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Capítulo Vinte e Três

A Lamentação de Devahūti

Texto

maitreya uvāca
pitṛbhyāṁ prasthite sādhvī
patim iṅgita-kovidā
nityaṁ paryacarat prītyā
bhavānīva bhavaṁ prabhum

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; pitṛbhyām — pelos pais; prasthite — com a partida; sādhvī — a casta mulher; patim — seu esposo; iṅgita-kovidā — entendendo os desejos; nityam — constantemente; paryacarat — ela serviu; prītyā — com grande amor; bhavānī — a deusa Pārvatī; iva — como; bhavam — senhor Śiva; prabhum — seu senhor.

Tradução

Maitreya continuou: Após a partida de seus pais, a casta mulher Devahūti, que podia entender os desejos de seu esposo, serviu-o constantemente com grande amor, assim como Bhavānī, a esposa do senhor Śiva, serve seu esposo.

Comentário

O exemplo específico de Bhavānī é muito significativo. Bhavānī significa a esposa de Bhava, ou o senhor Śiva. Bhavānī, ou Pārvatī, a filha do rei dos Himalaias, escolheu o senhor Śiva, que parece ser um mendigo, como seu esposo. Apesar de ser uma princesa, ela se submeteu a toda espécie de tribulações para associar-se com o senhor Śiva, que nem mesmo tinha uma casa, mas sentava-se debaixo de árvores e passava seu tempo em meditação. Embora Bhavānī fosse filha de um rei grandiosíssimo, ela costumava servir o senhor Śiva como uma mulher pobre qualquer. De maneira similar, Devahūti era filha de um imperador, Svāyambhuva Manu, mas preferiu aceitar Kardama Muni como seu esposo. Ela o servia com grande amor e afeição e sabia como satisfazê-lo. Portanto, ela é chamada aqui de sādhvī, que significa “uma esposa casta e fiel”. Seu raro exemplo é o ideal da civilização védica. É de se esperar que toda mulher seja boa e casta como Devahūti ou Bhavānī. Hoje em dia, na sociedade hindu, as moças solteiras ainda são ensinadas a adorar o senhor Śiva com o objetivo de obter esposos como ele. O senhor Śiva é o esposo ideal, não no sentido de riquezas ou gozo dos sentidos, mas porque ele é o maior de todos os devotos. Vaiṣṇavānāṁ yathā śambhuḥ: Śambhu, ou seja, o senhor Śiva, é o vaiṣṇava ideal. Ele medita constantemente no Senhor Rāma e canta Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. O senhor Śiva tem um sampradāya vaiṣṇava, que se chama viṣṇusvāmī-sampradāya. As moças solteiras adoram o senhor Śiva a fim de conseguirem um esposo que seja um vaiṣṇava tão bom como ele. As moças não são ensinadas a escolher um esposo que seja muito rico ou muito opulento em gozo material dos sentidos; pelo contrário, se uma moça tem a fortuna de conseguir um esposo tão bom como o senhor Śiva em serviço devocional, então sua vida torna-se perfeita. A esposa depende do esposo, e, se o esposo é um vaiṣṇava, ela compartilha naturalmente do serviço devocional do esposo porque lhe presta serviço. A reciprocidade de serviço e amor entre esposo e esposa é o ideal da vida familiar.

Texto

viśrambheṇātma-śaucena
gauraveṇa damena ca
śuśrūṣayā sauhṛdena
vācā madhurayā ca bhoḥ

Sinônimos

viśrambheṇa — com intimidade; ātma-śaucena — com pureza de mente e de corpo; gauraveṇa — com grande respeito; damena — com controle dos sentidos; ca — e; śuśrūṣayā — com serviço; sauhṛdena — com amor; vācā — com palavras; madhurayā — doces; ca — e; bhoḥ — ó Vidura.

Tradução

Ó Vidura, Devahūti servia seu esposo com intimidade e grande respeito, com controle dos sentidos, com amor e com palavras doces.

Comentário

Neste verso, duas palavras são muito significativas. Devahūti servia seu esposo de duas maneiras: viśrambheṇa e gauraveṇa, que são dois processos importantes quando se serve o esposo ou a Suprema Personalidade de Deus. Viśrambheṇa significa “com intimidade”, e gauraveṇa, “com grande reverência”. O esposo é um amigo muito íntimo; portanto, a esposa deve prestar-lhe serviço assim como uma amiga íntima, e, ao mesmo tempo, deve entender que o esposo é superior em posição e, deste modo, deve oferecer-lhe todo o respeito. A psicologia do homem e a psicologia da mulher são diferentes. Devido à sua constituição corpórea, o homem sempre quer ser superior à esposa, e a mulher, por constituição corpórea, é naturalmente inferior ao esposo. Logo, o instinto natural é que o esposo quer colocar-se como superior à esposa, e isso deve ser respeitado. Mesmo que haja algum erro da parte do esposo, a esposa deve tolerá-lo, e assim não haverá mal-entendido entre esposo e esposa. Viśrambheṇa significa “com intimidade”, mas não deve ser uma intimidade que gere descaso. Segundo a civilização védica, a esposa não pode chamar o esposo pelo nome. Na civilização atual, a esposa chama o esposo pelo nome, mas, na civilização hindu, isso não acontece. Assim, os complexos de inferioridade e superioridade são reconhecidos. Damena ca: a esposa tem de aprender a controlar-se, mesmo que haja algum mal-entendido. Sauhṛdena vācā madhurayā significa sempre desejar o bem para o esposo e falar com palavras doces. São muitos os contatos materiais que agitam o homem no mundo externo; portanto, em casa, sua esposa deve tratá-lo com palavras doces.

Texto

visṛjya kāmaṁ dambhaṁ ca
dveṣaṁ lobham aghaṁ madam
apramattodyatā nityaṁ
tejīyāṁsam atoṣayat

Sinônimos

visṛjya — abandonando; kāmam — luxúria; dambham — orgulho; ca — e; dveṣam — inveja; lobham — cobiça; agham — atividades pecaminosas; madam — vaidade; apramattā — sensata; udyatā — trabalhando diligentemente; nityam — sempre; tejīyāṁsam — seu poderosíssimo esposo; atoṣayat — ela agradava.

Tradução

Trabalhando com sensatez e diligência, ela agradava seu poderosíssimo esposo, abandonando toda a luxúria, orgulho, inveja, cobiça, atividades pecaminosas e vaidade.

Comentário

Eis aqui algumas das qualidades da grande esposa de um grande esposo. Kardama Muni é grandioso em qualidades espirituais. Um esposo assim chama-se tejīyāṁsam, poderosíssimo. Mesmo que a esposa seja igual ao esposo em avanço de consciência espiritual, ela não deve ser vaidosamente orgulhosa. Acontece que às vezes a esposa provém de uma família muito rica, como é o caso de Devahūti, a filha do imperador Svāyambhuva Manu. Ela poderia sentir muito orgulho de sua estirpe, mas isso é proibido. A esposa não deve orgulhar-se de sua ascendência. Ela deve ser sempre submissa ao esposo e deve abandonar toda vaidade. Assim que a esposa se torna orgulhosa de sua linhagem, seu orgulho cria grande mal-entendido entre o esposo e ela, e sua vida nupcial é arruinada. Devahūti era muito cuidadosa quanto a isso, daí se dizer que ela abandonou inteiramente o seu orgulho. Devahūti não era infiel. A atividade mais pecaminosa para uma esposa é aceitar outro esposo ou um amante. Cāṇakya Paṇḍita descreve quatro tipos de inimigos existentes no lar. Se o pai está em débito, ele é considerado um inimigo; se a mãe escolhe outro esposo na presença de seus filhos crescidos, ela é considerada uma inimiga; se a esposa não vive bem com o esposo, mas o trata com muita grosseria, então ela é uma inimiga, e se o filho é um tolo, ele também é um inimigo. Na vida familiar, pai, mãe, esposa e filhos são bons, mas, se a esposa ou a mãe aceita outro esposo na presença do esposo ou do filho, então, segundo a civilização védica, ela é considerada uma inimiga. Uma mulher casta e fiel não deve se envolver em adultério, o que é um ato muitíssimo pecaminoso.

Texto

sa vai devarṣi-varyas tāṁ
mānavīṁ samanuvratām
daivād garīyasaḥ patyur
āśāsānāṁ mahāśiṣaḥ
kālena bhūyasā kṣāmāṁ
karśitāṁ vrata-caryayā
prema-gadgadayā vācā
pīḍitaḥ kṛpayābravīt

Sinônimos

saḥ — ele (Kardama); vai — certamente; deva-ṛṣi — dos sábios celestiais; varyaḥ — o principal; tām — a ela; mānavīm — a filha de Manu; samanuvratām — plenamente devotada; daivāt — que a providência; garīyasaḥ — que era maior; patyuḥ — de seu esposo; āśāsānām — esperando; mahā-āśiṣaḥ — grandes bênçãos; kālena bhūyasā — por um longo tempo; kṣāmām — fraca; karśitām — emaciada; vrata-caryayā — pelas observâncias religiosas; prema — com amor; gadgadayā — gaguejando; vācā — com voz; pīḍitaḥ — dominado; kṛpayā — com compaixão; abravīt — ele disse.

Tradução

A filha de Manu, que era plenamente devotada a seu esposo, considerava-o maior ainda que a providência. Assim, ela esperava grandes bênçãos dele. Tendo-o servido por um longo tempo, ela ficou fraca e emaciada devido a suas observâncias religiosas. Kardama, o principal dos sábios celestiais, encheu-se de compaixão e, com uma voz embargada devido ao seu grande amor, dirigiu-lhe a palavra.

Comentário

É de se esperar que a esposa seja da mesma categoria que o esposo. Ela deve estar preparada a seguir os princípios de seu esposo. Somente assim haverá uma vida feliz. Se o esposo é devoto, e a esposa, materialista, não pode haver paz alguma no lar. A esposa deve observar as tendências do esposo e deve estar disposta a segui-lo. A partir do Mahābhārata, aprendemos que, quando Gāndhārī soube que seu futuro esposo, Dhṛtarāṣṭra, era cego, ela própria começou a praticar a cegueira imediatamente. Assim, ela vedou os olhos e se fazia passar por cega. Decidiu que, uma vez que seu esposo era cego, ela também deveria agir como cega, ou teria orgulho de seus olhos, e seu esposo seria tido como inferior. A palavra samanuvrata indica que é dever da esposa adotar as circunstâncias especiais em que o esposo esteja situado. Evidentemente, se o esposo é grandioso como Kardama Muni, obtém-se um ótimo resultado ao segui-lo. Porém, mesmo que o esposo não seja um grande devoto como Kardama Muni, é dever da esposa adaptar-se conforme a mentalidade dele. Isso torna a vida conjugal muito feliz. Também se menciona nesta passagem que, por seguir os estritos votos de uma mulher casta, a princesa Devahūti emagreceu muito, em razão do que seu esposo se compadeceu dela. Ele sabia que ela era filha de um grande rei, apesar do que ela o estava servindo como se fosse uma mulher comum. Devido a tais atividades, ela estava com a saúde abalada, e ele se apiedou e dirigiu-se a ela da seguinte maneira.

Texto

kardama uvāca
tuṣṭo ’ham adya tava mānavi mānadāyāḥ
śuśrūṣayā paramayā parayā ca bhaktyā
yo dehinām ayam atīva suhṛt sa deho
nāvekṣitaḥ samucitaḥ kṣapituṁ mad-arthe

Sinônimos

kardamaḥ uvāca — o grande sábio Kardama disse; tuṣṭaḥ — satisfeito; aham — estou; adya — hoje; tava — contigo; mānavi — ó filha de Manu; māna-dāyāḥ — que é respeitosa; śuśrūṣayā — pelo serviço; paramayā — excelentíssimo; parayā — máximo; ca — e; bhaktyā — pela devoção; yaḥ — aquilo que; dehinām — pelo corporificado; ayam — este; atīva — extremamente; suhṛt — querido; saḥ — este; dehaḥ — corpo; na — não; avekṣitaḥ — tenhas cuidado de; samucitaḥ — apropriadamente; kṣapitum — gastar; mat-arthe — em meu benefício.

