CAPÍTULO QUARENTA E OITO
Kṛṣṇa Satisfaz Seus Devotos
Neste capítulo, o Senhor Śrī Kṛṣṇa primeiramente visita Trivakrā (também conhecida como Kubjā) e desfruta em sua companhia, após o que Ele visita Akrūra. O Senhor envia Akrūra a Hastināpura para agradar aos Pāṇḍavas.
Depois de Uddhava ter relatado a Śrī Kṛṣṇa as notícias de Vraja, o Senhor foi à casa de Trivakrā, a qual estava decorada com variada ornamentação conducente ao desfrute sexual. Trivakrā acolheu Kṛṣṇa com grande respeito, dando-Lhe um assento elevado e, junto com suas companheiras, adorando-O. Ela também ofereceu um assento a Uddhava, como convinha à posição dele, mas esse apenas tocou no assento e sentou-se no chão.
O Senhor Kṛṣṇa, então, reclinou-Se em um leito opulento enquanto a serva Trivakrā se esmerava em banhar-se e enfeitar-se. Ela, em seguida, aproximou-se de Kṛṣṇa, que a convidou para irem para a cama e passou a desfrutar com ela de várias maneiras. Por abraçar o Senhor Kṛṣṇa, Trivakrā livrou-se do tormento da luxúria. Ela pediu a Kṛṣṇa que ficasse ali por algum tempo, e o atencioso Senhor prometeu satisfazer seu pedido no momento oportuno. Ele, depois, regressou com Uddhava para Sua residência. Além de oferecer pasta de sândalo a Kṛṣṇa, Trivakrā nunca praticara nenhum ato piedoso; contudo, apenas em virtude da piedade deste único ato, ela alcançou a rara oportunidade de associar-se pessoalmente com Śrī Kṛṣṇa.
Śrī Kṛṣṇa, em seguida, foi à casa de Akrūra com o Senhor Baladeva e Uddhava. Akrūra honrou a eles três prostrando-se e oferecendo-lhes assentos convenientes. Então, adorou Rāma e Kṛṣṇa, lavou-Lhes os pés e derramou a água em sua cabeça. Akrūra também Lhes ofereceu muitas orações.
O Senhor Kṛṣṇa ficou satisfeito com as orações de Akrūra e disse-lhe que, como este era de fato Seu tio paterno, Kṛṣṇa e Balarāma deviam ser objeto de sua proteção e misericórdia. O Senhor Kṛṣṇa, então, louvou Akrūra como um santo e purificador dos pecadores e pediu-lhe que visitasse Hastināpura a fim de ver se os Pāṇḍavas, privados de seu pai, estavam bem. Por fim, o Senhor voltou para casa, levando Balarāma e Uddhava conSigo.
Texto
atha vijñāya bhagavān
sarvātmā sarva-darśanaḥ
sairandhryāḥ kāma-taptāyāḥ
priyam icchan gṛhaṁ yayau
Sinônimos
śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; atha — então; vijñāya — compreendendo; bhagavān — o Senhor Supremo; sarva — de todos; ātmā — a Alma; sarva — de tudo; darśanaḥ — o vidente; sairandhryāḥ — da serva, Trivakrā; kāma — pela luxúria; taptāyāḥ — perturbada; priyam — a satisfação; icchan — desejando; gṛham — à sua casa; yayau — foi.
Tradução
Śukadeva Gosvāmī disse: Em seguida, após assimilar o relatório de Uddhava, o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, a Alma onisciente de tudo o que existe, desejou satisfazer a serva Trivakrā, que estava perturbada pela luxúria. Com esse propósito, Ele foi à sua casa.
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso proporciona uma visão interessante dos passatempos do Senhor. A primeira linha diz que atha vijñāya bhagavān: “Então, o Senhor, compreendendo [o relatório de Uddhava]...” A segunda linha afirma que o Senhor Kṛṣṇa é a Alma de tudo (sarvātmā) e o vidente de tudo (sarva-darśanaḥ). Em outras palavras, apesar de, sem dúvida, não depender de relatórios falados por mensageiros, Ele faz o papel de um ser humano e ouve as notícias de um mensageiro — não por necessidade, como nós o faríamos, mas pela bem-aventurança de Seus passatempos espirituais, em um intercâmbio de amor com Seu devoto puro. A expressão sarva-darśanaḥ indica também que o Senhor compreendeu perfeitamente os sentimentos dos habitantes de Vraja e estava correspondendo com eles perfeitamente em seus corações. Agora, em Seus passatempos externos, Ele desejava abençoar Śrīmatī Trivakrā, que estava prestes a livrar-se da doença da luxúria material.
Texto
kāmopāyopabṛṁhitam
muktā-dāma-patākābhir
vitāna-śayanāsanaiḥ
dhūpaiḥ surabhibhir dīpaiḥ
srag-gandhair api maṇḍitam
Sinônimos
mahā-arha — cara; upaskaraiḥ — em mobília; āḍhyam — rica; kāma — de luxúria; upāya — com alfaias; upabṛṁhitam — repleta; muktā-dāma — com cordões de pérolas; patākābhiḥ — e flâmulas; vitāna — com dosséis; śayana — leitos; āsanaiḥ — e assentos; dhūpaiḥ — com incenso; surabhibhiḥ — fragrante; dīpaiḥ — com lamparinas de óleo; srak — com guirlandas de flores; gandaie — e pasta aromática de sândalo; api — também; maṇḍitam — decorada.
Tradução
A casa de Trivakrā estava opulentamente decorada com mobília cara e repleta de alfaias sensuais destinadas a incitar o desejo sexual. Havia flâmulas, carreiras de cordões de pérolas, dosséis, leitos e assentos finos, e também incenso fragrante, lamparinas de óleo, guirlandas de flores e pasta de sândalo aromática.
Comentário
SIGNIFICADO—Segundo Śrīdhara Svāmī, as alfaias sensuais na casa de Trivakrā incluíam pinturas de cenas de sexo explícito. Śrīla Viśvanātha Cakravartī acrescenta que sua parafernália incluía ervas afrodisíacas. Embora não fosse difícil adivinhar a intenção de Trivakrā, o Senhor Kṛṣṇa foi lá para salvá-la da existência material.
