Skip to main content

Capítulo Oito

A Batedura do Oceano de Leite

Este capítulo descreve como a deusa da fortuna apareceu durante a batedura do oceano de leite e como ela aceitou o Senhor Viṣṇu como esposo. Como se descreve mais tarde neste capítulo, quando Dhanvantari apareceu com um pote de néctar, os demônios imediatamente arrebataram dele o pote. Todavia, apenas para cativar os demônios e salvar o néctar de modo que este ficasse nas mãos dos semideuses, o Senhor Viṣṇu apareceu como a encarnação Mohinī, a mulher mais bela do mundo.

Depois que o senhor Śiva bebeu todo o veneno, tanto os semideuses quanto os demônios sentiram-se encorajados e reassumiram suas ativida­des atinentes a bater o oceano. Devido a essa batedura, primeiramente se pro­duziu uma vaca surabhi. Grandes pessoas santas acolheram essa vaca para, através de seu leite, obter manteiga clarificada e, com essa manteiga clarificada, fazer oblações por intermédio de grandes sacrifícios. Depois, gerou-se um cavalo chamado Uccaiḥśravā. Esse cavalo foi levado por Bali Mahārāja. Apareceram, então, Airāvata e outros elefantes que podiam ir a qualquer parte, em qualquer direção, e também apareceram elefantas. A joia conhecida como Kaustubha também foi produzida, e o Senhor Viṣṇu a pegou e a colocou em Seu peito. Depois, gerou-se uma flor pārijāta e as Apsarās, as mais belas mulheres do universo. Em seguida, surgiu Lakṣmī, a deusa da fortuna. Os semideuses, os grandes sábios, os Gandharvas e outros ofereceram respeitosa adoração a Lakṣmī. A deusa da fortuna não conseguia encontrar ninguém que estivesse à altura de ser seu esposo. Finalmente, ela escolheu o Senhor Viṣṇu como seu amo. O Senhor Viṣṇu lhe conferiu um lugar em Seu peito, onde ela passou a re­sidir eternamente. Devido a esse enlace entre Lakṣmī e Nārāyaṇa, todos os que estavam presentes, incluindo os semideuses e as pessoas em geral, ficaram muito satisfeitos. Os demônios, contudo, sendo negligenciados pela deusa da fortuna, ficaram muito deprimidos. Foi então que se gerou Vāruṇī, a deusa das bebidas alcoólicas, e, por ordem do Senhor Viṣṇu, os demônios aceitaram-na. Depois, os demônios e semideuses, com sua energia renovada, recomeçaram a bater o oceano. Dessa vez, surgiu uma encarnação parcial do Senhor Viṣṇu, chamada Dhanvantari. Ele era muito belo, e carregava uma jarra contendo néctar. Os demônios arrebataram de imediato a jarra das mãos de Dhanvantari e fugiram apressadamente, e os semideuses, muito melancólicos, refugiaram-se em Viṣṇu. Depois que pegaram a jarra que estava com Dhanvantari, os demônios começaram a lutar entre si. O Senhor Viṣṇu consolou os semideuses, que, portanto, não lutaram, senão que permaneceram quietos. Enquanto a luta prosseguia entre os demônios, o próprio Senhor apareceu como a encarnação Mohinī, a mulher mais bela do universo.

Texto

śrī-śuka uvāca
pīte gare vṛṣāṅkeṇa
prītās te ’mara-dānavāḥ
mamanthus tarasā sindhuṁ
havirdhānī tato ’bhavat

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; pīte — foi bebido; gare — quando o veneno; vṛṣa-aṅkeṇa — pelo senhor Śiva, que monta sobre um touro; prītāḥ — estando satisfeitos; te — todos eles; amara — os semideuses; dānavāḥ — e os demônios; mamanthuḥ — recomeçaram a bater; tarasā — com muita força; sindhum — o oceano de leite; ha­virdhānī — a vaca surabhi, que é a fonte da manteiga clarificada; tataḥ — daquela batedura; abhavat — foi gerada.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Depois que o senhor Śiva bebeu o veneno, tanto os semideuses quanto os demônios, sentindo-se muito satisfeitos, começaram a bater o oceano com renovado vigor. Como resultado disso, apareceu uma vaca conhecida como surabhi.

Comentário

SIGNIFICADO—A vaca surabhi é descrita como havirdhānī, a fonte da manteiga. Quando se derrete a manteiga para tirar-lhe as impurezas, é produzido o ghī, ou manteiga clarificada, a qual é imprescindível na realização dos grandes sacrifícios ritualísticos. Como se afirma na Bhagavad-gītā (18.5), yajña-dāna-tapaḥ-karma na tyājyaṁ kāryam eva tat: sacrifício, caridade e austeridade são essenciais para se manter a sociedade humana em perfeita paz e prosperidade. Yajña, a realização de sa­crifícios, é algo essencial. Na realização de yajñas, a manteiga clarificada é absolutamente necessária, e, para a obtenção da manteiga clarificada, o leite é necessário. Por sua vez, o leite é produzido quando existem vacas o suficiente. Por isso, a Bhagavad-gītā (18.44) recomenda a proteção à vaca (kṛṣi-go-rakṣya-vāṇijyaṁ vaiśya-karma svabhāva jam).

Texto

tām agni-hotrīm ṛṣayo
jagṛhur brahma-vādinaḥ
yajñasya deva-yānasya
medhyāya haviṣe nṛpa

Sinônimos

tām — aquela vaca; agni-hotrīm — absolutamente necessária para a produção de iogurte, leite e ghī que pudessem ser apresentados como oblações no fogo; ṛṣayaḥ — sábios que realizam esses sacrifí­cios; jagṛhuḥ — encarregaram-se de; brahma-vādinaḥ — porque esses sábios conhecem as cerimônias ritualísticas védicas; yajñasya — de sacrifício; deva-yānasya — que satisfaz o desejo de elevação aos sistemas planetários superiores e a Brahmaloka; medhyāya — competentes para fazerem oblações; haviṣe — com o propósito de obter manteiga clarificada pura; nṛpa — ó rei.

Tradução

Ó rei Parīkṣit, grandes sábios que eram completamente entendidos nas cerimônias ritualísticas védicas responsabilizaram-se por aquela vaca surabhi, que produzia todo o iogurte, leite e ghī absolutamente necessários para que se apresentassem oblações no fogo. Eles assim procederam porque tinham como propósito obter ghī puro, o qual desejavam para a realização de sacrifícios mediante os quais pudes­sem elevar-se aos sistemas planetários superiores, até Brahmaloka.

Comentário

SIGNIFICADO—As vacas surabhis são geralmente encontradas nos planetas Vaikuṇṭha. Como se descreve na Brahma-saṁhitā, o Senhor Kṛṣṇa, em Seu planeta, Goloka Vṛndāvana, ocupa-Se em apascentar as vacas surabhi (surabhīr abhipālayantam). Essas vacas são os animais de estimação do Senhor. A partir da vaca surabhi, pode-se tirar tanto leite quanto se necessite, e podem-se ordenhar essas vacas quantas vezes se deseje. Em outras palavras, a vaca surabhi pode produzir leite em quantidade ilimitada. O leite é necessário para a realização de yajñas. Os sábios discernem como usar o leite para elevar a sociedade humana à perfeição da vida. Uma vez que a proteção à vaca é reco­mendada em todas as passagens dos śāstras, os brahmavādīs encar­regaram-se da vaca surabhi, na qual os demônios não tinham grande interesse.

Texto

tata uccaiḥśravā nāma
hayo ’bhūc candra-pāṇḍuraḥ
tasmin baliḥ spṛhāṁ cakre
nendra īśvara-śikṣayā

Sinônimos

tataḥ — depois disso; uccaiḥśravāḥ nāma — chamado Uccaiḥśravā; hayaḥ — um cavalo; abhūt — foi gerado; candra-pāṇḍuraḥ — sendo tão branco como a Lua; tasmin — dele; baliḥ — Mahārāja Bali; spṛhām cakre — desejou apossar-se; na — não; indraḥ — o rei dos semideuses; īśvara-śikṣayā — pelo conselho anterior do Senhor.

