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Capítulo Doze

Criação dos Kumāras e Outros

Texto

maitreya uvāca
iti te varṇitaḥ kṣattaḥ
kālākhyaḥ paramātmanaḥ
mahimā veda-garbho ’tha
yathāsrākṣīn nibodha me

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Śrī Maitreya disse; iti — assim; te — a ti; varṇitaḥ — descritas; kṣattaḥ — ó Vidura; kāla-ākhyaḥ — denominada tempo eterno; paramātmanaḥ — da Superalma; mahimā — glórias; veda-garbhaḥ — senhor Brahmā, o reservatório dos Vedas; atha — doravante; yathā — como é; asrākṣīt — criou; nibodha — simplesmente tenta entender; me — de mim.

Tradução

Śrī Maitreya disse: Ó erudito Vidura, até agora expliquei-te as glórias da forma da Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto de kāla. Agora ouve-me falar sobre a criação de Brahmā, o reservatório de todo o conhecimento védico.

Texto

sasarjāgre ’ndha-tāmisram
atha tāmisram ādi-kṛt
mahāmohaṁ ca mohaṁ ca
tamaś cājñāna-vṛttayaḥ

Sinônimos

sasarja — criou; agre — primeiramente; andhatāmisram – o sentido da morte; atha — então; tāmisram — ira após a frustração; ādi-kṛt — todos esses; mahā-moham — propriedade sobre objetos desfrutáveis; ca — também; moham — concepção ilusória; ca — também; tamaḥ — escuridão quanto ao conhecimento do eu; ca — bem como; ajñāna — nescidade; vṛttayaḥ — ocupações.

Tradução

Brahmā criou primeiramente as ocupações de necedade como a autoenganação, o sentido de morte, a ira após a frustração, o sentido de falsa propriedade e a concepção corpórea ilusória, ou o esquecimento de nossa verdadeira identidade.

Comentário

Antes da própria criação das entidades vivas em diferentes variedades de espécies, o senhor Brahmā criou as condições sob as quais tem de viver um ser vivo no mundo material. A menos que a entidade viva esqueça sua real identidade, é-lhe impossível viver nas condições materiais de vida. Portanto, a primeira condição de existência material é o esquecimento de nossa real identidade. E, devido ao esquecimento de nossa verdadeira identidade, certamente tememos a morte, embora uma alma vivente e pura seja imortal e não-nascida. Essa falsa identificação com a natureza material é a causa do conceito falso de propriedade sobre as coisas que nos são oferecidas por arranjo do controle superior. Todos os recursos materiais são oferecidos à entidade viva para ela viver pacificamente e para ela desempenhar os deveres da autorrealização na vida condicionada. Contudo, devido à falsa identificação, a alma condicionada deixa-se enredar pelo sentido de falsa propriedade sobre a propriedade do Senhor Supremo. Evidencia-se neste verso que o próprio Brahmā é uma criação do Senhor Supremo, e os cinco tipos de necedade que condicionam as entidades vivas na existência material são criações de Brahmā. É simplesmente ridículo considerar a entidade viva igual ao Ser Supremo quando podemos entender que as almas condicionadas estão sob a influência da varinha mágica de Brahmā. Patañjali também aceita que há cinco tipos de necedade, como se menciona aqui.

Texto

dṛṣṭvā pāpīyasīṁ sṛṣṭiṁ
nātmānaṁ bahv amanyata
bhagavad-dhyāna-pūtena
manasānyāṁ tato ’sṛjat

Sinônimos

dṛṣṭvā — ao ver; pāpīyasīm — pecaminosa; sṛṣṭim — criação; na — não; ātmānam — em si mesmo; bahu — muito prazer; amanyata — sentiu; bhagavat — na Personalidade de Deus; dhyāna — meditação; pūtena — purificado por aquela; manasā — por tal mentalidade; anyām — outro; tataḥ — em seguida; asṛjat — criou.

Tradução

Ao ver essa criação desencaminhadora como uma tarefa pecaminosa, Brahmā não sentiu muito prazer em sua atividade, e por isso purificou-se pela meditação na Personalidade de Deus. Então, ele começou outro período da criação.

Comentário

Apesar de ter criado as diferentes influências da necedade, o senhor Brahmā não estava satisfeito de executar tal tarefa ingrata, mas teve que fazer isso porque a maioria das almas condicionadas assim o quiseram. O Senhor Kṛṣṇa diz na Bhagavad-gītā (15.15) que está presente no coração de todos e ajuda todos a lembrar ou esquecer. Pode ser que alguém pergunte: por que o Senhor, que é todo-misericordioso, ajuda uma pessoa a lembrar e outra a esquecer? Na verdade, Sua misericórdia não se manifesta como parcialidade com alguém e como inimizade com outrem. A entidade viva, como parte integrante do Senhor, é parcialmente independente porque possui parcialmente todas as qualidades do Senhor. Qualquer pessoa que tenha alguma independência pode, às vezes, abusar dela devido à ignorância. Quando a entidade viva prefere abusar de sua independência e deslizar em direção à necedade, antes de mais nada o Senhor todo-misericordioso tenta protegê-la contra a armadilha, mas, se a entidade viva persiste em deslizar em direção ao inferno, o Senhor a ajuda a esquecer-se de sua verdadeira posição. O Senhor ajuda a entidade viva decadente a deslizar até o ponto mais baixo, simplesmente para lhe dar a oportunidade de ver se poderá ser feliz abusando de sua independência.

Quase todas as almas condicionadas, que estão apodrecendo no mundo material, abusam de sua independência, em razão do que lhes são impostos cinco tipos de necedade. Como um servo obediente do Senhor, Brahmā cria-os todos por uma questão de necessidade, mas ele não se sente feliz em fazê-lo, porque um devoto do Senhor naturalmente não gosta de ver ninguém caindo de sua verdadeira posição. As pessoas que não se importam com o caminho da autorrealização obtêm plenas facilidades do Senhor para satisfazer suas tendências ao máximo, e Brahmā ajuda nesse procedimento, sem falta.

Texto

sanakaṁ ca sanandaṁ ca
sanātanam athātmabhūḥ
sanat-kumāraṁ ca munīn
niṣkriyān ūrdhva-retasaḥ

Sinônimos

sanakam — Sanaka; ca — também; sanandam — Sananda; ca — e; sanātanam — Sanātana; atha — em seguida; ātma-bhūḥ — Brahmā, que é autógeno; sanatkumāram – Sanat-kumāra; ca — também; munīn — os grandes sábios; niṣkriyān — livres de toda ação fruitiva; ūrdhvaretasaḥ – aqueles cujo sêmen é sublimado.

