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Capítulo Dezessete

Os Passatempos do Senhor Caitanya Mahāprabhu em Sua juventude

Este capítulo dezessete, como é resumido por Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura em seu Amṛta-pravāha-bhāṣya, descreve os passatempos do Senhor Caitanya Mahāprabhu desde Seus dezesseis anos até a época em que Ele aceitou a ordem de vida renunciada. Śrīla Vṛndāvana Dāsa Ṭhākura já descreveu vividamente esses passatempos no Caitanya-bhāgavata. Portanto, Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī descreve-os apenas brevemente. No entanto, vamos encontrar neste capítulo descrições vívidas de algumas partes de Seus passatempos, pois Vṛndāvana Dāsa Ṭhākura não as descreveu exaustivamente.

Neste capítulo, encontraremos descrições do festival de distribuição de manga e das conversas do Senhor Caitanya com Chand Kazi. Finalmente, o capítulo mostra que o mesmo filho de mãe Yaśodā, o Senhor Kṛṣṇa, saboreou quatro doçuras transcendentais de serviço devocional em Sua forma de Śacīnandana, o filho de mãe Śacī. Para entender o amor extático de Śrīmatī Rādhārāṇī por Ele, o Senhor Śrī Kṛṣṇa assumiu a forma do Senhor Caitanya Mahāprabhu. Considera-se a atitude de Śrīmatī Rādhārāṇī como a atitude devocional sobreexcelente. Como Caitanya Mahāprabhu, o próprio Kṛṣṇa assumiu a posição de Śrīmatī Rādhārāṇī para saborear a condição extática dEla. Ninguém mais poderia fazer isso.

Quando Śrī Kṛṣṇa assumiu a forma de quatro braços, Nārāyaṇa, as gopīs prestaram-Lhe suas reverências, mas não ficaram muito interessadas nEle. No amor extático das gopīs, ficam rejeitadas todas as formas adoráveis, exceto Kṛṣṇa. Entre todas as gopīs, Śrīmatī Rādhārāṇī tem o amor extático supremo. Quando Kṛṣṇa, em Sua forma de Nārāyaṇa, viu Rādhārāṇī, Ele não conseguiu manter Sua posição de Nārāyaṇa, e novamente assumiu a forma de Kṛṣṇa.

O rei de Vrajabhūmi é Nanda Mahārāja, e a mesma pessoa em Navadvīpa é Jagannātha Miśra, o pai de Caitanya Mahāprabhu. De modo similar, mãe Yaśodā é a rainha de Vrajabhūmi e, nos passatempos do Senhor Caitanya, ela é Śacīmātā. Portanto, o filho de Śacī é o filho de Yaśodā. Śrī Nityānanda ocupa uma posição extática de amor paternal em servidão e atração fraternal. Śrī Advaita Prabhu manifesta tanto o êxtase de fraternidade quanto o de servo. Todos os outros associados do Senhor, situados em seu amor original, dedicam-se a servir o Senhor Caitanya Mahāprabhu.

A mesma Verdade Absoluta que Se diverte como Kṛṣṇa, Śyāmasundara, que toca Sua flauta e dança com as gopīs, nasce às vezes em família de brāhmaṇas e faz o papel de Śrī Caitanya Mahāprabhu, aceitando a ordem de vida renunciada. Parece contraditório que o mesmo Kṛṣṇa tivesse aceitado o êxtase das gopīs, e, naturalmente, é muito difícil que uma pessoa comum entenda isso. Porém, se aceitarmos a energia inconcebível da Suprema Personalidade de Deus, poderemos compreender que tudo é possível. Não há necessidade de argumentos mundanos a esse respeito, pois argumentos mundanos não fazem sentido no que diz respeito à potência inconcebível.

No final deste capítulo dezessete, Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī, seguindo os passos de Śrīla Vyāsadeva, analisa todos os passatempos da Ādi-līlā separadamente.

VERSO 1:
Ofereço minhas respeitosas reverências a Śrī Caitanya Mahāprabhu, por cuja misericórdia mesmo yavanas sujos tornam-se cavalheiros muito bem educados, cantando o santo nome do Senhor. Tal é o poder do Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu.
VERSO 2:
Todas as glórias ao Senhor Caitanya Mahāprabhu! Todas as glórias ao Senhor Nityānanda Prabhu! Todas as glórias a Advaita Ācārya! E todas as glórias aos devotos do Senhor Caitanya!
VERSO 3:
Acabo de dar uma sinopse da kaiśora-līlā de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Agora, narrarei Seus passatempos juvenis em ordem cronológica.
VERSO 4:
Demonstrando Sua erudição, beleza e boas roupas, o Senhor Caitanya dançava, cantava e distribuía o santo nome do Senhor para despertar o amor adormecido a Kṛṣṇa. Assim, o Senhor Śrī Gaurasundara brilhou em Seus passatempos juvenis.
VERSO 5:
Ao ingressar em Sua juventude, o Senhor Se decorou com ornamentos, vestiu-Se com boas roupas, enguirlandou-Se com flores e untou-Se com sândalo.
VERSO 6:
Movido pelo orgulho de Sua formação, Śrī Caitanya Mahāprabhu, não Se importando com mais ninguém, derrotou toda espécie de estudiosos eruditos enquanto Se dedicava aos estudos.
VERSO 7:
Em Sua juventude, o Senhor manifestou Seu amor extático por Kṛṣṇa, sob o pretexto de sofrer de distúrbios nos ares do corpo. Acompanhado por Seus devotos íntimos, gozou de diversos passatempos dessa maneira.
VERSO 8:
Depois disso, o Senhor foi para Gayā. Lá, Ele Se encontrou com Śrīla Īśvara Purī.
VERSO 9:
Em Gayā, Śrī Caitanya Mahāprabhu foi iniciado por Īśvara Purī e, logo depois disso, manifestou sinais de amor a Deus. Ele exibiu esses mesmos sintomas novamente após voltar para casa.
VERSO 10:
Depois disso, o Senhor concedeu amor a Kṛṣṇa a Sua mãe, Śacīdevī, anulando a ofensa que ela cometera aos pés de Advaita Ācārya. Assim, o Senhor encontrou-Se com Advaita Ācārya, que mais tarde teve uma visão da forma universal do Senhor.
VERSO 11:
Então, Śrīvāsa Ṭhākura adorou o Senhor Caitanya Mahāprabhu mediante o processo de abhiṣeka. Sentado num catre, o Senhor manifestou opulências transcendentais.
VERSO 12:
Após essa cerimônia na casa de Śrīvāsa Ṭhākura, Nityānanda Prabhu apareceu e, ao encontrar-Se com o Senhor Caitanya, teve a oportunidade de vê-lO em Sua forma de seis braços.
VERSO 13:
Certo dia, o Senhor Caitanya Mahāprabhu mostrou ao Senhor Nityānanda Prabhu uma forma de seis braços, portando búzio, disco, maça, flor de lótus, arco e flauta.
VERSO 14:
Depois disso, o Senhor mostrou-Lhe Sua forma de quatro braços, erguendo-Se numa posição curvada em três pontos. Com duas mãos, Ele tocava uma flauta, e, nas outras duas, levava um búzio e um disco.
VERSO 15:
Finalmente, o Senhor mostrou a Nityānanda Prabhu Sua forma de dois braços, como Kṛṣṇa, o filho de Mahārāja Nanda, simplesmente tocando Sua flauta, com Seu corpo azulado vestido de trajes amarelos.
VERSO 16:
Então, Nityānanda Prabhu providenciou o oferecimento de Vyāsa-pūjā, ou adoração ao mestre espiritual, a Śrī Gaurasundara. Porém, o Senhor Caitanya carregava a arma semelhante a um arado chamada muṣala, no êxtase de ser Nityānanda Prabhu.
VERSO 17:
Depois disso, mãe Śacīdevī viu os irmãos Kṛṣṇa e Balarāma sob Sua manifestação de Senhor Caitanya e Nityānanda. Então, o Senhor salvou os dois irmãos Jagāi e Mādhāi.
VERSO 18:
Após este incidente, o Senhor permaneceu em êxtase por vinte e uma horas, e todos os devotos presenciaram Seus passatempos específicos.
VERSO 19:
Um dia, Śrī Caitanya Mahāprabhu sentiu o êxtase da encarnação de javali e subiu nos ombros de Murāri Gupta. Assim, ambos dançaram no quintal de Murāri Gupta.
VERSO 20:
Após este incidente, o Senhor comeu arroz cru dado por Śuklāmbara Brahmacārī e explicou muito elaboradamente o significado do śloka “harer nāma” mencionado no Bṛhan-nāradīya Purāṇa.
VERSO 21:
“‘Nesta era de Kali, não há outro meio, não há outro meio, não há outro meio para se alcançar a autorrealização, senão cantar os santos nomes, cantar os santos nomes, cantar os santos nomes do Senhor Hari.’”
VERSO 22:
“Nesta era de Kali, o santo nome do Senhor, o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa, é a encarnação do Senhor Kṛṣṇa. Quem simplesmente canta o santo nome se associa com o Senhor diretamente. Qualquer pessoa que faça isso se liberta com certeza.”
