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CAPÍTULO OITO

Descrição do Caráter de Bharata Mahārāja

Embora fosse altamente elevado, Bharata Mahārāja caiu devido a seu apego a um filhote de veado. Certo dia, após tomar seu costumeiro banho no rio Gaṇḍakī e enquanto cantava seu mantra, ele viu uma veada grávida se aproximar do rio para beber água. Subitamente, ouviu-se o rugido atroador de um leão, e a veada ficou tão apavorada que de imediato deu à luz seu filhote. Em seguida, ela cruzou o rio, mas morreu logo em seguida. Mahārāja Bharata sentiu compaixão do filhote órfão de mãe, resgatou-o da água, levou-o para seu āśrama e cuidou dele com muita afeição. Pouco a pouco, ele se apegou a esse veadinho e sempre pensava carinhosamente nele. Conforme ele crescia, tornava-se o companheiro inseparável de Mahārāja Bharata, que sempre cuidava dele. Gradualmente, ele se absorveu tanto em pensar nesse veado que sua mente ficou agitada. À proporção que ele ficava cada vez mais apegado ao veado, seu serviço devocional arrefecia. Embora ele tivesse conseguido abandonar seu reino opulento, apegou-se ao veado. Assim, ele caiu de sua prática de yoga místico. Certa vez, quando o veado desaparecera, Mahārāja Bharata desesperou-se tão imensamente que se colocou a procurá-lo. Enquanto o buscava e se lamentava por não conseguir encontrar o animal, Mahārāja Bharata caiu e morreu. Como sua mente estava inteiramente absorta em pensar no veado, ele naturalmente renasceu do ventre de uma veada. No entanto, como desenvolvera considerável avanço espiritual, ele não se esqueceu de suas atividades passadas, muito embora estivesse no corpo de um veado. Ele podia entender como caíra de sua posição elevada e, lembrando-se disso, deixou sua mãe veada e novamente foi a Pulaha-āśrama. Por fim, chegou o período de ele, sob essa forma de veado, encerrar suas atividades fruitivas e, ao morrer, libertou-se do corpo de veado.

Texto

śrī-śuka uvāca
ekadā tu mahā-nadyāṁ kṛtābhiṣeka-naiyamikāvaśyako brahmākṣaram abhigṛṇāno muhūrta-trayam udakānta upaviveśa.

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; ekadā — certa vez; tu — mas; mahā-nadyām — no grande rio conhecido como Gaṇḍakī; kṛta-abhiṣeka-naiyamika-avaśyakaḥ — tendo-se banhado após terminar os deveres diários externos, tais como defecar, urinar e escovar os dentes; brahma-akṣaram — o praṇava-mantra (om); abhigṛṇānaḥ — cantando; muhūrta-trayam — por três minutos; udaka-ante — na margem do rio; upaviveśa — ele se sentou.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Meu querido rei, certo dia, após terminar seus deveres matinais – evacuar, urinar e banhar-se, Mahārāja Bharata se sentou na margem do rio Gaṇḍakī por alguns minutos e se colocou a cantar o seu mantra, que começa com o oṁkāra.

Texto

tatra tadā rājan hariṇī pipāsayā jalāśayābhyāśam ekaivopajagāma.

Sinônimos

tatra — à margem do rio; tadā — naquele momento; rājan — ó rei; hariṇī — uma veada; pipāsayā — devido à sede; jalāśaya-abhyāśam — perto do rio; eka — uma; eva — com certeza; upajagāma — chegou.

Tradução

Ó rei, enquanto Bharata Mahārāja estava sentado na margem daquele rio, uma veada, estando com muita sede, aproximou-se dali para beber água.

Texto

tayā pepīyamāna udake tāvad evāvidūreṇa nadato mṛga-pater unnādo loka-bhayaṅkara udapatat.

Sinônimos

tayā — pela veada; pepīyamāne — sendo bebida com muita satisfação; udake — a água; tāvat eva — naquele exato momento; avidūrena — bem próximo; nadataḥ — rugido; mṛga-pateḥ — de um leão; unnādaḥ — o barulho ensurdecedor; loka-bhayam-kara — muito atemorizante para todas as entidades vivas; udapatat — surgiu.

Tradução

Enquanto a veada bebia com muita satisfação, um leão, que estava ali bem perto, rugiu muito alto. Esse rugido, que amedrontou todas as entidades vivas, foi ouvido pela veada.

Texto

tam upaśrutya sā mṛga-vadhūḥ prakṛti-viklavā cakita-nirīkṣaṇā sutarām api hari-bhayābhiniveśa-vyagra-hṛdayā pāriplava-dṛṣṭir agata-tṛṣā bhayāt sahasaivoccakrāma.

Sinônimos

tam upaśrutya — ouvindo o som aterrador; — essa; mṛga-vadhūḥ — fêmea de um veado; prakṛti-viklavā — por natureza sempre temerosa de ser morta por outros; cakita-nirīkṣanā — tendo olhos vigilantes; sutarām api — quase imediatamente; hari — do leão; bhaya — do medo; abhiniveśa — pela entrada; vyagra-hṛdayā — cuja mente estava agitada; pāriplava-dṛṣṭiḥ — cujos olhos corriam de uma direção a outra; agata-tṛṣā — sem matar toda a sede; bhayāt — apavorada; sahasā — subitamente; eva — decerto; uccakrāma — cruzou o rio.

Tradução

Por natureza, a veada sempre temia ser morta por outros, e sempre olhava à sua volta suspeitando dos entornos. Ao ouvir o aterrador rugido do leão, ela ficou muito agitada. Com os olhos perturbados, que corriam de uma direção a outra, a veada, embora não tivesse matado toda a sua sede, subitamente disparou saltitante para o outro lado do rio.

Texto

tasyā utpatantyā antarvatnyā uru-bhayāvagalito yoni-nirgato garbhaḥ srotasi nipapāta.

Sinônimos

tasyāḥ — dela; utpatantyāḥ — com o esforço de pular; antarvatnyāḥ — tendo o ventre cheio; uru-bhaya — devido ao medo intenso; avagalitaḥ — tendo escapulido; yoni-nirgataḥ — saindo do ventre; garbhaḥ — o rebento; srotasi — na água corrente; nipapāta — caiu.

Tradução

A veada estava grávida, e, ao pular de medo, o filhote, deixando seu ventre, caiu nas águas correntes do rio.

Comentário

SIGNIFICADO—Existe toda possibilidade de uma mulher abortar ao sentir alguma emoção extática ou pavor. Portanto, as mulheres grávidas devem ser poupadas de todas essas influências externas.

Texto

tat-prasavotsarpaṇa-bhaya-khedāturā sva-gaṇena viyujyamānā kasyāñcid daryāṁ kṛṣṇa-sārasatī nipapātātha ca mamāra.

Sinônimos

tat-prasava — do parto prematuro daquele (veadinho); utsarpaṇa — de sair pulando para o outro lado do rio; bhaya — e do medo; kheda — pelo cansaço; āturā — aflita; sva-gaṇena — do grupo de veados; viyujyamānā — estando separada; kasyāñcit — em alguma; daryām — caverna de uma montanha; kṛṣṇa-sārasatī — a veada negra; nipapāta — caiu; atha — portanto; ca — e; mamāra — morreu.

Tradução

Estando separada de seu grupo e aflita pelo aborto, a veada negra, tendo cruzado o rio, estava muitíssimo angustiada. Com efeito, ela caiu em uma caverna e teve uma morte instantânea.

Texto

taṁ tv eṇa-kuṇakaṁ kṛpaṇaṁ srotasānūhyamānam abhivīkṣyāpaviddhaṁ bandhur ivānukampayā rājarṣir bharata ādāya mṛta-mātaram ity āśrama-padam anayat.

Sinônimos

tam — aquele; tu — mas; eṇa-kuṇakam — o veadinho; kṛpaṇam — desamparado; srotasā — pelas ondas; anūhyamānam — flutuando; abhivīkṣya — vendo; apaviddham — separado de seus próprios semelhantes; bandhuḥ iva — assim como um amigo; anukampayā — cheio de compaixão; rāja-ṛṣiḥ bharataḥ — o grande e santo rei Bharata; ādāya — pegando; mṛta-mātaram — que perdeu sua mãe; iti — com isso em mente; āśrama-padam — para o āśrama; anayat — levou.

Tradução

O grande rei Bharata, enquanto estava sentado na margem do rio, viu o veadinho, separado de sua mãe, sendo arrastado pelo rio. Notando isso, ele sentiu muita compaixão. Como um amigo sincero, ele retirou da correnteza o veadinho e, sabendo que ele estava sem mãe, levou-o para seu āśrama.

