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CAPÍTULO DOZE

Conversa entre Mahārāja Rahūgaṇa e Jaḍa Bharata

Como ainda tinha dúvidas quanto à sua iluminação, Mahārāja Rahūgaṇa pediu ao brāhmaṇa Jaḍa Bharata que repetisse suas instruções e esclarecesse os pontos que não conseguiu entender. Neste capítulo, Mahārāja Rahūgaṇa oferece suas respeitosas reverências a Jaḍa Bharata, que estava escondendo sua verdadeira posição. Através de suas palavras, o rei pôde entender seu avanço e maturidade no conhecimento espiritual e se arrependeu muito de tê-lo ofendido. Mahārāja Rahūgaṇa fora picado pela serpente da ignorância, mas se curou com as palavras nectáreas de Jaḍa Bharata. Mais tarde, por ter dúvidas quanto aos temas debatidos, não se cansava de fazer muitas perguntas, quase ininterruptamente. Em primeiro lugar, quis se livrar da ofensa que cometera aos pés de lótus de Jaḍa Bharata.

Mahārāja Rahūgaṇa sentia-se bem infeliz por não ser capaz de assimilar as instruções de Jaḍa Bharata, cujos ricos significados um materialista não conseguiria entender. Portanto, Jaḍa Bharata repetiu suas instruções com mais clareza. Ele disse que, na superfície do globo, todas as entidades vivas, móveis e inertes, eram, de diferentes maneiras, simples transformações da terra. O rei tinha muito orgulho de seu físico régio, mas seu corpo era simplesmente outra transformação da terra. Devido ao seu falso prestígio, o rei estava maltratando o carregador do palanquim, assim como um amo que maltrata seu servo, e, em verdade, ele era sempre muito rude com as outras entidades vivas. Em razão disso, o rei Rahūgaṇa era incapaz de proteger os cidadãos, e, como era ignorante, não poderia ser cotado entre os filósofos avançados. Tudo no mundo material é uma mera transformação da terra, embora, de acordo com suas transformações, as coisas tenham diferentes nomes. Na verdade, toda essa variedade é uma só coisa, e, no final, todas essas variedades se desfazem em átomos. Nada neste mundo material é permanente. A variedade de coisas e suas distinções são simples invenções mentais. A Verdade Absoluta está situada além da ilusão e manifesta-Se sob três aspectos – o Brahman impessoal, o Paramātmā localizado e a Suprema Personalidade de Deus. A Suprema Personalidade de Deus, a quem Seus devotos chamam de Vāsudeva, é a última etapa de se perceber a Verdade Absoluta. Só tem a possibilidade de se tornar devoto da Suprema Personalidade de Deus quem recebe sobre sua cabeça as bênçãos trazidas pela poeira dos pés de um devoto puro.

Jaḍa Bharata também falou sobre sua existência anterior e informou ao rei que, pela graça do Senhor, ele ainda se lembrava de todos os incidentes de sua vida passada. Devido às atividades em sua vida passada, Jaḍa Bharata estava sendo muito cuidadoso, ao ponto de, para evitar envolver-se com o mundo material, assumira as características de um surdo-mudo. A associação com os modos materiais da natureza é muito poderosa. A má associação com homens materialistas só pode ser evitada na companhia de devotos, onde a pessoa recebe a oportunidade de prestar serviço devocional de nove maneiras diferentes – śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ sakhyam ātma-nivedanam. Desse modo, na companhia dos devotos, a pessoa pode superar a associação material, podendo, então, cruzar o oceano da ignorância e voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

rahūgaṇa uvāca
namo namaḥ kāraṇa-vigrahāya
svarūpa-tucchīkṛta-vigrahāya
namo ’vadhūta dvija-bandhu-liṅga-
nigūḍha-nityānubhavāya tubhyam

Sinônimos

rahūgaṇaḥ uvāca — o rei Rahūgaṇa disse; namaḥ — minhas respeitosas reverências; namaḥ — reverências; kāraṇa-vigrahāya — àquele cujo corpo emana da Pessoa Suprema, a causa de todas as causas; svarūpa-tucchīkṛta-vigrahāya — que, manifestando seu verdadeiro eu, removeu por completo todas as contradições das escrituras; namaḥ — respeitosas reverências; avadhūta — ó senhor de todo o poder místico; dvija-bandhu-liṅga — pelas características de uma pessoa nascida em família brāhmaṇa, mas que não executa os deveres de brāhmaṇa; nigūḍha — coberto; nitya-anubhavāya — a ele, cuja autorrealização eterna; tubhyam — a ti.

Tradução

O rei Rahūgaṇa disse: Ó personalidade nobilíssima, não és diferente da Suprema Personalidade de Deus. Por tua inquestionável influência, toda espécie de contradições dos śāstras foi removida. Disfarçado de um amigo de brāhmaṇa, estás escondendo tua bem-aventurada posição transcendental. Ofereço-te minhas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—A partir da Brahma-saṁhitā, somos informados de que a Suprema Personalidade de Deus é a causa de todas as causas (sarva-kāraṇa-kāraṇam). Ṛṣabhadeva era a encarnação direta da Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas. Seu filho, Bharata Mahārāja, que agora estava agindo como o brāhmaṇa Jaḍa Bharata, recebera da causa de todas as causas o seu corpo. Portanto, ele é tratado como kāraṇa-vigrahāya.

Texto

jvarāmayārtasya yathāgadaṁ sat
nidāgha-dagdhasya yathā himāmbhaḥ
kudeha-mānāhi-vidaṣṭa-dṛṣṭeḥ
brahman vacas te ’mṛtam auṣadhaṁ me

Sinônimos

jvara — de uma febre; āmaya — pela doença; ārtasya — de uma pessoa aflita; yathā — assim como; agadam — o remédio; sat — correto; nidāgha-dagdhasya — de alguém queimado pelo calor do Sol; yathā — assim como; hima-ambhaḥ — água bem fria; ku-deha — neste corpo feito de matéria e cheio de coisas sujas, tais como excremento e urina; māna — do orgulho; ahi — pela serpente; vidaṣṭa — picado; dṛṣṭeḥ — de alguém cuja visão; brahman — ó melhor dos brāhmaṇas; vacaḥ — palavras; te — tuas; amṛtam — néctar; auṣadham — remédio; me — para mim.