Texto
sadyaḥ samutthāya hi jāta-sambhramā
yathopasaṅgamya sakhībhir acyutaṁ
sabhājayām āsa sad-āsanādibhiḥ
Sinônimos
gṛham — a sua casa; tam — que Ele; āyāntam — chegara; avekṣya — vendo; sā — ela; āsanāt — de seu assento; sadyaḥ — de repente; samutthāya — levantando-se; hi — de fato; jāta-sambhramā — estando tomada de grande agitação; yathā — como é apropriado; upasaṅgamya — adiantando-se; sakhībhiḥ — com suas companheiras; acyutam — o Senhor Kṛṣṇa; sabhājayām āsa — saudou com respeito; sat-āsana — com um excelente assento; ādibhiḥ — e assim por diante.
Tradução
Ao ver que Ele chegara a sua casa, Trivakrā levantou-se às pressas de seu assento. Adiantando-se graciosamente com suas amigas, ela saudou com respeito o Senhor Acyuta oferecendo-Lhe um excelente assento e outros artigos de adoração.
Texto
nyaṣīdad urvyām abhimṛśya cāsanam
kṛṣṇo ’pi tūrṇaṁ śayanaṁ mahā-dhanaṁ
viveśa lokācaritāny anuvrataḥ
Sinônimos
tathā — também; uddhavaḥ — Uddhava; sādhutayā — como pessoa santa; abhipūjitaḥ — adorado; nyaṣīdat — sentou-se; urvyām — no chão; abhimṛśya — tocando; ca — e; āsanam — o assento; kṛṣṇaḥ — o Senhor Kṛṣṇa; api — e; tūrnam — sem demora; śayanam — em uma cama; mahā-dhanam — muito rica; viveśa — deitou-Se; loka — da sociedade humana; ācaritāni — os modos de comportamento; anuvrataḥ — imitando.
Tradução
Uddhava também recebeu um assento de honra, visto que era uma pessoa santa, mas ele apenas o tocou e sentou-se no chão. Então, o Senhor Kṛṣṇa, imitando as normas de conduta da sociedade humana, logo Se colocou à vontade em uma cama opulenta.
Comentário
SIGNIFICADO—De acordo com os ācāryas, Uddhava, por reverência a seu Senhor, recusou-se a sentar-se em um assento opulento na presença dEle e, em vez disso, tocou o assento com a mão e sentou-se no chão. Śrīla Viśvanātha Cakravartī acrescenta que o Senhor Kṛṣṇa pôs-Se à vontade em uma cama localizada nos aposentos internos da casa de Trivakrā.
Texto
srag-gandha-tāmbūla-sudhāsavādibhiḥ
prasādhitātmopasasāra mādhavaṁ
sa-vrīḍa-līlotsmita-vibhramekṣitaiḥ
Sinônimos
sā — ela, Trivakrā; majjana — lembrando; ālepa — ungindo; dukūla — vestindo roupas finas; bhūṣaṇa — com ornamentos; srak — guirlandas; gandha — perfume; tāmbūla — noz de bétel; sudhā-āsava — ingerindo uma bebida alcoólica aromática; ādibhiḥ — e assim por diante; prasādhita — preparado; ātmā — seu corpo; upasasāra — aproximou-se; mādhavam — do Senhor Kṛṣṇa; sa-vrīḍa — tímidos; līlā — divertidos; utsmita — de seus sorrisos; vibhrama — sedutores; īkṣitaiḥ — com olhares.
Tradução
Trivakrā preparou-se banhando e ungindo o corpo, vestindo roupas finas, pondo joias, guirlandas e perfume, e também mascando noz de bétel, tomando uma bebida alcoólica aromática e assim por diante. Ela, então, aproximou-se do Senhor Mādhava com sorrisos tímidos e divertidos e com olhares sedutores.
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso deixa claro que o procedimento que uma mulher adota para se preparar para o prazer sexual não mudou em milhares de anos.
Texto
viśaṅkitāṁ kaṅkaṇa-bhūṣite kare
pragṛhya śayyām adhiveśya rāmayā
reme ’nulepārpaṇa-puṇya-leśayā
Sinônimos
āhūya — chamando; kāntām — Sua amada; nava — novo; saṅgama — de contato; hriyā — com timidez; viśaṅkitām — temerosa; kaṅkaṇa — com pulseiras; bhūṣite — enfeitadas; kare — suas mãos; pragṛhya — segurando; śayyām — na cama; adhiveśya — colocando-a; rāmayā — com a bela jovem; reme — desfrutou; anulepa — de bálsamo; arpaṇa — a oferenda; puṇya — de piedade; leśayā — cujo único vestígio.
Tradução
Chamando Sua amada, que estava ansiosa e tímida diante da expectativa deste novo contato, o Senhor, segurando-lhe as mãos enfeitadas de pulseiras, puxou-a para a cama. Ele assim desfrutou em companhia daquela bela jovem, cujo único vestígio de piedade era o fato de ela ter oferecido bálsamo ao Senhor.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Viśvanātha Cakravartī explica que as palavras nava-saṅgama-hriyā indicam que Trivakrā de fato ainda era virgem naquela ocasião. Ela fora uma corcunda deformada, e o Senhor recentemente a transformara em uma linda jovem. Portanto, embora tivesse evidente desejo luxurioso por Śrī Kṛṣṇa, ela sentia timidez e ansiedade naturais.
Texto
jighranty ananta-caraṇena rujo mṛjantī
dorbhyāṁ stanāntara-gataṁ parirabhya kāntam
ānanda-mūrtim ajahād ati-dīrgha-tāpam
Sinônimos
sa — ela; anaṅga — por Cupido; tapta — que fazia queimar; kucayoḥ — de seus seios; urasaḥ — de seu peito; tathā — e; akṣṇoḥ — de seus olhos; jighrantī — cheirando; ananta — de Kṛṣṇa, o ilimitado Senhor Supremo; caraṇena — pelos pés; rujaḥ — a dor; mṛjantī — retirando; dorbhyām — com seus braços; stana — seus seios; antara-gatam — entre; parirabhya — abraçando; kāntam — seu amado; ānanda — de todo o êxtase; mūrtim — a manifestação pessoal; ajahāt — abandonou; ati — extremamente; dīrgha — de longa data; tāpam — sua aflição.