Comentário

SIGNIFICADO—As leis da natureza agem de maneiras sutis e por nós desconhecidas. Mahārāja Bharata era um grande rei, avançadíssimo em serviço devocional. Ele tinha quase chegado à fase de serviço amoroso ao Senhor Supremo, mas, mesmo nessa plataforma, ele ainda pôde cair na plataforma material. Na Bhagavad-gītā (2.15), portanto, adverte-se:

yaṁ hi na vyathayanty ete
puruṣaṁ puruṣarṣabha
sama-duḥkha-sukhaṁ dhīraṁ
so ’mṛtatvāya kalpate

“Ó melhor entre os homens [Arjuna], quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e permanece estável em ambas as circunstâncias, está certamente qualificada para a liberação.”

Salvação espiritual e ficar livre do cativeiro material devem ser buscados com muito zelo, ou um leve desvio fará com que a pessoa recaia na existência material. Estudando as atividades de Mahārāja Bharata, podemos aprender a arte de nos livrarmos por completo de todo o apego material. Como revelarão os versos posteriores, Bharata Mahārāja teve que aceitar o corpo de veado porque sentiu demasiada compaixão por aquele filhote de veado. Devemos mostrar nossa compaixão elevando as pessoas da plataforma material para a plataforma espiritual; caso contrário, a qualquer momento, nosso avanço espiritual pode se perder e poderemos cair na plataforma material. A compaixão que Mahārāja Bharata sentiu pelo veado foi o início de sua queda no mundo material.

Texto

tasya ha vā eṇa-kuṇaka uccair etasmin kṛta-nijābhimānasyāhar-ahas tat-poṣaṇa-pālana-lālana-prīṇanānudhyānenātma-niyamāḥ saha-yamāḥ puruṣa-paricaryādaya ekaikaśaḥ katipayenāhar-gaṇena viyujyamānāḥ kila sarva evodavasan.

Sinônimos

tasya — daquele rei; ha — na verdade; eṇa-kuṇake — no veadinho; uccaiḥ — grandemente; etasmin — neste; kṛta-nija-abhimānasya — que aceitou o veadinho como seu próprio filho; ahaḥ-ahaḥ — todo dia; tat-poṣana — mantendo aquele veadinho; pālana — protegendo contra os perigos; lālana — criando-o, ou demonstrando amor por ele, beijando-o e assim por diante; prīṇana — afagando-o com amor; anudhyānena — mediante esse apego; ātma-niyamāḥ — suas atividades pessoais para cuidar de seu corpo; saha-yamāḥ — com seus deveres espirituais, tais como não-violência, tolerância e simplicidade; puruṣā-paricaryā-ādayaḥ — adoração à Suprema Personalidade de Deus e realização de outros deveres; eka-ekaśaḥ — todos os dias; katipayena — com apenas alguns; ahaḥ-gaṇena — tempo de dias; viyujyamānāḥ — sendo abandonados; kila — na verdade; sarve — tudo; eva — decerto; udavasan — desmoronou-se.

Tradução

Aos poucos, Mahārāja Bharata se tornou muito afetuoso com o veadinho. Começou a criá-lo e mantê-lo, dando-lhe grama. Ele estava sempre atento para protegê-lo contra os ataques de tigres e outros animais. Quando sentia coceira, Mahārāja Bharata acarinhava-o e, dessa maneira, sempre tentava manter o veadinho confortável. Às vezes, beijava-o com amor. Estando apegado a criar o veado, Mahārāja Bharata esqueceu-se das regras e regulações para o avanço na vida espiritual e, pouco a pouco, esquecia-se de adorar a Suprema Personalidade de Deus. Depois de alguns dias, esqueceu-se de tudo o que dizia respeito a seu avanço espiritual.

Comentário

SIGNIFICADO—A partir dessa descrição, podemos entender como devemos ter o máximo cuidado de executar nossos deveres espirituais seguindo as regras e regulações e cantando regularmente o mahā-mantra Hare Kṛṣṇa. Se negligenciarmos isso, nós cairemos um dia. Devemos acordar de manhã bem cedo, banhar-nos, comparecer ao maṅgala-ārati, adorar as Deidades, cantar o mantra Hare Kṛṣṇa, estudar os textos védicos e seguir todas as regras prescritas pelos ācāryas e pelo mestre espiritual. Se nos desviarmos desse processo, poderemos cair, mesmo se formos muito altamente avançados. Como afirma a Bhagavad-gītā (18.5):

yajña-dāna-tapaḥ-karma
na tyājyaṁ kāryam eva tat
yajño dānaṁ tapaś caiva
pāvanāni manīṣiṇām

“Os atos de sacrifício, caridade e penitência não devem ser abandonados, mas sim executados. Na verdade, sacrifício, caridade e penitência purificam até as grandes almas.” Mesmo quem está na ordem renunciada jamais deve abandonar os princípios reguladores. Ele deve adorar a Deidade e dedicar seu tempo e sua vida a serviço de Kṛṣṇa. Deve, também, continuar seguindo as regras e regulações que regem a prática de austeridade e penitência. Essas coisas não podem ser abandonadas. Ninguém deve julgar-se muito avançado simplesmente porque aceitou a ordem de sannyāsa. Quem deseja obter avanço espiritual deve estudar com muita atenção as atividades de Bharata Mahārāja.

Texto

aho batāyaṁ hariṇa-kuṇakaḥ kṛpaṇa īśvara-ratha-caraṇa-paribhramaṇa-rayeṇa sva-gaṇa-suhṛd-bandhubhyaḥ parivarjitaḥ śaraṇaṁ ca mopasādito mām eva mātā-pitarau bhrātṛ-jñātīn yauthikāṁś caivopeyāya nānyaṁ kañcana veda mayy ati-visrabdhaś cāta eva mayā mat-parāyaṇasya poṣaṇa-pālana-prīṇana-lālanam anasūyunānuṣṭheyaṁ śaraṇyopekṣā-doṣa-viduṣā.

Sinônimos

aho bata — ai de mim; ayam — este; hariṇa-kuṇakaḥ — o veadinho; kṛpaṇaḥ — desamparado; īśvara-ratha-caraṇa-paribhramaṇa-rayeṇa — pela força da rotação do tempo, que é agente da Suprema Personalidade de Deus e é comparado à roda de Sua quadriga; sva-gaṇa — próprios parentes; suhṛt — e amigos; bandhubhyaḥ — parentes; parivarjitaḥ — privado de; śaraṇam — como refúgio; ca — e; — a mim; upasāditaḥ — tendo obtido; mām — a mim; eva — somente; mātā-pitarau — pai e mãe; bhrātṛ-jñātīn — irmãos e parentes; yauthikān — pertencendo ao grupo; ca — também; eva — decerto; upeyāya — tendo obtido; na — não; anyam — ninguém mais; kañcana — alguma pessoa; veda — ele conhece; mayi — em mim; ati — muito grande; visrabdhaḥ — tendo fé; ca — e; ataḥ eva — portanto; mayā — por mim; mat-parāyaṇasya — daquele que é tão dependente de mim; poṣaṇa-pālana-prīṇana-lālanam — criando, mantendo, acariciando e protegendo; anasūyunā — que não guardo rancor algum; anuṣṭheyam — para se executar; śaraṇya — aquele que se refugiou; upekṣā — de negligenciar; doṣa-viduṣā — que conhece o erro.

Tradução

O grande rei Mahārāja Bharata começou a pensar: Ai de mim! Devido à força do tempo, que é um agente da Suprema Personalidade de Deus, esse veadinho desprotegido está agora sem parentes e amigos e refugiou-se em mim. Ele não conhece ninguém além de mim, e eu me tornei seu pai, mãe, irmão e parentes. Esse veadinho está pensando dessa maneira e tem fé plena em mim. Ele não conhece ninguém além de mim; portanto, não devo ser invejoso e pensar que, por causa desse veadinho, meu próprio bem-estar perecerá. É óbvio que devo criá-lo, protegê-lo, satisfazê-lo e acariciá-lo. Uma vez que ele se refugiou em mim, como posso me descuidar dele? Embora o veado esteja perturbando minha vida espiritual, compreendo que uma pessoa desamparada que aceitou refúgio não pode ser desprezada. Essa negligência seria um grande erro.

