāsa — de viver; karśitān — abatidos; nyavāsayat — Ele estabeleceu; sva — em suas próprias; geheṣu — casas; vittaiḥ — com presentes valiosos; santar­pya — satisfazendo; viśva — do universo; kṛt — o criador.

Tradução

O Senhor, então, trouxe de volta todos os Seus parentes próximos e ou­tros familiares dos vários lugares para onde eles haviam fugido por temor a Kaṁsa. Ele recebeu os Yadus, Vṛṣṇis, Andhakas, Madhus, Dāśārhas, Kukuras e outros clãs com a devida honra, e também os consolou, pois terem morado em terras estrangeiras foi algo que os havia consumido. Em seguida, o Senhor Kṛṣṇa, o criador do universo, restabeleceu-os em suas casas e deu-lhes valiosos pre­sentes.

Texto

kṛṣṇa-saṅkarṣaṇa-bhujair
guptā labdha-manorathāḥ
gṛheṣu remire siddhāḥ
kṛṣṇa-rāma-gata-jvarāḥ
vīkṣanto ’har ahaḥ prītā
mukunda-vadanāmbujam
nityaṁ pramuditaṁ śrīmat
sa-daya-smita-vīkṣaṇam

Sinônimos

kṛṣṇa-saṅkarṣaṇa — de Kṛṣṇa e Balarāma; bhujaiḥ — pelos braços; guptāḥ — protegidos; labdha — obtendo; manaḥ-rathāḥ — seus desejos; gṛheṣu — em seus lares; remire — desfrutavam; siddhāḥ — perfeitamen­te satisfeitos; kṛṣṇa-rāma — por causa de Kṛṣṇa e Balarāma; gata — cessada; jvarāḥ — a febre (da vida material); vīkṣantaḥ — vendo; ahaḥ ahaḥ — dia após dia; prītāḥ — amorosos; mukunda — do Senhor Kṛṣṇa; vadana — o rosto; ambujam — semelhante ao lótus; nityam — sempre; pramuditam — jovial; śrīmat — belos; sa-daya — misericordiosos; smi­ta — sorridentes; vīkṣaṇam — cujos olhares.

Tradução

Os membros desses clãs, protegidos pelos braços do Senhor Kṛṣṇa e do Senhor Saṅkarṣaṇa, sentiam que todos os seus desejos estavam satisfeitos. Assim, enquanto viviam em casa com suas famílias, desfrutavam de uma felicidade perfeita. Devido à presença de Kṛṣṇa e Balarāma, eles não mais sofriam da febre da exis­tência material. Todo dia, esses amorosos devotos podiam ver o sempre jovial rosto de lótus de Mukunda, o qual era adornado por olhares belos, misericordiosos e sorridentes.

Texto

tatra pravayaso ’py āsan
yuvāno ’ti-balaujasaḥ
pibanto ’kṣair mukundasya
mukhāmbuja-sudhāṁ muhuḥ

Sinônimos

tatra — lá (em Mathurā); pravayasaḥ — os mais velhos; api — mesmo; āsan — eram; yuvānaḥ — jovens; ati — tendo abundante; bala — força; ojasaḥ — e vitalidade; pibantaḥ — bebendo; akṣaiḥ — com os olhos; mukundasya — do Senhor Kṛṣṇa; mukha-ambuja — do rosto de lótus; sudhām — o néctar; muhuḥ — repetidamente.

Tradução

Até os mais idosos habitantes da cidade pareciam jovens e cheios de força e vitalidade, porque, com os olhos, eles bebiam constantemente o elixir do rosto de lótus do Senhor Mukunda.

Texto

atha nandaṁ samasādya
bhagavān devakī-sutaḥ
saṅkarṣaṇaś ca rājendra
pariṣvajyedam ūcatuḥ

Sinônimos

atha — então; nandam — de Nanda Mahārāja; samāsādya — aproximando-Se; bhagavān — o Senhor Supremo; devakī-sutaḥ — Kṛṣṇa, o filho de Devakī; saṅkarṣaṇaḥ — o Senhor Balarāma; ca — e; rāja-­indra — ó excelso rei (Parīkṣit); pariṣvajya — abraçando-o; idam — isto; ūcatuḥ — disseram.

Tradução

Então, ó excelso rei Parīkṣit, o Supremo Senhor Kṛṣṇa, o filho de Devakī, junto do Senhor Balarāma, aproximaram-Se de Nanda Mahārāja. Os dois Senhores abraçaram-no e, então, disseram-lhe o seguinte.

Texto

pitar yuvābhyāṁ snigdhābhyāṁ
poṣitau lālitau bhṛśam
pitror abhyadhikā prītir
ātmajeṣv ātmano ’pi hi

Sinônimos

pitaḥ — ó pai; yuvābhyām — por vós ambos; snigdhābhyām — afetuosos; poṣitau — mantidos; lālitau — mimados; bhṛśam — completamen­te; pitroḥ — para os pais; abhyadhikā — maior; prītiḥ — amor; ātmaje­ṣu — pelos filhos; ātmanaḥ — do que por si próprios; api — mesmo; hi — de fato.

Tradução

[Kṛṣṇa e Balarāma disseram:] Ó pai, tu e mãe Yaśodā mantivestes-Nos com muita afeição e cuidaram muitíssimo de Nós! De fato, os pais têm mais amor pelos filhos do que têm por suas próprias vidas.