Tradução

No começo, Brahmā criou quatro grandes sábios chamados Sanaka, Sananda, Sanātana e Sanat-kumāra. Nenhum deles tinha desejo de adotar atividades materialistas porque eram altamente elevados devido a que seu sêmen era sublimado.

Comentário

Embora Brahmā criasse os princípios da ignorância por uma questão de necessidade para aquelas entidades vivas destinadas à ignorância pela vontade do Senhor, ele não estava satisfeito de executar uma tarefa tão ingrata. Portanto, ele criou quatro princípios de conhecimento: sāṅkhya, ou filosofia empírica para o estudo analítico das condições materiais; yoga, ou misticismo para a liberação da alma pura do cativeiro material; vairāgya, ou aceitação de completo desapego do gozo material na vida para elevação à máxima compreensão espiritual; e tapas, ou os vários tipos de austeridades voluntárias executadas para se obter a perfeição espiritual. Brahmā criou os quatro grandes sábios Sanaka, Sananda, Sanātana e Sanat para confiar-lhes esses quatro princípios de avanço espiritual, e eles inauguraram seu próprio grupo espiritual, ou sampradāya, conhecido como Kumāra-sampradāya, ou, mais tarde, como Nimbārka-sampradāya, para o avanço de bhakti. Todos esses grandes sábios tornaram-se grandes devotos, pois, sem serviço devocional à Personalidade de Deus, não se pode obter êxito em nenhuma atividade de valor espiritual.

Texto

tān babhāṣe svabhūḥ putrān
prajāḥ sṛjata putrakāḥ
tan naicchan mokṣa-dharmāṇo
vāsudeva-parāyaṇāḥ

Sinônimos

tān — aos Kumāras, como se mencionou acima; babhāṣe — dirigiu-se; svabhūḥ — Brahmā; putrān — aos filhos; prajāḥ — gerações; sṛjata — criar; putrakāḥ — ó meus filhos; tat — isto; na — não; aicchan — desejaram; mokṣadharmāṇaḥ – empenhados nos princípios da liberação; vāsudeva — a Personalidade de Deus; parāyaṇāḥ — que são assim devotados.

Tradução

Após gerar seus filhos, Brahmā falou-lhes o seguinte: “Meus queridos filhos”, disse ele, “agora gerai progênie”. Mas, por serem apegados a Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, eles visavam à liberação, e por isso expressaram sua relutância.

Comentário

Os quatro filhos de Brahmā, os Kumāras, negaram-se a tornar-se chefes de família apesar do pedido de seu grande pai, Brahmā. Aqueles que levam a sério a liberação do cativeiro material não devem se enredar na falsa relação do cativeiro familiar. Pode ser que as pessoas perguntem como os Kumāras puderam recusar as ordens de Brahmā, que era seu pai e, acima de tudo, o criador do universo. A resposta é que uma pessoa que é vāsudeva-parāyaṇa, ou seriamente ocupada no serviço devocional a Vāsudeva, a Personalidade de Deus, não precisa cuidar de nenhuma outra obrigação. Prescreve-se no Bhāgavatam (11.5.41):

devarṣi-bhūtāpta-nṛṇāṁ pitṝṇāṁ
na kiṅkaro nāyam ṛṇī ca rājan
sarvātmanā yaḥ śaraṇaṁ śaraṇyaṁ
gato mukundaṁ parihṛtya kartam

“Qualquer pessoa que tenha abandonado completamente todas as relações mundanas e tenha se abrigado absolutamente aos pés de lótus do Senhor, o qual nos dá a salvação, e que por Si só é capaz de servir como refúgio, não é mais devedor nem servo de ninguém, incluindo os semideuses, os antepassados, os sábios, outras entidades vivas, parentes e membros da sociedade humana.” Desse modo, não houve nada de errado nos atos dos Kumāras quando eles recusaram o pedido de seu grande pai de que se tornassem chefes de família.

Texto

so ’vadhyātaḥ sutair evaṁ
pratyākhyātānuśāsanaiḥ
krodhaṁ durviṣahaṁ jātaṁ
niyantum upacakrame

Sinônimos

saḥ — ele (Brahmā); avadhyātaḥ — sendo assim desrespeitado; sutaiḥ — pelos filhos; evam — assim; pratyākhyāta — recusando-se a obedecer; anuśāsanaiḥ — a ordem do pai deles; krodham — ira; durviṣaham — muita para ser tolerada; jātam — gerou-se assim; niyantum — para controlar; upacakrame — tentou o quanto pôde.

Tradução

Diante da recusa dos filhos a obedecerem à ordem de seu pai, a mente de Brahmā inflamou-se de muita ira, a qual ele tentou controlar e não manifestar.

Comentário

Brahmā é o diretor encarregado do modo da paixão da natureza material. Portanto, era natural que ele se irasse com a recusa de seus filhos a obedecerem a sua ordem. Embora os Kumāras estivessem certos em seu procedimento de recusa, Brahmā, estando absorto no modo da paixão, não pôde conter sua apaixonada ira. Ele não a expressou, contudo, porque sabia que seus filhos eram muito iluminados em avanço espiritual e, assim, ele não deveria manifestar sua ira diante deles.

Texto

dhiyā nigṛhyamāṇo ’pi
bhruvor madhyāt prajāpateḥ
sadyo ’jāyata tan-manyuḥ
kumāro nīla-lohitaḥ

Sinônimos

dhiyā — pela inteligência; nigṛhyamāṇaḥ — sendo controlada; api — apesar de; bhruvoḥ — das sobrancelhas; madhyāt — dentre; prajāpateḥ — de Brahmā; sadyaḥ — imediatamente; ajāyata — foi gerada; tat — sua; manyuḥ — ira; kumāraḥ — uma criança; nīla-lohitaḥ — mistura de azul e vermelho.

Tradução

Embora ele tentasse conter sua ira, esta irrompeu dentre suas sobrancelhas, e imediatamente foi gerada uma criança de cor mista de azul e vermelho.

Comentário

O aspecto da ira é o mesmo, quer se manifeste devido à ignorância, quer se manifeste devido ao conhecimento. Embora Brahmā tentasse conter sua ira, não pôde fazê-lo, muito embora ele seja o ser supremo. Tal ira em sua verdadeira cor irrompeu dentre as sobrancelhas de Brahmā como Rudra, numa cor mista de azul (ignorância) e vermelho (paixão), porque a ira é o produto da paixão e da ignorância.

