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CAPÍTULO DEZ

A Libertação das Árvores Yamala-arjuna

Este capítulo descreve como Kṛṣṇa partiu as árvores gêmeas arjuna, das quais surgiram, então, Nalakūvara e Maṇigrīva, os filhos de Kuvera.

Nalakūvara e Maṇigrīva eram grandes devotos do senhor Śiva, mas, devido à opulência material, eles se tornaram tão extravagan­tes e insensatos que, certo dia, na companhia de moças nuas, desfrutavam em um lago e, descaradamente, caminhavam de um lado para outro. Subitamente, Nārada Muni passou por ali, mas eles estavam tão enlouquecidos com sua riqueza e falso prestígio que, muito em­bora vissem Nārada Muni ali presente, permaneceram nus e nem mesmo sentiram vergonha. Em outras palavras, devido à opulência e ao falso prestígio, eles perderam seu senso de simples decoro. Evi­dentemente, faz parte da natureza das qualidades materiais que, quando alguém se torna muito opulento em termos de riqueza e po­sição prestigiosa, ele perde seu senso de ética e não se importa com ninguém, nem mesmo com um sábio como Nārada Muni. Para essas pessoas desorientadas (ahaṅkāra-vimūḍhātmā), que zombam especialmente dos devotos, a punição adequada é que elas novamente sejam vítimas da pobreza. As regras e regulações védicas prescrevem como controlar o sentimento de falso prestígio pela prática de yama, niyama e assim por diante (tapasā brahmacaryeṇa śamena ca damena ca). Um homem pobre pode ser muito facilmente convencido de que o prestígio de uma posição opulenta neste mundo material é tempo­rário, mas é difícil convencer um homem rico. Portanto, Nārada Muni estabeleceu um exemplo, amaldiçoando essas duas personalidades, Nalakūvara e Maṇigrīva, a tornarem-se obtusos e inconscien­tes como árvores. Essa foi uma punição adequada. Porém, como Kṛṣṇa é sempre misericordioso, eles, apesar da punição, tiveram a imensa fortuna de ver a Suprema Personalidade de Deus face a face. Logo, a punição dada pelos vaiṣṇavas não é punição de modo algum; ao contrário, é outra espécie de misericórdia. Com a maldição do devarṣi, Nalakūvara e Maṇigrīva se tornaram árvores gêmeas arjuna e permaneceram no quintal de mãe Yaśodā e Nanda Mahārāja, esperando a oportunidade de verem Kṛṣṇa diretamente. O Senhor Kṛṣṇa, pelo desejo de Seu devoto, extirpou essas árvores yamala-arjuna, e quando, após cem anos dos devas, Nala­kūvara e Maṇigrīva receberam de Kṛṣṇa essa libertação, a antiga consciência deles foi revivida, e eles dirigiram a Kṛṣṇa orações dignas de serem oferecidas pelos semideuses. Tendo assim recebido a opor­tunidade de ver Kṛṣṇa face a face, eles compreenderam quão miseri­cordioso era Nārada Muni e, portanto, reconheceram a dívida que tinham para com ele e agradeceram-lhe. Então, após circungirarem a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, eles partiram para suas respectivas moradas.

Texto

śrī-rājovāca
kathyatāṁ bhagavann etat
tayoḥ śāpasya kāraṇam
yat tad vigarhitaṁ karma
yena vā devarṣes tamaḥ

Sinônimos

śrī-rājā uvāca — o rei perguntou ainda; kathyatām — por favor, descreve; bhagavan — ó pessoa supremamente poderosa; etat — isto; tayoḥ — de ambos; śāpasya — da maldição; kāraṇam — a causa; yat — a qual; tat — este; vigarhitam — abominável; karma — ato; yena — pelo qual; — ou; devarṣeḥ tamaḥ — o grande sábio Nārada ficou muito irado.

Tradução

O rei Parīkṣit perguntou a Śukadeva Gosvāmī: Ó grande e poderoso santo, por que motivo Nalakūvara e Maṇigrīva foram amaldi­çoados por Nārada Muni? Que atividade abominável praticaram a ponto de até mesmo Nārada, o grande sábio, irar-se com eles? Por favor, descreve-me isto.

Texto

śrī-śuka uvāca
rudrasyānucarau bhūtvā
sudṛptau dhanadātmajau
kailāsopavane ramye
mandākinyāṁ madotkaṭau
vāruṇīṁ madirāṁ pītvā
madāghūrṇita-locanau
strī-janair anugāyadbhiś
ceratuḥ puṣpite vane

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī respondeu; rudrasya — do senhor Śiva; anucarau — dois grandes devotos ou associados; bhūtvā — sendo elevados àquele posto; su-dṛptau — orgulhosos daque­la posição e de seus belos traços físicos; dhanada-ātmajau — os dois filhos de Kuvera, o tesoureiro dos semideuses; kailāsa-upavane — em um pequeno jardim que ficava ao lado do Kailāsa Parvata, a resi­dência do senhor Śiva; ramye — em um lugar muito belo; mandākinyām — no rio Mandākinī; mada-utkaṭau — terrivelmente orgulhosos e loucos; vāruṇīm — um tipo de bebida chamada Vāruṇī; madirām — embriaguez; pītvā — bebendo; mada-āghūrṇita-locanau — seus olhos girando embriagados; strī-janaiḥ — com mulheres; anugāyadbhiḥ — vibrando sons cantados por elas; ceratuḥ — vagavam; puṣpite vane — em um magnífico jardim florido.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei Parīkṣit, porque foram elevados à associação do senhor Śiva – e eles se sentiam muito orgulhosos disso –, os dois filhos de Kuvera tinham permissão de perambular pelo jardim que ficava ao lado da colina Kailāsa, às margens do rio Mandākinī. Aproveitando-se dessa situação, eles costumavam consumir um tipo de bebida chamada vāruṇī. Acompanhados de mulheres que repetiam o que eles cantavam, os irmãos vagavam naquele jardim de flores com seus olhos sempre girando devido à embriaguez.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso menciona algumas vantagens materiais obtidas por pessoas associadas ou devotadas ao senhor Śiva. E assim como acontece em relação ao senhor Śiva, se a pessoa é devota de qualquer outro semideus, ela goza de algumas vantagens materiais. Os tolos, portanto, tornam-se devotos dos semideuses. Isso foi assinalado e criticado pelo Senhor Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā (7.20): kāmais tais tair hṛta jñānāḥ prapadyante ’nya-devatāḥ. Aqueles que não são devo­tos de Kṛṣṇa têm uma atração por mulheres, vinho e assim por diante, em virtude do que se costuma descrevê-los como hṛta-jñāna, desprovidos de razão. O movimento da consciência de Kṛṣṇa pode muito facilmente apontar esses tolos, pois eles são mencionados na Bhagavad-gītā (7.15), onde o Senhor Kṛṣṇa diz:

na māṁ duṣkṛtino mūḍhāḥ
prapadyante narādhamāḥ
māyayāpahṛta-jñānā
āsuraṁ bhāvaṁ āśritāḥ

“Os canalhas que são grosseiramente tolos, que são os mais baixos da humanidade, cujo conhecimento é roubado pela ilusão e que compartilham da natureza ateísta dos demônios, não se rendem a Mim.” Qualquer pessoa que não seja um devoto de Kṛṣṇa e não se renda a Kṛṣṇa deve ser considerada narādhama, o mais baixo dos homens, e duṣkṛtī, ou alguém que sempre comete ativida­des pecaminosas. Assim, não é difícil descobrir quem é um homem de terceira ou quarta classe, pois sua posição pode ser entendida simplesmente através deste teste crucial: ele é ou não é um devoto de Kṛṣṇa?

Por que os devotos dos semideuses são mais numerosos do que os vaiṣṇavas? A resposta é dada aqui. Os vaiṣṇavas não estão interessa­dos em prazeres de quarta classe, tais como vinho e mulheres, nem Kṛṣṇa lhes propicia essas facilidades.

Texto

antaḥ praviśya gaṅgāyām
ambhoja-vana-rājini
cikrīḍatur yuvatibhir
gajāv iva kareṇubhiḥ

Sinônimos

antaḥ — dentro de; praviśya — indo para; gaṅgāyām — o Ganges, conhecido como Mandākinī; ambhoja — de flores de lótus; vana-rājini — onde havia uma densa floresta; cikrīḍatuḥ — os dois costumavam desfrutar; yuvatibhiḥ — na companhia de mocinhas; gajau — dois elefantes; iva — assim como; kareṇubhiḥ — com elefantas.

Tradução

Dentro das águas do Mandākinī Ganges, que eram abarrotadas de jardins de flores de lótus, os dois filhos de Kuvera costumavam desfrutar com belas mocinhas, assim como dois elefantes desfrutam com elefantas na água.

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, as pessoas vão ao Ganges para se purificarem dos efeitos da vida pecaminosa, mas eis um exemplo de como os tolos entram no Ganges para envolver-se com a vida pecaminosa. Não se deve pensar que alguém se purifica somente por entrar no Ganges. Tudo, espiritual e material, depende da condição mental da pessoa.

Texto

yadṛcchayā ca devarṣir
bhagavāṁs tatra kaurava
apaśyan nārado devau
kṣībāṇau samabudhyata

Sinônimos

yadṛcchayā — por acaso, enquanto vagava por todo o universo; ca — e; deva-ṛṣiḥ — a suprema pessoa santa entre os semideuses; bha­gavān — o poderosíssimo; tatra — lá (onde os dois filhos de Kuvera estavam gozando a vida); kaurava — ó Mahārāja Parīkṣit; apaśyat — quando ele viu; nāradaḥ — o grande santo; devau — os dois jovens semideuses; kṣībāṇau — com olhos enlouquecidos pela embriaguez; samabudhyata — ele pôde entender (a posição deles).

Tradução

Ó Mahārāja Parīkṣit, por alguma auspiciosa oportunidade para os dois rapazes, o grande santo Devarṣi Nārada certa vez apareceu ali por acaso. Vendo-os embriagados, com os olhos girando, ele pôde entender a situação deles.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se:

‘sādhu-saṅga,’ ‘sādhu-saṅga’ — sarva-śāstre kaya
lava-mātra sādhu-saṅge sarva-siddhi haya

(Caitanya-caritāmṛta, Madhya 22.54)

A qualquer lugar que Nārada Muni vá, o momento em que ele ali aparece é tido como extremamente auspicioso. Também se diz:

brahmāṇḍa bhramite kona bhāgyavān jīva
guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja

“De acordo com seu karma, todas as entidades vivas vagueiam pelo universo inteiro. Algumas delas se elevam aos sistemas planetários superiores, e outras descem aos sistemas planetários inferiores. Dentre muitos milhões de entidades vivas errantes, aquela que é muito afortunada recebe a oportunidade de associar-se com um mestre espiritual genuíno pela graça de Kṛṣṇa. Em razão da misericórdia de Kṛṣṇa e do mestre espiritual, essa pessoa recebe a semente da trepadeira do ser­viço devocional.” (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 19.151) Nārada apareceu no jardim a fim de conceder aos dois filhos de Kuvera a semente do serviço devocional, muito embora eles estivessem embriagados. As pessoas santas sabem como conceder misericórdia às almas caídas.