Texto

sa pitā sā ca jananī
yau puṣṇītāṁ sva-putra-vat
śiśūn bandhubhir utsṛṣṭān
akalpaiḥ poṣa-rakṣaṇe

Sinônimos

saḥ — ele; pitā — pai; — ela; ca — e; jananī — mãe; yau — os quais; puṣṇītām — nutrem; sva — seus próprios; putra — filhos; vat — como; śiśūn — crianças; bandhubhiḥ — por sua família; utsṛṣṭān — abandonadas; akalpaiḥ — que são incapazes; poṣa — de manter; rakṣaṇe — e proteger.

Tradução

Verdadeiros pai e mãe são aqueles que cuidam, como se fossem os próprios filhos, de crianças abandonadas pelos parentes inca­pazes de sustentá-los e protegê-los.

Texto

yāta yūyaṁ vrajaṁn tāta
vayaṁ ca sneha-duḥkhitān
jñātīn vo draṣṭum eṣyāmo
vidhāya suhṛdāṁ sukham

Sinônimos

yata — ide, por favor; yūyam — todos vós (vaqueiros); vrajam — para Vraja; tāta — Meu querido pai; vayam — Nós; ca — e; sneha — devido à amorosa afeição; duḥkhitān — desditosos; jñātīn — parentes; vaḥ — vós; draṣṭum — ver; eṣyāmaḥ — iremos; vidhāya — depois de conceder; suhṛdām — a vossos amorosos amigos; sukham — felicidade.

Tradução

Agora, querido pai, todos vós deveis regressar a Vraja. Faremos uma visita a vós, Nossos queridos parentes que sofreis devido à sau­dade de Nós, logo que tivermos dado alguma felicidade a vossos amigos benquerentes.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor indica nesta passagem o Seu desejo de satisfazer Seus queridos devotos de Mathurā – Vasudeva, Devakī e outros membros da dinastia Yadu –, os quais, durante Sua longa estada em Vṛndāvana, não tiveram a Sua companhia.

Texto

evaṁ sāntvayya bhagavān
nandaṁ sa-vrajam acyutaḥ
vāso-’laṅkāra-kupyādyair
arhayām āsa sādaram

Sinônimos

evam — desta maneira; sāntvayya — consolando; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; nandam — o rei Nanda; sa-vrajam — junto com os outros homens de Vraja; acyutaḥ — o Senhor infalível; vāsaḥ — com roupas; alaṅkāra — joias; kupya — vasilhas feitas de metais que não ouro nem prata; ādyaiḥ — e assim por diante; arhayām āsa — Ele os honrou; sa-ādaram — respeitosamente.

Tradução

Consolando assim Nanda Mahārāja e os outros homens de Vraja, o infalível Senhor Supremo honrou-os respeitosamente dando-lhes de presente roupas, joias, utensílios domésticos e assim por diante.

Texto

ity uktas tau pariṣvajya
nandaḥ praṇaya-vihvalaḥ
pūrayann aśrubhir netre
saha gopair vrajaṁ yayau

Sinônimos

iti — assim; uktaḥ — falado; tau — a Eles dois; pariṣvajya — abraçando; nandaḥ — Nanda Mahārāja; praṇaya — pela afeição; vihvalaḥ — dominado; pūrayan — enchendo-se; aśrubhiḥ — de lágrimas; netre — seus olhos; saha — junto com; gopaiḥ — os vaqueiros; vrajam — para Vraja; yayau — foi.

Tradução

Nanda Mahārāja ficou dominado pela afeição ao ouvir as palavras de Kṛṣṇa, e seus olhos encheram-se de lágrimas quando abraçou os dois Senhores. Então, voltou para Vraja com os vaqueiros.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī escreveu um extenso significado para este verso, analisando com detalhes esta seção dos passatempos do Senhor Kṛṣṇa. Assim como um homem coloca seu ouro precioso no fogo para revelar sua pureza, o Senhor colocou Seus mais amados devo­tos, os residentes de Vṛndāvana, no fogo da separação dEle a fim de que manifestassem seu supremo amor. Esta é a essência dos comen­tários do ācārya Viśvanātha.

Texto

atha śūra-suto rājan
putrayoḥ samakārayat
purodhasā brāhmaṇaiś ca
yathāvad dvija-saṁskṛtim

Sinônimos

atha — então; śūra-sutaḥ — o filho de Śūrasena (Vasudeva); rājan­ — ó rei (Parīkṣit); putrayoḥ — de seus dois filhos; samakārayat — mandou fazer; purodhasā — por um sacerdote; brāhmaṇaiḥ — por brāhmaṇas; ca — e; yathā-vat — como convém; dvija-saṁskṛtim — iniciação bramânica.

Tradução

Meu querido rei, em seguida, Vasudeva, o filho de Śūrasena, providenciou que um sacerdote e outros brāhmaṇas realizassem a iniciação de segundo nascimento de seus dois filhos.

Texto

tebhyo ’dād dakṣiṇā gāvo
rukma-mālāḥ sv-alaṅkṛtāḥ
sv-alaṅkṛtebhyaḥ sampūjya
sa-vatsāḥ kṣauma-mālinīḥ

Sinônimos

tebhyaḥ — a eles (os brāhmaṇas); adāt — deu; dakṣiṇāḥ — presentes como remuneração; gāvaḥ — vacas; rukma — de ouro; mālāḥ — com colares; su — bem; alaṅkṛtāḥ — ornamentadas; su-alaṅkṛtebhyaḥ — aos bem ornamentados (brāhmaṇas); sampūjya — adorando-os; sa — tendo; vatsāḥ — bezerros; kṣauma — de linho; mālinīḥ — usando guirlandas.