Tradução

Em seguida, gerou-se um cavalo chamado Uccaiḥśravā, que era tão branco como a Lua. Bali Mahārāja desejou apossar-se desse ca­valo, e Indra, o rei dos céus, não protestou, pois já recebera esse conselho da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

tata airāvato nāma
vāraṇendro vinirgataḥ
dantaiś caturbhiḥ śvetādrer
haran bhagavato mahim

Sinônimos

tataḥ — depois disso; airāvataḥ nāma — chamado Airāvata; vāraṇa­-indraḥ — o rei dos elefantes; vinirgataḥ — foi gerado; dantaiḥ — com suas presas; caturbhiḥ — quatro; śveta — branco; adreḥ — da montanha; haran — desafiando; bhagavataḥ — do senhor Śiva; mahim — as glórias.

Tradução

No próximo resultado da batedura, gerou-se o rei dos elefantes, chamado Airāvata. Esse elefante era branco e, com suas quatro presas, desafiou as glórias da montanha Kailāsa, a gloriosa morada do senhor Śiva.

Texto

airāvaṇādayas tv aṣṭau
dig-gajā abhavaṁs tataḥ
abhramu-prabhṛtayo ’ṣṭau ca
kariṇyas tv abhavan nṛpa

Sinônimos

airāvaṇa-ādayaḥ — encabeçados por Airāvaṇa; tu — mas; aṣṭau — oito; dik-gajāḥ — elefantes que podiam percorrer qualquer direção; abhavan — foram gerados; tataḥ — em seguida; abhramu-prabhṛtayaḥ — encabeçadas pela elefanta chamada Abhramu; aṣṭau — oito; ca — também; kariṇyaḥ — elefantas; tu — na verdade; abhavan — também geradas; nṛpa — ó rei.

Tradução

Em seguida, ó rei, oito grandes elefantes, que podiam locomover-se em qualquer direção, foram gerados. Eles eram encabeçados por Airāvaṇa. Oito elefantas, encabeçadas por Abhramu, também foram geradas.

Comentário

SIGNIFICADO—Os nomes dos oito elefantes eram Airāvaṇa, Puṇḍarīka, Vāmana, Kumuda, Añjana, Puṣpadanta, Sārvabhauma e Supratīka.

Texto

kaustubhākhyam abhūd ratnaṁ
padmarāgo mahodadheḥ
tasmin maṇau spṛhāṁ cakre
vakṣo-’laṅkaraṇe hariḥ
tato ’bhavat pārijātaḥ
sura-loka-vibhūṣaṇam
pūrayaty arthino yo ’rthaiḥ
śaśvad bhuvi yathā bhavān

Sinônimos

kaustubha-ākhyam — conhecida como Kaustubha; abhūt — foi gera­da; ratnam — uma pedra preciosa; padmarāgaḥ — outra joia, chamada Padmarāga; mahā-udadheḥ — daquele grande oceano de leite; tasmin — aquela; maṇau — joia; spṛhām cakre — desejou possuir; vakṣaḥ-alaṅkaraṇe — para decorar Seu peito; hariḥ — o Senhor, a Suprema Personalidade de Deus; tataḥ — logo após; abhavat — foi gerada; pārijātaḥ — a flor celestial chamada pārijāta; sura-loka-vibhūṣaṇam — que ornamenta os planetas celestiais; pūrayati — satisfaz; arthinaḥ — con­cedendo às pessoas desejosas de obter riquezas materiais; yaḥ — aquilo que; arthaiḥ — através do que é desejado; śaśvat — sempre; bhuvi — neste planeta; yathā — como; bhavān — Vossa Onipotência (Mahārāja Parīkṣit).

Tradução

Logo após, foram geradas do grande oceano as célebres joias Kaustubha-maṇi e Padmarāga-maṇi. Para decorar Seu peito, o Senhor Viṣṇu desejou possuí-las. Em seguida, foi gerada a flor pāri­jāta, que ornamenta os planetas celestiais. Ó rei, assim como, neste planeta, satisfazes os desejos de todos, concretizando-lhes todas as ambições, a pārijāta também satisfaz os desejos de todos.

Texto

tataś cāpsaraso jātā
niṣka-kaṇṭhyaḥ suvāsasaḥ
ramaṇyaḥ svargiṇāṁ valgu-
gati-līlāvalokanaiḥ

Sinônimos

tataḥ — então; ca — também; apsarasaḥ — as residentes de Apsaroloka; jātāḥ — foram geradas; niṣka-kaṇṭhyaḥ — decoradas com colares de ouro; su-vāsasaḥ — trajando vestes finas; ramaṇyaḥ — extremamente belas e atrativas; svargiṇām — dos habitantes dos planetas celestes; valgu-gati-līlā-avalokanaiḥ — movendo-se muito suavemente, atraem o coração de todos.

Tradução

Em seguida, apareceram as Apsarās [que servem de prostitutas nos planetas celestiais]. Elas estavam plenamente decoradas com adornos e broches de ouro e trajavam roupas finas e atraen­tes. As Apsarās se locomovem muito vagarosamente e em um estilo tão provocante que confunde os habitantes dos planetas celestiais.

Texto

tataś cāvirabhūt sākṣāc
chrī ramā bhagavat-parā
rañjayantī diśaḥ kāntyā
vidyut saudāmanī yathā

Sinônimos

tataḥ — depois disso; ca — e; āvirabhūt — manifestou-se; sākṣāt — diretamente; śrī — a deusa da fortuna; ramā — conhecida como Ramā; bhagavat-parā — totalmente inclinada a ser possuída pela Suprema Personalidade de Deus; rañjayantī — iluminando; diśaḥ — todas as direções; kāntyā — com o brilho; vidyut — relâmpago; saudāmanī — Saudāmanī; yathā — como.

Tradução

Apareceu então a deusa da fortuna, Ramā, que se dedica a propiciar o pleno desfrute da Suprema Personalidade de Deus. Ela pa­recia a eletricidade, superando em luz o relâmpago que é capaz de iluminar uma montanha de mármore.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī significa opulência. Kṛṣṇa é o proprietário de todas as opulências.

bhoktāraṁ yajña-tapasāṁ
sarva-loka-maheśvaram
suhṛdaṁ sarva-bhūtānāṁ
jñātvā māṁ śāntim ṛcchati

Esta fórmula da paz mundial é encontrada na Bhagavad-gītā (5.29). Quando as pessoas reconhecerem que Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, é o desfrutador supremo, o proprietário supremo e o amigo mais ínti­mo e benquerente de todas as entidades vivas, a paz e a prosperidade reinarão no mundo inteiro. Infelizmente, as almas condicionadas, sendo colocadas em ilusão pela energia externa do Senhor, querem lutar entre si, daí não haver paz. O primeiro prerrequisito para a paz é que toda a riqueza apresentada por Śrī, a deusa da fortuna, seja oferecida à Suprema Personalidade de Deus. A pessoa deve abandonar o falso conceito de que ela possui algo neste mundo e, então, oferecer tudo a Kṛṣṇa. Esse é o ensinamento do movimento da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

tasyāṁ cakruḥ spṛhāṁ sarve
sasurāsura-mānavāḥ
rūpaudārya-vayo-varṇa-
mahimākṣipta-cetasaḥ

Sinônimos

tasyām — a ela; cakruḥ — fizeram; spṛhām — desejo; sarve — todos; sa-sura-asura-mānavāḥ — os semideuses, os demônios e os seres humanos; rūpa-audārya — pela rara beleza e traços físicos; vayaḥ — juventude; varṇa — tez; mahimā — glórias; ākṣipta — agitadas; cetasaḥ — suas mentes.

Tradução

Devido à sua rara beleza, seus traços físicos, sua juventude, sua tez e suas glórias, todos, incluindo os semideuses, os demônios e os seres humanos, desejaram-na. Eles se sentiram atraídos porque ela é a fonte de toda opulência.