Texto

taṁ dṛṣṭvā vrīḍitā devyo
vivastrāḥ śāpa-śaṅkitāḥ
vāsāṁsi paryadhuḥ śīghraṁ
vivastrau naiva guhyakau

Sinônimos

tam — Nārada Muni; dṛṣṭvā — vendo; vrīḍitāḥ — estando envergonhadas; devyaḥ — as jovens semideusas; vivastrāḥ — embora elas esti­vessem nuas; śāpa-śaṅkitāḥ — temendo serem amaldiçoadas; vāsāṁsi — roupas; paryadhuḥ — cobriram o corpo; śīghram — às pressas; vivastrau — que também estavam nus; na — não; eva — na verdade; guhyakau — os dois filhos de Kuvera.

Tradução

Ao verem Nārada, as jovens semideusas, estando nuas, ficaram muito envergonhadas. Temendo serem amaldiçoadas, elas cobriram seus corpos com suas roupas. Os dois filhos de Kuvera, no entanto, não to­maram uma conduta semelhante, senão que, não se importando com Nārada, permaneceram nus.

Texto

tau dṛṣṭvā madirā-mattau
śrī-madāndhau surātmajau
tayor anugrahārthāya
śāpaṁ dāsyann idaṁ jagau

Sinônimos

tau — os dois jovens semideuses; dṛṣṭvā — vendo; madirā-mattau — muito embriagados por causa da bebida que tomaram; śrī-mada­-andhau — estando cegos com falso prestígio e opulência; sura-ātmajau — os dois filhos dos semideuses; tayoḥ — a eles; anugraha-arthāya — com o propósito de outorgar misericórdia especial; śāpam — uma maldição; dāsyan — desejando oferecer-lhes; idam — isto; jagau — proferiu.

Tradução

Vendo os dois filhos dos semideuses nus e intoxicados pela opulência e falso prestígio, Devarṣi Nārada, para mostrar-lhes misericórdia especial, desejou lançar sobre eles uma maldição especial. Ele, então, falou o seguinte.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora, a princípio, Nārada Muni parecesse amaldiçoá-los muito irado; no final, os dois semideuses Nalakūvara e Maṇigrīva con­seguiram ver a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, face a face. Assim, a maldição foi, em última análise, auspiciosa e brilhante. Deve-se julgar que espécie de maldição Nārada lançou sobre eles. Nesse contexto, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura apresenta um bom exemplo. Quando o pai encontra seu filho profundamente adorme­cido, mas o filho tem de tomar um remédio para curar sua doença, o pai belisca a criança para que ela acorde e tome o remédio. De modo semelhante, Nārada Muni amaldiçoou Nalakūvara e Maṇigrīva para curar-lhes a doença da cegueira material.

Texto

śrī-nārada uvāca
na hy anyo juṣato joṣyān
buddhi-bhraṁśo rajo-guṇaḥ
śrī-madād ābhijātyādir
yatra strī dyūtam āsavaḥ

Sinônimos

śrī-nāradaḥ uvāca — Nārada Muni disse; na — não há; hi — na verdade; anyaḥ — outro gozo material; juṣataḥ — de alguém que está desfrutando; joṣyān — atrativos do mundo material (comer, dormir, acasalar-se e defender-se de diferentes maneiras); buddhi-bhraṁśaḥ — esses prazeres atraem a inteligência; rajaḥ-guṇaḥ — sendo controlado pelo modo da paixão; śrī-madāt — do que a riqueza; ābhijātya-ādiḥ — entre os quatro princípios materiais (traços físicos pessoais atraentes, nascimento em família aristocrática, ser muito erudito e ser muito rico); yatra — onde; strī — mulheres; dyūtam — jogatina; āsavaḥ — vinho (vinho, mulheres e jogos são muito proeminentes).

Tradução

Nārada Muni disse: Entre todos os atrativos oferecidos pelo gozo material, a atração que se apresenta sob a forma de riqueza confunde mais a inteligência de alguém do que ter belos traços físicos, nascer em família aristocrática e ser erudito. Quando a pessoa não é edu­cada, mas falsamente arrogante devido à riqueza, o resultado é que ela ocupa sua riqueza em desfrutar de vinho, mulheres e jogatinas.

Comentário

SIGNIFICADO—Entre os três modos da natureza material – bondade, paixão e ignorância –, as pessoas decerto são conduzidas pelas qualidades inferiores, a saber, paixão e ignorância, e especialmente pela paixão. Conduzida pelo modo da paixão, a pessoa se envolve cada vez mais na existência material. Portanto, o ser humano deve subjugar os modos da paixão e ignorância e avançar no modo da bondade.

tadā rajas-tamo-bhāvāḥ
kāma-lobhādayaś ca ye
ceta etair anāviddhaṁ
sthitaṁ sattve prasīdati

Isto é cultura: Devem-se subjugar os modos da paixão e ignorância. No modo da paixão, quando alguém desenvolve falso orgulho de sua riqueza, ele a aplica somente em três itens, a saber, vinho, mu­lheres e jogos. De fato, podemos ver, especialmente nesta era, que aqueles que têm riqueza excessiva simplesmente tentam desfrutar dessas três coisas. Na civilização ocidental, essas três coisas são muito proeminentes devido à ampliação desnecessária de riquezas. Nārada Muni considerou tudo isso no caso de Maṇigrīva e Nalakūvara porque detectou neles muito orgulho decorrente da riqueza de seu pai, Kuvera.

Texto

hanyante paśavo yatra
nirdayair ajitātmabhiḥ
manyamānair imaṁ deham
ajarāmṛtyu naśvaram

Sinônimos

hanyante — são mortos de muitas maneiras (especialmente nos matadouros); paśavaḥ — animais de quatro patas (cavalos, ovelhas, vacas, porcos etc.); yatra — onde; nirdayaiḥ — por aquelas pessoas cruéis que são conduzidas pelo modo da paixão; ajita-ātmabhiḥ — patifes incapazes de controlar os sentidos; manyamānaiḥ — pensam; imam — ­este; deham — corpo; ajara — nunca envelhecerá ou adoecerá; amṛtyu — a morte nunca virá; naśvaram — embora o corpo se destine a ser ani­quilado.

Tradução

Incapazes de controlar os seus sentidos, os patifes que sentem falso orgulho de suas riquezas ou de seu nascimento em famílias aristocráticas são tão cruéis que, para a manutenção de seus corpos perecíveis, os quais eles acham que nunca envelhecerão ou morrerão, matam os pobres animais sem qualquer piedade. Algumas vezes, matam animais apenas para desfrutar de um passeio.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando os modos da paixão e da ignorância sobressaem na sociedade humana, dando origem a um intenso desenvolvimento econômico, o resultado é que as pessoas se envolvem com vinho, mulheres e jogatina. Depois, estando loucas, elas mantêm grandes matadouros ou ocasionalmente saem em excursões recreativas para matar animais. Esquecendo-se de que, por mais que se tente manter o corpo, o corpo está sujeito a nascimento, morte, velhice e doença, esses patifes tolos entregam-se a consecutivas atividades pecaminosas. Sendo duṣkṛtīs, eles se esquecem completamente da existência do controlador supremo, que está situado no âmago do coração de todos (īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati). Esse controlador supremo está observando cada aspecto de nossas atividades, e recompensa ou pune a todos, dando a cada pessoa um corpo adequado, feito pela natureza material (bhrāmayan sarva-bhūtāni yantrārūḍhāni māyayā). Dessa maneira, as pessoas pecaminosas automaticamente são punidas em diferentes classes de corpos. A causa fundamental dessa punição é que, quando alguém acumula riquezas em excesso, torna-se mais e mais degradado, não sabendo que, com seu próximo nascimento, sua riqueza acabará.

na sādhu manye yata ātmano ’yam
asann api kleśada āsa dehaḥ

Matar animais é algo proibido. Todo ser vivo, evidentemente, tem de comer algo (jīvo jīvasya jīvanam). Mas deve-se aprender que tipo de alimento deve-se comer. Portanto, a Īśopaniṣad ensina que tena tyaktena bhuñjīthāḥ: a pessoa deve comer apenas aquilo que é designado para os seres humanos. Na Bhagavad-gītā (9.26), Kṛṣṇa diz:

patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyaṁ
yo me bhaktyā prayacchati
tad ahaṁ bhakty-upahṛtam
aśnāmi prayatātmanaḥ

“Se alguém Me oferecer, com amor e devoção, uma folha, uma flor, fruta ou água, Eu as aceitarei.” O devoto, portanto, não come nada decorrente da matança dos pobres animais. Em vez disso, os devotos aceitam a prasāda de Kṛṣṇa (tena tyaktena bhuñjīthāḥ). Kṛṣṇa recomenda que a pessoa Lhe dê patraṁ puṣpaṁ phalaṁ toyam – folhas, flores, frutas ou água. Alimentar-se de animais nunca é algo recomendado para os seres humanos; em vez disso, o ser humano é aconselhado a comer prasāda, os restos de alimento deixados por Kṛṣṇa. Yajña-śiṣṭāśinaḥ santo mucyante sarva-kilbiṣaiḥ. (Bhagavad-gītā 3.13) Se alguém passa a comer prasāda, mesmo que haja alguma pequena atividade pecaminosa envolvida, ele se livra dos resultados dos atos pecaminosos.

Texto

deva-saṁjñitam apy ante
kṛmi-viḍ-bhasma-saṁjñitam
bhūta-dhruk tat-kṛte svārthaṁ
kiṁ veda nirayo yataḥ

Sinônimos

deva-saṁjñitam — o corpo agora conhecido como uma pessoa muito insigne, como presidente, ministro ou mesmo semideus; api — mesmo que o corpo seja tão importante; ante — após a morte; kṛmī — transforma-se em vermes; viṭ — ou em excremento; bhasma-saṁjñitam — ou em cinzas; bhūta-dhruk — alguém que não aceita os preceitos śāstricos e desnecessariamente inveja outras entidades vivas; tat-kṛte — agindo dessa maneira; sva-artham — interesse próprio; kim — quem está ali; veda — quem sabe; nirayaḥ yataḥ — porque, devido a essas atividades pecaminosas, a pessoa é lançada em condições infernais.