Tradução
Apenas por aspirar a fragrância dos pés de lótus de Kṛṣṇa, Trivakrā expurgou a ardente luxúria que o Cupido despertara em seus seios, peito e olhos. Com seus braços, ela abraçou seu amante, Śrī Kṛṣṇa, a personificação da bem-aventurança, entre seus seios e assim abandonou sua persistente aflição.
Texto
prāpya duṣprāpyam īśvaram
aṅga-rāgārpaṇenāho
durbhagedam ayācata
Sinônimos
sa — ela; evam — assim; kaivalya — da liberação; nātham — o controlador; tam — a Ele; prāpya — obtendo; duṣprāpyam — inalcançável; īśvaram — o Senhor Supremo; aṅga-rāga — bálsamo para o corpo; arpaṇena — por oferecer; aho — oh!; durbhagā — desafortunada; idam — isto; ayācata — pediu.
Tradução
Tendo assim obtido o Senhor Supremo, que é difícil de alcançar, mediante o simples ato de Lhe oferecer bálsamo para o corpo, a desafortunada Trivakrā apresentou ao Senhor da liberação o seguinte pedido.
Comentário
SIGNIFICADO—Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī, Śrīmatī Trivakrā orou ao Senhor: “Por favor, desfruta apenas comigo e não com qualquer outra mulher.” Por Kṛṣṇa não estar preparado para conceder semelhante bênção, aqui se descreve Trivakrā como desafortunada. Śrīdhara Svāmī acrescenta que, embora, aos olhos ordinários, ela parecesse estar suplicando por prazer sexual mundano, a esta altura ela de fato era uma alma liberada.
Texto
dināni katicin mayā
ramasva notsahe tyaktuṁ
saṅgaṁ te ’mburuhekṣaṇa
Sinônimos
saha — junto; uṣyatām — por favor, fica; iha — aqui; preṣṭha — ó amado; dināni — dias; katicit — alguns; mayā — comigo; ramasva — por favor, desfruta; na utsahe — não posso tolerar; tyaktum — deixar; saṅgam — companhia; te — Tua; amburuha-īkṣaṇa — ó pessoa de olhos de lótus.
Tradução
[Trivakrā disse:] Ó amado, por favor, fica aqui comigo mais alguns dias e desfruta. Não posso tolerar ficar sem Tua companhia, ó pessoa de olhos de lótus!
Comentário
SIGNIFICADO—A palavra ambu quer dizer “água”, e ruha quer dizer “que se ergue”. Logo, amburuha quer dizer “a flor de lótus, que se ergue da água”. O Senhor Kṛṣṇa é chamado de amburuhekṣaṇa, “pessoa de olhos de lótus”. Ele é a fonte e personificação de toda a beleza, e é natural que Trivakrā se sentisse atraída por Ele. Todavia, a beleza do Senhor é espiritual e pura, e Sua intenção não era Se deleitar com Trivakrā, mas sim levá-la ao ponto da existência espiritual pura, a consciência de Kṛṣṇa.
Texto
mānayitvā ca māna-daḥ
sahoddhavena sarveśaḥ
sva-dhāmāgamad ṛddhimat
Sinônimos
tasyai — a ela; kāma — do desejo material; varam — sua bênção; dattvā — concedendo; mānayitvā — mostrando respeito por ela; ca — e; māna-daḥ — Ele que dá respeito aos outros; saha uddhavena — junto com Uddhava; sarva-īśaḥ — o Senhor de todos os seres; sva — a Sua própria; dhāma — residência; agamat — foi; ṛddhi-mat — sumamente opulenta.
Tradução
Prometendo-lhe satisfazer esse seu desejo luxurioso, o atencioso Kṛṣṇa, Senhor de todos os seres, apresentou Seus respeitos a Trivakrā e, então, regressou com Uddhava para Sua própria opulentíssima residência.
Comentário
SIGNIFICADO—Todos os ācāryas concordam que as palavras kāma-varaṁ dattvā indicam que o Senhor Kṛṣṇa prometeu a Trivakrā que Ele satisfaria os desejos luxuriosos dela.
Texto
viṣṇuṁ sarveśvareśvaram
yo vṛṇīte mano-grāhyam
asattvāt kumanīṣy asau
Sinônimos
durārādhyam — raramente adorado; samārādhya — adorando plenamente; viṣṇum — ao Senhor Viṣṇu; sarva — de todos; īśvara — os controladores; īśvaram — o controlador supremo; yaḥ — que; vṛṇīte — escolhe como bênção; manaḥ — à mente; grāhyam — aquilo que é acessível, isto é, o gozo dos sentidos; asattvāt — por causa de sua insignificância; kumanīṣī — ininteligente; asau — aquela pessoa.
Tradução
O Senhor Viṣṇu, o Senhor Supremo de todos os senhores, é, em geral, difícil de alcançar. Quem O adora de modo conveniente e depois escolhe a bênção do gozo mundano dos sentidos é, sem dúvida, possuidor de uma pobre inteligência, pois se satisfaz com um resultado insignificante.
Comentário
SIGNIFICADO—Os comentários dos ācāryas deixam claro que a história de Trivakrā deve ser entendida em dois níveis. Por um lado, entende-se que ela é uma alma liberada, companheira direta do Senhor e participante de Seus passatempos. Por outro lado, sua conduta tem a nítida finalidade de ensinar uma lição sobre o que não se deve fazer com relação ao Senhor Kṛṣṇa. Visto que todos os passatempos do Senhor são não apenas bem-aventurados, mas também didáticos, não há nenhuma verdadeira contradição neste passatempo, pois a pureza de Trivakrā e seu mau exemplo acontecem em dois níveis distintos. Arjuna, da mesma forma, é considerado um devoto puro, mas, por sua desobediência inicial à instrução de Kṛṣṇa de que lutasse, ele também mostrou um exemplo do que não se deve fazer. Tais “maus exemplos”, contudo, têm sempre um final feliz na bem-aventurada associação com a Verdade Absoluta, Śrī Kṛṣṇa.
Texto
saha-rāmoddhavaḥ prabhuḥ
kiñcic cikīrṣayan prāgād
akrūra-priya-kāmyayā
Sinônimos
akrūra-bhavanam — o lar de Akrūra; kṛṣṇaḥ — Kṛṣṇa; saha — com; rāma-uddhavaḥ — o Senhor Balarāma e Uddhava; prabhuḥ — o Senhor Supremo; kiñcit — algo; cikīrṣayan — querendo ter feito; prāgāt — foi; akrūra — de Akrūra; priya — a satisfação; kāmyayā — desejando.