VERSO 23:
“Esse verso repete a palavra ‘eva’ [‘decerto’] três vezes para dar ênfase, e também repete três vezes ‘harer nāma’ [‘o santo nome do Senhor’] só para fazer as pessoas comuns entenderem.”
VERSO 24:
“O uso da palavra ‘kevala’ [‘somente’] exclui todos os outros processos, tais como o cultivo de conhecimento, a prática de yoga místico e a execução de austeridades e atividades fruitivas.”
VERSO 25:
“Esse verso afirma claramente que qualquer pessoa que aceite qualquer outro caminho não pode libertar-se. Essa é a razão para a repetição tríplice: ‘Nada mais, nada mais, nada mais’, que enfatiza o verdadeiro processo de autorrealização.”
VERSO 26:
“Para cantar o santo nome sempre, deve-se ser mais humilde do que a palha na rua e desprovido de todo desejo de honra pessoal, mas se deve oferecer aos outros todas as respeitosas reverências.”
VERSO 27:
“O devoto dedicado a cantar o santo nome do Senhor deve praticar a paciência como faz a árvore. Mesmo que seja repreendido ou castigado, não deve dizer nada aos outros como vingança.”
VERSO 28:
“Pois mesmo que alguém corte uma árvore, ela nunca protesta, e, mesmo que esteja secando ou morrendo, ela não pede água a ninguém.”
VERSO 29:
“Assim, o vaiṣṇava não deve pedir nada a ninguém. Se alguém lhe der algo sem que ele peça, ele o deve aceitar, mas, se nada recebe, o vaiṣṇava deve se contentar em comer os legumes e as frutas que estejam facilmente disponíveis.”
VERSO 30:
“Deve-se seguir estritamente o princípio de sempre cantar o santo nome, e deve-se ficar satisfeito com tudo o que puder obter sem dificuldade. Tal comportamento devocional mantém solidamente o serviço devocional.”
VERSO 31:
“Quem se considera inferior à grama, quem é mais tolerante do que a árvore e não espera obter honra pessoal, estando, pelo contrário, sempre pronto a prestar todo respeito aos outros, pode, muito facilmente, cantar sempre o santo nome do Senhor.”
VERSO 32:
Erguendo minhas mãos, declaro: “Por favor, ouvi-me todos! Ensartai esse verso no cordão do santo nome e o mantende em vosso pescoço para lembrança contínua.”
VERSO 33:
É preciso seguir estritamente os princípios estabelecidos pelo Senhor Caitanya Mahāprabhu neste verso. Caso alguém simplesmente siga os passos do Senhor Caitanya e dos Gosvāmīs, decerto alcançará a meta última da vida: os pés de lótus de Śrī Kṛṣṇa.
VERSO 34:
Regularmente, Śrī Caitanya Mahāprabhu liderou o canto congregacional do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa na casa de Śrīvāsa Ṭhākura todas as noites por um ano inteiro.
VERSO 35:
Esse canto extático era executado a portas fechadas, de modo que os descrentes que vinham escarnecer não pudessem entrar.
VERSO 36:
Assim, os descrentes quase se reduziam a cinzas e morriam de inveja. Para se vingarem, eles planejaram diversas maneiras de causar problemas a Śrīvāsa Ṭhākura.
VERSOS 37-38:
Certa noite, enquanto o kīrtana prosseguia dentro da casa de Śrīvāsa Ṭhākura, um brāhmaṇa chamado Gopāla Cāpāla, o principal dos descrentes, que era falador e de linguagem muito áspera, colocou toda a parafernália de adoração à deusa Durgā do lado de fora da porta de Śrīvāsa Ṭhākura.
VERSO 39:
Na parte superior duma folha de bananeira, ele colocou artigos de adoração tais como oḍa-phula, cúrcuma, vermelhão, sândalo vermelho e arroz.
VERSO 40:
Colocou um pote de vinho ao lado de tudo isso, e, de manhã, quando Śrīvāsa Ṭhākura abriu a porta, viu aquela parafernália.
VERSO 41:
Śrīvāsa Ṭhākura mandou chamar todos os cavalheiros respeitáveis da vizinhança e, sorridente, ele lhes falou como segue.
VERSO 42:
“Cavalheiros, toda noite adoro a deusa Bhavānī. Uma vez que a parafernália de adoração está presente aqui, agora todos vós, brāhmaṇas respeitáveis e membros das castas superiores, podeis compreender minha posição”.
VERSO 43:
Então, todos os cavalheiros reunidos exclamaram: “O que é isto? O que é isto? Quem fez essa perversidade? Quem é esse pecador?”
VERSO 44:
Eles mandaram chamar um varredor [hāḍi], que atirou longe todos os artigos de adoração e limpou o local, esfregando-o com uma mistura de água e estrume de vaca.
VERSO 45:
Após três dias, a lepra atacou Gopāla Cāpāla, e lhe escorria sangue das feridas por todo o corpo.
VERSO 46:
Incessantemente coberto por vermes e insetos picando seu corpo, Gopāla Cāpāla sentia dores insuportáveis. Todo o seu corpo ardia em sofrimento.
VERSO 47:
Visto que a lepra é uma doença infecciosa, Gopāla Cāpāla deixou a vila e foi se assentar às margens do Ganges, debaixo de uma árvore. Entretanto, um dia, ele viu Caitanya Mahāprabhu passando e falou-Lhe como segue.
VERSO 48:
“Meu querido sobrinho, sou Teu tio materno em nosso relacionamento de vila. Por favor, vê o quanto este ataque de lepra tem me atormentado.”
VERSO 49:
“Sendo uma encarnação de Deus, estás salvando muitas almas caídas. Também sou uma alma caída grandemente infeliz. Por favor, liberta-me por Tua misericórdia.”
VERSO 50:
Ao ouvir isso, Caitanya Mahāprabhu mostrou-Se bastante irado e, zangado dessa maneira, falou-lhe algumas palavras de repreensão.
VERSO 51:
“Ó pecador, invejoso dos devotos puros, não te salvarei! Ao invés disso, farei com que esses vermes continuem te picando por muitos milhões de anos.”
VERSO 52:
“Deixaste a impressão nos outros de que Śrīvāsa Ṭhākura adorou a deusa Bhavānī. Simplesmente por essa ofensa, terás que cair na vida infernal por dez milhões de nascimentos.”
VERSO 53:
“Apareci nesta encarnação para matar os demônios [pāṣaṇḍī] e, após matá-los, pregar o culto do serviço devocional.”
VERSO 54:
Após dizer isso, o Senhor Se dirigiu ao Ganges para tomar Seu banho, e aquele homem pecaminoso não abandonou sua vida, senão que continuou a sofrer.
VERSOS 55-56:
Śrī Caitanya, após entrar na ordem de vida renunciada, foi para Jagannātha Purī e, então, ao voltar para a vila Kuliyā, com o Seu regresso, aquele homem pecaminoso refugiou-se aos pés de lótus do Senhor. O Senhor, mostrando-lhe misericórdia, deu-lhe instruções para o seu benefício.
VERSOS 57-58:
“Cometeste uma ofensa aos pés de lótus de Śrīvāsa Ṭhākura”, disse o Senhor. “Primeiro, deves ir lá e implorar a misericórdia dele, após o que, se ele te abençoar e não cometeres semelhantes pecados outra vez, te livrarás dessas reações.”
VERSO 59:
Então, o brāhmaṇa, Gopāla Cāpāla, foi ter com Śrīvāsa Ṭhākura e se refugiou a seus pés de lótus, e, pela misericórdia de Śrīvāsa Ṭhākura, se livrou de todas as reações pecaminosas.
VERSO 60:
Outro brāhmaṇa também foi ver a execução de kīrtana, mas a porta estava fechada, e ele não pôde entrar na sala de kīrtana.
VERSO 61:
Ele regressou à casa com a mente infeliz, mas, no dia seguinte, se encontrou com o Senhor Caitanya às margens do Ganges e falou com Ele.
VERSO 62:
Aquele brāhmaṇa tinha a habilidade de falar asperamente e amaldiçoar os outros. Assim, arrebentou o seu cordão sagrado e declarou: “Agora Te amaldiçoarei, pois Teu comportamento me deixou muitíssimo atormentado.”
VERSO 63:
O brāhmaṇa amaldiçoou o Senhor: “Serás despojado de toda felicidade material!” Ao ouvir isso, o Senhor sentiu grande júbilo interiormente.
VERSO 64:
Qualquer pessoa fiel que ouça a maldição desse brāhmaṇa ao Senhor Caitanya se liberta de todas as maldições bramânicas.
VERSO 65:
O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu abençoou Mukunda Datta com um castigo e, dessa maneira, eliminou toda a sua depressão mental.
VERSO 66:
O Senhor Caitanya respeitava Advaita Ācārya como Seu mestre espiritual, mas Advaita Ācārya Prabhu ficava muito aborrecido por esse comportamento.
VERSO 67:
Assim, Ele propositadamente começou a explicar o caminho da especulação filosófica, e o Senhor, irado, aparentemente O desrespeitou.
VERSO 68:
Nessa hora, Advaita Ācārya ficou muito satisfeito. Entendendo isso, o Senhor ficou um tanto envergonhado, mas abençoou Advaita Ācārya.