Tradução

Ó melhor dos brāhmaṇas, meu corpo está cheio de impurezas, e minha visão foi picada pela serpente do orgulho. Devido às minhas concepções materiais, estou doente. Tuas instruções nectáreas são o remédio adequado para quem sofre desta febre, e elas são águas refrescantes para alguém com queimaduras decorrentes do calor.

Comentário

SIGNIFICADO—A alma condicionada tem um corpo cheio de coisas sujas – ossos, sangue, urina, excremento e assim por diante. Todavia, mesmo os homens mais inteligentes deste mundo material pensam que são essas combinações de sangue, ossos, urina e excremento. Se assim o fosse, por que não seria possível criar outros homens inteligentes com esses ingredientes tão facilmente disponíveis? O mundo inteiro está sob o capricho da concepção corpórea e, portanto, cria condições infernais, nas quais nenhum cavalheiro tem condições de viver. As instruções que Jaḍa Bharata conferiu ao rei Rahūgaṇa são muito valiosas. Elas são como o remédio que pode salvar uma pessoa que foi picada por uma serpente. As instruções védicas são como néctar e são água refrescante para quem está sofrendo com o calor escaldante.

Texto

tasmād bhavantaṁ mama saṁśayārthaṁ
prakṣyāmi paścād adhunā subodham
adhyātma-yoga-grathitaṁ tavoktam
ākhyāhi kautūhala-cetaso me

Sinônimos

tasmāt — portanto; bhavantam — para ti; mama — de mim; saṁśaya-artham — o tema que não está claro para mim; prakṣyāmi — devo apresentar; paścāt — depois; adhunā — agora; su-bodham — para que isso possa ser compreendido com toda a clareza; adhyātma-yoga — da instrução mística para autorrealização; grathitam — como foi exposta; tava — tua; uktam — fala; ākhyāhi — por favor, explica mais uma vez; kautūhala-cetasaḥ — cuja mente é muito inquisitiva para entender o mistério contido nessas afirmações; me — a mim.

Tradução

Procurarei oportunamente dirimir todas as dúvidas que tenho sobre um assunto específico, fazendo-te as perguntas cabíveis. Por enquanto, essas misteriosas instruções de yoga que me deste para a autorrealização parecem muito difíceis de se entender. Por favor, repete-as de maneira simples para que eu possa compreendê-las. Minha mente é muito indagadora, e desejo entender isso com toda a clareza.

Comentário

SIGNIFICADO—A literatura védica ensina: tasmād guruṁ prapadyeta jijñāsuḥ śreya uttamam. O homem inteligente deve concentrar-se em indagações para conhecer a fundo a ciência transcendental. Portanto, ele deve aproximar-se de um guru, um mestre espiritual. Embora Jaḍa Bharata explicasse tudo a Mahārāja Rahūgaṇa, parece que a inteligência deste não era muito perspicaz para entender tudo claramente. Portanto, ele queria continuar recebendo explicações. Como afirma a Bhagavad-gītā (4.34): tad viddhi praṇipātena paripraśnena sevayā. O estudante deve aproximar-se de um mestre espiritual e prestar-lhe rendição irrestrita (praṇipātena). Também deve fazer-lhe perguntas para entender suas instruções (paripraśnena). Além de render-se ao mestre espiritual, a pessoa também deve prestar-lhe serviço amoroso (sevayā) para que o mestre espiritual fique satisfeito com o discípulo e explique o tema transcendental mais claramente. Quem tem algum interesse em aprender a fundo as instruções védicas não deve apresentar-se com uma atitude desafiadora diante do mestre espiritual.

Texto

yad āha yogeśvara dṛśyamānaṁ
kriyā-phalaṁ sad-vyavahāra-mūlam
na hy añjasā tattva-vimarśanāya
bhavān amuṣmin bhramate mano me

Sinônimos

yat — aquilo que; āha — disseste; yoga-īśvara — ó mestre do poder místico; dṛśyamānam — sendo vistos com clareza; kriyā-phalam — os resultados de mudar o corpo de um lugar para outro, tais como sentir fadiga; sat — existindo; vyavahāra-mūlam — cuja base é apenas a etiqueta; na — não; hi — decerto; añjasā — ao todo, ou de fato; tattva-vimarśanāya — para entender a verdade através da consulta; bhavān — tu; amuṣmin — nesta explicação; bhramate — está confusa; manaḥ — mente; me — minha.

Tradução

Ó mestre do poder ióguico, disseste que a fadiga decorrente de o corpo locomover-se de um lugar para o outro é apreciada pela percepção direta, mas, na verdade, não existe fadiga. Ela existe por uma mera questão de formalidade. Através dessas perguntas e respostas, ninguém pode deduzir o que é a Verdade Absoluta. Devido à forma como expuseste essa afirmativa, minha mente está um pouco perturbada.

Comentário

SIGNIFICADO—Não é através de perguntas e respostas formais sobre a concepção corpórea que vamos conhecer a Verdade Absoluta. Conhecer a Verdade Absoluta não tem qualquer ligação com o entendimento das dores e dos prazeres corpóreos. Na Bhagavad-gītā, o Senhor Kṛṣṇa informa a Arjuna que as dores e os prazeres experimentados em relação ao corpo são temporários: vão e vêm. Ninguém deve deixar-se perturbar com eles, senão que se deve tolerá-los e continuar seu avanço espiritual.

Texto

brāhmaṇa uvāca
ayaṁ jano nāma calan pṛthivyāṁ
yaḥ pārthivaḥ pārthiva kasya hetoḥ
tasyāpi cāṅghryor adhi gulpha-jaṅghā-
jānūru-madhyora-śirodharāṁsāḥ
aṁse ’dhi dārvī śibikā ca yasyāṁ
sauvīra-rājety apadeśa āste
yasmin bhavān rūḍha-nijābhimāno
rājāsmi sindhuṣv iti durmadāndhaḥ

Sinônimos

brāhmaṇaḥ uvāca — o brāhmaṇa disse; ayam — esta; janaḥ — pessoa; nāma — tida como tal; calan — movendo-se; pṛthivyām — sobre a Terra; yaḥ — quem; pārthivaḥ — uma transformação da terra; pārthiva — ó rei, possuidor de um corpo terreno correlato; kasya — por qual; hetoḥ — razão; tasya api — dele também; ca — e; aṅghryoḥ — pés; adhi — acima; gulpha — tornozelos; jaṅghā — panturrilhas; jānu — joelhos; uru — coxas; madhyora — cintura; śiraḥ-dhara — pescoço; aṁsāḥ — ombros; aṁse — ombro; adhi — sobre; dārvī — feito de madeira; śibikā — palanquim; ca — e; yasyām — sobre o qual; sauvīra-rājā — o rei de Sauvīra; iti — assim; apadeśaḥ — conhecido como; āste — encontra-se; yasmin — no qual; bhavān — Vossa Onipotência; rūḍha — imposto sobre; nija-abhimānaḥ — tendo uma concepção de falso prestígio; rājā asmi — eu sou o rei; sindhuṣu — no estado de Sindhu; iti — assim; durmada-andhaḥ — cativado pelo falso prestígio.

