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Capítulo Cinco

Conversas de Vidura com Maitreya

Texto

śrī-śuka uvāca
dvāri dyu-nadyā ṛṣabhaḥ kurūṇāṁ
maitreyam āsīnam agādha-bodham
kṣattopasṛtyācyuta-bhāva-siddhaḥ
papraccha sauśīlya-guṇābhitṛptaḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śukadeva Gosvāmī disse; dvāri — à nascente de; dyu-nadyāḥ — o celestial rio Ganges; ṛṣabhaḥ — ο melhor dos Kurus; kurūṇām — dos Kurus; maitreyam — a Maitreya; āsīnam — sentado; agādhabodham – de conhecimento impenetrável; kṣattā — Vidura; upasṛtya — tendo chegado mais perto; acyuta — ο Senhor infalível; bhāva — caráter; siddhaḥ — perfeito; papraccha — perguntou; sauśīlya — brandura; guṇaabhitṛptaḥ – satisfeito com qualidades transcendentais.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Vidura, ο melhor dentre a dinastia Kuru, que era perfeito no serviço devocional ao Senhor, chegou assim à nascente do celestial rio Ganges [Hardwar], onde Maitreya, ο grandioso, insondável e erudito sábio do mundo, estava sentado. Vidura, que era perfeito na brandura e estava satisfeito com a transcendência, perguntou-lhe.

Comentário

Vidura já era perfeito devido a sua devoção pura pelo Senhor infalível. Ο Senhor e as entidades vivas são qualitativamente iguais por natureza, mas ο Senhor é quantitativamente muito superior a qualquer entidade viva individual. Ele é sempre infalível, ao passo que as entidades vivas são propensas a cair sob a influência da energia ilusória. Vidura já havia superado a natureza falível da entidade viva na vida condicional por ser acyuta-bhāva, ou legitimamente absorto no serviço devocional ao Senhor. Esse estágio de vida é chamado acyuta-bhāva-siddha, ou perfeição por meio do serviço devocional. Portanto, qualquer um que esteja absorto no serviço devocional ao Senhor é uma alma liberada e tem todas as qualidades admiráveis. Ο erudito sábio Maitreya estava sentado em um local solitário às margens do Ganges em Hardwar, e Vidura, que era um devoto perfeito do Senhor e tinha todas as boas qualidades transcendentais, aproximou-se dele para lhe fazer perguntas.

Texto

vidura uvāca
sukhāya karmāṇi karoti loko
na taiḥ sukhaṁ vānyad-upāramaṁ vā
vindeta bhūyas tata eva duḥkhaṁ
yad atra yuktaṁ bhagavān vaden naḥ

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura disse; sukhāya — para atingir a felicidade; karmāṇi — atividades fruitivas; karoti — todos ο fazem; lokaḥ — neste mundo; na — nunca; taiḥ — por essas atividades; sukham — nenhuma felicidade; — ou; anyat — diferentemente; upāramam — saciedade; — ou; vindeta — atinge; bhūyaḥ — pelo contrário; tataḥ — por estas atividades; eva — certamente; duḥkham — sofrimentos; yat — aquilo que; atra — sob estas circunstâncias; yuktam — rumo certo; bhagavān — ó grande; vadet — por favor, esclarece; naḥ — a nós.

Tradução

Vidura disse: Ó grande sábio, todos neste mundo ocupam-se em atividades fruitivas para atingir a felicidade, mas ninguém encontra a saciedade nem a mitigação da aflição. Pelo contrário, essas atividades só fazem por exasperar a todos. Portanto, por favor, dá-nos orientações sobre como devemos viver para atingir a verdadeira felicidade.

Comentário

Vidura fez algumas perguntas comuns a Maitreya, ο que não era originalmente sua intenção. Uddhava mandou que Vidura se aproximasse de Maitreya Muni e lhe indagasse acerca de todas as verdades concernentes ao Senhor, Seu nome, fama, qualidade, forma, passatempos, séquito etc., e assim, quando Vidura se aproximou de Maitreya, ele deveria ter feito perguntas sobre ο Senhor. Todavia, por sua humildade natural, ele não perguntou imediatamente sobre ο Senhor, senão que indagou acerca de um assunto que seria de muita importância para ο homem comum. Um homem comum não pode entender ο Senhor. Primeiramente, ele precisa conhecer a verdadeira posição de sua vida sob a influência da energia ilusória. Iludida, uma pessoa pensa que só pode ser feliz executando atividades fruitivas, mas ο que acontece realmente é que ela fica cada vez mais envolvida na rede de ações e reações e não encontra nenhuma solução para ο problema da vida. Há uma bela canção que fala desse assunto: “Devido a meu grande desejo de ter toda a felicidade na vida, eu construí esta casa. Infelizmente, porém, todo ο projeto foi reduzido a cinzas porque a casa foi inesperadamente incendiada.” A lei da natureza é assim. Todos tentam ser felizes, fazendo planos no mundo material, mas a lei da natureza é tão cruel que incendeia os nossos projetos; ο trabalhador fruitivo não é feliz com seus projetos, nem fica de forma alguma saciado em seu contínuo anseio pela felicidade.

Texto

janasya kṛṣṇād vimukhasya daivād
adharma-śīlasya suduḥkhitasya
anugrahāyeha caranti nūnaṁ
bhūtāni bhavyāni janārdanasya

Sinônimos

janasya — do homem comum; kṛṣṇāt — de Κṛṣṇa, ο Senhor Supremo; vimukhasya — daquele que se opõe ao Senhor; daivāt — pela influência da energia externa; adharma-śīlasya — daquele que se ocupa na irreligião; su-duḥkhitasya — daquele que é sempre infeliz; anugrahāya — por serem compassivas com elas; iha — neste mundo; caranti — peregrinam; nūnam — certamente; bhūtāni — pessoas; bhavyāni — grandes almas filantrópicas; janārdanasya — da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

Ó meu senhor, grandes almas filantrópicas viajam pela Terra em nome da Suprema Personalidade de Deus para mostrar compaixão pelas almas caídas que são avessas ao sentimento de subordinação ao Senhor.

Comentário

Ser obediente aos desejos do Senhor Supremo é a posição natural de toda entidade viva. Contudo, apenas por causa de más ações passadas, um ser vivo se torna avesso ao sentimento de subordinação ao Senhor e sofre todas as dores da existência material. Tudo que se tem de fazer é prestar serviço devocional a Śrī Κṛṣṇa, ο Senhor Supremo. Portanto, qualquer atividade que não seja ο transcendental serviço amoroso ao Senhor é mais ou menos uma ação de rebeldia contra a vontade suprema. Toda atividade fruitiva, toda filosofia empírica e todo misticismo são mais ou menos contra ο sentido de subordinação ao Senhor, e qualquer entidade viva ocupada nesse tipo de atividade rebelde está mais ou menos condenada pelas leis da natureza material, que funcionam sob a subordinação do Senhor. Os grandes devotos imaculados do Senhor têm compaixão pelos caídos, e por isso viajam por todo ο mundo com a missão de trazer almas de volta ao Supremo, de volta ao lar. Esses devotos puros do Senhor levam consigo a mensagem do Supremo a fim de salvar as almas caídas, daí ο homem comum, que é desorientado pela influência da energia externa do Senhor, dever se aproveitar da companhia deles.

Texto

tat sādhu-varyādiśa vartma śaṁ naḥ
saṁrādhito bhagavān yena puṁsām
hṛdi sthito yacchati bhakti-pūte
jñānaṁ sa-tattvādhigamaṁ purāṇam

Sinônimos

tat — portanto; sādhuvarya – ó grandioso entre os santos; ādiśa — por favor, instrui; vartma — ο caminho; śam — auspicioso; naḥ — para nós; saṁrādhitaḥ — sendo perfeitamente servido; bhagavān — a Personalidade de Deus; yena — pelo qual; puṁsām — da entidade viva; hṛdi sthitaḥ — residindo no coração; yacchati — concede; bhakti pūte — aο devoto puro; jñānam — conhecimento; sa — esta; tattva — verdade; adhigamam — através da qual se aprende; purāṇam — autorizados, antigos.

Tradução

Por isso, ó grande sábio, instrui-me, por favor, sobre ο transcendental serviço devocional ao Senhor, para que aquele que está situado no coração de todos possa ter prazer em comunicar internamente ο conhecimento da Verdade Absoluta em termos dos antigos princípios védicos que são transmitidos somente àqueles que se purificam pelo processo do serviço devocional.

Comentário

Como já se explicou no primeiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam, a Verdade Absoluta é compreendida em três fases diferentes – embora elas sejam a mesma coisa – em termos da capacidade que ο conhecedor tem de entendê-lA. O transcendentalista mais capaz é ο devoto puro do Senhor, que não tem nenhum vestígio de ações fruitivas ou especulação filosófica. É somente através do serviço devocional que nosso coração se purifica completamente de todas as coberturas materiais, tais como karma, jñāna e yoga. É somente nesse estágio purificado que ο Senhor, que está situado no coração de todos junto da alma individual, fornece instruções para que ο devoto possa alcançar ο destino último de voltar ao lar, voltar ao Supremo. Isso é confirmado na Bhagavad-gītā (10.10): teṣām satata-yuktānāṁ bhajatām. Somente quando ο Senhor Se satisfaz com ο serviço devocional do devoto é que Ele comunica ο conhecimento, assim como Ele ο fez para Arjuna e Uddhava.

Os jñānīs, os yogīs e os karmīs não podem contar com essa cooperação direta do Senhor. Eles não são capazes de satisfazer ο Senhor através do transcendental serviço amoroso, nem acreditam nesse serviço ao Senhor. Ο processo de bhakti, tal como é executado sob os princípios reguladores de vaidhi-bhakti, ou ο serviço devocional prestado seguindo-se as regras e regulamentos prescritos, é definido pelas escrituras reveladas e confirmado pelos grandes ācāryas. Essa prática pode ajudar ο devoto neófito a se elevar ao estágio de rāga-bhakti, em que ο Senhor corresponde internamente como ο caitya-guru, ou ο mestre espiritual como a Superconsciência. Todos os transcendentalistas, exceto os devotos, não fazem distinção entre a alma individual e a Superalma porque eles calculam erradamente que a Superconsciência e a consciência individual são a mesma coisa. Esse erro de cálculo dos não-devotos incapacita-os a receber qualquer orientação de dentro, de maneira que eles são privados da cooperação direta do Senhor. Depois de muitos e muitos nascimentos, quando um não-dualista assim chega a compreender que ο Senhor é adorável e que ο devoto é simultaneamente igual ao Senhor e diferente dEle, somente então é que ele pode se render ao Senhor, Vāsudeva. O serviço devocional puro começa a partir deste ponto. O processo de entendimento da Verdade Absoluta adotado pelo não dualista desencaminhado é muito difícil, ao passo que ο processo de entendimento da Verdade Absoluta adotado pelo devoto vem diretamente do Senhor, que Se satisfaz com ο serviço devocional. Em nome de muitos devotos neófitos, em primeiro lugar Vidura indagou de Maitreya acerca do caminho do serviço devocional, através do qual ο Senhor, que está situado dentro do coração, pode ser satisfeito.

Texto

karoti karmāṇi kṛtāvatāro
yāny ātma-tantro bhagavāṁs tryadhīśaḥ
yathā sasarjāgra idaṁ nirīhaḥ
saṁsthāpya vṛttiṁ jagato vidhatte

Sinônimos

karoti — as faz; karmāṇi — atividades transcendentais; kṛta — aceitando; avatāraḥ — encarnações; yāni — todas essas; ātma-tantraḥ — independente do Eu; bhagavān — a Personalidade de Deus; tri-adhīśaḥ — ο Senhor dos três mundos; yathā — tanto quanto; sasarja — criada; agre — a princípio; idam — esta manifestação cósmica; nirīhaḥ — embora sem desejos; saṁsthāpya — estabelecendo; vṛttim — meio de vida; jagataḥ — dos universos; vidhatte — como Ele regula.

Tradução

Ó grande sábio, narra, por favor, como a Suprema Personalidade de Deus, que é ο Senhor independente e sem desejos dos três mundos e ο controlador de todas as energias, aceita encarnações e cria a manifestação cósmica com princípios reguladores dispostos perfeitamente para sua manutenção.

Comentário

Ο Senhor Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original de quem Se expandem as três encarnações criadoras, a saber, os puruṣa-avatāras Kāraṇārṇavaśāyī Viṣṇu, Garbhodakaśāyī Viṣṇu e Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu. Toda a criação material é conduzida pelos três puruṣas em estágios sucessivos sob a influência da energia externa do Senhor, e, deste modo, a natureza material é controlada por Ele. Pensar que a natureza material é independente é como tentar tirar leite das bolsas semelhantes a tetas que existem no pescoço de um bode. Ο Senhor é independente e sem desejos. Ele não cria ο mundo material para Sua própria satisfação assim como nós críamos nossos afazeres doméstico para satisfazer nossos desejos materiais. Na realidade, ο mundo material é criado para ο gozo ilusório das almas condicionadas, que têm se manifestado contra ο transcendental serviço ao Senhor desde tempos imemoriais. No entanto, os universos materiais são completos em si mesmos. Não há escassez para a manutenção no mundo material. Por causa de seu fundo insuficiente de conhecimento, os materialistas ficam perturbados quando há um aparente aumento de população na Terra. Entretanto, sempre que surge um ser vivo na Terra, sua subsistência é imediatamente planejada pelo Senhor. As outras espécies de entidades vivas, que em muito excedem em número a sociedade humana, nunca ficam perturbadas por causa de sua manutenção; elas nunca são vistas morrendo de inanição. É somente a sociedade humana que fica ansiosa acerca da situação alimentar e, para ocultar ο verdadeiro fato da má administração, ela se refugia na alegação de que a população está aumentando excessivamente. Se há alguma escassez no mundo, tal escassez é de consciência de Deus, pois, excetuando isso, pela graça do Senhor, não há escassez de nada.

Texto

yathā punaḥ sve kha idaṁ niveśya
śete guhāyāṁ sa nivṛtta-vṛttiḥ
yogeśvarādhīśvara eka etad
anupraviṣṭo bahudhā yathāsīt

Sinônimos

yathā — assim como; punaḥ — novamente; sve — em Sua; khe — forma de espaço (virāṭ-rūpa); idam — esta; niveśya — entrando em; śete — deita-se; guhāyām — dentro do universo; saḥ — Ele (a Personalidade de Deus); nivṛtta — sem Se esforçar; vṛttiḥ — subsistência; yoga-īśvara — o senhor de todos os poderes místicos; adhiśvaraḥ — proprietário de tudo; ekaḥ — único e inigualável; etat — este; anupraviṣṭaḥ — entrando em seguida; bahudhā — por inumeráveis; yathā — assim como; āsīt — existe.

Tradução

Ele Se deita em Seu próprio coração estendido sob a forma do céu, e, colocando assim toda a criação nesse espaço, Ele Se expande em muitas entidades vivas, que se manifestam como diferentes espécies de vida. Ele não tem que Se esforçar para Sua manutenção, porque Ele é ο senhor de todos os poderes místicos e ο proprietário de todas as coisas. Assim, Ele é distinto das entidades vivas.

Comentário

As perguntas relativas à criação, manutenção e destruição, que são mencionadas em muitas partes do Śrīmad-Bhāgavatam, estão relacionadas aos diferentes milênios (kalpas), daí serem descritas de formas diferentes por autoridades diferentes quando indagadas por diferentes discípulos. Não há diferença no que concerne aos princípios criadores e ao controle do Senhor sobre eles, não obstante, há algumas diferenças nos detalhes diminutos por causa de diferentes kalpas. Ο céu gigantesco é ο corpo material do Senhor, chamado de virāṭ-rūpa, e todas as criações materiais repousam no céu, ou no coração do Senhor. Portanto, começando do céu, a primeira manifestação material para a visão grosseira, e descendo até a Terra, tudo é chamado de Brahman. Sarvaṁ khalv idaṁ brahma: “Não há nada senão ο Senhor, e Ele é único e incomparável.” As entidades vivas são as energias superiores, ao passo que a matéria é a energia inferior, e a combinação dessas energias ocasiona a manifestação deste mundo material, que está no coração do Senhor.

Texto

krīḍan vidhatte dvija-go-surāṇāṁ
kṣemāya karmāṇy avatāra-bhedaiḥ
mano na tṛpyaty api śṛṇvatāṁ naḥ
suśloka-mauleś caritāmṛtāni

Sinônimos

krīḍan — manifestando passatempos; vidhatte — Ele executa; dvija — duas vezes nascidos; go — vacas; surāṇām — dos semideuses; kṣemāya — bem-estar; karmāṇi — atividades transcendentais; avatāra — encarnações; bhedaiḥ — diferentemente; manaḥ — mente; na — nunca; tṛpyati — satisfaz; api — apesar de; śṛṇvatām — ouvir continuamente; naḥ — nossa; suśloka – auspiciosas; mauleḥ — do Senhor; carita — características; amṛtāni — imortais.