VERSO 69:
Murāri Gupta era um grande devoto do Senhor Rāmacandra. Ao ouvir as glórias do Senhor Rāmacandra contadas por Murāri, o Senhor Caitanya imediatamente escreveu em sua testa: “rāmadāsa” [servo eterno do Senhor Rāmacandra].
VERSO 70:
Certa vez, o Senhor Caitanya Mahāprabhu foi à casa de Śrīdhara após um kīrtana e bebeu água de seu pote de ferro quebrado. Então, concedeu Sua bênção a todos os devotos segundo seus desejos.
VERSO 71:
Após esse incidente, o Senhor abençoou Haridāsa Ṭhākura e eliminou a ofensa de Sua mãe na casa de Advaita Ācārya.
VERSO 72:
Certa vez, o Senhor explicou as glórias do santo nome aos devotos, mas alguns estudantes ordinários que O ouviram deram sua própria interpretação.
VERSO 73:
Quando um estudante interpretou as glórias do santo nome como uma prece exagerada, Śrī Caitanya Mahāprabhu, muito triste, de imediato aconselhou a todos que, dali em diante, não olhassem mais para o rosto do estudante.
VERSO 74:
Sem nem mesmo mudar de roupa, o Senhor Caitanya tomou banho no Ganges com Seus companheiros. Ali, explicou as glórias do serviço devocional.
VERSO 75:
Seguindo os caminhos de conhecimento filosófico especulativo, atividades fruitivas ou yoga místico para controlar os sentidos, não se pode satisfazer Kṛṣṇa, o Senhor Supremo. A única causa da satisfação do Senhor é o amor devocional imaculado por Kṛṣṇa.
VERSO 76:
[A Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, disse:] “Meu querido Uddhava, nem por meio de aṣṭāṅga-yoga [o sistema de yoga místico para controlar os sentidos], nem por meio do monismo impessoal ou do estudo analítico da Verdade Absoluta, nem por meio do estudo dos Vedas, nem por meio da prática de austeridade, nem por meio da caridade, nem por meio da aceitação de sannyāsa pode alguém Me satisfazer tanto quanto aquele que desenvolve imaculado serviço devocional a Mim.”
VERSO 77:
Então, o Senhor Caitanya elogiou Murāri Gupta, dizendo: “Satisfizeste o Senhor Kṛṣṇa.” Ao ouvir isso, Murāri Gupta citou um verso do Śrīmad-Bhāgavatam.
VERSO 78:
“‘Sendo que não passo de um pobre e pecaminoso brahma-bandhu, desqualificado bramanicamente, apesar de nascido em família de brāhmaṇas, e sendo que Tu, Senhor Kṛṣṇa, és o abrigo da deusa da fortuna, é simplesmente maravilhoso, meu querido Senhor Kṛṣṇa, que me tenhas abraçado.’”
VERSO 79:
Certo dia, o Senhor realizou saṅkīrtana com todos os Seus devotos, e, quando estavam bastante cansados, sentaram-se.
VERSO 80:
Então, o Senhor plantou uma semente de manga no pátio, e, de imediato, a semente se desenvolveu em árvore e começou a crescer.
VERSO 81:
Diante das pessoas presentes, a árvore cresceu em plenitude, com frutos que amadureceram por completo. Assim, todos ficaram maravilhados.
VERSO 82:
Imediatamente, o Senhor colheu cerca de duzentas frutas e, após lavá-las, ofereceu-as para Kṛṣṇa comer.
VERSO 83:
As frutas eram todas vermelhas e amarelas, sem qualquer semente dentro e sem qualquer casca por fora, e uma fruta era suficiente para encher o estômago de um homem.
VERSO 84:
Ao ver a qualidade das mangas, o Senhor ficou muito satisfeito. Assim, após comer primeiro, alimentou todos os outros devotos.
VERSO 85:
As frutas não tinham nem semente nem casca. Eram cheias de suco nectáreo e eram tão doces que, simplesmente por comer apenas uma, um homem ficava plenamente satisfeito.
VERSO 86:
Dessa maneira, cresciam frutas na árvore todos os dias por todos os doze meses do ano, e os vaiṣṇavas costumavam comê-las, o que satisfazia o Senhor imensamente.
VERSO 87:
Esses são os passatempos íntimos do filho de Śacī. Ninguém mais sabe desse incidente, a não ser os devotos.
VERSO 88:
Dessa maneira, o Senhor realizava saṅkīrtana todos os dias, e, no final de cada saṅkīrtana, havia um festival de comer mangas, todos os dias, todos os doze meses.
VERSO 89:
Certa vez, enquanto Śrī Caitanya Mahāprabhu realizava kīrtana, nuvens no céu se condensaram, ao que o Senhor, por Sua própria vontade, impediu que elas chovessem.
VERSO 90:
Um dia, o Senhor mandou que Śrīvāsa Ṭhākura lesse o Bṛhat-sahasra-nāma [os mil nomes do Senhor Viṣṇu], pois desejava ouvi-los naquele momento.
VERSO 91:
À medida que lia os mil nomes do Senhor, apareceu no decurso da leitura o santo nome do Senhor Nṛsiṁha. Ao ouvir o santo nome do Senhor Nṛsiṁha, Caitanya Mahāprabhu Se absorveu plenamente em pensamentos.
VERSO 92:
Com a atitude do Senhor Nṛsiṁhadeva, o Senhor Caitanya correu pelas ruas da cidade com a maça na mão, pronto para matar todos os ateus.
VERSO 93:
Ao vê-lO aparecer muito feroz no êxtase do Senhor Nṛsiṁha, as pessoas corriam da rua e fugiam daqui para ali, com medo de Sua ira.
VERSO 94:
Ao ver as pessoas tão amedrontadas, o Senhor voltou a Si e a Seus sentidos externos e, assim, regressou à casa de Śrīvāsa Ṭhākura e jogou a maça fora.
VERSO 95:
O Senhor ficou taciturno e disse a Śrīvāsa Ṭhākura: “Quando adotei a atitude do Senhor Nṛsiṁhadeva, as pessoas encheram-se de temor. Portanto, parei, já que é uma ofensa causar medo às pessoas.”
VERSO 96:
Śrīvāsa Ṭhākura respondeu: “Qualquer pessoa que aceite Teu santo nome destrói dez milhões de suas ofensas de imediato.”
VERSO 97:
“Não cometeste ofensas ao apareceres como Nṛsiṁhadeva. Pelo contrário, qualquer pessoa que tenha Te visto naquela atitude se libertou de imediato do cativeiro da existência material.”
VERSO 98:
Após dizer isso, Śrīvāsa Ṭhākura adorou o Senhor, que, então, ficou muito satisfeito e regressou à Sua própria casa.
VERSO 99:
Num outro dia, um grande devoto do senhor Śiva, cantando as qualidades do senhor Śiva, foi à casa do Senhor Caitanya, em cujo pátio começou a dançar e tocar seu ḍamaru [um instrumento musical].
VERSO 100:
Então, o Senhor Caitanya, adotando a atitude do senhor Śiva, montou nos ombros do homem, e, assim, eles dançaram juntos por um longo tempo.
VERSO 101:
Num outro dia, um mendigo foi pedir esmolas na casa do Senhor. Vendo, porém, o Senhor a dançar, ele também começou a dançar.
VERSO 102:
Ele dançava com o Senhor porque foi favorecido com o amor a Kṛṣṇa. Assim, ele flutuava na doçura do amor a Deus.
VERSO 103:
Num outro dia, veio um astrólogo que supostamente sabia tudo – passado, presente e futuro. Assim, Śrī Caitanya Mahāprabhu o recebeu com todas as honras e lhe fez a seguinte pergunta.
VERSO 104:
“Por favor, dize-Me quem Eu fui em Meu nascimento anterior”, disse o Senhor. “Por favor, dize-Me isso por teus cálculos astrológicos.” Ao ouvir as palavras do Senhor, o astrólogo começou prontamente a fazer seus cálculos.
VERSO 105:
Por meio de cálculos e meditação, o sábio astrólogo viu o corpo extremamente refulgente do Senhor, que é o lugar de descanso de todos os ilimitados planetas Vaikuṇṭha.
VERSO 106:
Ao ver que o Senhor Caitanya Mahāprabhu era a própria Verdade Absoluta, o Brahman Supremo, a Personalidade de Deus, o astrólogo ficou confuso.
VERSO 107:
Perplexo, o astrólogo permaneceu silencioso, incapaz de falar. Porém, quando o Senhor novamente lhe fez a pergunta, ele respondeu o seguinte.
VERSO 108:
“Meu caro senhor, foste, em Teu nascimento anterior, o abrigo de toda a criação, a Suprema Personalidade de Deus, plena de todas as opulências.”
VERSO 109:
“És agora a mesma Personalidade de Deus que foste em Teu nascimento anterior. Tua identidade é felicidade eterna e inconcebível.”
VERSO 110:
Enquanto o astrólogo falava de maneira tão elogiosa dEle, Śrī Caitanya Mahāprabhu o interrompeu e Se colocou a sorrir. “Meu caro senhor”, disse Ele, “acho que não sabes com muita clareza o que fui, pois sei que, em Meu nascimento anterior, fui um vaqueirinho.”