Comentário

SIGNIFICADO—Quem é avançado em consciência espiritual, ou consciência de Kṛṣṇa, por natureza se torna muito compassivo para com todas as entidades vivas que sofrem no mundo material. Naturalmente, semelhante pessoa avançada pensa no sofrimento das pessoas em geral. Contudo, se ela desconhece os sofrimentos materiais das almas caídas e, tal qual Bharata Mahārāja, sente compaixão inspirando-se nos confortos físicos, essa empatia ou compaixão é a causa de sua queda. Quem sente verdadeira compaixão pela humanidade sofredora e caída deve tentar tirá-la da consciência material e elevá-la para a consciência espiritual. Quanto ao veadinho, Bharata Mahārāja sentia muita compaixão, mas esqueceu-se de que lhe seria impossível elevar um veado à consciência espiritual, pois, afinal, um veado é apenas um animal. Era muito perigoso que, com o simples propósito de cuidar do animal, Bharata Mahārāja sacrificasse todos os seus princípios reguladores. Os princípios enunciados na Bhagavad-gītā devem ser obedecidos. Yaṁ hi na vyathayanty ete puruṣaṁ puruṣarṣabha. No que diz respeito ao corpo material, não podemos fazer nada por ninguém. Contudo, pela graça de Kṛṣṇa, podemos elevar as pessoas à consciência espiritual se nós mesmos seguirmos as regras e regulações. Se abandonarmos nossas próprias atividades espirituais e simplesmente nos interessarmos no conforto físico dos demais, cairemos em uma posição perigosa.

Texto

nūnaṁ hy āryāḥ sādhava upaśama-śīlāḥ kṛpaṇa-suhṛda evaṁ-vidhārthe svārthān api gurutarān upekṣante.

Sinônimos

nūnam — na verdade; hi — decerto; āryāḥ — aqueles que são avançados em civilização; sādhavaḥ — pessoas santas; upaśama-śīlāḥ — muito embora inteiramente na ordem de vida renunciada; kṛpaṇa-suhṛdaḥ — os amigos dos desamparados; evaṁ-vidha-arthe — executar esses princípios; sva-arthān api — mesmo seus próprios interesses pessoais; guru-tarān — muito importantes; upekṣante — negligenciam.

Tradução

Mesmo quem está na ordem renunciada, sendo avançado, decerto sentirá compaixão pelas entidades vivas sofredoras. É claro que, para proteger alguém que se rendeu, é preciso deixar de lado os próprios interesses, mesmo se forem muito importantes.

Comentário

SIGNIFICADO—Māyā é muito forte. Em nome de filantropia, altruísmo e comunismo, as pessoas sentem compaixão pela humanidade sofredora em todo o mundo. Os filantropos e altruístas não compreendem que é impossível melhorar as condições materiais das pessoas. De acordo com o seu próprio karma, reservam-se a cada pessoa suas condições materiais já estabelecidas pela administração superior. Elas não podem ser mudadas. O único benefício que podemos prestar àqueles que sofrem é tentar elevá-los à consciência espiritual. Não se podem aumentar ou diminuir os confortos materiais. Portanto, o Śrīmad-Bhāgavatam (1.5.18) afirma que tal labhyate duḥkhavad anyataḥ sukham: “Quanto à felicidade material, não é preciso esforçar-se para adquiri-la, assim como não é preciso esforçar-se para que surjam tribulações.” Felicidade e dor materiais podem ser alcançadas sem que para isso empreguemos algum esforço. Ninguém deve importar-se com as atividades materiais. Se alguém é muito compassivo ou capaz de fazer o bem ao próximo, deve esforçar-se por elevar as pessoas à consciência de Kṛṣṇa. Dessa maneira, pela graça do Senhor, todos avançam espiritualmente. Para que recebêssemos instruções, Bharata Mahārāja seguiu esse seu caminho. Devemos ter muito cuidado para não nos deixarmos desencaminhar por eventuais atividades beneficentes conduzidas em termos corpóreos. Ninguém deve, sob hipótese alguma, abandonar seu interesse em obter o favor do Senhor Viṣṇu. De um modo geral, as pessoas não sabem disso, ou se esquecem disso. O resultado é que elas sacrificam seu interesse original – obter o favor de Viṣṇu – e se ocupam em atividades filantrópicas que visam ao conforto físico.

Texto

iti kṛtānuṣaṅga āsana-śayanāṭana-snānāśanādiṣu saha mṛga-jahunā snehānubaddha-hṛdaya āsīt.

Sinônimos

iti — assim; kṛta-anuṣaṅgaḥ — tendo desenvolvido apego; āsana — sentando-se; śayana — deitando-se; aṭana — caminhando; snāna — banhando-se; āśana-ādiṣu — enquanto comia e assim por diante; saha mṛga-jahunā — com o filhote de veado; sneha-anubaddha — cativado pela afeição; hṛdayaḥ — seu coração; āsīt — ficou.

Tradução

Devido ao apego pelo veadinho, Mahārāja Bharata deitava-se com ele, passeava com ele, banhava-se com ele e até mesmo comia com ele. Assim, seu coração ficou atado à afeição pelo veadinho.

Texto

kuśa-kusuma-samit-palāśa-phala-mūlodakāny āhariṣyamāṇo vṛkasālā-vṛkādibhyo bhayam āśaṁsamāno yadā saha hariṇa-kuṇakena vanaṁ samāviśati.

Sinônimos

kuśa — um tipo de grama usada em cerimônias ritualísticas; kusuma — flores; samit — lenha para queimar; palāśa — folhas; phala-mūla — frutas e raízes; udakāni — e água; āhariṣyamānaḥ — desejando juntar; vṛkasālā-vṛka — dos lobos e cães; ādibhyaḥ — e de outros animais, tais como os tigres; bhayam — medo; āśaṁsamānaḥ — duvidando; yadā — quando; saha — com; hariṇa-kuṇakena — o filhote de veado; vanam — na floresta; samāviśati — entra.

Tradução

Quando desejava entrar na floresta para colher grama kuśa, flores, lenha, folhas, frutas, raízes e pegar água, Mahārāja Bharata temia que os cães, chacais, tigres e outros animais ferozes pudessem matar o veadinho. Portanto, ao entrar na floresta, ele sempre levava consigo o animal.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, descreve-se como cresceu a afeição de Mahārāja Bharata pelo veado. Em decorrência de sua afeição por esse animal, mesmo uma personalidade tão elevada como Bharata Mahārāja, que alcançara afeição amorosa pela Suprema Personalidade de Deus, caiu de sua posição. Em consequência disso, como veremos em sua próxima vida, ele teve que aceitar um corpo de veado. Como isso ocorreu com Bharata Mahārāja, o que podemos dizer daqueles que não são avançados em vida espiritual, mas que ficam apegados a cães e gatos? Devido a essa afeição por seus cães e gatos, terão que aceitar essas mesmas formas corpóreas na próxima vida, a menos que realmente intensifiquem sua afeição e seu amor pela Suprema Personalidade de Deus. Enquanto não aumentarmos nossa fé no Senhor Supremo, nós nos deixaremos atrair por muitas outras coisas. Essa é a causa do nosso cativeiro material.

Texto

pathiṣu ca mugdha-bhāvena tatra tatra viṣakta-mati-praṇaya-bhara-hṛdayaḥ kārpaṇyāt skandhenodvahati evam utsaṅga urasi cādhāyopalālayan mudaṁ paramām avāpa.

Sinônimos

pathiṣu — nos caminhos da floresta; ca — também; mugdha-bhāvena — pelo comportamento travesso do veado; tatra tatra — aqui e ali; viṣakta-mati — cuja mente estava muito atraída; praṇaya — com amor; bhara — sobrecarregado; hṛdayaḥ — cujo coração; kārpaṇyāt — devido à afeição e ao amor; skandhena — no ombro; udvahati — carrega; evam — dessa maneira; utsaṅge — às vezes, no colo; urasi — sobre o peito enquanto dormia; ca — também; ādhāya — mantendo; upalālayan — acariciando; mudam — prazer; paramām — muito grande; avāpa — ele sentia.

Tradução

Quando entrava na floresta, o animal, devido ao seu comportamento travesso, parecia muito atraente a Mahārāja Bharata. Por afeição, Mahārāja Bharata até mesmo colocava o veadinho sobre seus ombros e o carregava. Seu coração estava tão repleto de um amor tão intenso pelo veadinho que às vezes ele o mantinha no colo ou, quando dormia, punha-o sobre o seu peito. Dessa maneira, ele sentia imenso prazer em acariciar o animal.

Comentário

SIGNIFICADO—Com o propósito de avançar na vida espiritual, Mahārāja Bharata deixou seu lar, esposa, filhos, reino e tudo o mais e foi para a floresta, mas, mesmo assim, devido a seu apego a um insignificante veadinho de estimação, caiu vítima da afeição material. O que lhe adiantou, então, ter renunciado a família? Quem é sério quanto ao avanço na vida espiritual deve ter muito cuidado para se apegar somente a Kṛṣṇa. Algumas vezes, para pregar, temos que aceitar muitas atividades materiais, mas devemos lembrar que tudo é para Kṛṣṇa. Se nos lembrarmos disso, não haverá possibilidade de cairmos vítimas das atividades materiais.