Tradução
Então, o Senhor Kṛṣṇa, querendo fazer algumas coisas, foi à casa de Akrūra com Balarāma e Uddhava. O Senhor também desejava satisfazer Akrūra.
Comentário
SIGNIFICADO—O incidente anterior da visita do Senhor Kṛṣṇa à casa de Trivakrā e agora esta visita a Akrūra dão um vislumbre fascinante sobre as atividades diárias de Śrī Kṛṣṇa na cidade de Mathurā.
Texto
ārād vīkṣya sva-bāndhavān
pratyutthāya pramuditaḥ
pariṣvajyābhinandya ca
sa tair apy abhivāditaḥ
pūjayām āsa vidhi-vat
kṛtāsana-parigrahān
Sinônimos
saḥ — ele (Akrūra); tān — a eles (Kṛṣṇa, Balarāma e Uddhava); nara-vara — de personalidades ilustres; śreṣṭhān — as maiores; ārāt — à distância; vīkṣya — vendo; sva — dele (Akrūra); bāndhavān — parentes; pratyutthāya — levantando-se; pramuditaḥ — alegre; pariṣvajya — abraçando; abhinandya — saudando; ca — e; nanāma — prostrou-se; kṛṣṇam rāmam ca — ao Senhor Kṛṣṇa e ao Senhor Balarāma; saḥ — ele; taiḥ — por Eles; api — e; abhivāditaḥ — saudado; pūjayām āsa — adorou; vidhi-vat — segundo os preceitos das escrituras; kṛta — que tinham feito; āsana — de assentos; parigrahān — aceitação.
Tradução
Quando Akrūra viu seus próprios parentes, que eram as maiores das personalidades sublimes, vindo à distância, ele se levantou com grande alegria. Após abraçá-los e saudá-los, Akrūra prostrou-se diante de Kṛṣṇa e Balarāma e foi, por sua vez, saudado por Eles. Então, depois que seus hóspedes haviam sentado, ele os adorou de acordo com as regras das escrituras.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī salienta que o Senhor Śrī Kṛṣṇa e os outros aproximaram-se de Akrūra com uma atitude amigável. Primeiro, Akrūra correspondeu como amigo, mas depois, enquanto lhes mostrava hospitalidade, adotou sua natural atitude de devoção ao Senhor e, assim, ofereceu reverências a Śrī Kṛṣṇa e a Śrī Balarāma.
Texto
dhārayan śirasā nṛpa
arhaṇenāmbarair divyair
gandha-srag-bhūṣaṇottamaiḥ
pādāv aṅka-gatau mṛjan
praśrayāvanato ’krūraḥ
kṛṣṇa-rāmāv abhāṣata
Sinônimos
pāda — os pés dEles; avanejanīḥ — usada para banhar; ā — toda; āpaḥ — a água; dhārayan — pondo; śirasā — em sua cabeça; nṛpa — ó rei (Parīkṣit); arhaṇena — com presentes; ambaraiḥ — roupas; divyaiḥ — celestiais; gandha — pasta de sândalo perfumada; srak — guirlandas de flores; bhūṣaṇa — e ornamentos; uttamaiḥ — excelentes; arcitvā — adorando; śirasā — com a cabeça; ānamya — prostrando-se; pādau — os pés (do Senhor Kṛṣṇa); aṅka — em seu colo; gatau — colocados; mṛjan — massageando; praśraya — com humildade; avanataḥ — de cabeça baixa; akrūraḥ — Akrūra; kṛṣṇa-rāmau — a Kṛṣṇa e Balarāma; abhāṣata — disse.
Tradução
Ó rei, Akrūra banhou os pés do Senhor Kṛṣṇa e do Senhor Balarāma e, em seguida, despejou a água em sua cabeça. Presenteou-Os com roupas finas, pasta de sândalo aromática, guirlandas de flores e joias excelentes. Depois de adorar assim os dois Senhores, ele prostrou a cabeça no chão. Então, pôs-se a massagear os pés do Senhor Kṛṣṇa, colocando-os em seu colo, e, de cabeça baixa em sinal de humildade, dirigiu-se a Kṛṣṇa e Balarāma com as seguintes palavras.
Texto
sānugo vām idaṁ kulam
bhavadbhyām uddhṛtaṁ kṛcchrād
durantāc ca samedhitam
Sinônimos
diṣṭyā — por boa fortuna; pāpaḥ — o pecador, hataḥ — morto; kaṁsaḥ — Kaṁsa; sa-anugaḥ — junto com seus irmãos e outros seguidores; vām — Vossa; idam — esta; kulam — dinastia; bhavadbhyām — por Vós dois; uddhṛtam — salva; kṛcchrāt — de dificuldade; durantāt — interminável; ca — e; samedhitam — tornada próspera.
Tradução
[Akrūra disse:] É nossa boa fortuna que Vós, ó Senhores, matastes o perverso Kaṁsa e seus seguidores, assim poupando de interminável sofrimento a Vossa dinastia e trazendo-lhes a prosperidade.
Texto
jagad-dhetū jagan-mayau
bhavadbhyāṁ na vinā kiñcit
param asti na cāparam
Sinônimos
yuvām — Vós ambos; pradhāna-puruṣau — as pessoas originais; jagat — do universo; hetū — as causas; jagat-mayau — idênticos ao universo; bhavadbhyām — de Vós; na — não; vinā — separado de; kiñcit — nada; param — causa; asti — há; na ca — nem; aparam — produto.
Tradução
Vós ambos sois a Pessoa Suprema original, a causa do universo e sua própria substância. Nem a mais ínfima causa sutil ou produto manifesto da criação existe à parte de Vós.
Comentário
SIGNIFICADO—Depois de louvar Kṛṣṇa e Balarāma por terem salvado Sua dinastia, Akrūra agora aponta que o Senhor, em verdade, não tem nenhuma conexão mundana com qualquer instituição política ou social. Ele é a Personalidade de Deus original, executando Seus passatempos para o benefício do universo inteiro.
