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ŚB 5.1.5

Texto

śrī-śuka uvāca
bāḍham uktaṁ bhagavata uttamaślokasya śrīmac-caraṇāravinda-makaranda-rasa āveśita-cetaso bhāgavata-paramahaṁsa-dayita-kathāṁ kiñcid antarāya-vihatāṁ svāṁ śivatamāṁ padavīṁ na prāyeṇa hinvanti.

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī  Śukadeva Gosvāmī disse; bāḍham — correto; uktam — o que disseste; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; uttama-ślokasya — que é louvado com versos excelentes; śrīmatcaraṇa-aravinda – dos pés, que são como as mais belas e fragrantes flores de lótus; makaranda — mel; rase — no néctar; āveśita — absortos; cetasaḥ — cujos corações; bhāgavata — para os devotos; paramahaṁsa — pessoas liberadas; dayita — agradável; kathām — glorificação; kiñcit — às vezes; antarāya — por obstáculos; vihatām — barrados; svām — próprios; śiva-tamām — tão sublime; padavīm — posição; na — não; prāyeṇa — quase sempre; hinvanti — abandonam.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: O que disseste é correto. As glórias da Suprema Personalidade de Deus – que é louvado com eloquentes versos transcendentais, compostos por personalidades elevadas, como Brahmā – são muito agradáveis para os grandes devotos e para as pessoas liberadas. Quem é apegado ao mel nectáreo dos pés de lótus do Senhor, e cuja mente está sempre absorta em Suas glórias, talvez tenha seu progresso estorvado algumas vezes por algum obstáculo, mas, de qualquer modo, jamais abandona a posição sublime que alcançou.

Comentário

SIGNIFICADO—Śrī Śukadeva Gosvāmī aceitou ambas as proposições do rei: que uma pessoa avançada em consciência de Kṛṣṇa não consegue retomar a vida materialista e que alguém que adotou a vida materialista não pode, em nenhuma fase de sua existência, aderir à consciência de Kṛṣṇa. Apesar de ter aceitado as duas afirmações, Śukadeva Gosvāmī justificou-as, dizendo que alguém que já tenha alguma vez concentrado sua mente na glorificação à Suprema Per­sonalidade de Deus pode, certas vezes, sofrer a influência de contratempos, mas, de qualquer modo, ele não abandona sua sublime posição.

Segundo Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura, existem duas classes de impedimentos ao serviço devocional. O primeiro é uma ofensa aos pés de lótus de um vaiṣṇava, chamada vaiṣṇava-aparādha. Śrī Caitanya Mahāprabhu advertiu Seus devotos a não cometerem vaiṣṇava-aparādha, algo que Ele descreveu como “a ofensa do elefante louco”. Ao entrar em um belo jardim, o elefante louco destrói tudo, deixando apenas um terreno baldio. Do mesmo modo, tamanho é o poder de um vaiṣṇava-aparādha que mesmo um devoto avançado se vê privado quase completamente de seus bens espirituais caso se envolva com isso. Por ser eterna, a consciência de Kṛṣṇa não pode ser des­truída por inteiro, mas o avanço pode ser estorvado por algum tempo. Assim, o vaiṣṇava-aparādha é uma das classes de im­pedimento ao serviço devocional. Às vezes, entretanto, a Suprema Personalidade de Deus ou Seu devoto desejam impedir o serviço devocional de alguém. Por exemplo, Hiraṇyakaśipu e Hiraṇyākṣa foram, anteriormente, Jaya e Vijaya, os porteiros de Vaikuṇṭha, mas, pelo desejo do Senhor, tornaram-se Seus inimigos durante três vidas. Deste modo, o desejo do Senhor é outra classe de impedi­mento. Porém, em ambos os casos, o devoto puro, já avançado em consciência de Kṛṣṇa, não pode perecer. Seguindo as ordens de seus superiores (Svāyambhuva e o senhor Brahmā), Priyavrata aceitou a vida familiar, mas isso não significa que ele perdeu sua posição em serviço devocional. A consciência de Kṛṣṇa é perfeita e eterna, daí ser impossível perdê-la, independentemente de quais sejam as circunstâncias. Como o mundo material está cheio de obstáculos ao avanço em consciência de Kṛṣṇa, pode parecer que existem muitos impedimen­tos, mas Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, declara na Bhagavad-gītā (9.31) que kaunteya pratijānīhi na me bhaktaḥ praṇaśyati: uma vez que nos refugiemos aos pés de lótus do Senhor, não podemos mais nos perder.

Neste verso, a palavra śivatamām é muito significativa. Śivatamām significa “o mais auspicioso”. O caminho devocional é tão auspi­cioso que o devoto não perece em nenhuma circunstância. O próprio Senhor descreve isso na Śrīmad Bhagavad-gītā (6.40), onde diz que pārtha naiveha nāmutra vināśas tasya vidyate: “Meu querido Arjuna, um devoto não tem possibilidade de perder-se, seja nesta vida, seja na próxima.” Na Bhagavad-gītā (6.43), o Senhor explica em termos claros como isso acontece.

tatra taṁ buddhi-saṁyogaṁ
labhate paurva-dehikam
yatate ca tato bhūyaḥ
saṁsiddhau kuru-nandana

Por ordem do Senhor, o devoto perfeito às vezes vem a este mundo material como um ser humano comum, mas, devido à sua prática anterior, esse devoto perfeito apega-se com naturalidade ao serviço devocional, aparentemente sem nenhum motivo. A despeito de todas as classes de impedimentos decorrentes das circunstâncias que o cercam, ele persevera com naturalidade no serviço devocional e, aos poucos, avança até se tornar perfeito mais uma vez. Bilvamaṅgala Ṭhākura havia sido um devoto avançado em sua vida anterior, mas, na vida seguinte, tornou-se muito caído e se apegou a uma prostituta. De repente, contudo, todo o seu comportamento transformou-se diante das palavras da mesma prostituta que tanto o atraíra e ele voltou a ser um grande devoto. Na vida de grandes devotos, encontramos muitos desses exemplos, provando que, uma vez que alguém tenha se refugiado aos pés de lótus do Senhor, ele jamais se perde (kaunteya pratijānīhi na me bhaktaḥ praṇaśyati).

É verdade, entretanto, que alguém se torna devoto ao livrar-se por completo de todas as reações da vida pecaminosa. Como Kṛṣṇa afirma na Bhagavad-gītā (7.28):

yeṣāṁ tv anta-gataṁ pāpaṁ
janānāṁ puṇya-karmaṇām
te dvanda-moha-nirmuktā
bhajante māṁ dṛḍha-vratāḥ

“Aqueles que agiram piedosamente tanto nesta vida quanto em vidas passadas, e cujas ações pecaminosas se erradicaram por completo, livram-se da ilusão manifesta sob a forma das dualidades, e se ocupam em servir-Me com determinação.” Por outro lado, como disse Prahlāda Mahārāja:

matir na kṛṣṇe parataḥ svato vā
mitho ’bhipadyeta gṛha-vratānām

Quem é por excessivamente apegado à vida familiar materialista – lar, famí­lia, esposa, filhos e assim por diante – não pode desenvolver a consciência de Kṛṣṇa.

Pela graça do Senhor Supremo, essas aparentes contradições são conciliadas na vida de um devoto, em virtude do que o devoto nunca é privado de sua posição no caminho da liberação, posição esta descrita neste verso como śivatamām padavīm.