Tradução

O brāhmaṇa autorrealizado Jaḍa Bharata disse: Entre as várias combinações e permutações materiais, existem várias formas e transformações terrenas. Por alguma razão, algumas se movem sobre a superfície da terra e se chamam “carregadores de palanquim”. Aquelas transformações materiais que não se movem são objetos materiais grosseiros, tais como as pedras. Em todo caso, o corpo material é feito de terra e pedra sob a forma de pés, tornozelos, panturrilhas, joelhos, coxas, tronco, pescoço e cabeça. Sobre os ombros, está o palanquim de madeira, e, dentro do palanquim, encontra-se o dito rei de Sauvīra. O corpo do rei é simplesmente outra transformação da terra, mas Vossa Majestade está situado dentro desse corpo, deixando-se influenciar pela falsa impressão de que é o rei do estado de Sauvīra.

Comentário

SIGNIFICADO—Após analisar os corpos materiais do carregador e do passageiro do palanquim, Jaḍa Bharata conclui que a verdadeira força viva é a entidade viva. A entidade viva é o rebento ou a progênie do Senhor Viṣṇu; portanto, dentro deste mundo material, entre as coisas móveis e inertes, o princípio real é o Senhor Viṣṇu. Devido à Sua presença, tudo está funcionando, e ocorrem ações e reações. Aquele que sabe que o Senhor Viṣṇu é a causa original de tudo deve ser visto como estando situado em conhecimento perfeito. Embora tivesse o falso orgulho de ser um monarca, o rei Rahūgaṇa não estava situado em conhecimento verdadeiro. Portanto, ele estava admoestando os carregadores do palanquim, incluindo Jaḍa Bharata, o brāhmaṇa autorrealizado. Essa é a primeira acusação que Jaḍa Bharata lançou contra o rei, que, do terreno volúvel da ignorância, ousava falar com um brāhmaṇa erudito, identificando tudo com a matéria. O rei Rahūgaṇa argumentava que a entidade viva está dentro do corpo e que, quando o corpo está fatigado, a entidade viva que reside nesse corpo deve, portanto, estar sofrendo. Nos versos seguintes, fica bem evidente que a entidade viva não sofre devido à fadiga do corpo. Śrīla Viśvanātha Cakravartī apresenta o exemplo de uma criança revestida de muitos adornos – embora seu corpo seja muito delicado, a criança não sente fadiga, tampouco os pais pensam que devem tirar-lhe os enfeites. A entidade viva nada tem a ver com as dores e os prazeres físicos, os quais não passam de criações mentais. O homem inteligente descobrirá a causa que deu origem a tudo. Nos relacionamentos mundanos, talvez as combinações e permutações materiais sejam palpáveis, mas, na verdade, a força viva, a alma, nada tem a ver com elas. Aqueles que estão agitados materialmente preocupam-se com o corpo e inventam o daridra-nārāyaṇa (Nārāyaṇa indigente). Entretanto, não é verdade que a alma e a Superalma tornem-se pobres simplesmente porque o corpo é pobre. Essas afirmações partem de pessoas ignorantes. A alma e a Superalma estão sempre à parte das dores e dos prazeres físicos.

Texto

śocyān imāṁs tvam adhikaṣṭa-dīnān
viṣṭyā nigṛhṇan niranugraho ’si
janasya goptāsmi vikatthamāno
na śobhase vṛddha-sabhāsu dhṛṣṭaḥ

Sinônimos

śocyān — deplorável; imān — todas essas; tvam — tu; adhi-kaṣṭa-dīnān — pobres pessoas sofrendo mais dores por causa de sua miséria; viṣṭyā — à força; nigṛhṇan — apoderando-te; niranugrahaḥ asi — não tens misericórdia em teu coração; janasya — das pessoas em geral; goptā asmi — sou o protetor (rei); vikatthamānaḥ — vangloriando te; na śobhase — não pareces muito bom; vṛddha-sabhāsu — na sociedade de pessoas eruditas; dhṛṣṭaḥ — apenas insolente.

Tradução

É verdade, no entanto, que essas pessoas inocentes e que carregam teu palanquim sem remuneração alguma, decerto estão sofrendo por causa dessa injustiça. A condição delas é muito deplorável, pois foram obrigadas a carregar teu palanquim. Isso prova que és cruel e destituído de misericórdia. Mesmo assim, devido ao falso prestígio, pensavas estar protegendo os cidadãos. Isso é patético. Tamanha era tua tolice que não poderias ter sido adorado como um grande homem em uma assembleia de pessoas avançadas em conhecimento.

Comentário

SIGNIFICADO—O rei Rahūgaṇa orgulhava-se de ser um monarca, e pensava ter o direito de controlar os cidadãos como bem quisesse, mas, na verdade, ele estava ocupando os homens em carregar seu palanquim sem remuneração e, portanto, molestava-os sem necessidade. Apesar disso, o rei pensava ser o protetor dos cidadãos. Na verdade, o rei deve ser o representante da Suprema Personalidade de Deus, motivo pelo qual ele é chamado de nara-devatā, o senhor entre os seres humanos. Contudo, ao julgar que, como é o chefe de estado, ele pode explorar os cidadãos para que esses satisfaçam os seus sentidos, o rei comete um grande erro. Os estudiosos eruditos não aprovam semelhante conduta. De acordo com os princípios védicos, o rei deve ser aconselhado pelos sábios eruditos, brāhmaṇas e estudiosos, que o orientam com base nos preceitos encontrados no dharma-śāstra. Cabe ao rei seguir essas instruções. Os círculos eruditos não apreciam que o rei utilize o serviço público para o seu próprio benefício. Pelo contrário, é seu dever proteger os cidadãos. O rei não deve tornar-se um elemento nocivo que, para seu próprio benefício, aproveita-se dos cidadãos.