Texto
anvāviśya sva-śaktibhiḥ
īyate bahudhā brahman
śruta-pratyakṣa-gocaram
Sinônimos
ātma-sṛṣṭam — criado por Vós; idam — este; viśvam — universo; anvāviśya — entrando em seguida; sva — com Vossas próprias; śaktibhiḥ — energias; īyate — sois percebido; bahudhā — de muitas maneiras; brahman — ó Supremo; śruta — por ouvir a escritura; pratyakṣa — e pela percepção direta; gocaram — cognoscível.
Tradução
Ó Suprema Verdade Absoluta, com Vossas energias pessoais, criais este universo e, então, entrais nele. Desse modo, pode-se perceber-Vos em muitas formas diferentes tanto pelo processo de ouvir as autoridades quanto pela experiência direta.
Comentário
SIGNIFICADO—A concordância gramatical de śruta-pratyakṣa-gocaram, no gênero neutro, com ātma-sṛṣṭam idaṁ viśvam indica que o Senhor Supremo, por entrar em Sua criação com Suas potências, torna-Se perceptível dentro do universo. Em todo o Bhāgavatam e em outros textos védicos autorizados, frequentemente encontramos descrições da supremacia do Senhor sobre todas as outras coisas e de Sua identidade simultânea com elas. Fazendo uso da razão, não podemos chegar a nenhuma outra conclusão acerca da literatura védica senão a que Śrī Caitanya Mahāprabhu pregou com muito vigor: acintya-bhedābheda-tattva. Isto é, a Verdade Absoluta é maior do que tudo e distinta de tudo (pois é o onipotente criador e controlador de tudo) e, ao mesmo tempo, é una com tudo (pois tudo o que existe é a expansão de Seu próprio poder).
Através destes capítulos do Śrīmad-Bhāgavatam, também observamos um dos aspectos extraordinários e singulares desta magnífica obra. Quer Kṛṣṇa esteja enviando Sua mensagem às gopīs, quer esteja aceitando as preces de Akrūra, sempre ocorre alguma discussão filosófica. Em todo o Bhāgavatam, a combinação permanente de passatempos fascinantes com persistente filosofia espiritual é uma característica extraordinária. Temos permissão de vislumbrar e até mesmo saborear as emoções espirituais do Senhor e de Seus companheiros liberados, e ainda somos constantemente lembrados da posição ontológica deles para que não caiamos em uma visão antropomórfica barata. Logo, está em total harmonia com o caráter da obra o fato de Akrūra, em seu êxtase, glorificar o Senhor com precisas preces filosóficas.
Texto
mahy-ādayo yoniṣu bhānti nānā
evaṁ bhavān kevala ātma-yoniṣv
ātmātma-tantro bahudhā vibhāti
Sinônimos
yathā — assim como; hi — de fato; bhūteṣu — entre seres manifestos; cara — móveis; acareṣu — e inertes; mahī-ādayaḥ — terra e assim por diante (os elementos primários da criação); yoniṣu — em espécies; bhānti — manifestam-se; nānā — variadamente; evam — assim; bhavān — Vós; kevalaḥ — um só; ātma — Vós mesmo; yoniṣu — naqueles cuja fonte; ātmā — a Alma Suprema; ātma-tantraḥ — autoconfiante; bahudhā — múltiplo; vibhāti — pareceis.
Tradução
Assim como os elementos primários – terra e assim por diante – manifestam-se em abundante variedade entre todas as espécies de vida móvel e inerte; da mesma maneira, Vós, o Espírito Supremo, único e independente, pareceis ser múltiplo entre os variados objetos de Vossa criação.
Texto
rajas-tamaḥ-sattva-guṇaiḥ sva-śaktibhiḥ
na badhyase tad-guṇa-karmabhir vā
jñānātmanas te kva ca bandha-hetuḥ
Sinônimos
sṛjasi — criais; atha u — e então; lumpasi — destruís; pāsi — protegeis; viśvam — o universo; rajaḥ — conhecido como paixão; tamaḥ — ignorância; sattva — e bondade; guṇaiḥ — pelos modos; sva-śaktibhiḥ — Vossas potências pessoais; na badhyase — não ficais atado; tat — neste mundo; guṇa — pelos modos; karmabhiḥ — pelas atividades materiais; vā — ou; jñāna-ātmanaḥ — que sois o próprio conhecimento; te — para Vós; kva ca — onde; bandha — do cativeiro; hetuḥ — causa.
Tradução
Vós criais, destruís e ainda mantendes este universo com Vossas energias pessoais – os modos da paixão, ignorância e bondade –, mas nunca Vos enredais nesses modos ou nas atividades que eles geram. Visto que sois a fonte original de todo o conhecimento, o que poderia fazer com que a ilusão Vos atasse em algum momento?
Comentário
SIGNIFICADO—A frase jñānātmanas te kva ca bandha-hetuḥ: “Visto que sois constituído de conhecimento, o que poderia ser causa de cativeiro para Vós”, indica definitivamente o óbvio, isto é, indica que o onisciente Deus Supremo jamais Se ilude. Portanto, refuta-se aqui nas páginas do Śrīmad-Bhāgavatam a teoria impersonalista de que todos somos Deus, mas nos esquecemos disso e agora estamos em ilusão.
Texto
bhavo na sākṣān na bhidātmanaḥ syāt
ato na bandhas tava naiva mokṣaḥ
syātām nikāmas tvayi no ’vivekaḥ
Sinônimos
deha — do corpo; ādi — etc.; upādheḥ — como coberturas materiais designativas; anirūpitatvāt — por não serem determinadas; bhavaḥ — nascimento; na — não; sākṣāt — literal; na — nem; bhidā — dualidade; ātmanaḥ — para a Alma Suprema; syāt — existe; ataḥ — portanto; na — nenhum; bandhaḥ — cativeiro; tava — Vosso; na eva — nem, de fato; mokṣaḥ — liberação; syātām — se ocorrem; nikāmaḥ — por Vosso livre-arbítrio; tvayi — quanto a Vós; naḥ — nossa; avivekaḥ — discriminação errônea.
Tradução
Já que nunca se demonstrou que sois coberto por designações corpóreas materiais, deve-se concluir que, para Vós, não existem nem nascimento em sentido literal nem dualidade alguma. Portanto, jamais Vos sujeitais a cativeiro ou liberação, e, se pareceis fazê-lo, é só porque desejais que Vos vejamos assim, ou apenas porque carecemos de discriminação.