Tradução

Kardama Muni disse: Ó respeitosa filha de Svāyambhuva Manu, hoje estou muitíssimo satisfeito contigo por tua grande devoção e excelentíssimo serviço amoroso. Uma vez que o corpo é tão querido pelos seres vivos corporificados, surpreende-me que tenhas negligenciado teu próprio corpo para usá-lo em meu benefício.

Comentário

Indica-se aqui como o corpo é muito querido, mas Devahūti era tão fiel a seu esposo que não apenas o servia com grande devoção, serviço e respeito, como também não se importava com sua própria saúde. Isso se chama serviço desinteressado. Parece que Devahūti não tinha prazer dos sentidos, nem mesmo com o esposo, caso contrário ela não teria deteriorado sua saúde. Agindo para facilitar a ocupação de Kardama Muni em elevação espiritual, ela o auxiliava continuamente, não se importando com o conforto do corpo. É dever da esposa casta e fiel ajudar seu esposo sob todos os aspectos, especialmente quando o esposo está ocupado em consciência de Kṛṣṇa. Neste caso, o esposo também recompensa amplamente a esposa. Isso não é de se esperar por parte de uma mulher que é esposa de um homem comum.

Texto

ye me sva-dharma-niratasya tapaḥ-samādhi-
vidyātma-yoga-vijitā bhagavat-prasādāḥ
tān eva te mad-anusevanayāvaruddhān
dṛṣṭiṁ prapaśya vitarāmy abhayān aśokān

Sinônimos

ye — aquelas que; me — por mim; sva-dharma — própria vida religiosa; niratasya — plenamente ocupado com; tapaḥ — em austeridade; samādhi — em meditação; vidyā — em consciência de Kṛṣṇa; ātma-yoga — fixando a mente; vijitāḥ — alcançadas; bhagavatprasādāḥ – as bênçãos do Senhor; tān — a elas; eva — mesmo; te — por ti; mat — a mim; anusevanayā — pelo serviço devotado; avaruddhān — obtida; dṛṣṭim — visão transcendental; prapaśya — contempla; vitarāmi — estou dando; abhayān — que são livres do medo; aśokān — que são livres da lamentação.

Tradução

Kardama Muni continuou: Obtive as bênçãos do Senhor ao desempenhar minha própria vida religiosa de austeridade, meditação e consciência de Kṛṣṇa. Embora ainda não tenhas experimentado essas conquistas, que são livres do medo e lamentação, hei de oferecê-las todas a ti, porque estás ocupada em meu serviço. Agora, contempla-as. Estou te dando visão transcendental para que vejas quão maravilhosas elas são.

Comentário

Devahūti dedicava-se apenas a servir a Kardama Muni. Não se supunha que ela fosse tão avançada em austeridade, êxtase, meditação ou consciência de Kṛṣṇa, mas, imperceptivelmente, ela estava compartilhando das conquistas do esposo, as quais ela não podia contemplar nem experimentar. Ela alcançou essas graças do Senhor automaticamente.

Quais são as graças do Senhor? Aqui se afirma que as graças do Senhor são abhaya, livres do medo. No mundo material, se alguém acumula um milhão de dólares, fica sempre cheio de medo porque sempre pensa: “E se eu perder o dinheiro?” Mas a bênção do Senhor, bhagavat-prasāda, jamais será perdida. É simplesmente para ser desfrutada. Não é possível perdê-la. A pessoa simplesmente ganha e desfruta do ganho. A Bhagavad-gītā também confirma isto: o resultado de obtermos a graça do Senhor é que sarva-duḥkhāni, todas as aflições, são destruídas. Quando nos situamos na posição transcendental, livramo-nos dos dois tipos de doenças materiais – anseio e lamentação. Também se afirma isso na Bhagavad-gītā. Depois que a vida devocional começa, podemos alcançar o resultado pleno do amor a Deus. O amor a Kṛṣṇa é a perfeição máxima de bhagavat-prasāda, ou misericórdia divina. Essa conquista transcendental tem um valor tão grande que nenhuma felicidade material é comparável. Prabodhānanda Sarasvatī diz que aquele que obtém a graça do Senhor Caitanya torna-se tão grandioso que se importa nem um pouco com os semideuses, considera o monismo algo infernal, e, para ele, não há nada mais fácil que a perfeição do controle dos sentidos. Para ele, os prazeres celestiais passam a ser mera historinha. Na realidade, não há comparação entre a felicidade material e a felicidade transcendental.

Pela graça de Kardama Muni, Devahūti experimentou verdadeira compreensão simplesmente servindo. Obtemos um exemplo semelhante disso na vida de Nārada Muni. Em sua vida anterior, Nārada era filho de uma criada, mas sua mãe estava ocupada a serviço de grandes devotos. Ele teve oportunidade de servir aos devotos e, pelo simples fato de comer os restos de seus alimentos e cumprir suas ordens, tornou-se tão elevado que, em sua vida seguinte, tornou-se a grande personalidade Nārada. Para a conquista espiritual, o caminho mais fácil é refugiar-se num mestre espiritual autêntico e servi-lo com o coração e a alma. Esse é o segredo do sucesso. Como afirma Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura em suas oito estrofes em louvor ao mestre espiritual, yasya prasādād bhagavat-prasādaḥ: servindo, ou recebendo a graça do mestre espiritual, recebemos a graça do Senhor Supremo. Por servir Kardama Muni, seu esposo devoto, Devahūti compartilhou de suas conquistas. Da mesma forma, um discípulo sincero, simplesmente por servir ao mestre espiritual genuíno, poderá obter toda a misericórdia do Senhor e do mestre espiritual, simultaneamente.

Texto

anye punar bhagavato bhruva udvijṛmbha-
vibhraṁśitārtha-racanāḥ kim urukramasya
siddhāsi bhuṅkṣva vibhavān nija-dharma-dohān
divyān narair duradhigān nṛpa-vikriyābhiḥ

Sinônimos

anye — outros; punaḥ — novamente; bhagavataḥ — do Senhor; bhruvaḥ — das sobrancelhas; udvijṛmbha — pelo movimento; vibhraṁśita — aniquiladas; artha-racanāḥ — conquistas materiais; kim — que valor; urukramasya — do Senhor Viṣṇu (de passo longo); siddhā — bem-sucedida; asi — tu és; bhuṅkṣva — desfruta; vibhavān — as dádivas; nija-dharma — devido a teus próprios princípios de devoção: dohān – ganhas; divyān — transcendentais; naraiḥ — por pessoas; duradhigān — difíceis de se obter; nṛpa-vikriyābhiḥ — orgulhosas da aristocracia.

Tradução

Kardama Muni prosseguiu: Qual o valor de outros gozos além da graça do Senhor? Todas as conquistas materiais estão sujeitas a ser aniquiladas por um simples movimento das sobrancelhas do Senhor Viṣṇu, a Suprema Personalidade de Deus. Devido a teus princípios de devoção a teu esposo, alcançaste e podes desfrutar de dádivas transcendentais que só muito raramente podem ser obtidas por pessoas orgulhosas de sua aristocracia e posses materiais.

Comentário

O Senhor Caitanya declarava que a conquista máxima da vida humana é obter a graça do Senhor, o amor a Deus. Ele dizia que prema pumartho mahān: alcançar o amor a Deus é a perfeição máxima da vida. A mesma perfeição foi recomendada por Kardama Muni a sua esposa, que pertencia a uma família real muito aristocrática. Geralmente, aqueles que são muito materialistas ou que possuem riqueza e prosperidade materiais não conseguem apreciar o valor do amor transcendental por Deus. Embora Devahūti fosse uma princesa oriunda de excelsa família real, felizmente ela estava sob a supervisão de seu grande esposo, Kardama Muni, que lhe ofereceu a melhor dádiva que se pode conceder na vida humana: a graça do Senhor, ou o amor a Deus. Essa graça do Senhor, Devahūti a obteve devido à boa vontade e satisfação de seu esposo. Ela serviu seu esposo, que era grande devoto e pessoa santa, com muita sinceridade, amor, afeição e serviço. Kardama Muni ficou satisfeito com ela e lhe deu voluntariamente o amor a Deus, recomendando que ela aceitasse e desfrutasse este amor, porque ele já o obtivera.

O amor a Deus não é uma mercadoria comum. Caitanya Mahāprabhu foi adorado por Rūpa Gosvāmī por ter distribuído amor a Deus, kṛṣṇa-premā, a todos. Rūpa Gosvāmī louvou-O como mahā-vadānya, uma personalidade muitíssimo munificente, porque Ele estava distribuindo gratuitamente, a todos, o amor a Deus, que só é conseguido por homens sábios após muitíssimos nascimentos. Kṛṣṇa-premā, a consciência de Kṛṣṇa, é a dádiva máxima que podemos outorgar a qualquer pessoa que presumimos amar.

Uma expressão usada neste verso, nija-dharma-dohān, é muito significativa. Como esposa de Kardama Muni, Devahūti obteve dele uma dádiva inestimável por ter sido muito fiel a ele. Para uma mulher, o primeiro princípio de religião é ser fiel ao esposo. Se, porventura, o esposo é uma grande personalidade, então a combinação é perfeita, e tanto a vida da esposa quanto a vida do esposo se tornam perfeitas de imediato.

Texto

evaṁ bruvāṇam abalākhila-yoga-māyā-
vidyā-vicakṣaṇam avekṣya gatādhir āsīt
sampraśraya-praṇaya-vihvalayā gireṣad-
vrīḍāvaloka-vilasad-dhasitānanāha

Sinônimos

evam — assim; bruvāṇam — falando; abalā — a mulher; akhila — todos; yoga-māyā — de ciência transcendental; vidyā-vicakṣaṇam — transbordando em conhecimento; avekṣya — após ouvir; gata-ādhiḥ — satisfeita; āsīt — ela ficou; sampraśraya — com humildade; praṇaya — e com amor; vihvalayā — abafada; girā — com voz; īṣat — levemente; vrīḍā — tímido; avaloka — com um olhar; vilasat — brilhando; hasita — sorridente; ānanā — seu rosto; āha — ela falou.

Tradução

Ao ouvir as palavras de seu esposo, que transbordavam em conhecimento de toda espécie de ciência transcendental, a inocente Devahūti ficou muito satisfeita. Com o rosto sorridente e brilhando com um olhar levemente tímido, ela falou com uma voz embargada em razão de grande humildade e amor.

Comentário

Declara-se que se alguém já está ocupado em consciência de Kṛṣṇa e está prestando transcendental serviço amoroso ao Senhor, pode-se supor que já terminou todos os processos recomendados de austeridade, penitência, religião, sacrifício, yoga místico e meditação. O esposo de Devahūti era tão perito na ciência transcendental que não havia argumentos contra ele, e, ao ouvi-lo falar, ela estava confiante de que, uma vez que era muito avançado em serviço devocional, ele já tinha ultrapassado todas as atividades educativas transcendentais. Ela não tinha dúvidas sobre as dádivas oferecidas por seu esposo; ela sabia que ele era muito hábil em oferecer semelhantes dádivas, e, ao perceber que ele lhe estava oferecendo a maior das dádivas, ela ficou muito satisfeita. Ela estava imersa em amor extático, de modo que não pôde responder; então, balbuciando, assim como uma esposa atrativa, ela falou as seguintes palavras.