Tradução

Vasudeva honrou esses brāhmaṇas adorando-os e dando-lhes ornamentos finos e vacas bem adornadas acompanhadas de seus bezerros. Todas essas vacas usavam colares de ouro e guirlandas de linho.

Texto

yāḥ kṛṣṇa-rāma-janmarkṣe
mano-dattā mahā-matiḥ
tāś cādadād anusmṛtya
kaṁsenādharmato hṛtāḥ

Sinônimos

yāḥ — as quais (vacas); kṛṣṇa-rāma — de Kṛṣṇa e Balarāma; janma­rkṣe — no dia do nascimento; manaḥ — em sua mente; dattāḥ — dadas em caridade; mahā-matiḥ — o magnânimo (Vasudeva); tāḥ — a elas; ca — e; ādadāt — deu; anusmṛtya — lembrando; kaṁsena — por Kaṁsa; adharmataḥ — impiedosamente; hṛtāḥ — levadas embora.

Tradução

O magnânimo Vasudeva lembrou-se, então, das vacas que havia dado mentalmente por ocasião do nascimento de Kṛṣṇa e Balarāma. Kaṁsa roubara aquelas vacas, e Vasudeva agora as recuperou e deu-as também em caridade.

Comentário

SIGNIFICADO—Na ocasião do aparecimento de Kṛṣṇa, Vasudeva fora aprisionado por Kaṁsa, que havia roubado todas as suas vacas. Mesmo assim, Vasudeva ficara tão jubiloso com o nascimento do Senhor que havia doado mentalmente dez mil de suas vacas aos brāhmaṇas.

Agora, após a morte de Kaṁsa, Vasudeva tomou de volta todas as suas vacas do rebanho do rei falecido e deu dez mil delas, segundo os princípios religiosos, aos dignos brāhmaṇas.

Texto

tataś ca labdha-saṁskārau
dvijatvaṁ prāpya su-vratau
gargād yadu-kulācāryād
gāyatraṁ vratam āsthitau

Sinônimos

tataḥ — então; ca — e; labdha — tendo recebido; saṁskārau — iniciação (Kṛṣṇa e Balarāma); dvijatvam — a condição de duas vezes nascidos; prāpya — alcançando; su-vratau — sinceros em Seus votos; gargāt — de Garga Muni; yadu-kula — da dinastia Yadu; ācāryāt — do mestre espiritual; gāyatram — de celibato; vratam — o voto; āsthitau — assumido.

Tradução

Após atingirem, através da iniciação, a condição de duas vezes nascidos, os Senhores, sinceros em Seus votos, aceitaram ainda de Garga Muni, o mestre espiritual dos Yadus, o voto de celibato.

Comentário

SIGNIFICADO—Tanto Śrīdhara Svāmī quanto Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura explicam o termo gāyatraṁ vratam como o voto de brahmacarya, ou celibato na vida estudantil. Kṛṣṇa e Balarāma estavam fazendo o papel de estudantes perfeitos no caminho da autorrealização. É claro que, na degradada era moderna, a vida estudantil tornou-se algo selvagem e animalesco, repleto de sexo ilícito e drogas.

Texto

prabhavau sarva-vidyānāṁ
sarva-jñau jagad-īśvarau
nānya-siddhāmalaṁ jñānaṁ
gūhamānau narehitaiḥ
atho gurukule vāsam
icchantāv upajagmatuḥ
kāśyaṁ sāndīpaniṁ nāma
hy avanti-pura-vāsinam

Sinônimos

prabhavau — Eles que eram a origem; sarva — de todas as variedades; vidyānām — de conhecimento; sarva-jñau — oniscientes; jagat­-īśvarau — os Senhores do universo; na — não; anya — de alguma outra fonte; siddha — conseguido; amalam — impecável; jñānam — conheci­mento; gūhamānau — escondendo; nara — semelhantes a humanas; īhitaiḥ — por Suas atividades; atha u — então; guru — do mestre espi­ritual; kule — na escola; vāsam — residência; icchantau — desejando; upajagatuḥ — Eles Se aproximaram; kāśyam — o nativo de Kāśī (Be­nares); sāndīpanim nāma — chamado Sāndīpani; hi — de fato; avanti­-pura — na cidade de Avantī (hoje Ujjain); vāsinam — que morava.

Tradução

Ocultando Seu perfeito conhecimento inato por meio de Suas atividades aparentemente humanas, aqueles dois oniscientes Senhores do universo, sendo Eles mesmos a origem de todos os ramos do conhecimento, desejaram, em seguida, residir na escola de um mestre espiritual. Por isso, aproximaram-Se de Sāndīpani Muni, um nativo de Kāśi que morava na cidade de Avantī.

Texto

yathopasādya tau dāntau
gurau vṛttim aninditām
grāhayantāv upetau sma
bhaktyā devam ivādṛtau

Sinônimos

yathā — de modo conveniente; upasādya — obtendo; tau — a Eles; dāntau — que eram autocontrolados; gurau — ao mestre espiritual; vṛttim — serviço; aninditām — irrepreensível; grāhayantau — fazendo que outros adotassem; upetau — aproximando-Se para servir; sma — de fato; bhaktyā — som devoção; devam — ao Senhor Supremo; iva — como se; ādṛtau — respeitados (pelo guru).