Texto

sa vai ruroda devānāṁ
pūrvajo bhagavān bhavaḥ
nāmāni kuru me dhātaḥ
sthānāni ca jagad-guro

Sinônimos

saḥ — ele; vai — certamente; ruroda — chorou alto; devānām pūrvajaḥ — o mais velho de todos os semideuses; bhagavān — o mais poderoso; bhavaḥ — senhor Śiva; nāmāni — diferentes nomes; kuru — designa; me — meu; dhātaḥ — ó criador do destino; sthānāni — lugares; ca — também; jagatguro – ó mestre do universo.

Tradução

Após seu nascimento, ele começou a chorar: Ó criador do destino, mestre do universo, por favor, designa meu nome e lugar de permanência.

Texto

iti tasya vacaḥ pādmo
bhagavān paripālayan
abhyadhād bhadrayā vācā
mā rodīs tat karomi te

Sinônimos

iti — assim; tasya — seu; vacaḥ — pedido; pādmaḥ — aquele que nasceu da flor de lótus; bhagavān — o poderoso; paripālayan — aceitando o pedido; abhyadhāt — apaziguou; bhadrayā — por amáveis; vācā — palavras; — não; rodīḥ — chores; tat — isto; karomi — eu o farei; te — como desejas.

Tradução

O todo-poderoso Brahmā, que nasceu da flor de lótus, apaziguou o menino com palavras amáveis, aceitando seu pedido, e disse: Não chores. Certamente farei como desejas.

Texto

yad arodīḥ sura-śreṣṭha
sodvega iva bālakaḥ
tatas tvām abhidhāsyanti
nāmnā rudra iti prajāḥ

Sinônimos

yat — tanto quanto; arodīḥ — choraste alto; sura-śreṣṭha — ó principal entre os semideuses; saudvegaḥ – com grande ansiedade; iva — como; bālakaḥ — um menino; tataḥ — portanto; tvām — tu; abhidhāsyanti — chamarão; nāmnā — pelo nome; rudraḥ — Rudra; iti — assim; prajāḥ — pessoas.

Tradução

Em seguida, Brahmā disse: Ó principal entre os semideuses, serás chamado Rudra por todas as pessoas porque choraste com tanta ansiedade.

Texto

hṛd indriyāṇy asur vyoma
vāyur agnir jalaṁ mahī
sūryaś candras tapaś caiva
sthānāny agre kṛtāni te

Sinônimos

hṛt — o coração; indriyāṇi — os sentidos; asuḥ — ar vital; vyoma — o céu; vāyuḥ — o ar; agniḥ — fogo; jalam — água; mahī — a terra; sūryaḥ — o Sol; candraḥ — a Lua; tapaḥ — austeridade; ca — bem como; eva — certamente; sthānāni — todos esses lugares; agre — antes; kṛtāni — já feitos; te — para ti.

Tradução

Meu querido filho, já selecionei os seguintes lugares para a tua residência: o coração, os sentidos, o ar vital, o céu, o ar, o fogo, a água, a terra, o Sol, a Lua e a austeridade.

Comentário

A criação de Rudra a partir do meio das sobrancelhas de Brahmā como resultado de sua ira, gerada do modo da paixão parcialmente influenciado pela ignorância, é muito significativa. Na Bhagavad-gītā (3.37), descreve-se o princípio de Rudra. Krodha (ira) é produto de kāma (luxúria), que é o resultado do modo da paixão. Quando a luxúria e a ansiedade não são satisfeitas, aparece o elemento krodha, que é o formidável inimigo da alma condicionada. Essa paixão demasiadamente pecaminosa e hostil apresenta-se como o ahaṅkāra, ou seja, a falsa atitude egocêntrica de julgar-se o todo de tudo. Tal atitude egocêntrica da parte da alma condicionada, que está completamente sob o controle da natureza material, é descrita na Bhagavad-gītā como tola. A atitude egocêntrica é uma manifestação do princípio Rudra no coração, onde krodha (ira) é gerada. Essa ira desenvolve-se no coração e posteriormente se manifesta através de vários sentidos, como os olhos, as mãos e as pernas. Quando um homem está irado, ele expressa tal ira com olhos avermelhados, e, às vezes, se põe na atitude de cerrar os punhos ou dar chutes. Essa exibição do princípio Rudra é a prova da presença de Rudra em tais lugares. Quando um homem está irado, ele respira aceleradamente, e assim Rudra está representado no ar vital, ou nas atividades da respiração. Quando o céu está nublado com nuvens densas e estrondeia em ira, e quando o vento sopra com grande fúria, manifesta-se o princípio Rudra, e, da mesma forma, quando a água do mar está enfurecida pelo vento, ela toma o aspecto sombrio de Rudra, que é muito amedrontador para o homem comum. Quando o fogo está abrasador, também podemos experimentar a presença de Rudra, e quando há uma inundação sobre a terra, podemos compreender que isso também é representação de Rudra.

Há muitas criaturas terrestres que constantemente representam o elemento Rudra. A serpente, o tigre e o leão são sempre representações de Rudra. Às vezes, por causa do extremo calor do Sol, há casos de insolação, e, devido ao extremo frio criado pela Lua, há casos de colapso. Há muitos sábios dotados de poder influenciados pela austeridade, e muitos yogīs, filósofos e renunciantes, que às vezes manifestam seus poderes, adquiridos sob a influência dos princípios rudrânicos da ira e da paixão. O grande yogī Durvāsā, sob a influência desse princípio de Rudra, provocou uma briga contra Mahārāja Ambarīṣa, e um menino brāhmaṇa manifestou o princípio de Rudra ao amaldiçoar o grande rei Parīkṣit. Quando o princípio de Rudra é exibido por pessoas que não estão ocupadas em serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, a pessoa irada cai do pináculo de sua posição progressiva. Isso é confirmado da seguinte maneira:

ye ’nye ’ravindākṣa vimukta-māninas
tvayy asta-bhāvād aviśuddha-buddhayaḥ
āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ
patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

(Bhāg. 10.2.32)

A queda do impersonalista, que é absolutamente lamentável, deve-se à sua falsa e insensata proclamação de ser uno com o Supremo.

Texto

manyur manur mahinaso
mahāñ chiva ṛtadhvajaḥ
ugraretā bhavaḥ kālo
vāmadevo dhṛtavrataḥ

Tradução

O senhor Brahmā disse: Meu caro filho Rudra, tens mais onze nomes: Manyu, Manu, Mahinasa, Mahān, Śiva, Ṛtadhvaja, Ugraretā, Bhava, Kāla, Vāmadeva e Dhṛtavrata.