VERSO 111:
“Em Meu último nascimento, nasci em família de vaqueiros, e protegia os bezerros e as vacas. Devido a tais atividades piedosas, agora Me tornei filho de um brāhmaṇa.”
VERSO 112:
O astrólogo disse: “O que vi em meditação era pleno de opulência, razão pela qual fiquei confuso.”
VERSO 113:
“Estou certo de que Tua forma e a forma que vi em minha meditação são idênticas. Caso eu veja qualquer diferença, esse é um ato de Tua energia ilusória.”
VERSO 114:
O sábio astrólogo concluiu: “Seja o que fores ou quem quer que sejas, ofereço-Te minhas respeitosas reverências!” Por Sua misericórdia imotivada, o Senhor lhe deu, então, amor a Deus, recompensando seu serviço dessa maneira.
VERSO 115:
Certo dia, o Senhor Se sentou no corredor de um templo de Viṣṇu e começou a gritar bem alto: “Trazei mel para Mim! Trazei mel para Mim!”
VERSO 116:
Compreendendo o êxtase de Śrī Caitanya Mahāprabhu, Nityānanda Prabhu Gosāñi trouxe um pote de água do Ganges, em vez de mel, e o colocou perante Ele.
VERSO 117:
Após beber a água, o Senhor Caitanya ficou tão extático que começou a dançar. Assim, todos viram o passatempo de atrair o rio Yamunā.
VERSO 118:
Quando o Senhor, em Seu êxtase de Baladeva, movia-Se como que embriagado pela bebida, Advaita Ācārya, o principal dos ācāryas [ācārya śekhara], O viu na forma de Balarāma.
VERSO 119:
Vanamālī Ācārya viu um arado de ouro na mão de Balarāma, e todos os devotos se juntaram e dançaram, tomados de êxtase.
VERSO 120:
Dessa maneira, eles dançaram por doze horas consecutivas e, à noite, se banharam todos no Ganges, regressando, então, a suas casas.
VERSO 121:
O Senhor mandou que todos os cidadãos de Navadvīpa cantassem o mantra Hare Kṛṣṇa, e, em todos os lares, passaram a executar saṅkīrtana regularmente.
VERSO 122:
[Todos os devotos cantavam esta canção popular juntamente com o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa]. “Haraye namaḥ, kṛṣṇa yādavāya namaḥ/ gopāla govinda rāma śrī-madhusūdana.”
VERSO 123:
Ao ser assim inaugurado o movimento de saṅkīrtana, ninguém em Navadvīpa podia ouvir qualquer outro som a não ser as palavras “Hari! Hari!” e o toque de mṛdaṅga e tilintar de címbalos.
VERSO 124:
Ao ouvir a vibração retumbante do mantra Hare Kṛṣṇa, os muçulmanos locais, muito irados, fizeram uma queixa ao Kazi.
VERSO 125:
Irado, Chand Kazi foi a uma das casas à noite e, ao ver a execução do kīrtana, quebrou uma mṛdaṅga e falou o seguinte.
VERSO 126:
“Por muito tempo não seguistes os princípios reguladores da religião hindu, mas agora os estais seguindo com grande entusiasmo. Posso saber quem vos influenciou a fazer isso?”
VERSO 127:
“Ninguém deve executar saṅkīrtana nas ruas da cidade. Por hoje, perdoarei a transgressão e voltarei para casa.”
VERSO 128:
“A próxima vez que eu vir alguém executando esse saṅkīrtana, decerto o castigarei, não somente confiscando toda a sua propriedade, mas também o convertendo em muçulmano.”
VERSO 129:
Após dizer isso, o Kazi voltou para casa, e os devotos, muito chocados por terem sido proibidos de cantar Hare Kṛṣṇa, contaram sua mágoa ao Senhor Caitanya Mahāprabhu.
VERSO 130:
O Senhor Caitanya ordenou: “Ide executar saṅkīrtana! Hoje matarei todos os muçulmanos!”
VERSO 131:
Voltando para casa, todos os cidadãos começaram a executar saṅkīrtana, mas, devido à ordem do Kazi, não estavam despreocupados, mas, sim, cheios de crescente ansiedade.
VERSO 132:
Compreendendo a ansiedade dentro da mente das pessoas, o Senhor as convocou e falou com elas como segue.
VERSO 133:
“À noite, executarei saṅkīrtana em cada cidade. Portanto, deveis todos decorar a cidade à noite.”
VERSO 134:
“À noite, deveis queimar archotes em todas as casas. Darei proteção a todos. Veremos que tipo de Kazi poderá impedir o nosso kīrtana.”
VERSO 135:
Naquela noite, o Senhor Gaurasundara saiu e formou três grupos para a execução do kīrtana.
VERSO 136:
No grupo da frente, dançava Ṭhākura Haridāsa, e, no grupo do meio, dançava Advaita Ācārya, com grande júbilo.
VERSO 137:
O próprio Senhor Gaurasundara dançava no grupo de trás, e Śrī Nityānanda Prabhu guiava-Se pelo ritmo da dança do Senhor Caitanya.
VERSO 138:
Pela graça do Senhor, Śrīla Vṛndāvana Dāsa Ṭhākura descreveu de forma elaborada esse episódio em seu Caitanya-maṅgala [agora Caitanya-bhāgavata].
VERSO 139:
Executando kīrtana dessa maneira, percorrendo cada canto da cidade, eles, por fim, chegaram à porta do Kazi.
VERSO 140:
Murmurando com raiva e fazendo um som estrondoso, sob a proteção do Senhor Caitanya, as pessoas enlouqueceram à vista de tal deleite.
VERSO 141:
O alto som do cantar do mantra Hare Kṛṣṇa decerto deixou o Kazi bastante temeroso, e ele se escondeu dentro de seu quarto. Ao ouvir as pessoas protestando assim e murmurando com grande ira, o Kazi não saiu de sua casa.
VERSO 142:
Naturalmente, algumas das pessoas que estavam muito agitadas começaram a se vingar das ações do Kazi, depredando sua casa e jardim florido. Śrīla Vṛndāvana Dāsa Ṭhākura descreve amplamente este episódio.
VERSO 143:
A seguir, ao chegar à casa do Kazi, Śrī Caitanya Mahāprabhu sentou-Se na entrada e mandou algumas pessoas respeitáveis chamarem o Kazi.
VERSO 144:
Quando o Kazi, cabisbaixo, chegou, o Senhor lhe ofereceu o devido respeito e um assento.
VERSO 145:
De maneira amistosa, o Senhor disse: “Senhor, vim à tua casa como teu hóspede, mas, ao Me ver, tu te escondeste em teu quarto. Que espécie de etiqueta é essa?”
VERSO 146:
O Kazi respondeu: “Vieste muito irado à minha casa. Para Te apaziguar, não vim ao Teu encontro de imediato, mas me mantive escondido.”
VERSO 147:
“Agora que Te apaziguaste, vim ao Teu encontro. É minha boa fortuna receber um hóspede como Vossa Senhoria.”
VERSO 148:
“Em nosso relacionamento de vila, Nīlāmbara Cakravartī Ṭhākura foi meu tio. Tal relacionamento é mais forte do que apenas um relacionamento corpóreo.”
VERSO 149:
“Nīlāmbara Cakravartī é Teu avô materno, de modo que, por este relacionamento, és meu sobrinho.”
VERSO 150:
“Quando um sobrinho fica muito zangado, seu tio materno o tolera, e, quando o tio materno comete uma ofensa, o sobrinho não a leva muito a sério.”
VERSO 151:
Dessa maneira, o Kazi e o Senhor conversaram um com o outro, dando diferentes sugestões, mas nenhum estranho podia entender o sentido profundo da conversa deles.
VERSO 152:
O Senhor disse: “Meu querido tio, vim a teu lar apenas para te fazer algumas perguntas.” “Sim”, respondeu o Kazi, “és bem-vindo. Dize-me simplesmente o que tens em mente.”
VERSO 153:
O Senhor disse: “Tu bebes leite de vaca; portanto, a vaca é tua mãe. E o touro produz cereais para a tua manutenção; portanto, ele é teu pai.”
VERSO 154:
“Já que o touro e a vaca são teu pai e tua mãe, como podes matá-los e comê-los? Que espécie de princípio religioso é esse? Apoiado em que te atreves a cometer semelhantes atividades pecaminosas?”
VERSO 155:
O Kazi respondeu: “Assim como tens Tuas escrituras chamadas Vedas e Purāṇas, nós temos nossa escritura, conhecida como o sagrado Alcorão.”
VERSO 156:
“Segundo o Alcorão, há dois processos de avanço – através do aumento da propensão de desfrutar e através da redução da propensão de desfrutar. No caminho da redução do apego [nivṛtti-mārga], proíbe-se a matança de animais.”
VERSO 157:
No caminho das atividades materiais, há regulação para a matança de vacas. Se tal matança é feita sob a orientação da escritura, não há pecado.
VERSO 158:
Sendo um estudioso erudito, o Kazi desafiou Caitanya Mahāprabhu: “Em Tuas escrituras védicas, há um preceito que autoriza matar vacas. Baseados nesse preceito, grandes sábios executaram sacrifícios que envolviam a matança de vacas.”