Tradução

Sāndīpani tinha em altíssima estima estes dois discípulos auto­controlados, que ele obtivera de forma tão imprevista. Servindo-o com tanta devoção como alguém serviria ao próprio Senhor Supremo, Eles mostraram aos outros um exemplo irrepreensível de adoração ao mestre espiritual.

Texto

tayor dvija-varas tuṣṭaḥ
śuddha-bhāvānuvṛttibhiḥ
provāca vedān akhilān
sāṅgopaniṣado guruḥ

Sinônimos

tayoḥ — dEles; dvija-varaḥ — o melhor dos brāhmaṇas (Sāndīpani); tuṣṭaḥ — satisfeito; śuddha — puro; bhāva — com amor; anuvṛttibhiḥ — pelos atos submissos; provāca — falou; vedān — os Vedas; akhilān — todos; sa — junto com; aṅga — os (seis) textos corolários; upaniṣadaḥ — e as Upaniṣads; guruḥ — o mestre espiritual.

Tradução

Por estar satisfeito com o comportamento submisso dEles, aque­le melhor dos brāhmaṇas, o mestre espiritual Sāndīpani, ensi­nou-Lhes os Vedas por inteiro, junto de seus seis corolários e as Upaniṣads.

Texto

sa-rahasyaṁ dhanur-vedaṁ
dharmān nyāya-pathāṁs tathā
tathā cānvīkṣikīṁ vidyāṁ
rāja-nītiṁ ca ṣaḍ-vidhām

Sinônimos

sa-rahasyam — junto de sua porção confidencial; dhanuḥ-vedam — a ciência das armas militares; dharmān — as doutrinas da lei humana; nyāya — de lógica; pathān — os métodos; tathā — também; tathā ca — e igualmente; ānvīkṣikīm — de debate filosófico; vidyām — o ramo de conhecimento; rāja-nītim — a ciência política; ca — e; ṣaṭ-vidhām — em seis aspectos.

Tradução

Ele também Lhes ensinou o dhanur-veda, com seus segredos mais confidenciais; os livros normativos de lei; os métodos de raciocínio lógico e debate filosófico, bem como a ciência política, que é dividida em seis ramos.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī explica que a parte confidencial do dhanur­veda, a ciência militar, inclui o conhecimento a respeito dos mantras apropriados e das deidades que regem a guerra. Dharmān refere-se à Manu-saṁhitā e outros livros normativos de lei (dharma-śāstras). Nyāya-pathān refere-se à doutrina de karma-mīmāṁsā e outras teorias semelhantes. Ānvīkṣikīm é o conhecimento das técnicas de argumento lógico (tarka). As seis divisões da ciência política são bastante pragmáticas e incluem: (1) sandhi, fazer a paz; (2) vigraha, guerrear; (3) yāna, marchar; (4) āsana, determinar-se a não ceder ao inimigo; (5) dvaidha, dividir as forças, e (6) saṁśaya, buscar a proteção de um governante mais poderoso.

Texto

sarvaṁ nara-vara-śreṣṭhau
sarva-vidyā-pravartakau
sakṛn nigada-mātreṇa
tau sañjagṛhatur nṛpa
aho-rātraiś catuḥ-ṣaṣṭyā
saṁyattau tāvatīḥ kalāḥ
guru-dakṣiṇayācāryaṁ
chandayām āsatur nṛpa

Sinônimos

sarvam — tudo; nara-vara — dos homens de primeira classe; śreṣṭhau — os melhores; sarva — de todos; vidyā — os ramos de conhecimento; pravartakau — os iniciadores; sakṛt — uma vez; nigada — sendo relatados; matreṇa — apenas; tau — Eles; sañjagṛhatuḥ — assimilaram por completo; nṛpa — ó rei (Parīkṣit); ahaḥ — em dias; rātraiḥ — e noites; catuḥ-ṣaṣṭyā — sessenta e quatro; saṁyattau — fixos em con­centração; tāvatīḥ — tantas; kalāḥ — artes; guru-dakṣiṇayā — com o pre­sente tradicional ao mestre espiritual antes de deixá-lo; ācāryam — Seu mestre; chandayām āsatuḥ — satisfizeram; nṛpa — ó rei.

Tradução

Ó rei, aquelas excelentíssimas pessoas, Kṛṣṇa e Balarāma, sendo Eles mesmos os promulgadores originais de todas as variedades de conhecimento, puderam assimilar de imediato toda e qualquer matéria depois de ouvi-la ser explicada apenas uma vez. Assim, com concentração fixa, Eles aprenderam as sessenta e quatro artes e ofícios durante o mesmo número de dias e noites. Depois, ó rei, Eles satisfizeram Seu mestre espiritual oferecendo-lhe guru-dakṣiṇā.

Comentário

SIGNIFICADO—A seguinte lista compreende as sessenta e quatro matérias aprendidas pelo Senhor Kṛṣṇa e o Senhor Balarāma em sessenta e quatro dias. Informações adicionais podem ser encontradas na obra Kṛṣṇa, a Supre­ma Personalidade de Deus, de Śrīla Prabhupāda.