No Śrīmad-Bhāgavatam, afirma-se que, em Kali-yuga, os chefes de governo serão ladrões e gatunos. Esses criminosos saqueiam à força ou por conivência o dinheiro e a propriedade dos cidadãos. Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam diz que rājanyair nirghṛṇair dasyu-dharmabhiḥ. À medida que Kali-yuga avança, podemos ver que essas características são cada vez mais visíveis. Decerto podemos imaginar o quanto a civilização humana será deteriorada no final de Kali-yuga. Com efeito, não haverá mais um homem sóbrio capaz de compreender Deus e nossa relação com Deus. Em outras palavras, os seres humanos serão meros animais. É nesse momento que, para reformar a sociedade humana, o Senhor Kṛṣṇa fará Seu advento na forma do avatāra Kalki. Seu objetivo será matar todos os ateístas, haja vista que, em última instância, Viṣṇu, ou Kṛṣṇa, é o verdadeiro protetor.

O Senhor encarna e ordena tudo quando a administração dos ditos reis ou chefes de governo se torna problemática. Como Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (4.7), yadā yadā hi dharmasya glānir bhavati bhārata. Mesmo que isso demore, o mecanismo de ação acabará sendo acionado. Quando o rei ou o chefe de estado não seguem os princípios justos, a natureza aplica punições sob a forma de guerra, fome e assim por diante. Portanto, se o chefe de estado não conhece a meta da vida, ele não deve assumir a função de governar o povo. Na verdade, o Senhor Viṣṇu é o proprietário supremo de tudo. É Ele que mantém o mundo inteiro. O rei, o pai e o guardião são meros representantes do Senhor Viṣṇu, a quem Ele dotou de poder para cuidarem da administração e manutenção das coisas. Portanto, cabe ao chefe de estado manter o povo de tal maneira que todo o povo conheça a meta da vida. Na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum. (Śrīmad-Bhāgavatam 7.5.31) Infelizmente, os tolos líderes governamentais e o povo não sabem que a meta última da vida é compreender e conhecer o Senhor Viṣṇu. Sem esse conhecimento, todos estão em ignorância, e toda a sociedade se enche de enganadores e enganados.

Texto

yadā kṣitāv eva carācarasya
vidāma niṣṭhāṁ prabhavaṁ ca nityam
tan nāmato ’nyad vyavahāra-mūlaṁ
nirūpyatāṁ sat-kriyayānumeyam

Sinônimos

yadā — portanto; kṣitau — na terra; eva — com certeza; cara-acarasya — de diferentes corpos, alguns móveis e outros inertes; vidāma — sabemos; niṣṭhām — destruição; prabhavam — aparecimento; ca — e; nityam — regularmente, pelos princípios da natureza; tat — isto; nāmataḥ — do que pelo simples nome; anyat — outra; vyavahāra-mūlam — causa das atividades materiais; nirūpyatām — que se determine; satkriyayā — pelo emprego verdadeiro; anumeyam — a ser inferido.

Tradução

Todos nós na superfície do globo somos diferentes formas de entidades vivas. Alguns de nós estamos nos movendo e outros são inertes. Todos nós chegamos à existência, permanecemos por algum tempo e somos destruídos, ocasião em que o corpo se reintegrar na terra. Todos nós constituímos meras diferentes transformações da terra. Diferentes corpos e capacidades são simples transformações da terra cuja existência é apenas representativa, pois tudo provém da terra e, quando tudo é destruído, volta a ser terra. Em outras palavras, somos apenas pó, e seremos apenas pó. Todos devem considerar este ponto.

Comentário

SIGNIFICADO—O Brahma-sūtra (2.1.14) diz que tad-ananyatvam ārabhambhaṇa-śabdādibhyaḥ. Essa manifestação cósmica é uma combinação de matéria e espírito, mas a causa é o Brahman Supremo, a Suprema Personalidade de Deus. Portanto, declara-se no Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.20) que idaṁ hi viśvaṁ bhagavān ivetaraḥ. Toda a manifestação cósmica é uma mera transformação da energia da Suprema Personalidade de Deus, mas, devido à ilusão, ninguém é capaz de apreciar que Deus não é diferente do mundo material. De fato, Ele não é diferente, mas este mundo material é uma simples transformação de Suas diferentes energias: parāsya śaktir vividhaiva śrūyate. Também há nos Vedas outras versões disso: sarvaṁ khalv idaṁ brahma. Matéria e espírito não são diferentes do Brahman Supremo, Bhagavān. Na Bhagavad-gītā (7.4), o Senhor Kṛṣṇa corrobora essa afirmação: me bhinnā prakṛtir aṣṭadhā. A energia material é uma energia de Kṛṣṇa, mas é separada dEle, ao passo que a energia espiritual, também energia Sua, faz parte dEle. Quando a energia material é utilizada a serviço do Espírito Supremo, a dita energia material também se transforma em energia espiritual, assim como uma barra de ferro se torna fogo ao entrar em contato com o fogo. Quando, através do estudo analítico, pudermos compreender que a Suprema Personalidade de Deus é a causa de todas as causas, nosso conhecimento será perfeito. Meramente compreender as transformações das diferentes energias é um conhecimento parcial. Devemos chegar à causa última. Na te viduḥ svārtha gatiṁ hi viṣṇum. O conhecimento daqueles que não estão interessados em familiarizar-se com a causa que origina todas as emanações jamais é perfeito. Não há nada no mundo fenomenal que não seja produzido pela energia suprema da Suprema Personalidade de Deus. Os aromas da terra são diferentes perfumes produzidos e usados com diversos propósitos, mas a terra, e somente ela, é a causa original. Um pote de água feito de barro pode, durante algum tempo, ser usado para carregar água, mas, em última análise, o pote é meramente terra. Portanto, não há diferença entre o pote e seu ingrediente original, a terra. Ele é uma simples transformação da energia. Originalmente, a causa ou constituinte primordial é a Suprema Personalidade de Deus, e as variedades são apenas subprodutos. Na Chāndogya Upaniṣad, afirma-se que yathā saumy ekena mṛt-piṇḍena sarvaṁ mṛnmayaṁ vijñātaṁ syād vācārambhaṇaṁ vikāro nāmadheyaṁ mṛttikety eva satyam. Quem estuda a terra, naturalmente chega à compreensão de seus subprodutos. Os Vedas (Muṇḍaka Upaniṣad 1.3), portanto, definem que yasmin vijñāte sarvam evaṁ vijñātaṁ bhavati: se alguém simplesmente entende a causa original, Kṛṣṇa, a causa de todas as causas, é muito natural que se compreenda tudo mais, mesmo que as coisas se manifestem de diferentes formas. Compreendendo a causa que origina as diversas variedades, podemos compreender tudo. Se compreendermos Kṛṣṇa, a causa que origina tudo, não precisaremos estudar cada uma das variedades subsidiárias. Portanto, desde o início se afirma que satyaṁ paraṁ dhīmahi. É na Verdade Suprema, Kṛṣṇa, ou Vāsudeva, que todos devem concentrar sua compreensão. A palavra Vāsudeva se refere à Suprema Personalidade de Deus, a causa de todas as causas. Mat-sthāni sarva-bhūtāni na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ. Isso é resumo das filosofias fenomênica e numenal. O mundo fenomênico depende da existência numenal; do mesmo modo, tudo existe em virtude da potência do Senhor Supremo, embora, devido à nossa ignorância, deixemos de perceber que o Senhor Supremo está em todas as coisas.