Comentário
SIGNIFICADO—Aqui, Akrūra declara duas razões por que o Senhor parece estar coberto por uma forma material ou parece nascer como um ser humano. A primeira razão é que, quando o Senhor Kṛṣṇa realiza Seus passatempos, Seus devotos amorosos pensam nEle como seu amado filho, amigo, amante etc. No êxtase desse intercâmbio amoroso, eles não pensam em Kṛṣṇa como Deus. Por exemplo, devido a seu extraordinário amor por Ele, mãe Yaśodā se preocupa por pensar que Kṛṣṇa poderá Se machucar na floresta. Ela se sentir desse modo é o desejo do Senhor, o que, nesta passagem, é indicado pela palavra nikāmaḥ. A segunda razão que leva o Senhor a poder parecer material é indicada pela palavra avivekaḥ: apenas por ignorância, falta de discriminação, podemos entender erroneamente a posição da Personalidade de Deus. No décimo primeiro canto do Bhāgavatam, no diálogo filosófico entre o Senhor Kṛṣṇa e Śrī Uddhava, o Senhor discute em pormenores Sua posição transcendental, além do cativeiro e da liberação. Como se afirma na literatura védica, deha-dehi-vibhago yaṁ neśvare vidyate kvacit: “Jamais existe distinção entre corpo e alma no Senhor Supremo.” Em outras palavras, o corpo de Śrī Kṛṣṇa é eterno, espiritual, onisciente e o reservatório de todo o prazer.
Texto
yadā yadā veda-pathaḥ purāṇaḥ
bādhyeta pāṣaṇḍa-pathair asadbhis
tadā bhavān sattva-guṇaṁ bibharti
Sinônimos
tvayā — por Vós; uditaḥ — enunciado; ayam — isto; jagataḥ — do universo; hitāya — para o benefício; yadā yadā — sempre que; veda — das escrituras védicas; pathaḥ — o caminho (da religiosidade); purāṇaḥ — antigo; bādhyeta — é obstruído; pāṣaṇḍa — do ateísmo; pathaiḥ — por aqueles que seguem o caminho; asadbhiḥ — pessoas malévolas; tadā — nesse momento; bhavān — Vós; sattva-guṇam — o modo da bondade pura; bibharti — assumis.
Tradução
Originalmente, enunciastes o milenar caminho religioso dos Vedas para o benefício de todo o universo. Sempre que esse caminho é obstruído por pessoas malévolas que trilham o caminho do ateísmo, assumis uma de Vossas encarnações, que estão todas no transcendental modo da bondade.
Texto
svāṁśena bhāram apanetum ihāsi bhūmeḥ
akṣauhiṇī-śata-vadhena suretarāṁśa-
rājñām amuṣya ca kulasya yaśo vitanvan
Sinônimos
saḥ — Ele; tvam — Vós; prabho — ó amo; adya — agora; vasudeva-gṛhe — no lar de Vasudeva; avatīrṇaḥ — descendestes; sva — com Vossa própria; aṁśena — expansão direta (o Senhor Balarāma); bharam — o fardo; apanetum — para retirar; iha — aqui; asi — estais; bhūmeḥ — da terra; akṣauhiṇī — de exércitos; śata — centenas; vadhena — por exterminar; sura-itara — dos oponentes dos semideuses; aṁśa — que são expansões; rājñām — dos reis; amuṣya — desta; ca — e; kulasya — dinastia (dos descendentes de Yadu); yaśaḥ — a fama; vitanvan — difundindo.
Tradução
Sois esta mesma Pessoa Suprema, meu Senhor, e agora aparecestes no lar de Vasudeva com Vossa porção plenária. Fizestes isso para aliviar o fardo da Terra através do extermínio de centenas de exércitos conduzidos por reis que são expansões dos inimigos dos semideuses, e também para difundir a fama de nossa dinastia.
Comentário
SIGNIFICADO—O termo suretarāṁśa-rājñām indica que os reis demoníacos mortos por Kṛṣṇa eram, na verdade, expansões ou encarnações dos inimigos dos semideuses. Esse fato é explicado em pormenores no Mahābhārata, que revela as identidades específicas dos reis demoníacos.
Texto
yaḥ sarva-deva-pitṛ-bhūta-nṛ-deva-mūrtiḥ
yat-pāda-śauca-salilaṁ tri-jagat punāti
sa tvaṁ jagad-gurur adhokṣaja yāḥ praviṣṭaḥ
Sinônimos
adya — hoje; īśa — ó Senhor; naḥ — nossa; vasatayaḥ — residência; khalu — de fato; bhūri — extremamente; bhāgāḥ — afortunada; yaḥ — que; sarva-deva — o Senhor Supremo; pitṛ — os antepassados; bhūta — todas as criaturas vivas; nṛ — seres humanos; deva — e os semideuses; mūrtiḥ — que engloba; yat — cujos; pāda — pés; śauca — que lava; salilam — a água (do rio Ganges); tri-jagat — os três mundos; punāti — purifica; saḥ — Ele; tvam — Vós; jagat — do universo; guruḥ — o mestre espiritual; adhokṣaja — ó Vós que estais além do alcance dos sentidos materiais; yāḥ — que; praviṣṭaḥ — tendo entrado.
Tradução
Hoje, ó Senhor, meu lar tornou-se afortunadíssimo porque entrastes nele. Sendo a Verdade Suprema, englobais em Vós os antepassados, as criaturas comuns, os seres humanos e os semideuses, e a água que lava Vossos pés purifica os três mundos. Em verdade, ó pessoa transcendente, sois o mestre espiritual do universo.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Śrīdhara Svāmī interpreta belamente os sentimentos de Akrūra da seguinte maneira:
Akrūra disse: “Meu Senhor, embora eu seja um pai de família, hoje meu lar tornou-se mais piedoso do que as florestas onde os sábios praticam austeridades. Por quê? Apenas porque entrastes em minha casa. De fato, sois a personificação das deidades que regem os cinco sacrifícios que o pai de família deve praticar diariamente para expiar a inevitável violência cometida contra os seres vivos no lar. Sois a verdade espiritual que se encontra por trás de todas essas criações, e agora entrastes em meu lar.”