Tradução

Narra, também, sobre as auspiciosas características do Senhor em Suas diferentes encarnações para ο bem-estar dos duas vezes nascidos, das vacas e dos semideuses. Nossas mentes nunca se satisfazem por completo, apesar de ouvirmos continuamente sobre Suas atividades transcendentais.

Comentário

Ο Senhor aparece neste universo em diferentes encarnações, tais como Matsya, Κūrma, Varāha e Nṛsiṁha, e Ele manifesta Suas diferentes atividades transcendentais para ο bem-estar dos duas vezes nascidos, das vacas e dos semideuses. Ο Senhor Se preocupa diretamente com os duas vezes nascidos, ou os homens civilizados. Um homem civilizado é aquele que nasce duas vezes. Uma entidade viva nasce neste mundo mortal devido à união do macho com a fêmea. Um ser humano nasce devido à união do pai com a mãe, mas um ser humano civilizado nasce uma segunda vez pelo contato com um mestre espiri­tual, que passa a ser ο seu verdadeiro pai. Ο pai e a mãe do corpo material ο são em um só nascimento, e no próximo nascimento ο pai e a mãe podem ser um casal diferente. Contudo, ο mestre espiritual fide­digno, como ο representante do Senhor, é ο pai eterno porque ο mestre espiritual tem a responsabilidade de levar ο discípulo à salvação espi­ritual, ou a meta última da vida. Por isso, um homem civilizado tem que ser duas vezes nascido, senão ele não é melhor que os animais inferiores.

A vaca é ο animal mais importante para se desenvolver ο corpo humano até a perfeição. Ο corpo pode ser mantido com qualquer tipo de gênero alimentício, mas ο leite da vaca é particularmente essencial para ο desenvolvimento dos tecidos mais refinados do cérebro humano de modo que se possa compreender as complexidades do conhecimento transcendental. Um homem civilizado deve se alimentar de gê­neros alimentícios que incluam as frutas, os legumes, os cereais, açúcar e ο leite. Ο touro ajuda no processo agrícola da produção de cereais etc., e, dessa maneira, em certo sentido, ο touro é ο pai da humanidade, ao passo que a vaca é a mãe, pois ela fornece leite à sociedade humana. Um homem civilizado deve, portanto, dar toda a proteção aos touros e às vacas.

Os semideuses, ou as entidades vivas que vivem nos planetas superiores, são muito superiores aos seres humanos. Uma vez que têm melhores arranjos para as condições de vida, eles vivem muito mais luxuosamente que os seres humanos, e, não obstante, todos eles são devotos do Senhor. Ο Senhor Se encarna sob diferentes formas, tais como as de peixe, de tartaruga, de javali e de combinação de leão com homem, só para dar proteção ao homem civilizado, à vaca e aos semideuses, que são diretamente responsáveis pela vida regulada de autorrealização progressiva. Todo ο sistema da criação material é planejado para que as almas condicionadas tenham a oportunidade de alcançar a autorrealização. Aquele que tira proveito desse arranjo é chamado um semideus ou homem civilizado. A vaca destina-se a ajudar a manter esse alto padrão de vida.

Os passatempos do Senhor para a proteção dos homens civilizados duas vezes nascidos, das vacas e dos semideuses são completamente transcendentais. Um ser humano tem inclinação a ouvir boas nar­rações e histórias, daí haver tantos livros, revistas e jornais no mer­cado para satisfazer os interesses da alma evoluída. Mas ο prazer em tal literatura, depois que ela é lida uma vez, torna-se insosso, e as pes­soas não têm nenhum interesse em ler uma literatura desse tipo repetidamente. De fato, os jornais são lidos em menos de uma hora e, depois, atirados nas cestas de lixo. Ο mesmo acontece com todas as outras literaturas mundanas. Mas a beleza de literaturas transcendentais, como a Bhagavad-gītā e ο Śrīmad-Bhāgavatam, é que nunca enve­lhecem. Elas têm sido lidas no mundo pelo homem civilizado no decor­rer dos últimos cinco mil anos, sem nunca terem se tornado insossas. Elas são sempre viçosas para os estudiosos eruditos e os devotos, e, mesmo pela repetição diária dos versos da Bhagavad-gītā e do Śrīmad-Bhāgavatam, não há saciedade para devotos como Vidura. Vidura já ouvira os passatempos do Senhor muitíssimas vezes antes de se encontrar com Maitreya, mas, mesmo assim, ele queria que as mesmas narrações fossem repetidas porque não estava de forma alguma saciado de ouvi-las. Essa é a natureza transcendental dos gloriosos passatempos do Senhor.

Texto

yais tattva-bhedair adhiloka-nātho
lokān alokān saha lokapālān
acīkḷpad yatra hi sarva-sattva-
nikāya-bhedo ’dhikṛtaḥ pratītaḥ

Sinônimos

yaiḥ — por quem; tattva — verdade; bhedaiḥ — pela diferenciação; adhiloka-nāthaḥ — o Rei dos reis; lokān — planetas; alokān — planetas da região inferior; saha — juntamente com; lokapālān – respectivos reis; acīkḷpat — planejados; yatra — em que; hi — certamente; sarva — tudo; sattva — existência; nikāya — entidades vivas; bhedaḥ — diferença; adhikṛtaḥ — ocupadas; pratītaḥ — assim parece.

Tradução

Ο Rei Supremo de todos os reis cria diferentes planetas e locais de habitação onde as entidades vivas se situam de acordo com os modos da natureza e ο trabalho, e cria seus diferentes reis e governantes.

Comentário

Ο Senhor Kṛṣṇa é ο principal Rei de todos os reis, e Ele cria diferentes planetas para todos os tipos de entidades vivas. Mesmo neste planeta, há diferentes locais para serem habitados por diferentes tipos de homens. Há locais como os desertos, geleiras e vales em países montanhosos, e, em cada um deles, há diferentes tipos de homens nascidos de diferentes modos da natureza de acordo com seus feitos passados. Há pessoas nos desertos da Arábia e nos vales das montanhas dos Himalaias, e os habitantes desses dois locais diferem uns dos outros, assim como os habitantes das geleiras também diferem deles. Analogamente, há também diferentes planetas. Os planetas abaixo da Terra até ο planeta Pātāla são cheios de vários tipos de seres vivos; nenhum planeta é vazio, como imagina erradamente ο assim chamado cientista moderno. Na Bhagavad-gītā, ο Senhor diz que as entidades vivas são sarva-gata, ou seja, elas estão presentes em todas as esferas de vida. Assim, não há dúvidas de que, em outros planetas, também há habitantes como nós, às vezes com inteligência superior e maior opulência. As condições de vida para aqueles que têm inteligência superior são mais luxuosas do que as que encontramos nesta Terra. Há também planetas até onde não chega a luz do Sol, e há entidades vivas que têm de viver nesses planetas devido a seus feitos passados. Todos esses planos para condições de vida são feitos pelo Senhor Supremo, e Vidura pediu que Maitreya descrevesse tal assunto para que ele fosse mais bem esclarecido.

Texto

yena prajānām uta ātma-karma-
rūpābhidhānāṁ ca bhidāṁ vyadhatta
nārāyaṇo viśvasṛg ātma-yonir
etac ca no varṇaya vipra-varya

Sinônimos

yena — através do qual; prajānām — daqueles que nascem; uta — como também; ātma-karma — ocupação destinada; rūpa — forma e característica; abhidānām — esforços; ca — também; bhidām — diferenciação; vyadhatta — dispersas; nārāyaṇaḥ — a Suprema Personalidade de Deus; viśva-sṛk — o criador do universo; ātmayoniḥ – autossuficiente; etat — todos estes; ca — também; naḥ — para nós; varṇaya — descreve; vipra-varya — ó principal entre os brāhmaṇas.

Tradução

Ó principal entre os brāhmaṇas, por favor, descreve também como Nārāyaṇa, ο criador do universo e ο Senhor autossuficiente, cria diferentemente as naturezas, atividades, formas, características e nomes das diferentes criaturas vivas.

Comentário

Todo ser vivo está sujeito ao plano de suas inclinações naturais de acordo com os modos da natureza material. Seu trabalho manifesta-se em termos da natureza dos três modos, sua forma e suas características corpóreas são desenhadas de acordo com seu trabalho, e seu nome é designado de acordo com suas características corpóreas. Por exemplo, as classes superiores de homens são brancas (ukla), e as classes inferiores de homens são negras. Essa divisão de branco e negro é feita em termos dos deveres brancos e negros da vida. Os atos piedosos levam-nos a nascer em uma família boa e de situação elevada, a nos tornarmos ricos, eruditos, e a adquirirmos belas feições corpóreas. Os atos ímpios fazem com que nos tornemos pobres quanto à ascendência, com que estejamos sempre passando necessidades, com que nos tornemos tolos ou iletrados e adquiramos feias características corpóreas. Vidura pediu a Maitreya para explicar estas diferenças que Nārāyaṇa, a Suprema Personalidade de Deus, determina a todas as criaturas vivas.

Texto

parāvareṣāṁ bhagavan vratāni
śrutāni me vyāsa-mukhād abhīkṣṇam
atṛpnuma kṣulla-sukhāvahānāṁ
teṣām ṛte kṛṣṇa-kathāmṛtaughāt

Sinônimos

para — superiores; avareṣām — destes inferiores; bhagavan — ó meu senhor, ó grandioso; vratāni — ocupações; śrutāni — ouvidos; me — por mim; vyāsa — Vyāsa; mukhāt — da boca; abhīkṣṇam — repetidamente; atṛpnuma — estou satisfeito; kṣulla — pouco; sukha-āvahānām — aquilo que causa a felicidade; teṣām — daquilo; ṛte — sem; kṛṣṇakathā – conversas sobre a Personalidade de Deus, ο Senhor Κṛṣṇa; amṛta-oghāt — do néctar.

Tradução

Ó meu senhor, tenho ouvido repetidamente da boca de Vyāsadeva sobre esses status superiores e inferiores da sociedade humana, e estou completamente saciado de todos esses temas menores e sua felicidade. Eles não me satisfizeram com ο néctar dos tópicos sobre Kṛṣṇa.

Comentário

Porque as pessoas estão muito interessadas em ouvir apresentações sociais e históricas, Śrīla Vyāsadeva compilou muitos livros, tais como os Purāṇas e ο Mahābhārata. Esses livros são matéria de leitura para a massa popular, e foram compilados com vistas a reviver sua consciência de Deus, agora esquecida na vida condicional da existência material. Ο verdadeiro objetivo dessas literaturas não é tanto de apresentar tópicos de referências históricas, mas, sim, de reviver ο sentido de consciência de Deus das pessoas. Ο Mahābhārata, por exemplo, é a história da Batalha de Kurukṣetra, e as pessoas comuns leem-no por ele ser cheio de tópicos relativos aos problemas sociais, políticos e econômicos da sociedade humana. Mas, na realidade, a parte mais importante do Mahābhārata é a Bhagavad-gītā, que é ensinada automaticamente aos leitores juntamente com as narrações históricas da Batalha de Kurukṣetra.

Vidura explicou a Maitreya que estava completamente saciado do conhecimento dos tópicos sociais e políticos mundanos e que não tinha nenhum interesse neles. Ele estava ansioso por ouvir os tópicos transcendentais relativos ao Senhor Śrī Κṛṣṇa. Por não haver suficientes tópicos diretamente acerca de Κṛṣṇa nos Purāṇas, Mahābhārata etc., ele não estava satisfeito e queria saber mais sobre Κṛṣṇa. Kṛṣṇa-kathā, ou os tópicos relativos a Kṛṣṇa, são transcendentais, e não há saciedade ao se ouvir esses tópicos. A Bhagavad-gītā é importante por ser kṛṣṇa-kathā, ou as palavras proferidas pelo Senhor Κṛṣṇa. A história da Batalha de Kurukṣetra pode ser interessante para a massa popular, mas, para uma pessoa como Vidura, que é altamente avançada no serviço devocional, somente kṛṣṇa-kathā e aquilo que se encaixa com kṛṣṇa-kathā é interessante. Vidura queria ouvir sobre tudo de Maitreya e, em virtude disso, fez perguntas a Maitreya, mas ele desejava que todos os tópicos tivessem relação com Kṛṣṇa. Assim como ο fogo nunca se satisfaz em consumir lenha, um devoto puro do Senhor nunca ouve ο suficiente sobre Kṛṣṇa. Os eventos históricos e outras narrações relativas a incidentes sociais e políticos tornam-se todos transcendentais tão logo estejam em relação com Kṛṣṇa. Esse é ο processo para transformar as coisas mundanas em identidade espiritual. Ο mundo inteiro pode ser transformado em Vaikuṇṭha se todas as atividades mundanas são ajustadas com kṛṣṇa-kathā.

Há dois kṛṣṇa-kathās importantes em vigor no mundo – a Bhagavad-gītā e ο Śrīmad-Bhāgavatam. A Bhagavad-gītā é kṛṣṇa-kathā porque é falada por Kṛṣṇa, ao passo que ο Śrīmad-Bhāgavatam é kṛṣṇa-kathā porque narra sobre Kṛṣṇa. Ο Senhor Caitanya aconselhou todos os Seus discípulos a pregarem kṛṣṇa-kathā no mundo inteiro sem discriminação, porque ο valor transcendental de kṛṣṇa-kathā pode purificar a todos da contaminação material.

Texto

kas tṛpnuyāt tīrtha-pado ’bhidhānāt
satreṣu vaḥ sūribhir īḍyamānāt
yaḥ karṇa-nāḍīṁ puruṣasya yāto
bhava-pradāṁ geha-ratiṁ chinatti

Sinônimos

kaḥ — quem é ο homem; tṛpnuyāt — que pode se satisfazer; tīrtha-padaḥ — cujos pés de lótus são todos os locais de peregrinação; abhidhānāt — das conversas sobre; satreṣu — na sociedade humana; vaḥ — aquele que é; sūribhiḥ — por grandes devotos; īḍyamānāt — aquele que é assim adorado; yaḥ — quem; karṇanāḍīm – nos orifícios dos ouvidos; puruṣasya — de um homem; yātaḥ — entrando; bhavapradām – aquilo que concede nascimentos e mortes; geha-ratim — afeição familiar; chinatti — é cortada.

Tradução

Quem na sociedade humana pode ficar satisfeito em ouvir conversas suficientes sobre ο Senhor, cujos pés de lótus são a soma total de todos os locais de peregrinação e que é adorado por grandes sábios e devotos? Esses tópicos podem cortar nosso cativeiro à afeição familiar simplesmente por entrarem nos orifícios de nossos ouvidos.

Comentário

Kṛṣṇa-kathā é tão poderoso que, simplesmente por entrar no ouvido de uma pessoa, pode libertá-la imediatamente do cativeiro da afeição familiar. A afeição familiar é uma manifestação ilusória da energia externa, e o único impulso para todas as atividades mundanas. Enquanto executamos atividades mundanas e nossa mente está absorta em tal ocupação, temos que nos submeter à repetição de nascimento e morte dentro da atual ignorância material. A maioria das pessoas é influenciada pelo modo da ignorância, e algumas são influenciadas pelo modo apaixonado da natureza material, e, sob ο encanto desses dois modos, um ser vivo é estimulado pela concepção material da vida. As qualidades mundanas não permitem que uma entidade viva entenda sua verdadeira posição. As qualidades tanto da ignorância quanta da paixão prendem-nos fortemente à ilusória concepção corpórea do eu. Os melhores entre os tolos que assim se iludem são aqueles que se dedicam a atividades altruístas sob ο encanto do modo material da paixão. A Bhagavad-gītā, que é kṛṣṇa-kathā direto, concede à humanidade a lição elementar de que ο corpo é perecível e a consciência que se espalha pelo corpo é imperecível. Ο ser consciente, ο eu imperecível, existe eternamente e não pode ser morto sob nenhuma circunstância, nem mesmo após a dissolução do corpo. Qualquer pessoa que interprete erradamente que este corpo perecível é ο eu e que trabalhe para ele em nome da sociologia, da política, da filantropia, do altruísmo, do nacionalismo ou do internacionalismo, sob ο falso pretexto da concepção corpórea da vida, é certamente um tolo e não conhece as implicações da realidade e da irrealidade. Algumas dessas pessoas estão acima dos modos da ignorância e paixão e estão situadas no modo da bondade, mas a bondade mundana sempre é contaminada por vestígios de ignorância e paixão. A bondade mundana pode nos esclarecer que ο corpo e ο eu são diferentes, e aquele que está no modo da bondade está preocupado com ο eu, e não com ο corpo. Contudo, por serem contaminados, aqueles que estão em bondade mundana não podem entender a verdadeira natureza do eu como sendo uma pessoa. Sua concepção impessoal do eu como sendo distinto do corpo mantém-nos no modo da bondade dentro da natureza material, e, a menos que se sintam atraídos pelo kṛṣṇa-kathā, eles nunca se libertarão do cativeiro da existência material. Kṛṣṇa-kathā é ο único remédio para todas as pessoas do mundo porque pode nos situar em consciência pura do eu e nos libertar do cativeiro material. Pregar kṛṣṇa-kathā em todo ο mundo, como é recomendado pelo Senhor Caitanya, é a maior de todas as atividades missionárias, e todos os homens e mulheres sensatos do mundo podem juntar-se a esse grande movimento inaugurado pelo Senhor Caitanya.