Texto

evaṁ niruktaṁ kṣiti-śabda-vṛttam
asan nidhānāt paramāṇavo ye
avidyayā manasā kalpitās te
yeṣāṁ samūhena kṛto viśeṣaḥ

Sinônimos

evam — assim; niruktam — falsamente descrito; kṣiti-śabda — da palavra “terra”; vṛttam — a existência; asat — irreal; nidhānāt — da dissolução; parama-aṇavaḥ — partículas atômicas; ye — todas as quais; avidyayā — devido à pouca inteligência; manasā — na mente; kalpitāḥ — imaginaram; te — eles; yeṣām — das quais; samūhena — pelo agregado; kṛtaḥ — feitos; viśeṣaḥ — os itens.

Tradução

Pode-se dizer que as variedades surgem do próprio planeta Terra. Contudo, embora o universo possa parecer temporariamente uma realidade, ele, em última análise, não tem uma existência real. A Terra foi criada originalmente por uma combinação de partículas atômicas, mas essas partículas são impermanentes. Na verdade, embora alguns filósofos discordem, o átomo não é a causa do universo. Não é verdade que as variedades encontradas neste mundo material sejam simples resultado da justaposição ou combinação atômica.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqueles que advogam a teoria atômica pensam que os prótons e os elétrons dos átomos se combinam de maneira que possam dar origem a toda a existência material. No entanto, os cientistas não conseguem descobrir a causa da própria existência atômica. Nessas circunstâncias, não podemos aceitar que o átomo seja a causa do universo. Essas teorias são formuladas por pessoas sem inteligência. A verdadeira inteligência aponta para o Senhor Supremo como a causa real da manifestação cósmica. Janmādy asya yataḥ: Ele é a causa que origina toda a criação. Como se afirma na Bhagavad-gītā (10.8): ahaṁ sarvasya prabhavo mattaḥ sarvaṁ pravartate. Kṛṣṇa é a causa original. Sarva-kāraṇa-kāraṇam: Ele é a causa de todas as causas. Kṛṣṇa é a causa dos átomos e da energia material.

bhūmir āpo ’nalo vāyuḥ
khaṁ mano buddhir eva ca
ahaṅkāra itīyaṁ me
bhinnā prakṛtir aṣṭadhā

A causa última é a Suprema Personalidade de Deus, e somente aqueles que são ignorantes tentam descobrir outras causas, apresentando diferentes teorias.

Texto

evaṁ kṛśaṁ sthūlam aṇur bṛhad yad
asac ca saj jīvam ajīvam anyat
dravya-svabhāvāśaya-kāla-karma-
nāmnājayāvehi kṛtaṁ dvitīyam

Sinônimos

evam — assim; kṛśam — magro ou curto; sthūlam — gordo; aṇuḥ — pequeno; bṛhat — grande; yat — os quais; asat — impermanentes; ca — e; sat — existindo; jīvam — as entidades vivas; ajīvam — matéria morta, inanimada; anyat — outras causas; dravya — fenômenos; sva-bhāva — natureza; āśaya — disposição; kāla — tempo; karma — atividades; nāmnā — apenas com esses nomes; ajayā — pela natureza material; avehi — deves entender; kṛtam — feita; dvitīyam — dualidade.

Tradução

Como este universo não tem uma existência real definitiva, todas as coisas dentro dele – brevidade, diferenças, grossura, magreza, pequenez, grandeza, resultado, causa, sintomas vitais e substâncias – são imaginações. Todas elas são potes feitos da mesma substância, terra, mas recebem diferentes denominações. As diferenças se caracterizam pela substância, pela natureza, pela predisposição, pelo tempo e pelas atividades. Informo-te que todas essas coisas são simples manifestações mecânicas, criadas pela natureza material.

Comentário

SIGNIFICADO—As manifestações e variedades temporárias vistas dentro deste mundo material são simples criações que ocorrem na natureza material sob as mais diversas circunstâncias: prakṛteḥ kriyamāṇāni guṇaiḥ karmāṇi sarvaśaḥ. As ações e reações levadas a efeito pela natureza material são, às vezes, aceitas como invenções científicas nossas, de modo que nos dispomos a monopolizar todos os triunfos, e chegamos até mesmo a desafiar a existência de Deus. Descreve-se isto na Bhagavad-gītā (3.27), ahaṅkāra-vimūḍhātmā kartāham iti manyate: Por estar coberta pela energia ilusória, a entidade viva tenta assumir o mérito das variadas criações existentes dentro do mundo material. Na verdade, todas elas estão sendo naturalmente criadas pela força material acionada pela energia da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, a Pessoa Suprema é a causa definitiva. Como afirma a Brahma-saṁhitā:

īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ
sac-cid-ānanda-vigrahaḥ
anādir ādir govindaḥ
sarva-kāraṇa-kāraṇam

Ele é a causa de todas as causas, a causa definitiva. Com relação a isso, Śrīla Madhvācārya diz que evaṁ sarvaṁ tathā prakṛtvayai kalpitaṁ viṣṇor anyat. evaṁ prakṛtyādhāraḥ svayam ananyādhāro viṣṇur eva ataḥ sarva-śabdāś ca tasminn eva. Na verdade, a causa original é o Senhor Viṣṇu, mas, devido à ignorância, as pessoas pensam que a matéria é a causa de tudo.