Texto

devahūtir uvāca
rāddhaṁ bata dvija-vṛṣaitad amogha-yoga-
māyādhipe tvayi vibho tad avaimi bhartaḥ
yas te ’bhyadhāyi samayaḥ sakṛd aṅga-saṅgo
bhūyād garīyasi guṇaḥ prasavaḥ satīnām

Sinônimos

devahūtiḥ uvāca — Devahūti disse; rāddham — foi alcançada; bata — na verdade; dvija-vṛṣa — ó melhor entre os brāhmaṇas; etat — isto; amogha — infalíveis; yoga-māyā — dos poderes místicos; adhipe — o senhor; tvayi — em ti; vibho — ó grandioso; tat — que; avaimi — eu sei; bhartaḥ — ó esposo; yaḥ — aquilo que; te — por ti; abhyadhāyi — foi feita; samayaḥ — promessa; sakṛt — certa vez; aṅga-saṅgaḥ — união de corpos; bhūyāt — pode ser; garīyasi — quando muito glorioso; guṇaḥ — uma grande qualidade; prasavaḥ — progênie; satīnām — de mulheres castas.

Tradução

Śrī Devahūti disse: Meu querido esposo, ó melhor entre os brāhmaṇas, sei que alcançaste a perfeição e és o senhor de todos os poderes místicos infalíveis porque estás sob a proteção de yogamāyā, a natureza transcendental. Porém, certa vez prometeste dar-me um filho através da união de nossos corpos, já que os filhos são uma grande qualidade para uma mulher casta e que tem um esposo glorioso.

Comentário

Devahūti expressou sua felicidade proferindo a palavra bata, pois sabia que seu esposo estava numa posição transcendental altamente elevada e estava sob o abrigo de yogamāyā. Como se afirma na Bhagavad-gītā, aqueles que são grandes almas, mahātmās, não estão sob o controle da energia material. O Senhor Supremo tem duas energias, a material e a espiritual. As entidades vivas são energia marginal. Como energia marginal, uma pessoa pode estar sob o controle da energia material ou da energia espiritual (yogamāyā). Kardama Muni era uma grande alma, motivo pelo qual estava sob a energia espiritual, o que significa que ele estava diretamente ligado ao Senhor Supremo. O sintoma disso é a consciência de Kṛṣṇa, ocupação constante em serviço devocional. Embora soubesse disso, Devahūti estava ansiosa por ter um filho através da união corpórea com o sábio. Ela lembrou a seu esposo a promessa que ele fizera aos pais dela: “Permanecerei somente até o momento da gravidez de Devahūti.” Ela lhe recordou que, para uma mulher casta, ter um filho de uma grande personalidade é muito glorioso. Ela queria engravidar e suplicou por isso. A palavra strī significa “expansão”. Através da união corporal entre esposo e esposa, suas qualidades se expandem: os filhos nascidos de bons pais são expansões das qualificações pessoais dos pais. Tanto Kardama Muni quanto Devahūti eram espiritualmente iluminados; portanto, desde o começo, ela desejou primeiramente engravidar e, depois, ser dotada de poder com a obtenção da graça de Deus e do amor a Deus. Para uma mulher, é uma grande ambição ter um filho da mesma qualidade que um esposo altamente qualificado. Uma vez que teve a oportunidade de obter Kardama Muni como seu esposo, ela também desejou ter um filho através da união corporal.

Texto

tatreti-kṛtyam upaśikṣa yathopadeśaṁ
yenaiṣa me karśito ’tiriraṁsayātmā
siddhyeta te kṛta-manobhava-dharṣitāyā
dīnas tad īśa bhavanaṁ sadṛśaṁ vicakṣva

Sinônimos

tatra — neste; iti-kṛtyam — o que é necessário fazer; upaśikṣa — faze; yathā — segundo; upadeśam — instrução nas escrituras; yena — pelos quais; eṣaḥ — este; me — meu; karśitaḥ — emaciado; atiriraṁ-sayā — devido à intensa paixão insatisfeita; ātmā — corpo; siddhyeta — possa tornar-se adequado; te — para ti; kṛta — excitada; manaḥ-bhava — pela emoção; dharṣitāyāḥ — que estou tomada; dīnaḥ — pobre; tat — portanto; īśa — ó meu querido senhor; bhavanam — casa; sadṛśam — adequada; vicakṣva — por favor, providencia.

Tradução

Devahūti continuou: Meu querido senhor, sinto-me tomada por excitada emoção por ti. Portanto, por favor, providencia os arranjos que devem ser feitos segundo as escrituras para que meu corpo magro, emaciado pela paixão insatisfeita, possa tornar-se adequado para ti. Também, meu senhor, por favor, provê uma casa apropriada para esse objetivo.

Comentário

Os textos védicos são não apenas repletos de instruções espirituais, mas também são instrutivos a respeito de como ter boa conduta na existência material, tendo como objetivo último a perfeição espiritual. Devahūti perguntou a seu esposo, portanto, como deveria preparar-se para a vida sexual segundo as instruções védicas. A vida sexual destina-se especialmente a ter bons filhos. As circunstâncias para se criar bons filhos são mencionadas kāma-śāstra, a escritura em que se prescrevem arranjos adequados para a vida sexual realmente gloriosa. Tudo que é necessário está mencionado nas escrituras – que tipo de casa e decorações deve haver, que tipo de roupas a esposa deve usar, como ela deve enfeitar-se com cremes, essências e outras coisas atrativas etc. Preenchidos esses requisitos, o esposo será atraído por sua beleza, o que criará uma situação mental favorável. A situação mental no momento do ato sexual pode, então, transferir-se ao ventre da esposa, de cuja gravidez poderão surgir bons filhos. Aqui se faz referência especial às feições corporais de Devahūti. Por ter emagrecido muito, ela temia que seu corpo não tivesse atrativos para Kardama. Ela queria receber instruções sobre como melhorar sua condição física a fim de atrair seu esposo. O intercurso sexual no qual o esposo sente atração pela esposa certamente produz um menino, mas o intercurso sexual baseado na atração da esposa pelo esposo pode produzir uma menina. Isso é mencionado no āyurveda. Quando a paixão da mulher é maior, é provável que nasça uma menina. Quando a paixão do homem é maior, é provável que nasça um filho. Devahūti queria que a paixão de seu esposo aumentasse através do arranjo mencionado no kāma-śāstra. Ela queria que ele a instruísse dessa maneira e também pediu que ele providenciasse uma casa adequada, porque o eremitério no qual vivia Kardama Muni era muito simples e inteiramente no modo da bondade, havendo menos possibilidade de despertar paixão em seu coração.

Texto

maitreya uvāca
priyāyāḥ priyam anvicchan
kardamo yogam āsthitaḥ
vimānaṁ kāma-gaṁ kṣattas
tarhy evāviracīkarat

Sinônimos

maitreyaḥ — o grande sábio Maitreya; uvāca — disse; priyāyāḥ — de sua amada esposa; priyam — o prazer; anvicchan — procurando; kardamaḥ — o sábio Kardama; yogam — poder ióguico; āsthitaḥ — exercitou; vimānam — um aeroplano; kāma-gam — movimentando-se à vontade; kṣattaḥ — ó Vidura; tarhi — instantaneamente; eva — bastante; āviracīkarat — ele produziu.

Tradução

Maitreya prosseguiu: Ó Vidura, procurando agradar sua amada esposa, o sábio Kardama exercitou seu poder ióguico e produziu instantaneamente uma mansão aérea que podia viajar de acordo com sua vontade.

Comentário

Aqui, as palavras yogam āsthitaḥ são significativas. O sábio Kardama era completamente perfeito em yoga. Como resultado da verdadeira prática de yoga, desenvolvem-se oito tipos de perfeições: o yogī pode tornar-se menor que o menor, maior que o maior ou mais leve que o mais leve; ele pode conseguir qualquer coisa que deseje, pode criar inclusive um planeta, pode exercer influência sobre qualquer pessoa etc. Dessa maneira, alcança-se a perfeição do yoga e, depois disso, pode-se alcançar a perfeição da vida espiritual. Assim, não é muito surpreendente que Kardama Muni tenha criado uma mansão no ar, de acordo com seu próprio desejo, para satisfazer o desejo de sua amada esposa. Num instante, ele criou o palácio, que será descrito nos versos seguintes.

Texto

sarva-kāma-dughaṁ divyaṁ
sarva-ratna-samanvitam
sarvarddhy-upacayodarkaṁ
maṇi-stambhair upaskṛtam

Sinônimos

sarva — todos; kāma — desejos; dugham — produzindo; divyam — maravilhosa; sarva-ratna — toda espécie de joias; samanvitam — adornada com; sarva — todas; ṛddhi — de riquezas; upacaya — aumento; udarkam — gradual; maṇi — de pedras preciosas; stambhaiḥ — com pilares; upaskṛtam — adornada.

Tradução

A mansão tinha estrutura maravilhosa, decorada com toda espécie de joias, adornada com pilares de pedras preciosas e capaz de produzir qualquer coisa que se desejasse. Estava equipada com toda sorte de móveis e riquezas, que tendiam a aumentar com o transcurso do tempo.

Comentário

Pode-se chamar o castelo criado no céu por Kardama Muni de “um castelo no ar”, mas, através de seu poder místico de yoga, Kardama Muni realmente construiu um imenso castelo no ar. Para nossa pobre imaginação, um castelo no céu é algo impossível, mas, se considerarmos o assunto minuciosamente, poderemos entender que isso não é impossível de modo algum. Se a Suprema Personalidade de Deus pode criar tantos planetas no ar, carregando milhões de castelos, um yogī perfeito como Kardama Muni pode facilmente construir um castelo no ar. Descreve-se o castelo como sarva-kāma-dugham, ou seja, “que produzia qualquer coisa que se desejasse”. Ele estava cheio de joias. Até os pilares eram feitos de pérolas e pedras preciosas. Essas joias e pedras preciosas não estavam sujeitas à deterioração, senão que eram sempre e cada vez mais opulentas. Às vezes, ouvimos falar de castelos decorados dessa maneira também sobre a superfície da Terra. Os castelos construídos pelo Senhor Kṛṣṇa para Suas 16.108 esposas eram tão decorados com joias que não havia necessidade de luz de lamparinas durante a noite.

Texto

divyopakaraṇopetaṁ
sarva-kāla-sukhāvaham
paṭṭikābhiḥ patākābhir
vicitrābhir alaṅkṛtam
sragbhir vicitra-mālyābhir
mañju-śiñjat-ṣaḍ-aṅghribhiḥ
dukūla-kṣauma-kauśeyair
nānā-vastrair virājitam

Sinônimos

divya — maravilhoso; upakaraṇa — com parafernália; upetam — equipado; sarva-kāla — em todas as estações; sukha-āvaham — trazendo felicidade; paṭṭikābhiḥ — com festões; patākābhiḥ — com bandeiras; vicitrābhiḥ — de várias cores e tecidos; alaṅkṛtam — decorado; sragbhiḥ — com ramalhetes; vicitra-mālyābhiḥ — com flores encantadoras; mañju — doces; śiñjat — zumbidoras; ṣaṭ-aṅghribhiḥ — com abelhas; dukūla — tecidos finos; kṣauma — linho; kauśeyaiḥ — de seda; nānā — vários; vastraiḥ — com tapeçarias; virājitam — embelezado.

Tradução

O castelo estava plenamente equipado com toda a parafernália necessária, e era agradável em todas as estações. Trazia decorações em todo o seu entorno, com bandeiras, festões e trabalhos artísticos de cores variadas. Além disso, embelezavam-no ramalhetes de flores encantadoras, que atraíam abelhas docemente zumbidoras, e também tapeçarias de linho, seda e vários outros tecidos.

Texto

upary upari vinyasta-
nilayeṣu pṛthak pṛthak
kṣiptaiḥ kaśipubhiḥ kāntaṁ
paryaṅka-vyajanāsanaiḥ

Sinônimos

upari upari — um sobre o outro; vinyasta — colocados; nilayeṣu — em andares; pṛthak pṛthak — separadamente; kṣiptaiḥ — dispostos; kaśipubhiḥ — com camas; kāntam — encantador; paryaṅka — poltronas; vyajana — abanos; āsanaiḥ — com assentos.

Tradução

O palácio parecia encantador, com camas, poltronas, abanos e assentos, todos separadamente dispostos em sete andares.