Comentário

SIGNIFICADO—Quem neste mundo não quer possuir riqueza, beleza e respeitabilidade social consequente a essas opulências? De um modo geral, as pessoas desejam gozo material, opulência material e o convívio com membros familiares aristocráticos (bhogaiśvarya-prasaktānām). O gozo material acha-se correlacionado com dinheiro, beleza e com a reputação que os acompanha, todos os quais podem ser alcançados pela misericórdia da deusa da fortuna. A deusa da fortuna, entretanto, jamais está sozinha. Como indica no verso anterior a palavra bhagavat-parā, ela é propriedade da Suprema Personalidade de Deus e é desfrutada unicamente por Ele. Se alguém ambiciona obter o favor da deusa da fortuna, mãe Lakṣmī, deve compreender que, como ela é bhagavat-parā por natureza, cabe-nos deixá-la estar com Nārāyaṇa. Os devotos que sempre se ocupam a serviço de Nārāyaṇa (nārāyaṇa-parāyaṇa) podem fácil e indubitavelmente alcançar o favor da deusa da fortuna, mas os materialistas, que tentam obter o favor da deusa da fortuna somente para esbanjá-lo no gozo pessoal, acabam frustrando-se. A política deles não é muito boa. O cé­lebre demônio Rāvaṇa, por exemplo, quis privar Rāmacandra de Lakṣmī, Sītā, e dessa maneira ser vitorioso, mas o resultado foi precisamente o oposto. Sītā, evidentemente, foi resgatada pelo Senhor Rāma­candra, e Rāvaṇa e todo o seu império material foram aniquilados. A deusa da fortuna é cobiçada por todos, inclusive pelos seres hu­manos, mas deve-se entender que a deusa da fortuna é propriedade exclusiva da Suprema Personalidade de Deus. Pode alcançar a misericórdia da deusa da fortuna apenas quem ora tanto a ela quanto ao desfrutador supremo, a Personalidade de Deus.

Texto

tasyā āsanam āninye
mahendro mahad-adbhutam
mūrtimatyaḥ saric-chreṣṭhā
hema-kumbhair jalaṁ śuci

Sinônimos

tasyāḥ — para ela; āsanam — um assento; āninye — trouxe; mahā­-indraḥ — o rei dos céus, Indra; mahat — gloriosas; adbhutam — maravilhosas; mūrti-matyaḥ — aceitando formas; sarit-śreṣṭhāḥ — as melhores entre várias águas sagradas; hema — de ouro; kumbhaiḥ — com cântaros; jalam — água; śuci — pura.

Tradução

Indra, o rei dos céus, trouxe para a deusa da fortuna um assento adequado. Todos os rios de água sagrada, tais como o Ganges e o Yamunā, personificaram-se, e cada um deles trouxe água pura, con­tida em cântaros de ouro, e ofereceu essa água à mãe Lakṣmī, a deusa da fortuna.

Texto

ābhiṣecanikā bhūmir
āharat sakalauṣadhīḥ
gāvaḥ pañca pavitrāṇi
vasanto madhu-mādhavau

Sinônimos

ābhiṣecanikāḥ — parafernália necessária para a instalação da Deidade; bhūmiḥ — a terra; āharat — reuniu; sakala — toda classe de; auṣadhīḥ — substâncias medicinais e ervas; gāvaḥ — as vacas; pañca — cinco diferentes variedades de produtos da vaca, a saber, leite, io­gurte, manteiga clarificada, esterco e urina de vaca; pavitrāṇi — não contaminados; vasantaḥ — a primavera personificada; madhu-mādhavau — flores e frutos produzidos durante a primavera, ou nos meses de caitra e vaiśākha.

Tradução

A terra se tornou uma pessoa e reuniu todas as substâncias medi­cinais e ervas necessárias para instalar a Deidade. As vacas fornece­ram cinco produtos, a saber, leite, iogurte, ghī, urina e esterco, e a primavera personificada coletou todos os produtos primaveris que aparecem durante os meses de caitra e vaiśākha [abril e maio].

Comentário

SIGNIFICADO—Pañca-gavya, os cinco produtos recebidos da vaca, a saber, leite, iogurte, ghī, esterco e urina de vaca, são necessários em todas as cerimônias ritualísticas realizadas de acordo com as orientações védicas. A urina e o esterco da vaca não são contaminados, e, uma vez que até mesmo essa urina e esterco de vaca são tão relevantes, nem podemos imaginar quão importante é esse animal para a civilização humana. Portanto, Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, advoga diretamente go-rakṣya, a proteção às vacas. Os homens civilizados que seguem o sistema de varṇāśrama, especialmente aqueles da classe vaiśya, que se ocupam em agricultura e negócios, devem proteger as vacas. Infelizmente, porque a população de Kali-yuga é mandāḥ, completamente má, e sumanda-matayaḥ, desencaminhada pelas falsas concepções da vida, ela está matando milhares de vacas. Portan­to, sua consciência espiritual é precária, e a natureza a perturba com várias classes de incômodos, especialmente através de doenças in­curáveis, como o câncer, e frequentes guerras entre as nações. Enquan­to a sociedade humana continuar permitindo que as vacas sejam regularmente chacinadas em matadouros, a paz e a prosperidade es­tarão fora de cogitação.

Texto

ṛṣayaḥ kalpayāṁ cakrur
ābhiṣekaṁ yathā-vidhi
jagur bhadrāṇi gandharvā
naṭyaś ca nanṛtur jaguḥ

Sinônimos

ṛṣayaḥ — os grandes sábios; kalpayām cakruḥ — executaram; ābhiṣekam — a cerimônia de abhiṣeka, que é necessária durante a instalação da Deidade; yathā-vidhi — conforme as diretrizes contidas nas escrituras autorizadas; jaguḥ — cantaram mantras védicos; bhadrāṇi — toda a boa fortuna; gandharvāḥ — e os habitantes de Gandharva­loka; naṭyaḥ — as mulheres dançarinas profissionais; ca — também; nanṛtuḥ — dançaram muito apuradamente na ocasião; jaguḥ — e canta­ram canções autorizadas prescritas nos Vedas.

Tradução

Os grandes sábios executaram a cerimônia do banho da deusa da fortuna conforme as diretrizes contidas nas escrituras autorizadas, os Gandharvas cantaram mantras védicos auspiciosíssimos, e as dançarinas profissionais dançaram com muito esmero as canções autorizadas prescritas nos Vedas.

Texto

meghā mṛdaṅga-paṇava-
murajānaka-gomukhān
vyanādayan śaṅkha-veṇu-
vīṇās tumula-niḥsvanān

Sinônimos

meghāḥ — nuvens personificadas; mṛdaṅga — tambores; paṇava — timbales; muraja — outra espécie de tambor; ānaka — outra espécie de tambor; gomukhān — uma espécie de clarim; vyanādayan — sopra­ram; śaṅkha — búzios; veṇu — flautas; vīṇāḥ — instrumentos de corda; tumula — tonitruante; niḥsvanān — vibração.

Tradução

As nuvens em suas formas personificadas percutiram várias espécies de tambores, conhecidos como mṛdaṅgas, paṇavas, murajas e ānakas. Elas também sopraram búzios e clarins, conhecidos como gomukhas, e tocaram flautas e instrumentos de corda. O som combinado desses instrumentos era tonitruante.

Texto

tato ’bhiṣiṣicur devīṁ
śriyaṁ padma-karāṁ satīm
digibhāḥ pūrṇa-kalaśaiḥ
sūkta-vākyair dvijeritaiḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; abhiṣiṣicuḥ — derramaram sobre o corpo água auspiciosíssima; devīm — a deusa da fortuna; śriyam — muito bela; padma-karām — com um lótus em sua mão; satīm — ela que é muito casta, conhecendo apenas a Suprema Personalidade de Deus; digibhāḥ — os grandes elefantes; pūrṇa-kalaśaiḥ — com jarros cheios de água; sūkta-vākyaiḥ — com mantras védicos; dvi-ja — pelos brāhmaṇas; īritaiḥ — cantados.