rājā goptāśrayo bhūmiḥ
śaraṇaṁ ceti laukikaḥ
vyavahāro na tat satyaṁ
tayor brahmāśrayo vibhuḥ

Tudo é esmiuçado tomando-se como base uma plataforma efêmera ou externa, mas, para todos os efeitos, essa não é a verdade dos fatos. O proprietário verdadeiro e o refúgio de todos é o Brahman, o Supremo, e não o rei.

goptrī ca tasya prakṛtis
tasyā viṣṇuḥ svayaṁ prabhuḥ
tava goptrī tu pṛthivī
na tvaṁ goptā kṣiteḥ smṛtaḥ
ataḥ sarvāśrayaiś caiva
goptā ca harir īśvaraḥ
sarva-śabdābhidheyaś ca
śabda-vṛtter hi kāraṇam
sarvāntaraḥ sarva-bahir
eka eva janārdanaḥ

A verdadeira protetora é a natureza material, de quem Viṣṇu é o amo. Ele é o amo de tudo. O Senhor Janārdana é o controlador tanto interna quanto externamente. Ele é a causa do funcionamento das palavras e daquilo que se expressa em todo som.

śirasodhāratā yadvad
grīvāyās tadvad eva tu
āśrayatvaṁ ca goptṛtvam
anyeṣām upacārataḥ

O Senhor Viṣṇu é o lugar onde repousa toda a criação: brahmaṇo hi pratiṣṭhāham (Bhagavad-gītā 14.27). Tudo repousa no Brahman. Todos os universos repousam no brahmajyoti, e todos os planetas repousam na atmosfera universal. Em cada planeta, há oceanos, colinas, estados e reinos, e cada planeta está dando refúgio a muitas entidades vivas. Todas elas se postam na terra com seus pés, pernas, tronco e ombros, mas, na verdade, em última análise, tudo repousa nas potências da Suprema Personalidade de Deus. Em última instância, portanto, Ele é conhecido como sarva-kāraṇa-kāraṇam, a causa de todas as causas.

Texto

jñānaṁ viśuddhaṁ paramārtham ekam
anantaraṁ tv abahir brahma satyam
pratyak praśāntaṁ bhagavac-chabda-saṁjñaṁ
yad vāsudevaṁ kavayo vadanti

Sinônimos

jñānam — o conhecimento supremo; viśuddham — sem contaminação; parama-artham — dando a meta última da vida; ekam — unificado; anantaram — sem interior, inquebrantável; tu — também; abahiḥ — sem exterior; brahma — o Supremo; satyam — Verdade Absoluta; pratyak — âmago; praśāntam — o calmo e pacífico Senhor Supremo, adorado pelos yogīs; bhagavat-śabda-saṁjñam — que, na acepção máxima, é conhecido como Bhagavān, ou pleno de todas as opulências; yat — esse; vāsudevam — Senhor Kṛṣṇa, o filho de Vasudeva; kavayaḥ — os estudiosos eruditos; vadanti — dizem.

Tradução

Qual, então, é a verdade última? A resposta é que o conhecimento não-dual é a verdade última. Ele está desprovido da contaminação das qualidades materiais. Ele nos proporciona a liberação. Ele é inigualável, onipenetrante e está além da imaginação. A primeira etapa em que se depreende este conhecimento é a fase de Brahman. Em seguida, o Paramātmā, a Superalma, é compreendido pelos yogīs, os quais, para vê-lO, evitam cometer ofensas. Essa é a segunda fase de compreensão. Por fim, a compreensão completa do mesmo conhecimento supremo é depreendida sob a forma da Pessoa Suprema. Todos os estudiosos eruditos descrevem a Pessoa Suprema como Vāsudeva, a causa do Brahman, Paramātmā e outros.

Comentário

SIGNIFICADO—O Caitanya-caritāmṛta afirma que yad advaitaṁ brahmopaniṣadi tad apy asya tanu-bhā. A impessoal refulgência Brahman da Verdade Absoluta consiste nos raios corpóreos da Suprema Personalidade de Deus. Ya ātmāntaryāmī puruṣa iti so ’syāṁśa-vibhavaḥ. Aquilo que é conhecido como ātmā e antaryāmī, a Superalma, é uma mera expansão da Suprema Personalidade de Deus. Ṣaḍ-aiśvaryaiḥ pūrṇo ya iha bhagavān sa satyam ayam. Aquilo que é descrito como a Suprema Personalidade de Deus, pleno de todas as seis opulências, é Vāsudeva, de quem Śrī Caitanya Mahāprabhu não é diferente. Após muitos e muitos nascimentos, grandes estudiosos e filósofos eruditos aceitam isso. Vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā sudurlabhaḥ. (Bhagavad-gītā 7.19) O homem sábio pode entender que, em última instância, Vāsudeva, Kṛṣṇa, é a causa tanto do Brahman quanto de Paramātmā, a Superalma. Logo, Vāsudeva é sarva-kāraṇa-kāraṇam, a causa de todas as causas. O Śrīmad-Bhāgavatam corrobora isso. O verdadeiro tattva, a Verdade Absoluta, é Bhagavān, mas pessoas que entendem apenas parcialmente a Verdade Absoluta às vezes descrevem o mesmo Viṣṇu como o Brahman impessoal ou o Paramātmā localizado.

vadanti tat tattva-vidas
tattvaṁ yaj jñānam advayam
brahmeti paramātmeti
bhagavān iti śabdyate

Já no primeiro verso, o Śrīmad-Bhāgavatam diz que satyaṁ paraṁ dhīmahi, “meditemos na verdade suprema”. Apresenta-se aqui a verdade suprema como jñānaṁ viśuddhaṁ satyam. A Verdade Absoluta é desprovida de contaminação material e transcende as qualidades materiais. Ela concede todo o sucesso espiritual e liberta-nos deste mundo material. Essa Suprema Verdade Absoluta é Kṛṣṇa, Vāsudeva. Não há diferença alguma entre o eu íntimo de Kṛṣṇa e Seu corpo externo. Kṛṣṇa é pūrṇa, o todo completo. Ao contrário do que ocorre conosco, não há distinção alguma entre o Seu corpo e a Sua alma. Às vezes, pretensos eruditos, desconhecendo a posição constitucional de Kṛṣṇa, desorientam as pessoas dizendo que o Kṛṣṇa interno é diferente do Kṛṣṇa externo. Quando Kṛṣṇa diz man-manā bhava mad-bhakto mad-yājī māṁ namaskuru, assim chamados eruditos advertem ao leitor que não é à pessoa Kṛṣṇa que devemos render-nos, mas ao Kṛṣṇa interno. Com seu pobre fundo de conhecimento, os pseudoeruditos māyāvādīs não podem entender Kṛṣṇa. Portanto, para compreendermos Kṛṣṇa, devemos buscar uma pessoa autorizada. O mestre espiritual realmente vê Kṛṣṇa, daí ter a qualificação para falar a respeito dEle.

tad viddhi praṇipātena
paripraśnena sevayā
upadekṣyanti te jñānaṁ
jñāninas tattva-darśinaḥ

Quem não se aproxima de uma autoridade não pode entender Kṛṣṇa.