Texto

kriyāyāṁ nirvartyamānāyām antarāle ’py utthāyotthāya yadainam abhicakṣīta tarhi vāva sa varṣa-patiḥ prakṛti-sthena manasā tasmā āśiṣa āśāste svasti stād vatsa te sarvata iti.

Sinônimos

kriyāyām — as atividades de adorar o Senhor ou realizar cerimônias ritualísticas; nirvartyamānāyām — mesmo sem terminar; antarāle — interrompendo no meio; api — embora; utthāya utthāya — levantando-se repetidas vezes; yadā — quando; enam — o filhote de veado; abhicakṣīta — via; tarhi vāva — naquele momento; saḥ — ele; varṣa-patiḥ — Mahārāja Bharata; prakṛti-sthena — feliz; manasā — dentro de sua mente; tasmai — a ele; āśiṣaḥ āśāste — concede bênçãos; svasti — toda a boa fortuna; stāt — que haja; vatsa — ó meu querido veadinho; te — para ti; sarvataḥ — sob todos os aspectos; iti — assim.

Tradução

Quando Mahārāja Bharata estava realmente adorando o Senhor ou ocupava-se em alguma cerimônia ritualística, embora suas atividades estivessem inacabadas, ainda assim, ele algumas vezes se levantava e ia ver onde o veadinho estava. Dessa maneira, ele saía à procura dele, e, ao ver que o veadinho estava em uma situação confortável, sua mente e seu coração ficavam muito satisfeitos, e ele concedia suas bênçãos ao veadinho dizendo: “Meu querido veadinho, que sejas feliz sob todos os aspectos.”

Comentário

SIGNIFICADO—Porque sua atração pelo animal era muito intensa, Bharata Mahārāja não podia concentrar-se na adoração ao Senhor ou na execução de suas cerimônias ritualísticas. Muito embora ele estivesse ocupado em adorar a Deidade, sua mente ficava inquieta devido à afeição excessiva. Enquanto tentava meditar, ele simplesmente pensava no veadinho, imaginando para onde ele teria ido. Em outras palavras, se a mente se distrai da adoração, uma mera exibição de adoração não trará benefício algum. O fato de que Bharata Mahārāja tinha de se levantar a intervalos para procurar o veadinho era uma simples evidência de que ele caíra da plataforma espiritual.

Texto

anyadā bhṛśam udvigna-manā naṣṭa-draviṇa iva kṛpaṇaḥ sakaruṇam ati-tarṣeṇa hariṇa-kuṇaka-viraha-vihvala-hṛdaya-santāpas tam evānuśocan kila kaśmalaṁ mahad abhirambhita iti hovāca.

Sinônimos

anyadā — às vezes (não vendo o filhote de veado); bhṛśam — muitíssimas; udvigna-manāḥ — sua mente repleta de ansiedades; naṣṭa-draviṇaḥ — que perdeu suas riquezas; iva — como; kṛpaṇaḥ — um homem avaro; sa-karuṇam — lastimavelmente; ati-tarṣeṇa — com muita ansiedade; hariṇa-kuṇaka — do filhote de veado; viraha — pela separação; vihvala — agitado; hṛdaya — na mente ou no coração; santāpaḥ — cuja aflição; tam — aquele filhote; eva — apenas; anuśocan — não parando de pensar em; kila — certamente; kaśmalam — ilusão; mahat — imensa; abhirambhitaḥ — obtinha; iti — assim; ha — decerto; uvāca — dizia.

Tradução

Se Bharata Mahārāja por acaso não conseguisse ver o veadinho, sua mente ficava muito agitada. Ele se tornava como um homem avaro que havia ganhado riquezas, as perdido e, então, se tornado muito infeliz. Quando o veadinho desaparecia, ele, devido à saudade, ficava ansioso e se colocava a lamentar. Assim iludido, falava da seguinte maneira.

Comentário

SIGNIFICADO—Se um homem  pobre perde algum dinheiro ou ouro, fica imediatamente muito desquietado. Assim também, a mente de Mahārāja Bharata ficava agitada quando ele não via o veadinho. Esse é um exemplo de como podemos transferir nosso apego. Se o transferirmos para o serviço ao Senhor, progrediremos. Śrīla Rūpa Gosvāmī orava ao Senhor pedindo que ele sentisse atração natural pelo serviço ao Senhor da mesma forma que os rapazes e as moças sentem natural atração entre si. Ao pular no oceano ou ao chorar à noite porque sentia saudades, Śrī Caitanya Mahāprabhu demonstrou ter esse apego ao Senhor. Se, contudo, ao invés de nos apegarmos ao Senhor, canalizarmos o nosso apego para as coisas materiais, cairemos da plataforma espiritual.

Texto

api bata sa vai kṛpaṇa eṇa-bālako mṛta-hariṇī-suto ’ho mamānāryasya śaṭha-kirāta-mater akṛta-sukṛtasya kṛta-visrambha ātma-pratyayena tad avigaṇayan sujana ivāgamiṣyati.

Sinônimos

api — na verdade; bata — ai de mim; sa — este filhote; vai — com certeza; kṛpaṇaḥ — pesaroso; eṇa-bālakaḥ — o veadinho; mṛta-hariṇī-sutaḥ — o filhote da veada morta; aho — oh!; mama — de mim; anāryasya — o mais malcomportado; śaṭha — de um enganador; kirāta — ou de um aborígene incivilizado; mateḥ — cuja mente é assim; akṛta-sukṛtasya — que não tem atividades piedosas; kṛta-visrambhaḥ — depositando toda a fé; ātma-pratyayena — tendo-me como igual a ele próprio; tat avigaṇayan — sem pensar em todas essas coisas; su janaḥ iva — como um perfeito cavalheiro; agamiṣyati — será que ele voltará.

Tradução

Bharata Mahārāja pensava: Ai de mim, agora o veadinho está desamparado. Agora me encontro muito desafortunado, e minha mente é como um caçador astuto, pois ela sempre está repleta de propensões fraudulentas e cruéis. Assim como um homem de boa índole e com interesse natural pelo bom comportamento esquece o mau comportamento de um amigo astuto e deposita sua fé nele, o veadinho depositou sua fé em mim. Embora eu tenha demonstrado ser infiel, será que esse veadinho regressará e depositará sua fé em mim?

Comentário

SIGNIFICADO—Bharata Mahārāja era muito nobre e ilustre, de maneira que, quando o veadinho estava ausente, ele se julgava indigno de lhe oferecer proteção. Devido ao seu apego ao animal, ele pensava que o animal era tão nobre e eminente como ele próprio o era. De acordo com a lógica de ātmavan manyate jagat, todos julgam os outros de acordo com sua própria posição. Por conseguinte, Mahārāja Bharata achava que o veadinho o deixara devido à sua negligência e que, como tinha um coração nobre, o animal voltaria.

Texto

api kṣemeṇāsminn āśramopavane śaṣpāṇi carantaṁ deva-guptaṁ drakṣyāmi.

Sinônimos

api — pode ser; kṣemeṇa — com destemor devido à ausência de tigres e outros animais; asmin — neste; āśrama-upavane — jardim do eremitério; śaṣpāṇi carantam — caminhando e comendo a grama macia; deva-guptam — sendo protegido pelos semideuses; drakṣyāmi — será que verei.

Tradução

Ai de mim, conseguirei rever esse animal protegido pelo Senhor e livre do medo de tigres e outros animais? Será que o verei novamente passeando pelo jardim e comendo a grama macia?

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Bharata pensava que o animal não mais confiava em sua proteção e trocara a mesma pela proteção de um semideus. Apesar disso, ele desejava ardentemente voltar a ver o animal dentro de seu āśrama, comendo a grama macia e não sentindo medo de tigres e outros animais. Mahārāja Bharata somente conseguia pensar no veadinho e em como o animal poderia ser protegido de toda espécie de coisas inauspiciosas. Do ponto de vista materialista, semelhantes pensamentos gentis podem ser louváveis, mas, do ponto de vista espiritual, o rei estava, na verdade, caindo de sua elevada posição espiritual e desnecessariamente se apegando a um animal. Degradando-se dessa maneira, ele teria de aceitar um corpo animal.

Texto

api ca na vṛkaḥ sālā-vṛko ’nyatamo vā naika-cara eka-caro vā bhak-ṣayati.

Sinônimos

api ca — ou; na — não; vṛkaḥ — um lobo; sālā-vṛkaḥ — um cachorro; anyatamaḥ — qualquer um dentre muitos; — ou; na-eka-caraḥ — os porcos que andam juntos; eka-caraḥ — o tigre que passeia sozinho; — ou; bhakṣayati — estão comendo (a pobre criatura).

Tradução

Eu não sei, mas o veadinho pode ter sido comido por um lobo ou um cachorro ou pelos javalis que andam aos grupos ou pelo tigre que perambula sozinho.