Comentário

Entende-se a partir deste verso que o castelo tinha muitos andares. As palavras upary upari vinyasta indicam que os arranha-céus não são uma invenção moderna. Mesmo naqueles dias, milhões de anos atrás, era comum a ideia de construir prédios de muitos andares, que continham, não meramente um ou dois cômodos, mas muitos diferentes apartamentos, sendo que cada um deles era inteiramente decorado com almofadas, camas, assentos e tapetes.

Texto

tatra tatra vinikṣipta-
nānā-śilpopaśobhitam
mahā-marakata-sthalyā
juṣṭaṁ vidruma-vedibhiḥ

Sinônimos

tatra tatra — em várias partes; vinikṣipta — situadas; nānā — diversas; śilpa — por gravações artísticas; upaśobhitam — extraordinariamente belas; mahā-marakata — de grandes esmeraldas; sthalyā — com o piso; juṣṭam — mobiliado; vidruma — de coral, vedibhiḥ – com plataformas elevadas (dosséis).

Tradução

Gravações artísticas realçavam-lhe a beleza em várias partes das paredes. O piso era de esmeralda, e havia dosséis de coral.

Comentário

Atualmente, as pessoas orgulham-se muito de sua arte arquitetônica, mas os pisos geralmente levam acabamento de cimento colorido. Parece, contudo, que o castelo construído mediante os poderes ióguicos de Kardama Muni tinha pisos de esmeralda com dosséis de coral.

Texto

dvāḥsu vidruma-dehalyā
bhātaṁ vajra-kapāṭavat
śikhareṣv indranīleṣu
hema-kumbhair adhiśritam

Sinônimos

dvāḥsu — nas entradas; vidruma — de coral; dehalyā — com uma soleira; bhātam — belo; vajra — enfeitadas de diamantes; kapāṭa-vat — tendo portas; śikhareṣu — nas cúpulas; indra-nīleṣu — de safiras; hema-kumbhaiḥ — com pináculos dourados; adhiśritam — coroavam.

Tradução

O palácio era belíssimo, com suas soleiras de coral nas entradas e suas portas enfeitadas de diamantes. Pináculos de ouro lhe coroavam as cúpulas de safira.

Texto

cakṣuṣmat padmarāgāgryair
vajra-bhittiṣu nirmitaiḥ
juṣṭaṁ vicitra-vaitānair
mahārhair hema-toraṇaiḥ

Sinônimos

cakṣuḥ-mat — como se possuísse olhos; padma-rāga — com rubis; agryaiḥ — mais escolhidos; vajra — de diamante; bhittiṣu — nas paredes; nirmitaiḥ — incrustados; juṣṭam — mobiliado; vicitra — vários; vaitānaiḥ — com pálios; mahā-arhaiḥ — valiosíssimos; hema-toraṇaiḥ — com portões de ouro.

Tradução

Com os rubis mais seletos incrustados em suas paredes de diamante, parecia ter olhos. Era mobiliado com maravilhosos pálios e valiosíssimos portões de ouro.

Comentário

Joias e decorações artísticas que parecem olhos não é algo imaginário. Mesmo recentemente, os imperadores mongóis construíram seus palácios com decorações de pássaros enfeitados de joias, com olhos feitos de pedras preciosas. As pedras foram tomadas pelas autoridades, mas as decorações ainda estão presentes em alguns dos castelos construídos pelos imperadores mongóis em Nova Delhi. Os palácios reais eram construídos com joias e pedras raras semelhantes a olhos, e, assim, à noite, elas forneciam luz reflexiva sem necessidade de lamparinas.

Texto

haṁsa-pārāvata-vrātais
tatra tatra nikūjitam
kṛtrimān manyamānaiḥ svān
adhiruhyādhiruhya ca

Sinônimos

haṁsa — dos cisnes; pārāvata — dos pombos; vrātaiḥ — com multidões; tatra tatra — em várias partes; nikūjitam — vibrava; kṛtrimān — artificiais; manyamānaiḥ — pensando; svān — pertencente à sua própria espécie; adhiruhya adhiruhya — pulando repetidamente; ca — e.

Tradução

Em várias partes do palácio, havia multidões de cisnes e pombos vivos, bem como cisnes e pombos artificiais tão semelhantes aos reais que os cisnes verdadeiros tentavam pular sobre eles, pensando que fossem vivos também. Assim, o palácio vibrava com os sons dessas aves.

Texto

vihāra-sthāna-viśrāma-
saṁveśa-prāṅgaṇājiraiḥ
yathopajoṣaṁ racitair
vismāpanam ivātmanaḥ

Sinônimos

vihāra-sthāna — parques de recreio; viśrāma — salas de estar; saṁveśa — dormitórios; prāṅgaṇa — pátios internos; ajiraiḥ — com pátios externos; yathā-upajoṣam — de acordo com o conforto; racitaiḥ — que foram projetados; vismāpanam — causando espanto; iva — na verdade; ātmanaḥ — a ele próprio (Kardama).

Tradução

O castelo tinha parques de recreio, salas de estar, dormitórios e pátios internos e externos, projetados com vistas ao conforto. Tudo isso causava espanto ao próprio sábio.

Comentário

Kardama Muni, sendo uma pessoa santa, vivia num humilde eremitério, mas, ao ver o palácio construído mediante seus poderes ióguicos – repleto de salas de estar, quartos para gozo sexual e pátios externos e internos –, ele próprio ficou atônito. Assim é uma pessoa que tem os favores de Deus. Um devoto como Kardama Muni manifestou tal opulência mediante seu poder místico a pedido de sua esposa, mas, quando a opulência foi produzida, ele próprio não pôde entender como tais manifestações eram possíveis. Quando o poder de um yogī se manifesta, às vezes o próprio yogī se espanta.

Texto

īdṛg gṛhaṁ tat paśyantīṁ
nātiprītena cetasā
sarva-bhūtāśayābhijñaḥ
prāvocat kardamaḥ svayam

Sinônimos

īdṛk — tal; gṛham — casa; tat — que; paśyantīm — olhando para; na atiprītena — não muito satisfeito; cetasā — com o coração; sarva-bhūta — de todos; āśaya-abhijñaḥ — entendendo o coração; prāvocat — ele se dirigiu; kardamaḥ — Kardama; svayam — pessoalmente.

Tradução

Ao ver Devahūti olhando para o palácio gigantesco e opulento com expressão de descontentamento, Kardama Muni pôde entender seus sentimentos, visto que ele podia entrar no coração de qualquer pessoa. Assim, dirigiu-se pessoalmente à sua esposa da seguinte maneira.

Comentário

Devahūti vivera muito tempo no eremitério, pouco se importando com seu corpo. Ela estava coberta de poeira, e sua roupa não era muito boa. Kardama Muni ficou surpreso de que pudesse produzir semelhante palácio, e, da mesma forma, sua esposa, Devahūti, ficou espantada também. Como ela poderia viver naquele opulento palácio? Kardama Muni pôde entender seu espanto e, por isso, falou o seguinte.

Texto

nimajjyāsmin hrade bhīru
vimānam idam āruha
idaṁ śukla-kṛtaṁ tīrtham
āśiṣāṁ yāpakaṁ nṛṇām

Sinônimos

nimajjya — após banhar-te; asmin — neste; hrade — no lago; bhīru — ó temerosa; vimānam — aeroplano; idam — este; āruha — sobe; idam — este; śukla-kṛtam — criado pelo Senhor Viṣṇu; tīrtham — lago sagrado; āśiṣām — os desejos; yāpakam — outorgando; nṛṇām — dos seres humanos.

Tradução

Minha querida Devahūti, pareces muito temerosa. Primeiro, banha-te no lago Bindu-sarovara, criado pelo próprio Senhor Viṣṇu, que pode satisfazer todos os desejos de um ser humano, e, em seguida, sobe neste aeroplano.

Comentário

Ainda é costume ir a lugares de peregrinação e tomar um banho nas águas do local. Em Vṛndāvana, as pessoas se banham no rio Yamunā. Em outros lugares, tais como Prayāga, elas se banham no rio Ganges. As palavras tīrtham āśiṣāṁ yāpakam referem-se à satisfação dos desejos mediante o banho num lugar de peregrinação. Kardama Muni aconselhou a senhora sua esposa a banhar-se no lago Bindu-sarovara para que ela pudesse reviver a beleza e o brilho originais de seu corpo.

Texto

sā tad bhartuḥ samādāya
vacaḥ kuvalayekṣaṇā
sarajaṁ bibhratī vāso
veṇī-bhūtāṁś ca mūrdhajān

Sinônimos

— ela; tat — então; bhartuḥ — de seu esposo; samādāya — aceitando; vacaḥ — as palavras; kuvalaya-īkṣaṇā — a de olhos de lótus; sa-rajam — suja; bibhratī — vestindo; vāsaḥ — roupa; veṇī-bhūtān — desgrenhado; ca — e; mūrdha-jān — cabelo.

Tradução

A Devahūti de olhos de lótus aceitou a ordem de seu esposo. Por causa de sua roupa suja e dos cachos de cabelo desgrenhado em sua cabeça, ela não parecia muito atraente.

Comentário

Parece que Devahūti ficara sem pentear o cabelo por muitos anos, de modo que estava com o cabelo muito emaranhado. Em outras palavras, ela negligenciou seu conforto e suas vestes do corpo para ocupar-se a serviço de seu esposo.

Texto

aṅgaṁ ca mala-paṅkena
sañchannaṁ śabala-stanam
āviveśa sarasvatyāḥ
saraḥ śiva-jalāśayam

Sinônimos

aṅgam — corpo; ca — e; mala-paṅkena — com sujeira; sañchannam — coberto; śabala — descoloridos; stanam — seios; āviveśa — ela entrou; sarasvatyāḥ — do rio Sarasvatī; saraḥ — o lago; śiva — sagradas; jala — águas; āśayam — contendo.

Tradução

Seu corpo recobria-se de uma espessa camada de sujeira, e seus seios estavam descoloridos. Entretanto, ela mergulhou no lago, que continha as águas sagradas do Sarasvatī.

Texto

sāntaḥ sarasi veśma-sthāḥ
śatāni daśa kanyakāḥ
sarvāḥ kiśora-vayaso
dadarśotpala-gandhayaḥ

Sinônimos

— ela; antaḥ — dentro; sarasi — no lago; veśma-sthāḥ — situadas numa casa; śatāni daśa — dez centenas; kanyakāḥ — mocinhas; sarvāḥ — todas; kiśora-vayasaḥ — na flor da juventude; dadarśa — ela viu; utpala — como o lótus; gandhayaḥ — fragrantes.

Tradução

Numa casa dentro do lago, ela viu mil mocinhas, todas na flor da juventude e fragrantes como o lótus.

Texto

tāṁ dṛṣṭvā sahasotthāya
procuḥ prāñjalayaḥ striyaḥ
vayaṁ karma-karīs tubhyaṁ
śādhi naḥ karavāma kim

Sinônimos

tām — a ela; dṛṣṭvā — vendo; sahasā — subitamente; utthāya — levantando-se; procuḥ — elas disseram; prāñjalayaḥ — de mãos postas; striyaḥ — as donzelas; vayam — nós; karma-karīḥ — criadas; tubhyam — para ti; śādhi — dize, por favor; naḥ — nos; karavāma — podemos fazer; kim — o que.

Tradução

Ao vê-la, as donzelas se levantaram de uma só vez e disseram-lhe de mãos postas: “Nós somos tuas criadas. Dize-nos o que podemos fazer por ti.”

Comentário

Enquanto Devahūti pensava sobre o que fazer naquele grande palácio com suas roupas sujas, de repente, pelos poderes ióguicos de Kardama Muni, apareceram mil criadas prontas a servi-la. Elas apareceram perante Devahūti dentro da água e apresentaram-se como suas criadas, simplesmente esperando suas ordens.