Tradução

Em seguida, de todas as direções, os grandes elefantes carregaram grandes jarros cheios de água do Ganges e, com o acompanhamento dos mantras védicos cantados por brāhmaṇas eruditos, banharam a deusa da fortuna. Enquanto era venerada com esse banho, a deusa da fortuna mantinha seu estilo original, conservando uma flor de lótus em sua mão e parecendo belíssima. A deusa da fortuna é a mais casta, pois ela conhece apenas a Suprema Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, Lakṣmī, a deusa da fortuna, é descrita como śriyam, que significa que ela tem seis opulências – riqueza, força, prestígio, beleza, conhecimento e renúncia. Essas são as opulências recebidas da deusa da fortuna. Lakṣmī é aqui chamada de devī, a deusa, porque, em Vaikuṇṭha, ela fornece todas as opulências à Suprema Personali­dade de Deus e aos devotos dEle, que, dessa maneira, desfrutam com muita naturalidade da vida nos planetas Vaikuṇṭha. A Su­prema Personalidade de Deus fica satisfeito com Sua consorte, a deusa da fortuna, que carrega uma flor de lótus em sua mão. A mãe Lakṣmī é neste verso descrita como satī, supremamente casta, porque jamais desvia sua atenção da Suprema Personalidade de Deus para fixá-la em alguma outra pessoa.

Texto

samudraḥ pīta-kauśeya-
vāsasī samupāharat
varuṇaḥ srajaṁ vaijayantīṁ
madhunā matta-ṣaṭpadām

Sinônimos

samudraḥ — o oceano; pīta-kauśeya — seda amarela; vāsasī — as partes superior e inferior de uma roupa; samupāharat — apresentou; varuṇaḥ — a deidade que predomina a água; srajam — guirlanda; vaijayantīm — a maior e mais decorativa; madhunā — com mel; matta — embriagados; ṣaṭ-padām — zangões, que têm seis patas.

Tradução

O oceano, que é a fonte de todas as joias preciosas, forneceu as porções superior e inferior de uma roupa de seda amarela. A deidade que predomina a água, Varuṇa, apresentou guirlandas de flores cercadas por zangões hexápodes, embriagados com mel.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando, durante a cerimônia abhiṣeka, banha-se a Deidade com vários líquidos, tais como leite, mel, iogurte, ghī, esterco e urina de vaca, é costume fornecer roupas amarelas. Dessa maneira, a ceri­mônia do abhiṣeka da deusa da fortuna foi realizada de acordo com os princípios prescritos nos Vedas.

Texto

bhūṣaṇāni vicitrāṇi
viśvakarmā prajāpatiḥ
hāraṁ sarasvatī padmam
ajo nāgāś ca kuṇḍale

Sinônimos

bhūṣaṇāni — muitas variedades de ornamentos; vicitrāṇi — todos muito bem decorados; viśvakarmā prajāpatiḥ — Viśvakarmā, um dos prajāpatis, os filhos do senhor Brahmā encarregados de formar progênie; hāram — guirlanda ou colar; sarasvatī — a deusa da educa­ção; padmam — uma flor de lótus; ajaḥ — senhor Brahmā; nāgāḥ ca — os habitantes de Nāgaloka; kuṇḍale — um par de brincos.

Tradução

Viśvakarmā, um dos prajāpatis, forneceu muitas variedades de or­namentos embelezadores. A deusa da sabedoria, Sarasvatī, forneceu um colar; o senhor Brahmā, uma flor de lótus, e os habitantes de Nāgaloka forneceram brincos.

Texto

tataḥ kṛta-svastyayanotpala-srajaṁ
nadad-dvirephāṁ parigṛhya pāṇinā
cacāla vaktraṁ sukapola-kuṇḍalaṁ
savrīḍa-hāsaṁ dadhatī suśobhanam

Sinônimos

tataḥ — em seguida; kṛta-svastyayanā — sendo devidamente adorada com cerimônias ritualísticas auspiciosíssimas; utpala-srajam — uma guirlanda de lótus; nadat — zumbidores; dvirephām — cercadas por zangões; parigṛhya — segurando; pāṇinā — com a mão; cacāla — caminhava; vaktram — rosto; su-kapola-kuṇḍalam — suas orelhas decoradas com brincos; sa-vrīḍa-hāsam — sorrindo com recato; dadhatī — expandindo; su-śobhanam — sua beleza natural.

Tradução

Em seguida, mãe Lakṣmī, a deusa da fortuna, tendo sido devidamente honrada com uma cerimônia ritualística auspiciosa, começou a locomover-se, portando em sua mão uma guirlanda de flores de lótus, as quais estavam cercadas por zangões zumbidores. Sorrindo com recato, com suas orelhas decoradas por brincos, ela parecia extremamente bela.

Comentário

SIGNIFICADO—A deusa da fortuna, mãe Lakṣmī, aceitou o oceano de leite como o seu pai, mas ela repousa perpetuamente no peito de Nārāyaṇa. Ela concede bênçãos até mesmo ao senhor Brahmā e a outras enti­dades vivas deste mundo material, mas ela é transcendental a todas as qualidades materiais. Embora aparentemente tivesse nasci­do do oceano de leite, ela imediatamente retomou seu lugar eterno no peito de Nārāyaṇa.

Texto

stana-dvayaṁ cātikṛśodarī samaṁ
nirantaraṁ candana-kuṅkumokṣitam
tatas tato nūpura-valgu śiñjitair
visarpatī hema-lateva sā babhau

Sinônimos

stana-dvayam — seus dois seios; ca — também; ati-kṛśa-udarī — a porção intermediária do seu corpo sendo muito delgada; samam — igualmente; nirantaram — de maneira constante; candana-kuṅkuma — com polpa de sândalo e kuṅkuma, um pó avermelhado; ukṣitam — untados; tataḥ tataḥ — aqui e ali; nūpura — dos sinos de tornozelos; valgu — muito bela; śiñjitaiḥ — com o leve tilintar; visarpatī — caminhando; hema-latā — uma trepadeira áurea; iva — exatamente como; — a deusa da fortuna; babhau — parecia ser.

Tradução

Seus dois seios, que eram simétricos e muito bem situados, estavam cobertos de polpa de sândalo e pó de kuṅkuma, e sua cintura era muito fina. À medida que caminhava de um a outro lugar, com seus sinos de tornozelo tilintando suavemente, ela parecia uma tre­padeira de ouro.

Texto

vilokayantī niravadyam ātmanaḥ
padaṁ dhruvaṁ cāvyabhicāri-sad-guṇam
gandharva-siddhāsura-yakṣa-cāraṇa-
traipiṣṭapeyādiṣu nānvavindata

Sinônimos

vilokayantī — observando, examinando; niravadyam — sem qualquer defeito; ātmanaḥ — para ela própria; padam — posição; dhruvam — eterna; ca — também; avyabhicāri-sat-guṇam — sem qualquer mudan­ça de qualidades; gandharva — entre os habitantes de Gandharvaloka; siddha — os habitantes de Siddhaloka; asura — os demônios; yakṣa — os Yakṣas; cāraṇa — os habitantes de Cāraṇaloka; traipiṣṭapeya­-ādiṣu — e entre os semideuses; na — não; anvavindata — pôde aceitar algum deles.

Tradução

Enquanto caminhava entre os Gandharvas, Yakṣas, asuras, Siddhas, Cāraṇas e cidadãos do céu, Lakṣmīdevī, a deusa da fortuna, exami­nava-os minuciosamente, mas não conseguiu encontrar ninguém na­turalmente dotado com todas as boas qualidades. Nenhum deles era desprovido de defeitos, de modo que ela não pôde refugiar-se em nenhum deles.

Comentário

SIGNIFICADO—Lakṣmīdevī, a deusa da fortuna, tendo sido gerada do Oceano de Leite, era filha do oceano. Assim sendo, recebeu a permissão de esco­lher seu próprio esposo em uma cerimônia svayaṁvara. Ela examinou todos os candidatos, mas não conseguiu encontrar ninguém devida­mente qualificado para lhe servir de abrigo. Em outras palavras, Nārāyaṇa, o legítimo esposo de Lakṣmī, não pode ser superado por ninguém deste mundo material.