Texto

dhīr dhṛti-rasalomā ca
niyut sarpir ilāmbikā
irāvatī svadhā dīkṣā
rudrāṇyo rudra te striyaḥ

Sinônimos

dhīḥ, dhṛti, rasalā, umā, niyut, sarpiḥ, ilā, ambikā, irāvatī, svadhā, dīkṣā rudrāṇyaḥ — as onze Rudrāṇīs; rudra — ó Rudra; te — a ti; striyaḥ — esposas.

Tradução

Ó Rudra, tens, também, onze esposas, chamadas Rudrāṇīs, e elas são as seguintes: Dhī, Dhṛti, Rasalā, Umā, Niyut, Sarpi, Ilā, Ambikā, Irāvatī, Svadhā e Dīkṣā.

Texto

gṛhāṇaitāni nāmāni
sthānāni ca sa-yoṣaṇaḥ
ebhiḥ sṛja prajā bahvīḥ
prajānām asi yat patiḥ

Sinônimos

gṛhāṇa — simplesmente aceita; etāni — todos esses; nāmāni — diferentes nomes; sthānāni — bem como os lugares; ca — também; sa-yoṣaṇaḥ — junto com as esposas; ebhiḥ — com elas; sṛja — simplesmente gera; prajāḥ — progênie; bahvīḥ — em larga escala; prajānām — das entidades vivas; asi — és; yat — uma vez que; patiḥ — o senhor.

Tradução

Meu querido filho, aceita agora todos os nomes e lugares designados para ti e para tuas diferentes esposas, e, uma vez que a partir de agora és um dos senhores das entidades vivas, aumenta a população em larga escala.

Comentário

Brahmā, como pai de Rudra, escolheu as esposas de seu filho, os seus lugares de residência, bem como seus nomes. É natural que se deva aceitar a esposa escolhida pelo pai, assim como o filho aceita o nome dado pelo pai ou aceita a propriedade oferecida pelo pai. Este é o processo geral para aumentar a população do mundo. Por outro lado, os Kumāras não aceitaram a oferta de seu pai porque eram elevados, estando muito acima da tarefa de gerar grande número de filhos. Assim como o filho pode negar-se a cumprir a ordem do pai em nome de propósitos superiores, da mesma forma, o pai pode negar-se a fazer com que seus filhos aumentem a população, por causa de propósitos superiores.

Texto

ity ādiṣṭaḥ sva-guruṇā
bhagavān nīla-lohitaḥ
sattvākṛti-svabhāvena
sasarjātma-samāḥ prajāḥ

Sinônimos

iti — assim; ādiṣṭaḥ — sendo ordenado; svaguruṇā – pelo seu próprio mestre espiritual; bhagavān — o poderosíssimo; nīlalohitaḥ – Rudra, cuja cor é uma mistura de azul com vermelho; sattva — poder; ākṛti — aspectos corpóreos; svabhāvena — e com um modo da natureza muito furioso; sasarja — criou; ātma-samāḥ — como seu próprio protótipo; prajāḥ — gerações.

Tradução

O poderosíssimo Rudra, cuja cor corpórea era azul mesclado de vermelho, criou muita progênie exatamente similar a ele em aspectos, força e natureza furiosa.

Texto

rudrāṇāṁ rudra-sṛṣṭānāṁ
samantād grasatāṁ jagat
niśāmyāsaṅkhyaśo yūthān
prajāpatir aśaṅkata

Sinônimos

rudrāṇām — dos filhos de Rudra; rudra-sṛṣṭānām — que foram gerados por Rudra; samantāt — reunindo-se; grasatām — enquanto devoravam; jagat — o universo; niśāmya — ao observar suas atividades; asaṅkhyaśaḥ — ilimitada; yūthān — assembleia; prajā-patiḥ — o pai das entidades vivas; aśaṅkata — assustou-se com.

Tradução

Os filhos e netos gerados por Rudra eram em número ilimitado, e, quando reuniram-se, tentaram devorar todo o universo. Quando Brahmā, o pai das entidades vivas, viu isso, assustou-se com a situação.

Comentário

As gerações de Rudra, a encarnação da ira, eram tão perigosas para a manutenção dos afazeres universais que mesmo Brahmā, o pai das entidades vivas, ficou com medo delas. Os pretensos devotos ou seguidores de Rudra também são uma ameaça. Às vezes, eles são perigosos até para o próprio Rudra. Os descendentes de Rudra às vezes fazem planos para matar Rudra – pela graça de Rudra. Essa é a natureza de seus devotos.

Texto

alaṁ prajābhiḥ sṛṣṭābhir
īdṛśībhiḥ surottama
mayā saha dahantībhir
diśaś cakṣurbhir ulbaṇaiḥ

Sinônimos

alam — desnecessário; prajābhiḥ — por tais entidades vivas; sṛṣṭābhiḥ — geradas; īdṛśībhiḥ — deste tipo; sura-uttama — ó melhor entre os semideuses; mayā — me; saha — junto com; dahantībhiḥ — que estão queimando; diśaḥ — toda parte; cakṣurbhiḥ — pelos olhos; ulbaṇaiḥ — chamas incandescentes.

Tradução

Brahmā falou a Rudra: Ó melhor entre os semideuses, não há necessidade de gerares entidades vivas desta natureza. Elas começaram a devastar tudo por toda parte com as chamas incandescentes de seus olhos, e chegaram inclusive a me atacar.

Texto

tapa ātiṣṭha bhadraṁ te
sarva-bhūta-sukhāvaham
tapasaiva yathā pūrvaṁ
sraṣṭā viśvam idaṁ bhavān

Sinônimos

tapaḥ — penitência; ātiṣṭha — situa-te; bhadram — auspiciosa; te — para ti; sarva — todas; bhūta — entidades vivas; sukhaāvaham – trazendo felicidade; tapasā — através de penitência; eva — somente; yathā — assim como; pūrvam — antes; sraṣṭā — criarás; viśvam — o universo; idam — este; bhavān — tu mesmo.

Tradução

Meu querido filho, é melhor te situares em penitência, o que é auspicioso para todas as entidades vivas e que trará toda a bênção para ti. Somente através de penitência serás capaz de criar o universo como ele era antes.

Comentário

As três deidades, Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara, ou Śiva, têm respectivamente o encargo da criação, manutenção e dissolução da manifestação cósmica. Rudra foi aconselhado a não destruir enquanto o período da criação e manutenção estivesse em vigor, mas a praticar penitências e esperar pelo tempo da dissolução, quando seus serviços seriam solicitados.