Texto

snānena tāṁ mahārheṇa
snāpayitvā manasvinīm
dukūle nirmale nūtne
dadur asyai ca mānadāḥ

Sinônimos

snānena — com óleos de banho; tām — a ela; mahā-arheṇa — muito caros; snāpayitvā — após banhar; manasvinīm — a virtuosa esposa; dukūle — em roupas finas; nirmale — imaculadas; nūtne — novas; daduḥ — elas deram; asyai — a ela; ca — e; māna-dāḥ — as moças respeitosas.

Tradução

As moças, sendo muito respeitosas com Devahūti, conduziram-na, e, após banhá-la com óleos e cremes valiosos, deram-lhe novas roupas, finas e imaculadas, para cobrir seu corpo.

Texto

bhūṣaṇāni parārdhyāni
varīyāṁsi dyumanti ca
annaṁ sarva-guṇopetaṁ
pānaṁ caivāmṛtāsavam

Sinônimos

bhūṣaṇāni — adornos; para-ardhyāni — muito valiosas; varīyāṁsi — muito excelentes; dyumanti — esplêndidas; ca — e; annam — alimento; sarva-guṇa — todas as boas qualidades; upetam — contendo; pānam — bebidas; ca — e; eva — também; amṛta — doce; āsavam — embriagante.

Tradução

Em seguida, decoraram-na com joias magníficas e valiosas, que brilhavam esplendidamente. Depois, ofereceram-lhe alimento que continha todas as boas qualidades, e uma doce e inebriante bebida chamada āsavam.

Comentário

Āsavam é um preparado medicinal do āyurveda; não é uma bebida alcóolica. É feita especialmente de ervas e destina-se a melhorar o metabolismo para proporcionar condições saudáveis ao corpo.

Texto

athādarśe svam ātmānaṁ
sragviṇaṁ virajāmbaram
virajaṁ kṛta-svastyayanaṁ
kanyābhir bahu-mānitam

Sinônimos

atha — então; ādarśe — num espelho; svam ātmānam — seu próprio reflexo; srak-viṇam — adornada com uma guirlanda; viraja — bem limpos; ambaram — mantos; virajam — livre de toda a sujeira do corpo; kṛta-svasti-ayanam — enfeitada com marcas auspiciosas; kanyābhiḥ — pelas criadas; bahu-mānitam — servida com muito respeito.

Tradução

Então, ela contemplou seu próprio reflexo num espelho. Seu corpo livrara-se completamente de toda a sujeira, e uma guirlanda a adornava. Vestida com mantos bem limpos e enfeitada com auspiciosas marcas de tilaka, as criadas a serviam com muito respeito.

Texto

snātaṁ kṛta-śiraḥ-snānaṁ
sarvābharaṇa-bhūṣitam
niṣka-grīvaṁ valayinaṁ
kūjat-kāñcana-nūpuram

Sinônimos

snātam — banhado; kṛta-śiraḥ — incluindo a cabeça; snānam — banhando; sarva — por completo; ābharaṇa — com adornos; bhūṣitam — decorada; niṣka — um colar de ouro com um medalhão; grīvam — no pescoço; valayinam — com braceletes; kūjat — tilintantes; kāñcana — feitos de ouro; nūpuram — sininhos de tornozelo.

Tradução

Todo o seu corpo, incluindo a cabeça, foi inteiramente banhado, e estava inteiramente enfeitada com adornos. Usava um colar especial com um medalhão e trazia pulseiras nos braços e sininhos tilintantes de ouro nos tornozelos.

Comentário

Neste verso, aparece a expressão kṛta-śiraḥ-snānam. Segundo as orientações do smṛti-śāstra sobre os deveres cotidianos, as senhoras têm permissão de banhar-se diariamente até o pescoço. O cabelo da cabeça não tem necessariamente de ser lavado todos os dias, porque a massa de cabelo úmido pode causar um resfriado. Para as senhoras, portanto, a prescrição comum é tomar banho até o pescoço, e apenas em certas ocasiões elas tomam banho completo. Nesta ocasião, Devahūti tomou banho completo e lavou o cabelo muito bem. O banho comum chama-se mala-snāna, e o banho completo, que inclui a cabeça, chama-se śiraḥ-snāna. Nessa ocasião, a mulher precisa de óleo suficiente para ungir sua cabeça. Essa é a recomendação dos comentadores do smṛti-śāstra.

Texto

śroṇyor adhyastayā kāñcyā
kāñcanyā bahu-ratnayā
hāreṇa ca mahārheṇa
rucakena ca bhūṣitam

Sinônimos

śroṇyoḥ — nos quadris; adhyastayā — usado; kāñcyā — com um cinturão; kāñcanyā — feito de ouro; bahu-ratnayā — decorado com inúmeras joias; hāreṇa — com um colar de pérolas; ca — e; mahā-arheṇa — precioso; rucakena — com substâncias auspiciosas; ca — e; bhūṣitam — adornada.

Tradução

Em volta dos quadris, ela usava um cinturão de ouro, incrustado com inúmeras joias, e foi ainda enfeitada com um precioso colar de pérolas e substâncias auspiciosas.

Comentário

Substâncias auspiciosas incluem açafrão, kuṅkuma e polpa de sândalo. Para antes do banho, há outras substâncias auspiciosas, tais como turmerique misturado com óleo de semente de mostarda, que são untadas em todo o corpo. Todas as espécies de substâncias auspiciosas foram usadas para banhar Devahūti dos pés à cabeça.

Texto

sudatā subhruvā ślakṣṇa-
snigdhāpāṅgena cakṣuṣā
padma-kośa-spṛdhā nīlair
alakaiś ca lasan-mukham

Sinônimos

su-datā — com belos dentes; su-bhruvā — com sobrancelhas encantadoras; ślakṣṇa — amorosos; snigdha — umedecidos; apāṅgena — cantos dos olhos; cakṣuṣā — com olhos; padma-kośa — botões de lótus; spṛdhā — derrotando; nīlaiḥ — azulados; alakaiḥ — com cabelo ondulado; ca — e; lasat — brilhando; mukham — semblante.

Tradução

Seu semblante brilhava, com belos dentes e encantadoras sobrancelhas. Seus olhos, realçados por cantos encantadoramente umedecidos, derrotavam a beleza dos botões de lótus. Seu rosto estava cercado por negras tranças onduladas.

Comentário

Segundo a cultura védica, dentes brancos são muito apreciados. Os dentes brancos de Devahūti aumentavam a beleza de seu rosto e faziam-no parecer uma flor de lótus. Quando um rosto parece muito atrativo, os olhos são geralmente comparados a pétalas de lótus, e o rosto, à flor de lótus.

Texto

yadā sasmāra ṛṣabham
ṛṣīṇāṁ dayitaṁ patim
tatra cāste saha strībhir
yatrāste sa prajāpatiḥ

Sinônimos

yadā — quando; sasmāra — ela pensou em; ṛṣabham — o principal; ṛṣīṇām — entre os reis; dayitam — querido; patim — esposo; tatra — lá; ca — e; āste — ela estava presente; saha — junto com; strībhiḥ — as criadas; yatra — onde; āste — estava presente; saḥ — ele; prajāpatiḥ — o Prajāpati (Kardama).

Tradução

Tão logo pensou em seu grande esposo, o melhor dos sábios, Kardama Muni, que lhe era muito querido, ela, junto com todas as criadas, apareceu imediatamente onde ele estava.

Comentário

Este verso dá a entender que, a princípio, Devahūti achou-se muito suja e muito mal vestida. Quando seu esposo mandou-a entrar no lago, ela encontrou as criadas, que cuidaram dela. Tudo foi feito dentro d’água, e, tão logo pensou em seu amado esposo, Kardama, ela foi levada à presença dele, sem demora. Esses são alguns dos poderes obtidos pelos yogīs perfeitos: eles podem executar imediatamente qualquer coisa que desejem.

Texto

bhartuḥ purastād ātmānaṁ
strī-sahasra-vṛtaṁ tadā
niśāmya tad-yoga-gatiṁ
saṁśayaṁ pratyapadyata

Sinônimos

bhartuḥ — de seu esposo; purastāt — na presença; ātmānam — ela própria; strī-sahasra — por mil criadas; vṛtam — cercada; tadā — então; niśāmya — vendo; tat — seu; yoga-gatim — poder ióguico; saṁśayam pratyapadyata — ela estava espantada.

Tradução

Ela espantou-se ao ver-se cercada por mil criadas na presença de seu esposo e ao testemunhar seu poder ióguico.

Comentário

Devahūti viu tudo acontecer miraculosamente, mas, ao ser levada à presença de seu esposo, ela pôde entender que tudo aquilo se devia ao seu grande poder místico ióguico. Ela compreendeu que nada era impossível para um yogī como Kardama Muni.

Texto

sa tāṁ kṛta-mala-snānāṁ
vibhrājantīm apūrvavat
ātmano bibhratīṁ rūpaṁ
saṁvīta-rucira-stanīm
vidyādharī-sahasreṇa
sevyamānāṁ suvāsasam
jāta-bhāvo vimānaṁ tad
ārohayad amitra-han

Sinônimos

saḥ — o sábio; tām — a ela (Devahūti); kṛta-mala-snānām — bem banhada; vibhrājantīm — brilhando; apūrva-vat — sem precedentes; ātmanaḥ — sua própria; bibhratīm — possuindo; rūpam — beleza; saṁvīta — cingidos; rucira — atraentes; stanīm — com os seios; vidyādharī — das garotas Gandharvas; sahasreṇa — por mil; sevyamānām — sendo assistida; su-vāsasam — vestida com excelentes mantos; jāta-bhāvaḥ — tomado pela paixão; vimānam — aeroplano semelhante a uma mansão; tat — aquele; ārohayat — ele a colocou a bordo; amitra-han — ó destruidor do inimigo.

Tradução

O sábio pôde ver que Devahūti tomara um banho completo e brilhava como se já não fosse sua antiga esposa. Ela recuperara sua beleza original como a filha de um príncipe. Vestida com excelentes mantos e com seus seios atraentes devidamente cingidos, ela era assistida por mil garotas Gandharvas. Ó destruidor do inimigo, a paixão de Kardama por ela aumentou, e ele a conduziu à mansão aérea.

Comentário

Antes de seu casamento, quando Devahūti foi levada por seus pais à presença do sábio Kardama, ela era uma princesa de beleza perfeita, e por isso, nesta passagem, Kardama Muni lembra-se da antiga beleza dela. Contudo, após seu casamento, quando esteve ocupada a serviço de Kardama Muni, ela negligenciou o cuidado de seu corpo como uma princesa, uma vez que não havia recursos para tal cuidado: seu esposo vivia numa cabana, e, como ela estava sempre ocupada em servi-lo, sua beleza real desapareceu, e ela ficou semelhante a uma criada comum. Agora, após ter sido banhada pelas garotas Gandharvas por ordem do poder ióguico de Kardama Muni, ela recuperou sua beleza, e Kardama Muni sentiu-se atraído pela beleza de antes do casamento. A verdadeira beleza de uma jovem mulher está em seus seios. Quando Kardama Muni viu os seios de sua esposa tão belamente decorados, aumentando em muito a sua beleza, ele se sentiu atraído, muito embora fosse um grande sábio. Śrīpāda Śaṅkarācārya, portanto, adverte os transcendentalistas de que quem busca a compreensão transcendental não deve se deixar atrair pelos seios rijos de uma mulher, pois eles não passam de uma combinação de gordura e sangue dentro do corpo.

Texto

tasminn alupta-mahimā priyayānurakto
vidyādharībhir upacīrṇa-vapur vimāne
babhrāja utkaca-kumud-gaṇavān apīcyas
tārābhir āvṛta ivoḍu-patir nabhaḥ-sthaḥ

Sinônimos

tasmin — naquela; alupta — não perdida; mahimā — glória; priyayā — com sua amada consorte; anuraktaḥ — apegado; vidyādharībhiḥ — pelas garotas Gandharvas; upacīrṇa — assistida por; vapuḥ — sua pessoa; vimāne — sobre o aeroplano; babhrāja — ele brilhava; utkaca — aberto; kumut-gaṇavān — a Lua, que é seguida por fileiras de lírios; apīcyaḥ — muito encantador; tārābhiḥ — por estrelas; āvṛtaḥ — cercada; iva — como; uḍu-patiḥ — a Lua (a principal das estrelas); nabhaḥ-sthaḥ — no céu.