Texto

nūnaṁ tapo yasya na manyu-nirjayo
jñānaṁ kvacit tac ca na saṅga-varjitam
kaścin mahāṁs tasya na kāma-nirjayaḥ
sa īśvaraḥ kiṁ parato vyapāśrayaḥ

Sinônimos

nūnam — decerto; tapaḥ — austeridade; yasya — de alguém; na — não; manyu — ira; nirjayaḥ — dominada; jñānam — conhecimento; kvacit — em alguma pessoa santa; tat — isto; ca — também; na — não; saṅga-varjitam — sem a contaminação da associação; kaścit — alguém; mahān — uma pessoa das mais elevadas; tasya — seus; na — não; kāma — desejos materiais; nirjayaḥ — conquistou; saḥ — tal pessoa; īśvaraḥ — controlador; kim — como ela pode ser; parataḥ — de outros; vyapāśrayaḥ — sob o controle.

Tradução

Examinando a assembleia, a deusa da fortuna teve o seguinte pen­samento: Embora tenha se submetido a grandes austeridades, a pessoa ainda não conseguiu dominar a ira. Por sua vez, outrem que possui conhecimento, não superou os desejos materiais. Há também aquele que é uma grande personalidade, mas não pôde conquistar os dese­jos luxuriosos. Mesmo uma grande personalidade depende de fatores alheios à sua vontade. Como, então, pode ser o controlador supremo?

Comentário

SIGNIFICADO—Temos aqui uma tentativa através da qual se procura encontrar o controlador supremo, o īśvara. Todos podem ser aceitos como īśvaras, controladores, mas, mesmo assim, esses controladores são controlados por outros. Por exemplo, alguém pode ter-se submetido a rigorosas austeridades e, ainda assim, continuar sob o controle da ira. Através de uma análise minuciosa, observamos que uma pessoa é sempre controlada por outrem. Portanto, a não ser Kṛṣṇa, a Su­prema Personalidade de Deus, ninguém pode ser o verdadeiro con­trolador. Isso é substanciado nos śāstras. Īśvaraḥ paramaḥ kṛṣṇaḥ: Kṛṣṇa é o controlador supremo. Kṛṣṇa nunca é controlado por ninguém, pois Ele controla todos (sarva-kāraṇa-kāraṇam).

Texto

dharmaḥ kvacit tatra na bhūta-sauhṛdaṁ
tyāgaḥ kvacit tatra na mukti-kāraṇam
vīryaṁ na puṁso ’sty aja-vega-niṣkṛtaṁ
na hi dvitīyo guṇa-saṅga-varjitaḥ

Sinônimos

dharmaḥ — religião; kvacit — alguém pode ter pleno conhecimento de; tatra — a partir disso; na — não; bhūta-sauhṛdam — amizade com outras entidades vivas; tyāgaḥ — renúncia; kvacit — alguém pode possuir; tatra — a partir disso; na — não; mukti-kāraṇam — a causa da liberação; vīryam — poder; na — não; puṁsaḥ — de pessoa alguma; asti — pode haver; aja-vega-niṣkṛtam — a incapacidade de libertar-se do poder do tempo; na — nem; hi — na verdade; dvitīyaḥ — o segun­do; guṇa-saṅga-varjitaḥ — inteiramente livre da contaminação dos modos da natureza.

Tradução

Embora alguém possua pleno conhecimento da religião, talvez não seja bondoso com todas as entidades vivas. Alguém, seja humano ou semideus, pode estar revestido de renúncia, mas isso não é causa de liberação. Alguém pode possuir grande poder e, não obstante, ser incapaz de reprimir o poder do tempo eterno. Outrem pode estar desapegado do mundo material, mas ele não pode comparar-se à Suprema Personalidade de Deus. Portanto, ninguém está inteiramente livre da influência dos modos da natureza material.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a afirmação dharmaḥ kvacit tatra na bhūta-sauhṛdam é muito importante. Observamos que existem de fato muitos hindus, muçulmanos, cristãos, budistas e religiosos de outros cultos que aderem firmemente aos seus princípios religiosos, mas não são equânimes com todas as entidades vivas. Na verdade, embora professem ser religiosos, matam os pobres animais. Tal religião não tem sentido. O Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.8) diz:

dharmaḥ svanuṣṭhitaḥ puṁsāṁ
viṣvaksena-kathāsu yaḥ
notpādayed yadi ratiṁ
śrama eva hi kevalam

Talvez alguém seja muito hábil em seguir os princípios religiosos de sua própria seita, mas, se não tiver nenhuma tendência a amar a Suprema Personalidade de Deus, sua prática de princípios religiosos é mero desperdício de tempo. Todos devem desenvolver a atitude de amar Vāsudeva (vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā sudurlabhaḥ). Caracteriza o devoto o fato de ele ser amigo de todos (suhṛdaṁ sarva-bhūtānām). Um devoto jamais permitirá que um pobre animal seja morto em nome da religião. Essa é a diferença entre alguém superficialmente religioso e um verdadeiro devoto da Suprema Personalidade de Deus.

Observamos que existiram muitos grandes heróis na história, mas eles não conseguiram escapar das mãos cruéis da morte. Quando Kṛṣṇa vem sob a forma da morte, nem mesmo o maior dos heróis pode escapar do poderoso governo exercido pela Suprema Persona­lidade de Deus. O próprio Kṛṣṇa descreve isso: mṛtyuḥ sarva-haraś cāham. O Senhor, aparecendo como a morte, arrebata o aparente poder de um herói. Nem mesmo Hiraṇyakaśipu pôde salvar-se quando Nṛsiṁhadeva apareceu-lhe como a morte. A força material de alguém não é nada diante da força da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

kvacic cirāyur na hi śīla-maṅgalaṁ
kvacit tad apy asti na vedyam āyuṣaḥ
yatrobhayaṁ kutra ca so ’py amaṅgalaḥ
sumaṅgalaḥ kaśca na kāṅkṣate hi mām

Sinônimos

kvacit — alguém; cira-āyuḥ — tem uma longa duração de vida; na — não; hi — na verdade; śīla-maṅgalam — comportamento exemplar ou ventura; kvacit — alguém; tat api — embora possuindo bom comportamento; asti — é; na — não; vedyam āyuṣaḥ — ciente da duração de vida; yatra ubhayam — se existem ambos (comportamento e ventura); kutra — em alguma parte; ca — também; saḥ — essa pessoa; api — embora; amaṅgalaḥ — um pouco inauspiciosa em algum outro pormenor; su-maṅgalaḥ — auspicioso em todos os aspectos; kaśca — alguém; na — não; kāṅkṣate — deseja; hi — na verdade; mām — a mim.

Tradução

Embora alguém possua longevidade, talvez não dis­ponha de auspiciosidade ou comportamento exemplar. Outrem talvez conte com auspiciosidade e manifeste um comportamento exemplar, mas a duração de sua vida não é perene. Embora semideuses tais como o senhor Śiva tenham a vida eterna, eles têm hábitos inauspiciosos, tais como viver em crematórios. E mesmo que outros sejam bem qualificados em todos os sentidos, eles não são devotos da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

evaṁ vimṛśyāvyabhicāri-sad-guṇair
varaṁ nijaikāśrayatayāguṇāśrayam
vavre varaṁ sarva-guṇair apekṣitaṁ
ramā mukundaṁ nirapekṣam īpsitam

Sinônimos

evam — dessa maneira; vimṛśya — após plena deliberação; avyabhi­cāri-sat-guṇaiḥ — com qualidades transcendentais extraordinárias; varam — superior; nija-eka-āśrayatayā — porque possui todas as boas qualidades e é independente de outros; aguṇa-āśrayam — o reservató­rio de todas as qualidades transcendentais; vavre — aceitou; varam — como noivo; sarva-guṇaiḥ — com todas as qualidades transcenden­tais; apekṣitam — revestido; ramā — a deusa da fortuna; mukundam — a Mukunda; nirapekṣam — embora Ele não carecesse dela; īpsitam — o mais cobiçado.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Dessa maneira, após plena delibe­ração, a deusa da fortuna aceitou Mukunda como seu esposo porque, embora Ele seja independente e não precise dela, possui todas as qualidades transcendentais e poderes místicos e, portanto, é o mais cobiçado.

Comentário

SIGNIFICADO—Mukunda, a Suprema Personalidade de Deus, é autossuficiente. Uma vez que Ele é plenamente independente, não precisa do apoio ou companhia de Lakṣmīdevī. Entretanto, Lakṣmīdevī, a deusa da fortuna, aceitou-O como seu esposo.