Texto

tapasaiva paraṁ jyotir
bhagavantam adhokṣajam
sarva-bhūta-guhāvāsam
añjasā vindate pumān

Sinônimos

tapasā — através de penitência; eva — somente; param — a suprema; jyotiḥ — luz; bhagavantam — à Personalidade de Deus; adhokṣajam — aquele que está além do alcance dos sentidos; sarvabhūtaguhā- āvāsam – residindo no coração de todas as entidades vivas; añjasā — completamente; vindate — pode conhecer; pumān — uma pessoa.

Tradução

É somente através de penitência que uma pessoa pode aproximar-se até mesmo da Personalidade de Deus, que está dentro de todas as entidades vivas e, ao mesmo tempo, além do alcance de todos os sentidos.

Comentário

Rudra foi aconselhado por Brahmā a praticar penitência como um exemplo para seus filhos e seguidores, demonstrando que a penitência é necessária para alcançar o favor da Suprema Personalidade de Deus. Na Bhagavad-gītā, afirma-se que a massa comum da população segue o caminho mostrado pelas autoridades. Assim, Brahmā, desgostoso com as gerações de Rudra e com medo de ser devorado pelo aumento da população, pediu a Rudra que parasse de produzir semelhante geração indesejável e adotasse a penitência como meio de alcançar o favor do Senhor Supremo. Portanto, observamos nas pinturas que Rudra está sempre sentado em meditação para obter o favor do Senhor. Indiretamente, os filhos e seguidores de Rudra são aconselhados a cessar o processo de aniquilação, seguindo o princípio de Rudra, enquanto a pacífica criação de Brahmā se desenvolve.

Texto

maitreya uvāca
evam ātmabhuvādiṣṭaḥ
parikramya girāṁ patim
bāḍham ity amum āmantrya
viveśa tapase vanam

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Śrī Maitreya disse; evam — assim; ātma-bhuvā — por Brahmā; ādiṣṭaḥ — sendo assim solicitado; parikramya — circum-ambulando; girām — dos Vedas; patim — ao mestre; bāḍham — está bem; iti — assim; amum — a Brahmā; āmantrya — dirigindo-se assim; viveśa — entrou em; tapase — com o intuito de praticar penitência; vanam — na floresta.

Tradução

Śrī Maitreya disse: Assim, Rudra, tendo recebido ordens de Brahmā, circum-ambulou seu pai, o mestre dos Vedas. Dirigindo-se a ele com palavras de concordância, ele entrou na floresta para praticar austeras penitências.

Texto

athābhidhyāyataḥ sargaṁ
daśa putrāḥ prajajñire
bhagavac-chakti-yuktasya
loka-santāna-hetavaḥ

Sinônimos

atha — assim; abhidhyāyataḥ — enquanto pensava em; sargam — criação; daśa — dez; putrāḥ — filhos; prajajñire — foram gerados; bhagavat — relativa à Personalidade de Deus; śakti — potência; yuktasya — dotado de poder; loka — o mundo; santāna — geração; hetavaḥ — as causas.

Tradução

Brahmā, que foi dotado de poder pela Suprema Personalidade de Deus, pensou em gerar entidades vivas e produziu dez filhos para a extensão das gerações.

Texto

marīcir atry-aṅgirasau
pulastyaḥ pulahaḥ kratuḥ
bhṛgur vasiṣṭho dakṣaś ca
daśamas tatra nāradaḥ

Sinônimos

marīciḥ, atri, aṅgirasau, pulastyaḥ, pulahaḥ, kratuḥ, bhṛguḥ, vasiṣṭhaḥ, dakṣaḥ — nomes de filhos de Brahmā; ca — e; daśamaḥ — o décimo; tatra — ali; nāradaḥ — Nārada.

Tradução

Marīci, Atri, Aṅgirā, Pulastya, Pulaha, Kratu, Bhṛgu, Vasiṣṭha, Dakṣa e Nārada, o décimo filho, nasceram então.

Comentário

Todo o processo da criação, manutenção e dissolução da manifestação cósmica destina-se a dar às almas condicionadas uma oportunidade de voltarem ao lar, de voltarem ao Supremo. Brahmā criou Rudra para ajudá-lo em seu esforço criativo, mas, desde o início, Rudra começou a devorar toda a criação, e assim foi preciso impedi-lo de executar tais atividades devastadoras. Portanto, Brahmā criou outro grupo de bons filhos, que na maioria eram a favor de atividades fruitivas mundanas. Contudo, sabia muito bem que, sem o serviço devocional ao Senhor, dificilmente haveria algum benefício para as almas condicionadas, daí ter criado finalmente seu digno filho Nārada, que é o mestre espiritual supremo de todos os transcendentalistas. Sem o serviço devocional ao Senhor não se pode progredir em nenhum ramo de atividade, embora o caminho do serviço devocional seja sempre independente de qualquer coisa material. Apenas o transcendental serviço amoroso ao Senhor pode conceder a real meta da vida, e assim o serviço prestado por Śrīman Nārada Muni é o mais elevado entre os de todos os filhos de Brahmā.

Texto

utsaṅgān nārado jajñe
dakṣo ’ṅguṣṭhāt svayambhuvaḥ
prāṇād vasiṣṭhaḥ sañjāto
bhṛgus tvaci karāt kratuḥ

Sinônimos

utsaṅgāt — pela deliberação transcendental; nāradaḥ — Mahāmuni Nārada; jajñe — foi gerado; dakṣaḥ — Dakṣa; aṅguṣṭhāt — do polegar; svayambhuvaḥ — de Brahmā; prāṇāt — do ar vital, ou respiração; vasiṣṭhaḥ — Vasiṣṭha; sañjātaḥ — nasceu; bhṛguḥ — o sábio Bhṛgu; tvaci — do tato; karāt — da mão; kratuḥ — o sábio Kratu.

Tradução

Nārada nasceu da deliberação de Brahmā, que é a melhor parte de seu corpo. Vasiṣṭha nasceu de sua respiração; Dakṣa, de um polegar; Bhṛgu, de seu tato, e Kratu, de sua mão.