Tradução

Enquanto vive, talvez alguém se orgulhe de seu corpo, julgando-­se um homem muito importante, um ministro, presidente ou mesmo semideus. Contudo, independentemente do que ele seja, após a morte, este corpo se transformará em vermes, em excremento ou em cinzas. Se alguém mata pobres animais para satisfazer os caprichos temporários deste corpo, não sabe a que tipo de sofrimento se sujeitará em seu próximo nascimento, pois tal canalha pecaminoso terá de cair no inferno, onde experimentará os resultados de suas ações.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as três palavras kṛmi-vid-bhasma são significativas. Após a morte, o corpo pode tornar-se kṛmi, o que significa “vermes”, pois, se não é cremado, o corpo pode ser comido pelos vermes, ou então pode ser comido por animais como porcos e abutres e transformar-se em excremento. Aqueles que são mais civilizados in­cineram o cadáver, de modo que ele se transforma em cinzas (bhasma-saṁjñitam). Todavia, embora o corpo acabe se transformando em vermes, excremento ou cinzas, as pessoas tolas, apenas para mantê-lo, cometem muitas atividades pecaminosas. Isso é certamente lamentável. O corpo de forma humana de fato serve para jīvasya tattva jijñāsā, esclarecimento acerca da sabedoria de valores espirituais. Portanto, a pessoa deve refugiar-se em um mestre espiritual genuíno. Tasmād guruṁ prapadyeta: Ela deve aproximar-se de um guru. Quem é o guru? Śābde pare ca niṣṇātam (Śrīmad-Bhāgavatam 11.3.21): O guru é aquele que tem pleno conhecimento transcendental. Quem não se aproxima de um mestre espiritual permanece em ignorância. Ācāryavān puruṣo veda (Chāndogya Upaniṣad 6.14.2): A pessoa tem pleno conhecimento sobre a vida quando é ācāryavān, guiada pelo ācārya. Mas quando alguém é con­duzido por rajo-guṇa e tamo-guṇa, ele não se importa com nada, senão que age como um animal bruto, arriscando sua vida (mṛtyu­saṁsāra-vartmani) e, portanto, continuando a passar por sofrimento após sofrimento. Na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇum. (Śrīmad-Bhāgavatam 7.5.31) Semelhante tolo não sabe como utilizar este corpo para elevar-se. Em vez disso, entrega-se a atividades pecaminosas e afunda-se cada vez mais na vida infernal.

Texto

dehaḥ kim anna-dātuḥ svaṁ
niṣektur mātur eva ca
mātuḥ pitur vā balinaḥ
kretur agneḥ śuno ’pi vā

Sinônimos

dehaḥ — este corpo; kim anna-datuḥ — pertence ao patrão que me dá dinheiro para mantê-lo; svam — ou pertence pes­soalmente a mim; niṣektuḥ — (ou pertence) à pessoa que ejaculou o sêmen; mātuḥ eva — (ou pertence) à mãe que manteve este corpo em seu ventre; ca — e; mātuḥ pituḥ vā — ou (pertence) ao avô materno (porque às vezes o avô materno considera o neto como um filho adotivo); balinaḥ — (ou pertence) à pessoa que leva este corpo à força; kretuḥ — ou à pessoa que compra o corpo para que lhe sirva de escravo; agneḥ — ou ao fogo (porque o corpo, por fim, é queimado); śunaḥ — ou aos cães e abutres que, por fim, comem o corpo; api — mesmo; — ou.

Tradução

Enquanto está vivo, este corpo pertence ao seu patrão, ao eu, ao pai, à mãe ou ao avô materno? Ele pertence à pessoa que o leva à força, ao amo que o compra, ou aos filhos que o queimam no fogo? Ou, se não é queimado, o corpo pertence aos cães que o comem? Entre os muitos seres que alegam possuir o corpo, quem de fato o possui? Deixar de averiguar isso para apenas pro­curar manter o corpo através de atividades pecaminosas não é algo recomendável.

Texto

evaṁ sādhāraṇaṁ deham
avyakta-prabhavāpyayam
ko vidvān ātmasāt kṛtvā
hanti jantūn ṛte ’sataḥ

Sinônimos

evam — desse modo; sādhāraṇam — propriedade comum; deham — o corpo; avyakta — da natureza imanifesta; prabhava — manifestado dessa maneira; apyayam — e voltando a imergir no imanifesto (“és pó, e ao pó voltarás”); kaḥ — quem é essa pessoa; vidvān — alguém que tem verdadeiro conhecimento; ātmasāt kṛtvā — alegando ser seu; hanti — mata; jantūn — pobres animais; ṛte — exceto; asataḥ — patifes que não têm conhecimento nem compreensão clara.

Tradução

Este corpo, afinal, é produzido pela natureza manifesta e volta a ser aniquilado e decompõe-se nos elementos naturais. Por­tanto, ele é propriedade comum de todos. Nessas circunstâncias, quem, a não ser um patife, alega ser sua essa propriedade e enquanto a mantém comete atos pecaminosos, tais como matar animais, apenas para satisfazer seus caprichos? Apenas um patife pode cometer essas atividades pecaminosas!

Comentário

SIGNIFICADO—Os ateístas não acreditam na existência da alma. Entretanto, a menos que alguém seja muito cruel, por que deveria matar animais desnecessariamente? O corpo é uma manifestação de uma combinação de matéria. No começo, ele não era nada, mas, através de uma combinação de matéria, ele passou a existir. E então, quando a combinação se desfizer, o corpo deixará de existir. No começo, ele não era nada, e, no final, ele não será nada. Por que, então, alguém deveria cometer atividades pecaminosas enquanto ele está manifesto? Não é possível que se faça isso, a menos que alguém seja o mais renomado patife.

Texto

asataḥ śrī-madāndhasya
dāridryaṁ param añjanam
ātmaupamyena bhūtāni
daridraḥ param īkṣate

Sinônimos

asataḥ — desse patife e tolo; śrī-mada-andhasya — que está cego por possuir temporariamente riquezas e opulência; dāridryam — po­breza; param añjanam — o melhor unguento para os olhos, através do qual se podem ver as coisas como elas são; ātma-aupamyena — em comparação com ele mesmo; bhūtāni — seres vivos; daridraḥ — um homem paupérrimo; param — perfeitamente; īkṣate — pode enxergar com clareza.

Tradução

Os tolos e patifes ateístas que são muito orgulhosos de sua riqueza não conseguem enxergar a vida como ela é. Portanto, trazê-los de volta à pobreza é o unguento adequado para que seus olhos possam ver devidamente. Um homem pobre pode pelo menos compreender quão dolorosa é a pobreza, motivo pelo qual ele não desejará que os outros fiquem em uma condição tão amargurada como a sua.

Comentário

SIGNIFICADO—Mesmo hoje em dia, se um homem pobre ganha dinheiro, ele tem a propensão de utilizar seu dinheiro para realizar muitas atividades filantrópicas, tais como abrir escolas para os incultos e hospitais para os doentes. Com relação a isso, há uma história instrutiva, chamada punar mūṣiko bhava: “Volta a ser rato.” Um rato era sempre perseguido por um gato e, em razão disso, o rato aproximou-se de uma pessoa santa e pediu-lhe para se tornar um gato. Ao tornar-se um gato, o rato passou a ser perseguido por um cachorro, e depois, ao trans­formar-se em um cachorro, ele era perseguido por um tigre. Quando se tornou um tigre, porém, ele olhou fixamente para a pessoa santa, e a pessoa santa perguntou-lhe: “O que desejas?” Nesse momento, o tigre respondeu: “Quero comer-te.” Então, a pessoa santa amaldiçoou-o, dizendo: “Que voltes a ser um rato.” Fenômeno semelhante está acontecendo em todo o universo. Alguém está subindo e descendo, ora tornando-­se um rato, ora um tigre, e assim por diante. Śrī Caitanya Mahāprabhu disse:

brahmāṇḍa bhramite kona bhāgyavān jīva
guru-kṛṣṇa-prasāde pāya bhakti-latā-bīja

(Caitanya-caritāmṛta, Madhya 19.151)

As entidades vivas são promovidas e rebaixadas pelas leis da natureza, mas, se alguém é muitíssimo afortunado, ele obtém a semente do serviço devocional através da associação com pessoas santas, e sua vida torna-se exitosa. Através da pobreza, Nārada Muni queria trazer Nalakūvara e Maṇigrīva à plataforma do serviço devocional, e assim os amaldiçoou. Essa é a misericórdia de um vaiṣṇava. A menos que alguém se estabeleça na plataforma vaiṣṇava, não pode tornar-se um homem bom. Harāv abhaktasya kuto mahad-guṇāḥ. (Śrīmad-Bhāgavatam 5.18.12) Um avaiṣṇava nunca se torna um homem bom, por mais severamente que possa ser punido.

Texto

yathā kaṇṭaka-viddhāṅgo
jantor necchati tāṁ vyathām
jīva-sāmyaṁ gato liṅgair
na tathāviddha-kaṇṭakaḥ

Sinônimos

yathā — assim como; kaṇṭaka-viddha-aṅgaḥ — uma pessoa cujo corpo foi espetado por alfinetes; jantoḥ — desse animal; na — não; icchati — deseja; tām — específica; vyathām — uma dor; jīva-sāmyam gataḥ — quando ela compreende que a posição é a mesma para todos; liṅgaiḥ — possuindo uma determinada classe de corpo; na — não; tathā — assim; aviddha-kaṇṭakaḥ — uma pessoa que não foi espetada por alfinetes.

Tradução

Vendo seus rostos, aqueles cujos corpos já foram espetados por alfinetes podem entender a dor de outros que experimentam o mesmo. Compreendendo que essa dor é a mesma para todos, eles não querem que outros se submetam a esse sofrimento. Mas alguém que nunca foi espetado por alfinetes não pode entender essa dor.

Comentário

SIGNIFICADO—Existe um ditado segundo o qual “a felicidade da riqueza é desfrutada por alguém que saboreou a infelicidade da pobreza”. Também há outro ditado popular, vandhyā ki bujhibe prasava-vedanā: “Uma mulher que não deu à luz um filho não pode entender a dor do parto.” A menos que sinta na própria pele, a pessoa não pode compreender o que é dor e o que é felicidade neste mundo material. As leis da natureza também agem com base nesse princípio. Se alguém matou um animal, ele próprio terá de ser morto pelo mesmo animal. Isso se chama māṁsa. Mām significa “me”, e sa significa “ele”. Do mesmo modo que eu como um animal, esse animal terá a oportunidade de me comer­. Em todo Estado, portanto, costuma-se ser de praxe enforcar alguém que comete assassinato.