Os Senhores aprenderam a: (1) gītam, cantar; (2) vādyam, tocar instrumentos musicais; (3) nṛtyam, dançar; (4) nāṭyam, encenar; (5) ālekhyam, pintar; (6) viśeṣaka-cchedyam, pintar o rosto e o corpo com unguentos e cosméticos coloridos; (7) taṇḍula-kusuma-bali-­vikārāḥ, preparar desenhos auspiciosos no chão com arroz e flores; (8) puṣpāstaraṇam, fazer um leito de flores; (9) daśana-vasanāṅga-­rāgāḥ, colorir as roupas, dentes e membros do corpo; (10) maṇi­-bhūmikā-karma, incrustar joias no assoalho; (11) śayyā-racanam, ar­rumar a cama; (12) udaka-vādyam, reproduzir sons em cântaros com água; (13) udaka-ghātaḥ, borrifar com água; (14) citra-yogāḥ, mistu­rar cores; (15) mālya-grathana-vikalpāḥ, preparar guirlandas; (16) śekharāpīḍa-yojanam, colocar um elmo na cabeça; (17) nepathya­-yogāḥ, vestir trajes em um camarim; (18) karṇa-patra-bhaṅgāḥ, enfei­tar o lóbulo da orelha; (19) sugandha-yuktiḥ, aplicar perfumes; (20) bhūṣaṇa-yojanam, decorar com joias; (21) aindrajālam, fazer malabarismo; (22) kaucumāra-yogaḥ, praticar a arte do disfarce; (23) hasta-lāghavam, fazer prestidigitações; (24) citra-śākāpūpa-bhakṣya-vikāra-kriyaḥ, preparar variedades de salada, pão, bolo e outras comi­das deliciosas; (25) pānaka-rasa-rāgāsava-yojanam, preparar bebidas saborosas e tingir as bebidas com cor vermelha; (26) sūcī-vāya-karma, bordar e tecer; (27) sūtra-krīḍā, fazer marionetes dançarem através da manipulação de fios finos; (28) vīṇā-ḍamarukavādyāni, tocar alaúde e um tamborzinho em forma de xis; (29) prahelikā, elaborar e resolver enigmas; (29a) pratimālā, recitação alternada de versos, ou recitar verso por verso de um poema como exercício de memória ou habilidade; (30) durvacaka-yogāḥ, fazer perguntas difíceis de responder; (31) pustaka-vācanam, recitar livros, e (32) nāṭikākhyāyikā-­darśanam, representar peças curtas e escrever anedotas.

Kṛṣṇa e Balarāma também aprenderam a: (33) kāvya-samasyā-pūraṇam, decifrar versos enigmáticos; (34) paṭṭikā-vetra-bāṇa-vikalpāḥ, fazer um arco a partir de um pedaço de tecido e uma vara; (35) tarku-karma, fiar com um fuso; (36) takṣaṇam, exercer o ofício de carpinteiro; (37) vāstu-vidyā, arquitetar; (38) raupya-ratna-parīkṣā, testar prata e joias; (39) dhātu-vādaḥ, trabalhar com metais; (40) maṇi-rāga-jñānam, tingir joias com várias cores; (41) ākara-jñānam, extrair minerais; (42) vṛkṣāyur-veda-yogāḥ, aplicar ervas medicinais; (43) meṣa-kukkuṭa­lāvaka-yuddha-vidhiḥ, treinar e ocupar carneiros, galos e codorni­zes em lutar; (44) śuka-śārikā-pralāpanam, saber treinar papagaios machos e fêmeas para falar e responder a perguntas de seres huma­nos; (45) utsādanam, curar uma pessoa com unguentos; (46) keśa-­mārjana-kauśalam, fazer penteados; (47) akṣara-muṣṭikā-kathanam, dizer o que está escrito em um livro sem vê-lo e dizer o que está es­condido na mão de alguém; (48) mlecchita-kutarka-vikalpāḥ, criar sofismas bárbaros ou estrangeiros; (49) deśa-bhāṣā-jñānam, conhe­cer dialetos provinciais; (50) puṣpa-śakaṭikā-nirmiti-jñānam, saber construir carrinhos de brinquedo com flores; (51) yantra-mātṛkā, com­por quadrados mágicos, arranjos de números que somem o mesmo total em todas as direções; (52) dhāraṇa-mātṛkā, fazer uso de amuletos; (53) saṁvācyam, palestrar; (54) mānasī-kāvya-kriyā, compor versos mentalmente; (55) kriyā-vikalpāḥ, idealizar uma obra literá­ria ou um remédio; (56) chalitaka-yogāḥ, construir santuários; (57) abhidhāna-koṣa-cchando-jñānam, lexicografar e conhecer métricas poéticas; (58) vastra-gopanam, disfarçar uma espécie de tecido para parecer outra; (59) dyūta-viśeṣam, conhecer várias formas de jogos de azar; (60) ākarṣa-krīḍa, jogar dados; (61) bālaka-krīḍanakam, divertir-se com brinquedos de crianças; (62) vaināyikī vidyā, impor disciplina mediante o poder místico; (63) vaijayikī vidyā, conquistar a vitória, e (64) vaitālikī vidyā, despertar o mestre com música ao amanhecer.