VERSO 159:
Refutando a afirmação do Kazi, o Senhor respondeu prontamente: “Os Vedas claramente prescrevem que não se deve matar vacas. Portanto, qualquer hindu, quem quer que seja, não se dedica à matança de vacas.”
VERSO 160:
“Nos Vedas e nos Purāṇas, há preceitos declarando que aquele que pode reviver um ser vivo pode matá-lo para propósitos experimentais.”
VERSO 161:
“Portanto, os grandes sábios às vezes matavam animais velhos e, cantando hinos védicos, novamente os traziam à vida, perfeitamente rejuvenescidos.”
VERSO 162:
“A matança e rejuvenescimento de tais animais velhos e inválidos não era, na verdade, matança, mas, sim, um ato de grande beneficência.”
VERSO 163:
“Antigamente, havia brāhmaṇas poderosos que podiam fazer semelhantes experimentos, usando hinos védicos, mas agora, devido a Kali-yuga, os brāhmaṇas não são tão poderosos. Portanto, a matança de vacas e touros para rejuvenescimento é proibida.”
VERSO 164:
“‘Nesta era de Kali, cinco atos são proibidos: o oferecimento de um cavalo em sacrifício, o oferecimento de uma vaca em sacrifício, a aceitação da ordem de sannyāsa, o oferecimento de oblações de carne aos antepassados e um homem ter filhos com a esposa de seu irmão.’”
VERSO 165:
“Visto que vós, muçulmanos, não podeis trazer à vida animais mortos, sois responsáveis por matá-los. Portanto, estais indo para o inferno: não tendes meio de obter vossa libertação.”
VERSO 166:
“Os matadores de vacas são condenados a apodrecer na vida infernal por tantos milhares de anos quantos sejam os pelos no corpo da vaca.”
VERSO 167:
“Há muitos erros e ilusões em vossas escrituras. Seus compiladores, ignorando a essência do conhecimento, deram ordens que eram contrárias à razão e à lógica.”
VERSO 168:
Após ouvir essas afirmações de Śrī Caitanya Mahāprabhu, o Kazi, derrotado em seus argumentos, não pôde falar mais nada. Assim, após a devida consideração, o Kazi aceitou a derrota e falou o seguinte.
VERSO 169:
“Meu querido Nimāi Paṇḍita, tudo o que disseste é verdade. Nossas escrituras se desenvolveram apenas recentemente e, com certeza, não são nem lógicas nem filosóficas.”
VERSO 170:
“Sei que nossas escrituras estão repletas de imaginação e ideias errôneas, mas, como sou muçulmano, aceito-as pelo bem de minha comunidade, a despeito da insuficiente autoridade delas.”
VERSO 171:
“A razão e os argumentos nas escrituras dos comedores de carne não são muito plausíveis”, concluiu o Kazi. Ao ouvir essa afirmação, Śrī Caitanya Mahāprabhu sorriu e lhe perguntou o seguinte.
VERSO 172:
“Meu querido tio materno, desejo te fazer outra pergunta. Por favor, dize-Me a verdade. Não tentes enganar-Me com truques.”
VERSO 173:
“Em tua cidade, há sempre o canto congregacional do santo nome. Um alvoroço tumultuoso de música, canto e dança está sempre acontecendo.”
VERSO 174:
“Como magistrado muçulmano, tens o direito de te opores à realização de cerimônias hindus, mas agora não as proíbes. Não consigo entender o porquê disso.”
VERSO 175:
O Kazi disse: “Todos Te chamam de Gaurahari. Por favor, deixa-me chamar-Te por esse nome.”
VERSO 176:
“Por favor, ouve-me, ó Gaurahari! Se puderes vir comigo a um lugar privado, eu Te explicarei a razão.”
VERSO 177:
O Senhor respondeu: “Todos esses homens são Meus associados íntimos. Podes falar francamente. Não há razão para temê-los.”
VERSOS 178-179:
O Kazi disse: “Depois que fui à casa do hindu, onde quebrei o tambor e proibi a execução do canto congregacional, em um sonho meu, naquela mesma noite, vi um leão tremendamente assustador, rugindo bem alto, e Ele tinha o corpo como o de um ser humano e o rosto como o de um leão.”
VERSO 180:
“Enquanto eu dormia, o leão pulou sobre meu peito, gargalhando ferozmente e rangendo Seus dentes.”
VERSO 181:
“Colocando Suas garras sobre o meu peito, o leão disse com voz grave: ‘Rasgarei o teu peito agora mesmo, assim como quebraste a mṛdaṅga!’”
VERSO 182:
“‘Proibiste a execução de Meu canto congregacional. Portanto, tenho que te destruir!’ Estando apavorado diante dEle, fiquei tremendo com os olhos fechados.”
VERSO 183:
“Ao ver-me tão assustado, o leão disse: ‘Eu te derrotei apenas para te ensinar uma lição, mas devo ter misericórdia de ti.’”
VERSO 184:
“‘Naquele dia, não criaste uma perturbação muito grande. Portanto, Eu te perdoei e não tirei tua vida.’”
VERSO 185:
“‘Porém, se executares semelhantes atividades novamente, não serei tolerante. Nesse momento, Eu te matarei, e matarei tua família inteira e todos os comedores de carne.’”
VERSO 186:
“Após dizer isso, o leão partiu, mas eu fiquei com muito medo dEle. Vê aqui as marcas de Suas garras sobre o meu coração!”
VERSO 187:
Após fazer essa descrição, o Kazi mostrou seu peito. Tendo ouvido a narração e vendo as marcas, todas as pessoas ali presentes aceitaram o incidente maravilhoso.
VERSO 188:
O Kazi prosseguiu: “Não falei a ninguém sobre esse incidente, mas, naquele mesmo dia, um de meus ordenanças veio me ver.”
VERSO 189:
“Após vir a mim, o ordenança disse: ‘Quando fui impedir o canto congregacional, subitamente chamas atingiram o meu rosto.’”
VERSO 190:
“‘Minha barba se queimou, e apareceram bolhas em minhas bochechas.’ Todos os ordenanças que vieram deram-me a mesma descrição.”
VERSO 191:
“Após ver isso, fiquei muito amedrontado. Pedi-lhes que não impedissem o canto congregacional, mas que voltassem para casa.”
VERSO 192:
“Então, todos os comedores de carne vieram se queixar comigo: ‘Após essa ordem, sempre haverá canto congregacional irrestrito na cidade.’”
VERSO 193:
“‘Dessa maneira, a religião dos hindus aumentará ilimitadamente. Sempre ouvimos vibrações de ‘Hari! Hari!’ Não ouvimos nada além disso.’”
VERSO 194:
“Um comedor de carne disse: ‘Os hindus dizem: ‘Kṛṣṇa, Kṛṣṇa’, e riem, choram, dançam, cantam e caem no chão, esfregando seus corpos com poeira.’”
VERSO 195:
“‘Vibrando ‘Hari, Hari’, os hindus fazem um som tumultuoso. Se o rei [pātasāha] ficar sabendo disso, certamente te punirá.’”
VERSO 196:
“Então, perguntei àqueles yavanas: ‘Sei que esses hindus cantam ‘Hari, Hari’ por natureza.’”
VERSO 197:
“‘Os hindus cantam o nome Hari porque esse é o nome do Deus deles. Porém, vós sois comedores de carne muçulmanos. Por que cantais o nome do Deus dos hindus?’”
VERSO 198:
“O comedor de carne respondeu: ‘Às vezes, zombo dos hindus. Alguns deles se chamam Kṛṣṇadāsa, e outros se chamam Rāmadāsa.’”
VERSO 199:
“‘Alguns deles chamam-se Haridāsa. Eles sempre cantam ‘Hari, Hari’, de modo que achei que estariam roubando as riquezas da casa de alguém.’”
VERSO 200:
“‘Desde essa época, minha língua também sempre vibra o som ‘Hari, Hari’. Não tenho desejo de dizê-lo, mas, ainda assim, minha língua o diz. Não sei o que fazer.’”
VERSOS 201-202:
“Outro comedor de carne disse: ‘Senhor, por favor, ouve-me. Desde o dia em que zombei de alguns hindus dessa maneira, minha língua canta o hino Hare Kṛṣṇa e não consegue deixar de fazê-lo. Não sei que hinos místicos e poções de ervas esses hindus conhecem.’”
VERSO 203:
“Após ouvir tudo isso, enviei todos os mlecchas de volta para casa. Cinco ou sete hindus descrentes, então, se aproximaram de mim.”
VERSO 204:
“Vindo a mim, os hindus reclamaram: ‘Nimāi Paṇḍita rompeu os princípios religiosos hindus. Ele introduziu o sistema de saṅkīrtana, que jamais vimos mencionado em nenhuma escritura.’”
VERSO 205:
“‘Quando ficamos de vigília a noite inteira para realizar atividades religiosas de adoração a Maṅgalacaṇḍī e Viṣahari, tocando instrumentos musicais, dançando e cantando, isso certamente são costumes adequados.’”