Comentário

SIGNIFICADO—Os tigres nunca andam em grupos pela floresta. Cada tigre anda sozinho, mas os javalis selvagens mantêm-se juntos. Por sua vez, os porcos, os lobos e os cães também fazem o mesmo. Assim, Mahārāja Bharata pensava que o veadinho fora morto por algum dos muitos animais ferozes que vivem dentro da floresta.

Texto

nimlocati ha bhagavān sakala-jagat-kṣemodayas trayy-ātmādyāpi mama na mṛga-vadhū-nyāsa āgacchati.

Sinônimos

nimlocati — se põe; ha — ai de mim; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus, representado como o Sol; sakala-jagat — de todo o universo; kṣema-udayaḥ — que aumenta a boa fortuna; trayī-ātmā — que consiste nos três Vedas; adya api — até agora; mama — meu; na — não; mṛga-vadhū-nyāsaḥ — esse veadinho confiado a mim por sua mãe; āgacchati — voltou.

Tradução

Ai de mim! Quando o Sol aparece, todas as coisas auspiciosas começam, mas, infelizmente, elas não começaram para mim. O deus do Sol é os Vedas personificados, mas sou desprovido de todos os princípios védicos. Agora, esse deus do Sol está no ocaso, e o pobre animal que confiou em mim desde que sua mãe morreu ainda não regressou.

Comentário

SIGNIFICADO—A Brahma-saṁhitā (5.52) descreve que o Sol é o olho da Suprema Personalidade de Deus.

yac-cakṣur eṣa savitā sakala-grahāṇāṁ
rājā samasta-sura-mūrtir aśeṣa-tejāḥ
yasyājñayā bhramati sambhṛta-kāla-cakro
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Quando o Sol aparece, devemos cantar o mantra védico que começa com o Gāyatrī. O Sol é a representação simbólica dos olhos do Senhor Supremo. Mahārāja Bharata lamentava que, embora o Sol estivesse prestes a se pôr, devido à ausência do pobre animal, ele não podia encontrar nada auspicioso. Bharata Mahārāja considerava-se muito desafortunado porque, devido à ausência do animal, nada lhe era auspicioso na presença do Sol.

Texto

api svid akṛta-sukṛtam āgatya māṁ sukhayiṣyati hariṇa-rāja-kumāro vividha-rucira-darśanīya-nija-mṛga-dāraka-vinodair asantoṣaṁ svānām apanudan.

Sinônimos

api svit — se ele algum dia; akṛta-sukṛtam — que nunca executei quaisquer atividades piedosas; āgatya — voltando; mām — para mim; sukhayiṣyati — confere prazer; hariṇa-rāja-kumāraḥ — o veado, que era exatamente como um príncipe devido ao fato de eu ter cuidado dele como se fosse um filho; vividha — várias; rucira — muito agradáveis; darśanīya — de serem vistos; nija — próprias; mṛga-dāraka — dignas do filhote de veado; vinodaiḥ — pelas atividades agradáveis; asantoṣam — a infelicidade; svānām — de seu próprio semelhante; apanudan — afastando.

Tradução

Este veadinho é exatamente como um príncipe. Quando ele regressará? Quando ele novamente exibirá suas atividades pessoais, que são tão agradáveis? Quando ele de novo apaziguará um coração ferido como o meu? Decerto não tenho méritos piedosos, ou o veadinho já teria voltado.

Comentário

SIGNIFICADO—Devido à forte afeição, o rei aceitava o veadinho como se esse fosse um príncipe. Isso se chama moha. Devido à sua ansiedade por causa da ausência do veadinho, o rei dirigiu-se ao animal como se esse fosse seu filho. Em virtude da afeição, qualquer pessoa pode ser tida na mais alta estima.

Texto

kṣvelikāyāṁ māṁ mṛṣā-samādhināmīlita-dṛśaṁ prema-saṁrambheṇa cakita-cakita āgatya pṛṣad-aparuṣa-viṣāṇāgreṇa luṭhati.

Sinônimos

kṣvelikāyām — enquanto se divertia; mām — a mim; mṛṣā — simulando; samādhinā — mediante um transe meditativo; āmīlita-dṛśam — com olhos fechados; prema-saṁrambheṇa — devido à ira surgida do amor; cakita-cakitaḥ — com medo; āgatya — vindo; pṛṣat — como gotas de água; aparuṣa — muito suaves; viṣāṇa — dos chifres; agreṇa — com a ponta; luṭhati — toca meu corpo.

Tradução

Ai de mim! O veadinho, enquanto se divertia comigo e via que eu, de olhos fechados, simulava meditação, circundava-me devido à ira surgida do amor, e temerosamente me tocava com as pontas de seus suaves chifres, que me pareciam gotas d’água.

Comentário

SIGNIFICADO—Agora o rei Bharata considera falsa a sua meditação. Enquanto meditava, ele, na verdade, estava pensando em seu veadinho, e sentia grande prazer quando o animal o espetava com as pontas de seus chifres. Fingindo meditar, o rei, de fato, pensava no animal, e isso não era nada além de um indício de sua queda.

Texto

āsādita-haviṣi barhiṣi dūṣite mayopālabdho bhīta-bhītaḥ sapady uparata-rāsa ṛṣi-kumāravad avahita-karaṇa-kalāpa āste.

Sinônimos

āsādita — colocados; haviṣi — todos os artigos a serem oferecidos no sacrifício; barhiṣi — sobre a grama kuśa; dūṣite — quando poluída; mayā upālabdhaḥ — sendo repreendido por mim; bhīta-bhītaḥ — com muito medo; sapadi — imediatamente; uparata-rāsaḥ — parava sua brincadeira; ṛṣi-kumāravat — exatamente como o filho ou o discípulo de uma pessoa santa; avahita — inteiramente retraídos; karaṇa-kalāpaḥ — todos os sentidos; āste — senta-se.

Tradução

Quando eu colocava todos os artigos sacrificatórios sobre a grama kuśa, o veadinho, brincando, tocava a grama com seus dentes e assim a poluía. Quando eu castigava o veadinho o empurrando, ele imediatamente ficava com medo e sentava-se imóvel, exatamente como o filho de uma pessoa santa. Assim, ele parava sua brincadeira.

Comentário

SIGNIFICADO—Bharata Mahārāja estava sempre pensando nas atividades do veadinho, esquecido de que essa meditação e essa atenção distorcida estavam impedindo-o de avançar espiritualmente.

Texto

kiṁ vā are ācaritaṁ tapas tapasvinyānayā yad iyam avaniḥ savinaya-kṛṣṇa-sāra-tanaya-tanutara-subhaga-śivatamākhara-khura-pada-paṅktibhir draviṇa-vidhurāturasya kṛpaṇasya mama draviṇa-padavīṁ sūcayanty ātmānaṁ ca sarvataḥ kṛta-kautukaṁ dvijānāṁ svargāpavarga-kāmānāṁ deva-yajanaṁ karoti.

Sinônimos

kim — que; are — oh!; ācaritam — praticada; tapaḥ — penitência; tapasvinyā — pelo mais afortunado; anayā — este planeta Terra; yat — uma vez que; iyam — esta; avaniḥ — Terra; sa-vinaya — muito meigo e bem-comportado; kṛṣṇa-sāra-tanaya — do filhote da veada negra; tanutara — pequenas; subhaga — belas; śiva-tama — auspiciosíssimas; akhara — suaves; khura — das patas; pada-paṅktibhiḥ — pela série de marcas; draviṇa-vidhura-āturasya — que está muito pesaroso devido à perda de riqueza; kṛpaṇasya — uma criatura muito infeliz; mama — para mim; dravina padavīm — o caminho para alcançar essa riqueza; śūcayanti — indicando; ātmānam — seu próprio corpo; ca — e; sarvataḥ — de todos os lados; kṛta-kautukam — ornamentado; dvijānām — dos brāhmaṇas; svarga-apavarga-kāmānām — que estão desejosos de alcançar planetas celestiais ou liberação; deva-yajanam — um lugar de sacrifício aos semideuses; karoti — ela se estabelece como.

Tradução

Após desvairar dessa maneira, Mahārāja Bharata levantou-se e foi para fora. Vendo as pegadas do veado sobre o solo, ele, por amor, louvou as pegadas assim dizendo: Ó desafortunado Bharata, tuas austeridades e penitências são muito insignificantes quando comparadas à penitência e às austeridades a que este planeta Terra se submeteu. Devido às rigorosas penitências da Terra, as pegadas deste veadinho, que são pequenas, belas, auspiciosíssimas e macias, estão impressas na superfície deste afortunado planeta. Esta série de pegadas mostra a uma pessoa como eu, que estou pesaroso devido à perda do veadinho, como o animal atravessou a floresta e como poderei recuperar minha riqueza perdida. Com essas pegadas, esta terra se tornou um lugar apropriado para acolher os brāhmaṇas que, desejando executar sacrifícios para os semideuses, buscam os planetas celestiais ou a liberação.