Texto

rahūgaṇaitat tapasā na yāti
na cejyayā nirvapaṇād gṛhād vā
na cchandasā naiva jalāgni-sūryair
vinā mahat-pāda-rajo-’bhiṣekam

Sinônimos

rahūgaṇa — ó rei Rahūgaṇa; etat — este conhecimento; tapasā — através de severas austeridades e penitências; na yāti — não é revelado; na — não; ca — também; ijyayā — tomando as medidas cabíveis para adorar a Deidade; nirvapaṇāt — ou de pôr termo a todos os deveres materiais e aceitar sannyāsa; gṛhāt — da vida familiar ideal; — ou; na — nem; chandasā — observando celibato ou estudando a literatura védica; na eva — nem; jala-agni-sūryaiḥ — mediante rigorosas austeridades, tais como se manter na água, no fogo abrasador ou em um sol escaldante; vinā — sem; mahat — dos grandes devotos; pāda-rajaḥ — com a poeira dos pés de lótus; abhiṣekam — untando o corpo todo.

Tradução

Meu querido rei Rahūgaṇa, enquanto alguém não tiver a oportunidade de untar todo o seu corpo com a poeira dos pés de lótus dos grandes devotos, ele não entenderá a Verdade Absoluta. Ninguém pode compreender a Verdade Absoluta só porque observa o celibato [brahmacarya], segue à risca as regras e regulações da vida familiar, deixa o lar ao se tornar vānaprastha, aceita sannyāsa ou se submete a rigorosas penitências no inverno, ficando submerso em água ou, no verão, expondo-se ao fogo e ao calor escaldante do sol. Existem muitos outros processos para entender a Verdade Absoluta, mas a Verdade Absoluta revela-Se apenas a quem recebeu a misericórdia de um devoto grandioso.

Comentário

SIGNIFICADO—O devoto puro pode conceder a todos o verdadeiro conhecimento com o qual se obtém a bem-aventurança transcendental. Vedeṣu durlabham adurlabham ātma-bhaktau. Ninguém pode alcançar a perfeição da vida espiritual apenas pelo fato de seguir as orientações dos Vedas. Devemos aproximar-nos do devoto puro: anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam. Pela graça desse devoto, podemos entender Kṛṣṇa, a Verdade Absoluta, e nossa relação com Ele. O materialista pensa que, para se entender a Verdade Absoluta, basta executar atividades piedosas e permanecer em casa. Esse verso rejeita semelhante proposição. Tampouco pode alguém entender a Verdade Absoluta simplesmente cumprindo as regras e regulações de brahmacarya (celibato). Basta que a pessoa sirva ao devoto puro. Isso definitivamente a ajudará a entender a Verdade Absoluta.

Texto

yatrottamaśloka-guṇānuvādaḥ
prastūyate grāmya-kathā-vighātaḥ
niṣevyamāṇo ’nudinaṁ mumukṣor
matiṁ satīṁ yacchati vāsudeve

Sinônimos

yatra — em cujo ambiente (na presença de devotos elevados); uttama-śloka-guṇa-anuvādaḥ — conversas sobre os passatempos e glórias da Suprema Personalidade de Deus; prastūyate — são apresentadas; grāmya-kathā-vighātaḥ — devido a que não há possibilidade alguma de falar sobre temas mundanos; niṣevyamāṇaḥ — sendo ouvidas muito seriamente; anudinam — dia após dia; mumukṣoḥ — de pessoas que levam muito a sério sair do enredamento material; matim — meditação; satīm — pura e simples; yacchati — volta-se; vāsudeve — aos pés de lótus do Senhor Vāsudeva.

Tradução

Quem são os devotos puros mencionados neste trecho? Em uma assembleia de devotos puros, é incogitável que se comentem tópicos materiais, como política ou sociologia. Em uma assembleia de devotos puros, fala-se apenas sobre as qualidades, formas e passatempos da Suprema Personalidade de Deus. Ele é louvado e adorado com toda a atenção. Na companhia de devotos puros, em decorrência de ouvir esses tópicos constantemente e com uma postura respeitosa, mesmo quem deseja fundir-se na existência da Verdade Absoluta abandona essa ideia e, pouco a pouco, apega-se a prestar serviço a Vāsudeva.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, descrevem-se as características dos devotos puros. O devoto puro jamais está interessado em assuntos materiais. Śrī Caitanya Mahāprabhu proibiu estritamente Seus devotos de falar sobre temas mundanos. Grāmya-vārtā nā kahibe: ninguém deve entregar-se a conversas desnecessárias sobre notícias do mundo material. Ninguém deve desperdiçar seu tempo dessa maneira. Esse é um aspecto muito importante na vida de um devoto. A única ambição do devoto é servir a Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Introduziu-se este movimento da consciência de Kṛṣṇa para que as pessoas possam se ocupar vinte e quatro horas por dia em prestar serviço ao Senhor e em glorificá-lO. Os discípulos dessa instituição concentram-se em cultivar a consciência de Kṛṣṇa das cinco da manhã às dez da noite. Com efeito, eles não têm oportunidade de desperdiçar seu tempo discutindo política, sociologia e atualidades. Essas coisas seguirão seu próprio caminho. O devoto está interessado apenas em servir a Kṛṣṇa com determinação e seriedade.

Texto

ahaṁ purā bharato nāma rājā
vimukta-dṛṣṭa-śruta-saṅga-bandhaḥ
ārādhanaṁ bhagavata īhamāno
mṛgo ’bhavaṁ mṛga-saṅgād dhatārthaḥ

Sinônimos

aham — eu; purā — outrora (em meu nascimento anterior); bharataḥ nāma rājā — um rei chamado Mahārāja Bharata; vimukta — liberado de; dṛṣṭa-śruta — experimentando pessoalmente através da associação direta, ou obtendo conhecimento dos Vedas; saṅga-bandhaḥ — cativeiro por intermédio da associação; ārādhanam — a adoração; bhagavataḥ — a Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus; īhamānaḥ — sempre realizando; mṛgaḥ abhavam — tornei-me um veado; mṛga-saṅgāt — devido à minha associação íntima com um veado; hata-arthaḥ — tendo, no desempenho do serviço devocional, negligenciado os princípios reguladores.