VERSO 206:
“‘Antigamente, Nimāi Paṇḍita era um ótimo rapaz, mas, desde que regressou de Gayā, tem Se portado de maneira diferente!’”
VERSO 207:
“‘Agora Ele canta alto toda espécie de canções, batendo palmas, tocando tambores e címbalos, e fazendo um som tumultuoso que ensurdece nossos ouvidos.’”
VERSO 208:
“‘Não sabemos o que Ele come que O fazer enlouquecer assim, dançando, cantando, às vezes rindo, chorando, caindo, pulando e rolando no chão.’”
VERSO 209:
“‘Ele praticamente enlouqueceu o mundo inteiro por sempre fazer o canto congregacional. À noite, não conseguimos dormir; ficamos despertos o tempo todo.’”
VERSO 210:
“‘Agora Ele abandonou Seu próprio nome, Nimāi, e Se apresenta com o nome Gaurahari. Ele arruinou os princípios religiosos hindus e introduziu a irreligião dos descrentes.’”
VERSO 211:
“‘Agora as classes inferiores cantam o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa repetidamente. Devido a essa atividade pecaminosa, toda a cidade de Navadvīpa se tornará desértica.’”
VERSO 212:
“‘Segundo a escritura hindu, supõe-se que o nome de Deus seja o hino mais poderoso. Se todos ouvirem o cantar do nome, a potência do hino se perderá.’”
VERSO 213:
“‘Senhor, és o governador desta cidade. Quer sejam hindus, quer sejam muçulmanos, todos estão sob tua proteção. Portanto, por favor, chama Nimāi Paṇḍita e faz com que Ele deixe a cidade.’”
VERSO 214:
“Após ouvir suas reclamações, eu lhes disse com palavras doces: ‘Por favor, voltai para casa. Com certeza, proibirei Nimāi Paṇḍita de continuar com Seu Movimento Hare Kṛṣṇa.’”
VERSO 215:
“Sei que Nārāyaṇa é o Deus Supremo dos hindus, e acho que Tu és esse mesmo Nārāyaṇa. Sinto isso dentro de minha mente.”
VERSO 216:
Após ouvir o Kazi falar tão bem, Śrī Caitanya Mahāprabhu o tocou e, sorrindo, falou o seguinte.
VERSO 217:
“O cantar do santo nome de Kṛṣṇa por tua boca realizou maravilhas – anulou as reações de todas as tuas atividades pecaminosas. Agora, te tornaste supremamente puro.”
VERSO 218:
“Por teres cantado três santos nomes do Senhor – Hari, Kṛṣṇa e Nārāyaṇa –, tu és, sem dúvidas, muito afortunado e piedoso.”
VERSO 219:
Depois que o Kazi ouviu isso, correram lágrimas de seus olhos. De imediato, ele tocou os pés de lótus do Senhor e falou palavras doces, como segue.
VERSO 220:
“Minhas más intenções foram aniquiladas unicamente por Tua misericórdia. Por favor, favorece-me de tal modo que minha devoção esteja sempre fixa em Ti.”
VERSO 221:
O Senhor disse: “Desejo pedir-te um favor em caridade. Deves prometer-Me que este movimento de saṅkīrtana não será impedido, ao menos no distrito de Nadia.”
VERSO 222:
O Kazi disse: “Para tantos descendentes quantos nasçam em minha dinastia no futuro, dou esta forte admoestação: ninguém deve impedir o movimento de saṅkīrtana.”
VERSO 223:
Ao ouvir isso, o Senhor Se levantou, cantando “Hari! Hari!” Acompanhando-O, todos os demais vaiṣṇavas também se levantaram, cantando a vibração do santo nome.
VERSO 224:
Śrī Caitanya Mahāprabhu voltou a fazer kīrtana, e o Kazi, com sua mente jubilante, foi com Ele.
VERSO 225:
O Senhor mandou o Kazi voltar para casa. Então, o filho de mãe Śacī voltou para Sua própria casa, dançando sem cessar.
VERSO 226:
Esse é o incidente relacionado ao Kazi e à misericórdia do Senhor para com ele. Qualquer pessoa que ouça isto também se livra de todas as ofensas.
VERSO 227:
Certo dia, os dois irmãos, o Senhor Nityānanda Prabhu e Śrī Caitanya Mahāprabhu, dançavam na casa santa de Śrīvāsa Ṭhākura.
VERSO 228:
Nessa hora, uma calamidade aconteceu – o filho de Śrīvāsa Ṭhākura morreu. Contudo, Śrīvāsa Ṭhākura não ficou nem um pouco desolado.
VERSO 229:
Śrī Caitanya Mahāprabhu fez com que o filho morto falasse palavras plenas de conhecimento, e, então, os dois irmãos pessoalmente Se tornaram filhos de Śrīvāsa Ṭhākura.
VERSO 230:
Depois disso, o Senhor caridosamente concedeu Sua bênção a todos os Seus devotos. Ele deu os restos de Seu alimento a Nārāyaṇī, mostrando-lhe respeito especial.
VERSO 231:
Havia um alfaiate que era comedor de carne, mas costurava roupas para Śrīvāsa Ṭhākura. O Senhor, sendo-lhe misericordioso, mostrou a ele Sua forma pessoal.
VERSO 232:
Dizendo “Eu vi! Eu vi!” e dançando em amor extático como se enlouquecido, ele se tornou um vaiṣṇava de primeira classe.
VERSO 233:
Em êxtase, o Senhor pediu que Śrīvāsa Ṭhākura Lhe entregasse Sua flauta, mas Śrīvāsa Ṭhākura respondeu: “Tua flauta foi roubada sorrateiramente pelas gopīs.”
VERSO 234:
Ao ouvir essa resposta, o Senhor disse em êxtase: “Continua falando! Continua falando!” Assim, Śrīvāsa descreveu a doçura transcendental dos passatempos de Śrī Vṛndāvana.
VERSO 235:
No início, Śrīvāsa Ṭhākura descreveu a doçura transcendental dos passatempos de Vṛndāvana. Ouvindo isso, o Senhor sentiu um júbilo grandioso e crescente em Seu coração.
VERSO 236:
Em seguida, o Senhor lhe pediu repetidas vezes: “Fala mais! Fala mais!” Assim, Śrīvāsa descreveu repetidas vezes os passatempos de Vṛndāvana, ampliando-os vividamente.
VERSO 237:
Śrīvāsa Ṭhākura explicou extensamente como as gopīs eram atraídas às florestas de Vṛndāvana pela vibração da flauta de Kṛṣṇa e como vagavam juntas na floresta.
VERSO 238:
Śrīvāsa Paṇḍita narrou todos os passatempos realizados durante as seis diferentes estações. Descreveu como bebiam mel, como celebravam a dança da rāsa, como se banhavam no Yamunā e outros episódios assim.
VERSO 239:
Quando o Senhor, ouvindo com grande prazer, disse: “Continua falando! Continua falando!”, Śrīvāsa Ṭhākura descreveu a rāsa-līlā, a doce dança transcendental.
VERSO 240:
Assim, à medida que o Senhor pedia a Śrīvāsa Ṭhākura que falasse, amanheceu, e o Senhor abraçou Śrīvāsa Ṭhākura, para a satisfação deste.
VERSO 241:
Depois disso, realizou-se uma dramatização dos passatempos de Kṛṣṇa na casa de Advaita Ācārya. O Senhor pessoalmente fez o papel de Rukmiṇī, a principal das rainhas de Kṛṣṇa.
VERSO 242:
Às vezes, o Senhor fazia o papel da deusa Durgā, de Lakṣmī [a deusa da fortuna] ou da potência principal, Yogamāyā. Sentado num catre, Ele distribuiu amor a Deus a todos os devotos presentes.
VERSO 243:
Certo dia, quando Śrī Caitanya Mahāprabhu acabava de dançar, uma mulher, esposa de um brāhmaṇa, apareceu ali e se agarrou a Seus pés de lótus.
VERSO 244:
Enquanto ela pegava repetidas vezes a poeira de Seus pés de lótus, o Senhor ficou ilimitadamente infeliz.
VERSO 245:
Imediatamente, Ele correu para o rio Ganges e mergulhou nele para neutralizar o efeito das atividades pecaminosas daquela mulher. O Senhor Nityānanda e Haridāsa Ṭhākura O pegaram e O retiraram do rio.
VERSO 246:
Naquela noite, o Senhor Se hospedou na casa de Vijaya Ācārya. De manhã, o Senhor reuniu todos os Seus devotos e voltou para casa.
VERSO 247:
Um dia, o Senhor, no êxtase das gopīs, estava sentado em Sua casa. Muito melancólico com saudades, Ele chamava: “Gopī! Gopī!”
VERSO 248:
Um estudante que foi visitar o Senhor ficou espantado ao ouvir o Senhor cantando: “Gopī! Gopī!” Assim, falou como segue.
VERSO 249:
“Por que cantas os nomes ‘gopī gopī’ ao invés do santo nome do Senhor Kṛṣṇa, que é tão glorioso? Que resultado piedoso alcançarás com esse canto?”
VERSO 250:
Ao ouvir o estudante tolo, o Senhor, iradíssimo, censurou o Senhor Kṛṣṇa de diversas maneiras. Tomando de uma vara, ergueu-Se para bater no estudante.