Texto

munir vivakṣur bhagavad-guṇānāṁ
sakhāpi te bhāratam āha kṛṣṇaḥ
yasmin nṛṇāṁ grāmya-sukhānuvādair
matir gṛhītā nu hareḥ kathāyām

Sinônimos

muniḥ — ο sábio; vivakṣuḥ — descritas; bhagavat — da Personalidade de Deus; guṇānām — qualidades transcendentais; sakhā — amigo; api — também; te — teu; bhāratam — ο Mahābhārata; āha — descreveu; kṛṣṇaḥ — Kṛṣṇa-dvaipāyana Vyāsa; yasmin — em que; nṛṇām — das pessoas; grāmya — mundanas; sukhaanuvādaiḥ – prazer obtido dos tópicos mundanos; matiḥ — atenção; gṛhītā nu — só para atrair para; hareḥ — do Senhor; kathāyām — palavras da (Bhagavad-gītā).

Tradução

Teu amigo, ο grande sábio Kṛṣṇa-dvaipāyana Vyāsa, já descreveu as qualidades transcendentais do Senhor em sua grande obra, ο Mahābhārata. A ideia, contudo, é atrair a atenção da massa popular para ο kṛṣṇa-kathā [Bhagavad-gītā] através de sua forte afinidade por ouvir tópicos mundanos.

Comentário

Ο grande sábio Kṛṣṇa-dvaipāyana Vyāsa é ο autor de toda a literatura védica, da qual suas obras Vedānta-sūtra, Śrīmad-Bhāgavatam e Mahābhārata são leituras muito populares. Como se declara no Bhāgavatam (1.4.25), Śrīla Vyāsadeva compilou ο Mahābhārata para a classe menos inteligente de homens, que está mais interessada em tópicos mundanos do que na filosofia da vida. Ο Vedānta-sūtra foi compilado para pessoas que já estão acima dos tópicos mundanos, que já teriam provado ο amargo da assim chamada felicidade dos assuntos mundanos. Ο primeiro aforismo do Vedānta-sūtra é athāto brahma-jijñāsā, isto é, somente quando se para de fazer perguntas mundanas no mercado do gozo dos sentidos é que se pode fazer perguntas relevantes relativas a Brahman, a Transcendência. As pessoas que estão atarefadas com as indagações mundanas que abarrotam os jornais e outras literaturas desse gênero são classificadas como strī-śūdra-dvija-bandhus, ou as mulheres, a classe operária e os filhos indignos das classes superiores (brāhmaṇa, kṣatriya e vaiśya). Essas pessoas menos inteligentes não podem entender ο propósito do Vedānta-sūtra, embora possam fazer um espetáculo de que estudam os sūtras, mas de forma pervertida. Ο verdadeiro propósito do Vedānta-sūtra é explicado pelo próprio autor no Śrīmad-Bhāgavatam, e qualquer pessoa que tente entender ο Vedānta-sūtra sem referência ao Śrīmad-Bhāgavatam certamente se desencaminha. Essas pessoas desencaminhadas, que estão interessadas nos assuntos mundanos do trabalho filantrópico e altruísta sob a concepção errônea de que ο corpo é ο eu, poderiam, antes, tirar proveito do Mahābhārata, que foi especificamente compilado por Śrīla Vyāsadeva para ο benefício delas. Ο grande autor compilou ο Mahābhārata de tal maneira que a classe menos inteligente de homens, que está mais interessada nos tópicos mundanos, possa ler ο Mahābhārata com grande deleite e, no transcurso de tal felicidade mundana, possa também tirar proveito da Bhagavad-gītā, ο estudo preliminar do Śrīmad-Bhāgavatam ou dο Vedānta-sūtra. Ao escrever uma história de atividades mundanas, Śrīla Vyāsadeva não teve outro interesse além de dar às pessoas menos inteligentes uma oportunidade para a realização transcendental através da Bhagavad-gītā. A referência de Vidura ao Mahābhārata indica que ele tinha ouvido Vyāsadeva, seu pai verdadeiro, falar sobre ο Μahābhārata enquanto estava longe de casa e viajava pelos locais de peregrinação.

Texto

sā śraddadhānasya vivardhamānā
viraktim anyatra karoti puṁsaḥ
hareḥ padānusmṛti-nirvṛtasya
samasta-duḥkhāpyayam āśu dhatte

Sinônimos

— estes tópicos sobre Kṛṣṇa, ou kṛṣṇa-kathā; śraddadhānasya — daquele que está ansioso por ouvir; vivardhamānā — aumentando gradualmente; viraktim — indiferença; anyatra — por outras coisas (além destes tópicos); karoti — faz; puṁsaḥ — daquele que assim se ocupa; hareḥ — do Senhor; pada-anusmṛti — lembrança constante dos pés de lótus do Senhor; nirvṛtasya — aquele que atingiu essa bem-aventurança transcendental; samastaduḥkha – todo sofrimento; apyayam — subjugadas; āśu — sem demora; dhatte — executa.

Tradução

Para aquele que está ansioso por se ocupar constantemente em ouvir estes tópicos, ο kṛṣṇa-kathā gradualmente aumenta sua indiferença por todas as outras coisas. Essa lembrança constante dos pés de lótus do Senhor Kṛṣṇa por parte do devoto que atingiu a bem-aventurança transcendental subjuga todos os seus sofrimentos sem demora.

Comentário

É preciso que tenhamos a certeza de que, no plano absoluto, kṛṣṇa-kathā e Kṛṣṇa são a mesma coisa. Ο Senhor é a Verdade Absoluta, e, em razão disso, Seu nome, forma, qualidade etc., que são considerados kṛṣṇa-kathā também, não são diferentes dEle. Por ter sido falado pelo Senhor, a Bhagavad-gītā é como ο próprio Senhor. Quando um devoto sincero lê a Bhagavad-gītā, é como se ele estivesse vendo ο Senhor face a face em sua presença pessoal, mas ο mesmo não acontece com ο argumentador mundano. Todas as potências do Senhor estão presentes quando se lê a Bhagavad-gītā, contanto que ela seja lida da forma recomendada na Gītā pelo próprio Senhor. Não se pode tolamente fabricar uma interpretação da Bhagavad-gītā e, ainda assim, produzir-se um benefício transcendental. Qualquer um que tente arrancar um sentido artificial ou interpretação da Bhagavad-gītā para um motivo ulterior não é śraddadhāna-puṁsaḥ (aquele que está ocupado ansiosamente na audição fidedigna de kṛṣṇa-kathā). Uma pessoa desse tipo não pode tirar nenhum benefício da leitura da Bhagavad-gītā, por mais erudita que seja na estimativa de um leigo. Ο śraddadhāna, ou devoto fiel, pode realmente tirar todos os benefícios da Bhagavad-gītā porque, pela onipotência do Senhor, ele atinge a bem-aventurança transcendental que subjuga ο apego e anula todas as concomitantes dores materiais. Somente ο devoto, por sua experiência real, pode entender ο sentido deste verso falado por Vidura. Ο devoto puro do Senhor goza a vida, lembrando-se constantemente dos pés de lótus do Senhor pela audição de kṛṣṇa-kathā. Para um devoto assim, a existência material não existe, e a tão apregoada bem-aventurança de brahmānanda é insignificante para ο devoto que está no meio do transcendental oceano de bem-aventurança.

Texto

tāñ chocya-śocyān avido ’nuśoce
hareḥ kathāyāṁ vimukhān aghena
kṣiṇoti devo ’nimiṣas tu yeṣām
āyur vṛthā-vāda-gati-smṛtīnām

Sinônimos

tān — todas aquelas; śocya — dignas de compaixão; śocyān — dos desprezíveis; avidaḥ — ignorantes; anuśoce — eu me apiedo; hareḥ — do Senhor; kathāyām — aos tópicos de; vimukhān — avessas; aghena — por causa de atividades pecaminosas; kṣiṇoti — arruinando; devaḥ — ο Senhor; animiṣaḥ — tempo eterno; tu — mas; yeṣām — de quem; āyuḥ — duração de vida; vṛthā — inutilmente; vāda — especulações filosóficas; gati — meta última; smṛtīnām — daqueles que seguem diferentes rituais.

Tradução

Ó sábio, os que são dignos de compaixão apiedam-se das pessoas que, por causa de suas atividades pecaminosas, são avessas aos tópicos sobre a Transcendência e que, deste modo, ignoram ο propósito do Mahābhārata [a Bhagavad-gītā]. Eu também me apiedo delas porque vejo sua duração de vida sendo arruinada pelo tempo eterno enquanto elas se envolvem com apresentações de especulações filosóficas, teóricas metas últimas de vida e diferentes tipos de rituais.

Comentário

De acordo com os modos da natureza material, há três tipos de relações entre os seres humanos e a Suprema Personalidade de Deus. Aqueles que estão nos modos da ignorância e paixão são avessos à existência de Deus, ou, então, aceitam formalmente a existência de Deus na posição de um fornecedor de encomendas. Acima desses, há os que estão no modo da bondade. Essa segunda classe de homens acredita que ο Brahman Supremo é impessoal. Eles aceitam o culto de bhakti, no qual ouvir kṛṣṇa-kathā é ο primeiro item, como um meio, e não como ο fim. Acima desses, há aqueles que são devotos puros. Eles estão situados no estágio transcendental acima do modo da bondade material. Essas pessoas estão decididamente convencidas de que ο nome, a forma, a fama, as qualidades etc. da Personalidade de Deus não são diferentes umas das outras no plano absoluto. Para elas, ouvir os tópicos sobre Kṛṣṇa é como encontrar-se diretamente com Ele. Segundo essa classe de pessoas, que estão situadas no serviço devocional puro ao Senhor, a meta máxima da vida humana é puruṣārtha, ο serviço devocional ao Senhor, a verdadeira missão da vida. Por se dedicarem à especulação mental e por não terem fé na Personalidade de Deus, os impersonalistas nada têm a ver com a audição dos tópicos sobre Kṛṣṇa. Pessoas desse tipo são dignas da compaixão dos devotos puros do Senhor de primeira classe. Os impersonalistas dignos de compaixão apiedam-se daqueles que são influenciados pelos modos de ignorância e paixão, mas os devotos puros do Senhor apiedam-se de ambas as classes porque ambas perdem seu tão valioso tempo na forma humana de vida com buscas falsas, gozo dos sentidos e apresentações especulativas mentais de diferentes teorias e metas de vida.

Texto

tad asya kauṣārava śarma-dātur
hareḥ kathām eva kathāsu sāram
uddhṛtya puṣpebhya ivārta-bandho
śivāya naḥ kīrtaya tīrtha-kīrteḥ

Sinônimos

tat — portanto; asya — Seu; kauṣārava — ó Maitreya; śarmadātuḥ – daquele que outorga a boa fortuna; hareḥ — do Senhor; kathām — tópicos; eva — somente; kathāsu — de todos os tópicos; sāram — a essência; uddhṛtya — citando; puṣpebhyaḥ — das flores; iva — assim; ārta-bandho — ó amigo dos aflitos; śivāya — para ο bem-estar; naḥ — nosso; kīrtaya — por favor, descreve; tīrtha — peregrinação; kīrteḥ — do glorioso.

Tradução

Ó Maitreya, ó amigo dos aflitos, somente as glórias do Senhor Supremo podem fazer ο bem para as pessoas em todo ο mundo. Por isso, assim como as abelhas colhem ο mel das flores, por favor, descreve a essência de todos os tópicos – os tópicos do Senhor.

Comentário

Há muitos tópicos para diferentes pessoas em diferentes modos da natureza material, mas os tópicos essenciais são os relativos ao Senhor Supremo. Infelizmente, as almas condicionadas materialmente afetadas são mais ou menos avessas aos tópicos do Senhor Supremo porque algumas delas não creem na existência de Deus e algumas delas creem apenas no aspecto impessoal do Senhor. Em ambos os casos, elas nada têm a dizer sobre Deus. Tanto os descrentes quanto os impersonalistas negam a essência de todos os tópicos; por isso, dedicam-se a tópicos de relatividade de várias maneiras, ou no gozo dos sentidos, ou na especulação mental. Para devotos puros como Vidura, os tópicos tanto dos mundanos quanto dos especuladores mentais são inúteis sob todos os aspectos. Assim, Vidura pediu que Μaitreya apenas falasse sobre a essência, os tópicos de Kṛṣṇa, e nada mais.

Texto

sa viśva-janma-sthiti-saṁyamārthe
kṛtāvatāraḥ pragṛhīta-śaktiḥ
cakāra karmāṇy atipūruṣāṇi
yānīśvaraḥ kīrtaya tāni mahyam

Sinônimos

saḥ — a Personalidade de Deus; viśva — universo; janma — criação; sthiti — manutenção; saṁyamaarthe – com vistas a aperfeiçoar ο controle; kṛta — aceitou; avatāraḥ — encarnação; pragṛhīta — aperfeiçoada com; śaktiḥ — potência; cakāra — executadas; karmāṇi — atividades transcendentais; atipūruṣāṇi – sobre-humanas; yāni — todas essas; īśvaraḥ — ο Senhor; kīrtaya — por favor, canta; tāni — todas essas; mahyam — para mim.

Tradução

Por favor, canta todas essas transcendentais atividades sobre-humanas do supremo controlador, a Personalidade de Deus, que aceitou encarnações totalmente providas com toda potência para a completa manifestação e manutenção da criação cósmica.

Comentário

Vidura estava indubitavelmente muito ansioso por ouvir sobre ο Senhor Κṛṣṇa em particular, mas estava oprimido porque ο Senhor Kṛṣṇa tinha acabado de desaparecer do mundo visível. Portanto, ele quis ouvir sobre ο Senhor em Suas encarnações puruṣa, em que Ele Se manifesta com plenas potências para a criação e manutenção do mundo cósmico. As atividades das encanações puruṣa são apenas uma extensão das atividades do Senhor. Essa alusão foi feita por Vidura a Maitreya porque Maitreya não estava conseguindo se decidir sobre que parte das atividades do Senhor Κṛṣṇa devia ser cantada.

Texto

śrī-śuka uvāca
sa evaṁ bhagavān pṛṣṭaḥ
kṣattrā kauṣāravo muniḥ
puṁsāṁ niḥśreyasārthena
tam āha bahu-mānayan

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; saḥ — ele; evam — assim; bhagavān — ο grande sábio; pṛṣṭaḥ — sendo solicitado; kṣattrā — por Vidura; kauṣāravaḥ — Maitreya; muniḥ — ο grande sábio; puṁsām — para todas as pessoas; niḥśreyasa — para ο bem-estar máximo; arthena — por isso; tam — a ele; āha — narrou; bahu — muito; mānayan — honrando.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ο grande sábio Maitreya Muni, depois de muito honrar Vidura, começou a falar, a pedido de Vidura, para ο bem-estar máximo de todas as pessoas.

Comentário

Ο grande sábio Maitreya Muni é descrito aqui como bhagavān porque ele superou todos os seres humanos comuns no tocante à erudição e à experiência. Deste modo, sua escolha do mais elevado serviço beneficente para ο mundo é considerada autorizada. Ο serviço beneficente que inclui toda a sociedade humana é ο serviço devocional ao Senhor, e, a pedido de Vidura, ο sábio descreveu ο mesmo muito apropriadamente.

Texto

maitreya uvāca
sādhu pṛṣṭaṁ tvayā sādho
lokān sādhv anugṛhṇatā
kīrtiṁ vitanvatā loke
ātmano ’dhokṣajātmanaḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Śrī Maitreya disse; sādhu — todas as bondades; pṛṣṭam — fui indagado; tvayā — por ti; sādho — ó bondoso; lokān — todas as pessoas; sādhu anugṛhṇatā — mostrando misericórdia com bondade; kīrtim — glórias; vitanvatā — difundindo; loke — no mundo; ātmanaḥ — do eu; adhokṣaja — a Transcendência; ātmanaḥ — mente.