Comentário

SIGNIFICADO—Afirma-se que quando a pessoa fica demasiadamente envolvida em assuntos amorosos, ela se esquece tanto de si própria quanto dos demais, e já não sabe como agir e como falar. Conta-se que, certa vez, quando seu filho nasceu cego, um pai, devido à forte afeição pela criança, chamou-a de Padmalocana, ou “aquele que tem olhos de lótus”. Essa é a situação encontrada no amor cego. Em decorrência de seu amor material pelo veadinho, Bharata Mahārāja pouco a pouco caiu nessa condição. O smṛti-śāstra afirma:

yasmin deśe mṛgaḥ kṛṣṇas
tasmin dharmānn ivodhata

“A extensão de terra onde podem ser vistas as pegadas de um veado negro deve ser tida como um lugar apropriado para executar rituais religiosos.”

Texto

api svid asau bhagavān uḍu-patir enaṁ mṛga-pati-bhayān mṛta-mātaraṁ mṛga-bālakaṁ svāśrama-paribhraṣṭam anukampayā kṛpaṇa-jana-vatsalaḥ paripāti.

Sinônimos

api svit — será possível que; asau — essa; bhagavān — poderosíssima; uḍu-patiḥ — a Lua; enam — esta; mṛga-pati-bhayāt — por sentir medo do leão; mṛta-mātaram — que perdeu sua mãe; mṛga-bālakam — o filho de um veado; sva-āśrama-paribhraṣṭam — que se desgarrou de seu āśrama; anukampayā — por compaixão; kṛpaṇa-jana-vatsalaḥ — (a Lua) que é muito bondosa com os homens infelizes; paripāti — agora está protegendo-o.

Tradução

Mahārāja Bharata continuou a falar como um louco. Vendo acima de sua cabeça as manchas escuras que, na lua nascente, assemelhavam-se a um veado, ele disse: Será que esta lua, que é tão bondosa com um homem infeliz, também poderá ser bondosa com meu veadinho, sabendo que ele se desgarrou do lar e ficou sem mãe? Essa Lua abrigou o veado bem perto de si, com o único intento de protegê-lo dos aterrorizantes ataques de um leão.

Texto

kiṁ vātmaja-viśleṣa-jvara-dava-dahana-śikhābhir upatapyamāna-hṛdaya-sthala-nalinīkaṁ mām upasṛta-mṛgī-tanayaṁ śiśira-śāntānurāga-guṇita-nija-vadana-salilāmṛtamaya-gabhastibhiḥ svadhayatīti ca.

Sinônimos

kim — ou pode ser; ātma-ja — do filho; viśleṣa — devido à separação; jvara — o calor; dava-dahana — do incêndio da floresta; śikhābhiḥ — pelas chamas; upatapyamāna — sendo queimado; hṛdaya — o coração; sthala-nalinīkam — comparado com uma flor de lótus vermelha; mām — a mim; upasṛta-mṛgī-tanayam — a quem o filho da veada era tão submisso; śiśira-śānta — que é tão pacífica e refrescante; anurāga — por amor; guṇita — fluindo; nija-vadana-salila — a água de sua boca; amṛta-maya — tão boa como néctar; gabhastibhiḥ — pelos raios da Lua; svadhayati — está me dando prazer; iti — assim; ca — e.

Tradução

Após perceber o luar, Mahārāja Bharata prosseguiu falando como alguém fora de si. Ele disse: O filho da veada me era tão submisso e querido que, devido a estarmos distantes, estou sentindo saudades de meu próprio filho. Em virtude da febre incandescente dessa separação, estou sofrendo como se tivesse sido queimado por um incêndio florestal. Meu coração, que é como o lírio dos prados, agora está ardendo. Vendo-me tão aflito, não tenho dúvidas de que a Lua está derramando seu néctar brilhante sobre mim, assim como um amigo despeja água em outro amigo que tem febre alta. Dessa maneira, a Lua está me trazendo felicidade.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o tratamento aiurvédico, afirma-se que, se alguém tem febre alta, deve-se borrifar essa pessoa com água após gargarejar. Dessa maneira, a febre cede. Embora estivesse muito temeroso devido à separação de seu assim chamado filho, o veadinho, Bharata Mahārāja pensava que a Lua estava borrifando-o com água gargarejada para combater a febre alta que ardia em seu corpo pela saudade do veadinho.

Texto

evam aghaṭamāna-manorathākula-hṛdayo mṛga-dārakābhāsena svārabdha-karmaṇā yogārambhaṇato vibhraṁśitaḥ sa yoga-tāpaso bhagavad-ārādhana-lakṣaṇāc ca katham itarathā jāty-antara eṇa-kuṇaka āsaṅgaḥ sākṣān niḥśreyasa-pratipakṣatayā prāk-parityakta-dustyaja-hṛdayābhijātasya tasyaivam antarāya-vihata-yogārambhaṇasya rājarṣer bharatasya tāvan mṛgārbhaka-poṣaṇa-pālana-prīṇana-lālanānuṣaṅgeṇāvigaṇayata ātmānam ahir ivākhu-bilaṁ duratikramaḥ kālaḥ karāla-rabhasa āpadyata.

Sinônimos

evam — dessa maneira; aghaṭamāna — impossíveis de serem alcançados; manaḥ-ratha — por desejos, que são como quadrigas mentais; ākula — sufocado; hṛdayaḥ — cujo coração; mṛga-dāraka-ābhāsena — assemelhando-se ao filho de um veado; sva-ārabdha-karmaṇā — por causa dos maus resultados de suas ações fruitivas subjacentes; yoga-ārambhaṇataḥ — das atividades da prática de yoga; vibhraṁśitaḥ — caído; saḥ — ele (Mahārāja Bharata); yoga-tāpasaḥ — executando as atividades do yoga místico e austeridades; bhagavat-ārādhana-lakṣaṇāt — das atividades do serviço devocional prestado à Suprema Personalidade de Deus; ca — e; katham — como; itarathā — de que outra maneira; jāti-antare — pertencendo a uma diferente espécie de vida; eṇa-kuṇake — ao corpo de um filhote de veado; āsaṅgaḥ — apego tão afetuoso; sākṣāt — diretamente; niḥśreyasa — alcançar a meta última da vida; pratipakṣatayā — com a qualidade de ser um obstáculo; prāk — que anteriormente; parityakta — abandonando; dustyaja — embora muito difícil de serem abandonados; hṛdaya-abhijātasya — seus filhos, nascidos de seu próprio coração; tasya — dele; evam — assim; antarāya — por esse obstáculo; vihata — impedido; yoga-ārambhaṇasya — cujo caminho de execução de práticas de yoga místico; rāja-ṛṣeḥ — do grande rei santo; bharatasya — de Mahārāja Bharata; tāvat — dessa maneira; mṛga-arbhaka — o filho de um veado; poṣaṇa — em manter; pālana — em proteger; prīṇana — em fazer feliz; lālana — em acariciar; anuṣaṅgeṇa — pela absorção constante; avigaṇayataḥ — negligenciando; ātmānam — sua própria alma; ahiḥ iva — como uma serpente; ākhu-bilam — o buraco de um rato; duratikramaḥ — insuperável; kālaḥ — morte inevitável; karāla — terrível; rabhasaḥ — tendo velocidade; āpadyata — chegou.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī prosseguiu: Meu querido rei, dessa maneira, Bharata Mahārāja estava dominado por um desejo incontrolável, manifesto sob a forma do veadinho. Devido aos resultados fruitivos de seus feitos passados, ele caiu de suas práticas de yoga místico, suas austeridades e adoração à Suprema Personalidade de Deus. Se não fosse devido a suas atividades fruitivas passadas, como ele poderia ter-se deixado atrair pelo veado após abandonar a companhia de seus próprios filhos e família, considerando-os obstáculos no caminho da vida espiritual? Como ele poderia demonstrar tão incontida afeição por um veadinho? Definitivamente, isso se devia ao seu karma passado. O rei estava tão entorpecido em afagar e manter o veadinho que ele caiu de suas atividades espirituais. No decorrer do tempo, a morte inevitável, que é comparada a uma serpente venenosa que entra em um buraco feito pelos ratos, apareceu diante dele.