Texto

tasyāṁsa-deśa uśatīṁ nava-kañja-mālāṁ
mādyan-madhuvrata-varūtha-giropaghuṣṭām
tasthau nidhāya nikaṭe tad-uraḥ sva-dhāma
savrīḍa-hāsa-vikasan-nayanena yātā

Sinônimos

tasya — dEle (a Suprema Personalidade de Deus); aṁsa-deśe — de sobre os ombros; uśatīm — muito bela; nava — novas; kañja-mālām — guirlanda de flores de lótus; mādyat — enlouquecidos; madhuvrata-­varūtha — de zangões; girā — com a vibração; upaghuṣṭām — cercada pelo seu zumbido; tasthau — permaneceu; nidhāya — após colocar a guirlanda; nikaṭe — nas proximidades do; tat-uraḥ — peito do Senhor; sva-dhāma — seu verdadeiro refúgio; sa-vrīḍa-hāsa — sorrindo com recato; vikasat — brilhantes; nayanena — com os olhos; yātā — assim situada.

Tradução

Aproximando-se da Suprema Personalidade de Deus, a deusa da fortuna colocou em Seus ombros uma guirlanda de flores de lótus há pouco desabrochadas e que estava rodeada por zangões que zumbiam em busca de mel. Depois, esperando obter um lugar ao peito do Senhor, ela ficou postada ao Seu lado, com seu rosto apresentan­do um sorriso recatado.

Texto

tasyāḥ śriyas tri-jagato janako jananyā
vakṣo nivāsam akarot paramaṁ vibhūteḥ
śrīḥ svāḥ prajāḥ sakaruṇena nirīkṣaṇena
yatra sthitaidhayata sādhipatīṁs tri-lokān

Sinônimos

tasyāḥ — dela; śriyaḥ — a deusa da fortuna; tri-jagataḥ — dos três mundos; janakaḥ — o pai; jananyāḥ — da mãe; vakṣaḥ — peito; nivāsam — residência; akarot — fez; paramam — suprema; vibhūteḥ — da opulenta; śrīḥ — a deusa da fortuna; svāḥ — próprios; prajāḥ — descendentes; sa-karuṇena — com misericórdia propícia; nirīkṣaṇena — lan­çando o olhar para; yatra — onde; sthitā — permanecendo; aidhayata — aumentou; sa-adhipatīn — com os grandes administradores e líderes; tri-lokān — os três mundos.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus é o pai dos três mundos, e Seu peito é a residência de mãe Lakṣmī, a deusa da fortuna, a proprietá­ria de todas as opulências. Através de seu olhar favorável e miseri­cordioso, a deusa da fortuna pode aumentar a opulência dos três mundos, bem como de seus habitantes e administradores, os semideuses.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o desejo de Lakṣmīdevī, a deusa da fortuna, a Suprema Personalidade de Deus fez de Seu peito a residência dela para que, através de seu olhar, ela pudesse favorecer a todos, incluindo os semideuses e os seres humanos comuns. Em outras palavras, como permanece no peito de Nārāyaṇa, a deusa da fortuna naturalmente vê qualquer devoto que adora Nārāyaṇa. Quando a deusa da fortuna percebe que há um devoto que se prontifica a prestar serviço devocional a Nārāyaṇa, ela tem uma inclinação natural a abençoar o devo­to, outorgando-lhe todas as opulências. Os karmīs tentam receber o favor e a misericórdia de Lakṣmī, mas, como não são devotos de Nārāyaṇa, sua opulência é fugaz. A opulência dos devotos que são apegados a servir Nārāyaṇa não é como a opulência dos karmīs, pois a opulência dos devotos é tão permanente como a opulência do próprio Nārāyaṇa.

Texto

śaṅkha-tūrya-mṛdaṅgānāṁ
vāditrāṇāṁ pṛthuḥ svanaḥ
devānugānāṁ sastrīṇāṁ
nṛtyatāṁ gāyatām abhūt

Sinônimos

śāṅkha — búzios; tūrya — cornetas; mṛdaṅgānām — e de diferen­tes espécies de tambores; vāditrāṇām — dos instrumentos musicais; pṛthuḥ — muito grande; svanaḥ — som; deva-anugānām — os habi­tantes dos planetas superiores, como os Gandharvas e Cāraṇas, que seguem os semideuses; sa-strīṇām — juntamente com suas próprias esposas; nṛtyatām — ocupados em dançar; gāyatām — e em cantar; abhūt — ficaram.

Tradução

Os habitantes de Gandharvaloka e Cāraṇaloka, então, aproveitaram-se da oportunidade para tocar seus instrumentos musicais, tais como búzios, cornetas e tambores. Eles começaram a dançar e cantar juntamente com suas esposas.

Texto

brahma-rudrāṅgiro-mukhyāḥ
sarve viśva-sṛjo vibhum
īḍire ’vitathair mantrais
tal-liṅgaiḥ puṣpa-varṣiṇaḥ

Sinônimos

brahma — senhor Brahmā; rudra — senhor Śiva; aṅgiraḥ — o grande sábio Aṅgirā Muni; mukhyāḥ — encabeçados por; sarve — todos eles; viśva-sṛjaḥ — os diretores da administração universal; vibhum — a grandiosa personalidade; īḍire — adoraram; avitathaiḥ — real; mantraiḥ — louvando; tat-liṅgaiḥ — adorando a Suprema Personalidade de Deus; puṣpa-varṣiṇaḥ — derramando torrentes de flores.

Tradução

O senhor Brahmā, o senhor Śiva, o grande sábio Aṅgirā e direto­res semelhantes da administração universal derramaram uma chuva de flores e cantaram mantras anunciando as glórias transcendentais da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

śriyāvalokitā devāḥ
saprajāpatayaḥ prajāḥ
śīlādi-guṇa-sampannā
lebhire nirvṛtiṁ parām

Sinônimos

śriyā — pela deusa da fortuna, Lakṣmī; avalokitāḥ — sendo vistos com misericórdia favorável; devāḥ — todos os semideuses; sa-prajāpa­tayaḥ — com todos os prajāpatis; prajāḥ — e suas gerações; śīla-ādi-­guṇa-sampannāḥ — todos abençoados com um comportamento exemplar e boas características; lebhire — alcançaram; nirvṛtim — a satisfação; parām — última.

Tradução

Todos os semideuses, juntamente com os prajāpatis e seus descen­dentes, tendo sido abençoados pelo olhar que Lakṣmījī lançou sobre eles, foram imediatamente agraciados com um comportamento exemplar e qualidades transcendentais. Assim, eles ficaram muito satisfeitos.

Texto

niḥsattvā lolupā rājan
nirudyogā gata-trapāḥ
yadā copekṣitā lakṣmyā
babhūvur daitya-dānavāḥ

Sinônimos

niḥsattvāḥ — sem força; lolupāḥ — muito cobiçosos; rājan — ó rei; nirudyogāḥ — frustrados; gata-trapāḥ — insolentes; yadā — quando; ca — também; upekṣitāḥ — preteridos; lakṣmyā — pela deusa da fortu­na; babhūvuḥ — eles se tornaram; daitya-dānavāḥ — os demônios e os Rākṣasas.

Tradução

Ó rei, como foram negligenciados pela deusa da fortuna, os demônios e Rākṣasas ficaram deprimidos, confusos e frustrados e, assim, tornaram-se insolentes.

Texto

athāsīd vāruṇī devī
kanyā kamala-locanā
asurā jagṛhus tāṁ vai
harer anumatena te

Sinônimos

atha — depois disso (após o aparecimento da deusa da fortuna); āsīt — houve; vāruṇī — Vāruṇī; devī — a semideusa que controla aqueles afeitos ao consumo de bebidas alcoólicas; kanyā — uma jovem garota; kamala-locanā — de olhos de lótus; asurāḥ — os demônios; jagṛhuḥ — aceitaram; tām — a ela; vai — na verdade; hareḥ — da Suprema Personalidade de Deus; anumate­na — pela ordem; te — eles (os demônios).