Tradução

Embora aparentemente apegado à sua amada consorte enquanto essa era servida pelas garotas Gandharvas, o sábio não perdeu sua glória, que era o domínio de si mesmo. Na mansão aérea, Kardama Muni com sua consorte reluziam tão encantadoramente como a Lua em meio às estrelas no céu, o que faz com que fileiras de lírios abram-se nos lagos à noite.

Comentário

A mansão estava no céu, daí a comparação com a lua cheia e as estrelas ser muito belamente composta neste verso. Kardama Muni parecia a lua cheia, e as garotas que cercavam sua esposa, Devahūti, pareciam estrelas. Numa noite de lua cheia, as estrelas e a Lua juntas formam uma bela constelação; analogamente, naquela mansão aérea no céu, Kardama Muni com sua bela esposa e as donzelas que os cercavam pareciam a Lua e as estrelas numa noite de lua cheia.

Texto

tenāṣṭa-lokapa-vihāra-kulācalendra-
droṇīṣv anaṅga-sakha-māruta-saubhagāsu
siddhair nuto dyudhuni-pāta-śiva-svanāsu
reme ciraṁ dhanadaval-lalanā-varūthī

Sinônimos

tena — por aquele aeroplano; aṣṭa-loka-pa — das deidades predominantes dos oito planetas celestiais; vihāra — os jardins aprazíveis; kula-acala-indra — do rei das montanhas (Meru); droṇīṣu — nos vales; anaṅga — de paixão; sakha — os companheiros; māruta — com brisas; saubhagāsu — belas; siddhaiḥ — pelos Siddhas; nutaḥ — sendo louvado; dyu-dhuni — do Ganges; pāta — da queda; śiva-svanāsu — vibrando com sons auspiciosos; reme — ele desfrutou; ciram — por um longo tempo; dhanada-vat — como Kuvera; lalanā — por donzelas; varūthī — cercado.

Tradução

Naquela mansão aérea, ele viajou para os vales aprazíveis do monte Meru, que se tornavam mais belos e apaixonantes devido às brisas frescas, suaves e fragrantes que ali sopravam. Nesses vales, Kuvera, o tesoureiro dos deuses, cercado por belas mulheres e louvado pelos Siddhas, geralmente desfruta de prazeres. Kardama Muni também, cercado pelas lindas donzelas e sua esposa, foi até lá e desfrutou por muitos e muitos anos.

Comentário

Kuvera é um dos oito semideuses encarregados das diferentes direções do universo. Declara-se que Indra se incumbe do lado leste do universo, onde está situado o planeta celestial, ou o paraíso. Da mesma forma, Agni se incumbe da porção sudeste do universo; Yama, o semideus que castiga os pecadores, incumbe-se da porção sul; Nirṛti encarrega-se da parte sudoeste do universo; Varuṇa, o semideus encarregado das águas, incumbe-se da porção oeste; Vāyu, que controla o ar e tem asas para viajar pelo ar, encarrega-se da parte noroeste do universo, e Kuvera, o tesoureiro dos semideuses, encarrega-se da parte norte do universo. Todos esses semideuses obtêm prazer nos vales do monte Meru, que está situado em alguma parte entre o Sol e a Terra. Na mansão aérea, Kardama Muni viajou pelas oito direções controladas pelos diferentes semideuses acima descritos, e, assim como os semideuses vão ao monte Meru, ele também foi até lá para gozar da vida. Quando alguém é cercado por mocinhas jovens e belas, o estímulo sexual torna-se naturalmente proeminente. Kardama Muni estava sexualmente estimulado, e ele desfrutou de sua esposa por muitos e muitos anos naquela parte do monte Meru. Porém, sua prática sexual foi louvada por muitíssimos Siddhas, seres que alcançaram a perfeição, visto que se destinava a produzir boa progênie para o bem dos afazeres universais.

Texto

vaiśrambhake surasane
nandane puṣpabhadrake
mānase caitrarathye ca
sa reme rāmayā rataḥ

Sinônimos

vaiśrambhake — no jardim Vaiśrambhaka; surasane — em Surasana; nandane — em Nandana; puṣpabhadrake — em Puṣpabhadraka; mānase — às margens do lago Mānasa-sarovara; caitrarathye — em Caitrarathya; ca — e; saḥ — ele; reme — desfrutou; rāmayā — por sua esposa; rataḥ — satisfeito.

Tradução

Satisfeito por sua esposa, ele desfrutou naquela mansão aérea, não somente no monte Meru, mas também em diferentes jardins conhecidos como Vaiśrambhaka, Surasana, Nandana, Puṣpabhadraka e Caitrarathya, e às margens do lago Mānasa-sarovara.

Texto

bhrājiṣṇunā vimānena
kāma-gena mahīyasā
vaimānikān atyaśeta
caraḻ lokān yathānilaḥ

Sinônimos

bhrājiṣṇunā — esplêndida; vimānena — com o aeroplano; kāma-gena — que voava de acordo com o seu desejo; mahīyasā — muito grande; vaimānikān — os semideuses em seus aeroplanos; atyaśeta — ele ultrapassou; caran — viajando; lokān — pelos planetas; yathā — como; anilaḥ — o ar.

Tradução

Ele viajou dessa maneira por vários planetas, assim como o ar sopra descontrolado em todas as direções. Atravessando o ar naquela grande e esplêndida mansão aérea, que podia voar de acordo com sua vontade, ele ultrapassou inclusive os semideuses.

Comentário

Os planetas ocupados pelos semideuses estão restritos a suas próprias órbitas, mas Kardama Muni, mediante seu poder ióguico, podia viajar por todas as diferentes direções do universo sem restrição. As entidades vivas que estão dentro do universo se chamam almas condicionadas; isto é, elas não têm liberdade de se movimentar por toda parte. Nós somos habitantes deste globo terrestre; não podemos nos movimentar livremente para outros planetas. Na era moderna, o homem tem tentado ir a outros planetas, mas até agora não teve sucesso. Não é possível viajar a nenhum outro planeta porque, pelas leis da natureza, nem mesmo os semideuses podem movimentar-se de um planeta a outro. Porém, Kardama Muni, mediante seu poder ióguico, podia superar a força dos semideuses e viajar no espaço por todas as direções. A comparação aqui é muito adequada. As palavras yathā anilaḥ indicam que, assim como o ar tem liberdade para movimentar-se por qualquer parte sem restrição, da mesma forma, Kardama Muni viajou irrestritamente por todas as direções do universo.

Texto

kiṁ durāpādanaṁ teṣāṁ
puṁsām uddāma-cetasām
yair āśritas tīrtha-padaś
caraṇo vyasanātyayaḥ

Sinônimos

kim — que; durāpādanam — difícil de alcançar; teṣām — para aqueles; puṁsām — homens; uddāma-cetasām — que são determinados; yaiḥ — por quem; āśritaḥ — tendo-se refugiado; tīrtha-padaḥ — da Suprema Personalidade de Deus; caraṇaḥ — pés; vyasana-atyayaḥ — que eliminam os perigos.

Tradução

O que é difícil de alcançar para homens determinados que se refugiaram aos pés de lótus da Suprema Personalidade de Deus? Seus pés são a fonte de rios sagrados como o Ganges, que eliminam os perigos da vida mundana.

Comentário

As palavras yair āśritas tīrtha-padaś caraṇaḥ são significativas neste contexto. A Suprema Personalidade de Deus é conhecida como tīrtha-pāda. O Ganges é chamado de rio sagrado por emanar do dedão do pé de Viṣṇu. O Ganges destina-se a erradicar todas as aflições materiais das almas condicionadas. Portanto, para qualquer entidade viva que tenha se abrigado aos santos pés de lótus do Senhor, nada é impossível. Kardama Muni é especial, não porque era um grande místico, mas porque era um grande devoto. Portanto, aqui se diz que, para um grande devoto como Kardama Muni, nada é impossível. Embora os yogīs possam executar façanhas maravilhosas, como Kardama Muni já demonstrou, Kardama era mais que um yogī porque era um grande devoto do Senhor; por conseguinte, ele era mais glorioso que um yogī comum. Como se confirma na Bhagavad-gītā, “entre os muitos yogīs, aquele que é devoto do Senhor é de primeira classe”. Para uma pessoa como Kardama Muni, não há possibilidade de ser condicionado: ele já era uma alma liberada e melhor que os semideuses, que também são condicionados. Embora estivesse desfrutando com sua esposa e muitas outras mulheres, ele estava acima da vida material condicional. Portanto, a palavra vyasanātyayaḥ é usada para indicar que ele estava além da posição de uma alma condicionada. Ele era transcendental a todas as limitações materiais.

Texto

prekṣayitvā bhuvo golaṁ
patnyai yāvān sva-saṁsthayā
bahv-āścaryaṁ mahā-yogī
svāśramāya nyavartata

Sinônimos

prekṣayitvā — após mostrar; bhuvaḥ — do universo; golam — o globo; patnyai — a sua esposa; yāvān — como também; svasaṁsthayā – com seus arranjos; bahu-āścaryam — cheio de muitas maravilhas; mahāyogī – o grande yogī (Kardama); sva-āśramāya — a seu próprio eremitério; nyavartata — regressou.

Tradução

Após mostrar à sua esposa o globo do universo e seus diferentes arranjos, cheios de muitas maravilhas, o grande yogī Kardama Muni regressou a seu próprio eremitério.

Comentário

Todos os planetas são aqui descritos como gola, redondos. Todo planeta é redondo, e cada planeta é um abrigo diferente, assim como ilhas no grande oceano. Às vezes, os planetas são chamados de dvīpa, ou varṣa. Este planeta Terra é chamado de Bhārata-varṣa porque foi governado pelo rei Bharata. Outra palavra significativa usada neste verso é bahv-āścaryam, “muitas coisas maravilhosas”. Isto indica que os diferentes planetas são distribuídos por todo o universo nas oito direções, sendo que cada um deles tem suas maravilhas. Cada planeta tem suas influências climáticas particulares e tipos específicos de habitantes, e está completamente equipado com tudo, incluindo a beleza das estações. Na Brahma-saṁhitā (5.40), afirma-se a este respeito que vibhūti-bhinnam: em cada planeta, há diferentes opulências. Não se pode esperar que um planeta seja exatamente como outro. Pela graça de Deus, pela lei da natureza, cada planeta é feito de forma diferente, com diferentes aspectos maravilhosos. Kardama Muni experimentou pessoalmente todas essas maravilhas enquanto viajava com sua esposa, mas, mesmo assim, pôde regressar novamente a seu humilde eremitério. Ele mostrou à sua esposa princesa que, embora vivesse no eremitério, tinha o poder de ir a toda parte e fazer qualquer coisa através do yoga místico. Essa é a perfeição do yoga. Não é possível tornar-se um yogī perfeito simplesmente demonstrando algumas posturas sentadas, tampouco alguém pode tornar-se Deus através dessas posturas ou da dita meditação, como apregoam hoje em dia. Os tolos deixam-se levar a acreditar que, mediante uma mera caricatura de meditação e posturas sentadas, é possível tornar-se Deus dentro de seis meses.

Eis aqui o exemplo de um yogī perfeito: ele podia viajar por todo o universo. De forma semelhante, encontramos a descrição de Durvāsā Muni, que também viajava pelo espaço. Na realidade, o yogī perfeito pode fazer isso. Porém, mesmo que alguém possa viajar por todo o universo e exibir façanhas maravilhosas, como Kardama Muni, ele não pode comparar-se à Suprema Personalidade de Deus, cujo poder e energia inconcebível não poderão jamais ser obtidos por nenhuma alma condicionada ou liberta. Pelas ações de Kardama Muni, podemos entender que, apesar de seu imenso poder místico, ele permanecia um devoto do Senhor. Essa é a verdadeira posição de todas as entidades vivas.