Tradução

Śrī Maitreya disse: Ó Vidura, todas as glórias a ti. Perguntaste-me sobre a maior de todas as bondades, e assim mostraste tua misericórdia tanto para com ο mundo quanto para comigo, porque tua mente está sempre absorta nos pensamentos da Transcendência.

Comentário

Maitreya Muni, que era experiente na ciência da Transcendência, pôde entender que a mente de Vidura estava totalmente absorta na Transcendência. Adhokṣaja significa aquilo que transcende os limites da percepção dos sentidos, ou a experiência sensória. Ο Senhor é transcendental à nossa experiência sensória, mas Ele Se revela ao devoto sincero. Porque Vidura estava sempre absorto pensando no Senhor, Maitreya pôde apreciar ο valor transcendental de Vidura. Ele apreciou as valiosas perguntas de Vidura e, assim, agradeceu-lhe com muita honra.

Texto

naitac citraṁ tvayi kṣattar
bādarāyaṇa-vīryaje
gṛhīto ’nanya-bhāvena
yat tvayā harir īśvaraḥ

Sinônimos

na — jamais; etat — estas perguntas; citram — muito admirável; tvayi — em ti; kṣattaḥ — ó Vidura; bādarāyaṇa — de Vyāsadeva; vīryaje – nascido do sêmen; gṛhītaḥ — aceitado; ananya-bhāvena — sem desviar-se do pensamento; yat — porque; tvayā — por ti; hariḥ — a Personalidade de Deus; īśvaraḥ — ο Senhor.

Tradução

Ó Vidura, não é nada surpreendente que tenhas aceitado ο Senhor assim sem desviar ο pensamento, pois nasceste do sêmen de Vyāsadeva.

Comentário

Ο valor de uma eminente ascendência e de um nascimento nobre é estimado aqui em relação ao nascimento de Vidura. A cultura de um ser humano começa quando ο pai introduz seu sêmen no ventre da mãe. De acordo com seu status de trabalho, uma entidade viva é colocada no sêmen de um determinado pai, e, como Vidura não era uma entidade viva comum, foi-lhe dada a oportunidade de nascer do sêmen de Vyāsa. Ο nascimento de um ser humano é uma grande ciência, motivo pelo qual a preparação do ato da fecundação segundo ο ritual védico chamado garbhādhāna-saṁskāra é muito importante para se produzir uma boa população. Ο problema não é impedir ο crescimento da população, mas, sim, produzir uma boa população ao nível de Vidura, Vyāsa e Maitreya. Não há necessidade de impedir ο crescimento da população se os filhos nascem como seres humanos com todas as precauções relativas a seu nascimento. Ο assim chamado controle da natalidade é não apenas vicioso, como também inútil.

Texto

māṇḍavya-śāpād bhagavān
prajā-saṁyamano yamaḥ
bhrātuḥ kṣetre bhujiṣyāyāṁ
jātaḥ satyavatī-sutāt

Sinônimos

māṇḍavya — ο grande ṛṣi Māṇḍavya Muni; śāpāt — por sua maldição; bhagavān — ο poderosíssimo; prajā — aquele que nasceu; saṁyamanaḥ — controlador da morte; yamaḥ — conhecido como Yamarāja; bhrātuḥ — do irmão; kṣetre — na esposa; bhujiṣyāyām — amasiada; jātaḥ — nascido; satyavatī — Satyavatī (a mãe tanto de Vicitravīrya quanto de Vyāsadeva); sutāt — pelo filho (Vyāsadeva).

Tradução

Sei que agora és Vidura devido à maldição de Māṇḍavya Muni e que anteriormente foste ο rei Yamarāja, ο grande controlador das entidades vivas após sua morte. Foste gerado pelo filho de Satyavatī, Vyāsadeva, na esposa amasiada do irmão dele.

Comentário

Māṇḍavya Muni foi um grande sábio (cf. Śrīmad-Bhāgavatam 1.13.1), e Vidura fora anteriormente ο controlador Yamarāja, que se encarrega das entidades vivas após a morte. Nascimento, manutenção e morte são três estados condicionais das entidades vivas que estão no mundo material. No seu papel de controlador após a morte, certa feita Yamarāja levou em juízo Māṇḍavya Muni por certa perversidade infantil e mandou que ele fosse trespassado com uma lança. Irritando-se por Yamarāja tê-lo punido injustamente, Māṇḍavya o amaldiçoou fazendo com que ele se tornasse um śūdra (membro da classe operária de pouca inteligência). Assim, Yamarāja nasceu no ventre da esposa amasiada de Vicitravīrya, a partir do sêmen de Vyāsadeva, ο irmão de Vicitravīrya. Vyāsadeva é filho de Satyavatī com ο grande rei Śantanu, ο pai de Bhīṣmadeva. Essa misteriosa história de Vidura era conhecida de Maitreya Muni porque ele era um amigo contemporâneo de Vyāsadeva. Apesar de Vidura ter nascido no ventre de uma esposa amasiada, ele herdou ο mais elevado talento de tornar-se um grande devoto do Senhor porque, por outro lado, ele tinha uma alta ascendência e parentes eminentes. Subentende-se que nascer em tão elevada família é uma vantagem para se obter a vida devocional. Vidura recebeu essa oportunidade devido a sua grandeza anterior.

Texto

bhavān bhagavato nityaṁ
sammataḥ sānugasya ha
yasya jñānopadeśāya
mādiśad bhagavān vrajan

Sinônimos

bhavān — vossa graça; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; nityam — eterno; sammataḥ — reconhecido; sa-anugasya — um dos companheiros; ha — tem sido; yasya — de quem; jñāna — conhecimento; upadeśāya — para instruir; — a mim; ādiśat — assim ordenado; bhagavān — a Personalidade de Deus; vrajan — enquanto regressava para a Sua morada.

Tradução

Vossa graça é um dos companheiros eternos da Suprema Personalidade de Deus, e, por atenção a vossa graça, ο Senhor, enquanto regressava à Sua morada, deixou instruções comigo.

Comentário

Yamarāja, ο grande controlador da vida após a morte, decide os destinos das entidades vivas em suas próximas vidas. Ele está certamente incluído entre os representantes mais confidenciais do Senhor. Esses cargos de confiança são oferecidos aos grandes devotos do Senhor que são como Seus companheiros eternos no céu espiritual. Ε porque Vidura estava incluído entre eles, ο Senhor, enquanto regressava a Vaikuṇṭha, deixou instruções para Vidura com Maitreya Muni. De um modo geral, os companheiros eternos do Senhor no céu espiritual não vêm ao mundo material. Às vezes eles vêm, entretanto, por ordem do Senhor – não para assumir algum cargo administrativo, mas para se associarem ao Senhor em pessoa ou propagarem a mensagem de Deus na sociedade humana. Esses representantes dotados de poder são chamados śaktyāveśa-avatāras, ou encarnações investidas do poder transcendental de um representante.

Texto

atha te bhagaval-līlā
yoga-māyorubṛṁhitāḥ
viśva-sthity-udbhavāntārthā
varṇayāmy anupūrvaśaḥ

Sinônimos

atha — portanto; te — para ti; bhagavat — relativos à Personalidade de Deus; līlāḥ — passatempos; yoga-māyā — energia do Senhor; uru — muito; bṛṁhitāḥ — estendidos por; viśva — do mundo cósmico; sthiti — manutenção; udbhava — criação; anta — dissolução; arthāḥ — propósito; varṇayāmi — descreverei; anupūrvaśaḥ — sistematicamente.

Tradução

Portanto, descreverei para ti os passatempos através dos quais a Personalidade de Deus estende Sua potência transcendental para a criação, a manutenção e a dissolução do mundo cósmico da forma como ocorrem, um após ο outro.

Comentário

Ο Senhor onipotente, através de Suas diferentes energias, pode executar ο que quiser. A criação do mundo cósmico é feita por Sua energia yogamāyā.

Texto

bhagavān eka āsedam
agra ātmātmanāṁ vibhuḥ
ātmecchānugatāv ātmā
nānā-maty-upalakṣaṇaḥ

Sinônimos

bhagavān — a Personalidade de Deus; ekaḥ — único e inigualável; āsa — existia; idam — esta criação; agre — anterior à criação; ātmā — em Sua própria forma; ātmanām — das entidades vivas; vibhuḥ — senhor; ātmā — Eu; icchā — desejo; anugatau — fundindo-se em; ātmā — Eu; nānā-mati — visão diferente; upalakṣaṇaḥ — sintomas.

Tradução

A Personalidade de Deus, ο Senhor de todas as entidades vivas, existia antes da criação como ο único e inigualável. É apenas por Sua vontade que a criação se torna possível e novamente tudo se funde nEle. Esse Eu Supremo é sintomatizado por diferentes nomes.

Comentário

Ο grande sábio começa aqui a explicar ο propósito dos quatro versos originais do Śrīmad-Bhāgavatam. Embora não tenham acesso ao Śrīmad-Bhāgavatam, os seguidores da escola māyāvāda (impersonalista) às vezes espremem uma explanação imaginária dos quatro versos originais, mas devemos aceitar a verdadeira explicação dada nesta passagem por Maitreya Muni porque ele, juntamente com Uddhava, pessoalmente ouviram-na ser falada diretamente pelo Senhor. A primeira linha dos quatro versos originais diz: aham evāsam evāgre. A palavra aham é interpretada de modo errado pela escola māyāvāda com significados que ninguém além do intérprete pode compreender. Aqui se explica que aham é a Suprema Personalidade de Deus, e não as entidades vivas individuais. Antes da criação, existia apenas a Personalidade de Deus; não havia encarnações puruṣa e certamente não havia entidades vivas, nem havia a energia material, através da qual se efetua a criação manifesta. As encarnações puruṣa e todas as diferentes energias do Senhor Supremo estavam fundidas unicamente nEle.

A Personalidade de Deus é descrita aqui como ο mestre de todas as outras entidades vivas. Ele é como ο disco do Sol, e as entidades vivas são como as moléculas dos raios do Sol. Essa existência do Senhor antes da criação é confirmada pelos śrutis: vāsudevo vā idaṁ agra āsīt na brahmā na ca śaṅkaraḥ, eko vai nārāyaṇa āsīn na brahmā neśānāḥ. Porque tudo que existe é uma emanação da Personalidade de Deus, Ele sempre existe como ο único e incomparável. Ele pode existir desta forma por ser completamente perfeito e onipotente. Tudo além dEle, incluindo Suas expansões plenárias, os viṣṇu-tattvas, é Sua parte integrante. Antes da criação, não havia Kāraṇārṇavaśāyī ou Garbhodakaśāyī ou Kṣīrodakaśāyī Viṣṇus, nem havia Brahmā nem Śaṅkara. A expansão plenária Viṣṇu e as entidades vivas começando por Brahmā são partes integrantes separadas. Embora a existência espiritual estivesse com ο Senhor, a existência material estava adormecida nEle. É apenas por Sua vontade que a manifestação material é feita e desfeita. A diversidade do Vaikuṇṭhaloka está incluída no Senhor, assim como a diversidade de soldados faz parte do rei. Como se explica na Bhagavad-gītā (9.7), a criação material acontece a intervalos pela vontade do Senhor, e, nos períodos entre a dissolução e a criação, as entidades vivas e a energia material permanecem adormecidas nEle.

Texto

sa vā eṣa tadā draṣṭā
nāpaśyad dṛśyam ekarāṭ
mene ’santam ivātmānaṁ
supta-śaktir asupta-dṛk

Sinônimos

saḥ — a Personalidade de Deus; — ou; eṣaḥ — todos estes; tadā — naquela época; draṣṭā — ο que via; na — não; apaśyat — via; dṛśyam — criação cósmica; eka-rāṭ — proprietário indiscutível; mene — pensou assim; asantam — não existente; iva — assim; ātmānam — manifestações plenárias; supta — imanifesta; śaktiḥ — energia material; asupta — manifesta; dṛk — potência interna.

Tradução

Ο Senhor, ο proprietário indiscutível de todas as coisas, era ο único que via. A manifestação cósmica não estava presente naquela época, de modo que Ele Se sentiu imperfeito sem Suas partes integrantes plenárias e separadas. A energia material estava adormecida, ao passo que a potência interna estava manifesta.

Comentário

Ο Senhor é ο melhor daqueles que veem porque, apenas por um olhar Seu, a energia material tornou-se ativa para a manifestação cósmica. Naquela época, aquele que vê existia, mas a energia externa, sobre a qual é lançado ο olhar do Senhor, não estava presente. Ele Se sentiu um tanto insuficiente, como um esposo que se sente só na ausência da esposa. Esse é um símile poético. Ο Senhor quis criar a manifestação cósmica para dar outra oportunidade às almas condicionadas que estavam adormecidas no esquecimento. A manifestação cósmica proporciona às almas condicionadas uma oportunidade de voltarem ao lar, voltarem ao Supremo, e esse é ο seu propósito principal. Ο Senhor é tão bondoso que, na ausência de tal manifestação, sente como se estivesse faltando algo, e assim ocorre a criação. Embora a criação da potência interna estivesse manifesta, a outra potência parecia estar adormecida, e ο Senhor quis despertá-la para a atividade, assim como um esposo quer despertar sua esposa do estado de adormecimento para ο gozo. É por compaixão do Senhor pela energia adormecida que Ele quer vê-la desperta para ο gozo como as outras esposas que estão acordadas. Todo ο processo consiste em animar as almas condicionadas adormecidas para a verdadeira vida da consciência espiritual de modo que elas assim se tornem tão perfeitas como as almas eternamente liberadas nos Vaikuṇṭhalokas. Uma vez que ο Senhor é sac-cid-ānanda-vigraha, Ele gosta que todas as partes integrantes de Suas diferentes potências participem na rasa bem-aventurada, porque a participação com ο Senhor em Sua rasa-līlā eterna é a mais elevada condição de vida, perfeita em bem-aventurança espiritual e conhecimento eterno.

Texto

sā vā etasya saṁdraṣṭuḥ
śaktiḥ sad-asad-ātmikā
māyā nāma mahā-bhāga
yayedaṁ nirmame vibhuḥ

Sinônimos

— esta energia externa; — é também; etasya — do Senhor; saṁdraṣṭuḥ — daquele que vê perfeitamente; śaktiḥ — energia; sat-asat-ātmikā — tanto como causa quanto como efeito; māyā nāma — conhecida como māyā; mahā-bhāga — ó afortunado; yayā — através da qual; idam — este mundo material; nirmame — construído; vibhuḥ — ο Todo-poderoso.

Tradução

O Senhor é aquele que vê, e a energia externa, que é vista, funciona tanto como a causa quanto como ο efeito na manifestação cósmica. Ó afortunadíssimo Vidura, esta energia externa é conhecida como māyā, ou ilusão, e é somente através de sua atuação que toda a manifestação material se torna possível.

Comentário

A natureza material, conhecida como māyā, é tanto a causa material quanto a causa eficiente do cosmo, mas, por trás de tudo, ο Senhor é a consciência para todas as atividades. Assim como no corpo individual a consciência é a fonte de todas as energias do corpo, da mesma forma a consciência suprema do Senhor é a fonte de todas as energias na natureza material. Isso é confirmado na Bhagavad-gītā (9.10) como segue:

mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ
sūyate sa-carācaram
hetunānena kaunteya
jagad viparivartate

“Por trás de todas as energias da natureza material, a mão do Senhor Supremo atua como ο superintendente final. Devido apenas a essa causa suprema é que as atividades da natureza material parecem planejadas e sistemáticas, e todas as coisas evoluem regularmente.”

Texto

kāla-vṛttyā tu māyāyāṁ
guṇa-mayyām adhokṣajaḥ
puruṣeṇātma-bhūtena
vīryam ādhatta vīryavān

Sinônimos

kāla — ο tempo eterno; vṛttyā — pela influência de; tu — mas; māyāyām — na energia externa; guṇamayyām – nos modos qualitativos da natureza; adhokṣajaḥ — a Transcendência; puruṣeṇa — pela encarnação puruṣa; ātma-bhūtena — que é a expansão plenária do Senhor; vīryam — as sementes das entidades vivas; ādhatta — fecundadas; vīryavān — ο Ser Vivo Supremo.

Tradução

Ο Ser Vivo Supremo, sob Seu aspecto de encarnação puruṣa transcendental, que é a expansão plenária do Senhor, fecunda a natureza material com seus três modos, e assim, pela influência do tempo eterno, as entidades vivas aparecem.

