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Capítulo Sete

Encarnações Anunciadas com Funções Específicas

Texto

brahmovāca
yatrodyataḥ kṣiti-taloddharaṇāya bibhrat
krauḍīṁ tanuṁ sakala-yajña-mayīm anantaḥ
antar-mahārṇava upāgatam ādi-daityaṁ
taṁ daṁṣṭrayādrim iva vajra-dharo dadāra

Sinônimos

brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; yatra — naquela ocasião (quando); udyataḥ — tentou; kṣititala – o planeta Terra; uddharaṇāya — com o propósito de erguer; bibhrat — assumiu; krauḍīm — passatempos; tanum — forma; sakala — total; yajñamayīm – sacrifícios que abrangem tudo; anantaḥ — o Ilimitado; antar — dentro do universo; mahā-arṇave — o grande Oceano Garbha; upāgatam — tendo chegado a; ādi — o primeiro; daityam — demônio; tam — a ele; daṁṣṭrayā — com a presa; adrim — as montanhas voadoras; iva — como; vajradharaḥ – o controlador dos raios; dadāra — trespassou.

Tradução

O senhor Brahmā disse: Quando o Senhor ilimitadamente poderoso assumiu a forma de um javali como um passatempo, simplesmente para erguer o planeta Terra, que estava submerso no grande oceano do universo chamado Garbhodaka, o primeiro demônio [Hiraṇyākṣa] apareceu, e o Senhor o trespassou com Sua presa.

Comentário

SIGNIFICADO—Desde o início da criação, os demônios e os semideuses, ou os vaiṣṇavas, são sempre as duas classes de seres vivos que dominam os planetas dos universos. O senhor Brahmā é o primeiro semideus, e Hiraṇyākṣa é o primeiro demônio neste universo. É somente sob certas condições que os planetas flutuam como bolas sem peso, e logo que essas condições são perturbadas, os planetas podem cair no Oceano Garbhodaka, que cobre a metade do universo. A outra metade é a abóboda esférica dentro da qual existem os inúmeros sistemas planetários. O fato de os planetas flutuarem no ar sem peso deve-se à constituição interna dos globos, e a perfuração modernizada da terra para extrair petróleo é uma espécie de perturbação causada pelos demônios modernos e pode provocar uma reação muito prejudicial à Terra flutuante. Perturbação semelhante foi criada anteriormente pelos demônios encabeçados por Hiraṇyākṣa (o grande explorador da corrida do ouro), e a Terra perdeu sua condição antigravitacional e caiu no Oceano Garbhodaka. O Senhor, como mantenedor de toda a criação do mundo material, assumiu, então, a forma de um gigantesco javali com um focinho proporcional e ergueu a Terra, tirando-a de dentro da água de Garbhodaka. Śrī Jayadeva Gosvāmī, um grande poeta vaiṣṇava, canta da seguinte maneira:

vasati daśana-śikhare dharaṇī tava lagnā
śaśini kalaṅka-kaleva nimagnā
keśava dhṛta-śūkara-rūpa
jaya jagadīśa hare

“Ó Keśava! Ó Senhor Supremo que assumiu uma forma de javali! Ó Senhor! O planeta Terra, apoiado em Tuas presas, parecia a Lua coberta de manchas.”

Eis o sintoma de uma encarnação do Senhor. A encarnação do Senhor não é uma ideia inventada por homens devaneadores que, com sua imaginação, criam uma encarnação. A encarnação do Senhor aparece em certas circunstâncias extraordinárias, como a ocasião acima mencionada, e a encarnação realiza uma tarefa que não é sequer imaginável pelo minúsculo cérebro da humanidade. Os criadores modernos de tantas encarnações baratas podem prestar atenção na verdadeira encarnação de Deus como o javali gigantesco com um focinho adequado para carregar o planeta Terra.

Quando o Senhor apareceu para erguer a Terra, o demônio chamado Hiraṇyākṣa tentou perturbar as funções metódicas do Senhor e, portanto, foi trespassado pelas presas do Senhor e morreu. De acordo com Śrīla Jīva Gosvāmī, o demônio Hiraṇyākṣa foi morto pelas mãos do Senhor. Assim, sua versão é que, após ser morto pelas mãos do Senhor, o demônio foi trespassado pela presa. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura confirma essa versão.

Texto

jāto rucer ajanayat suyamān suyajña
ākūti-sūnur amarān atha dakṣiṇāyām
loka-trayasya mahatīm aharad yad ārtiṁ
svāyambhuvena manunā harir ity anūktaḥ

Sinônimos

jātaḥ — nasceu; ruceḥ — da esposa do Prajāpati; ajanayat — gerou; suyamān — encabeçados por Suyama; suyajñaḥ — Suyajña; ākūtisūnuḥ – do filho de Ākūti; amarān — os semideuses; atha — assim; dakṣiṇāyām — na esposa chamada Dakṣiṇā; loka — os sistemas planetários; trayasya — dos três; mahatīm — enormes; aharat — diminuiu; yat — todas essas; ārtim — aflições; svāyambhuvena — pelo Manu chamado Svāyambhuva; manunā — pelo pai da humanidade; hariḥ — Hari; iti — assim; anūktaḥ — chamado.

Tradução

No ventre de sua esposa Ākūti, o Prajāpati primeiramente gerou Suyajña, após o que, no ventre de sua esposa Dakṣiṇā, Suyajña gerou semideuses, encabeçados por Suyama. Suyajña, como Indradeva, reduziu enormes sofrimentos nos três sistemas planetários [superior, inferior e intermediário] e, como diminuiu esses sofrimentos do universo, mais tarde foi chamado de Hari por Svāyambhuva Manu, o grande pai da humanidade.

Comentário

SIGNIFICADO—Para impedir que as pessoas devaneadoras e menos inteligentes inventem encarnações de Deus que não são autorizadas, também se menciona nas escrituras reveladas autorizadas o nome do pai da encarnação genuína. Portanto, ninguém pode ser aceito como uma encarnação do Senhor se o nome do seu pai, bem como o nome da vila ou lugar onde ele aparece, não é mencionado pelas escrituras autorizadas. No Bhāgavata Purāṇa, o nome da encarnação de Kalki, que ocorrerá dentro de quase quatrocentos mil anos, é mencionado juntamente com o nome de Seu pai e o nome da vila na qual Ele aparecerá. Um homem sóbrio, portanto, não aceita nenhuma edição barata de uma encarnação sobre a qual as escrituras autorizadas não fazem referência alguma.

Texto

jajñe ca kardama-gṛhe dvija devahūtyāṁ
strībhiḥ samaṁ navabhir ātma-gatiṁ sva-mātre
ūce yayātma-śamalaṁ guṇa-saṅga-paṅkam
asmin vidhūya kapilasya gatiṁ prapede

Sinônimos

jajñe — nasceu; ca — também; kardama — o Prajāpati chamado Kardama; gṛhe — na casa de; dvija — ó brāhmaṇa; devahūtyām — no ventre de Devahūti; strībhiḥ — por mulheres; samam — acompanhado por; navabhiḥ — por nove; ātma-gatim — compreensão espiritual; svamātre – à Sua própria mãe; ūce — falou; yayā — através da qual; ātmaśamalam – coberturas da alma espiritual; guṇasaṅga – associada com os modos da natureza; paṅkam — lama; asmin — esta própria vida; vidhūya — sendo limpa de; kapilasya — do Senhor Kapila; gatim — liberação; prapede — alcançou.

Tradução

Juntamente com outras nove mulheres [irmãs], o Senhor apareceu, então, como a encarnação Kapila, o filho do prajāpati brāhmaṇa Kardama e de sua esposa, Devahūti. Ele falou à Sua mãe sobre a autorrealização, através da qual, naquela mesma vida, ela se limpou por completo da lama dos modos materiais e, desse modo, alcançou a liberação, o caminho de Kapila.

Comentário

SIGNIFICADO—As instruções que o Senhor Kapila transmitiu à Sua mãe Devahūti são plenamente descritas no terceiro canto (capítulos 25-32) do Śrīmad-Bhāgavatam, e qualquer um que siga as instruções pode alcançar a mesma liberação obtida por Devahūti. O Senhor falou a Bhagavad-gītā e Arjuna alcançou a autorrealização dessa maneira, e, mesmo hoje em dia, qualquer pessoa que seguir o caminho de Arjuna também poderá beneficiar-se tanto quanto Śrī Arjuna. As escrituras se destinam a esse propósito. As pessoas tolas e sem inteligência apresentam suas próprias interpretações, recorrendo à sua imaginação e, assim, desencaminham seus seguidores, fazendo-os permanecer no calabouço da existência material. Entretanto, pelo simples fato de seguir as instruções transmitidas pelo Senhor Kṛṣṇa ou pelo Senhor Kapila, a pessoa pode obter o benefício máximo, mesmo hoje em dia.

A palavra ātma-gatim é significativa porque expressa o conhecimento perfeito acerca do Supremo. Ninguém deve se satisfazer com o simples conhecimento da igualdade qualitativa entre o Senhor e o ser vivo. Todos devem procurar conhecer o Senhor tanto quanto permita o limitado conhecimento individual. É impossível que o Senhor seja perfeitamente conhecido como Ele é, mesmo por pessoas liberadas como Śiva ou Brahmā, e muito menos por outros semideuses ou homens deste mundo. Todavia, seguindo os princípios dos grandes devotos e as instruções contidas nas escrituras, é possível desenvolver um extenso conhecimento dos aspectos do Senhor. Sua Onipotência Kapila, a encarnação do Senhor, deu à Sua mãe completas instruções sobre a forma pessoal do Senhor, e ela, desse modo, compreendeu a forma pessoal do Senhor e conseguiu obter um lugar no Vaikuṇṭhaloka onde o Senhor Kapila predomina. Toda encarnação do Senhor tem Sua própria morada no céu espiritual. Portanto, o Senhor Kapila também tem Seu planeta Vaikuṇṭha individual. O céu espiritual não é vazio. Existem inúmeros planetas Vaikuṇṭha, e, em cada um deles, o Senhor, através de Suas inúmeras expansões, predomina, e os devotos puros que ali estão também vivem no mesmo estilo do Senhor e de Seus associados eternos.

Quando o Senhor desce pessoalmente ou através de Suas expansões plenárias pessoais, semelhantes encarnações são chamadas aṁśa, kalā, guṇa, yuga e manvantara, e quando os associados do Senhor fazem seu advento por ordem do Senhor, essas encarnações são chamadas encarnações śaktyāveśa. Porém, em todos os casos, todas as encarnações são respaldadas pelas afirmações invulneráveis das escrituras autorizadas, e não pela fértil imaginação de algum propagandista interesseiro. Essas encarnações do Senhor, em qualquer das categorias acima mencionadas, sempre declaram que a Suprema Personalidade de Deus é a verdade última. A concepção impessoal acerca da verdade suprema é apenas um processo que serve para negar que o Senhor tem forma, pois, nesse caso, segundo os impersonalistas, a verdade suprema estaria associada a um conceito mundano.

As entidades vivas, através de sua própria constituição, estão no mesmo nível espiritual do Senhor, e a única diferença entre eles é que o Senhor sempre é supremo e puro, sem contaminação dos modos da natureza material, ao passo que as entidades vivas se sujeitam a se contaminar pela associação com os modos materiais de bondade, paixão e ignorância. Essa contaminação imposta pelos modos materiais pode ser completamente eliminada através do conhecimento, através da renúncia e através do serviço devocional. Serviço devocional ao Senhor é a meta última, em razão do que aqueles que estão diretamente ocupados no serviço devocional ao Senhor não apenas adquirem o necessário conhecimento em ciência espiritual, mas também se livram do vínculo material e, alcançando assim a completa liberação, promovem-se ao reino de Deus, como se afirma na Bhagavad-gītā (14.26):

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

Mesmo sem estar na fase liberada, a entidade viva pode ocupar-se diretamente no transcendental serviço amoroso à Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, ou às Suas expansões plenárias, tais como Rāma e Narasiṁha. Dessa maneira, à medida que aperfeiçoa esse serviço devocional transcendental, o devoto progride definitivamente rumo a brahma-gatim ou ātma-gatim e, por fim, alcança kapilasya gatim, ou a morada do Senhor, sem dificuldade. Tamanha é a potência antisséptica do serviço devocional ao Senhor que ela pode neutralizar a infecção material mesmo na vida atual do devoto. O devoto não precisa esperar seu próximo nascimento para somente então alcançar a liberação completa.

Texto

atrer apatyam abhikāṅkṣata āha tuṣṭo
datto mayāham iti yad bhagavān sa dattaḥ
yat-pāda-paṅkaja-parāga-pavitra-dehā
yogarddhim āpur ubhayīṁ yadu-haihayādyāḥ

Sinônimos

atreḥ — do sábio Atri; apatyam — progênie; abhikāṅkṣataḥ — tendo orado, pedindo; āha — disse isto; tuṣṭaḥ — estando satisfeito; dattaḥ — oferecido; mayā — por mim; aham — eu próprio; iti — assim; yat — porque; bhagavān — a Personalidade de Deus; saḥ — Ele; dattaḥ — Dattātreya; yatpāda – alguém cujos pés; paṅkaja — lótus; parāga — poeira; pavitra — purificado; dehāḥ — corpo; yoga — místico; ṛddhim — opulência; āpuḥ — obtiveram; ubhayīm — para ambos os mundos; yadu — o pai da dinastia Yadu; haihaya-ādyāḥ — e outros, como o rei Haihaya.

Tradução

O grande sábio Atri orou, pedindo por filhos, e o Senhor, estando satisfeito com ele, prometeu encarnar como o filho de Atri, Dattātreya [Datta, o filho de Atri]. E, pela graça dos pés de lótus do Senhor, muitos Yadus, Haihayas etc. purificaram-se tanto que obtiveram bênçãos materiais e espirituais.

Comentário

SIGNIFICADO—As relações transcendentais entre a Personalidade de Deus e as entidades vivas são eternamente estabelecidas em cinco diferentes atitudes afetivas, conhecidas como śānta, dāsya, sakhya, vātsalya e mādhurya. O sábio Atri mantinha com o Senhor a afeição conhecida como vātsalya e, portanto, como resultado de sua perfeição devocional, sentia-se inclinado a ter a Personalidade de Deus como seu filho. O Senhor aceitou a sua oração e entregou-Se como filho de Atri. Semelhante relação em que o Senhor torna-Se o filho de Seus devotos puros pode ser citada em muitos exemplos. E, como é ilimitado, o Senhor tem um número ilimitado de devotos que são Seus pais. Na verdade, o Senhor é o pai de todas as entidades vivas, mas, por afeição transcendental e amor entre o Senhor e Seus devotos, o Senhor sente mais prazer em tornar-Se filho de um devoto do que em tornar-Se o pai de alguém. O pai de fato serve ao filho, ao passo que o filho apenas exige que seu pai lhe preste todas as espécies de serviço; portanto, o devoto puro, sempre disposto a servir o Senhor, quer que Ele seja seu filho, e não seu pai. O Senhor também aceita esse serviço prestado pelo devoto, de modo que o devoto se torna mais do que o Senhor. Os impersonalistas desejam tornar-se unos com o Supremo, mas os devotos tornam-se mais do que o Senhor, pois sobrepujam o desejo do maior monista. Os pais e outros parentes do Senhor alcançam automaticamente todas as opulências místicas devido à sua relação íntima com o Senhor. Essas opulências incluem todos os aspectos do gozo material, da salvação e dos poderes místicos. Portanto, o devoto do Senhor não empreende nenhum esforço que vise apenas a isso, evitando desperdiçar o precioso tempo de sua vida dessa maneira. Por isso, é necessário que o precioso tempo de nossa vida seja plenamente ocupado no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Então, outras conquistas desejáveis são automaticamente obtidas. Todavia, mesmo após essas conquistas, a pessoa deve precaver-se contra o perigo das ofensas aos pés dos devotos. O exemplo vívido é Haihaya, que alcançou toda essa perfeição do serviço devocional, mas, devido à sua ofensa aos pés de um devoto, foi morto pelo Senhor Paraśurāma. O Senhor tornou-Se o filho do grande sábio Atri e ficou conhecido como Dattātreya.

Texto

taptaṁ tapo vividha-loka-sisṛkṣayā me
ādau sanāt sva-tapasaḥ sa catuḥ-sano ’bhūt
prāk-kalpa-samplava-vinaṣṭam ihātma-tattvaṁ
samyag jagāda munayo yad acakṣatātman

Sinônimos

taptam — tendo-me submetido a austeridades; tapaḥ — penitência; vividha-loka — diferentes sistemas planetários; sisṛkṣayā — desejando criar; me — de mim; ādau — a princípio; sanāt — da Personalidade de Deus; sva-tapasaḥ — por força de minhas próprias penitências; saḥ — Ele (o Senhor); catuḥ-sanaḥ — os quatro solteiros chamados Sanat-kumāra, Sanaka, Sanandana e Sanātana; abhūt — apareceram; prāk — antes; kalpa — criação; samplava — na inundação; vinaṣṭam — devastada; iha — neste mundo material; ātma — o espírito; tattvam — verdade; samyak — em completo; jagāda — manifestou-se; munayaḥ — sábios; yat — aquilo que; acakṣata — viram claramente; ātman — o espírito.

Tradução

Para criar diferentes sistemas planetários, tive que me submeter a austeridades e penitências, e o Senhor, uma vez satisfeito comigo, encarnou como os quatro sanas [Sanaka, Sanatkumāra, Sanandana e Sanātana]. Na criação anterior, a verdade espiritual foi devastada, mas os quatro sanas explicaram-na tão bem que a verdade foi percebida pelos sábios de imediato e com clareza.

Comentário

SIGNIFICADO—A oração Viṣṇu-sahasra-nāma menciona o nome do Senhor como sanāt e sanātana-tama. O Senhor e as entidades vivas são ambos qualitativamente sanātana, ou eternos, mas o Senhor é sanātana-tama, ou o eterno em grau superlativo. As entidades vivas são sanātana positivamente, mas não superlativamente, pois as entidades vivas são propensas a cair na atmosfera de não-eternidade. Portanto, as entidades vivas são quantitativamente diferentes do sanātana superlativo, o Senhor.

A palavra san também é usada no sentido de caridade; portanto, quando tudo é dado em caridade ao Senhor, o Senhor reciproca, entregando-Se ao devoto. Isso também é confirmado na Bhagavad-gītā (4.11): ye yathā māṁ prapadyante. Brahmājī quis criar toda a situação cósmica como ela era no milênio anterior e, porque na última devastação o conhecimento acerca da Verdade Absoluta foi totalmente eliminado do universo, ele desejou que o mesmo conhecimento fosse reinstituído; caso contrário, a criação não teria nenhum significado. Dado que o conhecimento transcendental é uma necessidade primordial, em cada milênio da criação as almas eternamente condicionadas recebem a oportunidade de liberar-se. Pela graça do Senhor, Brahmājī cumpriu esta missão quando os quatro sanas, a saber, Sanaka, Sanatkumāra, Sanandana e Sanātana, apareceram como seus quatro filhos. Esses quatro sanas eram encarnações do conhecimento do Senhor Supremo e, assim sendo, explicaram o conhecimento transcendental com tanta propriedade que todos os sábios puderam de imediato assimilar esse conhecimento sem a menor dificuldade. Seguindo os passos dos quatro Kumāras, a pessoa pode imediatamente ver a Suprema Personalidade de Deus dentro de si mesma.

Texto

dharmasya dakṣa-duhitary ajaniṣṭa mūrtyāṁ
nārāyaṇo nara iti sva-tapaḥ-prabhāvaḥ
dṛṣṭvātmano bhagavato niyamāvalopaṁ
devyas tv anaṅga-pṛtanā ghaṭituṁ na śekuḥ

Sinônimos

dharmasya — de Dharma (o controlador dos princípios religiosos); dakṣa — Dakṣa, um dos Prajāpatis; duhitari — na filha; ajaniṣṭa — nasceram; mūrtyām — chamada Mūrti; nārāyaṇaḥ — Nārāyaṇa; naraḥ — Nara; iti — assim; sva-tapaḥ — penitências pessoais; prabhāvaḥ — força; dṛṣṭvā — vendo; ātmanaḥ — de Sua própria; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; niyama-avalopam — quebrando o voto; devyaḥ — beldades celestiais; tu — mas; anaṅgapṛtanāḥ – companheiras de Cupido; ghaṭitum — acontecer; na — nunca; śekuḥ — tornaram possível.

Tradução

Para manifestar Seu método pessoal de austeridade e penitência, Ele apareceu nas formas gêmeas de Nārāyaṇa e Nara no ventre de Mūrti, esposa de Dharma e filha de Dakṣa. Beldades celestiais, as companheiras de Cupido, foram tentar quebrar Seus votos, mas não obtiveram êxito, pois viram que muitas beldades como elas emanavam dEle, a Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor, sendo a fonte de tudo o que existe, também é a origem de todas as austeridades e penitências. Grandes votos de austeridades são seguidos por sábios que desejam alcançar êxito na autorrealização. A vida humana destina-se a esse tapasya, com o grande voto de celibato, ou brahmacarya. Na rígida vida de tapasya, não há lugar para a associação com mulheres. E como a vida humana destina-se a tapasya, destina-se à autorrealização, a verdadeira civilização humana, como é concebida pelo sistema de sanātana-dharma, ou a escola em que há quatro castas e quatro ordens de vida, prescreve três etapas de vida em que a pessoa deve rigorosamente afastar-se das mulheres. Na organização de um desenvolvimento cultural progressivo, pode-se dividir a vida em quatro etapas: celibato, vida familiar, afastamento e renúncia. Durante a primeira fase da vida, que vai até os vinte e cinco anos de idade, um homem pode ser treinado como brahmacārī sob a orientação de um mestre espiritual genuíno somente para entender que a mulher é a verdadeira força que nos ata à existência material. Se quiser sair do cativeiro material e da vida condicionada, a pessoa deve livrar-se da atração pela forma feminina. A mulher, ou o belo sexo, é o princípio que encanta as entidades vivas, e a forma masculina, especialmente o ser humano, destina-se à autorrealização. O mundo inteiro move-se sob o encanto da atração feminina, e logo que se une com uma mulher, o homem cai vítima do cativeiro material, atado a um nó muito apertado. Os desejos de assenhorear-se do mundo material, na embriaguez do falso sentido de propriedade, começam especificamente logo após a união do homem com uma mulher. Os desejos de adquirir uma casa, possuir terra, ter filhos e tornar-se proeminente na sociedade, a afeição pela comunidade e pela terra natal, e o anseio por riqueza, que são fantasmagorias ou sonhos ilusórios, estorvam o ser humano, e assim ele é impedido de progredir rumo à autorrealização, a verdadeira meta da vida. O brahmacārī, ou um menino a partir dos cinco anos de idade, especialmente das castas superiores, a saber, filho de pais eruditos (os brāhmaṇas), de pais administradores (os kṣatriyas) ou de pais mercadores ou produtores (os vaiśyas), é treinado até os vinte e cinco anos de idade sob os cuidados de um guru ou preceptor genuíno e, seguindo uma disciplina rigorosa, ele passa a entender os valores da vida ao mesmo tempo em que aprende a subsistir. O brahmacārī, então, tem permissão de dirigir-se ao lar e ingressar na vida de casado, desposando uma mulher qualificada. Mas há muitos brahmacārīs que não se dirigem ao lar para tornarem-se chefes de família, senão que continuam a vida de naiṣṭhika-brahmacārīs, sem nenhuma ligação com mulheres. Eles aceitam a ordem de sannyāsa, ou a ordem de vida renunciada, sabendo muito bem que o convívio com mulheres é um fardo desnecessário e que impede a autorrealização. Como o desejo sexual é muito forte em uma certa época da vida, o guru pode permitir que o brahmacārī se case; essa licença é dada a um brahmacārī que não consegue prosseguir como naiṣṭhika-brahmacārī, e o guru genuíno pode impor essas discriminações. É preciso programar um coerente planejamento familiar. Um chefe de família que, ao se associar com uma mulher, segue as restrições contidas nas escrituras, após ter-se submetido a um completo treinamento de brahmacarya, não pode ser um chefe de família que age como os cães e os gatos. Semelhante chefe de família, após os cinquenta anos de idade, deve afastar-se da companhia de mulheres, aceitando vānaprastha para aprender a viver sozinho, sem associar-se com mulheres. Quando a prática se completa, o mesmo chefe de família retirado torna-se um sannyāsī, estritamente afastado das mulheres, mesmo de sua esposa. Fazendo uma análise de tudo o que é necessário para a pessoa afastar-se de mulheres, parece que a mulher é um empecilho à autorrealização, e o Senhor apareceu como Nārāyaṇa para ensinar o princípio pelo qual se deve cumprir um voto na vida para se afastar de mulheres. Os semideuses, sentindo inveja da vida austera dos brahmacārīs estritos, tentavam fazê-los quebrar seus votos, enviando mensageiros de Cupido. Porém, no caso do Senhor, essa tentativa foi um fracasso, pois as beldades celestiais viram que o Senhor pode produzir inúmeras dessas beldades através de Sua potência mística interna e que, consequentemente, Ele não precisava Se deixar atrair externamente por outras. Existe um provérbio comum de que um confeiteiro nunca sente atração por doces. O confeiteiro, que sempre está fazendo doces, tem pouco desejo de comê-los; igualmente, o Senhor, através de Suas potências de prazer, pode produzir inúmeras beldades espirituais, sem ficar nem um pouco atraído pelas falsas beldades da criação material. A pessoa que não entende alega tolamente que o Senhor Kṛṣṇa desfrutou de mulheres em Sua rāsa-līlā em Vṛndāvana, ou de Suas dezesseis mil esposas em Dvārakā.