Texto

vibhajya navadhātmānaṁ
mānavīṁ suratotsukām
rāmāṁ niramayan reme
varṣa-pūgān muhūrtavat

Sinônimos

vibhajya — tendo dividido; nava-dhā — em nove; ātmānam — a si mesmo; mānavīm — a filha de Manu (Devahūti); surata — por vida sexual; utsukām — que estava ávida; rāmām — a sua esposa; niramayan — dando prazer; reme — ele desfrutou; varṣa-pūgān — por muitos anos; muhūrtavat — como se fossem um instante.

Tradução

Após voltar a seu eremitério, ele se dividiu em nove personalidades simplesmente para dar prazer a Devahūti, a filha de Manu, que estava ávida por vida sexual. Dessa maneira, ele desfrutou com ela por muitos e muitos anos, que se passaram como se fossem um instante.

Comentário

Devahūti, a filha de Svāyambhuva Manu, é descrita neste verso como suratotsuka. Após viajar com o esposo por todo o universo, pelo monte Meru e pelos belos jardins dos reinos celestiais, ela naturalmente desenvolveu desejos sexuais, e, a fim de satisfazê-la, Kardama Muni expandiu-se em nove formas. Ao invés de um, ele se tornou nove, e nove pessoas praticaram sexo com Devahūti por muitos e muitos anos. É sabido que o apetite sexual da mulher é nove vezes maior que o do homem. Isso se indica claramente aqui. Caso contrário, Kardama Muni não teria tido motivo para expandir-se em nove. Eis aqui outro exemplo de poder ióguico. Assim como a Suprema Personalidade de Deus pode expandir-Se em milhões de formas, o yogī também pode expandir-se em até nove formas, mas não mais que isso. Outro exemplo disto é o de Saubhari Muni, que também se expandiu em oito formas. Porém, por mais poderoso que o yogī seja, ele não pode se expandir em mais que oito ou nove formas. A Suprema Personalidade de Deus, contudo, pode expandir-Se em milhões de formas, ananta-rūpa – inúmeras, incontáveis formas –, como se afirma na Brahma-saṁhitā. Ninguém pode comparar-se à Suprema Personalidade de Deus por qualquer manifestação energética concebível de poder.

Texto

tasmin vimāna utkṛṣṭāṁ
śayyāṁ rati-karīṁ śritā
na cābudhyata taṁ kālaṁ
patyāpīcyena saṅgatā

Sinônimos

tasmin — naquela; vimāne — aeroplano; utkṛṣṭām — excelente; śayyām — uma cama; rati-karīm — aumentando os desejos sexuais; śritā — situado sobre; na — não; ca — e; abudhyata — ela percebeu; tam — este; kālam — tempo; patyā — com seu esposo; apīcyena — belíssimo; saṅgatā — na companhia.

Tradução

Naquela mansão aérea, na companhia de seu belo esposo, situado sobre uma excelente cama que aumentava os desejos sexuais, Devahūti não podia perceber que muito tempo havia passado.

Comentário

A prática sexual é tão desfrutável para pessoas materialistas que, quando se ocupam em tais atividades, elas se esquecem de que o tempo está passando. O santo Kardama e Devahūti, em sua relação sexual, também se esqueceram do passar do tempo.

Texto

evaṁ yogānubhāvena
dam-patyo ramamāṇayoḥ
śataṁ vyatīyuḥ śaradaḥ
kāma-lālasayor manāk

Sinônimos

evam — assim; yoga-anubhāvena — mediante poderes ióguicos; dam-patyoḥ — o casal; ramamāṇayoḥ — enquanto se divertiam; śatam — cem; vyatīyuḥ — passaram-se; śaradaḥ — outonos; kāma — prazer sexual; lālasayoḥ — que ansiavam avidamente por; manāk — como um curto período.

Tradução

Enquanto o casal, que ansiava avidamente pelo prazer sexual, divertia-se desse modo devido aos poderes místicos, cem outonos se passaram como se fossem um breve período.

Texto

tasyām ādhatta retas tāṁ
bhāvayann ātmanātma-vit
nodhā vidhāya rūpaṁ svaṁ
sarva-saṅkalpa-vid vibhuḥ

Sinônimos

tasyām — nela; ādhatta — depositou; retaḥ — sêmen; tām — a ela; bhāvayan — tratava; ātmanā — como metade de si mesmo; ātma-vit — conhecedor da alma espiritual; nodhā — em nove; vidhāya — tendo dividido; rūpam — corpo; svam — seu próprio; sarva-saṅkalpa-vit — o conhecedor de todos os desejos; vibhuḥ — o poderoso Kardama.

Tradução

O poderoso Kardama Muni podia entrar no coração de todos e conceder qualquer coisa que alguém desejasse. Conhecendo a alma espiritual, ele tratava sua esposa como metade de seu corpo. Dividindo-se em nove formas, fecundou Devahūti com nove ejaculações de sêmen.

Comentário

Uma vez que Kardama Muni podia entender que Devahūti queria muitos filhos, na primeira oportunidade ele gerou nove filhos de uma só vez. Aqui ele é descrito como vibhu, o mais poderoso senhor. Mediante seu poder ióguico, ele pôde gerar, de uma vez, nove filhas no ventre de Devahūti.

Texto

ataḥ sā suṣuve sadyo
devahūtiḥ striyaḥ prajāḥ
sarvās tāś cāru-sarvāṅgyo
lohitotpala-gandhayaḥ

Sinônimos

ataḥ — então; — ela; suṣuve — deu à luz; sadyaḥ — no mesmo dia; devahūtiḥ — Devahūti; striyaḥ — meninas; prajāḥ — progênie; sarvāḥ — todas; tāḥ — elas; cāru-sarva-aṅgyaḥ — encantadoras em todas as partes de seus corpos; lohita — vermelho; utpala — como o lótus; gandhayaḥ — perfumadas.

Tradução

Logo depois, no mesmo dia, Devahūti deu à luz nove meninas, todas encantadoras em todas as partes de seus corpos e perfumadas com a essência da flor de lótus vermelha.

Comentário

Devahūti estava demasiadamente excitada, e por isso expeliu mais óvulos, e nove filhas nasceram. Declara-se no smṛti-śāstra, bem como no āyurveda, que, quando a ejaculação do macho é maior, geram-se meninos, mas, quando a ejaculação da fêmea é maior, geram-se meninas. Assim, as circunstâncias dão a entender que Devahūti estava mais excitada sexualmente, motivo pelo qual teve nove filhas de uma vez. Todas as filhas, no entanto, eram belíssimas, e seus corpos eram muito bem formados: cada uma delas parecia uma flor de lótus e era perfumada como um lótus.

Texto

patiṁ sā pravrajiṣyantaṁ
tadālakṣyośatī bahiḥ
smayamānā viklavena
hṛdayena vidūyatā

Sinônimos

patim — seu esposo; — ela; pravrajiṣyantam — prestes a deixar o lar; tadā — então; ālakṣya — após ver; uśatī — bela; bahiḥ — externamente; smayamānā — sorrindo; viklavena — agitada; hṛdayena — com o coração; vidūyatā — estando aflita.

Tradução

Ao ver seu esposo prestes a deixar o lar, ela sorriu externamente, mas, no fundo do coração, estava agitada e aflita.

Comentário

Kardama Muni encerrou seus afazeres domésticos rapidamente, através de seu poder místico. A construção do castelo no ar, a viagem por todo o universo com sua esposa na companhia de belas garotas e a geração de filhos estavam terminadas, e agora, conforme sua promessa de deixar o lar para seu verdadeiro interesse de autorrealização espiritual após fecundar sua esposa, ele estava prestes a partir. Ao ver seu esposo preparando-se para ir embora, Devahūti ficou muito perturbada, mas, para satisfazer o esposo, ela sorria. O exemplo de Kardama Muni deve ser compreendido muito claramente: uma pessoa cujo principal interesse é a consciência de Kṛṣṇa, mesmo que esteja emaranhada na vida familiar, deve sempre estar pronta a deixar a sedução doméstica logo que possível.

Texto

likhanty adho-mukhī bhūmiṁ
padā nakha-maṇi-śriyā
uvāca lalitāṁ vācaṁ
nirudhyāśru-kalāṁ śanaiḥ

Sinônimos

likhantī — riscando; adhaḥ-mukhī — com a cabeça baixa; bhūmim — o piso; padā — com o pé; nakha — unhas; maṇi — semelhantes a joias; śriyā — com radiante; uvāca — ela falou; lalitām — encantadora; vācam — tonalidade; nirudhya — reprimindo; aśru-kalām — lágrimas; śanaiḥ — vagarosamente.

Tradução

Ela se colocou de pé, riscando o piso com o pé, que radiava com o brilho de suas unhas semelhantes a joias. Com a cabeça baixa, ela falou com tons vagarosos porém encantadores, reprimindo as lágrimas.

Comentário

Devahūti era tão linda que as unhas dos dedos de seus pés pareciam pérolas, e, conforme ela riscava o piso, parecia que atiravam pérolas ao solo. Quando uma mulher risca o piso com o pé, isto é sinal de que sua mente está muito perturbada. Às vezes, as gopīs exibiam esses sinais perante Kṛṣṇa. Quando as gopīs vieram na calada da noite e Kṛṣṇa mandou que regressassem às suas casas, as gopīs também riscaram o solo dessa maneira, porque suas mentes ficaram muito perturbadas.

Texto

devahūtir uvāca
sarvaṁ tad bhagavān mahyam
upovāha pratiśrutam
athāpi me prapannāyā
abhayaṁ dātum arhasi

Sinônimos

devahūtiḥ — Devahūti; uvāca — disse; sarvam — tudo; tat — que; bhagavān — Vossa Senhoria; mahyam — a mim; upovāha — foi cumprido; pratiśrutam — prometido; atha api — todavia; me — a mim; prapannāya — a alguém que se rendeu; abhayam — destemor; dātum — dar; arhasi — deves.

Tradução

Śrī Devahūti disse: Meu senhor, tu cumpriste todas as promessas que me fizeste, mas, como sou uma alma rendida a ti, também deves dar-me o destemor.

Comentário

Devahūti pediu ao esposo que lhe desse algo que a livrasse do temor. Como esposa, ela era uma alma inteiramente rendida a seu esposo, e é responsabilidade do esposo dar à esposa o destemor. Menciona-se no quinto canto do Śrīmad-Bhāgavatam como uma pessoa concede o destemor a seu subordinado. Aquele que não pode livrar-se das garras da morte é dependente, e não deve tornar-se mestre espiritual, nem esposo, nem parente, nem pai, nem mãe etc. É dever do superior conceder destemor ao subordinado. Para tomar conta de alguém, portanto, seja como pai, mãe, mestre espiritual, parente ou esposo, é preciso aceitar a responsabilidade de dar ao dependente a libertação da condição temerosa da existência material. A existência material sempre é amedrontadora e cheia de ansiedade. Devahūti está dizendo: “Tu me deste toda espécie de confortos materiais mediante teus poderes ióguicos, e, já que agora estás preparado para partir, precisas dar-me tua última dádiva para que eu possa livrar-me desta condicionada vida material.”

Texto

brahman duhitṛbhis tubhyaṁ
vimṛgyāḥ patayaḥ samāḥ
kaścit syān me viśokāya
tvayi pravrajite vanam

Sinônimos

brahman — meu querido brāhmaṇa; duhitṛbhiḥ — pelas próprias filhas; tubhyam — para ti; vimṛgyāḥ — serem encontrados; patayaḥ — esposos; samāḥ — adequados; kaścit — alguém; syāt — deve haver; me — meu; viśokāya — para o consolo; tvayi — quando tu; pravrajite — partida; vanam — para a floresta.

Tradução

Meu querido brāhmaṇa, quanto a tuas filhas, elas encontrarão seus próprios esposos adequados e irão embora para seus respectivos lares. Mas quem me consolará depois que partires como sannyāsī?