Comentário

Nārada nasceu da melhor deliberação de Brahmā porque Nārada era capaz de dar o Senhor Supremo a qualquer pessoa que quisesse. Não se pode compreender a Suprema Personalidade de Deus por nenhuma soma de conhecimento védico ou por nenhum número de penitências. Não obstante, um devoto puro do Senhor, como Nārada, pode dar o Senhor Supremo de acordo com seu próprio desejo. O próprio nome Nārada sugere que ele pode dar o Senhor Supremo. Nāra significa o “Senhor Supremo”, e da significa “aquele que pode dar”. O fato de ele poder dar o Senhor Supremo não significa que o Senhor é como uma mercadoria que pode ser vendida a qualquer pessoa. Porém, Nārada pode dar a qualquer pessoa o transcendental serviço amoroso ao Senhor, como servo, amigo, pai (mãe) ou amante, conforme a pessoa deseje devido a seu próprio amor transcendental pelo Senhor. Em outras palavras, é unicamente Nārada quem pode transmitir o caminho de bhakti-yoga, o meio místico mais elevado para a obtenção do Senhor Supremo.

Texto

pulaho nābhito jajñe
pulastyaḥ karṇayor ṛṣiḥ
aṅgirā mukhato ’kṣṇo ’trir
marīcir manaso ’bhavat

Sinônimos

pulahaḥ — o sábio Pulaha; nābhitaḥ — do umbigo; jajñe — gerado; pulastyaḥ — o sábio Pulastya; karṇayoḥ — dos ouvidos; ṛṣiḥ — o grande sábio; aṅgirāḥ — o sábio Aṅgirā; mukhataḥ — da boca; akṣṇaḥ — dos olhos; atriḥ — o sábio Atri; marīciḥ — o sábio Marīci; manasaḥ — a partir da mente; abhavat — apareceu.

Tradução

Pulastya foi gerado dos ouvidos, Aṅgirā da boca, Atri dos olhos, Marīci da mente, e Pulaha do umbigo de Brahmā.

Texto

dharmaḥ stanād dakṣiṇato
yatra nārāyaṇaḥ svayam
adharmaḥ pṛṣṭhato yasmān
mṛtyur loka-bhayaṅkaraḥ

Sinônimos

dharmaḥ — religião; stanāt — do peito; dakṣiṇataḥ — no lado direito; yatra — onde; nārāyaṇaḥ — o Senhor Supremo; svayam — pessoalmente; adharmaḥ — irreligião; pṛṣṭhataḥ — das costas; yasmāt — das quais; mṛtyuḥ — morte; loka — para a entidade viva; bhayamkaraḥ – horrível.

Tradução

A religião manifestou-se do peito de Brahmā, onde está sentada a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, e a irreligião apareceu de suas costas, onde mortes terríveis se dão para a entidade viva.

Comentário

É muito significativo que a religião tenha se manifestado do lugar onde a Personalidade de Deus está pessoalmente situada, porque religião significa serviço devocional à Personalidade de Deus, como se confirma na Bhagavad-gītā, bem como no Bhāgavatam. Na Bhagavad-gītā, a instrução final é que se abandonem todas as outras ocupações em nome da religião e refugie-se na Personalidade de Deus. O Śrīmad-Bhāgavatam também confirma que a perfeição máxima da religião é aquela que conduz ao serviço devocional ao Senhor, imotivado e livre de impedimentos materiais. Religião, em sua forma perfeita, é o serviço devocional ao Senhor, e irreligião é justamente o oposto. O coração é a parte mais importante do corpo, ao passo que as costas são a parte mais desdenhada. Quando uma pessoa é atacada por um inimigo, ela é incapaz de suportar ataques pelas costas, mas pode proteger-se cuidadosamente dos ataques contra o peito. Todos os tipos de irreligião nascem das costas de Brahmā, ao passo que a verdadeira religião, o serviço devocional ao Senhor, gera-se do peito, o assento de Nārāyaṇa. Qualquer coisa que não conduza ao serviço devocional ao Senhor é irreligião, e qualquer coisa que conduza ao serviço devocional ao Senhor chama-se religião.

Texto

hṛdi kāmo bhruvaḥ krodho
lobhaś cādhara-dacchadāt
āsyād vāk sindhavo meḍhrān
nirṛtiḥ pāyor aghāśrayaḥ

Sinônimos

hṛdi — do coração; kāmaḥ — luxúria; bhruvaḥ — das sobrancelhas; krodhaḥ — ira; lobhaḥ — cobiça; ca — também; adharadacchadāt – dentre os lábios; āsyāt — da boca; vāk — fala; sindhavaḥ — os mares; meḍhrāt — do pênis; nirṛtiḥ — atividades baixas; pāyoḥ — do anus; agha-āśrayaḥ — reservatório de todos os vícios.

Tradução

A luxúria e o desejo manifestaram-se do coração de Brahmā, a ira do meio de suas sobrancelhas, a cobiça dentre seus lábios, o poder de falar de sua boca, o oceano de seu pênis, e as atividades baixas e abomináveis de seu ânus, a fonte de todos os pecados.

Comentário

Uma alma condicionada está sob a influência da especulaçã mental. Por mais grandiosa que uma pessoa seja segundo a estimativa da educação e da erudição mundanas, ela não pode estar livre da influência das atividades físicas. Portanto, é muito difícil abandonar a luxúria e os desejos de atividades inferiores até que se esteja na trilha do serviço devocional ao Senhor. Quando uma pessoa se frustra na luxúria e nos desejos inferiores, sua mente produz a ira, que se expressa dentre as sobrancelhas. Os homens ordinários, portanto, são aconselhados a concentrar a mente focalizando-a no lugar entre as sobrancelhas, ao passo que os devotos do Senhor já têm prática em colocar a Suprema Personalidade de Deus no assento de suas mentes A teoria de tornar-se livre de desejos é insustentável porque a mente não pode tornar-se desprovida de desejos. Quando se recomenda que alguém seja livre de desejos, subentende-se que não se deve desejar coisas que sejam destrutivas para os valores espirituais. O devoto do Senhor sempre tem o Senhor em sua mente, e assim não precisa desvencilhar-se dos desejos, visto que todos os seus desejos têm relação com o serviço ao Senhor. O poder de falar chama-se Sarasvatī, ou a deusa da sabedoria, e o lugar de nascimento da deusa da sabedoria é a boca de Brahmā. Mesmo que um homem seja dotado com o favor da deusa da sabedoria, é bem possível que seu coração seja cheio de luxúria e desejo material, e suas sobrancelhas manifestem sintomas de ira. Pode ser que alguém seja muito erudito de acordo com o cálculo mundano, mas isso não significa que esteja livre de todas as atividades inferiores da luxúria e da ira. Podem-se esperar boas qualificações apenas de um devoto puro, que está sempre ocupado em pensar no Senhor, ou em samādhi, com fé.