Texto

daridro nirahaṁ-stambho
muktaḥ sarva-madair iha
kṛcchraṁ yadṛcchayāpnoti
tad dhi tasya paraṁ tapaḥ

Sinônimos

daridraḥ — alguém muito pobre; nir-aham-stambhaḥ — automaticamente se livra de todo o falso prestígio; muktaḥ — liberado; sarva — todo; madaiḥ — do falso ego; iha — neste mundo; kṛcchram — com muita dificuldade; yadṛcchayā āpnoti — o que ele acaso ganha da providência; tat — isto; hi — na verdade; tasya — sua; param — perfeita; tapaḥ — austeridade.

Tradução

Alguém muito pobre deve automaticamente submeter-se a austeridades e penitências porque, em sua pobreza, ele não pode possuir nada. Assim, seu falso prestígio é aniquilado. Sempre precisando de alimento, abrigo e roupa, ele deve satisfazer-se com aquilo que é obtido pela misericórdia da providência. Submeter-se a essas austeridades compulsórias é bom para ele porque isso o purifica e o deixa completamente livre do falso ego.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma pessoa santa aceita voluntariamente um estado de pobreza apenas para livrar-se do falso prestígio material. Muitos grandes reis dei­xaram seu elevado padrão de vida e foram para a floresta pra­ticar austeridades de acordo com a cultura védica, simplesmente para se purificarem. Contudo, se alguém que não pode aceitar voluntariamente essa austeridade é posto em uma situação de pobreza, ele automaticamente deve praticar austeridades. A austeridade é boa para todos porque livra a pessoa das condições materiais. Logo, se alguém tem muito orgulho de sua posição material, empobrecê-lo é a melhor maneira de corrigir sua tolice. Dāridrya-doṣo guṇa-rāśi-nāśi: Quando alguém é pobre, naturalmente seu falso orgulho na vida de aristocracia, riqueza, educação e beleza é esmagado. Recebendo esse corretivo, ele se situa na posição correta e que lhe propicia a liberação.

Texto

nityaṁ kṣut-kṣāma-dehasya
daridrasyānna-kāṅkṣiṇaḥ
indriyāṇy anuśuṣyanti
hiṁsāpi vinivartate

Sinônimos

nityam — sempre; kṣut — com fome; kṣāma — fraco, sem a força necessária; dehasya — do corpo de um homem pobre; daridrasya — muito pobre; anna-kāṅkṣiṇaḥ — sempre desejando obter um pouco de comida; indriyāṇi — os sentidos, que são comparados a serpentes; anuśuṣyantī — pouco a pouco, enfraquecem cada vez mais, com menos potência; hiṁsā api — a tendência de invejar os outros; vini­vartate — é reduzida.

Tradução

Sempre faminto, desejando obter um pouco de comida, um homem pobre aos poucos se enfraquece mais e mais. Não contando com nenhuma outra potência, seus sentidos automaticamente se apaziguam. Um homem pobre, portanto, é incapaz de realizar atividades prejudiciais e invejosas. Em outras palavras, tal homem automatica­mente obtém os resultados das austeridades e penitências adotadas voluntariamente pelas pessoas santas.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com a opinião de médicos experientes, o diabetes re­sulta da alimentação voraz, e a tuberculose é uma doença do subnu­trido. Não devemos desejar ser nem diabéticos nem tuberculosos. Yāvad artha-prayojanam. Devemos comer frugalmente e manter o corpo saudável para avançarmos em consciência de Kṛṣṇa. Como se recomenda em outra passagem do Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.10):

kāmasya nendriya-prītir
lābho jīveta yāvatā
jīvasya tattva-jijñāsā
nārtho yaś ceha karmabhiḥ

O verdadeiro dever do ser humano é se manter em condições de avançar em compreensão espiritual. A vida humana não se destina a tornar os sentidos demasiadamente fortes para que a pessoa sofra doenças e intensifique seu espírito de inveja e conflitos. Nesta era de Kali, entretanto, a civilização humana está tão desencaminhada que as pessoas estão crescendo em desnecessário desenvolvimento econômico e, como resultado, estão abrindo mais e mais matadou­ros, adegas e bordéis. Dessa maneira, toda a civilização está se arruinando.

Texto

daridrasyaiva yujyante
sādhavaḥ sama-darśinaḥ
sadbhiḥ kṣiṇoti taṁ tarṣaṁ
tata ārād viśuddhyati

Sinônimos

daridrasya — de uma pessoa que é pobre; eva — na verdade; yujyante — podem facilmente associar-se; sādhavaḥ — pessoas santas; sama­darśinaḥ — embora os sādhus sejam iguais com todos, com o pobre e o rico, o homem pobre pode tirar proveito da companhia deles; sadbhiḥ — através da associação com essas pessoas santas; kṣiṇoti — é reduzida; tam — a causa original do sofrimento material; tarṣam — o desejo de gozo material; tataḥ — em seguida; ārāt — muito rapidamente; viśuddhyati — sua contaminação material é expurgada.

Tradução

As pessoas santas podem associar-se à vontade com os pobres, mas não com os ricos. Um homem pobre, através da associação com pessoas santas, perde muito rapidamente o interesse pelos desejos materiais, e as sujeiras existentes no âmago de seu coração são afastadas para muito longe.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se que mahad-vicalanaṁ nṝṇāṁ gṛhiṇāṁ dīna-cetasām. (Śrīmad-Bhāgavatam 10.8.4) A única ocupação de uma pessoa santa ou de um sannyāsī, alguém na ordem renunciada, é pregar a consciência de Kṛṣṇa. Os sādhus, as pessoas santas, querem pregar para o pobre e para o rico, apesar do que, mais do que o rico, o pobre tira proveito da pregação dos sādhus. O homem pobre se apressa em receber os sādhus, ofere­ce-lhes reverências e tenta tirar proveito de sua presença, ao passo que o homem rico mantém um cachorro de grande porte à sua porta para que ninguém possa entrar em sua casa. Ele põe um aviso: “Cuidado com o cão” e evita a associação de pessoas santas, mas o homem pobre mantém sua porta aberta para eles e, dessa maneira, benefi­cia-se com sua associação mais do que o homem rico. Porque em sua vida anterior fora o filho pobre de uma criada, Nārada Muni obteve a associação de pessoas santas e, mais tarde, tornou-se o sublime Nārada Muni. Essa foi sua experiência prática. Portanto, ele agora está comparando a posição de um homem pobre com a de um homem rico.

satāṁ prasaṅgān mama vīrya-saṁvido
bhavanti hṛt-karṇa-rasāyanāḥ kathāḥ
taj-joṣaṇād āśv apavarga-vartmani
śraddhā ratir bhaktir anukramiṣyati

Se alguém tem a oportunidade de associar-se com pessoas santas, ele se purifica cada vez mais dos desejos materiais através de suas instruções.

kṛṣṇa-bahirmukha haiyā bhoga-vāñchā kare
nikaṭa-stha māyā tāre jāpaṭiyā dhare

(Prema-vivarta)

Vida material significa que a pessoa se esquece de Kṛṣṇa e incremen­ta seus desejos de gozo dos sentidos. Mas se alguém é agraciado com as instruções das pessoas santas e esquece a importância dos desejos materiais, ele se purifica automaticamente. Ceto-darpaṇa-mārjanaṁ bhava-mahā-dāvāgni-nirvāpaṇam. (Śikṣāṣṭaka 1) A menos que o âmago do coração do materialista se purifique, ele não poderá livrar-se das dores de bhava-mahā-dāvāgni, o ardente fogo da existência material.

Texto

sādhūnāṁ sama-cittānāṁ
mukunda-caraṇaiṣiṇām
upekṣyaiḥ kiṁ dhana-stambhair
asadbhir asad-āśrayaiḥ

Sinônimos

sādhūnām — de pessoas santas; sama-cittānām — daqueles que são iguais com todos; mukunda-caraṇa-eṣiṇām — cuja única ocupação é servir Mukunda, a Suprema Personalidade de Deus, e que sempre desejam esse serviço; upekṣyaiḥ — negligenciando a associação; kim — o que; dhana-stambhaiḥ — ricas e orgulhosas; asadbhiḥ — com a associação de pessoas indesejáveis; asat-āśrayaiḥ — refugiando-se naque­les que são asat, ou não-devotos.

Tradução

As pessoas santas [sādhus] pensam em Kṛṣṇa vinte e quatro horas por dia. Elas não têm outro interesse. Por que as pessoas deveriam negligenciar a companhia dessas excelsas personalidades espirituais e tentar associar-se com materialistas, refugiando-se em não-devotos, a maioria dos quais é rica e orgulhosa?

Comentário

SIGNIFICADO—Sādhu é aquele que está ocupado em serviço devocional ao Senhor sem desvios (bhajate mām ananya-bhāk).

titikṣavaḥ kāruṇikāḥ
suhṛdaḥ sarva-dehinām
ajāta-śatravaḥ śāntāḥ
sādhavaḥ sādhu-bhūṣaṇāḥ

“Os sintomas de um sādhu são que ele é tolerante, misericordioso e amistoso com todas as entidades vivas. Ele não tem inimigos, é pacífico, orienta-se pelas escrituras, e todas as suas características são sublimes.” (Śrīmad-Bhāgavatam 3.25.21) O sādhu é suhṛdaḥ sarva-dehinām, amigo de todos. Por que, então, em vez de associar-se com os sādhus, os ricos deveriam desperdiçar seu tempo precioso na companhia de outros homens ricos que são avessos à vida espiritual? Tanto o pobre quanto o rico podem tirar proveito do movimento da consciência de Kṛṣṇa, e aqui se aconselha que todos adotem esse procedimento. Ninguém se beneficia ao evitar a companhia dos membros do movimento da consciência de Kṛṣṇa. Narottama Dāsa Ṭhākura diz:

sat-saṅga chāḍi’ kainu asate vilāsa
te-kāraṇe lāgila ye karma-bandha-phāṅsa

Se abandonamos a companhia dos sādhus, pessoas santas ocupadas em consciência de Kṛṣṇa, e associamo-nos com pessoas que buscam o gozo dos sentidos e acumulam riquezas com esse propósito, nossa vida está arruinada. A palavra asat se refere a um avaiṣṇava, ou alguém que não é devoto de Kṛṣṇa, e sat refere-se a um vaiṣṇava, um devoto de Kṛṣṇa. A pessoa deve sempre buscar a companhia dos vaiṣṇavas, e não arruinar a sua vida convivendo com avaiṣṇavas. A Bhagavad-gītā (7.15) explica a diferença entre vaiṣṇava e avaiṣṇava.

na māṁ duṣkṛtino mūḍhāḥ
prapadyante narādhamāḥ
māyayāpahṛta-jñānā
āsuraṁ bhāvam āśritāḥ

Qualquer um que não seja rendido a Kṛṣṇa é uma pessoa muito pecaminosa (duṣkṛtī), um patife (mūḍha), e o mais baixo dos homens (narādhama). Logo, ninguém deve evitar a companhia dos vaiṣṇavas, o que agora se encontra disponível no mundo todo sob a forma do movimento da consciência de Kṛṣṇa.