Comentário

SIGNIFICADO—Como veremos nos versos seguintes, no momento da morte, Bharata Mahārāja, devido à sua atração pelo veadinho, foi obrigado a aceitar o corpo de veado. Nesse contexto, pode-se fazer uma pergunta. Como um devoto pode ser afetado por sua má conduta e atividades viciosas passadas? A Brahma-saṁhitā (5.54) diz que karmāṇi nirdahati kintu ca bhakti-bhājām: “Para aqueles que estão ocupados em bhakti-bhajana, serviço devocional, os resultados das ações passadas são compensados.” De acordo com isso, Bharata Mahārāja não poderia ser punido por causa de seus erros passados. Deve-se concluir que Bharata Mahārāja deliberadamente se tornou muito afeiçoado ao veado e negligenciou seu avanço espiritual. Para que seu erro fosse corrigido sem demora, ele viveu em um corpo de veado durante um curto espaço de tempo. Isso foi simplesmente para aumentar seu desejo pelo serviço devocional maduro. Embora em um corpo animal, Bharata Mahārāja não esqueceu o que o seu erro proposital provocara anteriormente. Ele estava muito ansioso por escapar de seu corpo de veado, e isso indica que sua afeição pelo serviço devocional intensificou-se, tanto é que ele, na vida seguinte, rapidamente alcançou a perfeição em um corpo de brāhmaṇa. Foi com essa convicção que declaramos em nossa revista Volta ao Supremo que devotos tais como os gosvāmīs vivendo em Vṛndāvana e que deliberadamente cometem algumas atividades pecaminosas nascem em corpos de cães, macacos e tartarugas naquela terra sagrada. Assim, durante um curto espaço de tempo, eles assumem essas formas de vidas inferiores e, após abandonarem esses corpos animais, são novamente promovidos ao mundo espiritual. Essa punição é somente por um curto período, e não se deve ao karma passado. Ela pode dar a impressão de que é decorrente do karma passado, mas é oferecida para corrigir o devoto e promovê-lo ao serviço devocional puro.

Texto

tadānīm api pārśva-vartinam ātmajam ivānuśocantam abhivīkṣamāṇo mṛga evābhiniveśita-manā visṛjya lokam imaṁ saha mṛgeṇa kalevaraṁ mṛtam anu na mṛta-janmānusmṛtir itaravan mṛga-śarīram avāpa.

Sinônimos

tadānīm — naquele momento; api — na verdade; pārśva-vartinam — ao lado de seu leito de morte; ātma-jam — seu próprio filho; iva — como; anuśocantam — lamentando; abhivīkṣamānaḥ — vendo; mṛge — no veado; eva — decerto; abhiniveśita-manāḥ — sua mente estava absorta; visṛjya — abandonando; lokam — mundo; imam — este; saha — com; mṛgeṇa — o veado; kalevaram — seu corpo; mṛtam — morreu; anu — depois disso; na — não; mṛta — destruída; janma-anusmṛtiḥ — lembrança do incidente antes de sua morte; itara-vat — como os outros; mṛga-śarīram — um corpo de veado; avāpa — obteve.

Tradução

No momento da morte, o rei viu que, exatamente como seu próprio filho, o veadinho estava sentado ao seu lado, e lamentava a sua morte. Na verdade, a mente do rei estava absorta no corpo do veadinho e, consequentemente – como aqueles que são desprovidos de consciência de Kṛṣṇa –, ele deixou o mundo, o veado e seu corpo material e ganhou um corpo de veado. Contudo, houve uma vantagem. Embora tivesse perdido seu corpo humano e recebido um corpo de veado, ele não se esqueceu dos incidentes de sua vida passada.

Comentário

SIGNIFICADO—Existe uma diferença entre este episódio onde Bharata Mahārāja adquire um corpo de veado e aqueles eventos em que outras pessoas ganham corpos de acordo com sua condição mental na hora da morte. Depois da morte, os outros se esquecem de tudo o que lhes aconteceu em vidas passadas, mas Bharata Mahārāja não se esqueceu. De acordo com a Bhagavad-gītā (8.6):

yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ
tyajaty ante kalevaram
taṁ tam evaiti kaunteya
sadā tad-bhāva-bhāvitaḥ

“Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se lembre ao deixar o corpo, ó filho de Kuntī, esse mesmo estado ele alcançará impreterivelmente.”

Após abandonar seu corpo, a pessoa obtém outro corpo de acordo com sua condição mental na hora da morte. No momento da morte, todos pensam sempre no assunto ao qual dedicaram suas vidas. De acordo com essa lei, como estava sempre pensando no veado e se esqueceu de adorar o Senhor Supremo, Bharata Mahārāja obteve um corpo de veado. Contudo, em razão de ter-se elevado à plataforma máxima de serviço devocional, ele não se esqueceu das circunstâncias de sua vida passada. Essa bênção especial o poupou de uma degradação maior. Por causa de suas atividades passadas em que realizara serviço devocional, ele, embora estivesse em um corpo de veado, determinou-se a concluir seu serviço devocional. Neste verso, portanto, declara-se que mṛtam, embora ele tivesse morrido, anu, depois disso, na mṛta janmānusmṛtir itaravat, ele, diferentemente dos outros, não se esqueceu dos pormenores de sua vida pretérita. Como afirma a Brahma-saṁhitā (5.54): karmāṇi nirdahati kintu ca bhakti-bhājām. Prova-se nesta passagem que, devido à graça do Senhor Supremo, o devoto nunca perece. Em virtude de sua negligência obstinada no serviço devocional, o devoto pode ser punido por um curto espaço de tempo, mas se reintegra ao seu serviço devocional e volta ao lar, volta ao Supremo.

Texto

tatrāpi ha vā ātmano mṛgatva-kāraṇaṁ bhagavad-ārādhana-samīhānubhāvenānusmṛtya bhṛśam anutapyamāna āha.

Sinônimos

tatra api — naquele nascimento; ha — na verdade; ātmanaḥ — dele próprio; mṛgatva-kāraṇam — a causa de aceitar um corpo de veado; bhagavat-ārādhana-samīhā — das atividades pregressas em serviço devocional; anubhāvena — em consequência; anusmṛtya — lembrando; bhṛśam — sempre; anutapya-mānaḥ — arrependendo-se; āha — disse.

Tradução

Embora em um corpo de veado, Bharata Mahārāja, devido ao seu estrito serviço devocional em sua vida passada, podia entender a causa de seu nascimento naquele corpo. Considerando sua vida passada e sua vida atual, ele constantemente arrependia-se de suas atividades, falando da seguinte maneira.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta é uma concessão especial feita ao devoto. Mesmo que obtenha um corpo não-humano, ele, graças à Suprema Personalidade de Deus, avança ainda mais em serviço devocional, seja lembrando-se de sua vida passada, seja por causas naturais. Não é fácil ao homem comum lembrar-se das atividades de sua vida passada, mas, devido aos seus grandes sacrifícios e à sua ocupação em serviço devocional, Bharata Mahārāja podia lembrar-se de suas atividades passadas.

Texto

aho kaṣṭaṁ bhraṣṭo ’ham ātmavatām anupathād yad-vimukta-samasta-saṅgasya vivikta-puṇyāraṇya-śaraṇasyātmavata ātmani sarveṣām ātmanāṁ bhagavati vāsudeve tad-anuśravaṇa-manana-saṅkīrtanārādhanānusmaraṇābhiyogenāśūnya-sakala-yāmena kālena samāveśitaṁ samāhitaṁ kārtsnyena manas tat tu punar mamābudhasyārān mṛga-sutam anu parisusrāva.

Sinônimos

aho kaṣṭam — ai de mim, que condição de vida deplorável; bhraṣṭaḥ — caído; aham — eu (estou); ātma-vatām — dos devotos grandiosos que alcançaram a perfeição; anupathāt — do modo de vida; yat — do qual; vimukta-samasta-saṅgasya — embora tendo abandonado a associação de meus verdadeiros filhos e lar; vivikta — solitário; puṇya-aranya — de uma floresta sagrada; śaraṇasya — que se refugiou; ātma-vataḥ — daquele que se tornou perfeitamente situado na plataforma transcendental; ātmani — na Superalma; sarveṣām — de todas; ātmanām — as entidades vivas; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus; vāsudeve — Senhor Vāsudeva; tat — acerca dEle; anuśravaṇa — constantemente ouvir; manana — pensar; saṅkīrtana — cantar; ārādhana — adorar; anusmaraṇa — constantemente lembrar; abhiyogena — com a absorção em; aśūnya — repleto; sakala-yāmena — na qual todas as horas; kālena — pelo tempo; samāveśitam — plenamente estabelecida; samāhitam — fixa; kārtsnyena — por completo; manaḥ — a mente em tal situação; tat — essa mente; tu — mas; punaḥ — de novo; mama — de mim; abudhasya — um grande tolo; ārāt — a grande distância; mṛga-sutam — o filho de um veado; anu — sendo afetado por; parisusrāva — caiu.