Texto

kāmaṁ dahanti kṛtino nanu roṣa-dṛṣṭyā
roṣaṁ dahantam uta te na dahanty asahyam
so ’yaṁ yad antaram alaṁ praviśan bibheti
kāmaḥ kathaṁ nu punar asya manaḥ śrayeta

Sinônimos

kāmam — luxúria; dahanti — castigam; kṛtinaḥ — personalidades valentes e grandiosas; nanu — mas; roṣadṛṣṭyā – com um olhar furioso; roṣam — ira; dahantam — sendo subjugado; uta — embora; te — eles; na — não podem; dahanti — sobrepujar; asahyam — intolerável; saḥ — isto; ayam — Ele; yat — porque; antaram — dentro de; alam — entretanto; praviśan — entrando; bibheti — tem medo de; kāmaḥ — luxúria; katham — como; nu — na realidade; punaḥ — de novo; asya — Sua; manaḥ — mente; śrayeta — refugiar-se em.

Tradução

Personalidades valentes e grandiosas como o senhor Śiva podem, com seus olhares furiosos, sobrepujar a luxúria e subjugá-la, mas não podem se livrar dos devastadores efeitos de sua própria ira. Semelhante ira jamais pode entrar no coração dEle [o Senhor], que está acima de tudo isso. Logo, como a luxúria pode refugiar-se em Sua mente?

Comentário

SIGNIFICADO—Enquanto o senhor Śiva se ocupava em meditação rigorosamente austera, Cupido, o semideus da luxúria, disparou sua flecha do desejo sexual. O senhor Śiva, irando-se contra ele devido a isso, olhou para Cupido com muita raiva, e o corpo de Cupido foi aniquilado imediatamente. Embora fosse tão poderoso, o senhor Śiva foi incapaz de livrar-se dos efeitos dessa ira. No comportamento do Senhor Viṣṇu, em contraste, não há nenhum episódio em que tal ira apareça. Ao contrário, Bhṛgu Muni testou a tolerância do Senhor chutando de propósito Seu peito, mas, ao invés de zangar-Se com Bhṛgu Muni, o Senhor lhe pediu perdão, dizendo que a perna de Bhṛgu Muni poderia ter-se machucado gravemente porque Seu peito é muito duro. O Senhor ficou marcado com o pé bhṛgu-pāda como sinal de tolerância. O Senhor, portanto, nunca é afetado por nenhuma espécie de ira; como, então, pode haver espaço para a luxúria, que é menos forte que a ira? Quando a luxúria ou o desejo não são satisfeitos, a ira aparece, mas, na ausência de ira, como pode haver lugar para a luxúria? O Senhor é conhecido como āpta-kāma, ou alguém que pode satisfazer Seus próprios desejos sozinho. Ele não precisa da ajuda de ninguém para satisfazer Seus desejos. O Senhor é ilimitado, motivo pelo qual Seus desejos também são ilimitados. Com exceção do Senhor, todas as entidades vivas são limitadas sob todos os aspectos; como pode, então, o limitado satisfazer os desejos do ilimitado? A conclusão é que a Absoluta Personalidade de Deus não tem luxúria nem ira, e mesmo que às vezes o Absoluto manifeste luxúria e ira, isso deve ser considerado uma bênção absoluta.

Texto

viddhaḥ sapatny-udita-patribhir anti rājño
bālo ’pi sann upagatas tapase vanāni
tasmā adād dhruva-gatiṁ gṛṇate prasanno
divyāḥ stuvanti munayo yad upary-adhastāt

Sinônimos

viddhaḥ — atormentado por; sapatni — uma co-esposa; udita — pronunciadas por; patribhiḥ — com palavras ásperas; anti — bem diante; rājñaḥ — do rei; bālaḥ — um menino; api — embora; san — sendo assim; apagataḥ — submeteu-se a; tapase — rigorosas penitências; vanāni — em uma grande floresta; tasmai — portanto; adāt — deu como recompensa; dhruva-gatim — um caminho até o planeta Dhruva; gṛṇate — quando Lhe pediram em oração; prasannaḥ — estando satisfeito; divyāḥ — cidadãos dos planetas superiores; stuvanti — oram; munayaḥ — grandes sábios; yat — por causa disso; upari — acima; adhastāt — abaixo.

Tradução

Sendo insultado pelas ásperas palavras que a co-esposa do rei falou mesmo em sua presença, o príncipe Dhruva, embora fosse apenas um menino, submeteu-se a rigorosas penitências na floresta. E o Senhor, estando satisfeito com sua oração, concedeu-lhe o planeta Dhruva, que é adorado pelos grandes sábios, que vivem nas regiões superiores e inferiores.

Comentário

SIGNIFICADO—Certa vez, quando tinha apenas cinco anos de idade, o príncipe Dhruva, um grande devoto e filho de Mahārāja Uttānapāda, estava sentado no colo de seu pai. Sua madrasta não gostou de ver o rei acariciando seu enteado e, por isso, ela o repeliu, dizendo que ele não podia pedir para se sentar no colo do rei, visto que não nascera do ventre dela. O menininho sentiu-se insultado com esse ato de sua madrasta. E seu pai não esboçou nenhuma reação, pois estava muito apegado à sua segunda esposa. Após esse incidente, o príncipe Dhruva foi até sua própria mãe e se queixou. Sua verdadeira mãe também não era capaz de tomar nenhuma providência contra esse comportamento insultuoso, em virtude do que ela chorou. O menino perguntou à sua mãe como ele poderia ocupar o trono real de seu pai, e a própria rainha respondeu que somente o Senhor poderia ajudá-lo. O menino indagou onde o Senhor poderia ser visto, e a rainha respondeu que ouvira dizer que o Senhor às vezes é visto pelos grandes sábios na densa floresta. O pequenino príncipe decidiu ir à floresta para realizar rigorosas penitências a fim de alcançar seu objetivo.

O príncipe Dhruva realizou uma estrita espécie de penitência sob a instrução de seu mestre espiritual, Śrī Nārada Muni, a quem a Personalidade de Deus atribuiu esse propósito específico. O príncipe Dhruva foi iniciado por Nārada no canto do hino composto de dezoito letras, a saber, oṁ namo bhagavate vāsudevāya, e o Senhor Vāsudeva encarnou como Pṛśnigarbha, a Personalidade de Deus com quatro braços, e concedeu ao príncipe um planeta específico, situado acima das sete estrelas. O príncipe Dhruva, após alcançar sucesso em suas práticas, viu o Senhor face a face, e ficou contente com o fato de que todas as suas necessidades foram satisfeitas.

O planeta concedido ao príncipe Dhruva Mahārāja é um planeta Vaikuṇṭha fixo, instalado na atmosfera material por vontade do Senhor Supremo, Vāsudeva. Esse planeta, embora dentro do mundo material, não será aniquilado no momento da devastação, mas permanecerá fixo em seu lugar. E como é um planeta Vaikuṇṭha que jamais será aniquilado, ele é adorado até mesmo pelos cidadãos das sete estrelas situadas abaixo do planeta Dhruva, e adorado até mesmo pelos cidadãos dos planetas que estão acima do planeta Dhruva. O planeta de Maharṣi Bhṛgu está situado acima do planeta Dhruva.

Então, o Senhor encarnou como Pṛśnigarbha somente para satisfazer um devoto puro do Senhor. E o príncipe Dhruva alcançou essa perfeição com o simples canto do hino acima mencionado, após ser iniciado por outro devoto puro, Nārada. Uma personalidade séria pode assim alcançar a perfeição máxima de encontrar-se com o Senhor e alcançar seu objetivo com a simples orientação de um devoto puro, que automaticamente se aproxima quando alguém tem a séria determinação de encontrar-se com o Senhor por todos os meios.

A descrição das atividades do príncipe Dhruva pode ser lida minuciosamente no quarto canto do Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

yad venam utpatha-gataṁ dvija-vākya-vajra-
niṣpluṣṭa-pauruṣa-bhagaṁ niraye patantam
trātvārthito jagati putra-padaṁ ca lebhe
dugdhā vasūni vasudhā sakalāni yena

Sinônimos

yat — quando; venam — ao rei Vena; utpatha-gatam — afastando-se do caminho da retidão; dvija — dos brāhmaṇas; vākya — palavras de maldição; vajra — relâmpago; niṣpluṣṭa — sendo queimado pelas; pauruṣa — grandes ações; bhagam — opulência; niraye — ao inferno; patantam — descendo; trātvā — liberando; arthitaḥ — recebendo essas orações; jagati — no mundo; putra-padam — a posição do filho; ca — bem como; lebhe — alcançou; dugdhā — explorou; vasūni — produtos; vasudhā — a terra; sakalāni — todas as espécies de; yena — por quem.

Tradução

Mahārāja Vena afastou-se do caminho da retidão, e os brāhmaṇas castigaram-no com a maldição relâmpago. Com isso, o rei Vena foi queimado com suas boas ações e opulência e estava a caminho do inferno. O Senhor, por Sua misericórdia imotivada, desceu como seu filho, chamado Pṛthu, libertou do inferno o condenado rei Vena, e explorou a Terra, extraindo como produtos todas as espécies de colheitas.

Comentário

SIGNIFICADO—De acordo com o sistema de varṇāśrama-dharma, os brāhmaṇas piedosos e eruditos eram os guardiães naturais da sociedade. Os brāhmaṇas, com seu trabalho erudito e amoroso, instruíam os reis administradores a governarem o país em completa retidão, e assim o regime caminhava como um perfeito governo para o bem-estar comum. Os reis, ou administradores kṣatriyas, sempre recorriam ao conselho de brāhmaṇas eruditos. Eles nunca eram monarcas autocráticos. Escrituras como a Manu-saṁhitā e outros livros autorizados dos grandes sábios continham princípios orientadores próprios para governar os súditos, e não havia necessidade de que pessoas menos inteligentes inventassem um código de leis em nome da democracia. A massa de pessoas menos inteligentes tem pouquíssimo entendimento de seu próprio bem-estar, assim como uma criança tem pouquíssimo conhecimento de seu futuro bem-estar. O pai experiente guia a criança inocente rumo ao caminho do progresso, e, tal qual uma criança, a massa de pessoas precisa de semelhante orientação. Os códigos que estabelecem o padrão de bem-estar já estão na Manu-saṁhitā e outros textos védicos. Ao aconselharem os reis, os brāhmaṇas eruditos recorriam a esses livros de conhecimento padronizado e tomavam como referência a situação específica de tempo e lugar. Semelhantes brāhmaṇas não eram servos pagos pelo rei, daí terem força para impor ao rei os princípios das escrituras. Esse sistema continuou até a época de Mahārāja Candragupta, e o brāhmaṇa Cāṇakya era seu primeiro-ministro, que não recebia remuneração alguma.

Mahārāja Vena não aderiu a esse princípio de governo e desobedeceu aos brāhmaṇas eruditos. Os brāhmaṇas magnânimos não eram egoístas, mas cuidavam do bem-estar completo de todos os súditos. Eles queriam castigar o rei Vena por sua má conduta e, assim, oraram ao Senhor Todo-Poderoso bem como amaldiçoaram o rei.

Vida longa, obediência, boa reputação, retidão, perspectivas de promoção aos planetas superiores e bênçãos das grandes personalidades são todas aniquiladas através da simples desobediência a uma grande alma. A pessoa deve tentar seguir estritamente os passos das grandes almas. Mahārāja Vena tornou-se um rei devido, indubitavelmente, às boas ações que praticou no passado, mas, porque deliberadamente negligenciou as grandes almas, ele foi punido, perdendo todas as conquistas acima mencionadas. No Vāmana Purāṇa, descreve-se plenamente a história de Mahārāja Vena e sua degradação. Ao ficar sabendo da condição infernal de seu pai, Vena, que sofria de lepra na família de um mleccha, Mahārāja Pṛthu imediatamente levou o antigo rei para purificar-se em Kurukṣetra, aliviando-o de todos os sofrimentos.

Mahārāja Pṛthu, uma encarnação de Deus, desceu para atender a oração dos brāhmaṇas, pois viria retificar as desordens sobre a Terra. Ele produziu todos os tipos de colheitas. Mas, ao mesmo tempo, executou o dever de um filho que libera seu pai, tirando-o das condições infernais. A palavra putra significa aquele que liberta do inferno, chamado put. Esse é um filho digno.

Texto

nābher asāv ṛṣabha āsa sudevi-sūnur
yo vai cacāra sama-dṛg jaḍa-yoga-caryām
yat pāramahaṁsyam ṛṣayaḥ padam āmananti
svasthaḥ praśānta-karaṇaḥ parimukta-saṅgaḥ

Sinônimos

nābheḥ — por meio de Mahārāja Nābhi; asau — a Personalidade de Deus; ṛṣabhaḥ — Ṛṣabha; āsa — tornou-Se; sudevi — Sudevī; sūnuḥ — o filho de; yaḥ — quem; vai — decerto; cacāra — realizou; sama-dṛk — equilibrada; jaḍa — material; yogacaryām – prática de yoga; yat — a qual; pāramahaṁsyam — a fase de perfeição máxima; ṛṣayaḥ — os sábios eruditos; padam — situação; āmananti — aceitam; svasthaḥ — situado no eu; praśānta — suspensos; karaṇaḥ — os sentidos materiais; parimukta — perfeitamente liberados; saṅgaḥ — contaminação material.

Tradução

O Senhor apareceu como o filho de Sudevī, a esposa do rei Nābhi, e era conhecido como Ṛṣabhadeva. Ele praticou o yoga materialista para equilibrar a mente. Esse estágio também é aceito como a situação de liberação mais perfeita, na qual a pessoa se situa em seu próprio eu e permanece inteiramente satisfeita.

Comentário

SIGNIFICADO—Entre os muitos tipos de práticas místicas para se alcançar a autorrealização, o processo de jaḍa-yoga também é aceito pelas autoridades. Esse jaḍa-yoga consiste em práticas através das quais a pessoa se torna tal qual uma pedra bruta para evitar afetar-se pelas reações materiais. Assim como uma pedra é indiferente a todas as espécies de investidas e reinvestidas das situações externas, do mesmo modo, a pessoa pratica jaḍa-yoga, tolerando a dor que é voluntariamente infligida no corpo material. Esses yogīs, entre muitos métodos de autoflagelação, arrancam os pelos de seu rosto, sem barbearem-se e sem a ajuda de nenhum instrumento. Contudo o verdadeiro propósito dessa prática de jaḍa-yoga é livrar-se de toda a afeição material e situar-se completamente no eu. Na fase final de sua vida, o imperador Ṛṣabhadeva vagava como um homem louco e mudo, não se deixando afetar por nenhuma espécie de maus-tratos corpóreos. Vendo-o como um louco, vagando nu com cabelo comprido e barba longa, as crianças e os homens menos inteligentes nas ruas cuspiam nele e urinavam em seu corpo. Ele se deitava sobre seu próprio excremento e ficava imóvel. Porém, o excremento de seu corpo era fragrante como o aroma de flores perfumadas, e uma pessoa santa o reconheceria como um paramahaṁsa, alguém na fase máxima de perfeição humana. Entretanto, a pessoa que não consegue tornar seu excremento perfumado não deve imitar o imperador Ṛṣabhadeva. A prática de jaḍa-yoga foi possível para Ṛṣabhadeva e outros no mesmo nível de perfeição, mas essa prática extraordinária é impossível para um homem comum.

O verdadeiro propósito de jaḍa-yoga, como se menciona aqui neste verso, é praśānta-karaṇaḥ, ou subjugar os sentidos. Todo o processo de yoga, qualquer que seja o título que receba, serve para controlar os desenfreados sentidos materiais e, deste modo, preparar a pessoa para a autorrealização. Especificamente nesta era, esse jaḍa-yoga não pode ter nenhum valor prático, mas, por outro lado, a prática de bhakti-yoga é viável, visto que é muito apropriada para esta era. O simples método de ouvir a fonte correta, o Śrīmad-Bhāgavatam, levará a pessoa à fase de máxima perfeição ióguica. Ṛṣabhadeva era filho do rei Nābhi e neto do rei Āgnīdhra, e foi o pai do rei Bharata, cujo nome serviu para que este planeta Terra fosse chamado de Bhārata-varṣa. A mãe de Ṛṣabhadeva também era conhecida como Merudevī, embora seu nome seja aqui mencionado como Sudevī. Às vezes se propõe que Sudevī era outra esposa do rei Nābhi, mas como em outras passagens menciona-se que o rei Ṛṣabhadeva é filho de Merudevī, é evidente que Merudevī e Sudevī são a mesma pessoa conhecida por nomes diferentes.

Texto

satre mamāsa bhagavān haya-śīraṣātho
sākṣāt sa yajña-puruṣas tapanīya-varṇaḥ
chandomayo makhamayo ’khila-devatātmā
vāco babhūvur uśatīḥ śvasato ’sya nastaḥ

Sinônimos

satre — na cerimônia de sacrifício; mama — minha; āsa — apareceu; bhagavān — a Personalidade de Deus; hayaśīraṣā – com Sua cabeça equina; atha — assim; sākṣāt — diretamente; saḥ — Ele; yajñapuruṣaḥ – a pessoa que fica satisfeita com a realização de sacrifícios; tapanīya — dourado; varṇaḥ — matiz; chandaḥ-mayaḥ — hinos védicos personificados; makha-mayaḥ — sacrifícios personificados; akhila — tudo o que existe; devatā-ātmā — a alma dos semideuses; vācaḥ — sons; babhūvuḥ — tornam-se audíveis; uśatīḥ — muito agradáveis de ouvir; śvasataḥ — enquanto respirava; asya — Suas; nastaḥ — através das narinas.

Tradução

O Senhor apareceu como a encarnação Hayagrīva em um sacrifício realizado por mim [Brahmā]. Ele é os sacrifícios personificados, e Seu corpo tem matiz dourado. Ele também é os Vedas personificados e a Superalma de todos os semideuses. Quando Ele respirou, todos os doces sons dos hinos védicos saíram de Suas narinas.

Comentário

SIGNIFICADO—De um modo geral, os hinos védicos se destinam aos sacrifícios realizados pelos trabalhadores fruitivos que também querem satisfazer os semideuses para alcançar resultados fruitivos. O Senhor, porém, é os sacrifícios personificados e os hinos védicos personificados. Portanto, a pessoa que é diretamente um devoto do Senhor é alguém que automaticamente serviu aos propósitos dos sacrifícios e satisfez os semideuses. Os devotos do Senhor talvez não realizem sacrifício algum ou talvez não satisfaçam os semideuses, seguindo os preceitos védicos, apesar do que os devotos estão em um nível superior ao dos trabalhadores fruitivos ou ao dos adoradores de diferentes semideuses.

Texto

matsyo yugānta-samaye manunopalabdhaḥ
kṣoṇīmayo nikhila-jīva-nikāya-ketaḥ
visraṁsitān uru-bhaye salile mukhān me
ādāya tatra vijahāra ha veda-mārgān

Sinônimos

matsyaḥ — encarnação de peixe; yugaanta – no final do milênio; samaye — no momento de; manunā — o pretendente a ser Vaivasvata Manu; upalabdhaḥ — veria; kṣoṇīmayaḥ incluindo até os planetas terrestres; nikhila — todas; jīva — as entidades vivas; nikāya-ketaḥ — refúgio para; visraṁsitān — emanando de; uru — grande; bhaye — por medo; salile — na água; mukhāt — da boca; me — minha; ādāya — tendo aceitado; tatra — ali; vijahāra — desfrutou; ha — certamente; veda-mārgān — todos os Vedas.

Tradução

No final do milênio, o pretendente a ser Vaivasvata Manu, chamado Satyavrata, veria que o Senhor, sob a encarnação de peixe, é o refúgio de todas as classes de entidades vivas, inclusive aquelas nos planetas terrestres. Devido ao meu temor da vasta água no final do milênio, os Vedas surgem de minha [de Brahmā] boca, e o Senhor desfruta dessas vastas águas e protege os Vedas.

Comentário

SIGNIFICADO—Durante um dia de Brahmā, existem quatorze Manus, e, no final de cada Manu, há uma devastação que atinge também os planetas terrestres, e a vasta água causa medo até mesmo a Brahmā. Logo, no começo daquele que é pretendente a ser Vaivasvata Manu, ele veria essa devastação. Haveria também muitos outros incidentes, tais como o extermínio do famoso Śaṅkhāsura. Essa predição decorre da experiência passada de Brahmājī, que sabia que, naquela amedrontadora cena de devastação, os Vedas surgiriam de sua boca, mas o Senhor, sob Sua encarnação de peixe, não apenas salvaria todas as entidades vivas, a saber, os semideuses, animais, homens e grandes sábios, mas também salvaria os Vedas.