Texto

tad ahaṁ mattayor mādhvyā
vāruṇyā śrī-madāndhayoḥ
tamo-madaṁ hariṣyāmi
straiṇayor ajitātmanoḥ

Sinônimos

tat — portanto; aham — eu; mattayoḥ — dessas duas pessoas embriagadas; mādhvyā — tomando a bebida; vāruṇyā — chamada Vāruṇī; śrī-mada-andhayoḥ — que estão cegas com a opulência celestial; tamaḥ-madam — esse falso prestígio devido ao modo da ignorância; hariṣyāmi — tirarei; straiṇayoḥ — porque se apegaram tanto às mulhe­res; ajita-ātmanoḥ — sendo incapazes de controlar os sentidos.

Tradução

Portanto, uma vez que essas duas pessoas, embriagadas com a bebida chamada Vāruṇī, ou Mādhvī, e incapazes de controlar seus sentidos, tornaram-se cegas devido ao orgulho da opulência celestial e apegaram-se a mulheres, eu as libertarei de seu falso prestígio.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao castigar ou punir alguém, um sādhu não o faz por vingança. Mahārāja Parīkṣit perguntou por que Nārada Muni estava sujeito a esse espírito de vingança (tamaḥ). Mas isso não era tamaḥ, pois Nārada Muni, em pleno conhecimento do que era bom para os dois irmãos, sabiamente pensou na maneira de curá-los. Os vaiṣṇavas são bons médicos. Eles sabem como proteger alguém da doença material. Assim, eles nunca estão em tamo-guṇa. Sa guṇān samatītyaitān brahma-bhūyāya kalpate. (Bhagavad-gītā 14.26) Os vaiṣṇavas estão sempre situados na plataforma transcendental, na plataforma Brahman. Não é possível que se sujeitem a erros ou à influência dos modos da natureza material. Tudo o que fazem, após estudar muito bem o caso, destina-se simplesmente a levar todos de volta ao lar, de volta ao Supremo.

Texto

yad imau loka-pālasya
putrau bhūtvā tamaḥ-plutau
na vivāsasam ātmānaṁ
vijānītaḥ sudurmadau
ato ’rhataḥ sthāvaratāṁ
syātāṁ naivaṁ yathā punaḥ
smṛtiḥ syān mat-prasādena
tatrāpi mad-anugrahāt
vāsudevasya sānnidhyaṁ
labdhvā divya-śarac-chate
vṛtte svarlokatāṁ bhūyo
labdha-bhaktī bhaviṣyataḥ

Sinônimos

yat — porque; imau — esses dois jovens semideuses; loka-pālasya — do grande semideus Kuvera; putrau — nascidos como filhos; bhūtvā — sendo assim (eles não deveriam agir dessa maneira); tamaḥ-plutau — tão absortos no modo da escuridão; na — não; vivāsasam — sem nenhuma roupa, inteiramente nus; ātmānam — seus corpos pessoais; vi­jānītaḥ — podiam entender que estavam nus; su-durmadau — porque eram muito caídos devido ao falso orgulho; ataḥ — portanto; arhataḥ — eles merecem; sthāvaratām — imobilidade como a de uma árvore; syātām — eles podem tornar-se; na — não; evam — dessa maneira; yathā — como; punaḥ — novamente; smṛtiḥ — lembrança; syāt — possa continuar; mat-prasādena — por minha misericórdia; tatra api — mais do que isso; mat-anugrahāt — por meu favor especial; vāsudevasya — da Suprema Personalidade de Deus; sānnidhyam — a associação pessoal, face a face; labdhvā — obtendo; divya-śarat-śate vṛtte — após expirarem cem anos de acordo com o cálculo feito pelos semideuses; svarlokatām — o desejo de viver no mundo celestial; bhūyaḥ — novamente; labdha-bhaktī — tendo revivido sua condição natural de serviço devocional; bhaviṣyataḥ — se tornarão.

Tradução

Esses dois jovens, Nalakūvara e Maṇigrīva, têm a fortuna de serem os filhos do grande semideus Kuvera, mas, devido ao falso prestígio e à insanidade causada pela bebida que ingeriram, tornaram-se tão caídos que, mesmo estando nus, não conseguem entender que se en­contram nesse estado. Portanto, porque estão vivendo como árvo­res (pois as árvores são nuas, mas não têm consciência disso), esses dois jovens devem receber corpos de árvores. Essa será a punição adequada. Entretanto, depois que eles se tornarem árvores e até se libertarem, por minha misericórdia se lembrarão de suas ativida­des pecaminosas passadas. Ademais, através de meu favor especial, quando expirarem cem anos de acordo com o cálculo dos semideuses, eles serão capazes de ver a Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva, face a face, e assim reviverão suas verdadeiras po­sições de devotos.

Comentário

SIGNIFICADO—Uma árvore não tem consciência: Quando cortada, ela não sente dor. Mas Nārada Muni queria que a consciência de Nalakūvara e Maṇigrīva continuasse, para que, mesmo quando libertos da vida de árvore, eles não se esquecessem das circunstâncias nas quais foram punidos. Portanto, para conceder-lhes um favor especial, Nārada Muni arranjou as coisas de tal maneira que, uma vez libertos, eles fossem capazes de ver Kṛṣṇa em Vṛndāvana e, dessa maneira, reviver sua bhakti adormecida.

Cada dia dos semideuses no sistema planetário superior corresponde a um período de seis dos nossos meses. Embora estejam apegados ao gozo material, todos os semideuses no sistema planetário supe­rior são devotos e, portanto, chamam-se semideuses. Existem duas categorias de pessoas, a saber, os devas e os asuras. Os asuras se es­quecem de sua relação com Kṛṣṇa (āsuraṁ bhāvam āśritāḥ), ao passo que os devas não se esquecem.

dvau bhūta-sargau loke ’smin
daiva āsura eva ca
viṣṇu-bhaktaḥ smṛto daiva
āsuras tad-viparyayaḥ

(Padma Purāṇa)

Eis a diferença entre um devoto puro e um devoro karma-miśra: O devoto puro não deseja nada para o gozo material, mas o devo­to misto torna-se devoto a fim de ser um desfrutador de primeira classe deste mundo material. Alguém que, através do serviço devocional, está em contato direto com a Suprema Personalidade de Deus, perma­nece puro, não contaminado pelos desejos materiais (anyābhilāṣitā-śūnyaṁ jñāna-karmādy-anāvṛtam).

Através de karma-miśra-bhakti, a pessoa eleva-se ao reino celestial; através de jñāna-miśra-bhakti, é possível imergir na refulgência Brahman, e através de yoga-miśra-bhakti, consegue-se compreender a onipotência da Suprema Personalidade de Deus. Mas bhakti pura não depende de karma, jñāna ou yoga, pois ela simplesmente con­siste em atividades amorosas. A liberação alcançada pelo bhakta, portanto, que não se chama exatamente mukti, mas vimukti, ultrapassa as outras cinco classes de liberação – sāyujya, sārūpya, sālokya, sārṣṭi e sāmīpya. O devoto puro sempre se ocupa em serviço puro (ānukūlyena kṛṣṇānuśīlanaṁ bhaktir uttamā). Nascer em um sis­tema planetário superior como um semideus é uma oportunidade de tornar-se um devoto mais purificado e voltar ao lar, voltar ao Supremo. Através dessa aparente maldição, Nārada Muni indireta­mente concedeu a Maṇigrīva e Nalakūvara a melhor oportunidade.

Texto

śrī-śuka uvāca
evam uktvā sa devarṣir
gato nārāyaṇāśramam
nalakūvara-maṇigrīvāv
āsatur yamalārjunau

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī continuou a falar; evam uktvā — assim proferindo; saḥ — ele; devarṣiḥ — a maior pessoa santa, Nārada; gataḥ — deixou aquele lugar; nārāyaṇa-āśramam — para seu próprio āśrama, conhecido como Nārāyaṇa-āśrama; nalakūvara — Nalakūvara; maṇigrīvau — e Maṇigrīva; āsatuḥ — permaneceram lá para se tornarem; yamala-arjunau — árvores gêmeas arjuna.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Tendo falado essas palavras, o grande santo Devarṣi Nārada retornou ao seu āśrama, conhecido como Nārāyaṇa-āśrama, e Nalakūvara e Maṇigrīva tornaram-se ár­vores gêmeas arjuna.

Comentário

SIGNIFICADO—As árvores arjuna ainda são encontradas em muitas florestas, e sua casca é usada pelos cardiologistas para prepararem remédio contra problemas cardíacos. Isso significa que, muito embora sejam árvo­res, as pessoas incomodam-nas, descascando-as em prol da ciência médica.

Texto

ṛṣer bhāgavata-mukhyasya
satyaṁ kartuṁ vaco hariḥ
jagāma śanakais tatra
yatrāstāṁ yamalārjunau

Sinônimos

ṛṣeḥ — do grande sábio e santo Nārada; bhāgavata-mukhyasya — do mais elevado de todos os devotos; satyam — verazes; kartum — para provar; vacaḥ — suas palavras; hariḥ — a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa; jagāma — foi até lá; śanakaiḥ — muito vagarosamente; tatra — lá; yatra — para o lugar onde; āstām — havia; yamala-arjunau — as árvores gêmeas arjuna.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, para honrar a veracidade das palavras do maior devoto, Nārada, dirigiu-Se vagarosamente ao local onde estavam as árvores gêmeas arjuna.

Texto

devarṣir me priyatamo
yad imau dhanadātmajau
tat tathā sādhayiṣyāmi
yad gītaṁ tan mahātmanā

Sinônimos

devarṣiḥ — o grande santo Devarṣi Nārada; me — Meu; priya-tamaḥ — devoto amadíssimo; yat — embora; imau — essas duas pessoas (Nalakūvara e Maṇigrīva); dhanada-ātmajau — nascidos de pai rico e não sendo devotos; tat — as palavras de Devarṣi; tathā — exatamente assim; sādhayiṣyāmi — executarei (porque ele queria que Eu ficasse face a face com o yamala-arjuna, assim procederei); yat gītam — como já se afirmou; tat — isto; mahātmanā — por Nārada Muni.

Tradução

“Embora esses dois jovens sejam os filhos do riquíssimo Kuvera e Eu não tenha qualquer conexão com eles, Devarṣi Nārada é Meu queridíssimo e afetuoso devoto, e, portanto, porque ele desejou que Eu fique face a face com eles, devo proceder dessa maneira para que eles se li­bertem.”