Texto

dvijas tayos taṁ mahimānam adbhutaṁ
saṁlokṣya rājann ati-mānusīṁ matim
sammantrya patnyā sa mahārṇave mṛtaṁ
bālaṁ prabhāse varayāṁ babhūva ha

Sinônimos

dvijaḥ — o brāhmaṇa erudito; tayoḥ — dos dois; tam — aquela; mahimānam — grandeza; adbhutam — surpreendente; saṁlakṣya — obser­vando bem; rājan — ó rei; ati-mānuṣīm — além da capacidade humana; matim — inteligência; sammantrya — após consultar; patnyā — sua es­posa; saḥ — ele; mahā-arṇave — no grande oceano; mṛtam — que mor­rera; bālam — seu filho; prabhāse — no lugar santo de Prabhāsa; varayām babhūva ha — escolheu.

Tradução

Ó rei, o erudito brāhmaṇa Sāndīpani analisou com atenção as gloriosas e surpreendentes qualidades dos dois Senhores e a inteligência sobre-humana dEles. Então, depois de consultar sua es­posa, ele escolheu como remuneração a volta de seu jovem filho, que morrera no oceano em Prabhāsa.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, o menino fora capturado pelo demônio búzio enquanto brincava em Mahā-śiva-kṣetra.

Texto

tethety athāruhya mahā-rathau rathaṁ
prabhāsam āsādya duranta-vikramau
velām upavrajya niṣīdatuḥ kṣanaṁ
sindhur viditvārhanam āharat tayoḥ

Sinônimos

tathā — assim seja; iti — dizendo isto; atha — então; āruhya — montando; mahā-rathau — os dois notáveis quadrigários; ratham — em uma quadriga; prabhāsam — em Prabhāsa-tīrtha; āsādya — chegando; du­ranta — sem limite; vikramau — cuja potência; velām — até a praia; upavrajya — andando; niṣīdatuḥ — sentaram-Se; kṣaṇam — por um momento; sindhuḥ — o (semideus que rege) o oceano; viditvā — reconhe­cendo; arhaṇam — oferenda respeitosa; āharat — trouxe; tayoḥ — para Eles.

Tradução

“Assim seja”, responderam aqueles dois notáveis quadrigários de poder ilimitado. E, montando logo em Sua quadriga, partiram para Prabhāsa. Ao chegarem naquele lugar, caminharam até a praia e sentaram-Se. Após um momento, a deidade do oceano, reconhecendo que Eles eram os Senhores Supremos, aproximou-se dEles com oferendas de tributo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os estudiosos ocidentais às vezes pensam que as referências à deidade do oceano, à deidade do Sol etc., encontradas nos livros milenares de sabedoria, revelam um modo de pensar mítico e primitivo. Eles costumam dizer que os homens primitivos pensam que o oceano é um deus ou que o Sol e a Lua são deuses. De fato, referências tais como a palavra sindhu neste verso, significando “o oceano”, indi­cam a pessoa que governa este aspecto da natureza fenomenal.

Podemos apresentar vários exemplos contemporâneos. Nas Nações Unidas, podemos dizer: “Os Estados Unidos votam ‘Sim’, e a União Soviética vota ‘Não’.” É difícil que achemos que os países físicos ou os edifícios que existem neles votaram. Queremos dizer que determinada pessoa, representando aquela entidade política e geográfica, votou. Os jornais, entretanto, dirão apenas: “Os Estados Unidos votaram, decidiram etc.”, e todos sabem o que significa isso.

De modo semelhante, no mundo dos negócios, podemos dizer: “Um grande conglomerado absorveu uma firma menor.” É claro que não achamos que os edifícios, equipamento de escritório etc. absorveram fisicamente outro edifício cheio de trabalhadores e equipamento de escritório. Queremos dizer que as pessoas autorizadas praticaram um determinado ato em nome de suas respectivas entidades empresariais.

Infelizmente, os estudiosos modernos estão ansiosos por confirmar suas teorias favoritas de que a antiga sabedoria espiritual é primitiva, mítica e amplamente suplantada por modos de pensar mais moder­nos, exemplificados por suas próprias eloquentes observações. Porém, muita coisa na erudição moderna deve ser repensada à luz da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

tam āha bhagavān āśu
guru-putraḥ pradīyatām
yo ’sāv iha tvayā grasto
bālako mahatormiṇā

Sinônimos

tam — a ele; āha — disse; bhagavān — o Senhor Supremo; āśu — rapidamente; guru — de Meu mestre espiritual; putraḥ — o filho; pradīyatām — deve ser apresentado; yaḥ — que; asau — ele; iha — neste lugar; tvayā — por ti; grastaḥ — apanhado; bālakaḥ — um menininho; mahatā — poderosa; ūrmiṇā — por tua onda.

Tradução

O Supremo Senhor Kṛṣṇa dirigiu-Se ao senhor do oceano: Traze agora mesmo o filho de Meu guru – aquele que apanhas­te aqui com tuas ondas poderosas.

Texto

śrī-samudra uvāca
na cāhārṣam ahaṁ deva
daityaḥ pañcajano mahān
antar-jala-caraḥ kṛṣṇa
śaṅkha-rūpa-dharo ’suraḥ

Sinônimos

śrī-samudraḥ uvāca — o oceano personificado disse; na — não; ca — e; ahārṣam — levei(-o) embora; aham — eu; deva — o Senhor; daityaḥ — um descendente de Diti; pañcajanaḥ — chamado Pañcajana; mahān — poderoso; antaḥ — dentro; jala — d’água; caraḥ — que anda; kṛṣṇa — ó Kṛṣṇa; śaṅkha — de um búzio; rūpa — a forma; dharaḥ — assumindo; asuraḥ — o demônio.