Tradução

Em seguida, apareceu Vāruṇī, a deusa de olhos de lótus que controla as pessoas afeitas ao consumo de bebidas alcoólicas. Com a permissão da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, os demônios, encabeçados por Bali Mahārāja, apos­saram-se dessa jovem.

Texto

athodadher mathyamānāt
kāśyapair amṛtārthibhiḥ
udatiṣṭhan mahārāja
puruṣaḥ paramādbhutaḥ

Sinônimos

atha — depois disso; udadheḥ — do oceano de leite; mathyamānāt — en­quanto estava sendo batido; kāśyapaiḥ — pelos filhos de Kaśyapa, a saber, os semideuses e os demônios; amṛta-arthibhiḥ — ansiosos por obter o néctar através da batedura; udatiṣṭhat — apareceu; mahārāja — ó rei; puruṣaḥ — um varão; parama — altamente; adbhutaḥ — maravilhoso.

Tradução

Ó rei, depois disso, enquanto os filhos de Kaśyapa, tanto os demônios quanto os semideuses, estavam ocupados em bater o oceano de leite, um maravilhoso varão apareceu.

Texto

dīrgha-pīvara-dor-daṇḍaḥ
kambu-grīvo ’ruṇekṣaṇaḥ
śyāmalas taruṇaḥ sragvī
sarvābharaṇa-bhūṣitaḥ

Sinônimos

dīrgha — longos; pīvara — vigorosos e fortes; doḥ-daṇḍaḥ — os braços; kambu — como um búzio; grīvaḥ — o pescoço; aruṇa-īkṣaṇaḥ — olhos avermelhados; śyāmalaḥ — tez enegrecida; taruṇaḥ — muito jovem; sragvī — usando uma guirlanda de flores; sarva — todo; ābharaṇa — com ornamentos; bhūṣitaḥ — decorado.

Tradução

Sua constituição física era muito forte; seus braços eram longos, vigorosos e robustos; seu pescoço, que estava marcado com três linhas, parecia um búzio; seus olhos eram avermelhados, e sua tez, ene­grecida. Ele era muito jovem, estava enguirlandado com flores, e todo o seu corpo estava decorado com vários adornos.

Texto

pīta-vāsā mahoraskaḥ
sumṛṣṭa-maṇi-kuṇḍalaḥ
snigdha-kuñcita-keśānta-
subhagaḥ siṁha-vikramaḥ
amṛtāpūrṇa-kalasaṁ
bibhrad valaya-bhūṣitaḥ

Sinônimos

pīta-vāsāḥ — usando roupas amarelas; mahā-uraskaḥ — seu peito era muito largo; su-mṛṣṭa-maṇi-kuṇḍalaḥ — cujos brincos eram bem polidos e feitos de pérolas; snigdha — polidos; kuñcita-keśa — cabelos ondulados; anta — no fim; su-bhagaḥ — separados e belos; siṁha­-vikramaḥ — forte como um leão; amṛta — com néctar; āpūrṇa — cheia até a borda; kalasam — uma jarra; bibhrat — movendo-se; valaya — com braceletes; bhūṣitaḥ — decorado.

Tradução

Ele se vestia de roupas amarelas e usava brincos resplandecentes e polidos, feitos de pérolas. As pontas de seu cabelo estavam untadas com óleo, e seu peito era muito largo. Seu corpo possuía todos os traços físicos favoráveis, ele era vigoroso e forte como um leão, e estava decorado com braceletes. Em sua mão, ele carregava uma jarra repleta de néctar.

Texto

sa vai bhagavataḥ sākṣād
viṣṇor aṁśāṁśa-sambhavaḥ
dhanvantarir iti khyāta
āyur-veda-dṛg ijya-bhāk

Sinônimos

saḥ — ele; vai — na verdade; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; sākṣāt — diretamente; viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; aṁśa­-aṁśa-sambhavaḥ — encarnação da porção plenária de uma porção plenária; dhanvantariḥ — Dhanvantari; iti — assim; khyātaḥ — célebre; āyuḥ-veda-dṛk — plenamente versado na ciência médica; ijya-bhāk — um dos semideuses aptos a compartilhar do benefício dos sacrifícios.

Tradução

Essa pessoa era Dhanvantari, uma porção plenária de uma porção plenária do Senhor Viṣṇu. Ele era muito versado na ciência da me­dicina e, como um dos semideuses, tinha permissão de receber uma parte dos sacrifícios.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīla Madhvācārya observa:

teṣāṁ satyāc cālanārthaṁ
harir dhanvantarir vibhuḥ
samartho ’py asurāṇāṁ tu
sva-hastād amucat sudhām

Dhanvantari, que carregava uma jarra contendo néctar, era uma encarnação plenária da Suprema Personalidade de Deus; porém, embora ele fosse muito forte, os asuras conseguiram tirar a jarra de néctar de suas mãos.

Texto

tam ālokyāsurāḥ sarve
kalasaṁ cāmṛtābhṛtam
lipsantaḥ sarva-vastūni
kalasaṁ tarasāharan

Sinônimos

tam — a ele; ālokya — vendo; asurāḥ — os demônios; sarve — todos eles; kalasam — o recipiente de néctar; ca — também; amṛta-ābhṛtam — cheio de néctar; lipsantaḥ — almejando; sarva-vastūni — todos os objetos; kalasam — a jarra; tarasā — imediatamente; aharan — arrebataram.

Tradução

Ao verem Dhanvantari carregando a jarra de néctar, os demônios, desejando obter a jarra e seu conteúdo, imediatamente arreba­taram-na à força.

Texto

nīyamāne ’surais tasmin
kalase ’mṛta-bhājane
viṣaṇṇa-manaso devā
hariṁ śaraṇam āyayuḥ

Sinônimos

nīyamāne — sendo carregada; asuraiḥ — pelos demônios; tasmin — aquela; kalase — jarra; amṛta-bhājane — contendo néctar; viṣaṇṇa­-manasaḥ — com a mente pesarosa; devāḥ — todos os semideuses; harim — ao Senhor Supremo; śaraṇam — para se refugiarem; āyayuḥ — foram.

Tradução

Quando a jarra de néctar foi levada pelos demônios, os semideuses ficaram melancólicos. Então, buscaram refúgio nos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus, Hari.

Texto

iti tad-dainyam ālokya
bhagavān bhṛtya-kāma-kṛt
mā khidyata mitho ’rthaṁ vaḥ
sādhayiṣye sva-māyayā

Sinônimos

iti — dessa maneira; tat — dos semideuses; dainyam — melancolia; ālokya — vendo; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; bhṛtya-kāma-kṛt — que sempre está disposto a satisfazer o desejo de Seus servos; mā khidyata — não fiqueis pesarosos; mithaḥ — através de uma desavença; artham — a fim de obter o néctar; vaḥ — para todos vós; sādhayiṣye — executarei; sva-māyayā — mediante Minha própria energia.

Tradução

Ao ver que os semideuses estavam tristes, a Suprema Personalidade de Deus, que sempre deseja satisfazer as ambições de todos os devo­tos, disse-lhes: “Não fiqueis pesarosos. Através de Minha própria energia, deixarei os demônios confusos, criando uma desavença entre eles. Dessa maneira, satisfarei vosso desejo de obter o néctar.”

Texto

mithaḥ kalir abhūt teṣāṁ
tad-arthe tarṣa-cetasām
ahaṁ pūrvam ahaṁ pūrvaṁ
na tvaṁ na tvam iti prabho

Sinônimos

mithaḥ — entre eles; kaliḥ — discórdia e desavença; abhūt — houve; teṣām — de todos eles; tat-arthe — por causa do néctar; tarṣa-ceta­sām — confundidos no coração e na alma pela energia ilusória de Viṣṇu; aham — eu; pūrvam — primeiro; aham — eu; pūrvam — primei­ro; na — não; tvam — tu; na — não; tvam — tu; iti — assim; prabho — ó rei.

Tradução

Ó rei, surgiu então entre os demônios uma discórdia em relação a quem deveria beber o néctar primeiro. Cada um deles dizia: “Não podes bebê-lo primeiro. Eu devo bebê­-lo primeiro. Primeiro eu, não tu!”