Texto

kṣīrodadhāv amara-dānava-yūthapānām
unmathnatām amṛta-labdhaya ādi-devaḥ
pṛṣṭhena kacchapa-vapur vidadhāra gotraṁ
nidrākṣaṇo ’dri-parivarta-kaṣāṇa-kaṇḍūḥ

Sinônimos

kṣīra — leite; udadhau — no oceano de; amara — os semideuses; dānava — os demônios; yūtha-pānām — dos líderes de ambas as hostes; unmathnatām — enquanto batiam; amṛta — néctar; labdhaya — para obter; ādidevaḥ – o Senhor primordial; pṛṣṭhena — com a espinha dorsal; kacchapa — tartaruga; vapuḥ — corpo; vidadhāra — assumiu; gotram — a colina Mandara; nidrākṣaṇaḥ — enquanto dormia parcialmente; adri-parivarta — girando a colina; kaṣāṇa — esfregando; kaṇḍūḥ — comichão.

Tradução

O Senhor primordial assumiu, então, a encarnação de tartaruga a fim de servir de lugar de repouso [pivô] para a montanha Mandara, que agia como uma batedeira. Os semideuses e demônios estavam batendo o oceano de leite com a montanha Mandara para extrair néctar. A montanha movia-se para frente e para trás, esfregando as costas do Senhor Tartaruga, que, enquanto dormia parcialmente, experimentava uma sensação de coceira.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora não esteja dentro de nossa experiência, existe um oceano de leite neste universo. Até mesmo os cientistas modernos aceitam que existem centenas e centenas de milhares de planetas pairando sobre nossas cabeças, e cada um deles tem diferentes espécies de condições climáticas. O Śrīmad-Bhāgavatam apresenta muitas informações que talvez não correspondam à nossa experiência atual. Entretanto, no que se refere aos sábios da Índia, o conhecimento é recebido dos textos védicos, e as autoridades aceitam sem nenhuma hesitação que devemos ver através das páginas dos autênticos livros de conhecimento (śāstra-cakṣurvat). Logo, enquanto não tivermos, na prática, uma experiência de todos os planetas que pairam no espaço, não poderemos negar a existência de um oceano de leite, como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam. Como não é possível essa experiência, naturalmente temos de aceitar a afirmação do Śrīmad-Bhāgavatam como ela é, pois é esse o método adotado pelos líderes espirituais, como Śrīdhara Svāmī, Jīva Gosvāmī, Viśvanātha Cakravartī e outros. O processo védico consiste em seguir os passos das grandes autoridades, e esse é o único processo para conhecer aquilo que está além da nossa imaginação.

O Senhor primordial, sendo todo-poderoso, pode fazer tudo o que deseja, daí o fato de Ele assumir a encarnação de uma tartaruga ou de um peixe para servir a um propósito específico não ser em nada espantoso. Por conseguinte, não devemos ter nenhuma hesitação em aceitar as afirmações das escrituras autênticas, tais como o Śrīmad-Bhāgavatam.

Esse trabalho colossal, de bater o oceano de leite através do esforço conjunto de semideuses e demônios, exigia um gigantesco ponto de apoio ou pivô para a enorme colina Mandara. Assim, para ajudar a tentativa empreendida pelos semideuses, o Senhor primordial assumiu a encarnação de uma gigantesca tartaruga, nadando no oceano de leite. Ao mesmo tempo, a montanha esfregava Sua espinha dorsal enquanto Ele Se encontrava parcialmente adormecido e, assim, aliviava Sua sensação de coceira.

Texto

trai-piṣṭaporu-bhaya-hā sa nṛsiṁha-rūpaṁ
kṛtvā bhramad-bhrukuṭi-daṁṣṭra-karāla-vaktram
daityendram āśu gadayābhipatantam ārād
ūrau nipātya vidadāra nakhaiḥ sphurantam

Sinônimos

trai-piṣṭapa — os semideuses; uru-bhaya – aquele que elimina grandes temores; saḥ — Ele (a Personalidade de Deus); nṛsiṁha-rūpam — assumindo a encarnação de Nṛsiṁha; kṛtvā — fazendo assim; bhramat — arqueando; bhru-kuṭi — sobrancelhas; daṁṣṭra — dentes; karāla — muito amedrontadores; vaktram — boca; daitya-indram — o rei dos demônios; āśu — imediatamente; gadayā — com uma maça na mão; abhipatantam — enquanto caía; ārāt — perto; ūrau — sobre as coxas; nipātya — pondo sobre; vidadāra — trespassou; nakhaiḥ — com as unhas; sphurantam — enquanto desafiava.

Tradução

A Personalidade de Deus assumiu a encarnação de Nṛsiṁhadeva para destruir os grandes temores dos semideuses. Ele matou o rei dos demônios [Hiraṇyakaśipu], que desafiou o Senhor com uma maça em sua mão, pondo o demônio sobre Suas coxas e trespassando-o com Suas unhas, enquanto arqueava as sobrancelhas com raiva e mostrava a boca e os dentes amedrontadores.

Comentário

SIGNIFICADO—A história de Hiraṇyakaśipu e de seu grande filho, o devoto Prahlāda Mahārāja, é narrada no sétimo canto do Śrīmad-Bhāgavatam. Hiraṇyakaśipu tornou-se muito poderoso através de conquistas materiais e julgava-se imortal pela graça de Brahmājī. Brahmājī recusou-se a conceder a bênção da imortalidade porque ele próprio não é um ser imortal. Mas Hiraṇyakaśipu obteve de maneira indireta a bênção de Brahmājī, e ela quase equivalia à imortalidade. Hiraṇyakaśipu certificou-se de que não seria morto por nenhum homem ou semideus e por nenhum tipo de arma conhecida, tampouco morreria de dia ou de noite. O Senhor, entretanto, assumiu a encarnação metade homem e metade leão, que estava além da imaginação de um demônio materialista como Hiraṇyakaśipu, e assim, sem contrariar a bênção de Brahmājī, o Senhor o matou. Ele o matou sobre Seu colo para que ele não fosse morto na terra, na água ou no céu. O demônio foi trespassado pelas unhas de Nṛsiṁha, que não se incluíam entre as armas humanas imaginadas por Hiraṇyakaśipu. O significado literal de Hiraṇyakaśipu é aquele que anda em busca de ouro e cama macia, a meta última de todos os homens materialistas. Semelhantes homens demoníacos, que não cultivam nenhuma relação com Deus, aos poucos se envaidecem de suas aquisições materiais e passam a desafiar a autoridade do Senhor Supremo e torturam aqueles que são devotos do Senhor. Acontecia de Prahlāda Mahārāja ser filho de Hiraṇyakaśipu, e, como o menino era um grande devoto, seu pai lhe infligiu todas as torturas que estavam ao seu alcance. Nessa situação extrema, o Senhor assumiu a encarnação de Nṛsiṁhadeva e, só para dar cabo do inimigo dos semideuses, o Senhor impôs a Hiraṇyakaśipu uma morte que estava além da imaginação do demônio. Os planos materialistas dos demônios ímpios sempre são frustrados pelo Senhor todo-poderoso.

Texto

antaḥ-sarasy uru-balena pade gṛhīto
grāheṇa yūtha-patir ambuja-hasta ārtaḥ
āhedam ādi-puruṣākhila-loka-nātha
tīrtha-śravaḥ śravaṇa-maṅgala-nāmadheya

Sinônimos

antaḥ-sarasi — dentro do rio; uru-balena — com força superior; pade — perna; gṛhītaḥ — sendo apanhada; grāheṇa — pelo crocodilo; yūtha-patiḥ — do líder dos elefantes; ambuja-hastaḥ — com uma flor de lótus na mão; ārtaḥ — muitíssimo aflito; āha — interpelou; idam — assim; ādi-puruṣa — o desfrutador original; akhila-loka-nātha — o Senhor do universo; tīrtha-śravaḥ — tão famoso como um lugar de peregrinação; śravaṇa-maṅgala — tudo fica bom simplesmente ouvindo o nome; nāma-dheya — cujo santo nome vale a pena ser cantado.

Tradução

O líder dos elefantes, cuja perna foi atacada em um rio por um crocodilo de força superior, ficou muito aflito. Apanhando uma flor de lótus com sua tromba, ele se dirigiu ao Senhor, dizendo: “Ó desfrutador original, Senhor do universo! Ó libertador, tão famoso como um lugar de peregrinação! Todos se purificam com o simples fato de ouvirem Teu santo nome, o qual é digno de ser cantado.”

Comentário

SIGNIFICADO—A história da liberação do líder dos elefantes, cuja perna foi atacada no rio por um crocodilo de força superior, é descrita no oitavo canto do Śrīmad-Bhāgavatam. Como o Senhor é conhecimento absoluto, não há diferença entre Seu santo nome e a Personalidade de Deus. O líder dos elefantes ficou muito aflito quando foi atacado pelo crocodilo. Embora o elefante sempre seja mais forte do que o crocodilo, esse é mais forte do que o elefante quando na água. E porque, em seu nascimento anterior, era um grande devoto do Senhor, o elefante foi capaz de cantar os santos nomes do Senhor em virtude de suas boas ações passadas. Toda entidade viva sempre está aflita neste mundo material, pois este é um lugar em que, a cada passo, a pessoa tem de se defrontar com algum tipo de aflição. Mas alguém que tem a seu favor boas ações praticadas no passado ocupa-se no serviço devocional ao Senhor, como se confirma na Bhagavad-gītā (7.16). Aqueles que praticaram atos ímpios não podem se ocupar no serviço devocional ao Senhor, mesmo que estejam aflitos. Isso também é confirmado na Bhagavad-gītā (7.15). A Personalidade de Deus, Hari, apareceu imediatamente, montado em Seu eterno carregador, Garuḍa, e libertou o elefante.

O elefante era consciente de seu relacionamento com o Senhor Supremo. Ele se dirigiu ao Senhor como ādi-puruṣa, ou o desfrutador original. Tanto o Senhor quanto os seres vivos são conscientes e, portanto, são desfrutadores, mas o Senhor é o desfrutador original porque é o criador de tudo. Em uma família, tanto o pai quanto seus filhos são desfrutadores, sem dúvida, mas o pai é o desfrutador original, e os filhos são desfrutadores subsequentes. O devoto puro sabe muito bem que tudo no universo é propriedade do Senhor e que a entidade viva pode obter um desfrute que é designado pelo Senhor. O ser vivo não pode nem mesmo tocar uma coisa que não foi reservada a ele. Esse conceito acerca de um desfrutador original é muito bem explicado na Īśopaniṣad. Aquele que conhece essa diferença entre o Senhor e ele próprio nunca aceita algo sem oferecer primeiramente ao Senhor.

O elefante dirigiu-se ao Senhor como akhila-loka-nātha, ou o Senhor do universo, quem, portanto, também é o Senhor do elefante. O elefante, sendo um devoto puro do Senhor, merecia especialmente ser salvo do ataque do crocodilo, e, porque o Senhor promete que Seu devoto nunca será aniquilado, não era nada estranho o fato de o elefante pedir que o Senhor o protegesse, e o Senhor misericordioso prontamente atendeu esse pedido. O Senhor é o protetor de todos, mas Ele primeiro protege aquele que reconhece a superioridade do Senhor, evitando assim o falso orgulho que leva a pessoa a negar a superioridade do Senhor ou a alegar que ela é igual a Ele. Ele sempre é superior. O devoto puro do Senhor conhece essa diferença entre o Senhor e ele próprio. Portanto, o devoto puro recebe prioridade devido à sua completa dependência, ao passo que a pessoa que nega a existência do Senhor e declara-se o Senhor é chamada de asura, e, nesse caso, sua proteção vem do poder limitado sujeito à sanção do Senhor. Como o Senhor é superior a todos, Sua perfeição também é superior. Ninguém pode imaginá-la.

O elefante dirigiu-se ao Senhor como tīrtha-śravaḥ, ou “tão famoso como um lugar de peregrinação”. As pessoas vão aos lugares de peregrinação para se libertarem das reações de atos pecaminosos desconhecidos. No entanto, a pessoa pode livrar-se de todas as reações pecaminosas pelo simples fato de lembrar-se de Seu santo nome. O Senhor, portanto, está em nível de igualdade com os lugares sagrados de peregrinação. A pessoa pode livrar-se de todas as reações pecaminosas após chegar a um lugar de peregrinação, mas ela pode ter o mesmo benefício em casa ou em qualquer lugar simplesmente cantando os santos nomes do Senhor. O devoto puro não precisa ir a um lugar sagrado de peregrinação. Ele pode se libertar de todos os atos pecaminosos simplesmente lembrando-se do Senhor com seriedade. O devoto puro do Senhor jamais comete quaisquer atos pecaminosos, mas, como o mundo inteiro está repleto de uma atmosfera pecaminosa, mesmo um devoto puro pode cometer um pecado inconscientemente, e isso é algo muito natural. Quem comete pecados deliberadamente não tem condições de ser devoto do Senhor, mas o devoto puro que inconscientemente realiza alguma atividade pecaminosa com certeza é liberado pelo Senhor, pois o devoto puro sempre se lembra dEle.

O santo nome do Senhor é chamado śravaṇa-maṅgala. Isso significa que a pessoa recebe tudo o que é auspicioso pelo simples fato de ouvir o santo nome. Em outra passagem do Śrīmad-Bhāgavatam, Seu santo nome é descrito como puṇya-śravaṇa-kīrtana. O simples fato de cantar e ouvir tudo sobre o Senhor é um ato piedoso. O Senhor desce a esta Terra e age como se fosse alguém que executa atividades relacionadas com o mundo só para despertar nas pessoas o interesse de ouvir sobre Ele; afora isso, o Senhor nada tem a fazer neste mundo, tampouco tem qualquer obrigação de fazer alguma coisa. Ele faz Seu advento por Sua própria misericórdia imotivada e age como deseja; os Vedas e os Purāṇas estão repletos de descrições de Suas diferentes atividades para que as pessoas em geral possam naturalmente se interessar em ouvir e ler algo sobre Suas atividades. Entretanto, de um modo geral, as ficções e as novelas modernas do mundo ocupam a maior parte do precioso tempo das pessoas. Semelhantes textos não podem fazer bem a ninguém; na verdade, eles provocam uma desnecessária agitação na mente dos jovens e intensificam os modos da paixão e da ignorância, criando um maior cativeiro às condições materiais. A mesma aptidão para ouvir e ler é mais bem utilizada quando se ouve e lê sobre as atividades do Senhor. Isso trará completo benefício.

Conclui-se, portanto, que sempre vale a pena ouvir o santo nome do Senhor e os tópicos relacionados a Ele, e é por isso que, aqui neste verso, Ele é chamado nāma-dheya, ou aquele cujo santo nome é digno de ser cantado.

Texto

śrutvā haris tam araṇārthinam aprameyaś
cakrāyudhaḥ patagarāja-bhujādhirūḍhaḥ
cakreṇa nakra-vadanaṁ vinipāṭya tasmād
dhaste pragṛhya bhagavān kṛpayojjahāra

Sinônimos

śrutvā — ouvindo; hariḥ — a Personalidade de Deus; tam — a ele; araṇa-arthinam — aquele que precisa de ajuda; aprameyaḥ — o Senhor ilimitadamente poderoso; cakra — disco; āyudhaḥ — equipado com Sua arma; pataga-rāja — o rei dos pássaros (Garuḍa); bhujaadhirūḍhaḥ – estando sentado sobre as asas de; cakreṇa — com o disco; nakra-vadanam — a boca do crocodilo; vinipāṭya — cortando em dois; tasmāt — da boca do crocodilo; haste — nas mãos; pragṛhya — segurando a tromba; bhagavān — a Personalidade de Deus; kṛpayā — por misericórdia imotivada; ujjahāra — libertou-o.

Tradução

A Personalidade de Deus, após ouvir a súplica do elefante, sentiu que este precisava de Sua ajuda imediata, pois estava muito aflito. Assim, o Senhor logo apareceu ali sobre as asas do rei dos pássaros, Garuḍa, plenamente equipado com Sua arma, o disco [cakra]. Com o disco, Ele despedaçou a boca do crocodilo para salvar o elefante, e libertou o elefante erguendo-o pela tromba.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor reside em Seu planeta Vaikuṇṭha. Ninguém pode calcular a que distância está situado esse planeta. Entretanto, declara-se que qualquer um que tente alcançar aquele planeta através de aeronaves ou psiconaves, viajando milhões de anos, continuará sem conhecê-lo. Os cientistas modernos inventaram aeronaves materiais, e os yogīs, numa tentativa material mais refinada, tentam viajar através de psiconaves. Com a ajuda de psiconaves, os yogīs podem alcançar bem depressa qualquer lugar distante. Todavia, nem as aeronaves nem as psiconaves têm acesso ao reino de Deus em Vaikuṇṭhaloka, situado muito além do céu material. Se a situação é essa, como é possível que as orações do elefante fossem ouvidas em uma região tão ilimitadamente distante, e como o Senhor pôde aparecer imediatamente naquele lugar? Essas coisas não podem ser calculadas pela imaginação humana. Tudo isso é possível graças ao poder ilimitado do Senhor, daí o Senhor ser aqui descrito como aprameya, pois nem mesmo o melhor cérebro humano pode avaliar seus poderes e potências através de cálculos matemáticos. O Senhor pode ouvir desse lugar muito distante, pode comer enquanto está ali e pode aparecer simultaneamente em todos os lugares numa fração de segundos. Essa é a onipotência do Senhor.

Texto

jyāyān guṇair avarajo ’py aditeḥ sutānāṁ
lokān vicakrama imān yad athādhiyajñaḥ
kṣmāṁ vāmanena jagṛhe tripada-cchalena
yācñām ṛte pathi caran prabhubhir na cālyaḥ

Sinônimos

jyāyān — as maiores; guṇaiḥ — com qualidades; avarajaḥ — transcendental; api — embora Ele seja assim; aditeḥ — de Aditi; sutānām — de todos os filhos (conhecidos como Ādityas); lokān — todos os planetas; vicakrame — ultrapassou; imān — neste universo; yat — aquele que; atha — portanto; adhiyajñaḥ — a Suprema Personalidade de Deus; kṣmām — todas as terras; vāmanena — sob a encarnação de Vāmana; jagṛhe — aceitou; tripada — três passos; chalena — com o pretexto; yācñām — esmolar; ṛte — sem; pathi caran — ignorando o caminho correto; prabhubhiḥ — pelas autoridades; na — nunca poderá ser; cālyaḥ — ser destituída de.

Tradução

Muito embora transcendental a todos os modos materiais, o Senhor excedeu todas as qualidades dos filhos de Aditi, conhecidos como Ādityas. O Senhor apareceu como o filho mais novo de Aditi. E como Ele ultrapassou todos os planetas do universo, Ele é a Suprema Personalidade de Deus. Com o pretexto de pedir três passos de terra, Ele tomou todas as terras de Bali Mahārāja. Ele solicitou simplesmente porque, sem mendigar, nenhuma autoridade pode tirar a posse que, por direito, pertence a alguém.

Comentário

SIGNIFICADO—A história de Bali Mahārāja e a caridade que ele faz a Vāmanadeva são descritas no oitavo canto do Śrīmad-Bhāgavatam. Bali Mahārāja conquistou por meios legais todos os planetas do universo. Um rei pode conquistar outros reis pela força, e tal posse é considerada legal. Assim, Bali Mahārāja possuía todas as terras do universo e era caridoso com os brāhmaṇas. O Senhor, portanto, Se fez passar por um brāhmaṇa mendicante e pediu a Bali Mahārāja uma extensão de terra equivalente a três de Seus passos. O Senhor, como o proprietário de tudo, podia tomar de Bali Mahārāja toda a terra que ele possuía, mas não adotou esse procedimento porque todas as terras que Bali Mahārāja possuía foram conquistas legais. Quando o Senhor Vāmana pediu a Bali Mahārāja essa pequena caridade, o mestre espiritual de Bali Mahārāja, Śukrācārya, objetou essa proposta porque sabia que Vāmanadeva era o próprio Viṣṇu fazendo-Se passar por um mendigo. Ao compreender que o mendigo era o próprio Viṣṇu, Bali Mahārāja não quis acatar a ordem de seu mestre espiritual e concordou de imediato em Lhe dar em caridade a terra solicitada. Recebendo a autorização, o Senhor Vāmana cobriu, então, todas as terras do universo com Seus dois primeiros passos e, depois, perguntou a Bali Mahārāja onde poderia dar o terceiro passo. Bali Mahārāja se sentiu muito alegre de receber sobre sua cabeça o outro passo do Senhor e, assim, Bali Mahārāja, ao invés de perder tudo o que possuía, foi abençoado, pois o Senhor passou a ser seu constante companheiro e porteiro. Logo, dando tudo em prol da causa do Senhor, a pessoa nada perde, mas ganha tudo o que ela nem ao menos sonhava.

Texto

nārtho baler ayam urukrama-pāda-śaucam
āpaḥ śikhā-dhṛtavato vibudhādhipatyam
yo vai pratiśrutam ṛte na cikīrṣad anyad
ātmānam aṅga manasā haraye ’bhimene

Sinônimos

na — nunca; arthaḥ — de nenhum valor em comparação com; baleḥ — da força; ayam — esta; urukramapādaśaucam – a água que lavou os pés da Personalidade de Deus; āpaḥ — água; śikhādhṛtavataḥ – daquele que a derramou sobre sua cabeça; vibudhaadhipatyam – supremacia sobre o reino dos semideuses; yaḥ — aquele que; vai — decerto; pratiśrutam — que foi devidamente prometido; ṛte na — além disto; cikīrṣat — tentou; anyat — alguma outra coisa; ātmānam — mesmo seu corpo pessoal; aṅga — ó Nārada; manasā — em sua mente; haraye — ao Senhor Supremo; abhimene — dedicado.

Tradução

Bali Mahārāja, que colocou sobre sua cabeça a água que lavou os pés de lótus do Senhor, pensava somente em sua promessa, apesar da proibição que lhe fora imposta pelo seu mestre espiritual. O rei entregou seu próprio corpo para que o Senhor concluísse o Seu terceiro passo. Para essa personalidade, nem mesmo o reino dos céus, que ele conquistara com sua força, tinha algum valor.

Comentário

SIGNIFICADO—Bali Mahārāja, que em troca de seu grande sacrifício material recebeu o favor transcendental do Senhor, conseguiu um lugar em Vaikuṇṭhaloka, onde viveria condições mais propícias ao gozo eterno; portanto, ele nada perdeu ao sacrificar o reino dos céus, que possuía graças à sua força material. Em outras palavras, quando o Senhor arrebata as posses materiais que a pessoa adquiriu arduamente e a favorece com Seu transcendental serviço pessoal que lhe outorga vida, bem-aventurança e conhecimento eternos, essa desapropriação efetuada pelo Senhor deve ser considerada um favor especialmente concedido a esse devoto puro.

As posses materiais, por mais sedutoras que sejam, não podem ser posses permanentes. Portanto, a pessoa deve voluntariamente abandonar essas posses, ou ela terá de deixar essas posses na hora de abandonar seu corpo material. O homem são sabe que todas as posses materiais são temporárias e que o melhor uso dessas posses é ocupá-las no serviço ao Senhor para que o Senhor possa ficar satisfeito com ele e lhe conceda um lugar permanente em Seu paraṁ dhāma.