Comentário

SIGNIFICADO—Nalakūvara e Maṇigrīva, na verdade, nada tinham a ver com o ser­viço devocional e nem lhes passou pela cabeça ver a Suprema Personalidade de Deus face a face, pois essa não é uma oportunidade rotineira. Ninguém deve pensar que, só porque alguém é muito rico ou erudito, ou nasceu em família aristocrática, será capaz de ver a Suprema Personalidade de Deus face a face. Isso é impossível. Mas neste caso, porque Nārada Muni desejava que Nalakūvara e Maṇigrīva vissem Vasudeva face a face, a Suprema Personalidade de Deus quis honrar as palavras de Seu queridíssimo devoto Nārada Muni. Se alguém busca o favor de um devoto em vez de pedir diretamente favores à Suprema Personalidade de Deus, ele tem êxito muito facilmente. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura, portanto, recomenda: vaiṣṇava ṭhākura tomāra kukkura bhuliyā jānaha more, kṛṣṇa se tomāra kṛṣṇa dite pāra. Quanto a seguir estritamente um devoto, a pessoa deve desejar tornar-se como um cão. Kṛṣṇa está nas mãos do devoto. Adurlabham ātma-bhaktau. Assim, sem o favor de um devoto, ninguém pode aproximar-se diretamente de Kṛṣṇa, e muito menos ocupar-se em Seu serviço. Narottama Dāsa Ṭhākura, portanto, canta, chāḍiyā vaiṣṇava-sevā nistāra pāyeche kebā: A menos que alguém se torne servo de um devoto puro, ele não poderá liber­tar-se da condição de vida material. Em nossa sociedade gauḍīya-vaiṣṇava, seguindo os passos de Rūpa Gosvāmī, nossa primeira ati­tude é buscar refúgio em um mestre espiritual genuíno (ādau gurv-āśrayaḥ).

Texto

ity antareṇārjunayoḥ
kṛṣṇas tu yamayor yayau
ātma-nirveśa-mātreṇa
tiryag-gatam ulūkhalam

Sinônimos

iti — assim decidindo; antareṇa — entre; arjunayoḥ — as duas árvo­res arjuna; kṛṣṇaḥ tu — o Senhor Kṛṣṇa; yamayoḥ yayau — passou entre as duas árvores; ātma-nirveśa-mātreṇa — logo que Ele passou (entre as duas árvores); tiryak — virado; gatam — assim ficou; ulūkha­lam — o grande pilão próprio para moer especiarias.

Tradução

Tendo falado essas palavras, Kṛṣṇa logo passou entre as duas árvores arjuna, e o grande pilão ao qual estava preso virou de lado e as atingiu.

Texto

bālena niṣkarṣayatānvag ulūkhalaṁ tad
dāmodareṇa tarasotkalitāṅghri-bandhau
niṣpetatuḥ parama-vikramitātivepa-
skandha-pravāla-viṭapau kṛta-caṇḍa-śabdau

Sinônimos

bālena — pelo menino Kṛṣṇa; niṣkarṣayatā — que estava arrastando; anvak — logo atrás de Kṛṣṇa, que o arrastava; ulūkhalam — o pilão de madeira; tat — este; dāma-udareṇa — por Kṛṣṇa, que estava amar­rado pela barriga; tarasā — com muita força; utkalita — arrancou; aṅghri-bandhau — as raízes das duas árvores; niṣpetatuḥ — caíram; parama-vikramita — pelo poder supremo; ati-vepa — tremendo muito; skandha — tronco; pravāla — ramos de folhas; viṭapau — aquelas duas árvores, juntamente com seus galhos; kṛta — tendo feito; caṇḍa-śabdau — um som estrondoso.

Tradução

Arrastando fortemente atrás de Si o pilão de madeira amarrado à Sua barriga, o menino Kṛṣṇa arrancou as duas árvores. Sob a ação da grande força da Pessoa Suprema, as duas árvores, com seus troncos, folhas e galhos, tremeram muito e caíram ao chão, fazendo um grande barulho.

Comentário

SIGNIFICADO—Este passatempo de Kṛṣṇa é conhecido como dāmodara-līlā. Por­tanto, outro nome de Kṛṣṇa é Dāmodara. Como se afirma no Hari-vaṁśa:

sa ca tenaiva nāmnā tu
kṛṣṇo vai dāma-bandhanāt
goṣṭhe dāmodara iti
gopībhiḥ parigīyate

Texto

tatra śriyā paramayā kakubhaḥ sphurantau
siddhāv upetya kujayor iva jāta-vedāḥ
kṛṣṇaṁ praṇamya śirasākhila-loka-nāthaṁ
baddhāñjalī virajasāv idam ūcatuḥ sma

Sinônimos

tatra — lá, no mesmo lugar onde as duas árvores arjuna caíram; śriyā — com embelezamento; paramayā — sobre-excelente; kakubhaḥ — todas as direções; sphurantau — iluminando com a refulgência; siddhau — duas pessoas perfeitas; upetya — emergindo então; kujayoḥ — do meio das duas árvores; iva — como; jāta-vedāḥ — o fogo personifica­do; kṛṣṇam — ao Senhor Kṛṣṇa; praṇamya — oferecendo reverências; śirasā — com a cabeça; akhila-loka-nātham — a Pessoa Suprema, o controlador de tudo; baddha-añjalī — de mãos postas; virajasau — inteiramente livres do modo da ignorância; idam — as seguintes palavras; ūcatuḥ sma — proferiram.

Tradução

Em seguida, naquele mesmo lugar onde as duas árvores arjuna caíram, duas grandes e exímias personalidades, que pareciam o fogo personificado, emergiram das duas árvores. A refulgência da beleza deles iluminava todas as direções. Curvando suas cabeças, ofereceram reverências a Kṛṣṇa, e, de mãos postas, proferiram as seguintes palavras.

Texto

kṛṣṇa kṛṣṇa mahā-yogiṁs
tvam ādyaḥ puruṣaḥ paraḥ
vyaktāvyaktam idaṁ viśvaṁ
rūpaṁ te brāhmaṇā viduḥ

Sinônimos

kṛṣṇa kṛṣṇa — ó Senhor Kṛṣṇa, ó Senhor Kṛṣṇa; mahā-yogin — ó mestre do misticismo; tvam — Vós, a grandiosa personalidade; ādyaḥ — a causa fundamental de tudo; puruṣaḥ — a Pessoa Suprema; paraḥ — situado além desta criação material; vyakta-avyaktam — esta manifestação cósmica material, consistindo em causa e efeito, ou em formas grosseiras e sutis; idam — isto; viśvam — o mundo inteiro; rūpam — forma; te — Vossa; brāhmaṇāḥ — os brāhmaṇas eruditos; viduḥ — sabem.

Tradução

Ó Senhor Kṛṣṇa, Senhor Kṛṣṇa, Vosso opulento misticismo é inconcebível. Sois a pessoa suprema e original, a causa de todas as causas, imediata e remota, e estais além desta criação material. Os brāhmaṇas eruditos sabem [com base na declaração védica sarvaṁ khalv idaṁ brahma] que sois tudo e que esta manifestação cósmica, em seus aspectos grosseiro e sutil, é uma de Vossas formas.

Comentário

SIGNIFICADO—Os dois semideuses, Nalakūvara e Maṇigrīva, devido à sua memó­ria ininterrupta, puderam, pela graça de Nārada, entender a suprema­cia de Kṛṣṇa. Agora, eles admitiram: “Que fôssemos libertos através das bênçãos de Nārada Muni era tudo Vosso plano. Portanto, sois o místico supremo. Conheceis tudo – passado, presente e futuro. Vosso plano foi tão bem elaborado que, embora permanecêssemos aqui como árvores gêmeas arjuna, aparecestes como um menininho para libertar-nos. Tudo isso foi Vosso arranjo inconcebível. Como sois a Pessoa Suprema, podeis fazer tudo.”

Texto

tvam ekaḥ sarva-bhūtānāṁ
dehāsv-ātmendriyeśvaraḥ
tvam eva kālo bhagavān
viṣṇur avyaya īśvaraḥ
tvaṁ mahān prakṛtiḥ sūkṣmā
rajaḥ-sattva-tamomayī
tvam eva puruṣo ’dhyakṣaḥ
sarva-kṣetra-vikāra-vit

Sinônimos

tvam — Vossa Onipotência; ekaḥ — único; sarva-bhūtānām — de todas as entidades vivas; deha — do corpo; asu — da força vital; ātma — da alma; indriya — dos sentidos; īśvaraḥ — a Superalma, o controla­dor; tvam — Vossa Onipotência; eva — na verdade; kālaḥ — o fator tempo; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; viṣṇuḥ — oni­penetrante; avyayaḥ — imperecível; īśvaraḥ — controlador; tvam — Vossa Onipotência; mahān — o maior; prakṛtiḥ — a manifestação cós­mica; sūkṣmā — sutil; rajaḥ-sattva-tamaḥ-mayī — consistindo nos três modos da natureza (paixão, bondade e ignorância); tvam eva — Vossa Onipotência é de fato; puruṣaḥ — a Pessoa Suprema; adhyakṣaḥ — o proprietário; sarva-kṣetra — em todas as entidades vivas; vikāra-vit — conhecendo a mente inquieta.

Tradução

Sois a Suprema Personalidade de Deus, o controlador de tudo. O corpo, a vida, o ego e os sentidos de todas as entidades vivas são Vosso próprio eu. Sois a Pessoa Suprema, Viṣṇu, o controlador imperecível. Sois o fator tempo, a causa imediata, e sois a natureza material, que consiste nos três modos – paixão, bondade e ignorância. Sois a causa que origina esta manifestação material. Sois a Su­peralma e, portanto, conheceis tudo o que existe no âmago do coração de toda entidade viva.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrīpāda Madhvācārya apresenta a seguinte citação do Vāmana Purāṇa:

rūpyatvāt tu jagad rūpaṁ
viṣṇoḥ sākṣāt sukhātmakam
nitya-pūrṇaṁ samuddiṣṭaṁ
svarūpaṁ paramātmanaḥ

Texto

gṛhyamāṇais tvam agrāhyo
vikāraiḥ prākṛtair guṇaiḥ
ko nv ihārhati vijñātuṁ
prāk siddhaṁ guṇa-saṁvṛtaḥ

Sinônimos

gṛhyamāṇaiḥ — aceitando o corpo feito de natureza material como existente no momento atual por ser visível; tvam — Vós; agrāhyaḥ — não confinado em um corpo feito de natureza material; vikāraiḥ — agitado pela mente; prākṛtaiḥ guṇaiḥ — pelos modos da natureza material (sattva-guṇa, rajo-guṇa e tamo-guṇa); kaḥ — quem é esse; nu — depois disso; iha — neste mundo material; arhati — que merece; vijñātum — saber; prāk siddham — aquilo que existia antes da criação; guṇa-saṁvṛtaḥ — por estar coberto por qualidades materiais.

Tradução

Ó Senhor, existis antes da criação. Portanto, quem neste mundo material, aprisionado em um corpo feito de qualidades materiais, pode entender-Vos?