Comentário

SIGNIFICADO—Este é o sintoma dos demônios. O primeiro interesse de um não­devoto é como obter seu imediato gozo dos sentidos, ao passo que o primeiro interesse do devoto é satisfazer o Senhor. Essa é a dife­rença entre o devoto e o não-devoto. Neste mundo material, onde a maioria das pessoas não se constitui de devotos, elas regularmente competem, lutam, discordam e guerreiam entre si, pois todos querem desfrutar e satisfazer seus próprios sentidos. Em virtude disso, enquanto esses demô­nios não se tornarem conscientes de Kṛṣṇa nem aprenderem a sa­tisfazer os sentidos do Senhor, não poderá reinar paz na sociedade humana ou em qualquer sociedade, mesmo na sociedade dos semideuses. Os semideuses e devotos, entretanto, rendem-se sempre aos pés de lótus do Senhor, de maneira que o Senhor sempre está ansioso por satisfazer­ suas ambições. Enquanto os demônios lutam para satisfazer seus próprios sentidos, os devotos se ocupam em serviço devocional para satisfazer os sentidos do Senhor. Os membros do movimento da consciência de Kṛṣṇa devem ficar alertas quanto a este ponto. Se o fizerem, sua pregação no movimento da consciência de Kṛṣṇa será exitosa.

Texto

devāḥ svaṁ bhāgam arhanti
ye tulyāyāsa-hetavaḥ
satra-yāga ivaitasminn
eṣa dharmaḥ sanātanaḥ
iti svān pratyaṣedhan vai
daiteyā jāta-matsarāḥ
durbalāḥ prabalān rājan
gṛhīta-kalasān muhuḥ

Sinônimos

devāḥ — os semideuses; svam bhāgam — sua própria parte; arhanti — merecem receber; ye — todos aqueles que; tulya-āyāsa-hetavaḥ — que fizeram o mesmo esforço; satra-yāge — na realização de sacrifícios; iva — igualmente; etasmin — neste assunto; eṣaḥ — isto; dharmaḥ — religião; sanātanaḥ — eterna; iti — assim; svān — entre eles; pratyaṣedhan — proibiram-se mutuamente; vai — na verdade; daiteyāḥ — os filhos de Diti; jāta-matsarāḥ — invejosos; durbalāḥ — fracos; prabalān — à força; rājan — ó rei; gṛhīta — possuindo; kalasān — a jarra contendo néctar; muhuḥ — constantemente.

Tradução

Alguns demônios disseram: “Todos os semideuses participaram do processo de bater o oceano de leite. De acordo com o sistema religioso eterno, é justo que os semideuses também recebam uma parte do néctar, visto que todos têm o mesmo direito de participar de qualquer sacrifício público.” Ó rei, dessa maneira, os demônios mais fracos proibiram os demônios mais fortes de tomarem o néctar.

Comentário

SIGNIFICADO—Desejando tomar o néctar, aqueles demônios que eram menos fortes falaram a favor dos semideuses. Os Daityas mais fracos natu­ralmente se posicionaram em prol dos semideuses, pois desejavam impedir que os Daityas mais fortes bebessem sozinhos o néctar e não o repartissem. Dessa maneira, surgiram discórdias e problemas na medida em que eles se proibiam mutuamente de beber o néctar.

Texto

etasminn antare viṣṇuḥ
sarvopāya-vid īśvaraḥ
yoṣid-rūpam anirdeśyaṁ
dadhāra-paramādbhutam
prekṣaṇīyotpala-śyāmaṁ
sarvāvayava-sundaram
samāna-karṇābharaṇaṁ
sukapolonnasānanam
nava-yauvana-nirvṛtta-
stana-bhāra-kṛśodaram
mukhāmodānuraktāli-
jhaṅkārodvigna-locanam
bibhrat sukeśa-bhāreṇa
mālām utphulla-mallikām
sugrīva-kaṇṭhābharaṇaṁ
su-bhujāṅgada-bhūṣitam
virajāmbara-saṁvīta-
nitamba-dvīpa-śobhayā
kāñcyā pravilasad-valgu-
calac-caraṇa-nūpuram
savrīḍa-smita-vikṣipta-
bhrū-vilāsāvalokanaiḥ
daitya-yūtha-pa-cetaḥsu
kāmam uddīpayan muhuḥ

Sinônimos

etasmin antare — após este incidente; viṣṇuḥ — Senhor Viṣṇu; sarva­-upāya-vit — aquele que sabe como lidar com diferentes situações; īśvaraḥ — o controlador supremo; yoṣit-rūpam — a forma de uma bela mulher; anirdeśyam — ninguém conseguia determinar quem era; dadhāra — assumiu; parama — supremamente; adbhutam — maravilhosa; prekṣaṇīya — agradável de ser contemplada; utpala-śyāmam — es­cura como um lótus recém-desabrochado; sarva — todas; avayava — as partes do corpo; sundaram — muito belas; samāna — distribuídas sob medida; karṇa-ābharaṇam — ornamentos nas orelhas; su-kapola — maçãs do rosto muito formosas; unnasa-ānanam — um nariz arrebitado em Seu rosto; nava-yauvana — com juventude brotando; nirvṛtta­-stana — seios não agitados; bhāra — peso; kṛśa — muito tênue e fina; udaram — cintura; mukha — rosto; āmoda — causando prazer; anurak­ta — atraía; ali — zangões; jhaṅkāra — zumbindo; udvigna — de ansiedade; locanam — Seus olhos; bibhrat — movendo-se; su-keśa-bhāreṇa — pelo peso do belo cabelo; mālām — com uma guirlanda de flores; utphulla-mallikām — feita de flores mallikā completamente desabro­chadas; su-grīva — um pescoço atraente; kaṇṭha-ābharaṇam — enfeitado com belas joias; su-bhuja — braços muito belos; aṅgada-bhūṣitam — enfeitados com braceletes; viraja-ambara — roupa muito limpa; saṁvīta — espalhados; nitamba — seios; dvīpa — parecendo uma ilha; śobhayā — através dessa beleza; kāñcyā — o cinto na cintura; pravila­sat — espalhando-se; valgu — muito bela; calat-caraṇa-nūpuram — sinos de tornozelos se movendo; sa-vrīḍa-smita — sorrindo com recato; vikṣipta — olhando; bhrū-vilāsa — atividades das sobrancelhas; avalokanaiḥ — lan­çando olhares para; daitya-yūtha-pa — os líderes dos demônios; ce­taḥsu — no âmago do coração; kāmam — desejo luxurioso; uddīpayat — despertando; muhuḥ — constantemente.

Tradução

Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus, que pode anular qualquer situação desfavorável, assumiu a forma de uma belíssima mulher. Essa encarnação de mulher, Mohinī-mūrti, era muito agradável para a mente. Sua tez assemelhava-se à cor de um lótus enegrecido recém-desabrochado, e todas as partes de Seu corpo eram belamente distribuídas. Ambas as Suas orelhas estavam decoradas com brincos, as maçãs de Seu rosto eram muito formosas, Seu nariz era arrebitado, e Seu rosto era cheio de brilho juvenil. Seus largos seios faziam Sua cintura parecer muito fina. Atraídos pelo aroma de Seu rosto e de Seu corpo, os zangões zumbiam em volta dEla, e, assim, Seus olhos permaneciam irrequietos. Seu cabelo, que era muitíssimo belo, estava enguirlandado com flores mallikā. Seu pescoço de constituição atrativa estava decorado com um colar e outros adereços, Seus braços estavam decorados com braceletes, Seu corpo estava coberto com um sári limpo, e Seus seios pareciam ilhas em um oceano de beleza. Suas pernas estavam decoradas com sinos de tornozelo. Devido aos movimentos produzidos por Suas sobrancelhas à medi­da que Ela sorria com recato e olhava para os demônios, todos os demônios ficaram tomados de desejos luxuriosos, e cada um deles desejou possuí-lA.

Comentário

SIGNIFICADO—Pelo fato de o Senhor Supremo assumir a forma de uma bela mulher para despertar os desejos luxuriosos dos demônios, faz-se aqui uma descrição completa de Sua notável beleza.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do oita­vo canto, oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A Batedura do Oceano de Leite”.