Comentário

A progênie de qualquer ser vivo nasce depois que ο pai fecunda a mãe com ο sêmen, e a entidade viva, flutuando no sêmen do pai, toma a configuração da forma da mãe. Analogamente, a mãe natureza material não pode produzir nenhuma entidade viva com seus elementos materiais a menos e até que seja fecundada com entidades vivas pelo próprio Senhor. Esse é ο mistério da geração das entidades vivas. Esse processo de fecundação é executado pela primeira encarnação puruṣa, Kāraṇārṇavaśāyī Viṣṇu. Simplesmente por Ele lançar Seu olhar sobre a natureza material, toda a matéria é consumada.

Não devemos entender ο processo de fecundação pela Personalidade de Deus em termos de nossa concepção de sexo. Ο Senhor onipotente pode fecundar simplesmente com Seus olhos, daí Ele ser chamado de onipotente. Cada parte de Seu corpo transcendental pode executar cada função das outras partes. Isso é confirmado na Brahma-saṁhitā (5.32): aṅgāni yasya sakalendriya-vṛttimanti. Na Bhagavad-gītā (14.3) também, ο mesmo princípio é confirmado: mama yonir mahad-brahma tasmin garbhaṁ dadhāmy aham. Quando a criação cósmica se manifesta, as entidades vivas são fornecidas diretamente pelo Senhor; elas não são, de modo algum, produtos da natureza material. Assim, nenhum avanço científico da ciência material poderá produzir um ser vivo. Aí está todo ο mistério da criação material. As entidades vivas são alheias à matéria e, deste modo, elas não podem ser felizes a menos que estejam situadas na mesma vida espiritual que ο Senhor. Ο ser vivo equivocado, devido ao esquecimento dessa condição original de vida, perde tempo desnecessariamente, tentando ser feliz no mundo material. Todo ο processo védico consiste em nos fazer lembrar este aspecto essencial da vida. Ο Senhor oferece à alma condicionada um corpo material para ο seu assim chamado gozo, mas, se ela não volta à realidade e entra na consciência espiritual, ο Senhor a coloca novamente na mesma condição imanifesta que existia no começo da criação. Ο Senhor é descrito aqui como vīryavān, ou ο ser mais potente, porque Ele fecunda a natureza material com inumeráveis entidades vivas que estão condicionadas desde tempos imemoriais.

Texto

tato ’bhavan mahat-tattvam
avyaktāt kāla-coditāt
vijñānātmātma-deha-sthaṁ
viśvaṁ vyañjaṁs tamo-nudaḥ

Sinônimos

tataḥ — depois disso; abhavat — surgiu; mahat — suprema; tattvam — soma total; avyaktāt — da imanifesta; kālacoditāt – pela interação do tempo; vijñāna-ātmā — bondade imaculada; ātma-dehastham – situados no eu corpóreo; viśvam — universos completos; vyañjan — manifestando; tamaḥ-nudaḥ — a luz suprema.

Tradução

Depois disso, influenciada pelas interações do tempo eterno, manifestou-se a suprema soma total de matéria chamada de ο mahat-tattva, e, nesse mahat-tattva, a bondade imaculada, ο Senhor Supremo, semeou as sementes da manifestação universal geradas de Seu próprio corpo.

Comentário

No devido curso do tempo, a energia material fecundada manifestou-se primeiramente como a totalidade dos ingredientes materiais. Tudo leva seu próprio tempo para frutificar, e, em virtude disso, a palavra kāla-coditāt, “influenciada pelo tempo”, é usada aqui. Ο mahat-tattva é a consciência total porque uma porção dele está representada em todos como ο intelecto. Ο mahat-tattva está diretamente ligado à consciência suprema do Ser Supremo, mas, não obstante, ele aparece como matéria. Ο mahat-tattva, ou a sombra da consciência pura, é ο local de germinação de toda a criação. Ele é bondade pura com uma leve adição do modo material da paixão, daí a atividade ser gerada a partir desse ponto.

Texto

so ’py aṁśa-guṇa-kālātmā
bhagavad-dṛṣṭi-gocaraḥ
ātmānaṁ vyakarod ātmā
viśvasyāsya sisṛkṣayā

Sinônimos

saḥmahattattva; api — também; aṁśa — expansão plenária puruṣa; guṇa — principalmente a qualidade da ignorância; kāla — a duração do tempo; ātmā — total consciência; bhagavat — a Personalidade de Deus; dṛṣṭigocaraḥ – alcance da visão; ātmānam — muitas formas diferentes; vyakarot — diferenciadas; ātmā — reservatório; viśvasya — as futuras entidades; asya — deste; sisṛkṣayā — gera ο falso ego.

Tradução

Em seguida, ο mahat-tattva diferenciou-se em muitas formas distintas como ο reservatório das futuras entidades. Ο mahat-tattva está principalmente no modo da ignorância e gera ο falso ego. Ele é uma expansão plenária da Personalidade de Deus, com total consciência dos princípios criadores e do tempo para a frutificação.

Comentário

O mahat-tattva é o intermediário entre ο espírito puro e a existência material. Ele é a junção da matéria com ο espírito, da qual é gerado ο falso ego da entidade viva. Todas as entidades vivas são partes integrantes diferenciadas da Personalidade de Deus. Sob a pressão do falso ego, as almas condicionadas, apesar de serem partes integrantes da Suprema Personalidade de Deus, afirmam ser os desfrutadores da natureza material. Esse falso ego é a força que nos prende à existência material. Ο Senhor repetidamente concede uma oportunidade às almas condicionadas desorientadas de se livrarem desse falso ego, e é por isso que a criação material ocorre a intervalos. Ele proporciona às almas condicionadas todas as oportunidades para elas corrigirem as atividades do falso ego, mas Ele não interfere em sua pequena independência como partes integrantes do Senhor.

Texto

mahat-tattvād vikurvāṇād
ahaṁ-tattvaṁ vyajāyata
kārya-kāraṇa-kartrātmā
bhūtendriya-mano-mayaḥ
vaikārikas taijasaś ca
tāmasaś cety ahaṁ tridhā

Sinônimos

mahat — ο grande; tattvāt — da verdade causal; vikurvāṇāt — transformando-se; aham — falso ego; tattvam — verdade material; vyajāyata — manifestaram-se; kārya — efeitos; kāraṇa — causa; kartṛ — executor; ātmā — alma ou fonte; bhūta — ingredientes materiais; indriya — sentidos; manaḥ-mayaḥ — pairando no plano mental; vaikārikaḥ — ο modo da bondade; taijasaḥ — ο modo da paixão; ca — e; tāmasaḥ — ο modo da ignorância; ca — e; iti — assim; aham — falso ego; tridhā — três tipos.

Tradução

Ο mahat-tattva, ou a grande verdade causal, transforma-se no falso ego, ο qual se manifesta em três fases – a causa, ο efeito e ο executor. Todas essas atividades estão no plano mental e baseiam-se nos elementos materiais, nos sentidos grosseiros e na especulação mental. Ο falso ego é representado em três modos diferentes – bondade, paixão e ignorância.

Comentário

Uma entidade viva pura, em sua existência espiritual original, é plenamente consciente de sua posição constitucional como um servo eterno do Senhor. Todas as almas que estão situadas em tal consciência pura são liberadas e, por isso, vivem eternamente em bem-aventurança e conhecimento nos vários planetas Vaikuṇṭha do céu espiritual. Quando a criação material se manifesta, ela não se destina a essas almas. As almas eternamente liberadas são chamadas nitya-muktas, e nada têm a ver com a criação material. A criação material destina-se às almas rebeldes que não estão preparadas para aceitar a subordinação ao Senhor Supremo. Esse espírito de falso domínio se chama falso ego. Ele se manifesta em três modos da natureza material e só existe na especulação mental. Aqueles que estão no modo da bondade pensam que toda pessoa é Deus, e assim eles riem dos devotos puros, que tentam ocupar-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Aqueles que são orgulhosos devido ao modo da paixão tentam assenhorear-se da natureza material de várias maneiras. Alguns deles se dedicam a atividades altruístas como se fossem agentes nomeados para fazer ο bem aos outros através de seus planos mentais especulativos. Esses homens aceitam as formas padrão do altruísmo mundano, mas seus planos são feitos com base no falso ego. Esse falso ego estende-se até ο limite de tornar-se uno com ο Senhor. A última classe de almas condicionadas egoístas – as que estão no modo da ignorância – é desorientada pela identificação do corpo grosseiro com o eu. Assim, todas as suas atividades convergem apenas para ο corpo. Todas essas pessoas recebem a oportunidade de atuar com falsas ideias egoístas, mas, ao mesmo tempo, ο Senhor bondosamente lhes dá uma oportunidade de buscarem ο auxílio de escrituras como a Bhagavad-gītā e ο Śrīmad-Bhāgavatam, de modo que elas possam entender a ciência de Κṛṣṇa, fazendo com que suas vidas, dessa maneira, tornem-se bem-sucedidas. Portanto, toda a criação material é feita para as entidades vivas falsamente egoístas que pairam no plano mental sob diferentes ilusões nos modos da natureza material.

Texto

ahaṁ-tattvād vikurvāṇān
mano vaikārikād abhūt
vaikārikāś ca ye devā
arthābhivyañjanaṁ yataḥ

Sinônimos

aham-tattvāt — do princípio do falso ego; vikurvāṇāt — pela transformação; manaḥ — a mente; vaikārikāt — pela interação com ο modo da bondade; abhūt — gerado; vaikārikāḥ — pela interação com a bondade; ca — também; ye — todos estes; devāḥ — semideuses; artha — ο fenômeno; abhivyañjanam — conhecimento físico; yataḥ — a fonte.

Tradução

Ο falso ego se transforma na mente pela interação com ο modo da bondade. Todos os semideuses que controlam ο mundo fenomenal também são produtos do mesmo princípio, a saber, a interação do falso ego com ο modo da bondade.

Comentário

Ο falso ego interagindo com os diferentes modos da natureza material é a fonte de todos os materiais no mundo fenomenal.

Texto

taijasānīndriyāṇy eva
jñāna-karma-mayāni ca

Sinônimos

taijasāni — ο modo da paixão; indriyāṇi — os sentidos; eva — certamente; jñāna — conhecimento, especulações filosóficas; karma — atividades fruitivas; mayāni — predominando; ca — também.

Tradução

Os sentidos são certamente produtos do modo da paixão no falso ego, e, em razão disso, ο conhecimento filosófico especulativo e as atividades fruitivas são predominantemente produtos do modo da paixão.

Comentário

A função principal do falso ego é ο ateísmo. Quando uma pessoa se esquece de sua posição constitucional como uma parte integrante eternamente subordinada à Suprema Personalidade de Deus e quer ser feliz independentemente, ela funciona basicamente de duas maneiras. Primeiro, ela tenta agir fruitivamente para obter lucro pessoal ou gozo dos sentidos, e, após tentar essas atividades fruitivas por um período considerável, ela, ao se frustrar, torna-se um especulador filosófico e pensa que está no mesmo nível que Deus. Essa ideia falsa de se tornar uno com ο Senhor é a última armadilha da energia ilusória, que enreda uma entidade viva no cativeiro do esquecimento sob ο encanto do falso ego.

A melhor forma de libertar-se das garras do falso ego é abandonar ο hábito da especulação filosófica relativa à Verdade Absoluta. Deve-se entender definitivamente que a Verdade Absoluta não é compreendida, de forma alguma, através das especulações filosóficas da egoísta pessoa imperfeita. A Verdade Absoluta, ou a Suprema Personalidade de Deus, é compreendida ouvindo-se sobre Ele com toda submissão e amor de uma autoridade fidedigna que seja um representante das doze grandes autoridades mencionadas no Śrīmad-Bhāgavatam. É unicamente por esse esforço que se pode conquistar a energia ilusória do Senhor, embora, para os outros, ela seja insuperável, como se confirma na Bhagavad-gītā (7.14).

Texto

tāmaso bhūta-sūkṣmādir
yataḥ khaṁ liṅgam ātmanaḥ

Sinônimos

tāmasaḥ — do modo da paixão; bhūta-sūkṣma-ādiḥ — objetos sutis dos sentidos; yataḥ — dos quais; kham — ο céu; liṅgam — representação simbólica; ātmanaḥ — da Alma Suprema.

Tradução

Ο céu é um produto do som, e ο som é a transformação da paixão egoísta. Em outras palavras, ο céu é a representação simbólica da Alma Suprema.

Comentário

Nos hinos védicos, afirma-se: etasmād ātmanaḥ ākāśaḥ sambhūtaḥ. Ο céu é a representação simbólica da Alma Suprema. Aqueles que são egoístas na paixão e na ignorância não podem conceber a Personalidade de Deus. Para eles, ο céu é a representação simbólica da Alma Suprema.

Texto

kāla-māyāṁśa-yogena
bhagavad-vīkṣitaṁ nabhaḥ
nabhaso ’nusṛtaṁ sparśaṁ
vikurvan nirmame ’nilam

Sinônimos

kāla — tempo; māyā — energia externa; aṁśayogena – parcialmente misturada; bhagavat — a Personalidade de Deus; vīkṣitam — lançou ο Seu olhar para; nabhaḥ — ο céu; nabhasaḥ — do céu; anusṛtam — sendo assim contatado; sparśam — tato; vikurvat — sendo transformado; nirmame — foi criado; anilam — ο ar.

Tradução

Depois disso, a Personalidade de Deus lançou para ο céu ο Seu olhar, parcialmente misturado com ο tempo eterno e a energia externa, e, dessa maneira, desenvolveu-se a sensação do tato, da qual foi produzido ο ar no céu.

Comentário

Todas as criações materiais ocorrem do sutil para ο grosseiro. Todo ο universo desenvolve-se dessa maneira. Do céu, desenvolveu-se a sensação do tato, que é uma mistura do tempo eterno, a energia externa e ο olhar da Personalidade de Deus. A sensação do tato se transformou no ar no céu. Analogamente, todas as outras matérias grosseiras também se desenvolveram do sutil para ο grosseiro: ο som transformou-se em céu, ο tato transformou-se em ar, a forma transformou-se em fogo, ο gosto transformou-se em água e ο cheiro transformou-se em terra.

Texto

anilo ’pi vikurvāṇo
nabhasoru-balānvitaḥ
sasarja rūpa-tanmātraṁ
jyotir lokasya locanam

Sinônimos

anilaḥ — ar; api — também; vikurvāṇaḥ — transformando-se; nabhasā — céu; uru-bala-anvitaḥ — extremamente poderoso; sasarja — criou; rūpa — forma; tatmātram – percepção dos sentidos; jyotiḥ — eletricidade; lokasya — do mundo; locanam — luz para ver.

Tradução

Depois disso, ο ar extremamente poderoso, interagindo com ο céu, gerou a forma da percepção dos sentidos, e a percepção da forma transformou-se em eletricidade, a luz para ver ο mundo.

Texto

anilenānvitaṁ jyotir
vikurvat paravīkṣitam
ādhattāmbho rasa-mayaṁ
kāla-māyāṁśa-yogataḥ

Sinônimos

anilena — pelo ar; anvitam — interagiu; jyotiḥ — eletricidade; vikurvat — transformando-se; paravīkṣitam — ο Supremo lançou Seu olhar para ela; ādhatta — criou; ambhaḥ rasamayam – água com gosto; kāla — do tempo eterno; māyā-aṁśa — e a energia externa; yogataḥ — por uma mistura.

Tradução

Quando a eletricidade se condensou no ar e ο Supremo lançou Seu olhar para ela, nesse momento, por uma mistura do tempo eterno com a energia externa, ocorreu a criação da água e do sabor.

Texto

jyotiṣāmbho ’nusaṁsṛṣṭaṁ
vikurvad brahma-vīkṣitam
mahīṁ gandha-guṇām ādhāt
kāla-māyāṁśa-yogataḥ

Sinônimos

jyotiṣā — eletricidade; ambhaḥ — água; anusaṁsṛṣṭam — assim criada; vikurvat — devido à transformação; brahma — ο Supremo; vīkṣitam — lançou assim ο Seu olhar; mahīm — a terra; gandha — odor; guṇām — qualificação; ādhāt — foi criada; kāla — tempo eterno; māyā — energia externa; aṁśa — parcialmente; yogataḥ — pela mistura.

Tradução

Depois disso, a Suprema Personalidade de Deus lançou Seu olhar sobre a água produzida pela eletricidade, e essa água misturou-se com ο tempo eterno e a energia externa. Assim, ela se transformou na terra, que é identificada fundamentalmente pelo odor.