Os cinco sacrifícios diários prescritos para um pai de família são: 1) sacrifício ao Brahman através do estudo dos Vedas, 2) sacrifício aos antepassados através de oferendas feitas a eles, 3) sacrifício a todas as criaturas através da renúncia a uma parte das refeições, 4) sacrifício aos seres humanos através do oferecimento de hospitalidade, e 5) sacrifício aos semideuses através da execução de sacrifícios de fogo e assim por diante.
Texto
bhakta-priyād ṛta-giraḥ suhṛdaḥ kṛta-jñāt
sarvān dadāti suhṛdo bhajato ’bhikāmān
ātmānam apy upacayāpacayau na yasya
Sinônimos
kaḥ — que; paṇḍitaḥ — erudito; tvat — senão a Vós; aparam — a outro; śaraṇam — em busca de refúgio; samīyāt — iria; bhakta — a Vossos devotos; priyāt — afetuoso; na — sempre verdadeiras; giraḥ — cujas palavras; suhṛdaḥ — o benquerente; kṛta-jñāt — grato; sarvān — todos; dadāti — dais; suhṛdaḥ — a Vossos devotos benquerentes; bhajataḥ — que se ocupam em Vos adorar; abhikāmān — desejos; ātmānam — Vós mesmo; api — até; upacayau — aumento; apacayau — ou diminuição; na — nunca; yasya — de quem.
Tradução
Que pessoa erudita se aproximaria de alguém que não Vós em busca de refúgio, visto que sois o afetuoso, grato e verdadeiro benquerente de Vossos devotos? Àqueles que Vos adoram com amizade sincera, outorgais tudo o que eles desejam, até a Vós mesmo, apesar do que nunca aumentais nem diminuís.
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso descreve tanto o Senhor quanto Seus devotos como suhṛdaḥ, “benquerentes”. O Senhor é o benquerente de Seu devoto, e o devoto amorosamente deseja toda a felicidade para o Senhor. Mesmo neste mundo, um excesso de amor pode às vezes gerar uma solicitude desnecessária. Por exemplo, muitas vezes observamos que a preocupação amorosa de uma mãe por seu filho adulto nem sempre se justifica por um perigo real para o filho. O filho adulto pode ser rico, competente e saudável, e, mesmo assim, o cuidado amoroso da mãe continua. De forma semelhante, o devoto puro sempre sente uma preocupação amorosa pelo Senhor Kṛṣṇa, como o exemplifica mãe Yaśodā, que só conseguia pensar em Kṛṣṇa como seu belo filho.
O Senhor Kṛṣṇa prometera a Akrūra que, após matar Kaṁsa, visitaria sua casa, e agora o Senhor cumpriu Sua promessa. Akrūra reconhece isso e glorifica o Senhor como ṛta-giraḥ, “aquele que é fiel à Sua palavra”. O Senhor é kṛta-jña, grato por qualquer pequena adoração que o devoto ofereça, e mesmo que o devoto esqueça, o Senhor não Se esquece.
Texto
yogeśvarair api durāpa-gatiḥ sureśaiḥ
chindhy āśu naḥ suta-kalatra-dhanāpta-geha-
dehādi-moha-raśanāṁ bhavadīya-māyām
Sinônimos
diṣṭyā — por fortuna; janārdana — ó Kṛṣṇa; bhavān — Vós; iha — aqui; naḥ — por nós; pratītaḥ — perceptível; yoga-īśvaraiḥ — pelos mestres do yoga místico; api — mesmo; durāpa-gatiḥ — uma meta difícil de alcançar; sura-īśaiḥ — e pelos governantes dos semideuses; chindhi — por favor, cortai; āśu — rapidamente; naḥ — nossas; suta — pelos filhos; kalatra — esposa; dhana — riqueza; āpta — amigos dignos; geha — lar; deha — corpo; ādi — e assim por diante; moha — do delírio; raśanām — cordas; bhavadīya — Vossa própria; māyām — energia material ilusória.
Tradução
É por nossa grande fortuna, Janārdana, que agora estais visível ante nós, pois até mesmo os mestres do yoga e os principais semideuses só podem alcançar esta meta mediante enorme dificuldade. Por favor, cortai logo as cordas de nosso apego ilusório a filhos, esposa, riqueza, amigos influentes, lar e corpo. Todo este apego não passa do efeito de Vossa energia material ilusória.
Texto
bhaktena bhagavān hariḥ
akrūraṁ sa-smitaṁ prāha
gīrbhiḥ sammohayann iva
Sinônimos
iti — assim; arcitaḥ — adorado; saṁstutaḥ — glorificado profusamente; ca — e; bhaktena — por Seu devoto; bhagavān — o Senhor Supremo; hariḥ — Kṛṣṇa; akrūram — a Akrūra; sa-smitam — sorrindo; prāha — Ele falou; gīrbhiḥ — com Suas palavras; sammohayan — encantando completamente; iva — quase.
Tradução
[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Dessa maneira, adorado e glorificado plenamente por Seu devoto, o Supremo Senhor Hari, com um sorriso, dirigiu-Se a Akrūra, encantando-o por completo com Suas palavras.
Texto
tvaṁ no guruḥ pitṛvyaś ca
ślāghyo bandhuś ca nityadā
vayaṁ tu rakṣyāḥ poṣyāś ca
anukampyāḥ prajā hi vaḥ
Sinônimos
śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; tvam — tu; naḥ — Nosso; guruḥ — mestre espiritual; pitṛvyaḥ — tio paterno; ca — e; ślāghyaḥ — louvável; bandhuḥ — amigo; ca — e; nityadā — sempre; vayam — Nós; tu — por outro lado; rakṣyāḥ — que devem ser protegidos; poṣyāḥ — que devem ser mantidos; ca — e; anukampyāḥ — aos quais se deve mostrar compaixão; prajāḥ — dependentes; hi — de fato; vaḥ — teus.
Tradução
O Senhor Supremo disse: És Nosso mestre espiritual, tio paterno e amigo louvável, e somos como teus filhos, sempre dependentes de tua proteção, sustento e compaixão.
Texto
niṣevyā arha-sattamāḥ
śreyas-kāmair nṛbhir nityaṁ
devāḥ svārthā na sādhavaḥ
Sinônimos
bhavat-vidhāḥ — semelhantes a ti; mahā-bhāgāḥ — eminentíssimos; niṣevyāḥ — dignos de serem servidos; arha — daqueles que são adoráveis; sat-tamāḥ — os mais santos; śreyaḥ — o bem supremo; kāmaiḥ — que desejam; nṛbhiḥ — por homens; nityam — sempre; devaḥ — os semideuses; sva-arthāḥ — preocupados com o próprio interesse; na — não assim; sādhavaḥ — devotos santos.