Na Bhagavad-gītā (15.5-6), o paraṁ dhāma do Senhor é descrito da seguinte maneira:

nirmāna-mohā jita-saṅga-doṣā
adhyātma-nityā vinivṛtta-kāmāḥ
dvandvair vimuktāḥ sukha-duḥkha-saṁjñair
gacchanty amūḍhāḥ padam avyayaṁ tat
na tad bhāsayate sūryo
na śaśāṅko na pāvakaḥ
yad gatvā na nivartante
tad dhāma paramaṁ mama

A pessoa que, neste mundo material, tem muitas posses sob a forma de casas, terra, filhos, sociedade, amizade e riqueza, possui essas coisas apenas por algum tempo. Ninguém pode possuir permanentemente toda essa parafernália ilusória, criada por māyā. Semelhante proprietário está muito iludido no que diz respeito à sua autorrealização; a pessoa, então, deve possuir pouco ou nada, para que possa ficar livre do prestígio artificial. No mundo material, contaminamo-nos com a associação dos três modos da natureza material. Assim, quanto mais alguém perde suas posses temporárias para avançar espiritualmente no serviço devocional ao Senhor, tanto mais ele se liberta do apego à ilusão material. Para atingir essa fase da vida, a pessoa deve ter firme convicção sobre a existência espiritual e seus efeitos permanentes. Para conhecer com exatidão a perpetuidade da existência espiritual, a pessoa deve voluntariamente aprender a diminuir suas posses ou ter apenas o mínimo necessário para manter sua existência material sem dificuldades. A pessoa não deve criar necessidades artificiais. Isso a ajudará a ficar satisfeita com as mínimas posses. As necessidades artificiais da vida são as atividades dos sentidos. O avanço moderno da civilização baseia-se nessas atividades dos sentidos, ou, em outras palavras, essa civilização quer o gozo dos sentidos. Civilização perfeita é a civilização de ātmā, ou da própria alma. O homem civilizado que se ocupa em gozo dos sentidos está no mesmo nível dos animais, pois os animais não podem ir além das atividades dos sentidos. Acima dos sentidos está a mente. A civilização que pratica a especulação mental também não está na fase perfeita da vida porque, acima da mente, está a inteligência, e a Bhagavad-gītā nos informa sobre a civilização intelectual. Os textos védicos dão diferentes orientações para a civilização humana, incluindo a civilização na plataforma dos sentidos, da mente, da inteligência e da própria alma. A Bhagavad-gītā basicamente se detém na inteligência do homem, mostrando o caminho progressivo através do qual a pessoa chega à civilização que se interessa pela alma espiritual. E o Śrīmad-Bhāgavatam é a civilização humana completa cujo assunto é a própria alma. Logo que se eleva à etapa da civilização que se preocupa com a alma, o homem está em condições de ser promovido ao reino de Deus, que é descrito na Bhagavad-gītā, como nos versos acima mencionados.

A informação fundamental sobre o reino de Deus nos diz que lá não há necessidade de Sol, Lua ou eletricidade, que são todos necessários neste mundo material de escuridão. E a informação subsequente sobre o reino de Deus explica que qualquer pessoa que é capaz de alcançar aquele reino após adotar o estilo de vida da civilização que se interessa pela alma em si, ou, em outras palavras, praticando bhakti-yoga, alcança a perfeição máxima da vida. Ela se situa, então, na existência permanente da alma, com pleno conhecimento sobre o transcendental serviço amoroso ao Senhor. Em troca de suas grandes posses materiais, Bali Mahārāja aceitou essa civilização que cuida do interesse da alma e, assim, tornou-se apto a ser promovido ao reino de Deus. O reino dos céus, que ele obteve em virtude de seu poder material, foi considerado muito insignificante em comparação com o reino de Deus.

Aqueles que alcançaram os confortos de uma civilização material feita para o gozo dos sentidos devem tentar alcançar o reino de Deus seguindo os passos de Bali Mahārāja, quem, em troca do poder material que adquirira, adotou o processo de bhakti-yoga recomendado na Bhagavad-gītā e mais elaboradamente explicado no Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

tubhyaṁ ca nārada bhṛśaṁ bhagavān vivṛddha-
bhāvena sādhu parituṣṭa uvāca yogam
jñānaṁ ca bhāgavatam ātma-satattva-dīpaṁ
yad vāsudeva-śaraṇā vidur añjasaiva

Sinônimos

tubhyam — a ti; ca — também; nārada — ó Nārada; bhṛśam — muito bem; bhagavān — a Personalidade de Deus; vivṛddha — desenvolveu; bhāvena — com amor transcendental; sādhu — sua graça; parituṣṭaḥ — estando satisfeito; uvāca — descreveu; yogam — serviço; jñānam — conhecimento; ca — também; bhāgavatam — a ciência de Deus e Seu serviço devocional; ātma — o eu; sa-tattva — com todos os pormenores; dīpam — assim como a luz na escuridão; yat — aquilo que; vāsudeva-śaraṇāḥ — aqueles que são almas rendidas ao Senhor Vāsudeva; viduḥ — conhece-os; añjasā — perfeitamente bem; eva — como é de fato.

Tradução

Ó Nārada, aprendeste a ciência de Deus e Seu serviço transcendental amoroso com a Personalidade de Deus em Sua encarnação de Haṁsāvatāra. Ele estava muito satisfeito contigo devido à tua intensa proporção de serviço devocional. Ele também te explicou com lucidez toda a ciência do serviço devocional, que é especialmente entendida pelas pessoas que são almas rendidas ao Senhor Vāsudeva, a Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—O devoto e o serviço devocional são dois termos correlatos. Quem não se sente inclinado a ser devoto do Senhor não pode entrar nas complexidades do serviço devocional. O Senhor Kṛṣṇa quis explicar a Bhagavad-gītā, que é a ciência do serviço devocional, a Śrī Arjuna porque Arjuna era não apenas Seu amigo, mas também um grande devoto. Todo o processo é que todas as entidades vivas, sendo constitucionalmente partes integrantes do ser vivo supremo, a Absoluta Personalidade de Deus, têm também, proporcionalmente, uma diminuta liberdade para agir. Logo, a qualificação preliminar para ingressar no serviço devocional ao Senhor é que a pessoa se torne um cooperador voluntário, e, nesse caso, ela não deve negar-se a cooperar com aqueles que já estão ocupados no transcendental serviço devocional ao Senhor. Cooperando com essas pessoas, o candidato em potencial aprenderá, aos poucos, as técnicas do serviço devocional e, com o progresso desse aprendizado, ele se tornará proporcionalmente livre da contaminação da associação material. Semelhante processo purificatório estabelecerá o virtual candidato em firme fé e ele adquirirá um gosto transcendental por esse serviço devocional gradualmente. Assim, ele desenvolve um apego divino ao serviço devocional ao Senhor, e sua convicção produz nele o êxtase, que vem logo antes da etapa em que aparece o amor transcendental.

Esse conhecimento sobre o serviço devocional pode ser apresentado sob dois aspectos, a saber, conhecimento preliminar da natureza do serviço devocional e conhecimento secundário de sua execução. O Bhāgavatam está relacionado com a Personalidade de Deus, Sua beleza, fama, opulência, dignidade, atração e qualidades transcendentais que atraem a Ele a pessoa que quer reciprocar amor e afeição. Existe na entidade viva uma afinidade natural pelo serviço amoroso ao Senhor. Essa afinidade torna-se artificialmente coberta pela influência da associação material, e o Śrīmad-Bhāgavatam proporciona à pessoa uma ajuda genuína para remover essa cobertura artificial. Nesta passagem, portanto, menciona-se especificamente que o Śrīmad-Bhagavatam age como o archote do conhecimento transcendental. Esses dois aspectos do conhecimento transcendental de quem se estabelece no serviço devocional são revelados à pessoa que é uma alma rendida a Vāsudeva; como se diz na Bhagavad-gītā (7.19), semelhante grande alma, plenamente rendida aos pés de lótus de Vāsudeva, é muitíssimo rara.

Texto

cakraṁ ca dikṣv avihataṁ daśasu sva-tejo
manvantareṣu manu-vaṁśa-dharo bibharti
duṣṭeṣu rājasu damaṁ vyadadhāt sva-kīrtiṁ
satye tri-pṛṣṭha uśatīṁ prathayaṁś caritraiḥ

Sinônimos

cakram — o disco Sudarśana do Senhor; ca — bem como; dikṣu — em todas as direções; avihatam — sem ser abalado; daśasu — dez lados; svatejaḥ – força pessoal; manvantareṣu — sob diferentes encarnações de Manu; manuvaṁśa-dharaḥ – como descendente da dinastia Manu; bibharti — governa; duṣṭeṣu — aos descrentes; rājasu — a essa categoria de reis; damam — sujeição; vyadadhāt — realizou; svakīrtim – glórias pessoais; satye — no planeta Satyaloka; tripṛṣṭhe – os três sistemas planetários; uśatīm — gloriosas; prathayan — estabeleceu; caritraiḥ — características.

Tradução

Como a encarnação de Manu, o Senhor tornou-Se descendente da dinastia de Manu e governou a ordem real descrente, subjugando-a com Sua poderosa arma em forma de disco. Inabalável em todas as circunstâncias, Seu governo se caracterizava por Sua gloriosa fama, que se espalhou pelos três lokas e alcançou o sistema planetário de Satyaloka, o mais elevado no universo.

Comentário

SIGNIFICADO—No primeiro canto, já discutimos as encarnações de Manu. Em um dia de Brahmā, existem quatorze Manus, que se sucedem um após o outro. Dessa maneira, existem 420 Manus em um mês de Brahmā, e 5.040 Manus em um ano de Brahmā. Brahmā vive cem anos, de acordo com seu cálculo, e, nesse caso, existem 504.000 Manus na jurisdição de um Brahmā. Existem inúmeros Brahmās, e todos eles vivem apenas durante um período respiratório de Mahā-Viṣṇu. Logo, podemos apenas imaginar como as encarnações do Senhor Supremo agem em todos os mundos materiais, que compreendem apenas um quarto da energia total da Suprema Personalidade de Deus.

Com o mesmo poder da Suprema Personalidade de Deus, que pune os canalhas com Sua arma em forma de disco, a encarnação manvantara castiga todos os governantes ímpios dos diferentes planetas. As encarnações manvantara difundem as glórias transcendentais do Senhor.

Texto

dhanvantariś ca bhagavān svayam eva kīrtir
nāmnā nṛṇāṁ puru-rujāṁ ruja āśu hanti
yajñe ca bhāgam amṛtāyur-avāvarundha
āyuṣya-vedam anuśāsty avatīrya loke

Sinônimos

dhanvantariḥ — a encarnação de Deus chamada Dhanvantari; ca — e; bhagavān — a Personalidade de Deus; svayam eva — Ele próprio, pessoalmente; kīrtiḥ — fama personificada; nāmnā — pelo nome; nṛṇām pururujām – das entidades vivas doentias; rujaḥ — doenças; āśu — bem depressa; hanti — curas; yajñe — no sacrifício; ca — também; bhāgam — cota; amṛta — néctar; āyuḥ — duração de vida; ava — de; avarundhe — obtém; āyuṣya — da duração de vida; vedam — conhecimento; anuśāsti — orienta; avatīrya — encarnando; loke — no universo.

Tradução

O Senhor em Sua encarnação de Dhanvantari cura muito rapidamente as doenças de todas as entidades vivas sempre doentias, utilizando apenas sua fama personificada, e é unicamente graças a ele que os semideuses alcançam vida longa. Assim, a glorificação à Personalidade de Deus nunca cessa. Ele também exigia participação nos resultados dos sacrifícios, e foi ele apenas que introduziu no universo a ciência médica ou o conhecimento da medicina.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma no começo do Śrīmad-Bhāgavatam, tudo emana da fonte última, a Personalidade de Deus; portanto, compreende-se neste verso que a ciência médica ou o conhecimento da medicina também foi introduzido pela Personalidade de Deus em Sua encarnação Dhanvantari, e o conhecimento está assim registrado nos Vedas. Os Vedas são a fonte de todo o conhecimento, de modo que neles também consta o conhecimento da ciência médica para a perfeita cura das doenças da entidade viva. A entidade viva corporificada adoece em razão da própria constituição do seu corpo. O corpo é um símbolo de doenças. As doenças podem apresentar diferentes variedades, mas certamente há doenças, assim como há nascimento e morte para todos. Assim, pela graça da Personalidade de Deus, não apenas as doenças do corpo e da mente são curadas, mas também a alma se livra da constante repetição de nascimentos e mortes. O Senhor também é chamado bhavauṣadhi, ou a fonte que serve para curar a doença da existência material.

Texto

kṣatraṁ kṣayāya vidhinopabhṛtaṁ mahātmā
brahma-dhrug ujjhita-pathaṁ narakārti-lipsu
uddhanty asāv avanikaṇṭakam ugra-vīryas
triḥ-sapta-kṛtva urudhāra-paraśvadhena

Sinônimos

kṣatram — a ordem real; kṣayāya — com o propósito de diminuir; vidhinā — por destino; upabhṛtam — aumentada em proporção; mahātmā — o Senhor sob a forma do grande sábio Paraśurāma; brahmadhruk – a verdade última em Brahman; ujjhitapatham – aqueles que abandonaram o caminho da Verdade Absoluta; naraka-ārti-lipsu — expondo-se a sofrer dores no inferno; uddhanti — arranca; asau — todos aqueles; avanikaṇṭakam — espinhos do mundo; ugra-vīryaḥ — terrivelmente poderoso; triḥ-sapta — três vezes sete; kṛtvaḥ — realizou; urudhāra — afiadíssima; paraśvadhena — com o grande machado.

Tradução

Quando os administradores governantes, conhecidos como kṣatriyas, desviaram-se do caminho da Verdade Absoluta, desejosos de sofrer no inferno, o Senhor, em Sua encarnação como o sábio Paraśurāma, extirpou aqueles reis indesejáveis que pareciam os espinhos da Terra. Assim, em três ocasiões, Ele extirpou sete vezes os kṣatriyas com Seu machado afiadíssimo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os kṣatriyas, ou os administradores governantes de qualquer parte do universo, seja neste planeta, seja em outros planetas, são de fato os representantes da Todo-Poderosa Personalidade de Deus e prestam-se a conduzir os súditos rumo ao caminho da compreensão acerca de Deus. Cada Estado e seus administradores, não importando qual a natureza da administração – monarquia ou democracia, oligarquia ou ditadura ou autocracia –, têm a responsabilidade primordial de conduzir os cidadãos rumo à compreensão acerca de Deus. Isso é essencial para todos os seres humanos, e é dever do pai, mestre espiritual e, em última análise, do Estado assumirem a responsabilidade de ajudar os cidadãos a atingir esse fim. Toda a criação da existência material é feita com esse único propósito de dar uma oportunidade às almas caídas que se rebelaram contra a vontade do Pai Supremo e, então, tornaram-se condicionadas à natureza material. A força da natureza material aos poucos leva a pessoa a uma condição infernal caracterizada por dores e tormentos perpétuos. Aqueles que agem contra as regras e regulações que devem ser seguidas enquanto se está na vida condicionada são chamadas brahmojjhita-pathas, ou pessoas que se opõem ao caminho da Verdade Absoluta e são passíveis de punição. Quando o Senhor Paraśurāma, uma encarnação da Personalidade de Deus, apareceu, o mundo se encontrava nessa situação, e vinte e uma vezes Ele matou todos os reis ímpios. Naquela época, muitos reis kṣatriyas fugiram da Índia e foram para outras partes do mundo, e, de acordo com a autoridade do Mahābhārata, os reis do Egito originalmente migraram da Índia devido ao castigo que Paraśurāma vinha promovendo. Os reis ou administradores recebem esses castigos em todas as circunstâncias em que se tornam ateístas e planejam uma civilização ímpia. Essa é a ordem do Onipotente.

Texto

asmat-prasāda-sumukhaḥ kalayā kaleśa
ikṣvāku-vaṁśa avatīrya guror nideśe
tiṣṭhan vanaṁ sa-dayitānuja āviveśa
yasmin virudhya daśa-kandhara ārtim ārcchat

Sinônimos

asmat — para nós, começando com Brahmā e indo até a formiga insignificante; prasāda — imotivada misericórdia; sumukhaḥ — assim inclinado; kalayā — com Suas extensões plenárias; kaleśaḥ — o Senhor de todas as potências; ikṣvāku — Mahārāja Ikṣvāku, na dinastia do Sol; vaṁśe — família; avatīrya — advindo em; guroḥ — do pai ou mestre espiritual; nideśe — sob a ordem de; tiṣṭhan — estando situado em; vanam — na floresta; sa-dayitā-anujaḥ — juntamente com Sua esposa e irmão mais novo; āviveśa — entrou; yasmin — a quem; virudhya — sendo rebelde; daśa-kandharaḥ — Rāvaṇa, que tinha dez cabeças; ārtim — grandes aflições; ārcchat — alcançou.

Tradução

Devido à Sua imotivada misericórdia com todas as entidades vivas do universo, a Suprema Personalidade de Deus, juntamente com Suas extensões plenárias, apareceu na família de Mahārāja Ikṣvāku como o Senhor de Sua potência interna, Sītā. Sob a ordem de Seu pai, Mahārāja Daśaratha, Ele entrou na floresta, onde viveu durante consideráveis anos com Sua esposa e irmão mais novo. Rāvaṇa, que com muitos poderes materiais tinha dez cabeças sobre seus ombros, cometeu uma grande ofensa contra Ele e, em razão disso, acabou sendo aniquilado.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor Rāma é a Suprema Personalidade de Deus, e Seus irmãos, a saber, Bharata, Lakṣmaṇa e Śatrughna, são Suas expansões plenárias. Todos os quatro irmãos são viṣṇu-tattva e jamais foram seres humanos comuns. Existem muitas pessoas que, com seus inescrupulosos e ignorantes comentários sobre o Rāmāyaṇa, apresentam os irmãos mais novos do Senhor Rāmacandra como entidades vivas comuns. Mas aqui no Śrīmad-Bhāgavatam, a mais autêntica escritura sobre a ciência de Deus, afirma-se claramente que Seus irmãos eram Suas expansões plenárias. Originalmente, o Senhor Rāmacandra é a encarnação de Vāsudeva; Lakṣmaṇa é a encarnação de Saṅkarṣaṇa; Bharata é a encarnação de Pradyumna, e Śatrughna é a encarnação de Aniruddha, expansões da Personalidade de Deus. Lakṣmījī Sītā é a potência interna do Senhor, e não é uma mulher comum nem uma encarnação da potência externa, tal como Durgā. Durgā é a potência externa do Senhor e está associada com o senhor Śiva.

Como se afirma na Bhagavad-gītā (4.7), o Senhor aparece quando há discrepâncias no cumprimento da verdadeira religião. O Senhor Rāmacandra também apareceu nas mesmas circunstâncias, acompanhado pelos Seus irmãos, que são expansões da potência interna do Senhor, e por Lakṣmījī Sītādevī.

Seu pai, Mahārāja Daśaratha, ordenou que o Senhor Rāmacandra deixasse o lar e fosse à floresta, onde Lhe estavam reservados vários contratempos, e o Senhor, como o filho ideal de Seu pai, cumpriu a ordem, mesmo na ocasião em que foi declarado o rei de Ayodhyā. Um de Seus irmãos mais novos, Lakṣmaṇajī, desejou ir com Ele, e também Sua eterna esposa, Sītājī, desejou ir com Ele. O Senhor concordou com ambos e, juntos, todos eles entraram na floresta de Daṇḍakāraṇya, para viver ali por quatorze anos. Durante a permanência deles na floresta, houve uma desavença entre Rāmacandra e Rāvaṇa, e Rāvaṇa raptou Sītā, a esposa do Senhor. A desavença teve fim somente quando foi aniquilado o poderosíssimo Rāvaṇa, juntamente com todo o seu reino e toda a sua família.

Sītā é Lakṣmījī, ou a deusa da fortuna, mas ela nunca pode ser desfrutada por nenhum ser vivo. Juntamente com seu esposo, Śrī Rāmacandra, ela se destina a ser adorada pelos seres vivos. Um homem materialista como Rāvaṇa não entende essa grande verdade e, muito pelo contrário, quer arrancar Sītādevī da custódia de Rāma, motivo pelo qual se expõe a grandes tragédias. Os materialistas, que estão em busca de opulência e prosperidade material, podem tirar do Rāmāyaṇa a lição de que a política de explorar a natureza do Senhor sem reconhecer a supremacia do Senhor Supremo é a política de Rāvaṇa. Rāvaṇa era muito avançado materialmente, tanto que transformou seu reino, Laṅkā, em ouro puro, ou riqueza material plena. Contudo, porque não reconhecia a supremacia do Senhor Rāmacandra e O desafiou, roubando Sua esposa, Sītā, Rāvaṇa foi morto, e toda a sua opulência e poder foram destruídos.

O Senhor Rāmacandra é uma encarnação plena, com seis opulências por completo, e é mencionado neste verso, portanto, como kaleśaḥ, ou dono de toda a opulência.

Texto

yasmā adād udadhir ūḍha-bhayāṅga-vepo
mārgaṁ sapady ari-puraṁ haravad didhakṣoḥ
dūre suhṛn-mathita-roṣa-suśoṇa-dṛṣṭyā
tātapyamāna-makaroraga-nakra-cakraḥ

Sinônimos

yasmai — a quem; adāt — deu; udadhiḥ — o grande Oceano Índico; ūḍha-bhaya — afetado pelo temor; aṅga-vepaḥ — com o corpo tremendo; mārgam — passagem; sapadi — rapidamente; ari-puram — a cidade do inimigo; hara-vat — como aquele de Hara (Mahādeva); didhakṣoḥ — desejando reduzir a cinzas; dūre — a uma longa distância; su-hṛt — amiga íntima; mathita — estando abalado com; roṣa — com ira; su-śoṇa — incandescente; dṛṣṭyā — com esse olhar; tātapyamāna — queimando de calor; makara — tubarões; uraga — serpentes; nakra — crocodilos; cakraḥ — círculo.

Tradução

A Personalidade de Deus Rāmacandra, abalado com a ausência de Sua amiga íntima [Sītā], olhou para a cidade do inimigo Rāvaṇa com olhos incandescentes como os de Hara [que quis queimar o reino dos céus]. O grande oceano, tremendo de medo, abriu-Lhe caminho porque seus membros familiares, os seres aquáticos como os tubarões, serpentes e crocodilos, estavam sendo queimados pelo calor dos irados olhos incandescentes do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—A Personalidade de Deus tem todos os sentimentos de um ser senciente, como todos os outros seres vivos, porque Ele é a entidade viva principal e original, a fonte suprema de todos os outros seres vivos. Ele é nitya, ou o principal eterno entre todos os outros eternos. Ele é o principal, e todos os outros são a multiplicidade dependente. Os muitos seres eternos são sustentados por um único ser eterno, e ambos os eternos, portanto, são qualitativamente unos. Devido a essa unidade, ambos os eternos têm, constitucionalmente, uma completa variedade de sentimentos, mas a diferença é que os sentimentos do ser eterno principal são quantitativamente diferentes dos sentimentos dos seres eternos dependentes. Quando Rāmacandra ficou irado e mostrou seus olhos incandescentes, todo o oceano se aqueceu com essa energia, tanto que os seres aquáticos dentro do grande oceano sentiram o calor, e o oceano personificado tremeu de medo e ofereceu ao Senhor uma passagem para que Ele facilmente alcançasse a cidade do inimigo. Os impersonalistas farão um grande estardalhaço em relação a este sentimento explosivo do Senhor por verem nisso a negação da perfeição. Porque o Senhor é absoluto, os impersonalistas imaginam que, no Absoluto, o sentimento de ira, que se parece com os sentimentos mundanos, deve estar inteiramente ausente. Devido a um pobre fundo de conhecimento, eles não compreendem que o sentimento da Pessoa Absoluta é transcendental a todos os conceitos mundanos de qualidade e quantidade. Se o sentimento do Senhor Rāmacandra fosse de origem mundana, como poderia perturbar todo o oceano e seus habitantes? Algum olhar mundano incandescente pode produzir calor no grande oceano? Devem-se utilizar estes fatores para distinguir as concepções pessoal e impessoal acerca da Verdade Absoluta. Como se afirma no início do Śrīmad-Bhāgavatam, a Verdade Absoluta é a fonte de tudo, de modo que a Pessoa Absoluta não pode ser desprovida dos sentimentos que se refletem no mundo material temporário. Ao contrário, os diferentes sentimentos encontrados no Absoluto, produzidos pela ira ou pela misericórdia, têm a mesma influência qualitativa, ou, em outras palavras, não há diferença de valor material porque todos esses sentimentos estão no plano absoluto. Tais sentimentos definitivamente não estão ausentes no Absoluto, como pensam os impersonalistas ao fazerem os seus cálculos mundanos sobre o mundo transcendental.