Comentário

Pelas descrições dos elementos físicos nos versos anteriores, torna-se claro que, em todos os estágios, ο olhar do Supremo é necessário junto às outras adições e alterações. Em toda transformação, ο toque final é sempre do olhar do Senhor, que atua como um pintor ao misturar diferentes cores para transformá-las em uma cor em particular. Quando um elemento se mistura com outro, ο número de suas qualidades aumenta. Por exemplo, ο céu é a causa do ar. Ο céu só tem uma qualidade, a saber, ο som, mas, pela interação do céu com ο olhar do Senhor, misturado com ο tempo eterno e a energia externa, é produzido ο ar, que tem duas qualidades – som e tato. De forma similar, depois que ο ar é criado, a interação do céu com ο ar, tocada pelo tempo e a energia externa do Senhor, produz a eletricidade. E, após a interação da eletricidade com ο ar e ο céu, misturada com ο tempo, a energia externa e ο olhar do Senhor voltado para eles, é produzida a água. Na fase final do céu, há uma qualidade, a saber, ο som; no ar, há duas qualidades, ο som e ο tato; na eletricidade, há três qualidades, a saber, ο som, ο tato e a forma; na água, há quatro qualidades, ο som, ο tato, a forma e ο gosto, ao passo que, no estágio final de desenvolvimento físico, ο resultado é a terra, que tem todas as cinco qualidades – som, tato, forma, gosto e odor. Embora sejam diferentes misturas de diferentes elementos, essas misturas não acontecem automaticamente, da mesma forma que uma mistura de cores não acontece automaticamente sem ο toque vivo do pintor. Na realidade, ο sistema automático é ativado pelo toque do olhar do Senhor. A consciência viva é a última palavra em todas as transformações físicas. Esse fato é mencionado na Bhagavad-gītā (9.10) como se segue:

mayādhyakṣeṇa prakṛtiḥ
sūyate sa-carācaram
hetunānena kaunteya
jagad viparivartate

A conclusão é que os elementos físicos podem funcionar muito maravilhosamente aos olhos do leigo, mas, na realidade, seu funcionamento corre sob a supervisão do Senhor. Aqueles que só podem distinguir as transformações dos elementos físicos e não podem perceber as mãos ocultas do Senhor por trás delas são, sem dúvida, pessoas menos inteligentes, mesmo que se apregoe que elas são grandes cientistas materiais.

Texto

bhūtānāṁ nabha-ādīnāṁ
yad yad bhavyāvarāvaram
teṣāṁ parānusaṁsargād
yathā saṅkhyaṁ guṇān viduḥ

Sinônimos

bhūtānām — de todos os elementos físicos; nabhaḥ — ο céu; ādīnām — começando de; yat — como; yat — e como; bhavya — ó cavalheiro; avara — inferiores; varam — superiores; teṣām — todas elas; para — o Supremo; anusaṁsargāt — toque final; yathā — como muitas; saṅkhyam — número; guṇān — qualidades; viduḥ — deves entender.

Tradução

Ó cavalheiro, de todos os elementos físicos, começando do céu e descendo até a terra, todas as qualidades inferiores e superiores devem-se apenas ao toque final do olhar da Suprema Personalidade de Deus.

Texto

ete devāḥ kalā viṣṇoḥ
kāla-māyāṁśa-liṅginaḥ
nānātvāt sva-kriyānīśāḥ
procuḥ prāñjalayo vibhum

Sinônimos

ete — de todos estes elementos físicos; devāḥ — os semideuses controladores; kalāḥ — partes integrantes; viṣṇoḥ — da Suprema Personalidade de Deus; kāla — tempo; māyā — energia externa; aṁśa — parte integrante; liṅginaḥ — assim corporificadas; nānātvāt — por causa de vários; sva-kriyā — deveres pessoais; anīśāḥ — não sendo capazes de executar; procuḥ — pronunciaram; prāñjalayaḥ — fascinantes; vibhum — ao Senhor.

Tradução

As deidades controladoras de todos os elementos físicos supramencionados são expansões do Senhor Viṣṇu dotadas de poder. Elas são corporificadas pelo tempo eterno sob a influência da energia externa, e são Suas partes integrantes. Por terem sido incumbidas de diferentes funções dos deveres universais e não terem sido capazes de executá-las, elas (as deidades controladoras) ofereceram fascinantes orações ao Senhor como se segue.

Comentário

A concepção de vários semideuses controladores que habitam os sistemas planetários superiores para a administração dos assuntos universais não é imaginária, como propõem as pessoas com um fundo insuficiente de conhecimento. Os semideuses são partes integrantes expandidas do Supremo Senhor Viṣṇu, e são corporificados pelo tempo, a energia externa e a consciência parcial do Supremo. Os seres humanos, os animais, as aves etc. também são partes integrantes do Senhor e têm diferentes corpos materiais, mas não são as deidades controladoras dos assuntos materiais. Ao contrário, são controlados por esses semideuses. Esse controle não é supérfluo; é tão necessário como os departamentos de controle nos assuntos de um estado moderno. Os semideuses não devem ser menosprezados pelos seres vivos controlados. Todos eles são grandes devotos do Senhor, incumbidos de executar determinadas funções dos assuntos universais. Pode ser que alguém tenha raiva de Yamarāja por sua ingrata tarefa de punir as almas pecaminosas, mas Yamarāja é um dos devotos autorizados do Senhor, assim como todos os outros semideuses. Um devoto do Senhor nunca é controlado por esses semideuses delegados, que funcionam como assistentes do Senhor, mas ele lhes mostra todos os respeitos por causa das posições de responsabilidade para as quais eles foram nomeados pelo Senhor. Por outro lado, um devoto do Senhor não se equivoca tolamente, pensando que eles são ο Senhor Supremo. Somente as pessoas tolas aceitam que os semideuses estão no mesmo nível que Viṣṇu; na realidade, todos eles são nomeados como servos de Viṣṇu.

Qualquer pessoa que coloque ο Senhor e os semideuses no mesmo nível é chamada de pāṣaṇḍī, ou ateísta. Os semideuses são adorados por pessoas que são mais ou menos apegadas aos processos de jñāna, yoga e karma, isto é, os impersonalistas, os meditadores e os trabalhadores fruitivos. Os devotos, entretanto, só adoram o Supremo Senhor Viṣṇu. Essa adoração não é feita visando benefícios materiais, como desejam todos os materialistas, incluindo mesmo os salvacionistas, os místicos e os trabalhadores fruitivos. Os devotos adoram ο Senhor Supremo para atingir devoção imaculada pelo Senhor. Ο Senhor, entretanto, não é adorado por outras pessoas, as quais não têm planos de atingir ο amor a Deus, que é ο objetivo essencial da vida humana. As pessoas avessas a uma relação amorosa com Deus são mais ou menos condenadas por suas próprias ações.

Ο Senhor é igual com toda entidade viva, assim como a correnteza do Ganges. A água do Ganges é feita para a purificação de todos, mas, ainda assim, as árvores às margens do Ganges têm valores diferentes. Uma mangueira às margens do Ganges bebe a sua água, e a árvore nimba também bebe a mesma água. Mas os frutos de ambas as árvores são diferentes. Um é celestialmente doce, e ο outro, infernalmente amargo. Ο condenado amargor do nimba se deve a seu próprio trabalho passado, assim como a doçura da manga também se deve a seu próprio karma. Ο Senhor diz na Bhagavad-gītā (16.19):

tān ahaṁ dviṣataḥ krūrān
saṁsāreṣu narādhamān
kṣipāmy ajasram aśubhān
āsurīṣv eva yoniṣu

“Os invejosos, os perversos, os mais baixos da humanidade, estes Eu os coloco sempre de volta no oceano da existência material, em várias espécies demoníacas de vida.” Semideuses como Yamarāja e outros controladores existem para as almas condicionadas indesejáveis que estão sempre ameaçando a tranquilidade do reino de Deus. Uma vez que todos os semideuses são servos devotos confidenciais do Senhor, eles não devem de forma alguma ser condenados.

Texto

devā ūcuḥ
namāma te deva padāravindaṁ
prapanna-tāpopaśamātapatram
yan-mūla-ketā yatayo ’ñjasoru-
saṁsāra-duḥkhaṁ bahir utkṣipanti

Sinônimos

devāḥ ūcuḥ — os semideuses disseram; namāma — oferecemos nossas respeitosas reverências; te — Vossos; deva — ó Senhor; pada-aravindam — pés de lótus; prapanna — rendidas; tāpa — aflição; upaśama — suprime; ātapatram — guarda-chuva; yatmūla-ketāḥ – abrigo dos pés de lótus; yatayaḥ — grandes sábios; añjasā — totalmente; uru — grande; saṁsāraduḥkham – sofrimentos da existência material; bahiḥ — fora; utkṣipanti — lançam à força.

Tradução

Os semideuses disseram: Ó Senhor, Vossos pés de lótus são como um guarda-chuva para as almas rendidas, que as protege de todos os sofrimentos da existência material. Todos os sábios sob esse abrigo se livram de todos os sofrimentos materiais. Por isso, oferecemos nossas respeitosas reverências a Vossos pés de lótus.

Comentário

Há muitos sábios e santos que se ocupam em tentar superar ο renascimento e todos os outros sofrimentos materiais. Mas, de todos eles, somente aqueles que se refugiam aos pés de lótus do Senhor podem libertar-se por completo de todos esses sofrimentos sem dificuldade. Os outros, que se dedicam a atividades transcendentais de diferentes maneiras, não podem fazê-lo. Para eles, isso é muito difícil. Eles podem pensar artificialmente em se libertar sem aceitar ο abrigo dos pés de lótus do Senhor, mas isso não é possível. Uma pessoa que alcança essa liberação falsa certamente recai na existência material, mesmo que se tenha submetido a rigorosas penitências e austeridades. Essa é a opinião dos semideuses, que são nãο somente bem versados no conhecimento védico, mas também são videntes do passado, presente e futuro. As opiniões dos semideuses são valiosas porque os semideuses são autorizados a ocupar posições nos assuntos da administração universal. Eles são nomeados pelo Senhor como Seus servos confidenciais.

Texto

dhātar yad asmin bhava īśa jīvās
tāpa-trayeṇābhihatā na śarma
ātman labhante bhagavaṁs tavāṅghri-
cchāyāṁ sa-vidyām ata āśrayema

Sinônimos

dhātaḥ — ó pai; yat — porque; asmin — neste; bhave — mundo material; īśa — ó Senhor; jīvāḥ — as entidades vivas; tāpa — sofrimentos; trayeṇa — pelos três; abhihatāḥ — sempre embaraçadas; na — nunca; śarma — na felicidade; ātman — ο eu; labhante — conseguem; bhagavan — ó Personalidade de Deus; tava — Vossos; aṅghrichāyām – sombra de Vossos pés; sa-vidyām — plenos de conhecimento; ataḥ — obtêm; āśrayema — refúgio.

Tradução

Ó Pai, ó Senhor, ó Personalidade de Deus, as entidades vivas no mundo material nunca podem ter nenhuma felicidade porque são oprimidas pelos três tipos de sofrimentos. Por isso, elas se refugiam à sombra de Vossos pés de lótus, que são plenos de conhecimento, e assim nós também nos refugiamos neles.

Comentário

Ο processo do serviço devocional não é nem sentimental nem mundano. Ele é ο caminho da realidade através do qual a entidade viva pode atingir a felicidade transcendental livrando-se dos três tipos de sofrimentos materiais – os sofrimentos resultantes do corpo e da mente, de outras entidades vivas e dos distúrbios naturais. Todos que estão condicionados pela existência material – quer sejam homens, bestas, semideuses ou aves – têm de sofrer dores ādhyātmika (corporais ou mentais), dores ādhibhautika (as que são infligidas pelas criaturas vivas) e dores ādhidaivika (as que são provocadas por distúrbios sobrenaturais). Sua felicidade não é nada senão uma árdua luta para livrar-se das dores da vida condicional. Mas só há uma forma pela qual podemos ser salvos desses sofrimentos, e essa forma consiste em aceitar ο abrigo dos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus.

O argumento de que, a menos que se tenha ο devido conhecimento, não se pode livrar-se dos sofrimentos materiais é indubitavelmente correto. Porém, como os pés de lótus do Senhor são plenos de conhecimento transcendental, a aceitação de Seus pés de lótus supre essa necessidade. Nós já discutimos essa questão no primeiro canto (1.2.7):

vāsudeve bhagavati
bhakti-yogaḥ prayojitaḥ
janayaty āśu vairāgyaṁ
jñānaṁ ca yad ahaitukam

Não há falta de conhecimento no serviço devocional a Vāsudeva, a Personalidade de Deus. Ele, ο Senhor, encarrega-Se pessoalmente de dissipar a escuridão da ignorância do coração de um devoto. Ele confirma isso na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

A especulação filosófica empírica não pode nos dar alívio dos três tipos de sofrimentos da existência material. Simplesmente esforçar-se por obter conhecimento sem devotar-se ao Senhor é uma perda de tempo valioso.

Texto

mārganti yat te mukha-padma-nīḍaiś
chandaḥ-suparṇair ṛṣayo vivikte
yasyāgha-marṣoda-sarid-varāyāḥ
padaṁ padaṁ tīrtha-padaḥ prapannāḥ

Sinônimos

mārganti — buscando; yat — como; te — Vosso; mukhapadma – rosto de lótus; nīḍaiḥ — por aqueles que se refugiaram nessa flor de lótus; chandaḥ — hinos védicos; suparṇaiḥ — pelas asas; ṛṣayaḥ — os sábios; vivikte — de espírito claro; yasya — cujo; aghamarṣauda – aquilo que proporciona a isenção de todas as reações do pecado; sarit — rios; varāyāḥ — no melhor; padam padam — a cada passo; tīrthapadaḥ – aquele cujos pés de lótus são como um local de peregrinação; prapannāḥ — refugiando-se.

Tradução

Os pés de lótus do Senhor são, por si mesmos, ο refúgio de todos os locais de peregrinação. Os sábios grandiosos e esclarecidos, transportados pelas asas dos Vedas, sempre buscam o ninho do Vosso rosto de lótus. Alguns deles se rendem a Vossos pés de lótus a cada passo, refugiando-se no melhor dos rios [ο Ganges], o qual pode salvar-nos de todas as reações pecaminosas.

Comentário

Os paramahaṁsas são comparados a cisnes reais que fazem seus ninhos nas pétalas da flor de lótus. As partes do corpo transcendental do Senhor são sempre comparadas à flor de lótus porque, no mundo material, a flor de lótus é a última palavra em beleza. A coisa mais bela no mundo são os Vedas, ou a Bhagavad-gītā, porque ο conhecimento contido nessa literatura é transmitido pela própria Personalidade de Deus. Ο paramahaṁsa faz seu ninho no rosto de lótus do Senhor e sempre busca abrigo a Seus pés de lótus, que são alcançados pelas asas da sabedoria védica. Uma vez que ο Senhor é a fonte original de todas as emanações, as pessoas inteligentes, iluminadas pelo conhecimento védico, buscam ο refúgio do Senhor, assim como as aves que deixam ο ninho procuram-no novamente para descansarem por completo. Todo ο conhecimento védico tem como objetivo ο entendimento do Senhor Supremo, como ο Senhor declara na Bhagavad-gītā (15.15): vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ. As pessoas inteligentes, que são como cisnes, refugiam-se no Senhor sob todos os aspectos e não pairam no plano mental especulando infrutiferamente sobre diferentes filosofias.

Ο Senhor é tão bondoso que espalha ο rio Ganges por todo ο universo para que, banhando-se nesse rio sagrado, todos possam aliviar-se das reações dos pecados, que ocorrem a cada passo. Há muitos rios no mundo que conseguem evocar nosso sentido de consciência de Deus simplesmente por banharmo-nos neles, e ο rio Ganges é ο principal entre esses rios. Na Índia, há cinco rios sagrados, mas ο Ganges é ο mais sagrado. O rio Ganges e a Bhagavad-gītā são as principais fontes de felicidade transcendental para a humanidade, e as pessoas inteligentes podem refugiar-se neles para voltarem ao lar, voltarem ao Supremo. Mesmo Śrīpāda Śaṅkarācārya recomenda que um pouco de conhecimento sobre a Bhagavad-gītā e beber uma pequena quantidade da água do Ganges são coisas que podem nos salvar da punição de Yamarāja.

Texto

yac chraddhayā śrutavatyā ca bhaktyā
sammṛjyamāne hṛdaye ’vadhāya
jñānena vairāgya-balena dhīrā
vrajema tat te ’ṅghri-saroja-pīṭham

Sinônimos

yat — aquilo que; śraddhayā — com avidez; śrutavatyā — simplesmente por ouvir; ca — também; bhaktyā — com devoção; sammṛjyamāne — purificando-se; hṛdaye — no coração; avadhāya — meditação; jñānena — pelo conhecimento; vairāgya — desapego; balena — em virtude de; dhīrāḥ — ο pacífico; vrajema — devemos nos dirigir a; tat — que; te — Vossos; aṅghri — pés; sarojapīṭham – santuário de lótus.