Comentário

Afirma-se que o próprio pai se torna o filho sob outra forma. Portanto, considera-se que o pai e o filho não são diferentes. A viúva que tem um filho não é realmente viúva, porque ela tem o representante de seu esposo. De modo semelhante, Devahūti está indiretamente pedindo a Kardama Muni que deixe um representante para que, na ausência dele, um filho adequado a alivie de suas ansiedades. Não é de se esperar que o chefe de família permaneça em casa por todos os seus dias. Após casar seus filhos e filhas, o chefe de família pode retirar-se da vida familiar, deixando sua esposa aos cuidados de seus filhos crescidos. Essa é a convenção social do sistema védico. Devahūti está indiretamente pedindo que, após Kardama deixar o lar, haja pelo menos um filho para dar-lhe alívio de suas ansiedades. Esse alívio significa orientação espiritual. Alívio não quer dizer confortos materiais. Os confortos materiais acabarão com o término do corpo, mas a orientação espiritual não: ela continuará com a alma espiritual. É necessário receber instrução sobre o avanço espiritual, mas, sem ter um filho digno, como Devahūti poderia avançar em conhecimento espiritual? O esposo tem o dever de liquidar seu débito com a esposa. A esposa presta serviço sincero ao esposo, que, por sua vez, contrai dívida para com ela, porque uma pessoa não pode aceitar serviço de seu subordinado sem dar-lhe algo em troca. O mestre espiritual não pode aceitar serviço do discípulo sem prover instruções espirituais. Essa é a reciprocidade de amor e deveres. Assim, Devahūti lembra a seu esposo, Kardama Muni, que ela lhe prestou serviço fiel. Mesmo considerando a situação com base na liquidação de sua dívida para com a esposa, ele devia dar-lhe um filho antes de partir. Indiretamente, Devahūti pede ao esposo que fique em casa por mais alguns dias, ou pelo menos até nascer um menino.

Texto

etāvatālaṁ kālena
vyatikrāntena me prabho
indriyārtha-prasaṅgena
parityakta-parātmanaḥ

Sinônimos

etāvatā — grande parte; alam — para nada; kālena — tempo; vyatikrāntena — passado por; me — meu; prabho — ó meu senhor; indriya-artha — gozo dos sentidos; prasaṅgena — nos entregando; parityakta — negligenciando; para-ātmanaḥ — conhecimento do Senhor Supremo.

Tradução

Até agora, simplesmente desperdiçamos grande parte de nosso tempo com gozo dos sentidos, negligenciando o cultivo de conhecimento do Senhor Supremo.

Comentário

A vida humana não foi feita para ser desperdiçada, como a dos animais, com atividades de gozo dos sentidos. Os animais sempre se ocupam em gozo dos sentidos – comendo, dormindo, temendo e se acasalando –, mas isso não são ocupações do ser humano, embora, por causa do corpo material, haja necessidade de gozo dos sentidos, embora de acordo com certos princípios reguladores. Assim, com efeito, Devahūti disse a seu esposo: “Até agora tivemos estas filhas, e gozamos da vida material na mansão aérea, viajando por todo o universo. Essas dádivas vieram por tua graça, mas todas elas têm sido para o gozo dos sentidos. Agora preciso de algo para o meu avanço espiritual.”

Texto

indriyārtheṣu sajjantyā
prasaṅgas tvayi me kṛtaḥ
ajānantyā paraṁ bhāvaṁ
tathāpy astv abhayāya me

Sinônimos

indriya-artheṣu — ao gozo dos sentidos; sajjantyā — estando apegada; prasaṅgaḥ — afinidade; tvayi — por ti; me — por mim; kṛtaḥ — foi feito; ajānantyā — desconhecendo; param bhāvam — tua situação transcendental; tathā api — não obstante; astu — faze com que; abhayāya — para o destemor; me — meu.

Tradução

Desconhecendo tua situação transcendental, eu te amei enquanto permanecia apegada aos objetos dos sentidos. Não obstante, faze com que a afinidade que desenvolvi por ti livre-me de todo o temor.

Comentário

Devahūti lamenta-se de sua situação. Como uma mulher, ela tinha de amar alguém. De alguma forma, ela veio a amar Kardama Muni, mas sem saber de seu avanço espiritual. Kardama Muni pôde entender o coração de Devahūti: geralmente todas as mulheres desejam gozo material. Elas são chamadas de menos inteligentes por terem muita propensão ao gozo material. Devahūti lamenta-se porque seu esposo lhe dera o melhor tipo de gozo material, mas ela não sabia quão avançado ele era em compreensão espiritual. Sua alegação era que, muito embora não conhecesse as glórias de seu grande esposo, porque ela havia se abrigado nele, ele devia libertá-la do enredamento material. A associação com uma grande personalidade é algo importantíssimo. No Caitanya-caritāmṛta, o Senhor Caitanya diz que sādhu-saṅga, a associação com uma grande pessoa santa, é muito importante, pois, mesmo que não sejamos avançados em conhecimento, simplesmente por nos associarmos com uma grande pessoa santa, podemos imediatamente fazer avanço considerável na vida espiritual. Como mulher, como esposa comum, Devahūti se apegara a Kardama Muni a fim de satisfazer seu gozo dos sentidos e demais necessidades materiais, mas, na realidade, ela se associara com uma grande personalidade. Ela está começando a compreender isso, e quer utilizar-se da vantagem da associação com seu grande esposo.

Texto

saṅgo yaḥ saṁsṛter hetur
asatsu vihito ’dhiyā
sa eva sādhuṣu kṛto
niḥsaṅgatvāya kalpate

Sinônimos

saṅgaḥ — associação; yaḥ — que; saṁsṛteḥ — do ciclo de nascimentos e mortes; hetuḥ — a causa; asatsu — com aqueles ocupados em gozo dos sentidos; vihitaḥ — feita; adhiyā — por ignorância; saḥ — a mesma coisa; eva — decerto; sādhuṣu — com pessoas santas; kṛtaḥ — realizada; niḥsaṅgatvāya — à liberação; kalpate — leva.

Tradução

A associação que visa o gozo dos sentidos é decerto o caminho do cativeiro. Porém, a mesma espécie de associação, estabelecida com uma pessoa santa, leva ao caminho da liberação, mesmo se realizada sem conhecimento.

Comentário

A associação com pessoas santas, de uma maneira ou outra, produz sempre o mesmo resultado. Por exemplo, o Senhor Kṛṣṇa encontrou-Se com muitos tipos de entidades vivas: algumas trataram-nO como inimigo, e outras trataram-nO como um agente para o gozo dos sentidos. Geralmente se diz que as gopīs estavam ligadas a Kṛṣṇa por atrações sensuais, apesar do que elas se tornaram devotas de primeira classe do Senhor. Contudo, Kaṁsa, Śiśupāla, Dantavakra e outros demônios estavam relacionados com Kṛṣṇa como inimigos. Porém, quer se associassem com Kṛṣṇa como inimigos ou em troca de gozo dos sentidos, por medo ou como devotos puros, todos eles obtiveram a liberação. Esse é o resultado da associação com o Senhor. Mesmo que não entendamos quem Ele é, os resultados têm a mesma eficácia. A associação com grandes pessoas santas também resulta em liberação, assim como, se nos aproximarmos do fogo, quer consciente, quer inconscientemente, o fogo nos queimará. Devahūti expressou sua gratidão, pois, embora desejasse associar-se com Kardama Muni somente em troca de gozo dos sentidos, por ele ser espiritualmente grandioso, com certeza ela se libertaria pela bênção dele.

Texto

neha yat karma dharmāya
na virāgāya kalpate
na tīrtha-pada-sevāyai
jīvann api mṛto hi saḥ

Sinônimos

na — não; iha — aqui; yat — que; karma — trabalho; dharmāya — para a perfeição da vida religiosa; na — não; virāgāya — para o desapego; kalpate — conduza; na — não; tīrtha-pada — dos pés de lótus do Senhor; sevāyai — ao serviço devocional; jīvan — vivendo; api — embora; mṛtaḥ — morta; hi — na verdade; saḥ — ela.

Tradução

Qualquer pessoa cujo trabalho não se destine a elevá-la à vida religiosa, qualquer pessoa cujas funções ritualísticas religiosas não a elevem à renúncia, e qualquer pessoa situada em renúncia que não a conduza ao serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, deve ser considerada morta, mesmo que esteja respirando.

Comentário

Devahūti declarou que, já que estava apegada a viver com o esposo em troca de gozo dos sentidos, algo que não leva à libertação do enredamento material, sua vida não passava de mera perda de tempo. Qualquer trabalho que executemos que não leve ao estado de vida religiosa é uma atividade inútil. Todos têm, por natureza, a propensão a algum tipo de trabalho, e, quando este trabalho conduz à vida religiosa, e a vida religiosa conduz à renúncia, e a renúncia conduz ao serviço devocional, alcança-se a perfeição do trabalho. Como se afirma na Bhagavad-gītā, qualquer trabalho que não conduza finalmente ao nível do serviço devocional é causa de cativeiro no mundo material. Yajñārthāt karmaṇo ’nyatra loko ’yaṁ karma-bandhanaḥ. A menos que alguém se eleve gradualmente à posição do serviço devocional, a partir de sua atividade natural, ele deve ser considerado um cadáver. O trabalho que não nos conduz à compreensão da consciência de Kṛṣṇa é considerado inútil.

Texto

sāhaṁ bhagavato nūnaṁ
vañcitā māyayā dṛḍham
yat tvāṁ vimuktidaṁ prāpya
na mumukṣeya bandhanāt

Sinônimos

— essa mesma pessoa; aham — eu sou; bhagavataḥ — do Senhor; nūnam — certamente; vañcitā — enganada; māyayā — pela energia ilusória; dṛḍham — solidamente; yat — porque; tvām — tu; vimukti-dam — que proporciona a liberação; prāpya — tendo obtido; na mumukṣeya — eu não busquei a liberação; bandhanāt — do cativeiro material.

Tradução

Meu senhor, é certo que tenho sido solidamente enganada pela insuperável energia ilusória da Suprema Personalidade de Deus, pois, apesar de ter obtido tua associação, que proporciona a libertação do cativeiro material, não busquei pela libertação.

Comentário

O homem inteligente deve valer-se das boas oportunidades. A primeira oportunidade é a forma humana de vida, e a segunda oportunidade é nascer numa família apropriada, onde haja cultivo de conhecimento espiritual; isto se obtém raramente. A maior oportunidade é obter a associação de uma pessoa santa. Devahūti estava ciente de que nascera como filha de um imperador. Ela era suficientemente educada e culta e, por fim, obteve como esposo Kardama Muni, uma pessoa santa e grande yogī. Mesmo assim, se ela não se libertasse do enredamento da energia material, certamente seria enganada pela insuperável energia ilusória. Na verdade, a energia material ilusória está enganando a todos. As pessoas não sabem o que estão fazendo quando adoram a energia material sob a forma da deusa Kālī, ou Durgā, em troca de dádivas materiais. Elas pedem: “Mãe, dá-me grandes riquezas, dá-me uma boa esposa, dá-me fama, dá-me vitória.” Mas esses devotos da deusa Māyā, ou Durgā, não sabem que ela os está enganando. A conquista material não é realmente conquista, porque, assim que nos deixamos iludir pelas dádivas materiais, enredamo-nos cada vez mais, perdendo a possibilidade de nos libertarmos. Devemos ser inteligentes o bastante para saber como utilizar os bens materiais para o propósito da compreensão espiritual. Isso se chama karma-yoga, ou jñāna-yoga. Qualquer coisa que tenhamos devemos usar a serviço da Pessoa Suprema. A Bhagavad-gītā aconselha que sva-karmaṇā tam abhyarcya: devemos esforçar-nos por adorar a Suprema Personalidade de Deus com nossos bens. Há muitas formas de serviço ao Senhor Supremo, e qualquer pessoa pode prestar-Lhe serviço de acordo com o melhor de sua habilidade.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do terceiro canto, vigésimo terceiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A Lamentação de Devahūti”.