Texto

vakṣaḥ-sthala-sparśa-rugna-mahendra-vāha-
dantair viḍambita-kakubjuṣa ūḍha-hāsam
sadyo ’subhiḥ saha vineṣyati dāra-hartur
visphūrjitair dhanuṣa uccarato ’dhisainye

Sinônimos

vakṣaḥsthala – peito; sparśa — tocado por; rugna — quebrada; mahā-indra — o rei dos céus; vāha — o transportador; dantaiḥ — com a tromba; viḍambita — iluminou; kakup-juṣaḥ — todas as direções sendo assim servidas; ūḍha-hāsam — dominado pelo riso; sadyaḥ — instantaneamente; asubhiḥ — pela vida; saha — juntamente com; vineṣyati — foi morto; dāra-hartuḥ — daquele que raptou a esposa; visphūrjitaiḥ — pelo retinir do arco; dhanuṣaḥ — arco; uccarataḥ — apertando o passo; adhisainye — em meio aos soldados que lutavam de ambos os lados.

Tradução

Quando Rāvaṇa estava empenhado na batalha, a tromba do elefante que carregava o rei dos céus, Indra, despedaçou-se após ter colidido com o peito de Rāvaṇa, e as partes quebradas se espalharam, iluminando todas as direções. Rāvaṇa, portanto, sentiu-se orgulhoso de seu poder e começou a caminhar no meio dos soldados em combate, julgando-se o conquistador de todas as direções. Mas seu riso, tomado de euforia, juntamente com seu próprio ar vital, subitamente foi abafado pelo zunido do arco de Rāmacandra, a Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Por mais poderoso que seja um ser vivo, ninguém pode salvá-lo quando ele é condenado por Deus, e, igualmente, por mais fraco que alguém seja, ninguém pode aniquilá-lo se ele for protegido pelo Senhor.

Texto

bhūmeḥ suretara-varūtha-vimarditāyāḥ
kleśa-vyayāya kalayā sita-kṛṣṇa-keśaḥ
jātaḥ kariṣyati janānupalakṣya-mārgaḥ
karmāṇi cātma-mahimopanibandhanāni

Sinônimos

bhūmeḥ — do mundo inteiro; sura-itara — pessoas que não são divinas; varūtha — soldados; vimarditāyāḥ — afligido pelo fardo; kleśa — sofrimentos; vyayāya — com o propósito de diminuir; kalayā — juntamente com Sua expansão plenária; sitakṛṣṇa – não apenas belos, mas também negros; keśaḥ — com esses cabelos; jātaḥ — tendo aparecido; kariṣyati — agiria; jana — pessoas em geral; anupalakṣya — raramente pode ser visto; mārgaḥ — caminho; karmāṇi — atividades; ca — também; ātma-mahimā — glórias do próprio Senhor; upanibandhanāni — tem relação com.

Tradução

Quando o mundo é sobrecarregado pela força belicosa dos reis que não têm fé em Deus, o Senhor, apenas para diminuir a aflição do mundo, faz Seu advento com Sua porção plenária. O Senhor vem em Sua forma original, com belos cabelos negros. E só para expandir Suas glórias transcendentais, Ele realiza atos extraordinários. Ninguém pode calcular com competência quão grande Ele é.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso descreve especialmente o aparecimento do Senhor Kṛṣṇa e de Sua expansão imediata, o Senhor Baladeva. Tanto o Senhor Kṛṣṇa quanto o Senhor Baladeva são a Suprema Personalidade de Deus única. O Senhor é onipotente e Se expande em inúmeras formas e energias, e toda a unidade é conhecida como o Brahman Supremo único. Essas extensões do Senhor são divididas em duas categorias, a saber, pessoais e diferenciais. As expansões pessoais são chamadas de viṣṇu-tattvas, e as expansões diferenciais são chamadas de jīva-tattvas. E, nessas expansões, o Senhor Baladeva é a primeira expansão pessoal de Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus.

No Viṣṇu Purāṇa, bem como no Mahābhārata, menciona-se que Kṛṣṇa e Baladeva têm belos cabelos negros, mesmo em Sua idade avançada. O Senhor é chamado de anupalakṣya-mārgaḥ, ou, em termos védicos ainda mais técnicos, avāṅ-manasā gocaraḥ: aquele que nunca pode ser visto ou compreendido pela limitada percepção sensorial das pessoas em geral. Na Bhagavad-gītā (7.25), o Senhor diz que nāhaṁ prakāśaḥ sarvasya yoga-māyā-samāvṛtaḥ. Em outras palavras, Ele Se reserva o direito de não Se expor a toda e qualquer pessoa. Somente os devotos autênticos podem conhecê-lO através de Seus sintomas específicos, e, entre muitíssimos desses sintomas, um sintoma mencionado aqui neste verso é que o Senhor é sita-kṛṣṇa-keśaḥ, ou aquele que sempre é visto com belos cabelos negros. Tanto o Senhor Kṛṣṇa quanto o Senhor Baladeva têm em Suas cabeças semelhantes cabelos e, desse modo, mesmo na idade avançada, Eles pareciam rapazes de dezesseis anos de idade. Esse é um sintoma específico da Personalidade de Deus. Na Brahma-saṁhitā, afirma-se que, embora seja a personalidade mais velha entre todas as entidades vivas, Ele sempre parece moço. Essa é a característica do corpo espiritual. O corpo material tem como sintomas o nascimento, a morte, a velhice e as doenças, mas o corpo espiritual se caracteriza pela ausência desses sintomas. As entidades vivas que residem nos Vaikuṇṭhalokas e levam uma vida eterna e cheia de bem-aventurança têm o mesmo tipo de corpo espiritual, sem serem afetadas por quaisquer sinais de velhice. Descreve-se no Bhāgavatam (canto seis) que o grupo de Viṣṇudūtas que veio libertar Ajāmila das garras do grupo de Yamarāja pareciam rapazes, corroborando a descrição deste verso. Verifica-se, desse modo, que os corpos espirituais nos Vaikuṇṭhalokas, quer do Senhor, quer dos outros habitantes, são inteiramente distintos dos corpos materiais deste mundo. Portanto, quando vem daquele mundo e desce para este mundo, o Senhor desce em Seu corpo espiritual de ātma-māyā, ou potência interna, sem nenhum contato com bahiraṅgā-māyā, ou a energia material externa. A alegação de que o Brahman impessoal aparece neste mundo material através do processo que consiste em aceitar um corpo material é muito absurda. Portanto, o Senhor, quando vem aqui, não tem um corpo material, mas um corpo espiritual. O brahmajyoti impessoal é apenas a refulgência deslumbrante do corpo do Senhor, e não há diferença qualitativa entre o corpo do Senhor e o brilho impessoal do Senhor, chamado brahmajyoti.

A questão agora é a seguinte: Por que o Senhor, que é onipotente, vem aqui para diminuir o fardo produzido no mundo pela inescrupulosa ordem real? Com certeza, o Senhor não precisa vir aqui pessoalmente para cumprir esses propósitos, mas Ele desce, na verdade, para manifestar Suas atividades transcendentais a fim de encorajar Seus devotos puros, que querem desfrutar a vida cantando as glórias do Senhor. Na Bhagavad-gītā (9.13-14), afirma-se que os mahātmās, os grandes devotos do Senhor, sentem prazer em cantar sobre as atividades do Senhor. Todos os textos védicos servem para nos ajudar a fixarmos a atenção no Senhor e em Suas atividades transcendentais. Assim, as atividades que o Senhor executa quando vem a este mundo criam um assunto que serve para ser comentado por Seus devotos puros.

Texto

tokena jīva-haraṇaṁ yad ulūki-kāyās
trai-māsikasya ca padā śakaṭo ’pavṛttaḥ
yad riṅgatāntara-gatena divi-spṛśor vā
unmūlanaṁ tv itarathārjunayor na bhāvyam

Sinônimos

tokena — por uma criança; jīva-haraṇam — matar um ser vivo; yat — alguém que; ulūki-kāyāḥ — assumiu o corpo gigantesco de um demônio; trai-māsikasya — de uma pessoa que tem apenas três meses de idade; ca — também; padā — com a perna; śakaṭaḥ apavṛttaḥ — virou a carroça; yat — alguém que; riṅgatā — enquanto engatinhava; antara-gatena — sendo subjugadas; divi — o alto do céu; spṛśoḥ — tocando; — ou; unmūlanam — arrancando pela raiz; tu — mas; itarathā — alguma outra pessoa; arjunayoḥ — das duas árvores arjuna; na bhāvyam — não era possível.

Tradução

Não há dúvida alguma de que o Senhor Kṛṣṇa é o Senhor Supremo. Caso contrário, como seria possível que Ele matasse uma demônia gigantesca como Pūtanā quando Ele ainda vivia no colo de Sua mãe; virasse uma carroça com Sua perna quando tinha apenas três meses de idade; arrancasse pela raiz um par de árvores arjuna tão altas que tocavam o céu, quando Ele apenas engatinhava? Todas essas atividades são possíveis apenas para alguém como o próprio Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Ninguém pode fabricar um Deus valendo-se da especulação mental ou colocando votos numa urna, como virou uma prática para a classe de homens menos inteligentes. Deus é Deus eternamente, e a entidade viva comum é eternamente uma parte integrante de Deus. Deus é único e inigualável, e os seres vivos comuns são muitos e incontáveis. Todas essas entidades vivas são mantidas pelo próprio Deus, e esse é o veredito dos textos védicos. Quando Kṛṣṇa estava no colo de Sua mãe, a demônia Pūtanā apareceu diante de Sua mãe e pediu para amamentar a criança em seu próprio colo. Mãe Yaśodā concordou, e a criança foi transferida para o colo de Pūtanā, que tinha a aparência de uma dama respeitável. Pūtanā queria matar a criança passando veneno nos bicos de seus seios. No final de tudo, porém, o Senhor sugou seu seio juntamente com o próprio ar vital dela, e caiu ao chão o gigantesco corpo da demônia, o qual, segundo as pessoas diziam, tinha dez quilômetros de comprimento. Mas o Senhor Kṛṣṇa não precisou ficar do tamanho da demônia, embora fosse bastante competente para estender-Se por mais de dez quilômetros. Em Sua encarnação como Vāmana, Ele Se apresentou como um brāhmaṇa anão, mas, quando tomou posse de Sua terra, prometida por Bali Mahārāja, Ele expandiu Seu passo até o topo do universo, que se estende por milhares e milhões de quilômetros. Logo, não seria muito difícil para Kṛṣṇa realizar um milagre estendendo Seu aspecto corporal, mas Ele não queria tomar essa atitude por causa do profundo amor filial que devotava à Sua mãe, Yaśodā. Se Yaśodā tivesse visto que, no colo de Pūtanā, Kṛṣṇa havia Se estendido por dez quilômetros para competir com a demônia, então o natural amor materno de Yaśodā seria ferido, pois, dessa maneira, Yaśodā acabaria sabendo que seu aparente filho, Kṛṣṇa, era o próprio Deus. E, uma vez ciente de que Kṛṣṇa é Deus, o amor de Yaśodāmayī por Kṛṣṇa teria perdido sua conotação materna natural. Mas quanto ao Senhor Kṛṣṇa, Ele é sempre Deus, quer como um bebê no colo de Sua mãe, quer como Vāmanadeva, que abarcou o universo. Ele não precisa submeter-Se a rigorosas penitências para Se tornar Deus, embora haja aqueles que pensem em tornar-se Deus recorrendo a esse processo. Pelo simples fato de submeter-se a rigorosas austeridades e penitências, ninguém pode tornar-se uno com Deus ou igual a Ele, mas, com este método, pode-se adquirir a maioria das qualidades divinas. O ser vivo pode, até certo ponto, alcançar qualidades divinas, mas não pode tornar-se Deus, ao passo que Kṛṣṇa, sem submeter-Se a nenhuma espécie de penitência, é sempre Deus, seja no colo de Sua mãe, seja crescendo, seja em qualquer etapa do crescimento.

Assim, com apenas três meses de idade, Ele matou Śakaṭāsura, que se escondera atrás de uma carroça na casa de Yaśodāmayī. E quando Ele estava engatinhando e impediu que Sua mãe realizasse suas tarefas domésticas, a mãe O amarrou a um pilão, mas o menino travesso arrastou o pilão na direção de um par de árvores arjuna muito altas que estavam no quintal de Yaśodāmayī, e, quando o pilão enganchou-se entre as duas árvores, elas caíram, produzindo um estrondo horrível. Quando foi ver o que estava acontecendo, Yaśodāmayī pensou que, pela misericórdia do Senhor, seu filho fora salvo das árvores que caíram, sem saber que o próprio Senhor, engatinhando em seu quintal, havia feito o estrago. Eis, então, como o Senhor e Seus devotos convivem amorosamente. Yaśodāmayī queria ter o Senhor como seu filho, e, em seu colo, o Senhor agia exatamente como seu filho, mas, ao mesmo tempo, agia como o Senhor Onipotente sempre que houvesse essa necessidade. A beleza desses passatempos é que o Senhor satisfazia o desejo de todos. No caso da derrubada das gigantescas árvores arjuna, a missão do Senhor era libertar os dois filhos de Kuvera, que foram condenados a se tornarem árvores pela maldição de Nārada, e também era Sua missão agir como uma criancinha que engatinhava no quintal de Yaśodā, que sentia prazer transcendental em ver essas atividades do Senhor bem no quintal de sua casa.

O Senhor, em qualquer situação, é o Senhor do universo, e Ele pode desempenhar essa função em qualquer forma que Ele queira assumir, gigantesca ou pequena.

Texto

yad vai vraje vraja-paśūn viṣatoya-pītān
pālāṁs tv ajīvayad anugraha-dṛṣṭi-vṛṣṭyā
tac-chuddhaye ’ti-viṣa-vīrya-vilola-jihvam
uccāṭayiṣyad uragaṁ viharan hradinyām

Sinônimos

yat — aquele que; vai — decerto; vraje — em Vṛndāvana; vraja-paśūn — os animais de Vṛndāvana; viṣa-toya — água envenenada; pītān — aqueles que beberam; pālān — os vaqueiros; tu — também; ajīvayat — trazidos à vida; anugrahadṛṣṭi – olhar misericordioso; vṛṣṭyā — pelas enxurradas de; tat — isto; śuddhaye — para a purificação; ati — excessivamente; viṣa-vīrya — veneno muito potente; vilola — oculta; jihvam — alguém que tem semelhante língua; uccāṭayiṣyat — puniu severamente; uragam — a serpente; viharan — transformando isso em prazer; hradinyām — no rio.

Tradução

Então, quando os vaqueirinhos e seus animais também beberam a água envenenada do rio Yamunā, e depois que o Senhor [em Sua infância] os reviveu por intermédio do Seu olhar misericordioso, Ele, apenas para purificar a água do rio Yamunā, como uma espécie de diversão, pulou no rio e castigou a venenosa serpente Kāliya, que ali se ocultava, emitindo ondas de veneno com sua língua. Além do Senhor Supremo, qual é a outra personalidade que pode executar essas tarefas hercúleas?

Texto

tat karma divyam iva yan niśi niḥśayānaṁ
dāvāgninā śuci-vane paridahyamāne
unneṣyati vrajam ato ’vasitānta-kālaṁ
netre pidhāpya sabalo ’nadhigamya-vīryaḥ

Sinônimos

tat — essa; karma — atividade; divyam — sobre-humana; iva — como; yat — a qual; niśi — à noite; niḥśayānam — dormindo despreocupados; dāva-agninā — pelo clarão do incêndio na floresta; śuci-vane — na floresta seca; paridahyamāne — sendo posta em chamas; unneṣyati — salvaria; vrajam — todos os habitantes de Vraja; ataḥ — daí; avasita — com certeza; anta-kālam — últimos instantes da vida; netre — nos olhos; pidhāpya — apenas fechando; sa-balaḥ — juntamente com Baladeva; anadhigamya — insondável; vīryaḥ — poder.

Tradução

Na mesma noite do dia do castigo da serpente Kāliya, enquanto os habitantes de Vrajabhūmi dormiam despreocupados, irrompeu na floresta um incêndio causado pelas folhas secas, e parecia certo que todos os habitantes iriam morrer. Contudo, o Senhor, juntamente com Balarāma, salvou-os simplesmente fechando Seus olhos. São essas as atividades sobre-humanas do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora neste verso a atividade do Senhor tenha sido descrito como sobre-humana, deve-se notar que as atividades do Senhor são sempre sobre-humanas, e é isso que O distingue do ser vivo comum. Arrancar pela raiz uma gigantesca figueira-de-bengala ou árvore arjuna e extinguir um ardente incêndio na floresta apenas fechando os olhos são certamente atividades que superam qualquer espécie de esforço humano. Mas não são apenas essas atividades que são espantosas de se ouvir, senão que, na verdade, todas as outras atividades do Senhor, seja o que for que Ele faça, são todas sobre-humanas, como confirma a Bhagavad-gītā (4.9). Como são de natureza transcendental, quem quer que conheça as atividades sobre-humanas do Senhor qualifica-se a entrar no reino de Kṛṣṇa, e, nesse caso, após abandonar o atual corpo material, aquele que conhece as atividades transcendentais do Senhor retorna ao lar, retorna ao Supremo.

Texto

gṛhṇīta yad yad upabandham amuṣya mātā
śulbaṁ sutasya na tu tat tad amuṣya māti
yaj jṛmbhato ’sya vadane bhuvanāni gopī
saṁvīkṣya śaṅkita-manāḥ pratibodhitāsīt

Sinônimos

gṛhṇīta — tomando; yat yat — quaisquer; upabandham — cordas para amarrar; amuṣya — Sua; mātā — mãe; śulbam — cordas; sutasya — do seu filho; na — não; tu — entretanto; tat tat — logo em seguida; amuṣya — Sua; māti — era suficiente; yat — aquilo que; jṛmbhataḥ — abrindo a boca; asya — dEle; vadane — na boca; bhuvanāni — os mundos; gopī — a vaqueira; saṁvīkṣya — vendo isso então; śaṅkita-manāḥ — com dúvidas na mente; pratibodhitā — convencida de modo diferente; āsīt — assim foi feito.

Tradução

Enquanto a vaqueira [Yaśodā, a mãe adotiva de Kṛṣṇa] tentava amarrar com cordas as mãos de seu filho, ela notou que o comprimento da corda era sempre insuficiente, e, quando ela finalmente desistiu, o Senhor Kṛṣṇa, logo em seguida, abriu a boca, onde a mãe encontrou situados todos os universos. Vendo isso, ela desenvolveu dúvidas em sua mente, mas se convenceu de maneira diferente acerca da natureza mística de seu filho.

Comentário

SIGNIFICADO—Certo dia, o Senhor Kṛṣṇa, como um menino travesso, perturbou Sua mãe Yaśodā, e ela começou a amarrá-lO com cordas só para castigá-lO. Contudo, independentemente de quanta corda usasse, ela viu que sempre era insuficiente. Então, ela ficou cansada, mas, nesse ínterim, o Senhor abriu Sua boca, e a mãe carinhosa viu situados dentro da boca de seu filho todos os universos juntos. A mãe ficou atônita, mas, devido à Sua profunda afeição por Kṛṣṇa, ela pensou que a Nārāyaṇa, a Divindade Todo-Poderosa, tinha bondosamente zelado por seu filho só para protegê-lO de todas as contínuas calamidades que aconteciam com Ele. Por causa de sua profunda afeição por Kṛṣṇa, ela jamais poderia pensar que seu próprio filho era Nārāyaṇa, a Personalidade de Deus. Essa é a atuação de yogamāyā, a potência interna do Senhor Supremo, que age para aperfeiçoar todos os passatempos que o Senhor realiza com Suas diferentes espécies de devotos. À exceção de Deus, quem poderia fazer tais maravilhas?

Texto

nandaṁ ca mokṣyati bhayād varuṇasya pāśād
gopān bileṣu pihitān maya-sūnunā ca
ahny āpṛtaṁ niśi śayānam atiśrameṇa
lokaṁ vikuṇṭham upaneṣyati gokulaṁ sma

Sinônimos

nandam — a Nanda (o pai de Kṛṣṇa); ca — também; mokṣyati — salva; bhayāt — do medo de; varuṇasya — de Varuṇa, o semideus da água; pāśāt — das garras de; gopān — os vaqueiros; bileṣu — nas cavernas da montanha; pihitān — colocados; maya-sūnunā — pelo filho de Maya; ca — também; ahni āpṛtam — estando muito atarefados durante o dia; niśi — à noite; śayānam — deitando-se; atiśrameṇa — por causa do trabalho árduo; lokam — planeta; vikuṇṭham — o céu espiritual; upaneṣyati — Ele concedeu; gokulam — o planeta mais elevado; sma — com certeza.

Tradução

O Senhor Kṛṣṇa evitou que Seu pai adotivo, Nanda Mahārāja, ficasse com medo do semideus Varuṇa e libertou os vaqueirinhos, tirando-os das cavernas da montanha, onde tinham sido postos pelo filho de Maya. Além disso, aos habitantes de Vṛndāvana, que eram muito atarefados de dia e que dormiam profundamente à noite por causa do seu árduo trabalho diurno, o Senhor Kṛṣṇa concedeu a promoção ao planeta mais elevado no céu espiritual. Todas essas atividades são transcendentais e provam, sem qualquer dúvida, a Sua divindade.