VERSO 251:
O estudante correu de medo, e o Senhor correu atrás dele. De alguma forma, porém, os devotos detiveram o Senhor.
VERSO 252:
Os devotos apaziguaram o Senhor e O levaram para casa, e o estudante fugitivo foi se juntar a uma assembleia de outros estudantes.
VERSO 253:
O estudante brāhmaṇa correu para um local onde mil estudantes estudavam juntos. Ali, descreveu o incidente para eles.
VERSO 254:
Ao ouvir o incidente, todos os estudantes, iradíssimos, se puseram a criticar o Senhor.
VERSO 255:
“Sozinho, Nimāi Paṇḍita estragou o país inteiro”, acusaram-nO. “Ele ousa bater num brāhmaṇa de casta. Ele não teme os princípios religiosos.”
VERSO 256:
“Se Ele cometer essa atrocidade outra vez, certamente nos vingaremos e O atacaremos em represália. Quem é Ele? Acaso é uma pessoa tão importante que pode nos repreender dessa maneira?”
VERSO 257:
Após essa decisão dos estudantes, que criticaram Śrī Caitanya Mahāprabhu diretamente, a inteligência deles se deteriorou. Assim, embora fossem estudiosos eruditos, por causa dessa ofensa, a essência do conhecimento não se manifestou neles.
VERSO 258:
Contudo, a orgulhosa comunidade estudantil não ficou submissa. Ao contrário, os estudantes falaram do incidente em toda parte. Eles criticavam o Senhor de maneira jocosa.
VERSO 259:
Por ser onisciente, o Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu pôde compreender a degradação desses estudantes. Assim, Ele Se sentou em casa, meditando em relação a como salvá-los.
VERSO 260:
“Todos os ditos professores e cientistas e seus alunos geralmente seguem os princípios reguladores de religião, atividades fruitivas e austeridades”, pensava o Senhor. “Todavia, ao mesmo tempo, são blasfemadores e patifes.”
VERSO 261:
“Caso Eu não os induza a aceitar o serviço devocional, nenhuma dessas pessoas, por cometerem a ofensa da blasfêmia, será capaz de aceitá-lo.”
VERSO 262:
“Eu vim para salvar todas as almas caídas, mas agora está acontecendo justamente o oposto. Como poderei salvar esses patifes? Como poderei beneficiá-los?”
VERSO 263:
“Se esses patifes Me oferecerem reverências, as reações de suas atividades pecaminosas serão anuladas. Então, caso Eu os induza, eles aceitarão o serviço devocional.”
VERSO 264:
“Certamente devo libertar todas essas almas caídas que blasfemam contra Mim e não Me oferecem reverências.”
VERSO 265:
“Devo aceitar a ordem de vida de sannyāsa, pois, dessa maneira, as pessoas Me oferecerão suas reverências, considerando-Me um membro da ordem renunciada.”
VERSO 266:
“Se Me prestarem reverências, eles se libertarão de todas as reações às suas ofensas. Então, por Minha graça, o serviço devocional [bhakti] despertará em seus corações puros.”
VERSO 267:
“Todos os patifes infiéis deste mundo podem se libertar por este processo. Não há alternativa. Essa é a essência da razão.”
VERSO 268:
Após chegar a essa sólida conclusão, o Senhor permaneceu em casa. Neste ínterim, Keśava Bhāratī chegou à cidade de Nadia.
VERSO 269:
O Senhor lhe prestou respeitosas reverências e o convidou à Sua casa. Após alimentá-lo suntuosamente, fez-lhe o seguinte pedido.
VERSO 270:
“Senhor, és o próprio Nārāyaṇa. Portanto, por favor, tem misericórdia de Mim. Liberta-Me deste cativeiro material.”
VERSO 271:
Keśava Bhāratī respondeu ao Senhor: “És a Suprema Personalidade de Deus, a Superalma. Tudo o que eu fizer, devo fazer segundo Tua orientação. Não sou independente de Ti.”
VERSO 272:
Após dizer isso, Keśava Bhāratī, o mestre espiritual, regressou a sua vila, Katwa. O Senhor Caitanya Mahāprabhu foi até lá e recebeu dele a ordem de vida renunciada (sannyāsa).
VERSO 273:
Quando Śrī Caitanya Mahāprabhu tomou sannyāsa, três pessoas estavam com Ele para realizar todas as atividades necessárias. Eram elas: Nityānanda Prabhu, Candraśekhara Ācārya e Mukunda Datta.
VERSO 274:
Assim, acabo de resumir os episódios da Ādi-līlā. Śrīla Vṛndāvana Dāsa Ṭhākura os descreveu de forma elaborada [em seu Caitanya-bhāgavata].
VERSO 275:
A mesma Suprema Personalidade de Deus que apareceu como o filho de mãe Yasodā agora apareceu como o filho de mãe Śacī, saboreando quatro classes de atividades devocionais.
VERSO 276:
Para saborear a doce qualidade das aventuras amorosas de Śrīmatī Rādhārāṇī em Seu relacionamento com Kṛṣṇa, e para entender o reservatório de prazer em Kṛṣṇa, o próprio Kṛṣṇa, como Śrī Caitanya Mahāprabhu, assumiu a atitude de Rādhārāṇī.
VERSO 277:
O Senhor Caitanya Mahāprabhu assumiu a atitude das gopīs, que aceitam Vrajendra-nandana, Śrī Kṛṣṇa, como amante delas.
VERSO 278:
Verificou-se seguramente que a atitude extática das gopīs só é possível perante Kṛṣṇa, e ninguém mais.
VERSO 279:
Ele tem uma tez azulada, uma pluma de pavão sobre Sua cabeça, uma guirlanda de guñjā e as decorações de um vaqueirinho. Seu corpo é curvado em três partes, e Ele tem uma flauta em Sua boca.
VERSO 280:
Se o Senhor Kṛṣṇa abandona essa forma original e assume outra forma de Viṣṇu, a intimidade com Ele não pode despertar a atitude extática das gopīs.
VERSO 281:
“Certa vez, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, com ares de brincalhão, Se manifestou como Nārāyaṇa, com quatro braços vitoriosos e uma forma belíssima. No entanto, a visão dessa forma sublime frustrou os sentimentos extáticos das gopīs. Portanto, um estudioso erudito não pode compreender os sentimentos extáticos das gopīs, que se mantêm firmemente fixos na forma original do Senhor Kṛṣṇa como o filho de Nanda Mahārāja. Os maravilhosos sentimentos das gopīs em parama-rasa extática com Kṛṣṇa são o maior mistério na vida espiritual.”
VERSO 282:
Durante a estação da primavera, quando a dança da rāsa acontecia, de repente Kṛṣṇa desapareceu da cena, mostrando que desejava ficar sozinho com Śrīmatī Rādhārāṇī.
VERSO 283:
Kṛṣṇa estava sentado em um arbusto solitário, esperando Śrīmatī Rādhārāṇī passar. Porém, enquanto aguardava, as gopīs chegaram ali, como uma falange de soldados.
VERSO 284:
“Vede só!”, disseram as gopīs ao verem Kṛṣṇa à distância. “Aqui está Kṛṣṇa, o filho de Nanda Mahārāja, dentro de um arbusto.”
VERSO 285:
Logo que Kṛṣṇa viu todas as gopīs, ficou emocionado. Por isso, não pôde Se esconder e, por medo, ficou imóvel.
VERSO 286:
Kṛṣṇa assumiu Sua forma de quatro braços como Nārāyaṇa e ficou sentado ali. Ao se aproximarem todas as gopīs e O verem ali, elas falaram o seguinte.
VERSO 287:
“Este não é Kṛṣṇa! É a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa.” Após dizerem isso, elas Lhe ofereceram reverências e as seguintes orações respeitosas.
VERSO 288:
“Ó Senhor Nārāyaṇa, oferecemos nossas respeitosas reverências a Vós. Por favor, tende misericórdia de nós. Dai-nos a associação de Kṛṣṇa e, dessa forma, acabai com a nossa lamentação.”
VERSO 289:
Após dizerem isso e prestarem suas reverências, todas as gopīs se dispersaram. Então, Śrīmatī Rādhārāṇī apareceu ali e Se aproximou do Senhor Kṛṣṇa.
VERSO 290:
Ao ver Rādhārāṇī, o Senhor Kṛṣṇa desejou manter a forma de quatro braços para brincar com Ela.
VERSO 291:
Diante de Śrīmatī Rādhārāṇī, Śrī Kṛṣṇa tentou esconder Sua forma de dois braços. Ele tentou ao máximo manter Seus quatro braços perante Ela, mas foi inteiramente incapaz de o fazer.
VERSO 292:
A influência do êxtase puro de Rādhārāṇī é tão inconcebivelmente grande que forçou Kṛṣṇa a voltar à Sua forma original de dois braços.
VERSO 293:
“Antes da dança da rāsa, o Senhor Kṛṣṇa Se escondeu num arvoredo só por diversão. Quando as gopīs chegaram, com olhos semelhantes àqueles de uma gazela, Kṛṣṇa, com Sua inteligência aguda, escondeu-Se delas lhes mostrando Sua bela forma de quatro braços. Porém, quando Śrīmatī Rādhārāṇī chegou ali, Kṛṣṇa não conseguiu manter Seus quatro braços na presença dEla. Essa é a glória maravilhosa do amor dEla.”