Tradução

No corpo de um veado, Bharata Mahārāja começou a lamentar-se: Que infortúnio! Caí do caminho dos autorrealizados. Para avançar na vida espiritual, abandonei meus verdadeiros filhos, esposa e lar e fui à floresta, onde me refugiei em um lugar sagrado solitário. Tornei-me autocontrolado e autorrealizado e ocupei-me constantemente em serviço devocional, ouvindo, pensando e cantando acerca da Suprema Personalidade de Deus, Vāsudeva, lembrando-me dEle e adorando-O. Fui exitoso em meu intento, e prova isso o fato de que minha mente estava sempre absorta em serviço devocional. Contudo, devido à minha tolice pessoal, ela voltou a ficar apegada – e, desta vez, a um veado. Agora obtive um corpo de veado e me desviei muito fortemente de minhas práticas devocionais.

Comentário

SIGNIFICADO—Por causa de sua estrita execução de serviço devocional, Mahārāja Bharata pôde lembrar-se das atividades de sua vida passada e de como ele havia se elevado à plataforma espiritual. Por tolice, apegou-se a um veado insignificante e, dessa maneira, caiu e teve que aceitar um corpo de veado. Isso é significativo para todos os devotos. Se não utilizarmos apropriadamente nossa posição e pensarmos que estamos plenamente ocupados em serviço devocional e podemos fazer o que bem quisermos, teremos de sofrer como Bharata Mahārāja e seremos condenados a aceitar um tipo de corpo que impede o nosso serviço devocional. Somente a forma humana é capaz de prestar serviço devocional, mas se nós voluntariamente abandonarmos a forma humana em troca de gozo dos sentidos, é certo que teremos de ser punidos. Essa punição não é exatamente como a sofrida pelo materialista comum. Pela graça do Senhor Supremo, o devoto é punido de maneira tal que o seu desejo de alcançar os pés de lótus do Senhor Vāsudeva aumenta. Devido a esse seu anseio, ele regressa ao lar na vida seguinte. Aqui, descreve-se o serviço devocional de maneira muito completa: tad-anuśravaṇa-manana-saṅkīrtanārādhanānusmaraṇābhiyogena. A audição e o cantar constantes das glórias do Senhor são recomendados na Bhagavad-gītā (9.14): satataṁ kīrtayanto māṁ yatantaś ca dṛḍha-vratāḥ. Aqueles que aceitaram a consciência de Kṛṣṇa devem tomar todo o cuidado para que nem mesmo um simples momento seja desperdiçado e que a Suprema Personalidade de Deus e Suas atividades sejam glorificados ou lembrados. Mediante Suas próprias ações e mediante as ações de Seus devotos, Kṛṣṇa nos ensina como tornarmo-nos cautelosos no serviço devocional. Por intermédio de Bharata Mahārāja, Kṛṣṇa nos ensina que temos de ser cuidadosos no desempenho do serviço devocional. Se desejarmos manter nossa mente completamente fixa e sem desvios, teremos que ocupá-la em serviço devocional por tempo integral. No que diz respeito aos membros da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, eles sacrificaram tudo para impulsionar este movimento da consciência de Kṛṣṇa. Todavia, é bom que aprendam uma lição da vida de Bharata Mahārāja, sejam bem cautelosos e fiquem atentos para que não se desperdice um simples momento em conversas frívolas, sono ou gula. Comer não é proibido, mas, se comermos com voracidade, decerto dormiremos mais do que o necessário. Em seguida, vem o gozo dos sentidos, e poderemos degradar-nos a uma forma de vida inferior. Dessa maneira, nosso progresso espiritual poderá sofrer um percalço, mesmo que temporariamente. O melhor a se fazer é aceitar o conselho de Śrīla Rūpa Gosvāmī: avyartha-kālatvam. Devemos atentar para que todos os momentos de nossa vida sejam utilizados na exclusiva prestação de serviço devocional. Essa é a posição segura para quem deseja voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

ity evaṁ nigūḍha-nirvedo visṛjya mṛgīṁ mātaraṁ punar bhagavat-kṣetram upaśama-śīla-muni-gaṇa-dayitaṁ śālagrāmaṁ pulastya-pulahāśramaṁ kālañjarāt pratyājagāma.

Sinônimos

iti — portanto; evam — dessa maneira; nigūḍha — subjacente; nirvedaḥ — inteiramente desapegado das atividades materiais; visṛjya — abandonando; mṛgīm — o veado; mātaram — sua mãe; punaḥ — novamente; bhagavat-kṣetram — o lugar onde o Senhor Supremo é adorado; upaśama-śīla — completamente desapegado de todas as afeições materiais; muni-gaṇa-dayitam — que é querido aos grandes residentes santos; śālagrāmam — a vila conhecida como Śālagrāma; pulastya-pulaha-āśramam — ao āśrama conduzido por grandes sábios, tais como Pulastya e Pulaha; kālañjarāt — da montanha Kālañjara, onde ele nascera do ventre de uma veada; pratyājagāma — ele retornou.

Tradução

Embora tivesse recebido um corpo de veado, Bharata Mahārāja, através do arrependimento constante, desapegou-se por completo de todas as coisas materiais. Ele não revelava essas coisas a ninguém, mas deixou sua mãe veada em um lugar conhecido como Montanha Kālañjara, onde ele havia nascido. Novamente ele foi para a floresta de Śālagrāma e para o āśrama de Pulastya e Pulaha.

Comentário

SIGNIFICADO—É significativo que Mahārāja Bharata, pela graça de Vāsudeva, fosse capaz de se lembrar de sua vida passada. Ele não desperdiçou um só momento; regressou ao Pulaha-āśrama, na vila conhecida como Śālagrāma. A associação é muito importante; por isso, a ISKCON tenta aperfeiçoar todos aqueles que entram em nossa sociedade. Os membros desta sociedade devem sempre se lembrar de que ela não é como um hotel gratuito. Todos os membros devem ser muito cuidadosos em executar seus deveres espirituais para que qualquer pessoa que chegue naturalmente se torne um devoto e, nesta mesma vida, seja capaz de voltar ao Supremo. Embora tivesse obtido um corpo de veado, Bharata Mahārāja novamente deixou o aconchego do lar, neste caso, a Montanha Kālañjara. Ninguém deve deixar-se cativar por sua terra natal ou por sua família; devemos refugiar-nos na companhia dos devotos e cultivar a consciência de Kṛṣṇa.

Texto

tasminn api kālaṁ pratīkṣamāṇaḥ saṅgāc ca bhṛśam udvigna ātma-sahacaraḥ śuṣka-parṇa-tṛṇa-vīrudhā vartamāno mṛgatva-nimittāvasānam eva gaṇayan mṛga-śarīraṁ tīrthodaka-klinnam ut-sasarja.

Sinônimos

tasmin api — naquele āśrama (Pulaha-āśrama); kālam — o fim da duração de vida no corpo de veado; pratīkṣamāṇaḥ — sempre aguardando; saṅgāt — da associação; ca — e; bhṛśam — constantemente; udvignaḥ — cheio de ansiedade; ātma-sahacaraḥ — tendo a Superalma como único companheiro inseparável (ninguém deve pensar que está sozinho); śuṣka-parṇa-tṛṇa-vīrudhā — comendo apenas folhas secas e ervas; vartamānaḥ — existindo; mṛgatva-nimitta — da causa de um corpo de veado; avasānam — o fim; eva — apenas; gaṇayan — considerando; mṛga-śarīram — o corpo de um veado; tīrtha-udaka-klinnam — banhando-se na água daquele lugar sagrado; utsasarja — abandonou.

Tradução

Permanecendo naquele āśrama, o grande rei Bharata Mahārāja agora tinha muito cuidado para não cair vítima de más companhias. Sem revelar seu passado a ninguém, ele permanecia naquele āśrama e comia apenas folhas secas. Ele não estava exatamente sozinho, pois tinha a companhia da Superalma. Dessa maneira, enquanto em um corpo de veado, ele esperou pela morte. Banhando-se naquele lugar sagrado, ele, por fim, abandonou aquele corpo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os lugares sagrados, tais como Vṛndāvana, Hardwar, Prayāga e Jagannātha Purī destinam-se especialmente à prestação de serviço devocional. Vṛndāvana, especificamente, é o mais elevado, sendo a terra sagrada preferida dos devotos vaiṣṇavas do Senhor Kṛṣṇa que aspiram a voltar ao Supremo, aos planetas Vaikuṇṭha. Existem muitos devotos em Vṛndāvana que se banham com regularidade no Yamunā, o que remove toda a contaminação material. Quem canta e ouve constantemente os santos nomes e os passatempos do Senhor Supremo, certamente se purifica e se qualifica para a liberação. Contudo, se ele insiste em cair vítima do gozo dos sentidos, tem que ser punido, pelo menos por uma vida, como aconteceu com Bharata Mahārāja.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quinto canto, oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Descrição do Caráter de Bharata Mahārāja”.