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma:

ataḥ śrī-kṛṣṇa-nāmādi
na bhaved grāhyam indriyaiḥ
sevonmukhe hi jihvādau
svayam eva sphuraty adaḥ

(Bhakti-rasāmṛta-sindhu 1.2.234)

O nome, os atributos e a forma de Kṛṣṇa são a Verdade Absoluta, existindo antes da criação. Portanto, como podem aqueles que são criados – isto é, aqueles aprisionados em corpos criados de elemen­tos materiais – entender Kṛṣṇa perfeitamente? Isso não é possível. Contudo, sevonmukhe hi jihvādau svayam eva sphuraty adaḥ: Kṛṣṇa re­vela-Se àqueles ocupados em serviço devocional. Isso também é con­firmado na Bhagavad-gītā (18.55) pelo próprio Senhor: bhaktyā mām abhijānāti. Mesmo as descrições acerca de Kṛṣṇa contidas no Śrīmad-Bhāgavatam às vezes são deturpadas por homens menos in­teligentes e com um pobre fundo de conhecimento. Portanto, a melhor maneira de conhecê-lO é ocupar-se em atividades devocio­nais puras. Quanto mais alguém avança em atividades devocionais, mais pode entendê-lO como Ele é. Se da plataforma material alguém pudesse entender Kṛṣṇa, então, como Kṛṣṇa é tudo (sarvaṁ khalv idaṁ brahma), seria possível entender Kṛṣṇa vendo qualquer coisa deste mundo material. Mas isso não é possível.

mayā tatam idaṁ sarvaṁ
jagad avyakta-mūrtinā
mat-sthāni sarva-bhūtāni
na cāhaṁ teṣv avasthitaḥ

Tudo repousa em Kṛṣṇa, e tudo é Kṛṣṇa, mas isso não pode ser compreendido por pessoas situadas na plataforma material.

Texto

tasmai tubhyaṁ bhagavate
vāsudevāya vedhase
ātma-dyota-guṇaiś channa-
mahimne brahmaṇe namaḥ

Sinônimos

tasmai — (porque não podeis ser compreendido a partir da platafor­ma material, simplesmente oferecemos reverências) a Ele; tubhyam — a Vós; bhagavate — à Suprema Personalidade de Deus; vāsudevāya — a Vāsudeva, a origem de Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Aniruddha; vedhase — à origem da criação; ātma-dyota-guṇaiḥ channa-mahimne — a Vós, cujas glórias estão cobertas por Vossa energia pessoal; brahmaṇe — ao Brahman Supremo; namaḥ — nossas respeitosas reverências.

Tradução

Ó Senhor, cujas glórias estão cobertas por Vossa própria energia, sois a Suprema Personalidade de Deus. Sois Saṅkarṣaṇa, a origem da criação, e sois Vāsudeva, a origem do caturvyūha. Porque sois tudo e sois, portanto, o Brahman Supremo, só nos resta oferecer-­Vos nossas respeitosas reverências.

Comentário

SIGNIFICADO—Em vez de tentarmos entender Kṛṣṇa minuciosamente, é melhor oferecermos-Lhe nossas respeitosas reverências, pois Ele é a origem de tudo e Ele é tudo. Porque estamos cobertos pelos modos da natu­reza material, é-nos muito difícil entendê-lO, a menos que Ele Se revele a nós. Portanto, o melhor que temos a fazer é reconhecer que Ele é tudo e oferecer reverências aos Seus pés de lótus.

Texto

yasyāvatārā jñāyante
śarīreṣv aśarīriṇaḥ
tais tair atulyātiśayair
vīryair dehiṣv asaṅgataiḥ
sa bhavān sarva-lokasya
bhavāya vibhavāya ca
avatīrṇo ’ṁśa-bhāgena
sāmprataṁ patir āśiṣām

Sinônimos

yasya — de quem; avatārāḥ — as diferentes encarnações, tais como Matsya, Kūrma e Varāha; jñāyante — são consideradas; śarīreṣu — em diferentes corpos, diferentemente visíveis; aśarīriṇaḥ — eles não são corpos materiais comuns, mas são todos transcendentais; taiḥ taiḥ — através dessas atividades corpóreas; atulya — incomparáveis; ati-­śayaiḥ — ilimitados; vīryaiḥ — pela força e pelo poder; dehiṣu — por aqueles que de fato têm corpos materiais; asaṅgataiḥ — essas ativi­dades que, realizadas em diferentes encarnações, são impossíveis de serem executadas; saḥ — o mesmo Supremo; bhavān — Vossa Onipo­tência; sarva-lokasya — de todos; bhavāya — para a elevação; vibha­vāya — para a libertação; ca — e; avatīrṇaḥ — agora aparecestes; aṁśa-bhāgena — em plena potência, com diferentes partes integrantes; sāmpratam — no momento atual; patiḥ āśiṣām — sois a Suprema Personalidade de Deus, o mestre de toda a prosperidade.

Tradução

Aparecendo em corpos como os de um peixe, tartaruga e javali comuns, manifestais atividades impossíveis de serem realizadas por essas criaturas – atividades extraordinárias, incomparáveis, trans­cendentais, nas quais há poder e força ilimitados. Esses Vossos corpos, portanto, não são feitos de elementos materiais, senão que são encarnações de Vossa Personalidade Suprema. Sois a mesma Suprema Per­sonalidade de Deus que agora apareceu com plena potência para o benefício de todas as entidades vivas deste mundo material.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma na Bhagavad-gītā (4.7-8):

yadā yadā hi dharmasya
glānir bhavati bhārata
abhyutthānam adharmasya
tadātmānaṁ sṛjāmy aham
paritrāṇāya sādhūnāṁ
vināśāya ca duṣkṛtām
dharma-saṁsthāpanārthāya
sambhavāmi yuge yuge

Kṛṣṇa aparece como uma encarnação quando a verdadeira vida espiri­tual declina e quando aumenta o número de ladrões e assaltantes que perturbam a situação do mundo. As pessoas desafortunadas e menos inteligentes, desprovidas de serviço devocional, não podem entender as atividades do Senhor, daí essas pessoas descre­verem essas atividades como kalpanā – mitologia ou imaginação. Fazem isso porque são patifes e os mais baixos dos homens (na māṁ duṣkṛtino mūḍhāḥ prapadyante narādhamāḥ). Tais homens não podem enten­der que os eventos que Vyāsadeva descreve nos Purāṇas e em outros śāstras não são fictícios ou imaginários, mas reais.

Kṛṣṇa, em Sua plena potência ilimitada, mostra nesta passagem que Ele é a Suprema Personalidade de Deus, pois, embora as duas árvores fossem tão grandes e largas que nem mesmo muitos elefantes poderiam movê-las, Kṛṣṇa, como uma criança, manifestou uma força tão extraordinária que elas caíram, produzindo um estrondo. Desde o começo, ao matar Pūtanā, Śakaṭāsura e Tṛṇāvartāsura, ao fazer com que as árvores caíssem e ao mostrar todo o universo dentro de Sua boca, Kṛṣṇa provou que Ele é a Suprema Personalidade de Deus. Os mais baixos dos homens (mūḍhas), devido às atividades pecaminosas, não podem entender isso, mas os devotos não hesitam em aceitar. Logo, a posição do devoto é diferente daquela do não-devoto.

Texto

namaḥ parama-kalyāṇa
namaḥ parama-maṅgala
vāsudevāya śāntāya
yadūnāṁ pataye namaḥ

Sinônimos

namaḥ — oferecemos, portanto, nossas respeitosas reverências; parama-kalyāṇa — sois o sucesso supremo; namaḥ — nossas respeitosas reverências a Vós; parama-maṅgala — tudo o que fazeis é bom; vāsudevāya — à original Personalidade de Deus, Vāsudeva; śāntāya — à pessoa mais pacífica; yadūnām — da dinastia Yadu; pataye — ao controlador; namaḥ — nossas respeitosas reverências a Vós.

Tradução

Ó sumamente auspicioso, oferecemos nossas respeitosas reverências a Vós, que sois o bem supremo. Ó famosíssimo descendente e controlador da dinastia Yadu, ó filho de Vasudeva, ó pessoa mais pacífica, deixai-nos oferecer nossas reverências a Vossos pés de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra parama-kalyāṇa é significativa porque Kṛṣṇa, em qualquer de Suas encarnações, aparece para proteger os sādhus (paritrāṇāya sādhūnām). Os sādhus, pessoas santas ou devotos, sempre são afli­gidos pelos não-devotos, e, em Suas encarnações, Kṛṣṇa aparece para proporcionar-lhes alívio. Essa é a Sua principal preocupação. Se estudarmos a biografia de Kṛṣṇa, veremos que, na maior parte de Sua vida, Ele Se ocupa predominantemente em matar demônios, um após o outro.

Texto

anujānīhi nau bhūmaṁs
tavānucara-kiṅkarau
darśanaṁ nau bhagavata
ṛṣer āsīd anugrahāt

Sinônimos

anujānīhi — que se nos permita; nau — nós; bhūman — ó grandiosa forma universal; tava anucara-kiṅkarau — por sermos servos de Vosso devoto mais íntimo, Nārada Muni; darśanam — ver pessoalmente; nau — de nós; bhagavataḥ — de Vós, a Suprema Personalidade de Deus; ṛṣeḥ — do grande santo Nārada; āsīt — havia (sob a forma de uma maldição); anugrahāt — da misericórdia.

Tradução

Ó forma suprema, somos sempre servos dos Vossos servos, especialmente de Nārada Muni. Agora, permiti-nos partir para o nosso lar. Foi graças à misericórdia de Nārada Muni que tivemos a oportunidade de ver-Vos face a face.

Comentário

SIGNIFICADO—A menos que seja abençoado ou liberto por um devo­to, ninguém poderá compreender que Kṛṣṇa é a Suprema Personali­dade de Deus. Manuṣyāṇāṁ sahasreṣu kaścid yatati siddhaye. De acordo com esse verso da Bhagavad-gītā (7.3), existem muitos siddhas ou yogīs que não podem entender Kṛṣṇa; em verdade, eles não O distinguem muito bem. Mas se alguém se refugia em um devoto que faz parte do sistema paramparā de Nārada (svayambhūr nāradaḥ śambhuḥ), ele pode entender quem é uma encarnação da Su­prema Personalidade de Deus. Nesta era, aceitam-se muitas falsas ­encarnações simplesmente por elas terem exibido alguns truques de mágica. Porém, à exceção das pessoas que servem Nārada e outros servos de Kṛṣṇa, ninguém pode entender quem é Deus e quem não o é. Confirma isso Narottama Dāsa Ṭhākura. Chāḍiyā vaiṣṇava-sevā nistāra pāyeche kebā: Somente se liberta do conceito de vida material quem é favorecido por um vaiṣṇava. Outros nunca podem situar-se em verdadeira compreensão, nem através da especulação, nem recorrendo a alguma outra ginástica corpórea ou mental.