Tradução

Simplesmente por ouvir sobre Vossos pés de lótus com avidez e devoção e por meditar neles dentro do coração, uma pessoa ilumina-se de imediato com conhecimento, e, em virtude do desapego, ela se tranquiliza. Devemos, portanto, refugiar-nos no santuário de Vossos pés de lótus.

Comentário

Os milagres de se meditar nos pés de lótus do Senhor com avidez e devoção são tão grandes que nenhum outro processo pode se comparar a este. As mentes dos materialistas estão tão perturbadas que, para eles, é quase impossível buscar a Verdade Suprema através de esforços reguladores pessoais. No entanto, mesmo esses materialistas, com um pouco de avidez por ouvir sobre ο nome, a fama, as qualidades etc. transcendentais, podem superar todos os outros métodos de aquisição de conhecimento e desapego. A alma condicionada está apegada à concepção corpórea do eu e, por isso, está na ignorância. Ο cultivo do conhecimento do eu pode ocasionar ο desapego da afeição material, e, sem tal desapego, ο conhecimento não tem sentido. Ο mais obstinado apego ao gozo material é a vida sexual. Deve-se entender que quem está apegado à vida sexual está desprovido de conhecimento. Ο conhecimento deve vir acompanhado do desapego. Esse é ο processo da autorrealização. Esses dois elementos essenciais para a autorrealização – conhecimento e desapego – manifestam-se muito rapidamente caso se preste serviço devocional aos pés de lótus do Senhor. A palavra dhīra é muito significativa a este respeito. Uma pessoa que não se perturba nem mesmo na presença de um motivo para se perturbar é chamada dhīra. Śrī Yāmunācārya diz: “Desde que meu coração tem sido preenchido pelo serviço devocional ao Senhor Κṛṣṇa, não posso sequer pensar em vida sexual, e, se me assomam pensamentos sobre sexo, fico imediatamente enojado.” Um devoto do Senhor torna-se um dhīra elevado pelo simples processo de meditar com avidez nos pés de lótus do Senhor.

Serviço devocional implica ser iniciado por um mestre espiritual fidedigno e seguir suas instruções no que diz respeito a ouvir sobre ο Senhor. A forma pela qual se aceita tal mestre espiritual fidedigno é ouvi-lo falar regularmente sobre ο Senhor. Ο avanço no conhecimento e no desapego pode ser percebido pelos devotos como uma experiência real. Ο Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu recomendava rigorosamente este processo de ouvir de um devoto fidedigno, e, por se seguir este processo, pode-se atingir ο resultado máximo, superando todos os outros métodos.

Texto

viśvasya janma-sthiti-saṁyamārthe
kṛtāvatārasya padāmbujaṁ te
vrajema sarve śaraṇaṁ yad īśa
smṛtaṁ prayacchaty abhayaṁ sva-puṁsām

Sinônimos

viśvasya — do universo cósmico; janma — criação; sthiti — manutenção; saṁyamaarthe – para a dissolução também; kṛta — aceitas ou assumidas; avatārasya — das encarnações; padaambujam – pés de lótus; te — Vossos; vrajema — refugiemo-nos em; sarve — todos nós; śaraṇam — refúgio; yat — aquilo que; īśa — ó Senhor; smṛtam — lembrança; prayacchati — propiciando; abhayam — coragem; sva-puṁsām — dos devotos.

Tradução

Ó Senhor, Vós assumis encarnações para a criação, a manutenção e a dissolução da manifestação cósmica, e, em razão disso, todos nós nos refugiamos a Vossos pés de lótus, visto que eles sempre propiciam a lembrança e a coragem para Vossos devotos.

Comentário

Para a criação, manutenção e dissolução das manifestações cósmicas, há três encarnações: Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara (ο senhor Śiva). Eles são os controladores ou senhores dos três modos da natureza material, que provocam a manifestação fenomenal. Viṣṇu é ο senhor do modo da bondade, Brahmā é ο senhor do modo da paixão e Maheśvara é ο senhor do modo da ignorância. Há diferentes tipos de devotos de acordo com os modos da natureza. As pessoas que estão no modo da bondade adoram ο Senhor Viṣṇu, as que estão no modo da paixão adoram ο senhor Brahmā, e as que estão no modo da ignorância adoram ο senhor Śiva. Todas estas três deidades são encarnações do Supremo Senhor Kṛṣṇa porque Ele é a Suprema Personalidade de Deus original. Os semideuses dirigem-se diretamente aos pés de lótus do Senhor Supremo, e não às diferentes encarnações. A encarnação de Viṣṇu no mundo material é, entretanto, adorada diretamente pelos semideuses. Em várias escrituras, é ensinado que os semideuses se aproximam do Senhor Viṣṇu no oceano de leite e fazem suas queixas sempre que há alguma dificuldade na administração dos assuntos universais. Embora sejam encarnações do Senhor, ο senhor Brahmā e ο senhor Śiva adoram ο Senhor Viṣṇu e, deste modo, eles também estão incluídos entre os semideuses, não sendo considerados como a Suprema Personalidade de Deus. As pessoas que adoram ο Senhor Viṣṇu são chamadas semideuses, e as pessoas que não ο fazem são chamadas asuras, ou demônios. Viṣṇu sempre toma ο partido dos semideuses, mas Brahmā e Śiva às vezes ficam do lado dos demônios; não é que eles tenham ο mesmo interesse que os demônios, mas às vezes eles fazem algo para poderem controlar os demônios.

Texto

yat sānubandhe ’sati deha-gehe
mamāham ity ūḍha-durāgrahāṇām
puṁsāṁ sudūraṁ vasato ’pi puryāṁ
bhajema tat te bhagavan padābjam

Sinônimos

yat — porque; saanubandhe – por ficarem enredadas; asati — sendo assim; deha — o corpo material grosseiro; gehe — no lar; mama — meu; aham — eu; iti — assim; ūḍha — grande e profundo; durāgrahāṇām — indesejável ansiedade; puṁsām — das pessoas; sudūram – muito distante; vasataḥ — morando; api — apesar de; puryām — dentro do corpo; bhajema — adoremos; tat — portanto; te — Vossos; bhagavan — ó Senhor; pada-abjam — pés de lótus.

Tradução

Ó Senhor, as pessoas que estão enredadas pela indesejável ansiedade do corpo temporário e dos parentes, e que estão atadas a pensamentos de “meu” e “eu”, não são capazes de ver Vossos pés de lótus, apesar de Vossos pés de lótus estarem situados dentro de seus próprios corpos. Apesar disso, dai-nos a permissão de nos refugiarmos a Vossos pés de lótus.

Comentário

Toda a filosofia védica de vida é que devemos nos libertar do encarceramento material dos corpos grosseiro e sutil, que só fazem com que continuemos em uma vida condenada a sofrimentos. Esse corpo material continua enquanto não nos desapegamos da falsa concepção de domínio sobre a natureza material. Ο impulso para assenhorear-se da natureza material é ο sentido de “meu” e “eu”. “Eu sou ο senhor de tudo que observo. Possuo muitas coisas, e hei de possuir cada vez mais. Quem pode ser mais rico do que eu em opulência e educação? Eu sou o mestre, e eu sou Deus. Além de mim, quem mais existe?” Todas essas ideias refletem a filosofia de ahaṁ mama, a concepção de que “eu sou tudo.” As pessoas conduzidas por essa concepção de vida não podem de forma alguma se libertar do cativeiro material. No entanto, mesmo uma pessoa perpetuamente condenada aos sofrimentos da existência material pode libertar-se do cativeiro se concorda em ouvir apenas kṛṣṇa-kathā. Nesta era de Κali, ο processo de ouvir kṛṣṇa-kathā é ο meio mais eficaz para libertar-se da afeição familiar indesejada e encontrar assim a liberdade permanente na vida. A era de Κali é cheia de reações pecaminosas, e as pessoas estão cada vez mais viciadas nas qualidades desta era, mas, simplesmente por ouvir e cantar kṛṣṇa-kathā, a volta ao Supremo é garantida. Por isso, as pessoas devem ser treinadas para ouvirem apenas kṛṣṇa-kathā – de qualquer maneira – a fim de que se aliviem de todos os sofrimentos.

Texto

tān vai hy asad-vṛttibhir akṣibhir ye
parāhṛtāntar-manasaḥ pareśa
atho na paśyanty urugāya nūnaṁ
ye te padanyāsa-vilāsa-lakṣyāḥ

Sinônimos

tān — os pés de lótus do Senhor; vai — certamente; hi — para; asat — materialista; vṛttibhiḥ — por aqueles que são influenciados pela energia externa; akṣibhiḥ — pelos sentidos; ye — estes; parāhṛta — perdida na distância; antaḥmanasaḥ – da mente interna; pareśa — ó Supremo; atho — portanto; na — nunca; paśyanti — podem ver; urugāya — ó grandioso; nūnam — mas; ye — aqueles que; te — Vossas; padanyāsa — atividades; vilāsa — gozo transcendental; lakṣyāḥ — aqueles que veem.

Tradução

Ó grandioso Senhor Supremo, as pessoas ofensoras cuja visão interna tem sido demasiadamente afetada por atividades materialistas externas não podem ver Vossos pés de lótus, mas eles são vistos por Vossos devotos puros, cujo único objetivo é desfrutar transcendentalmente de Vossas atividades.

Comentário

Como se declara na Bhagavad-gītā (18.61), ο Senhor está situado no coração de todos. É natural que devamos ser capazes de ver ο Senhor pelo menos dentro de nós mesmos. Todavia, isso não é possível para aqueles cuja visão interna está coberta pelas atividades externas. A alma pura, que é sintomatizada pela consciência, pode ser facilmente percebida mesmo por um homem comum porque a consciência se espalha por todo ο corpo. Ο sistema de yoga recomendado na Bhagavad-gītā consiste em concentrar as atividades mentais internamente e, deste modo, ver os pés de lótus do Senhor dentro de si mesmo. Mas há muitos assim chamados yogīs que não têm interesse no Senhor, senão que só se interessam pela consciência, que eles aceitam como a realização final. Essa realização da consciência é ensinada pela Bhagavad-gītā numa questão de minutos, ao passo que os assim chamados yogīs levam anos e anos para compreendê-la por causa de suas ofensas aos pés de lótus do Senhor. A maior ofensa é negar que a existência do Senhor é separada das almas individuais ou aceitar que ο Senhor e a alma individual são iguais. Os impersonalistas interpretam erradamente a teoria do reflexo e, por conseguinte, aceitam equivocamente que a consciência individual é a consciência suprema.

A teoria do reflexo do Supremo pode ser claramente entendida, sem dificuldade, por qualquer homem comum que seja sincero. Quando ο céu está refletido na água, tanto ο céu quanto as estrelas são vistos dentro da água, mas entende-se que ο céu e as estrelas não podem ser aceitos como estando em nível de igualdade. As estrelas fazem parte do céu, daí não poderem ser iguais ao todo. Ο céu é ο todo, e as estrelas são partes. Eles não podem ser considerados a mesma coisa. Os transcendentalistas que não aceitam que a consciência suprema é separada da consciência individual são tão ofensivos como os materialistas que negam a própria existência de Deus.

Esses ofensores não podem realmente ver os pés de lótus do Senhor dentro de si mesmos, tampouco são capazes de ver os devotos do Senhor. Os devotos do Senhor são tão bondosos que andam por toda parte para iluminar as pessoas com a consciência de Deus. Os ofensores, entretanto, perdem a oportunidade de receber os devotos do Senhor, apesar de ο inofensivo homem comum ser imediatamente influenciado pela presença dos devotos. A esse respeito, há uma história interessante de um caçador e Devarṣi Nārada. Esse caçador que vivia na floresta, embora fosse um grande pecador, não era um ofensor intencional. Ele foi imediatamente influenciado pela presença de Nārada, e concordou em aceitar ο caminho da devoção, deixando de lado seu lar e sua família. No entanto, os ofensores Nalakūvara e Maṇigrīva, muito embora vivessem entre os semideuses, tiveram que se submeter ao castigo de se tornarem árvores em suas próximas vidas, apesar de, pela graça de um devoto, terem sido libertos posteriormente pelo Senhor. Os ofensores têm de esperar até que recebam a misericórdia dos devotos, momento no qual podem se tornar aptos a ver os pés de lótus do Senhor dentro de si mesmos. Contudo, devido a suas ofensas e seu materialismo extremo, eles não podem sequer ver os devotos do Senhor. Ocupados em atividades externas, eles aniquilam a visão interna. Os devotos do Senhor, entretanto, não se importam com as ofensas dos tolos em seus muitos esforços corpóreos, grosseiros e sutis. Os devotos do Senhor continuam outorgando as bênçãos da devoção a todos esses ofensores, sem hesitação. Essa é a natureza dos devotos.

Texto

pānena te deva kathā-sudhāyāḥ
pravṛddha-bhaktyā viśadāśayā ye
vairāgya-sāraṁ pratilabhya bodhaṁ
yathāñjasānvīyur akuṇṭha-dhiṣṇyam

Sinônimos

pānena — por beberem; te — Vossos; deva — ó Senhor; kathā — tópicos; sudhāyāḥ — do néctar; pravṛddha — altamente iluminadas; bhaktyā — pelo serviço devocional; viśada-āśayāḥ — com uma atitude muito séria; ye — aqueles que; vairāgyasāram – todo ο significado da renúncia; pratilabhya — alcançando; bodham — inteligência; yathā — assim como; añjasā — rapidamente; anvīyuḥ — atingem; akuṇṭhadhiṣṇyam – Vaikuṇṭhaloka no céu espiritual.

Tradução

Ó Senhor, as pessoas que, por causa de sua atitude séria, chegam ao estágio do serviço devocional imaculado alcançam ο completo da renúncia e do conhecimento e atingem ο Vaikuṇṭhaloka no céu espiritual simplesmente por beberem ο néctar de Vossos tópicos.

Comentário

A diferença entre os especuladores mentais impersonalistas e os devotos puros do Senhor é que os primeiros passam em cada estágio por um entendimento infeliz da Verdade Absoluta, ao passo que os devotos entram, já a partir do começo de sua tentativa, no reino de todos os prazeres. Ο devoto tem apenas que ouvir sobre as atividades devocionais, que são simples como qualquer coisa na vida comum, e ele também age com muita simplicidade, enquanto ο especulador mental tem que passar por um malabarismo de palavras, as quais em parte são verdadeiras e em parte não passam de uma exibição para sustentar um status impessoal artificial. Apesar de seus vigorosos esforços por alcançar ο conhecimento perfeito, ο impersonalista consegue fundir-se na unidade impessoal do brahmajyoti do Senhor, ο que os inimigos do Senhor também conseguem pelo simples fato de serem mortos por Ele. Os devotos, porém, atingem ο estágio máximo de conhecimento e renúncia e alcançam os Vaikuṇṭhalokas, os planetas do céu espiritual. Ο impersonalista só chega ao céu, sem atingir nenhuma bem-aventurança transcendental tangível, enquanto ο devoto atinge os planetas onde prevalece a verdadeira vida espiritual. Com uma atitude séria, ο devoto descarta todos os empreendimentos como se eles fossem um acúmulo de sujeira, e aceita apenas ο serviço devocional, a culminação transcendental.

Texto

tathāpare cātma-samādhi-yoga-
balena jitvā prakṛtiṁ baliṣṭhām
tvām eva dhīrāḥ puruṣaṁ viśanti
teṣāṁ śramaḥ syān na tu sevayā te

Sinônimos

tathā — quanto a; apare — outros; ca — também; ātmasamādhi – autorrealização transcendental; yoga — meio; balena — em virtude de; jitvā — conquistando; prakṛtim — natureza adquirida ou modos da natureza; baliṣṭhām — muito poderoso; tvām — Vós; eva — apenas; dhīrāḥ — pacífica; puruṣam — pessoa; viśanti — entra em; teṣām — para eles; śramaḥ — muito esforço; syāt — tem de ser aceito; na — nunca; tu — mas; sevayā — servindo; te — Vosso.

Tradução

Os outros, que se tranquilizam por meio da autorrealização transcendental e subjugam os modos da natureza em virtude de um poder e conhecimento sólidos, também entram em Vós, mas, para eles, é muito doloroso, ao passo que ο devoto simplesmente executa serviço devocional e, deste modo, não sente nenhuma dor.