Texto

chāyāyāḥ kardamo jajñe
devahūtyāḥ patiḥ prabhuḥ
manaso dehataś cedaṁ
jajñe viśva-kṛto jagat

Sinônimos

chāyāyāḥ — pela sombra; kardamaḥ — Kardama Muni; jajñe — manifestou-se; devahūtyāḥ — de Devahūti; patiḥ — esposo; prabhuḥ — o mestre; manasaḥ — da mente; dehataḥ — do corpo; ca — também; idam — este; jajñe — desenvolveu-se; viśva — o universo; kṛtaḥ — do criador; jagat — a manifestação cósmica.

Tradução

O sábio Kardama, esposo da grande Devahūti, manifestou-se da sombra de Brahmā. Desse modo, todos se manifestaram ou do corpo ou da mente de Brahmā.

Comentário

Embora um dos três modos da natureza material seja sempre proeminente, eles nunca se apresentam incontaminados por outro. Mesmo na mais proeminente existência das duas qualidades inferiores, os modos da paixão e da ignorância, às vezes há um vestígio do modo da bondade. Portanto, todos os filhos gerados do corpo ou da mente de Brahmā estavam nos modos da paixão e ignorância, mas alguns deles, como Kardama, nasceram no modo da bondade. Nārada nasceu no estado transcendental de Brahmā.

Texto

vācaṁ duhitaraṁ tanvīṁ
svayambhūr haratīṁ manaḥ
akāmāṁ cakame kṣattaḥ
sa-kāma iti naḥ śrutam

Sinônimos

vācam — Vāk; duhitaram — à filha; tanvīm — nascida de seu corpo; svayambhūḥ — Brahmā; haratīm — atraindo; manaḥ — sua mente; akāmām — sem estar sexualmente atraída; cakame — desejou; kṣattaḥ — ó Vidura; sa-kāmaḥ — estando sexualmente atraído; iti — assim; naḥ — nós; śrutam — ouvimos.

Tradução

Ó Vidura, ouvimos que Brahmā teve uma filha chamada Vāk, a qual nasceu de seu corpo e que atraiu sua mente para o sexo, embora ela não se sentisse sexualmente atraída por ele.

Comentário

Balavān indriya-grāmo vidvāṁsam api karṣati (Śrīmad-Bhāgavatam 9.19.17) Afirma-se que os sentidos são tão ensandecidos e fortes que podem confundir até mesmo o homem mais sensato e erudito. Portanto, aconselha-se que um homem não deve concordar em viver sozinho nem mesmo com sua mãe, irmã ou filha. Vidvāṁsam api karṣati significa que mesmo os mais eruditos também se tornam vítimas do impulso sexual. Maitreya hesitou em afirmar essa anomalia por parte de Brahmā, de estar sexualmente atraído por sua própria filha, mas, ainda assim, ele a mencionou porque às vezes isso acontece, e o exemplo vívido é o próprio Brahmā, embora ele seja o ser vivo primordial e o mais erudito em todo o universo. Se Brahmā chegou a ser uma vítima do impulso sexual, o que dizer de outros, que são propensos a tantas fraquezas mundanas? Essa extraordinária imoralidade por parte de Brahmā, segundo se ouviu, ocorreu em algum kalpa em particular, mas não poderia ter acontecido no kalpa em que Brahmā ouviu diretamente do Senhor os quatro versos essenciais do Śrīmad-Bhāgavatam, pois o Senhor abençoou Brahmā, após dar-lhe lições sobre o Bhāgavatam, que ele nunca mais seria desorientado em nenhum outro kalpa. Isso indica que, antes da audição do Śrīmad-Bhāgavatam, ele teria caído vítima de tal sensualidade, mas, após ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam diretamente do Senhor, não havia mais a possibilidade de tal falha.

Devemos tomar nota deste incidente, portanto, com muita seriedade. O ser humano é um animal social, e sua mistura irrestrita com o belo sexo leva à queda. Essa liberdade social de homem e mulher, especialmente entre a juventude, é certamente um grande obstáculo no caminho do progresso espiritual. O cativeiro material deve-se unicamente ao cativeiro sexual, e, devido a isso, a associação irrestrita entre homem e mulher é indubitavelmente um grande impedimento. Maitreya citou este exemplo da parte de Brahmā justamente para conscientizar-nos deste grande perigo.

Texto

tam adharme kṛta-matiṁ
vilokya pitaraṁ sutāḥ
marīci-mukhyā munayo
viśrambhāt pratyabodhayan

Sinônimos

tam — a ele; adharme — quanto à imoralidade; kṛtamatim – a mente estando assim entregue; vilokya — vendo assim; pitaram — ao pai; sutāḥ — filhos; marīcimukhyāḥ – encabeçados por Marīci; munayaḥ — sábios; viśrambhāt — com o devido respeito; pratyabodhayan — falaram o seguinte.

Tradução

Assim, vendo seu pai de tal modo iludido num ato de imoralidade, os sábios encabeçados por Marīci, todos filhos de Brahmā, falaram o seguinte, com grande respeito.

Comentário

Os sábios como Marīci não agiram erroneamente ao apresentar seus protestos contra os atos de seu grande pai. Eles sabiam muito bem que, muito embora seu pai tivesse cometido um erro, devia haver algum grande propósito por trás do acontecimento, pois, de outro modo, tal grande personalidade não poderia ter cometido semelhante erro. Podia ser que Brahmā quisesse advertir seus subordinados sobre as fraquezas humanas em seus relacionamentos com mulheres. Isso sempre é muito perigoso para pessoas que estão no caminho da autorrealização. Portanto, grandes personalidades como Brahmā, mesmo quando em erro, não devem ser menosprezadas, tampouco os grandes sábios encabeçados por Marīci podiam mostrar qualquer desrespeito por causa de seu comportamento extraordinário.

Texto

naitat pūrvaiḥ kṛtaṁ tvad ye
na kariṣyanti cāpare
yas tvaṁ duhitaraṁ gaccher
anigṛhyāṅgajaṁ prabhuḥ

Sinônimos

na — nunca; etat — tal coisa; pūrvaiḥ — por nenhum outro Brahmā, ou por vós em algum kalpa anterior; kṛtam — executado; tvat — por vós; ye — aquilo que; na — nem; kariṣyanti — fará; ca — também; apare — ninguém mais; yaḥ — aquilo que; tvam — vós; duhitaram — à filha; gaccheḥ — iria; anigṛhya — sem controlar; aṅgajam — desejo sexual; prabhuḥ — ó pai.