Texto

vāṇī guṇānukathane śravaṇau kathāyāṁ
hastau ca karmasu manas tava pādayor naḥ
smṛtyāṁ śiras tava nivāsa-jagat-praṇāme
dṛṣṭiḥ satāṁ darśane ’stu bhavat-tanūnām

Sinônimos

vāṇī — palavras, o poder da fala; guṇa-anukathane — sempre ocupa­das em falar sobre Vossos passatempos; śravaṇau — o ouvido, ou recepção auditiva; kathāyām — nas conversas sobre Vós e Vossos passatempos; hastau — mãos e pernas e outros sentidos; ca — também; karmasu — ocupando-os em executar Vossa missão; manaḥ — a mente; tava — Vossa; pādayoḥ — de Vossos pés de lótus; naḥ — nossa; smṛtyām — na lembrança, sempre ocupada na meditação; śiraḥ — a cabe­ça; tava — Vossa; nivāsa-jagat-praṇāme — porque sois onipenetrante, sois tudo, e nossas cabeças devem curvar-se, e não ficar buscando desfrute; dṛṣṭiḥ — o poder da visão; satām — dos vaiṣṇavas; darśane — em ver; astu — que todos se ocupem dessa maneira; bhavat-tanūnām — que não são diferentes de Vós.

Tradução

Doravante, que todas as nossas palavras descrevam Vossos passatempos; que nossos ouvidos se ocupem em escutar Vossas glórias; que nossas mãos, pernas e demais sentidos se ocupem em ações agradáveis a Vós, e que nossa mente sempre pense em Vossos pés de lótus. Que nossas cabeças ofereçam reverências a tudo dentro deste mundo, porque todas as coisas também são Vossas diferentes formas, e que nossos olhos possam ver as formas dos vaiṣṇavas, que não são diferentes de Vós.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui, apresenta-se o processo pelo qual alguém pode entender a Suprema Personalidade de Deus. Esse processo é bhakti.

śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ
smaraṇaṁ pāda-sevanam
arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ
sakhyam ātma-nivedanam

Deve-se ocupar tudo no serviço ao Senhor. Hṛṣīkeṇa hṛṣīkeśa-sevanaṁ bhaktir ucyate. (Nārada-pañcarātra) Tudo – a mente, o corpo e todos os órgãos dos sentidos – deve ser ocupado no serviço a Kṛṣṇa. Deve-se aprender isso com devotos hábeis como Nārada, Svayambhū e Śambhu. Esse é o processo. Não podemos inventar nosso próprio processo de compreender a Suprema Personalidade de Deus, pois não se deve supor que qualquer coisa que fabriquemos ou in­ventemos nos levará a entender Deus. Semelhante proposta – yata mata, tata patha – é tola. Kṛṣṇa diz que bhaktyāham ekayā grāhyaḥ: “Somente executando atividades de bhakti é que alguém pode entender-Me.” (Śrīmad-Bhāgavatam 11.14.21) Isso se chama ānukūlyena kṛṣṇānuśīlanam, permanecer ocupado favoravelmente no serviço ao Senhor.

Texto

śrī-śuka uvāca
itthaṁ saṅkīrtitas tābhyāṁ
bhagavān gokuleśvaraḥ
dāmnā colūkhale baddhaḥ
prahasann āha guhyakau

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī continuou a falar; ittham — dessa maneira, como foi dito antes; saṅkīrtitaḥ — sendo glorificado e louvado; tābhyām — pelos dois jovens semideuses; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; gokula-īśvaraḥ — o senhor de Go­kula (porque Ele é sarva-loka-maheśvara); dāmnā — pela corda; ca — também; ulūkhale — ao pilão de madeira; baddhaḥ — amarrado; prahasan — sorrindo; āha — disse; guhyakau — aos dois jovens semideuses.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī continuou: Então, os dois jovens semideuses oferece­ram essas orações à Suprema Personalidade de Deus. Embo­ra seja o mestre de tudo e decerto fosse Gokuleśvara, o senhor de Gokula, Śrī Kṛṣṇa, a Divindade Suprema, estava amarrado ao pilão de madeira pela corda das gopīs, e, portanto, com um largo sorriso, Ele falou aos filhos de Kuvera as seguintes palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—Kṛṣṇa sorria porque pensava conSigo mesmo: “Esses dois jovens semideuses do sistema planetário superior caíram neste planeta, e Eu os libertei do cativeiro que os forçou a permanecerem por um longo tempo como árvores, mas, quanto a Mim, estou amarrado pelas cordas das gopīs e sujeito ao castigo delas.” Em outras palavras, Kṛṣṇa aceita ser amarrado e castigado pelas cordas devido ao amor e afeição puros e louváveis de muitas maneiras por parte dos devotos.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
jñātaṁ mama puraivaitad
ṛṣiṇā karuṇātmanā
yac chrī-madāndhayor vāgbhir
vibhraṁśo ’nugrahaḥ kṛtaḥ

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Suprema Personalidade de Deus disse; jñātam — tudo é conhecido; mama — por Mim; purā — no passado; eva — na verdade; etat — este incidente; ṛṣiṇā — pelo grande sábio Nārada; karuṇā-ātmanā — porque ele foi muitíssimo bondoso convosco; yat — os quais; śrī-mada-andhayoḥ — que buscáveis loucamente a opulência material e acabastes ficando cegos; vāgbhiḥ — pelas palavras ou pela maldição; vibhraṁśaḥ — caindo do planeta celestial para aqui vos tornardes árvores arjuna; anugrahaḥ kṛtaḥ — este foi um grande favor que ele vos fez.

Tradução

A Suprema Personalidade de Deus disse: O grande santo Nārada Muni é muito misericordioso. Através de sua maldição, ele mostrou o maior favor para ambos, que buscáveis loucamente a opulência material e acabastes ficando cegos. Embora tenhais caído do planeta superior Svargaloka e vos tornado árvores, fostes muito favorecidos por ele. Conheço todos esses incidentes desde o começo.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus acaba de confirmar que a maldição lançada por um devoto também deve ser considerada como misericórdia. Assim como Kṛṣṇa, Deus, é completamente bom, o vaiṣṇava também é completamente bom. Tudo o que ele faz é para o bem de todos. Isso é explicado no verso seguinte.

Texto

sādhūnāṁ sama-cittānāṁ
sutarāṁ mat-kṛtātmanām
darśanān no bhaved bandhaḥ
puṁso ’kṣṇoḥ savitur yathā

Sinônimos

sādhūnām — os devotos; sama-cittānām — que são equânimes para com todos; sutarām — excessivamente, por completo; mat-kṛta-­ātmanām — as pessoas que são plenamente rendidas, determinadas a prestar serviço a Mim; darśanāt — pelo simples fato de ouvir; no bhavet bandhaḥ — liberta-se de todo o cativeiro material; puṁsaḥ — de uma pessoa; akṣṇoḥ — dos olhos; savituḥ yathā — como pelo fato de estar face a face com o Sol.

Tradução

Quando alguém está face a face com o Sol, deixa de existir escuri­dão para seus olhos. Igualmente, quando alguém está face a face com um sādhu, um devoto, que é muito determinado e plenamente rendido à Suprema Personalidade de Deus, ele não se sujeita mais ao cativeiro material.

Comentário

SIGNIFICADO—Como afirma Caitanya Mahāprabhu (Caitanya-caritāmṛta, Madhya 22.54):

‘sādhu-saṅga,’ ‘sādhu-saṅga’ — sarva-śāstre kaya
lava-mātra sādhu-saṅge sarva-siddhi haya

Se alguém tem a sorte de encontrar um sādhu, um devoto, sua vida é imediatamente exitosa, e ele se livra do cativeiro material. Pode-­se argumentar que alguns talvez recebam um sādhu com muito respeito, mas outros podem não fazer o mesmo. O sādhu, entretanto, sempre é equânime com todos. Por ser um devoto puro, o sādhu sempre está disposto a dar a consciência de Kṛṣṇa sem discriminação. Logo que alguém vê um sādhu, automaticamente se torna livre. Contudo, as pessoas que são muito ofensivas, que cometem vaiṣṇava-aparādhas, ou ofensas a um sādhu, terão de esperar algum tempo para se retificarem. Isso também é indicado nesta passagem.

Texto

tad gacchataṁ mat-paramau
nalakūvara sādanam
sañjāto mayi bhāvo vām
īpsitaḥ paramo ’bhavaḥ

Sinônimos

tat gacchatam — agora podeis ambos retornar; mat-paramau — aceitando-Me como o destino supremo da vida; nalakūvara — ó Nalakūvara e Maṇigrīva; sādanam — para vosso lar; sañjātaḥ — estando saturados com; mayi — a Mim; bhāvaḥ — serviço devocional; vām — por vós; īpsitaḥ — que foi desejado; paramaḥ — supremo, máximo, sempre ocupados com todos os sentidos; abhavaḥ — do qual não se cai na existência material.

Tradução

Ó Nalakūvara e Maṇigrīva, agora podeis voltar para casa. Como desejais estar sempre absortos em Meu serviço devocional, vosso desejo de desenvolver amor e afeição por Mim será satisfeito, e agora nunca caireis dessa plataforma.

Comentário

SIGNIFICADO—A perfeição máxima da vida é chegar à plataforma de serviço devocional e sempre ocupar-se em atividades devocionais. Entendendo isso, Nalakūvara e Maṇigrīva desejaram alcançar essa plataforma, e a Suprema Personalidade de Deus os abençoou para que esse seu desejo transcendental fosse satisfeito.

Texto

śrī-śuka uvāca
ity uktau tau parikramya
praṇamya ca punaḥ punaḥ
baddholūkhalam āmantrya
jagmatur diśam uttarām

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; iti uktau — tendo recebido essa ordem da Suprema Personalidade de Deus; tau — Nalakūvara e Maṇigrīva; parikramya — circungirando; praṇamya — oferecendo reverências; ca — também; punaḥ punaḥ — repetidas vezes; baddha-ulūkhalam āmantrya — pedindo permissão à Suprema Personalidade de Deus, que estava amarrado ao pilão de madeira; jagmatuḥ — partiram; diśam uttarām — para seus respectivos destinos.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse: Tendo a Suprema Personalidade de Deus dirigido aos dois semideuses essas palavras, eles circungiraram o Senhor, que estava amarrado ao pilão de madeira, e ofereceram­-Lhe reverências. Após receberem a permissão do Senhor Kṛṣṇa, eles regressaram aos seus respectivos lares.

Comentário

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do décimo canto, décimo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado A Libertação das Árvores Yamala-arjuna”.