Comentário

SIGNIFICADO—Nanda Mahārāja, o pai adotivo do Senhor Kṛṣṇa, foi banhar-se no rio Yamuṇā na calada da noite, pensando que a noite já acabara; então, o semideus Varuṇa o levou ao planeta Varuṇa apenas para ver a Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, que apareceu ali para libertar Seu pai. Na verdade, Varuṇa não prendeu Nanda Mahārāja porque os habitantes de Vṛndāvana viviam ocupados em pensar em Kṛṣṇa, numa constante meditação na Personalidade de Deus, executando uma forma específica de samādhi, ou transe de bhakti-yoga. Eles não temiam os sofrimentos da existência material. Confirma-se na Bhagavad-gītā que quem entra em contato com a Suprema Personalidade de Deus, rendendo-se com amor transcendental, liberta-se dos sofrimentos infligidos pelas leis da natureza material. Menciona-se aqui, com toda a clareza, que os habitantes de Vṛndāvana estavam intensamente ocupados em um trabalho árduo durante o dia e que, por causa dessa intensa labuta diurna, eles caíam em sono profundo à noite. Assim, eles quase não tinham tempo para se dedicar à meditação e a outras parafernálias das atividades espirituais. Na verdade, porém, eles só se ocupavam nas atividades espirituais mais elevadas. Tudo o que eles faziam era espiritualizado porque tudo se harmonizava com a relação que eles cultivavam com o Senhor Śrī Kṛṣṇa. O ponto central das atividades era Kṛṣṇa, e, nesse caso, as aparentes atividades do mundo material estavam saturadas de potência espiritual. Essa é a vantagem do processo de bhakti-yoga. Todos devem cumprir o dever em prol do Senhor Kṛṣṇa, e todas as ações ficarão permeadas de pensamentos acerca de Kṛṣṇa, e esse é o padrão mais elevado de transe em percepção espiritual.

Texto

gopair makhe pratihate vraja-viplavāya
deve ’bhivarṣati paśūn kṛpayā rirakṣuḥ
dhartocchilīndhram iva sapta-dināni sapta-
varṣo mahīdhram anaghaika-kare salīlam

Sinônimos

gopaiḥ — pelos vaqueiros; makhe — em oferecer um sacrifício para o rei do paraíso; pratihate — sendo impedidos; vraja-viplavāya — para devastar toda a existência de Vrajabhūmi, a terra dos passatempos de Kṛṣṇa; deve — pelo rei do paraíso; abhivarṣati — tendo feito chover intensamente; paśūn — os animais; kṛpayā — pela misericórdia imotivada conferida a eles; rirakṣuḥ — desejou protegê-los; dharta — ergueu; ucchilīndhram — desarraigada como um guarda-chuva; iva — exatamente como isso; sapta-dināni — continuamente por sete dias; sapta-varṣaḥ — embora Ele tivesse apenas sete anos de idade; mahīdhram — a colina Govardhana; anagha — sem cansar-Se; eka-kare — em apenas uma mão; salīlam — de forma brincalhona.

Tradução

Quando os pastores das vacas de Vṛndāvana, sob a instrução de Kṛṣṇa, pararam de oferecer sacrifício ao rei celestial, Indra, toda a extensão de terra conhecida como Vraja ficou sob a ameaça de ser varrida por chuvas constantes e pesadas por sete dias. O Senhor Kṛṣṇa, movido por Sua misericórdia sem causa para com os habitantes de Vraja, ergueu a colina conhecida como Govardhana com apenas uma mão, embora Ele tivesse apenas sete anos de idade. Ele fez isso a fim de proteger os animais do impetuoso aguaceiro.

Comentário

SIGNIFICADO—As crianças brincam com um guarda-chuva geralmente conhecido como “sombrinha de sapo”, e o Senhor Kṛṣṇa, quando tinha apenas sete anos de idade, pôde pegar a grandiosa colina conhecida como Govardhana Parvata, em Vṛndāvana, e segurá-la por sete dias contínuos com uma mão, apenas para proteger os animais e os moradores de Vṛndāvana da ira de Indra, o rei celestial, a quem os habitantes de Vrajabhūmi negaram as oferendas sacrificiais.

De fato, não existe nenhuma necessidade de oferecer sacrifícios aos semideuses pelos serviços que eles prestam caso o indivíduo esteja ocupado a serviço do Senhor Supremo. Os sacrifícios recomendados na literatura védica para a satisfação dos semideuses é uma espécie de incentivo para os sacrificadores entenderem que existem autoridades superiores. Os semideuses são ocupados pelo Senhor como as deidades controladoras dos assuntos materiais, e, de acordo com a Bhagavad-gītā, quando um semideus é adorado, aceita-se o processo como o método indireto para a adoração do Senhor Supremo. Porém, quando o Senhor Supremo é adorado diretamente, não existe a necessidade de adorar os semideuses ou de oferecer-lhes sacrifícios, como se recomenda em circunstâncias específicas. O Senhor Kṛṣṇa, portanto, aconselhou aos habitantes de Vrajabhūmi que não oferecessem nenhum sacrifício ao rei celestial Indra. Contudo, Indra, desconhecendo o Senhor Kṛṣṇa em Vrajabhūmi, ficou com raiva dos moradores de Vrajabhūmi e tentou retaliar a ofensa. Todavia, competente como era o Senhor, Ele salvou os moradores e os animais de Vrajabhūmi através de Sua energia pessoal e provou, em definitivo, que qualquer um diretamente ocupado como um devoto do Senhor Supremo não precisa agradar nenhum outro semideuses, mesmo que muito grandioso, como no nível de Brahmā ou Śiva. Assim, este incidente provou definitivamente, sem qualquer dúvida, que o Senhor Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus e que Ele o era em todas as circunstâncias: como uma criancinha no colo de Sua mãe, como um garoto de sete anos de idade, e como um idoso de 125 anos. Em todos os casos, Ele jamais ficava no nível de um homem comum, e, mesmo em Sua idade avançada, Ele parecia um garoto de 16 anos. Esses são os atributos específicos do corpo transcendental do Senhor.

Texto

krīḍan vane niśi niśākara-raśmi-gauryāṁ
rāsonmukhaḥ kala-padāyata-mūrcchitena
uddīpita-smara-rujāṁ vraja-bhṛd-vadhūnāṁ
hartur hariṣyati śiro dhanadānugasya

Sinônimos

krīḍan — enquanto estava ocupado em Seus passatempos; vane — na floresta de Vṛndāvana; niśi — noturnos; niśākara — a Lua; raśmi-gauryām — mar branco; rāsa-unmukhaḥ — desejando dançar com; kala-padāyata — acompanhados de doces canções; mūrcchitena — e música melodiosa; uddīpita — despertos; smara-rujām — desejos sexuais; vraja-bhṛt — os habitantes de Vrajabhūmi; vadhūnām — das esposas; hartuḥ — dos raptores; hariṣyati — destruirá; śiraḥ — a cabeça; dhanada-anugasya — do seguidor do rico Kuvera.

Tradução

Quando o Senhor estava ocupado em Seus passatempos da dança da rāsa na floresta de Vṛndāvana, atiçando os desejos sexuais das esposas dos habitantes de Vṛndāvana com canções doces e melodiosas, um demônio chamado Śaṅkhacūḍa, um rico seguidor do tesoureiro do céu [Kuvera], raptou as donzelas, e o Senhor decepou-Lhe a cabeça.

Comentário

SIGNIFICADO—Devemos notar com atenção que as declarações descritas nesta passagem são palavras que Brahmājī dirigiu a Nārada, e ele estava falando a Nārada sobre fatos que aconteceriam no futuro, durante o advento do Senhor Kṛṣṇa. Os passatempos do Senhor são conhecidos pelos peritos capazes de ver o passado, o presente e o futuro, e Brahmājī, sendo um deles, predisse o que aconteceria no futuro. O episódio em que Śaṅkhacūḍa é morto pelo Senhor é um incidente mais recente, depois da rāsa-līlā, e não exatamente num evento simultâneo. Vimos que os versos anteriores descrevem que o Senhor extinguiu o incêndio da floresta e também executou os passatempos em que a serpente Kāliya era punida, e igualmente aqui se descrevem os passatempos da dança da rāsa e do extermínio de Śaṅkhacūḍa. A justificação é que todos estes incidentes aconteceriam no futuro, depois da ocasião em que Brahmājī os predizia para Nārada. O demônio Śaṅkhacūḍa foi morto pelo Senhor durante Seus passatempos em Horikā no mês de Phālguna, e a mesma cerimônia continua sendo observada na Índia com a queima da efígie de Śaṅkhacūḍa um dia antes dos passatempos do Senhor em Horikā, em geral conhecidos como Holi.

De um modo geral, o aparecimento e as atividades futuras do Senhor ou de Suas encarnações estão preditos nas escrituras, e, assim, as pseudoencarnações não conseguem enganar as pessoas que conhecem os fatos descritos na íntegra pelas escrituras autorizadas.

Texto

ye ca pralamba-khara-dardura-keśy-ariṣṭa-
mallebha-kaṁsa-yavanāḥ kapi-pauṇḍrakādyāḥ
anye ca śālva-kuja-balvala-dantavakra-
saptokṣa-śambara-vidūratha-rukmi-mukhyāḥ
ye vā mṛdhe samiti-śālina ātta-cāpāḥ
kāmboja-matsya-kuru-sṛñjaya-kaikayādyāḥ
yāsyanty adarśanam alaṁ bala-pārtha-bhīma-
vyājāhvayena hariṇā nilayaṁ tadīyam

Sinônimos

ye — todos esses; ca — totalmente; pralamba — o demônio chamado Pralamba; khara — Dhenukāsura; dardura — Bakāsura; keśī — o demônio Keśī; ariṣṭa — o demônio Ariṣṭāsura; malla — um lutador na corte de Kaṁsa; ibha — Kuvalayāpīḍa; kaṁsa — o rei de Mathurā e tio materno de Kṛṣṇa; yavanāḥ — os reis da Pérsia e de outros lugares adjacentes; kapi — Dvivida; pauṇḍraka-ādyāḥ — Pauṇḍraka e outros; anye — outros; ca — tanto quanto; śālva — o rei Śālva; kuja — Narakāsura; balvala — o rei Balvala; dantavakra — o irmão de Śiśupāla, um falecido rival de Kṛṣṇa; saptokṣa — o rei Saptokṣa; śambara — o rei Śambara; vidūratha — o rei Vidūratha; rukmimukhyāḥ – o irmão de Rukmiṇī, a primeira rainha de Kṛṣṇa em Dvārakā; ye — todos esses; — ou; mṛdhe — no campo de batalha; samiti-śālinaḥ — todos muito poderosos; ātta-cāpāḥ — bem equipados com arcos e flechas; kāmboja — o rei de Kāmboja; matsya — o rei de Dvarbhaṅga; kuru — os filhos de Dhṛtarāṣṭra; sṛñjaya — o rei Sṛñjaya; kaikaya-ādyāḥ — o rei de Kekaya e outros; yāsyanti — alcançariam; adarśanam — a imersão impessoal no brahmajyoti; alam — que se dizer de; bala — Baladeva, o irmão mais velho de Kṛṣṇa; pārtha — Arjuna; bhīma — o segundo Pāṇḍava; vyāja-āhvayena — com os falsos nomes; hariṇā — pelo Senhor Hari; nilayam — a morada; tadīyam — dEle.

Tradução

Todas as personalidades demoníacas, como Pralamba, Dhenuka, Baka, Keśī, Ariṣṭa, Cāṇūra, Muṣṭika, o elefante Kuvalayāpīḍa, Kaṁsa; Yavana, Narakāsura e Pauṇḍraka, grandes marechais como Śālva, o macaco Dvivida e Balvala, Dantavakra, os sete touros, Śambara, Vidūratha e Rukmī, bem como grandes guerreiros como Kāmboja, Matsya, Kuru, Sṛñjaya e Kekaya, lutaram todos vigorosamente, quer com o Senhor Hari em combate direto, quer com Ele atendendo pelo nome de Baladeva, Arjuna, Bhīma etc. E os demônios, sendo mortos dessa maneira, atingiriam ou o brahmajyoti impessoal ou Sua morada pessoal nos planetas Vaikuṇṭha.

Comentário

SIGNIFICADO—Todas as manifestações, nos mundos material e espiritual, são demonstrações das diferentes potências do Senhor Kṛṣṇa. A Personalidade de Deus, Baladeva, é Sua expansão pessoal imediata, e Bhīma, Arjuna etc. são Seus associados pessoais. O Senhor apareceu (e é o que Ele faz sempre que aparece) com todos os Seus associados e potências. Portanto, as almas rebeldes, tais como os demônios e os homens demoníacos, mencionados por nomes como Pralamba, eram mortos ou pelo próprio Senhor ou por Seus associados. Todos esses assuntos serão claramente explicados no décimo canto. Mas devemos saber muito bem que todas as entidades vivas supracitadas que foram mortas alcançaram a salvação ou imergindo no brahmajyoti do Senhor ou recebendo a permissão de entrar nas residências do Senhor, chamadas Vaikuṇṭhas. Bhīṣmadeva já explicou isso (primeiro canto). Todas as pessoas que participaram no campo de batalha de Kurukṣetra, ou tiveram alguma outra forma de participação com o Senhor ou com Baladeva etc., beneficiaram-se alcançando uma existência espiritual em harmonia com a situação de suas mentes na hora da morte. Aqueles que reconheceram o Senhor entraram em Vaikuṇṭha, e aqueles que consideraram o Senhor apenas um ser poderoso alcançaram a salvação, imergindo na existência espiritual do brahmajyoti impessoal do Senhor. Contudo, cada um deles conseguiu libertar-se da existência material. Como foi esse o benefício concedido àqueles que atuaram como inimigos do Senhor, pode-se imaginar a posição daqueles que serviram com devoção o Senhor, desenvolvendo uma relação transcendental com Ele.

Texto

kālena mīlita-dhiyām avamṛśya nṝṇāṁ
stokāyuṣāṁ sva-nigamo bata dūra-pāraḥ
āvirhitas tv anuyugaṁ sa hi satyavatyāṁ
veda-drumaṁ viṭa-paśo vibhajiṣyati sma

Sinônimos

kālena — no decorrer do tempo; mīlita-dhiyām — das pessoas menos inteligentes; avamṛśya — considerando as dificuldades; nṝṇām — da humanidade em geral; stoka-āyuṣām — das pessoas de vida curta; sva-nigamaḥ — os textos védicos compilados por Ele; bata — exatamente; dūra-pāraḥ — muito difíceis; āvirhitaḥ — tendo aparecido como; tu — mas; anuyugam — de acordo com a era; saḥ — Ele (o Senhor); hi — decerto; satyavatyām — no ventre de Satyavatī; veda-drumam — a árvore dos desejos védica; viṭa-paśaḥ — pela divisão em ramos; vibhajiṣyati — dividirá; sma — como fora.

Tradução

O próprio Senhor, em Sua encarnação como filho de Satyavatī [Vyāsadeva], considerará a literatura védica por ele compilada muito difícil para as pessoas de pouca inteligência e com vida curta e, assim, dividirá a árvore do conhecimento védico em diferentes ramos, segundo as circunstâncias da era em particular.

Comentário

SIGNIFICADO—Nesta passagem, Brahmā menciona a futura compilação do Śrīmad-Bhāgavatam para as pessoas da era de Kali, que terão vida curta. Como se explicou no primeiro canto, as pessoas menos inteligentes da era de Kali não apenas teriam vida curta, mas também ficariam perplexas diante de tantos problemas na vida, decorrentes da incômoda situação da sociedade humana ímpia. Angariar confortos materiais para o corpo é uma atividade que está no modo da ignorância, segundo as leis da natureza material. O verdadeiro avanço de conhecimento significa progresso do conhecimento em autorrealização. Na era de Kali, entretanto, os homens menos inteligentes cometem o erro de considerar a curta vida de cem anos (que agora de fato chega apenas aos quarenta ou sessenta anos) como se fosse tudo o que existe. Eles são menos inteligentes porque não têm informação da eternidade da vida; eles se identificam com o corpo material temporário que dura quarenta anos e o consideram como o único princípio básico da vida. Semelhantes pessoas são descritas como iguais aos asnos e touros. Mas o Senhor, como o pai clemente de todos os seres vivos, transmite-lhes o vasto conhecimento védico em breves tratados como a Bhagavad-gītā e, para os graduados, o Śrīmad-Bhāgavatam. Os Purāṇas e o Mahābhārata também foram textos que Vyāsadeva fez para as diferentes categorias de homens que estão nos modos da natureza material. Porém, nenhum deles é independente dos princípios védicos.

Texto

deva-dviṣāṁ nigama-vartmani niṣṭhitānāṁ
pūrbhir mayena vihitābhir adṛśya-tūrbhiḥ
lokān ghnatāṁ mati-vimoham atipralobhaṁ
veṣaṁ vidhāya bahu bhāṣyata aupadharmyam

Sinônimos

deva-dviṣām — daqueles que invejavam os devotos do Senhor; nigama — os Vedas; vartmani — no caminho de; niṣṭhitānām — dos bem situados; pūrbhiḥ — por foguetes; mayena — feitos pelo grande cientista Maya; vihitābhiḥ — feitos por; adṛśya-tūrbhiḥ — invisíveis no céu; lokān — os diferentes planetas; ghnatām — dos matadores; mati-vimoham — confusão da mente; atipralobham — muito atrativa; veṣam — roupa; vidhāya — tendo feito assim; bahu bhāṣyate — falará muitíssimo; aupadharmyam — princípios sub-religiosos.

Tradução

Quando os ateístas, após ficarem versados no conhecimento científico védico, aniquilarem os habitantes de diferentes planetas, voando invisíveis no céu em foguetes bem construídos, preparados pelo grande cientista Maya, o Senhor confundirá suas mentes, atraindo-os como Buddha, e pregará sobre princípios sub-religiosos.

Comentário

SIGNIFICADO—Esta encarnação do Senhor Buddha não é a mesma encarnação de Buddha que temos na história atual da humanidade. Segundo Śrīla Jīva Gosvāmī, a encarnação de Buddha mencionada neste verso apareceu numa diferente era de Kali. Na duração da vida de um Manu, transcorrem mais de setenta e dois Kali-yugas, e, em um deles, apareceria o tipo de Buddha aqui mencionado. O senhor Buddha encarna numa época em que as pessoas são muito materialistas e prega princípios religiosos sensatos. Tal ahiṁsā não é em si um princípio religioso, mas é uma qualidade importante para pessoas que de fato são religiosas. É uma religião sensata porque a pessoa é aconselhada a não fazer mal a nenhum outro animal ou entidade viva, visto que essas más ações são também prejudiciais àquele que faz o mal. Porém, antes de aprender esses princípios de não-violência, é preciso aprender outros dois princípios, a saber, ser humilde e não ter orgulho. Enquanto não for humilde e desprovida de orgulho, a pessoa não poderá ser inofensiva e mansa. E depois de ser não-violenta, ela deve aprender na vida a ser simples e tolerante. Deve oferecer respeitos aos grandes pregadores religiosos e líderes espirituais e também exercitar o controle dos sentidos, aprendendo a desapegar-se da família e do lar e praticando serviço devocional ao Senhor etc. Na fase final, ela deve aceitar o Senhor e tornar-se Seu devoto; caso contrário, não há religião. Nos princípios religiosos, Deus deve estar no centro, pois as simples instruções morais são meros princípios sub-religiosos, em geral conhecidos como upadharma, ou princípios quase religiosos.

Texto

yarhy ālayeṣv api satāṁ na hareḥ kathāḥ syuḥ
pāṣaṇḍino dvija-janā vṛṣalā nṛdevāḥ
svāhā svadhā vaṣaḍ iti sma giro na yatra
śāstā bhaviṣyati kaler bhagavān yugānte

Sinônimos

yarhi — quando acontecer; ālayeṣu — na residência de; api — mesmo; satām — cavalheiros civilizados; na — não; hareḥ — da Personalidade de Deus; kathāḥ — os temas; syuḥ — acontecerão; pāṣaṇḍinaḥ — ateístas; dvija-janāḥ — pessoas que se declaram pertencentes às três classes superiores (brāhmaṇas, kṣatriyas e vaiśyas); vṛṣalāḥ — os śūdras de classe inferior; nṛ-devāḥ — ministros do governo; svāhā — hinos para executar sacrifícios; svadhā — os ingredientes para executar sacrifícios; vaṣaṭ — o altar do sacrifício; iti — tudo isso; sma — será; giraḥ — palavras; na — nunca; yatra — em parte alguma; śāstā — o castigador; bhaviṣyati — aparecerá; kaleḥ — da era de Kali; bhagavān — a Personalidade de Deus; yugaante – no final da.

Tradução

Depois disso, no final de Kali-yuga, quando não houver temas a respeito de Deus, mesmo nas residências dos supostos santos e cavalheiros respeitáveis que pertencem às três castas superiores, e quando o poder governamental se transferir para as mãos dos ministros que, tendo sido eleitos, eram membros da classe dos śūdras inferiores ou de pessoas inferiores a eles, e quando nada se souber sobre as técnicas de sacrifício, nem mesmo verbalmente, a essa altura o Senhor aparecerá como o supremo castigador.

Comentário

SIGNIFICADO—Aqui se delineiam os sintomas das piores condições do mundo material, na última fase desta era, chamada Kali-yuga. A essência dessas condições é o ateísmo. Até mesmo os assim chamados santos e as castas superiores das ordens sociais, em geral conhecidos como dvija-janas, ou os duas vezes nascidos, se tornarão ateístas. Nesse caso, se todos eles praticamente se esquecerão até mesmo do santo nome do Senhor, o que dizer de Suas atividades, então? As castas superiores da sociedade, a saber, a classe dos homens inteligentes, que guia os destinos das ordens sociais; a classe dos administradores, que guia a lei e a ordem da sociedade, e a classe produtora, que guia o desenvolvimento econômico da sociedade, devem todas ser devidamente versadas na ciência do Senhor Supremo, conhecendo de fato Seu nome, qualidade, passatempos, séquito, parafernália e personalidades. Os santos e as castas ou ordens superiores da sociedade são julgados de acordo com a proporção de seu conhecimento acerca da ciência de Deus, ou tattva-jñāna, e não em função de algum direito adquirido por nascimento ou em função de alguma designação corpórea. Tais designações, sem nenhum conhecimento sobre a ciência de Deus e sem conhecimento prático acerca do serviço devocional, são todas consideradas como enfeites em corpos mortos. E quando há demasiada presunção na sociedade por parte desses cadáveres enfeitados, desenvolvem-se, então, muitas anomalias na vida progressiva e pacífica do ser humano. Devido à falta de treinamento ou cultura na seção superior das ordens sociais, seus membros devem deixar de ser designados como dvija-janas, ou os duas vezes nascidos. Em muitas passagens dessa grandiosa literatura, explicou-se o que é que significa ser duas vezes nascido, e aproveitamos a oportunidade para lembrar que o nascimento, desencadeado pela simples união sexual do pai e da mãe, chama-se nascimento animal. Porém, esse nascimento animal e o progresso nos princípios animais que consistem em comer, dormir, temer e acasalar-se (sem nenhum cultivo científico da vida espiritual) chamam-se vida de śūdra, ou, para ser mais explícito, a vida inculta da classe de homens inferiores. Aqui se declara que, em Kali-yuga, o poder governamental da sociedade será transferido para a classe operária formada de homens incultos e ímpios, e os nṛdevas (ou os ministros do governo) serão, deste modo, os vṛṣalas, ou os homens incultos que compõem a classe inferior da sociedade. Ninguém pode esperar paz e prosperidade numa sociedade humana cheia de homens ignorantes das classes inferiores. Os sintomas desses animais sociais incultos já estão em voga, e é dever dos líderes dos homens tomar conhecimento disso e tentar reformar a ordem social, introduzindo os princípios dos homens duas vezes nascidos, treinados na ciência da consciência de Deus. Pode-se adotar esse procedimento expandindo-se a cultura do Śrīmad-Bhāgavatam no mundo inteiro. Nesta condição degradada da sociedade humana, o Senhor encarna como o avatāra Kalki e mata, sem clemência, todos os seres demoníacos.