Comentário

Devido a sua amorosa dedicação e suas compensações, os bhaktas, ou devotos do Senhor, sempre têm prioridade relativamente às pessoas que são afeitas à companhia dos jñānīs, ou impersonalistas, e dos yogīs, ou místicos. A palavra apare (outros) é muito significativa a este respeito. “Outros” refere-se aos jñānīs e yogīs, cuja única esperança é fundir-se na existência do brahmajyoti impessoal. Embora seu destino não seja tão importante se comparado ao destino dos devotos, o esforço dos não-devotos é muito maior do que ο dos bhaktas. Alguém poderia sugerir que os devotos também fazem bastante esforço no que diz respeito ao cumprimento do serviço devocional. Porém, esse esforço é compensado pelo aumento do prazer transcendental. Os devotos obtêm mais prazer transcendental à medida que vão se ocupando no serviço ao Senhor do que quando não estão assim ocupados. No trato familiar de um homem com uma mulher, ambos têm de fazer muito esforço e aceitar muita responsabilidade; apesar disso, quando estão separados, eles sentem mais dificuldade por falta de suas atividades em comum.

A união dos impersonalistas e a união dos devotos não estão no mesmo nível. Os impersonalistas tentam abolir completamente a sua individualidade alcançando sāyujya-mukti, ou a unificação através do fundir-se na unidade, ao passo que os devotos mantêm sua individualidade para intercambiar sentimentos na relação com ο Senhor, que é supremo e individual. Essa reciprocidade de sentimentos acontece nos transcendentais planetas Vaikuṇṭha, e, devido a isso, a liberação almejada pelos impersonalistas já é alcançada no serviço devocional. Os devotos alcançam mukti automaticamente, enquanto ο prazer transcendental da individualidade mantida continua. Como foi explicado no verso anterior, ο destino dos devotos é Vaikuṇṭha, ou akuṇṭha-dhiṣṇya, ο local onde as ansiedades são completamente erradicadas. Não se deve confundir ο destino dos devotos com ο dos impersonalistas. Os destinos são claramente diferentes, e ο prazer transcendental obtido pelo devoto também é distinto do cin-mātra, ou sentimentos espirituais não intercambiados.

Texto

tat te vayaṁ loka-sisṛkṣayādya
tvayānusṛṣṭās tribhir ātmabhiḥ sma
sarve viyuktāḥ sva-vihāra-tantraṁ
na śaknumas tat pratihartave te

Sinônimos

tat — portanto; te — Vossos; vayam — todos nós; loka — mundo; sisṛkṣayā — para a criação; ādya — ó Pessoa Original; tvayā — por Vós; anusṛṣṭāḥ — sendo criados um após ο outro; tribhiḥ — pelos três modos da natureza; ātmabhiḥ — pelo próprio; sma — no passado; sarve — todos; viyuktāḥ — separados; svavihāratantram – a rede de atividades para ο próprio prazer; na — não; śaknumaḥ — pudemos fazê-lo; tat — isto; pratihartave — outorgar; te — ao Vosso.

Tradução

Portanto, ó Pessoa Original, não somos nada mais do que Vossa propriedade. Apesar de sermos Vossas criaturas, nascemos, um após ο outro, sob a influência dos três modos da natureza e, por esse motivo, agimos separadamente. Assim, após a criação, não pudemos agir harmoniosamente para Vosso prazer transcendental.

Comentário

A criação cósmica funciona sob a influência dos três modos da potência externa do Senhor. Diferentes criaturas também estão sob a mesma influência, de modo que não podem agir harmoniosamente para satisfazer ο Senhor. Por causa dessa diversidade de atividades, não pode haver nenhuma harmonia no mundo material. A melhor política, portanto, é agir em nome do Senhor. Isso ocasionará a harmonia desejada.

Texto

yāvad baliṁ te ’ja harāma kāle
yathā vayaṁ cānnam adāma yatra
yathobhayeṣāṁ ta ime hi lokā
baliṁ haranto ’nnam adanty anūhāḥ

Sinônimos

yāvat — como deve ser; balim — oferecimentos; te — Vossos; aja — ó não-nascido; harāma — ofereceremos; kāle — no momento certo; yathā — assim como; vayam — nós; ca — também; annam — grãos alimentícios; adāma — repartiremos; yatra — depois do que; yathā — assim como; ubhayeṣām — tanto para Vós quanto para nós; te — todos; ime — estes; hi — certamente; lokāḥ — entidades vivas; balim — oferecimentos; harantaḥ — enquanto oferecermos; annam — cereais; adanti — comer; anūhāḥ — sem perturbação.

Tradução

Ó não-nascido, por favor, esclarecei-nos a respeito dos processos e meios pelos quais possamos oferecer-Vos todos os grãos e objetos desfrutáveis para que tanto nós quanto todas as outras entidades vivas neste mundo possamos nos manter sem perturbaçãο e possamos facilmente acumular as necessidades da vida tanto para Vós quanto para nós mesmos.

Comentário

A consciência desenvolvida começa a partir da forma humana de vida e aumenta mais ainda nas formas dos semideuses que vivem nos planetas superiores. A Terra está situada quase no meio do universo, e a forma humana de vida é a forma intermediária entre a vida dos semideuses e a dos demônios. Os sistemas planetários acima da Terra destinam-se especialmente aos intelectuais mais elevados, chamados semideuses. Eles são chamados semideuses porque, embora seu padrão de vida seja muito mais avançado em cultura, gozo, luxo, beleza, educação e duração de vida, eles são sempre completamente conscientes de Deus. Tais semideuses estão sempre prontos a prestar serviço ao Senhor Supremo porque eles são perfeitamente conscientes do fato de que toda entidade viva é constitucionalmente um eterno e subordinado servo do Senhor. Eles também sabem que somente ο Senhor é quem pode prover todas as necessidades da vida a todas as entidades vivas. Os hinos védicos – eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān, tā enam abruvann āyatanaṁ naḥ prajānīhi yasmin pratiṣṭhitā annam adāme etc. – confirmam esta verdade. Na Bhagavad-gītā também, menciona-se que ο Senhor é bhūta-bhṛt, ou ο mantenedor de todas as criaturas vivas.

A teoria moderna de que a fome se deve a um aumento na população não é aceita pelos semideuses ou pelos devotos do Senhor. Os devotos ou semideuses são totalmente conscientes de que ο Senhor pode manter qualquer quantidade de entidades vivas, contanto que elas se conscientizem de como devem comer. Se quiserem comer como os animais comuns, que não têm consciência de Deus, terão que viver na pobreza, passando fome e privações, assim como os animais selvagens na floresta. Os animais selvagens também são mantidos pelo Senhor por meio de seus respectivos gêneros alimentícios, mas eles não são avançados na consciência de Deus. Analogamente, os seres humanos são supridos com cereais, legumes, frutas e leite pela graça do Senhor, mas é dever dos seres humanos reconhecer a misericórdia do Senhor. Por uma questão de gratidão, devem se sentir agradecidos ao Senhor por seu suprimento de gêneros alimentícios, e devem primeiro oferecer-Lhe ο alimento em sacrifício e, depois, compartilhar dos restos.

Na Bhagavad-gītā (3.13), confirma-se que aquele que ingere ο alimento após uma execução de sacrifício come ο verdadeiro alimento para a devida manutenção do corpo e da alma, mas aquele que cozinha para si mesmo e não executa nenhum sacrifício come apenas punhados de pecado sob a forma dos alimentos. Esse comer pecaminoso não pode, de forma alguma, fazer-nos felizes ou livres da escassez. A fome não se deve a um aumento na população, como pensam os economistas menos inteligentes. Quando a sociedade humana se mostrar agradecida ao Senhor por todas as Suas dádivas para a manutenção das entidades vivas, certamente não haverá nenhuma escassez nem privação na sociedade. Por outro lado, enquanto os homens não tomarem conhecimento do valor intrínseco de tais dádivas do Senhor, eles certamente passarão por privações. Uma pessoa que não é consciente de Deus pode viver em opulência por algum tempo devido a seus atos virtuosos do passado, mas, se ela está esquecida de sua relação com ο Senhor, certamente terá que enfrentar ο estágio da fome determinado pela lei da poderosa natureza material. Não podemos escapar à vigilância da poderosa natureza material a menos que levemos uma vida consciente de Deus ou devocional.

Texto

tvaṁ naḥ surāṇām asi sānvayānāṁ
kūṭa-stha ādyaḥ puruṣaḥ purāṇaḥ
tvaṁ deva śaktyāṁ guṇa-karma-yonau
retas tv ajāyāṁ kavim ādadhe ’jaḥ

Sinônimos

tvam — Vossa Onipotência; naḥ — nosso; surāṇām — dos semideuses; asi — Vós sois; saanvayānām – com diferentes gradações; kūṭasthaḥ – aquele que é imutável; ādyaḥ — sem nenhum superior; puruṣaḥ — a pessoa iniciadora; purāṇaḥ — ο mais velho, que não tem outro iniciador; tvam — Vós; deva — ó Senhor; śaktyām — na energia; guṇa-karma-yonau — na causa dos modos e atividades materiais; retaḥ — sêmen do nascimento; tu — de fato; ajāyām — para gerar; kavim — a totalidade das entidades vivas; ādadhe — iniciadas; ajaḥ — aquele que é não-nascido.

Tradução

Vós sois ο original criador pessoal de todos os semideuses e das ordens de diferentes gradações, apesar do que sois ο mais velho e sois imutável. Ó Senhor, não tendes origem ou superior. Fecundastes a energia externa com ο sêmen da totalidade das entidades vivas e, não obstante, sois não-nascido.

Comentário

Ο Senhor, a Pessoa Original, é ο pai de todas as outras entidades vivas, começando por Brahmā, a personalidade da qual todas as outras entidades vivas em diferentes gradações de espécies são geradas. Não obstante, ο pai supremo não tem pai. Cada uma das entidades vivas de todas as classes, até a classe de Brahmā, a criatura original do universo, é gerada por um pai, mas Ele, ο Senhor, não tem pai. Ao descer ao plano material, Ele, por Sua misericórdia sem causa, aceita um de Seus grandes devotos como Seu pai para acompanhar as leis do mundo material. Contudo, já que Ele é ο Senhor, Ele é sempre independente para escolher quem se tornará Seu pai. Por exemplo, ο Senhor saiu de uma pilastra em Sua encarnação como Nṛsiṁhadeva, e, pela misericórdia sem causa do Senhor, Ahalyā surgiu de uma pedra pelo toque dos pés de lótus de Sua encarnação como ο Senhor Śrī Rāma. Ele também é ο companheiro de toda entidade viva como a Superalma, mas Ele é imutável. A entidade viva muda de corpo no mundo material, mas, mesmo quando ο Senhor está no mundo material, Ele é sempre imutável. Essa é a Sua prerrogativa.

Como se confirma na Bhagavad-gītā (14.3), ο Senhor fecunda a energia externa ou material e, deste modo, a totalidade das entidades vivas surge posteriormente em diferentes gradações, começando por Brahmā, ο primeiro semideus, e descendo até a formiga insignificante. Todas as gradações de entidades vivas são manifestas por Brahmā e pela energia externa, mas ο Senhor é ο pai original de todos. A relação de cada ser vivo com ο Senhor Supremo é certamente a do filho com ο pai, e não uma relação de igualdade. Às vezes, no amor, ο filho é mais que ο pai, mas a relação de pai e filho é uma relação de superior e subordinado. Toda entidade viva, por mais grandiosa que seja, mesmo que esteja no nível de semideuses como Brahmā e Indra, é um servo eternamente subordinado ao pai supremo. O princípio mahat-tattva é a fonte geradora de todos os modos da natureza material, e as entidades vivas nascem no mundo material em corpos fornecidos pela mãe, a natureza material, de acordo com seu trabalho anterior. Ο corpo é uma dádiva da natureza material, mas a alma é originalmente parte integrante do Senhor Supremo.

Texto

tato vayaṁ mat-pramukhā yad-arthe
babhūvimātman karavāma kiṁ te
tvaṁ naḥ sva-cakṣuḥ paridehi śaktyā
deva kriyārthe yad-anugrahāṇām

Sinônimos

tataḥ — portanto; vayam — todos nós; mat-pramukhāḥ — provenientes do cosmo total, ο mahat-tattva; yat-arthe — para cujo propósito; babhūvima — criados; ātman — o Eu Supremo; karavāma — faremos; kim — ο que; te — Vosso serviço; tvam — Vós; naḥ — a nós; svacakṣuḥ – plano pessoal; paridehi — especificamente concedei-nos; śaktyā — com potência para trabalhar; deva — ó Senhor; kriyāarthe – para agir; yat — do que; anugrahāṇām — daqueles que são especificamente favorecidos.

Tradução

Ó Eu Supremo, por favor, concedei a nós, que fomos criados no começo do mahat-tattva, a energia cósmica total, Vossas amáveis orientações sobre como devemos agir. Por favor, concedei-nos Vosso conhecimento perfeito e potência para que possamos prestar-Vos serviço nos diferentes setores da criação subsequente.

Comentário

Ο Senhor cria este mundo material e fecunda a energia material com as entidades vivas que atuarão no mundo material. Todas essas ações têm um plano divino por trás delas. Ο plano é dar às almas condicionadas que assim ο desejam uma oportunidade de desfrutar ο gozo dos sentidos. Mas há um outro plano por trás da criação: ajudar as entidades vivas a compreender que elas foram criadas para ο transcendental gozo dos sentidos do Senhor, e não para seu gozo individual dos sentidos. Essa é a posição constitucional das entidades vivas. Ο Senhor é único e inigualável, e Ele Se expande em muitos para ο Seu prazer transcendental. Todas as expansões – os viṣṇu-tattvas, os jīva-tattvas e os śakti-tattvas (as Personalidades de Deus, as entidades vivas e as diferentes energias potenciais) – são diferentes rebentos do mesmo e único Senhor Supremo. Os jīva-tattvas são expansões separadas dos viṣṇu-tattvas, e, embora haja diferenças potenciais entre eles, todos eles destinam-se ao transcendental gozo dos sentidos do Senhor Supremo. Algumas das jīvas, entretanto, quiseram assenhorear-se da natureza material numa tentativa de imitar ο domínio da Personalidade de Deus. No que diz respeito a quando e por que essas propensões dominaram as entidades vivas puras, só se pode explicar que os jīva-tattvas têm independência infinitesimal e que, devido ao abuso desta independência, algumas das entidades vivas veem-se envolvidas nas condições da criação cósmica e são, portanto, chamadas nitya-baddhas, ou almas eternamente condicionadas.

As expansões da sabedoria védica também dão às nitya-baddhas, às entidades vivas condicionadas, uma oportunidade de melhorar, e aquelas que tiram proveito desse conhecimento transcendental recuperam gradualmente sua consciência perdida de prestar transcendental serviço amoroso ao Senhor. Os semideuses estão entre as almas condicionadas que desenvolveram essa consciência pura de serviço ao Senhor, mas que, ao mesmo tempo, continuam desejando dominar a energia material. Essa consciência misturada coloca uma alma condicionada na posição de administração dos assuntos desta criação. Os semideuses são líderes encarregados das almas condicionadas. Assim como alguns dos prisioneiros antigos nas cadeias do governo são incumbidos de algum trabalho de responsabilidade dentro da administração da prisão, da mesma forma os semideuses são almas condicionadas aperfeiçoadas que atuam como representantes do Senhor na criação material. Tais semideuses são devotos do Senhor no mundo material, e, quando se livram completamente de todo desejo material de dominar a energia material, tornam-se devotos puros e não têm nenhum desejo senão ο de servir o Senhor. Portanto, qualquer entidade viva que deseje uma posição no mundo material pode desejá-la no serviço ao Senhor e pode pedir poder e inteligência ao Senhor, como exemplificam os semideuses neste verso em particular. Não podemos fazer nada a menos que sejamos iluminados e dotados de poder pelo Senhor. Ο Senhor diz na Bhagavad-gītā (15.15): mattaḥ smṛtir jñānam apοhanaṁ ca. Todas as lembranças, conhecimento etc., como também todo ο esquecimento, são engendrados pelo Senhor, que está situado dentro do coração de todos. O homem inteligente busca ο auxílio do Senhor, e ο Senhor ajuda os devotos sinceros ocupados em Seus serviços multifários.

Os semideuses são encarregados pelo Senhor de criar diferentes espécies de entidades vivas de acordo com seus feitos passados. Nesta passagem, eles estão pedindo para ο Senhor favorecê-los com a inteligência e ο poder com os quais eles possam cumprir sua tarefa. De forma similar, qualquer alma condicionada também pode se ocupar no serviço ao Senhor sob a orientação de um mestre espiritual experiente e, deste modo, livrar-se gradualmente do envolvimento da existência material. Ο mestre espiritual é ο representante manifesto do Senhor, e se diz que quem quer que se submeta à orientação de um mestre espiritual e aja de acordo com essa orientação está agindo conforme buddhi-yoga, como se explica na Bhagavad-gītā (2.41):

vyavasāyātmikā buddhir
ekeha kuru-nandana
bahu-śākhā hy anantāś ca
buddhayo ’vyavasāyinām

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do terceiro canto, quinto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Conversas de Vidura com Maitreya”.