Tradução

Em um nascimento anterior, eu era conhecido como Mahārāja Bharata. Alcancei a perfeição desapegando-me por completo das atividades materiais através da experiência direta, e, através da experiência indireta, compreendi os Vedas. Ocupei-me em pleno serviço ao Senhor, mas, devido ao meu infortúnio, desenvolvi excessiva afeição por um veadinho, chegando ao ponto de negligenciar meus deveres espirituais. Devido à minha profunda afeição pelo veado, tive que aceitar um corpo de veado na minha vida seguinte.

Comentário

SIGNIFICADO—O incidente descrito nesta passagem é muito significativo. Em um verso anterior, afirma-se que vinā mahat-pāda-rajo-’bhiṣekam: ninguém pode alcançar a perfeição enquanto não passar em sua cabeça a poeira dos pés de lótus de um devoto elevado. Quem segue sempre as ordens do mestre espiritual não tem possibilidades de cair. Quando um discípulo tolo tenta suplantar seu mestre espiritual e começa a ambicionar o seu posto, ele cai prontamente. Yasya prasādād bhagavat-prasādo yasyāprasādān na gatiḥ kuto ’pi. Caso considere seu mestre espiritual como sendo um homem comum, é certo que o discípulo perderá a chance de continuar avançando. Apesar de uma vida muito rígida no serviço devocional, Bharata Mahārāja, ao se tornar muitíssimo apegado a um veado, não consultou um mestre espiritual. Em consequência disso, desenvolveu forte apego ao animal e, esquecendo-se de seus deveres espirituais, caiu.

Texto

sā māṁ smṛtir mṛga-dehe ’pi vīra
kṛṣṇārcana-prabhavā no jahāti
atho ahaṁ jana-saṅgād asaṅgo
viśaṅkamāno ’vivṛtaś carāmi

Sinônimos

— isto; mām — a mim; smṛtiḥ — lembrança das atividades de minha vida anterior; mṛga-dehe — em um corpo de veado; api — embora; vīra — ó grande herói; kṛṣṇa-arcana-prabhavā — que apareceu devido à influência do serviço sincero a Kṛṣṇa; no jahāti — não sumiu; atho — portanto; aham — eu; jana-saṅgāt — da associação com homens ordinários; asaṅgaḥ — inteiramente desapegado; viśaṅkamānaḥ — tendo medo; avivṛtaḥ — sem ser observado pelos outros; carāmi — vou a diferentes lugares.

Tradução

Meu querido e heroico rei, devido ao sincero serviço que prestei ao Senhor no passado, pude lembrar-me de tudo da minha vida pretérita, mesmo enquanto estava em um corpo de veado. Porque tenho conhecimento da queda que sofri em minha vida passada, sempre me afasto da companhia de homens ordinários. Com medo da má associação materialista, perambulo sozinho, sem chamar a atenção de ninguém.

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā (2.40) diz que svalpam apy asya dharmasya. Decerto é uma grande queda partir da vida humana rumo à vida animal, mas, no caso de Bharata Mahārāja ou de qualquer devoto, o serviço devocional ao Senhor nunca é em vão. Como afirma a Bhagavad-gītā (8.6), yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ tyajaty ante kalevaram. Pela lei da natureza, a mente se absorve em um determinado pensamento na hora da morte. Mesmo que isso resulte em obter uma vida animal, não há perda para o devoto. Muito embora tivesse recebido um corpo de veado, Bharata Mahārāja não se esqueceu de sua posição. Em consequência disso, no corpo de veado, ele tinha o grande cuidado de lembrar-se da causa de sua queda. Como resultado, recebeu a oportunidade de nascer em uma família de brāhmaṇas muito puros. Assim, seu serviço ao Senhor não foi em vão.

Texto

tasmān naro ’saṅga-susaṅga-jāta-
jñānāsinehaiva vivṛkṇa-mohaḥ
hariṁ tad-īhā-kathana-śrutābhyāṁ
labdha-smṛtir yāty atipāram adhvanaḥ

Sinônimos

tasmāt — por essa razão; naraḥ — toda pessoa; asaṅga — pelo desapego da associação de pessoas mundanas; su-saṅga — pela associação com devotos; jāta — produzido; jñāna-asinā — pela espada do conhecimento; iha — neste mundo material; eva — mesmo; vivṛkṇa-mohaḥ — cuja ilusão é completamente esmagada; harim — a Suprema Personalidade de Deus; tad-īhā — de Suas atividades; kathana-śrutābhyām — pelos dois processos de ouvir e cantar; labdha-smṛtiḥ — a consciência perdida é recuperada; yāti — alcança; atipāram — a meta última; adhvanaḥ — o caminho de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Tradução

Pelo simples fato de se associar com devotos elevados, qualquer pessoa pode alcançar a perfeição do conhecimento e, com a espada do conhecimento, esmagar as associações ilusórias existentes dentro deste mundo material. Através da associação com os devotos, a pessoa pode ocupar-se em serviço ao Senhor, ouvindo e cantando [śravaṇaṁ kīrtanam]. Assim, ela pode reviver sua consciência de Kṛṣṇa adormecida e, apegando-se ao cultivo da consciência de Kṛṣṇa, pode, nesta mesma vida, voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Para libertar-se do cativeiro material, a pessoa deve abandonar a associação mundana e aceitar a companhia dos devotos. Em relação a isso, mencionam-se os processos positivo e negativo. Através da associação com os devotos, a pessoa desenvolve a consciência de Kṛṣṇa, que está adormecida dentro dela. Esse movimento da consciência de Kṛṣṇa está dando a todos essa oportunidade. Estamos dando abrigo a todos que são sérios quanto a progredir na consciência de Kṛṣṇa. Tomamos as devidas providências para que tenham casa e comida e possam, então, cultivar pacificamente a consciência de Kṛṣṇa e, nesta mesma vida, voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quinto canto, décimo segundo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Conversa entre Mahārāja Rahūgaṇa e Jaḍa Bharata”.