VERSO 294:
Pai Nanda, o rei de Vrajabhūmi, agora é Jagannātha Miśra, o pai de Caitanya Mahāprabhu. E mãe Yaśodā, a rainha de Vrajabhūmi, agora é Śacīdevī, a mãe do Senhor Caitanya.
VERSO 295:
O antigo filho de Nanda Mahārāja agora é Śrī Caitanya Mahāprabhu, e o antigo Baladeva, o irmão de Kṛṣṇa, é agora Nityānanda Prabhu, o irmão do Senhor Caitanya.
VERSO 296:
Śrī Nityānanda Prabhu sempre sente as emoções extáticas de paternidade, servidão e amizade. Ele sempre auxilia Śrī Caitanya Mahāprabhu dessa maneira.
VERSO 297:
Śrī Nityānanda Prabhu inundou o mundo inteiro, distribuindo o transcendental serviço amoroso. Ninguém pode entender Seu caráter e atividades.
VERSO 298:
Śrīla Advaita Ācārya Prabhu apareceu como a encarnação de um devoto. Ele está na categoria de Kṛṣṇa, mas desceu a esta Terra para propagar o serviço devocional.
VERSO 299:
Suas emoções naturais sempre estavam na plataforma de fraternidade e servidão, mas o Senhor às vezes O tratava como Seu mestre espiritual.
VERSO 300:
Todos os devotos de Śrī Caitanya Mahāprabhu, encabeçados por Śrīvāsa Ṭhākura, têm seus próprios humores emocionais, com os quais prestam serviço ao Senhor.
VERSO 301:
Associados pessoais, como Gadādhara, Svarūpa Dāmodara, Rāmānanda Rāya, e os seis Gosvāmīs, encabeçados por Rūpa Gosvāmī, estão todos situados em seus respectivos humores transcendentais. Assim, o Senhor Se submete a diversas posições transcendentalmente doces.
VERSO 302:
Na kṛṣṇa-līlā, a tez do Senhor é enegrecida. Com a flauta na boca, Ele desfruta como um vaqueirinho. Agora, a mesmíssima pessoa apareceu com tez clara, ora agindo como brāhmaṇa, ora aceitando a ordem de vida renunciada.
VERSO 303:
Portanto, o próprio Senhor, assumindo o êxtase emocional das gopīs, agora fala assim ao filho de Nanda Mahārāja: “Ó senhor de Minha vida! Ó Meu querido esposo!”
VERSO 304:
Ele é Kṛṣṇa, mas assumiu a atitude das gopīs. Como é isso? Assim é o caráter inconcebível do Senhor, que é muito difícil de entender.
VERSO 305:
Não se podem entender as contradições no caráter do Senhor Caitanya apresentando lógica e argumentos mundanos. Em consequência disso, não se devem manter dúvidas a esse respeito. Deve-se apenas tentar entender a energia inconcebível de Kṛṣṇa; caso contrário, não se pode entender como são possíveis tais contradições.
VERSO 306:
Os passatempos de Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu são inconcebíveis e maravilhosos. Seu êxtase é maravilhoso, Suas qualidades são maravilhosas e Seu comportamento é maravilhoso.
VERSO 307:
Caso alguém simplesmente se apoie em argumentos mundanos e, portanto, não aceite isto, cozinhará no inferno Kumbhīpāka. Para ele, não há salvação.
VERSO 308:
“Qualquer coisa transcendental à natureza material se chama ‘inconcebível’, ao passo que todos os argumentos são mundanos. Uma vez que argumentos mundanos não podem abranger os assuntos transcendentais, não se deve tentar entender assuntos transcendentais através de argumentos mundanos.”
VERSO 309:
Apenas uma pessoa que tenha firme fé nos passatempos maravilhosos do Senhor Caitanya Mahāprabhu é que pode se aproximar de Seus pés de lótus.
VERSO 310:
Neste discurso, expliquei a essência das conclusões devocionais. Qualquer pessoa que o ouça desenvolve imaculado serviço devocional ao Senhor.
VERSO 311:
Se eu repetir o que já foi escrito, poderei, então, saborear o propósito desta escritura.
VERSO 312:
Podemos ver na escritura Śrīmad-Bhāgavatam a conduta de seu autor, Śrī Vyāsadeva. Após falar a narração, ele a repete várias vezes.
VERSO 313:
Portanto, enumerarei os capítulos da Ādi-līlā. No primeiro capítulo, presto reverências ao mestre espiritual, pois esse é o começo auspicioso para quem escreve.
VERSO 314:
O segundo capítulo expõe a verdade de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Ele é a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, o filho de Mahārāja Nanda.
VERSO 315:
Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu, que é o próprio Kṛṣṇa, apareceu agora como o filho de mãe Śacī. O terceiro capítulo descreve a causa geral de Seu aparecimento.
VERSO 316:
O terceiro capítulo descreve especificamente a distribuição do amor a Deus. Descreve, também, a religião da era, que é simplesmente distribuir o santo nome do Senhor Kṛṣṇa e propagar o processo de amá-lO.
VERSO 317:
O quarto capítulo descreve a razão principal para Seu aparecimento, que é saborear a doce qualidade de Seu próprio transcendental serviço amoroso e Sua própria doçura.
VERSO 318:
O quinto capítulo descreve a verdade do Senhor Nityānanda Prabhu, que não é nenhum outro senão Balarāma, o filho de Rohiṇī.
VERSO 319:
O sexto capítulo considera a verdade de Advaita Ācārya. Ele é uma encarnação de Mahā-Viṣṇu.
VERSO 320:
O sétimo capítulo descreve o Pañca-tattva – Śrī Caitanya, Prabhu Nityānanda, Śrī Advaita, Gadādhara e Śrīvāsa. Todos eles se juntaram para distribuir amor a Deus em toda parte.
VERSO 321:
O oitavo capítulo apresenta a razão de serem descritos os passatempos do Senhor Caitanya. Descreve, também, a grandeza do santo nome do Senhor Kṛṣṇa.
VERSO 322:
O nono capítulo descreve a árvore-dos-desejos do serviço devocional. O próprio Śrī Caitanya Mahāprabhu é o jardineiro que a plantou.
VERSO 323:
O décimo capítulo descreve os galhos e galhos secundários do tronco principal e a distribuição de seus frutos.
VERSO 324:
O décimo primeiro capítulo descreve o galho chamado Śrī Nityānanda Prabhu. O décimo segundo capítulo descreve o galho chamado Śrī Advaita Prabhu.
VERSO 325:
O décimo terceiro capítulo descreve o nascimento de Śrī Caitanya Mahāprabhu, que aconteceu ao som do canto do santo nome de Kṛṣṇa.
VERSO 326:
O décimo quarto capítulo fornece alguma descrição dos passatempos infantis do Senhor. O décimo quinto descreve brevemente os passatempos da meninice do Senhor.
VERSO 327:
No décimo sexto capítulo, apresento os passatempos da idade kaiśora [a idade anterior à juventude]. No décimo sétimo capítulo, descrevo, em específico, os passatempos de Sua juventude.
VERSO 328:
Assim, há dezessete variedades de assuntos no primeiro canto, que é conhecido como Ādi-līlā. Doze dessas variedades constituem o prefácio desta escritura.
VERSO 329:
Após os capítulos do prefácio, descrevi cinco doçuras transcendentais em cinco capítulos. Ao invés de os descrever extensivamente, eu os descrevi de forma muito sucinta.
VERSO 330:
Pela ordem e força de Śrī Nityānanda Prabhu, Śrī Vṛndāvana Dāsa Ṭhākura descreveu de forma elaborada em seu Caitanya-maṅgala tudo o que eu não descrevi.
VERSO 331:
Os passatempos do Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu são maravilhosos e ilimitados. Mesmo personalidades como o senhor Brahmā, o senhor Śiva e Śeṣa Nāga não podem encontrar o fim deles.
VERSO 332:
Qualquer pessoa que descreva ou ouça qualquer parte deste elaborado assunto receberá, muito em breve, a misericórdia imotivada de Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu.
VERSO 333:
[Aqui o autor novamente descreve o Pañca-tattva.] Śrī Kṛṣṇa Caitanya, Prabhu Nityānanda, Śrī Advaita, Gadādhara, Śrīvāsa e todos os devotos do Senhor Caitanya.
VERSO 334:
Ofereço minhas respeitosas reverências a todos os residentes de Vṛndāvana. Desejo colocar seus pés de lótus sobre minha cabeça com muita humildade.
VERSOS 335-336:
Desejo colocar os pés de lótus dos Gosvāmīs sobre minha cabeça. Seus nomes são Śrī Svarūpa Dāmodara, Śrī Rūpa Gosvāmī, Śrī Sanātana Gosvāmī, Śrī Raghunātha Dāsa Gosvāmī e Śrī Jīva Gosvāmī. Colocando seus pés de lótus sobre minha cabeça, esperando servi-los sempre, eu, Kṛṣṇadāsa, narro o Śrī Caitanya-caritāmṛta, seguindo seus passos.