Tradução
Almas sublimes como tu são aqueles a quem realmente devemos servir e as mais adoráveis autoridades para quem deseja o bem supremo na vida. Os semideuses costumam se preocupar com seus interesses pessoais, mas os devotos santos nunca procedem assim.
Comentário
SIGNIFICADO—Enquanto os semideuses podem conceder benefícios materiais, os santos devotos do Senhor têm o poder de conceder a verdadeira perfeição da vida: a consciência de Kṛṣṇa. Por isso, o Senhor Kṛṣṇa reforça a atitude respeitosa que adotou aqui para com Seu tio Akrūra.
Texto
na devā mṛc-chilā-mayāḥ
te punanty uru-kālena
darśanād eva sādhavaḥ
Sinônimos
na — não; hi — de fato; ap-mayāni — feitos de água; tīrthāni — lugares santos; na — não é este o caso; devāḥ — deidades; mṛt — de terra; śilā — e pedra; mayāḥ — feitas; te — eles; punanti — purificam; uru-kālena — depois de muito tempo; darśanāt — por serem vistos; eva — só; sādhavaḥ — os santos.
Tradução
Ninguém pode negar que existem lugares santos com rios sagrados nem que os semideuses aparecem em formas de deidades feitas de terra e pedra. Mas estes purificam a alma apenas depois de muito tempo, ao passo que as pessoas santas purificam só pelo fato de serem vistas.
Texto
śreyān śreyaś-cikīrṣayā
jijñāsārthaṁ pāṇḍavānāṁ
gacchasva tvaṁ gajāhvayam
Sinônimos
saḥ — aquela pessoa; bhavān — tu; suhṛdām — dos benquerentes; vai — com certeza; naḥ — Nosso; śreyān — o melhor; śreyaḥ — o seu bem-estar; cikīrṣayā — desejando providenciar; jijñāsā — investigação; artham — em prol de; pāṇḍavānām — sobre os filhos de Pāṇḍu; gacchasva — por favor, vai; tvam — tu; gaja-āhvayam — a Gajāhvaya (Hastināpura, a capital da dinastia Kuru).
Tradução
És de fato o melhor de Nossos amigos, então, por favor, vai até Hastināpura e, como o benquerente dos Pāṇḍavas, procura saber como eles estão passando.
Comentário
SIGNIFICADO—Em sânscrito, pode-se entender o imperativo “vai” de duas maneiras: gacchasva ou gaccha. No segundo caso, a palavra que sucede gaccha, isto é, sva, que se encontra no caso vocativo, indica que Kṛṣṇa Se dirige a Akrūra como “Nosso próprio”. Isso se refere ao íntimo relacionamento do Senhor Kṛṣṇa com Seu tio.
Texto
saha mātrā su-duḥkhitāḥ
ānītāḥ sva-puraṁ rājñā
vasanta iti śuśruma
Sinônimos
pitari — o pai deles; uparate — quando faleceu; bālāḥ — rapazes; saha — junto de; mātrā — a mãe deles; su — muito; duḥkhitāḥ — aflita; ānītāḥ — levados; sva — a sua; puram — cidade capital; rājñā — pelo rei; vasante — estão residindo; iti — assim; śuśruma — ouvimos.
Tradução
Ouvimos dizer que, quando o pai dos jovens Pāṇḍavas faleceu, o rei Dhṛtarāṣṭra levou-os, junto com a angustiada mãe deles, para a capital e que agora eles estão morando lá.
Texto
bhrātṛ-putreṣu dīna-dhīḥ
samo na vartate nūnaṁ
duṣputra-vaśa-go ’ndha-dṛk
Sinônimos
teṣu — para com eles; rājā — o rei (Dhṛtarāṣṭra); ambikā — de Ambikā; putraḥ — o filho; bhrātṛ — de seu irmão; putreṣu — para com os filhos; dīna-dhīḥ — cuja mente é fraca; samaḥ — igualmente disposto; na vartate — não é; nūnam — decerto; duḥ — perversos; putra — de seus filhos; vaśa-gaḥ — sob o controle; andha — cega; dṛk — cuja visão.
Tradução
De fato, o influenciável Dhṛtarāṣṭra, filho de Ambikā, caiu sob o controle de seus perversos filhos, de modo que aquele rei cego não está tratando com imparcialidade os filhos de seu irmão.
Texto
adhunā sādhv asādhu vā
vijñāya tad vidhāsyāmo
yathā śaṁ suhṛdāṁ bhavet
Sinônimos
gaccha — vai; jānīhi — fica sabendo; tat — dele (Dhṛtarāṣṭra); vṛttam — atividade; adhunā — no presente; sādhu — boa; asādhu — má; vā — ou; vijñāya — sabendo; tat — isto; vidhāsyāmaḥ — faremos arranjos; yathā — de modo que; śam — o benefício; suhṛdām — de Nossos queridos; bhavet — haja.
Tradução
Vai e averigua se Dhṛtarāṣṭra está agindo bem ou não. Quando descobrirmos o que se passa, faremos os necessários arranjos para ajudar Nossos queridos amigos.
Texto
bhagavān harir īśvaraḥ
saṅkarṣaṇoddhavābhyāṁ vai
tataḥ sva-bhavanaṁ yayau
Sinônimos
iti — com essas palavras; akrūram — a Akrūra; samādiśya — dando instruções completas; bhagavān — a Personalidade de Deus; hariḥ īśvaraḥ — o Senhor Hari; saṅkarṣaṇa — com o Senhor Balarāma; uddhavābhyām — e Uddhava; vai — de fato; tataḥ — então; sva — a Sua própria; bhavanam — residência; yayau — foi.
Tradução
[Śukadeva Gosvāmī continuou:] Depois de apresentar instruções completas a Akrūra, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, regressou à Sua residência, acompanhado pelo Senhor Saṅkarṣaṇa e Uddhava.
Comentário
Neste ponto, encerram-se os significados apresentados pelos humildes servos de Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda referentes ao décimo canto, quadragésimo oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Kṛṣṇa Satisfaz Seus Devotos”.