Texto

sarge tapo ’ham ṛṣayo nava ye prajeśāḥ
sthāne ’tha dharma-makha-manv-amarāvanīśāḥ
ante tv adharma-hara-manyu-vaśāsurādyā
māyā-vibhūtaya imāḥ puru-śakti-bhājaḥ

Sinônimos

sarge — no início da criação; tapaḥ — penitência; aham — eu mesmo; ṛṣayaḥ — sábios; nava — nove; ye prajeśāḥ — aqueles que gerariam; sthāne — no período intermediário enquanto a criação é mantida; atha — decerto; dharma — religião; makha — o Senhor Viṣṇu; manu — o pai da humanidade; amara — os semideuses designados para controlar os assuntos da manutenção; avanīśāḥ — os reis dos diferentes planetas; ante — no final; tu — mas; adharma — irreligião; hara — o senhor Śiva; manyu-vaśa — sujeitos à ira; asura-ādyāḥ — ateístas, os inimigos dos devotos; māyā — energia; vibhūtayaḥ — poderosos representantes; imāḥ — todos eles; puru-śakti-bhājaḥ — do Senhor supremamente poderoso.

Tradução

No início da criação, existem a penitência, eu [Brahmā] e os Prajāpatis, os grandes sábios que geram; depois, durante a manutenção da criação, existem o Senhor Viṣṇu, os semideuses com poderes controladores e os reis de diferentes planetas. No final, todavia, há irreligião e, depois, o senhor Śiva e os ateístas cheios de ira etc. Todos eles são diferentes manifestações representativas da energia do poder supremo, o Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—O mundo material é criado pela energia do Senhor, a qual se manifesta no início da criação pela penitência de Brahmājī, o primeiro ser vivo da criação, após o que vêm os nove Prajāpatis, conhecidos como grandes sábios. Na fase em que se mantém a criação, existe o serviço devocional ao Senhor Viṣṇu – ou a religião verdadeira –, os diferentes semideuses e, em diferentes planetas, os reis que mantêm o mundo. Por fim, quando a criação se prepara para o seu desfecho, aparece primeiro o princípio da irreligião, depois o senhor Śiva com os ateístas, cheios de ira. Porém, todos eles não passam de diferentes manifestações do Senhor Supremo. Portanto, Brahmā, Viṣṇu e Mahādeva (Śiva) são diferentes encarnações dos diferentes modos da natureza material. Viṣṇu é o Senhor do modo da bondade, Brahmā é o senhor do modo da paixão, e Śiva é o senhor do modo da ignorância. Em última análise, a criação material é uma simples manifestação temporária destinada a dar a oportunidade de liberarem-se as almas condicionadas que estão aprisionadas no mundo material, e aquele que se coloca sob a proteção do Senhor Viṣṇu e desenvolve o modo da bondade tem a maior oportunidade de se liberar, seguindo os princípios vaiṣṇavas e sendo, então, promovido ao reino de Deus, do qual não mais regressará a este terrível mundo material.

Texto

viṣṇor nu vīrya-gaṇanāṁ katamo ’rhatīha
yaḥ pārthivāny api kavir vimame rajāṁsi
caskambha yaḥ sva-rahasāskhalatā tri-pṛṣṭhaṁ
yasmāt tri-sāmya-sadanād uru-kampayānam

Sinônimos

viṣṇoḥ — do Senhor Viṣṇu; nu — mas; vīrya — poder; gaṇanām — no que se refere a contar; katamaḥ — que outra pessoa; arhati — é capaz de fazer isso; iha — neste mundo; yaḥ — aquele que; pārthivāni — os átomos; api — também; kaviḥ — grande cientista; vimame — poderia ter contado; rajāṁsi — partículas; caskambha — poderia pegar; yaḥ — aquele que; sva-rahasā — com Sua própria perna; askhalatā — sem ser impedido; tri-pṛṣṭham — o espaço planetário mais elevado; yasmāt — pelo qual; tri-sāmya — ao estado neutro dos três modos; sadanāt — até aquele lugar; uru-kampayānam — movendo muito grandiosamente.

Tradução

Quem pode fazer uma descrição completa do poder de Viṣṇu? Nem mesmo o cientista, que talvez tenha contado as partículas dos átomos do universo, atinge esse objetivo, porque foi somente Ele quem, em Sua forma de Trivikrama, movimentou Suas pernas e ultrapassou, sem nenhum esforço, o planeta mais elevado, Satyaloka, indo até o estado neutro dos três modos da natureza material. E todos foram deslocados.

Comentário

SIGNIFICADO—O maior avanço científico dos cientistas materialistas é a energia atômica. No entanto, o cientista materialista não consegue fazer uma estimativa das partículas de átomos contidas em todo o universo. Mas mesmo que alguém seja capaz de contar essas partículas atômicas ou consiga dobrar o céu como se dobra um lençol, ele continua sendo incapaz de estimar a extensão do poder e energia do Senhor Supremo. Ele é conhecido como Trivikrama porque, certa vez, em Sua encarnação como Vāmana, Ele expandiu Sua perna, ultrapassando o sistema planetário mais elevado, Satyaloka, e alcançou o estado neutro dos modos da natureza, chamado de cobertura do mundo material. Há sete camadas de coberturas materiais sobre o céu material, e o Senhor pôde penetrar até mesmo essas coberturas. Com o dedão do pé, Ele fez um furo através do qual a água do Oceano Causal penetra no céu material, e essa corrente é conhecida como o Ganges sagrado, que purifica os planetas dos três mundos. Em outras palavras, ninguém é igual a Viṣṇu com Seus poderes transcendentais. Ele é onipotente, e ninguém é igual ou superior a Ele.

Texto

nāntaṁ vidāmy aham amī munayo ’gra-jās te
māyā-balasya puruṣasya kuto ’varā ye
gāyan guṇān daśa-śatānana ādi-devaḥ
śeṣo ’dhunāpi samavasyati nāsya pāram

Sinônimos

na — nunca; antam — fim; vidāmi — conheço; aham — tu; amī — e todos aqueles; munayaḥ — grandes sábios; agra-jāḥ — nascidos antes de ti; te — tu; māyā-balasya — da onipotente; puruṣasya — da Personalidade de Deus; kutaḥ — o que falar de outros; avarāḥ — nascidos depois de vós; ye — aqueles; gāyan — cantando; guṇān — as qualidades; daśa-śata-ānanaḥ — alguém que tem mil rostos; ādi-devaḥ — a primeira encarnação do Senhor; śeṣaḥ — conhecida como Śeṣa; adhunā — até agora; api — mesmo; samavasyati — pode alcançar; na — não; asya — dEle; pāram — limite.

Tradução

Nem eu, nem todos os sábios nascidos antes de ti, conhecemos por completo a onipotente Personalidade de Deus. Logo, o que podem os outros, que nasceram depois de nós, saber a respeito dEle? Nem mesmo a primeira encarnação do Senhor, a saber, Śeṣa, foi capaz de alcançar o limite desse conhecimento, embora Ele possua mil rostos, com os quais descreve as qualidades do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—A onipotente Personalidade de Deus manifesta três potências principais, a saber, as potências interna, externa e marginal, com expansões ilimitadas dessas três energias. Nesse caso, ninguém pode jamais calcular as expansões dessas potências porque nem mesmo a própria Personalidade de Deus, como a encarnação de Śeṣa, pode estimar as potências, embora Ele tenha Se dedicado continuamente a descrevê-las com Seus mil rostos.

Texto

yeṣāṁ sa eṣa bhagavān dayayed anantaḥ
sarvātmanāśrita-pado yadi nirvyalīkam
te dustarām atitaranti ca deva-māyāṁ
naiṣāṁ mamāham iti dhīḥ śva-śṛgāla-bhakṣye

Sinônimos

yeṣām — somente àqueles; saḥ — o Senhor; eṣaḥ — a; bhagavān — a Personalidade de Deus; dayayet — concede Sua misericórdia; anantaḥ — a potência ilimitada; sarva-ātmanā — de qualquer modo, sem reservas; āśrita-padaḥ — alma rendida; yadi — se tal rendição; nirvyalīkam — sem evasivas; te — aqueles apenas; dustarām — intransponível; atitaranti — podem ultrapassar; ca — e a parafernália; deva-māyām — diversas energias do Senhor; na — não; eṣām — deles; mama — meu; aham — eu próprio; iti — assim; dhīḥ — conscientes; śva — cães; śṛgāla — chacais; bhakṣye — quando se trata de comer.

Tradução

Mas qualquer um que seja especificamente favorecido pelo Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, em virtude da imaculada rendição ao serviço ao Senhor, pode ultrapassar o intransponível oceano de ilusão e pode compreender o Senhor. Mas aqueles que estão apegados a este corpo, que no final se destina a ser comido por cães e chacais, não podem fazê-lo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os devotos imaculados do Senhor conhecem as glórias do Senhor porque podem compreender quão grande é o Senhor e quão grande é a expansão de Sua diversificada energia. Aqueles que estão apegados ao corpo perecível dificilmente podem entrar em contato com a ciência de Deus. Todo o mundo materialista, baseado na concepção de que o corpo material é o eu, ignora a ciência de Deus. O materialista vive atarefado, trabalhando para o bem-estar do corpo material, não só do seu próprio corpo, mas também daqueles de seus filhos, parentes, concidadãos, patrícios etc. Os materialistas têm muitos ramos de atividades filantrópicas e altruístas empreendidas a partir de um ângulo de visão político, nacional e internacional, mas todo esse trabalho de campo se limita à jurisdição em que há o falso conceito da identificação do corpo material com a alma espiritual. Portanto, enquanto a pessoa não deixar de identificar o corpo com a alma, não haverá conhecimento acerca de Deus, e enquanto não houver conhecimento acerca de Deus, todo o avanço da civilização material, com todo o seu fulgor, deverá ser considerado um fracasso.

Texto

vedāham aṅga paramasya hi yoga-māyāṁ
yūyaṁ bhavaś ca bhagavān atha daitya-varyaḥ
patnī manoḥ sa ca manuś ca tad-ātmajāś ca
prācīnabarhir ṛbhur aṅga uta dhruvaś ca
ikṣvākur aila-mucukunda-videha-gādhi-
raghv-ambarīṣa-sagarā gaya-nāhuṣādyāḥ
māndhātr-alarka-śatadhanv-anu-rantidevā
devavrato balir amūrttarayo dilīpaḥ
saubhary-utaṅka-śibi-devala-pippalāda-
sārasvatoddhava-parāśara-bhūriṣeṇāḥ
ye ’nye vibhīṣaṇa-hanūmad-upendradatta-
pārthārṣṭiṣeṇa-vidura-śrutadeva-varyāḥ

Sinônimos

veda — conhecemo-la; aham — eu; aṅga — ó Nārada; paramasya — do Supremo; hi — decerto; yoga-māyām — potência; yūyam — tu mesmo; bhavaḥ — Śiva; ca — e; bhagavān — o grande semideus; atha — como também; daityavaryaḥ – Prahlāda Mahārāja, o grande devoto do Senhor, nascido na família de um ateísta; patnī — Śatarūpā; manoḥ — de Manu; saḥ — ele; ca — também; manuḥ — Svāyambhuva; ca — e; tatātma-jāḥ ca – e seus filhos, como Priyavrata, Uttānapāda, Devahūti etc.; prācīnabarhiḥ — Prācīnabarhi; ṛbhuḥ — Ṛbhu; aṅgaḥ — Aṅga; uta — inclusive; dhruvaḥ — Dhruva; ca — e; ikṣvākuḥ — Ikṣvāku; aila — Aila; mucukunda — Mucukunda; videha — Mahārāja Janaka; gādhi — Gādhi; raghu — Raghu; ambarīṣa — Ambarīṣa; sagarāḥ — Sagara; gaya — Gaya; nāhuṣa — Nāhuṣa; ādyāḥ — e assim por diante; māndhātṛ — Māndhātā; alarka — Alarka; śatadhanu — Śatadhanu; anu — Anu; rantidevāḥ — Rantideva; devavrataḥ — Bhiṣma; baliḥ — Bali; amūrttarayaḥ — Amūrttaraya; dilīpaḥ — Dilīpa; saubhari — Saubhari; utaṅka — Utaṅka; śibi — Śibi; devala — Devala; pippalāda — Pippalāda; sārasvata — Sārasvata; uddhava — Uddhava; parāśara — Parāśara; bhūriṣeṇāḥ — Bhūriṣeṇa; ye — aqueles que; anye — outros; vibhīṣaṇa — Vibhīṣaṇa; hanūmat — Hanumān; upendradatta – Śukadeva Gosvāmī; pārtha — Arjuna; ārṣṭiṣena — Arṣṭiṣena; vidura — Vidura; śrutadeva — Śrutadeva; varyāḥ — os principais.

Tradução

Ó Nārada, as potências do Senhor são incognoscíveis e incomensuráveis, apesar do que, como somos todos almas rendidas, sabemos como Ele age através das potências de yogamāyā. E, de modo semelhante, as potências do Senhor também são conhecidas pelo todo-poderoso Śiva, pelo grande rei da família ateísta, a saber, Prahlāda Mahārāja, por Svāyambhuva Manu, por sua esposa Śatarūpā, seus filhos e filhas como Priyavrata, Uttānapāda, Ākūti, Devahūti e Prasūti, por Prācīnabarhi, Ṛbhu, Aṅga o pai de Vena, Mahārāja Dhruva, Ikṣvāku, Aila, Mucukunda, Mahārāja Janaka, Gādhi, Raghu, Ambarīṣa, Sagara, Gaya, Nāhuṣa, Māndhātā, Alarka, Śatadhanve, Anu, Rantideva, Bhīṣma, Bali, Amūrttaraya, Dilīpa, Saubhari, Utaṅka, Śibi, Devala, Pippalāda, Sārasvata, Uddhava, Parāśara, Bhūriṣeṇa, Vibhīṣaṇa, Hanumān, Śukadeva Gosvāmī, Arjuna, Ārṣṭiṣeṇa, Vidura, Śrutadeva etc.

Comentário

SIGNIFICADO—Todos os grandes devotos do Senhor, como se mencionou acima, que floresceram no passado ou no presente, e todos os devotos do Senhor que virão no futuro, estão a par das diferentes potências do Senhor juntamente com a potência de Seu nome, qualidade, passatempos, séquito, personalidade, etc. E como é que eles sabem? Certamente não é pela especulação mental, nem por alguma tentativa empreendida com os limitados instrumentos do conhecimento. Com os limitados instrumentos do conhecimento (os sentidos, ou instrumentos materiais como microscópios e telescópios), ninguém pode sequer conhecer com plenitude as potências materiais do Senhor, que se manifestam diante de nossos olhos. Por exemplo, há muitos milhões e bilhões de planetas muitíssimo além dos cálculos dos cientistas. Todavia, essas são apenas as manifestações da energia material do Senhor. Com esses esforços materiais, o que o cientista espera conhecer acerca da potência espiritual do Senhor? Especulações mentais em que se incluem algumas dezenas de “ses” e “talvezes” não podem ajudar o avanço do conhecimento – pelo contrário, tais especulações mentais apenas acabarão em desespero, com o abandono abrupto do caso e a declaração da inexistência de Deus. A pessoa sensata, portanto, deixa de especular sobre assuntos que estão além da jurisdição de seu cérebro minúsculo e, com naturalidade, tenta aprender a render-se ao Senhor Supremo, que é o único que pode conduzi-la à plataforma do verdadeiro conhecimento. Nas Upaniṣads, afirma-se com toda a clareza que não se pode conhecer a Suprema Personalidade de Deus pelo simples trabalho árduo ou pelo simples ato de impor ao cérebro um esforço excessivo, tampouco pode Ele ser conhecido pela simples especulação mental e pelo malabarismo verbal. O Senhor só pode ser conhecido por alguém que seja uma alma rendida. Nesta passagem, Brahmājī, o maior de todos os seres vivos materiais, reconhece esta verdade. Portanto, deve-se evitar o desperdício de energia, procurando não enveredar pelo caminho do conhecimento experimental. Deve-se ganhar conhecimento rendendo-se ao Senhor e reconhecendo a autoridade das pessoas mencionadas nesta passagem. O Senhor é ilimitado e, pela graça de yogamāyā, ajuda a alma rendida a conhecê-lO em proporção ao avanço de sua rendição.

Texto

te vai vidanty atitaranti ca deva-māyāṁ
strī-śūdra-hūṇa-śabarā api pāpa-jīvāḥ
yady adbhuta-krama-parāyaṇa-śīla-śikṣās
tiryag-janā api kim u śruta-dhāraṇā ye

Sinônimos

te — essas pessoas; vai — indubitavelmente; vidanti — conhecem; atitaranti — ultrapassam; ca — também; deva-māyām — a energia que o Senhor utiliza para encobrir; strī — tais como as mulheres; śūdra — a classe de homens trabalhadores; hūṇa — os montanheses; śabarāḥ — os siberianos, ou aqueles que são inferiores aos śūdras; api — embora; pāpa-jīvāḥ — seres vivos pecadores; yadi — contanto que; adbhuta-krama — alguém cujos atos são tão maravilhosos; parāyaṇa — aqueles que são devotos; śīla — comportamento; śikṣāḥ — treinados por; tiryak-janāḥ — mesmo aqueles que não são seres humanos; api — também; kim — que; u — falar de; śruta-dhāraṇāḥ — aqueles que aceitaram a ideia do Senhor depois de ouvirem sobre Ele; ye — aqueles.

Tradução

As almas rendidas, mesmo que estejam nos grupos que levam vidas pecaminosas, tais como as mulheres, a classe operária, os montanheses e os siberianos, ou mesmo as aves e os animais selvagens, podem também conhecer sobre a ciência de Deus e livrar-se das garras da energia ilusória, rendendo-se aos devotos puros do Senhor e seguindo seus passos no serviço devocional.

Comentário

SIGNIFICADO—Às vezes, alguém pergunta como é que as pessoas podem render-se ao Senhor Supremo. Na Bhagavad-gītā (18.66), o Senhor pediu a Arjuna que se rendesse a Ele, e, por isso, aqueles que não querem adotar esse procedimento questionam onde está Deus e a quem devem render-se. Aqui é apresentada com muita propriedade a resposta a essas perguntas ou indagações. Talvez a Personalidade de Deus não esteja presente diante de nossos olhos, mas se alguém com sinceridade deseja essa orientação, o Senhor enviará a pessoa genuína que possa devidamente guiá-lo em sua volta ao lar, em sua volta ao Supremo. Não há necessidade de qualificações materiais para progredir no caminho da percepção espiritual. No mundo material, quando alguém aceita uma determinada classe de serviço, exige-se que ele também tenha uma determinada espécie de qualificação sem a qual ele não está em condições de executar esse serviço. No serviço devocional ao Senhor, entretanto, a única qualificação exigida é a rendição. Render-se está nas próprias mãos da pessoa. Se ela quiser, poderá render-se de imediato, sem demora, e, nessa altura, inicia-se a sua vida espiritual. O representante genuíno de Deus está no mesmo nível do próprio Deus. Ou, em outras palavras, o amável representante do Senhor é mais bondoso e o acesso a ele é mais fácil. A alma pecadora não pode aproximar-se diretamente do Senhor, mas esse homem pecador pode, com muita facilidade, aproximar-se do devoto puro do Senhor. E se concordar em colocar-se sob a orientação desse devoto do Senhor, também poderá compreender a ciência de Deus e tornar-se como o transcendental devoto puro do Senhor. Assim, conseguirá sua liberação e voltará ao Supremo, voltará ao lar, onde gozará de felicidade eterna.

Assim, o candidato sincero não tem nenhuma dificuldade em compreender a ciência de Deus e ficar livre da desnecessária e inútil luta pela existência. Em contraste, aqueles que não são almas rendidas, mas são meros especuladores infrutíferos, têm muita dificuldade.

Texto

śaśvat praśāntam abhayaṁ pratibodha-mātraṁ
śuddhaṁ samaṁ sad-asataḥ paramātma-tattvam
śabdo na yatra puru-kārakavān kriyārtho
māyā paraity abhimukhe ca vilajjamānā
tad vai padaṁ bhagavataḥ paramasya puṁso
brahmeti yad vidur ajasra-sukhaṁ viśokam

Sinônimos

śaśvat — materno; praśāntam — sem perturbação; abhayam — sem temor; pratibodha-mātram — uma consciência oposta ao equivalente material; śuddham — não contaminado; samam — sem distinção; satasataḥ – da causa e do efeito; paramātmatattvam – o princípio da causa primordial; śabdaḥ — som especulativo; na — não; yatra — onde há; puru-kārakavān — que resulta em ação fruitiva; kriyā-arthaḥ — quando se trata de sacrifício; māyā — ilusão; paraiti — afasta-se; abhimukhe — na frente de; ca — também; vilajjamānā — estando envergonhado de; tat — esta; vai — é decerto; padam — última fase; bhagavataḥ — da Personalidade de Deus; paramasya — do Supremo; puṁsaḥ — da pessoa; brahma — o Absoluto; iti — assim; yat — o que; viduḥ — conhecido como; ajasra — ilimitada; sukham — felicidade; viśokam — sem aflição.

Tradução

Aquilo que é percebido como o Brahman Absoluto é pleno de ilimitada bem-aventurança, livre de aflição. Essa é certamente a última fase do desfrutador supremo, a Personalidade de Deus. Ele é eternamente desprovido de toda perturbação e temor. Ao contrário da matéria, Ele é consciência completa. Incontaminado e sem distinções, Ele é a principal causa primordial de todas as causas e efeitos, em quem não há sacrifícios para atividades fruitivas e em quem a energia ilusória não permanece.

Comentário

SIGNIFICADO—O desfrutador supremo, a Personalidade de Deus, é o Brahman Supremo, ou o summum bonum, porque Ele é a suprema causa de todas as causas. O conceito da percepção Brahman impessoal é o primeiro passo, devido ao fato de que Ele é diferenciado da concepção ilusória da existência material. Em outras palavras, o Brahman impessoal é um aspecto do Absoluto, aspecto este distinto da variedade material, assim como a luz é um conceito distinto de seu oposto, a escuridão. Mas a luz tem sua variedade, que é vista por aqueles que continuam avançando na luz, e, desse modo, a compreensão última acerca do Brahman é a fonte da luz Brahman, a Suprema Personalidade de Deus, o summum bonum, ou a fonte última de tudo. Portanto, conhecer a Personalidade de Deus inclui a compreensão acerca do Brahman impessoal como é inicialmente percebido em contraste com a embriaguez material. A Personalidade de Deus é o terceiro passo da compreensão Brahman. Como se explicou no primeiro canto, todos devem compreender os três aspectos do Absoluto – Brahman, Paramātmā e Bhagavān.

Pratibodha-mātram é exatamente a concepção oposta da existência material. Na matéria, existem os sofrimentos materiais, de modo que, na primeira compreensão acerca do Brahman, existe a eliminação desses inebriamentos materiais e há um sentimento de existência eterna, distinto das dores que se manifestam sob a forma de nascimento e morte, doença e velhice. Essa é a concepção primária do Brahman impessoal.