Tradução

O oceano respondeu: Ó Senhor Kṛṣṇa, não fui eu quem o raptou, senão que foi um demoníaco descendente de Diti chamado Pañcajana, que viaja pelas águas sob a forma de búzio.

Comentário

SIGNIFICADO—Evidentemente, o demônio Pañcajana era poderoso demais para o oceano o controlar; do contrário, o oceano teria impedido tal atividade ilícita.

Texto

āste tenāhṛto nūnaṁ
tac chrutvā satvaraṁ prabhuḥ
jalam āviśya taṁ hatvā
nāpaśyad udare ’rbhakam

Sinônimos

āste — ele está lá; tena — por ele, Pañcajana; āhṛtaḥ — levado em­bora; nūnam — de fato; tat — isto; śrutvā — ouvindo; satvaram — com pressa; prabhuḥ — o Senhor; jalam — na água; āviśya — entrando; tam — a ele, o demônio; hatvā — matando; na apaśyat — não viu; udare — em seu abdômen; arbhakam — o menino.

Tradução

“De fato”, disse o oceano, “aquele demônio levou-o embora”. Ouvindo isso, o Senhor Kṛṣṇa entrou no oceano, encontrou Pañcajana e o matou. O Senhor, todavia, não encontrou o menino dentro do ventre do demônio.

Texto

tad-aṅga-prabhavaṁ śaṅkham
ādāya ratham āgamat
tataḥ saṁyamanīṁ nāma
yamasya dayitāṁ purīm
gatvā janārdanaḥ śaṅkhaṁ
pradadhmau sa-halāyudhaḥ
śaṅkha-nirhrādam ākarṇya
prajā-saṁyamano yamaḥ
tayoḥ saparyāṁ mahatīṁ
cakre bhakty-upabṛṁhitām
uvācāvanataḥ kṛṣṇaṁ
sarva-bhūtāśayālayam
līlā-manuṣyayor viṣṇo
yuvayoḥ karavāma kim

Sinônimos

tat — dele (do demônio); aṅga — do corpo; prabhavam — crescido; śaṅkham — o búzio; ādāya — apanhando; ratham — para a quadriga; āgamat — retornou; tataḥ — então; saṁyamanīm nāma — conhecida como Saṁyamanī; yamasya — do Senhor Yamarāja; dayitām — amada; purīm — à cidade; gatvā — indo; jana-ardanaḥ — o Senhor Kṛṣṇa, a morada de todas as pessoas; śaṅkham — o búzio; pradadhmau — soprou alto; sa — acompanhado por; hala-āyudhaḥ — o Senhor Balarāma, cuja arma é um arado; śaṅkha — do búzio; nirhrādam — o ressoar; ākar­ṇya — ouvindo; prajā — aqueles que nascem; saṁyamanaḥ — o que re­freia; yamaḥ — Yamarāja; tayoḥ — dEles; saparyām — adoração; mahatīm — elaborada; cakre — executou; bhakti — de devoção; upabṛṁhi­tām — transbordando; uvāca — disse; avanataḥ — prostrando-se humildemente; kṛṣṇam — ao Senhor Kṛṣṇa; sarva — de todos; bhūta — os seres vivos; āśaya — as mentes; ālayam — cuja residência; līlā — como Vosso passatempo; manuṣyayoḥ — aparecendo como seres humanos; viṣṇo — ó Supremo Senhor Viṣṇu; yuvayoḥ — para Vós dois; karavā­ma — devo fazer; kim — o quê.

Tradução

O Senhor Janārdana apanhou o búzio que crescera ao redor do corpo do demônio e voltou para a quadriga. Então, seguiu viagem para Saṁyamanī, a amada capital de Yamarāja, o Senhor da morte. Ao chegar lá com o Senhor Balarāma, Ele soprou bem alto Seu búzio, e Yamarāja, que mantém as almas condicionadas sob controle, logo que ouviu a ressoante vibração, veio a Seu encontro. Yamarāja meticulosamente adorou os dois Senhores com grande devoção e, em seguida, dirigiu-se ao Senhor Kṛṣṇa, que vive no coração de todos: “Ó Supremo Senhor Viṣṇu, o que devo fazer por Vós e pelo Senhor Balarāma, que estais representando o papel de seres humanos comuns?”

Comentário

SIGNIFICADO—O búzio que o Senhor retirou de Pañcajana, chamado Pāñcajanya, é o mesmo que Ele tocou no início da Bhagavad-gītā. Segundo os ācāryas, o Pañcajana tornara-se um demônio de maneira semelhante à de Jaya e Vijaya. Em outras palavras, embora aparecesse na forma de um demônio, ele era, na verdade, um devoto do Senhor. O Skanda Purāṇa, Avanti-khaṇḍa, descreve as coisas maravilhosas que aconte­ceram quando o Senhor Kṛṣṇa soou Seu búzio:

asipatra-vanaṁ nāma
śīrṇa-patram ajāyata
rauravaṁ nāma narakam
arauravam abhūt tada
abhairavaṁ bhairavākhyaṁ
kumbhī-pākam apācakam

“O inferno conhecido como Asipatra-vana perdeu as folhas afiadas como espadas que nascem em suas árvores, e o inferno chamado Raurava se viu livre de seus animais ruru. O inferno Bhairava deixou de ser aterrador, e todo o cozimento parou no inferno Kumbhīpāka.”