O Senhor Supremo é a Alma Suprema de tudo, motivo pelo qual, na concepção suprema, percebe-se a afeição. O conceito de afeição se deve ao relacionamento de uma alma com outra alma. O pai tem afeição pelo filho porque existe alguma relação íntima entre o filho e o pai. Contudo, essa espécie de afeição ao mundo material está cheia de limitações. Quando a Personalidade de Deus Se apresenta, manifesta-se a plenitude da afeição por causa da realidade da relação afetuosa. Ele não é o objeto de afeição no qual há vestígios de corpo e mente materiais, mas Ele é um completo, evidente e não contaminado objeto de afeição para todas as entidades vivas porque Ele é a Superalma, ou Paramātmā, situado dentro do coração de todos. No estado liberado, desperta-se a afeição completa pelo Senhor.

Nesse caso, existe um fluxo ilimitado de felicidade permanente, sem medo de interrupção, como experimentamos aqui no mundo material. A relação com o Senhor jamais se interrompe, daí não haver nem aflição nem temor. Tal felicidade não pode ser explicada por meio de palavras, e é mera perda de tempo tentar conseguir essa felicidade com atividades fruitivas decorrentes de alguns arranjos e sacrifícios. Porém, devemos também saber que a felicidade, a felicidade ininterrupta intercambiada com a Pessoa Suprema, a Personalidade de Deus, como se descreve neste verso, transcende a concepção impessoal contida nas Upaniṣads. Nas Upaniṣads, a descrição equivale aproximadamente a uma negação do conceito material das coisas, mas isso não destrói o fato de que o Senhor Supremo possui sentidos transcendentais. Nesta passagem, também se faz a mesma afirmação nas declarações sobre os elementos materiais; eles (os sentidos do Senhor) são todos transcendentais, livres de toda a contaminação da identificação material. E também as almas liberadas não são desprovidas de sentidos; caso contrário, não poderia haver reciprocação de felicidade espiritual incontida, trocada entre elas com alegria espontânea e ininterrupta. Todos os sentidos, tanto do Senhor quanto dos devotos, não têm contaminação material. Isso se dá porque eles estão além das causas e efeitos materiais, como aqui se menciona claramente (sad-asataḥ param). A energia material ilusória não pode atuar ali, pois se envergonha diante do Senhor e de Seus devotos transcendentais. No mundo material, as atividades dos sentidos não são livres de aflição, mas, nesta passagem, afirma-se com toda a clareza que os sentidos do Senhor e dos devotos não possuem nenhuma aflição. Existe uma nítida diferença entre os sentidos materiais e espirituais, e todos devem compreendê-la sem precisar anular os sentidos espirituais tomando como ponto de referência uma concepção material.

Os sentidos no mundo material estão sobrecarregados de ignorância material. De qualquer modo, as autoridades recomendam que os sentidos se purifiquem do conceito material. No mundo material, os sentidos são utilizados para a satisfação pessoal e individual, ao passo que, no mundo espiritual, os sentidos são devidamente empregados no propósito a que eles originalmente se destinam, a saber, a satisfação do Senhor Supremo. Essas atividades sensoriais são naturais, e, por isso, o gozo dos sentidos que ali acontece é contínuo e não é interrompido pela contaminação material, visto que os sentidos são purificados espiritualmente. E essa satisfação dos sentidos também é compartilhada pelos reciprocadores transcendentais. Como as atividades são ilimitadas e sempre crescentes, não há lugar para intentos materiais ou para arranjos artificiais. Essa felicidade de qualidade transcendental chama-se brahma-saukhyam, a qual se descreverá com clareza no quinto canto.

Texto

sadhryaṅ niyamya yatayo yama-karta-hetiṁ
jahyuḥ svarāḍ iva nipāna-khanitram indraḥ

Sinônimos

sadhryak — especulação mental ou meditação artificiais; niyamya — controlando; yatayaḥ — os místicos; yama-kartahetim – o processo do cultivo espiritual; jahyuḥ — são abandonados; svarāṭ — plenamente independentes; iva — como; nipāna — poço; khanitram — o incômodo de cavar; indraḥ — o semideus controlador que fornece as chuvas.

Tradução

Nesse estado transcendental, não há necessidade de controle artificial da mente, de especulação mental ou de meditação, como os praticam os jñānīs e os yogīs. A pessoa abandona esses processos assim como o rei dos céus, Indra, não se dá ao trabalho de cavar um poço.

Comentário

SIGNIFICADO—Um homem pobre, necessitado de água, escava um poço e empreende o trabalho de escavação. De modo semelhante, aqueles que são pobres em percepção transcendental especulam em suas mentes ou meditam através do controle dos sentidos. Todavia, eles não sabem que esse controle dos sentidos e a obtenção da perfeição espiritual tornam-se ao mesmo tempo possíveis logo que alguém se ocupe de fato no transcendental serviço amoroso à Pessoa Suprema, a Personalidade de Deus. Essa é a razão pela qual as grandes almas liberadas também desejam reunir-se para ouvir e cantar as atividades do Senhor. A esse respeito, o exemplo de Indra é muito apropriado. O rei dos céus, Indra, é a deidade ou semideus que controla o arranjo de nuvens que fornece chuvas ao universo, e, nesse caso, ele não precisa se dar ao trabalho de cavar um poço a fim de obter água para seu uso pessoal. Para ele, cavar um poço para obter água é simplesmente ridículo. De modo semelhante, aqueles que de fato se ocupam no serviço amoroso ao Senhor alcançaram a meta última da vida e não precisam entregar-se à especulação mental para descobrir a verdadeira natureza de Deus ou de Suas atividades. Tampouco esses devotos precisam meditar na identidade verdadeira ou imaginária do Senhor. Como estão de fato ocupados no transcendental serviço amoroso ao Senhor, os devotos puros do Senhor já conseguiram os resultados reservados àqueles que se entregam à especulação mental e à meditação. A verdadeira perfeição da vida, portanto, é ocupar-se no transcendental serviço amoroso ao Senhor.

Texto

sa śreyasām api vibhur bhagavān yato ’sya
bhāva-svabhāva-vihitasya sataḥ prasiddhiḥ
dehe sva-dhātu-vigame ’nuviśīryamāṇe
vyomeva tatra puruṣo na viśīryate ’jaḥ

Sinônimos

saḥ — Ele; śreyasām — toda a auspiciosidade; api — também; vibhuḥ — o mestre; bhagavān — a Personalidade de Deus; yataḥ — porque; asya — da entidade viva; bhāva — modos naturais; svabhāva – própria constituição; vihitasya — desempenhos; sataḥ — qualquer boa ação; prasiddhiḥ — sucesso último; dehe — do corpo; sva-dhātu — elementos formadores; vigame — serem destruídos; anu — depois de; viśīryamāṇe — tendo desistido; vyoma — céu; iva — como; tatra — então; puruṣaḥ — a entidade viva; na — nunca; viśīryate — é derrotada; ajaḥ — devido ao fato de ser não-nascida.

Tradução

A Personalidade de Deus é o mestre supremo de tudo o que é auspicioso porque os resultados de quaisquer ações executadas pelo ser vivo, na existência material ou espiritual, são concedidos pelo Senhor. Deste modo, Ele é o benfeitor último. Cada entidade viva é não-nascida e, por conseguinte, mesmo após a aniquilação do corpo elementar material, a entidade viva existe, exatamente como o ar dentro do corpo.

Comentário

SIGNIFICADO—A entidade viva é não-nascida e eterna, e, como confirmado pela Bhagavad-gītā (2.30), a entidade viva não se acaba, muito embora o corpo elementar material pereça. Enquanto a entidade viva estiver na existência material, as ações que ela executar serão recompensadas na próxima vida, ou até mesmo na vida atual. De modo semelhante, as ações que ela executa na vida espiritual também são recompensadas pelo Senhor com as cinco espécies de liberação. Nem mesmo o impersonalista pode obter a desejada imersão na existência do Supremo enquanto não for favorecido pela Suprema Personalidade de Deus. Confirma-se na Bhagavad-gītā (4.11) que, de acordo com o desejo, o Senhor concede, na própria vida atual, os respectivos resultados. As entidades vivas têm a liberdade de fazer sua escolha, e o Senhor concede a recompensa equivalente à escolha.

É dever de todos, portanto, adorar com devoção apenas a Personalidade de Deus, para alcançar, assim, a meta desejada. O impersonalista, ao invés de especular ou meditar, pode executar diretamente o rotineiro serviço devocional ao Senhor e assim obter, com facilidade, a meta desejada.

Os devotos, entretanto, têm inclinação natural a tornarem-se associados do Senhor e não a imergir na existência espiritual, como concebem os impersonalistas. Os devotos, portanto, seguindo seus instintos constitucionais, alcançam a meta desejada e tornam-se servos, amigos, pais, mães ou amantes conjugais do Senhor. O serviço devocional do Senhor envolve nove processos transcendentais, tais como ouvir e cantar, e, prestando esses serviços devocionais fáceis e naturais, os devotos conseguem os resultados mais perfeitamente elevados, muitíssimo superiores à imersão na existência do Brahman. Por isso, jamais se aconselha que os devotos se dediquem a especular sobre a natureza do Supremo, ou a meditar artificialmente sobre o vazio.

Ninguém deve, entretanto, cometer o erro de pensar que, após a aniquilação deste corpo atual, não existe corpo com o qual é possível associar-se com o Senhor face a face. A entidade viva é não-nascida. Ninguém deve pensar que ela se manifesta com a criação do corpo material. Por outro lado, é verdade que o corpo material só se desenvolve por causa do desejo da entidade viva. A evolução do corpo material deve-se aos desejos do ser vivo. Segundo os desejos do ser vivo, desenvolve-se o corpo material. Assim, a partir da alma espiritual, o corpo material passa a existir, gerado da força viva. Como é eterno, o ser vivo existe assim como o ar dentro do corpo. O ar está dentro e fora do corpo. Portanto, quando a cobertura externa, o corpo material, perece, a centelha viva, como o ar dentro do corpo, continua a existir. Então, sob a orientação do Senhor, por ser Ele o benfeitor último, a entidade viva recebe de imediato o imprescindível corpo espiritual compatível com a sua associação com o Senhor sob a forma de sārūpya (mesmo aspecto corpóreo), sālokya (iguais condições favoráveis para morar no mesmo planeta com o Senhor), sārṣṭi (posse das mesmas opulências do Senhor), e sāmīpya (igual associação com o Senhor).

O Senhor é tão bondoso que, mesmo que um devoto do Senhor não consiga completar todo o curso do serviço devocional puro e incontaminado pela associação material, ele recebe outra oportunidade na próxima vida, sendo premiado com nascimento em família de um devoto ou de um homem rico, de modo que, sem precisar lutar pela existência material, o devoto possa concluir a purificação de sua existência e assim, imediatamente após deixar este corpo, regressar ao lar, regressar ao Supremo. Confirma isso a Bhagavad-gītā.

A esse respeito, uma informação pormenorizada está disponível no Bhagavata-sandarbha, de Śrīla Jīva Gosvāmī Prabhupāda. Tendo alcançado a existência espiritual, o devoto situa-se eternamente nela, como já se comentou no verso precedente.

Texto

so ’yaṁ te ’bhihitas tāta
bhagavān viśva-bhāvanaḥ
samāsena harer nānyad
anyasmāt sad-asac ca yat

Sinônimos

saḥ — aquilo; ayam — o mesmo; te — a ti; abhihitaḥ — explicado por mim; tāta — meu querido filho; bhagavān — a Personalidade de Deus; viśva-bhāvanaḥ — o criador dos mundos manifestos; samāsena — em resumo; hareḥ — sem Hari, o Senhor; na — nunca; anyat — nenhuma outra coisa; anyasmāt — sendo a causa de; sat — manifesto ou fenomenal; asat — numenal; ca — e; yat — tudo o que possa existir.

Tradução

Meu querido filho, acabei de fazer uma explicação resumida sobre a Suprema Personalidade de Deus, que é o criador dos mundos manifestos. Sem Ele, Hari, o Senhor, não há outras causas das existências fenomenal e numenal.

Comentário

SIGNIFICADO—Como em geral temos experiência do mundo material e temporário e das almas condicionadas que tentam assenhorear-se dos mundos materiais, Brahmājī explicou a Nāradadeva que este mundo temporário é obra da potência externa do Senhor e que as almas condicionadas que aqui lutam pela existência são a potência marginal do Senhor Supremo, a Personalidade de Deus. A única causa de todas essas atividades fenomenais é Ele, Hari, o Senhor Supremo, que é a causa primordial de todas as causas. Entretanto, isso não significa que o próprio Senhor esteja distribuído impessoalmente. Ele está à parte de todas essas interações das potências externa e marginal. Na Bhagavad-gītā (9.4), confirma-se que é só por meio de Suas potências que Ele está presente em toda e qualquer parte. Tudo o que se manifesta repousa apenas em Sua potência, mas Ele, como a Suprema Personalidade de Deus, está sempre à parte de tudo. A potência e o potente são simultaneamente iguais e diferentes um do outro.

Ninguém deve censurar o Senhor Supremo porque Ele criou este mundo de sofrimentos, assim como ninguém deve culpar o rei quando ele cria uma prisão no governo. No estabelecimento governamental, a prisão é uma instituição necessária para punir aqueles que desobedecem às leis do governo. De maneira semelhante, este mundo material, cheio de sofrimentos, é uma criação temporária que o Senhor destinou àqueles que se esqueceram dEle e estão tentando assenhorear-se da manifestação falsa. Todavia, Ele está sempre ansioso para que as almas caídas sejam levadas de volta ao lar, de volta ao Supremo, em razão do que Ele deu muitas oportunidades às almas condicionadas, oferecendo-lhes as escrituras autorizadas, enviando Seus representantes e também aparecendo nas encarnações pessoais. Como Ele não tem nenhum vínculo direto com este mundo material, ninguém deve culpá-lO somente porque Ele criou este mundo.

Texto

idaṁ bhāgavataṁ nāma
yan me bhagavatoditam
saṅgraho ’yaṁ vibhūtīnāṁ
tvam etad vipulī kuru

Sinônimos

idam — esta; bhāgavatam — a ciência de Deus; nāma — do nome; yat — aquilo que; me — para mim; bhagavatā — pela Personalidade de Deus; uditam — iluminado; saṅgrahaḥ — é a soma de; ayam — Suas; vibhūtīnām — das diversas potências; tvam — tu mesmo; etat — esta ciência de Deus; vipulī — expande; kuru — faze-o.

Tradução

Ó Nārada, a Suprema Personalidade de Deus fez para mim um resumo desta ciência de Deus, o Śrīmad-Bhāgavatam, e ela foi falada como a soma de Suas diversas potências. Por favor, expande tu mesmo esta ciência.

Comentário

SIGNIFICADO—O Bhāgavatam em resumo, falado pela Personalidade de Deus em cerca de meia dúzia de versos que aparecerão adiante, é a ciência de Deus e é a representação potente da Personalidade de Deus. Ele, sendo absoluto, não é diferente da ciência de Deus, o Śrīmad-Bhāgavatam. Brahmājī recebeu diretamente do Senhor esta ciência de Deus e a transmitiu na íntegra a Nārada, quem, por sua vez, ordenou a Śrīla Vyāsadeva que a expandisse. Logo, o conhecimento transcendental sobre o Senhor Supremo não é especulação mental exercitada pelos polemistas mundanos, mas é conhecimento perfeito, eterno e incontaminado, que está além da jurisdição dos modos materiais. O Bhāgavata Purāṇa é, portanto, a encarnação direta do Senhor sob a forma de som transcendental, e, para receber esse conhecimento transcendental, é preciso ouvir o representante autêntico do Senhor que está na corrente de sucessão discipular que vem do Senhor para Brahmājī, de Brahmājī para Nārada, de Nārada para Vyāsa, de Vyāsadeva para Śukadeva Gosvāmī, de Śukadeva Gosvāmī para Sūta Gosvāmī. O fruto maduro da árvore védica passa de mão em mão, e não se espatifa porque não cai subitamente de um galho alto para o chão. Portanto, se a pessoa não ouvir um autêntico representante da sucessão discipular falar sobre a ciência de Deus, como se mencionou acima, será uma difícil tarefa compreender o tema da ciência de Deus. O Bhāgavatam jamais deve ser ouvido dos recitadores profissionais, que subsistem satisfazendo os sentidos do público.

Texto

yathā harau bhagavati
nṛṇāṁ bhaktir bhaviṣyati
sarvātmany akhilādhāre
iti saṅkalpya varṇaya

Sinônimos

yathā — tanto quanto; harau — à Personalidade de Deus; bhagavati — ao Senhor; nṛṇām — para os seres humanos; bhaktiḥ — serviço devocional; bhaviṣyati — ficarem iluminados; sarva-ātmani — o Todo Absoluto; akhila-ādhāre — ao summum bonum; iti — assim; saṅkalpya — com determinação; varṇaya — descreve.

Tradução

Por favor, descreve a ciência de Deus com determinação e de maneira a possibilitar ao ser humano o desenvolvimento do transcendental serviço devocional à Personalidade de Deus, Hari, a Superalma de todo ser vivo e o summum bonum, fonte de todas as energias.

Comentário

SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam é a filosofia do serviço devocional e a apresentação científica do relacionamento do homem com a Suprema Personalidade de Deus. Antes da era de Kali, para conhecer o Senhor e Suas energias e potências, não havia necessidade deste livro de conhecimento, mas, com o início da era de Kali, a sociedade humana sofreu influência gradual dos quatro princípios pecaminosos, a saber, união ilegítima com mulheres, intoxicação, jogos de azar e desnecessária matança de animais. Por causa desses atos pecaminosos básicos, o homem aos poucos se esqueceu de sua relação eterna com Deus. Portanto, por assim dizer, o homem se tornou cego à meta última de sua vida. A meta última da vida não é levar uma vida de irresponsabilidade como os animais e, de uma maneira polida, entregar-se aos quatro princípios animais, isto é, comer, dormir, temer e acasalar-se. Para essa sociedade humana cega que está na escuridão da ignorância, o Śrīmad-Bhāgavatam é o archote que ajuda a ver as coisas da perspectiva correta. Por isso, era necessário descrever a ciência de Deus desde o seu começo, ou desde o próprio nascimento do mundo fenomenal.

Como já explicamos, o Śrīmad-Bhāgavatam é apresentado tão cientificamente que qualquer estudante sincero desta grande ciência será capaz de compreender a ciência de Deus pelo simples fato de o ler com atenção ou de ouvir com regularidade o orador genuíno falar sobre ele. Todos desejam felicidade na vida, mas, nesta era, os membros da sociedade humana, cegos como são, não têm a visão adequada de que a Personalidade de Deus é o reservatório de toda a felicidade, visto que Ele é a fonte última de tudo (janmādy asya yataḥ). A felicidade em completa perfeição e sem obstáculos só pode ser conseguida através de nossa relação devocional com Ele. E é apenas por intermédio da associação com Ele que podemos livrar-nos da angustiante existência material. Mesmo aqueles que buscam o prazer neste mundo material também podem se refugiar na grande ciência do Śrīmad-Bhāgavatam, e acabarão tendo sucesso. Por isso, o mestre espiritual de Nārada exige ou ordena que este apresente esta ciência com determinação e criteriosamente. Jamais se aconselhou a Nārada que pregasse os princípios do Bhāgavatam para ganhar a vida; seu mestre espiritual ordenou que ele levasse muito a sério este assunto e agisse com espírito missionário.

Texto

māyāṁ varṇayato ’muṣya
īśvarasyānumodataḥ
śṛṇvataḥ śraddhayā nityaṁ
māyayātmā na muhyati

Sinônimos

māyām — atividades da energia externa; varṇayataḥ — enquanto descreve; amuṣya — do Senhor; īśvarasya — da Personalidade de Deus; anumodataḥ — assim apreciando; śṛṇvataḥ — assim ouvindo; śraddhayā — com devoção; nityam — regularmente; māyayā — pela energia ilusória; ātmā — a entidade viva; na — nunca; muhyati — fica iludida.

Tradução

As atividades do Senhor em associação com Suas diferentes energias devem ser descritas, apreciadas e ouvidas de acordo com os ensinamentos do Senhor Supremo. Caso isso seja feito regularmente com devoção e respeito, a pessoa certamente escapará da energia ilusória do Senhor.

Comentário

SIGNIFICADO—A ciência que consiste em aprender com seriedade um assunto é diferente dos sentimentos dos fanáticos. Os fanáticos ou tolos podem considerar que as atividades do Senhor relacionadas com a energia externa são inúteis para eles, e podem alegar falsamente que são fortes participantes da energia interna do Senhor, mas, na verdade, as atividades que o Senhor executa em relação com a energia externa e a energia interna estão no mesmo nível de igualdade. Por outro lado, aqueles que não estão inteiramente livres das garras da energia externa do Senhor devem ouvir com devoção e regularidade sobre as atividades do Senhor que têm relação com a energia externa. Eles não devem saltar tolamente para as atividades da energia interna, deixando-se atrair falsamente pelas atividades da potência interna do Senhor, tais como Sua rāsa-līlā. Os recitadores baratos do Bhāgavatam ficam muito entusiasmados com as atividades da potência interna do Senhor, e os pseudodevotos, absortos no gozo dos sentidos materiais, dão um falso salto para chegarem à fase das almas liberadas e, assim, sofrem uma queda e afundam-se nas garras da energia externa.

Alguns deles pensam que ouvir sobre os passatempos do Senhor significa ouvir sobre Suas atividades com as gopīs ou sobre Seus passatempos em que, por exemplo, Ele ergue a colina Govardhana, e pensam que não têm nenhuma ligação com as expansões plenárias do Senhor como os puruṣāvatāras e Seus passatempos que consistem em criar, manter e aniquilar os mundos materiais. Mas o devoto puro sabe que não há diferença entre os passatempos do Senhor, quer na rāsa-līlā, quer na criação, manutenção ou destruição do mundo material. Ao contrário, as descrições dessas atividades do Senhor como os puruṣāvatāras são especificamente destinadas às pessoas que estão nas garras da energia externa. Tópicos como a rāsa-līlā se destinam às almas liberadas, e não às almas condicionadas. As almas condicionadas, portanto, devem ouvir com apreço e devoção os passatempos do Senhor relacionados com a energia externa, e esses atos se equiparam a ouvir a rāsa-līlā na fase liberada. A alma condicionada não deve imitar as atividades das almas liberadas. O Senhor Śrī Caitanya jamais Se dedicou a ouvir a rāsa-līlā ao lado de homens comuns.

No Śrīmad-Bhāgavatam, a ciência de Deus, os primeiros nove cantos preparam o terreno para se ouvir o décimo canto. Isso continuará sendo explicado no último capítulo deste canto. E tudo ficará mais explícito no terceiro canto. O devoto puro do Senhor, portanto, deve começar a ler ou ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam desde o seu começo, e não ir direto ao décimo canto. Diversas vezes, alguns pretensos devotos nos solicitaram que apresentássemos imediatamente o décimo canto, mas evitamos essa ação porque queremos apresentar o Śrīmad-Bhāgavatam como a ciência de Deus e não como um discurso sensual para as almas condicionadas. Isso é proibido pelas autoridades, como Śrī Brahmājī. Lendo e ouvindo o Śrīmad-Bhāgavatam como uma apresentação científica, as almas condicionadas serão promovidas aos poucos à etapa superior do conhecimento transcendental após se libertarem da energia ilusória baseada no gozo dos sentidos.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do segundo canto, sétimo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Encarnações Anunciadas com Funções Específicas”.