O Skanda Purāṇa afirma ainda:

pāpa-kṣayāt tataḥ sarve
vimuktā nārakā narāḥ
padam avyayam āsādya

“Erradicadas suas reações pecaminosas, todos os habitantes do inferno alcançaram a liberação e aproximaram-se do mundo espiritual.”

Texto

śrī-bhagavān uvāca
guru-putram ihānītaṁ
nija-karma-nibandhanam
ānayasva mahā-rāja
mac-chāsana-puraskṛtaḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — o Senhor Supremo disse; guru-putram — o filho de Meu mestre espiritual; iha — aqui; ānītam — trazido; nija — de suas próprias; karma — reações de atividades passadas; nibandhanam — sofrendo o cativeiro; ānayasva — por favor, traze; mahā-rāja — ó grande rei; mat — Minha; śāsana — à ordem; puraḥ-kṛtaḥ — dando prioridade máxima.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: Sofrendo o enredamento decorrente de sua atividade passada, o filho de Meu mestre espiritual foi trazido aqui para ti. Ó grande rei, obedece a Minha ordem e traze este menino para Mim sem demora.

Texto

tatheti tenopānītaṁ
guru-putraṁ yadūttamau
dattvā sva-gurave bhūyo
vṛṇīṣveti tam ūcatuḥ

Sinônimos

tathā — assim seja; iti — (Yamarāja) assim dizendo; tena — por ele; upānītam — trazido para a frente; guru-putram — o filho do mestre espiritual; yadu-uttamau — os melhores dos Yadus, Kṛṣṇa e Balarāma; dattvā — dando; sva-gurave — a Seu guru; bhūyaḥ — de novo; vṛṇīṣva — por favor, escolhe; iti — assim; tam — a ele; ūcatuḥ — disseram.

Tradução

Yamarāja disse: “Assim seja”, e trouxe o filho do guru. Então, aqueles dois excelentíssimos Yadus apresentaram o menino a Seu mestre espiritual e disseram-lhe: “Por favor, escolhe outra dádiva.”

Texto

śrī-gurur uvāca
samyak sampādito vatsa
bhavadbhyāṁ guru-niṣkrayaḥ
ko nu yuṣmad-vidha-guroḥ
kāmānām avaśiṣyate

Sinônimos

śrī-guruḥ uvāca — Seu mestre espiritual, Sāndīpani Muni, disse; samyak — na íntegra; sampāditaḥ — cumprida; vatsa — meu querido menino; bhavadbhyām — por Vós dois; guru-niṣkrayaḥ — a remuneração do guru; kaḥ — qual; nu — de fato; yuṣmat-vidha — de pessoas como Vós; guroḥ — para o mestre espiritual; kāmānām — de seus desejos; avaśiṣyate — resta.

Tradução

O mestre espiritual disse: Meus queridos meninos, Vós dois cumpristes na íntegra a obrigação do discípulo de recompen­sar seu mestre espiritual. De fato, com discípulos como Vós, que outros desejos um guru poderia ter?

Texto

gacchataṁ sva-gṛhaṁ vīrau
kīrtir vām astu pāvanī
chandāṁsy ayāta-yāmāni
bhavantv iha paratra ca

Sinônimos

gacchatam — por favor, ide; sva-gṛham — para Vosso lar; vīrau — ó heróis; kīrtiḥ — fama; vām — Vossa; astu — que seja; pāvanī — purificante; chandāṁsi — hinos védicos; ayāta-yāmāni — sempre vivos; bhavantu — que haja; iha — nesta vida; paratra — na próxima vida; ca — e.

Tradução

Ó heróis, agora, por favor, voltai para casa. Que Vossa fama santifique o mundo, e que os hinos védicos estejam sempre vivos em Vossas mentes, tanto nesta vida como na próxima.

Texto

guruṇaivam anujñātau
rathenānila-raṁhasā
āyātau sva-puraṁ tāta
parjanya-ninadena vai

Sinônimos

guruṇā — por Seu mestre espiritual; evam — desta maneira; anujñātau — sendo dispensados; rathena — em Sua quadriga; anila — como o vento; raṁhasā — cuja velocidade; āyātau — foram; sva — para Sua; puram — cidade (Mathurā); tāta — meu querido (rei Parīkṣit); parja­nya — como uma nuvem; ninadena — cuja reverberação; vai — de fato.

Tradução

Recebendo assim a permissão do guru para partir, os dois Senhores voltaram para Sua cidade em Sua quadriga, que se movia com a velocidade do vento e ressoava como uma nuvem.

Texto

samanandan prajāḥ sarvā
dṛṣṭvā rāma-janārdanau
apaśyantyo bahv ahāni
naṣṭa-labdha-dhanā iva

Sinônimos

samanandan — rejubilaram-se; prajāḥ — os cidadãos; sarvāḥ — todos; dṛṣṭvā — vendo; rāma-janārdanau — Balarāma e Kṛṣṇa; apaśyantyaḥ — não tendo visto; bahu — por muitos; ahāni — dias; naṣṭa — perdida; labdha — e recuperada; dhanāḥ — aqueles cuja riqueza; iva — como.

Tradução

Todos os cidadãos regozijaram-se ao ver Kṛṣṇa e Balarāma, a quem não tinham visto por muitos dias. As pessoas sentiam­-se exatamente como alguém que perdeu sua riqueza e depois a recuperou.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhu­pāda referentes ao décimo canto, quadragésimo quinto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Kṛṣṇa Resgata o Filho de Seu Mestre”.