Tradução

Ó pai, isto que estais vos esforçando por fazer para complicar-vos nunca foi tentado por nenhum outro Brahmā, nem por alguém mais, nem por vós em kalpas anteriores, e tampouco alguém ousará tentar isso no futuro. Sois o ser supremo no universo; como, então, quereis fazer sexo com vossa filha e não podeis controlar vosso desejo?

Comentário

O posto de Brahmā é aposição suprema no universo, e parece que há muitos Brahmās e muitos universos além deste em que estamos situados. A pessoa que ocupa este posto deve ter comportamento ideal, pois Brahmā estabelece o exemplo para todas as entidades vivas. Confia-se a Brahmā, a entidade viva mais piedosa e mais elevada espiritualmente, o posto mais próximo ao da Personalidade de Deus.

Texto

tejīyasām api hy etan
na suślokyaṁ jagad-guro
yad-vṛttam anutiṣṭhan vai
lokaḥ kṣemāya kalpate

Sinônimos

tejīyasām — do mais poderoso; api — também; hi — certamente; etat — tal ato; na — não é digno; su-ślokyam — bom comportamento; jagatguro – ó mestre espiritual do universo; yat — cujo; vṛttam — caráter; anutiṣṭhan — seguindo; vai — certamente; lokaḥ — o mundo; kṣemāya — para a prosperidade; kalpate — tornar-se apto.

Tradução

Muito embora sejais o ser mais poderoso, esse ato não é digno de vós, porque vosso caráter serve como exemplo para o aperfeiçoamento espiritual das pessoas em geral.

Comentário

Afirma-se que uma entidade viva supremamente poderosa pode fazer qualquer coisa que queira e tais atos não a afetam de forma alguma. Por exemplo, o Sol, o poderosíssimo planeta ígneo no universo, pode evaporar água de qualquer parte e, ainda assim, manter o mesmo poder. O Sol evapora a água de lugares imundos, apesar do que não é contaminado com a qualidade da imundície. De forma semelhante, Brahmā permanece impecável em todas as condições. Porém, mesmo assim, uma vez que ele é o mestre espiritual de todas as entidades vivas, seu comportamento e seu caráter devem ser tão ideais que as pessoas sigam esse comportamento sublime e obtenham o máximo benefício espiritual. Portanto, ele não deveria ter agido como o fez.

Texto

tasmai namo bhagavate
ya idaṁ svena rociṣā
ātma-sthaṁ vyañjayām āsa
sa dharmaṁ pātum arhati

Sinônimos

tasmai — a Ele; namaḥ — reverências; bhagavate — à Personalidade de Deus; yaḥ — que; idam — esta; svena — por Sua própria; rociṣā — refulgência; ātma-stham — situado em Si mesmo; vyañjayām āsa — tem manifestado; saḥ — Ele; dharmam — religião; pātum — para a proteção; arhati — faça o obséquio de fazê-lo.

Tradução

Ofereçamos nossas respeitosas reverências à Personalidade de Deus, quem, através de Sua própria refulgência, enquanto situado em Si mesmo, tem manifestado este cosmos. Que Ele também proteja a religião para o bem de todos.

Comentário

O apetite pelo intercurso sexual é tão forte que aqui se dá a entender que Brahmā não pôde ser dissuadido de sua determinação apesar do apelo de seus grandes filhos, como Marīci. Portanto, os grandes filhos começaram a orar ao Senhor Supremo pelo bom senso de Brahmā. É unicamente pela graça do Senhor Supremo que alguém pode ser protegido do encanto de desejos materiais luxuriosos. O Senhor protege os devotos que sempre estão ocupados em Seu transcendental serviço amoroso, e, por Sua misericórdia sem causa, Ele perdoa a queda acidental de um devoto. Portanto, sábios come Marīci oraram pela misericórdia do Senhor, e suas orações foram frutíferas.

Texto

sa itthaṁ gṛṇataḥ putrān
puro dṛṣṭvā prajāpatīn
prajāpati-patis tanvaṁ
tatyāja vrīḍitas tadā
tāṁ diśo jagṛhur ghorāṁ
nīhāraṁ yad vidus tamaḥ

Sinônimos

saḥ — ele (Brahmā); ittham — assim; gṛṇataḥ — falando; putrān — filhos; puraḥ — antes; dṛṣṭvā — vendo; prajāpatīn – todos os progenitores das entidades vivas; prajāpati-patiḥ — o pai de todas elas (Brahmā); tanvam — corpo; tatyāja — abandonou; vrīḍitaḥ — envergonhado; tadā — naquele momento; tām — aquele corpo; diśaḥ — todas as direções; jagṛhuḥ — aceito; ghorām — censurável; nīhāram — nevoeiro; yat — que; viduḥ — eles conhecem como; tamaḥ — escuridão.

Tradução

Vendo todos os seus filhos Prajāpatis orando dessa maneira, Brahmā, o pai de todos os Prajāpatis, ficou muito envergonhado e imediatamente abandonou o corpo que aceitara. Mais tarde, aquele corpo apareceu em todas as direções como o perigoso nevoeiro na escuridão.

Comentário

A melhor maneira de compensar um ato pecaminoso é abandonar o corpo imediatamente, e Brahmā, o líder das entidades vivas, demonstrou isso através de seu exemplo pessoal. Brahmā tem uma fabulosa duração de vida, mas foi obrigado a abandonar seu corpo devido a seu grave pecado, muito embora ele apenas o tivesse contemplado em sua mente sem tê-lo realmente cometido.

Esta é uma lição para as entidades vivas, mostrando quão pecaminoso é o ato de condescender com a vida sexual irrestrita. Mesmo pensar na abominável vida sexual é pecaminoso, e, para compensar esses atos pecaminosos, a pessoa tem de abandonar seu corpo. Em outras palavras, os atos pecaminosos diminuem a duração de nossa vida, as bênçãos, opulências etc., e o tipo mais perigoso de ato pecaminoso é o sexo irrestrito.

A ignorância é a causa da vida pecaminosa, ou a vida pecaminosa é a causa da ignorância grosseira. O aspecto da ignorância é a escuridão, ou o nevoeiro. A escuridão ou o nevoeiro ainda cobrem todo o universo, e o Sol é o único princípio oponente. Aquele que se refugia no Senhor, a luz perpétua, não teme ser aniquilado na escuridão do nevoeiro, ou da ignorância.

Texto

kadācid dhyāyataḥ sraṣṭur
vedā āsaṁś catur-mukhāt
kathaṁ srakṣyāmy ahaṁ lokān
samavetān yathā purā

Sinônimos

kadācit — certa vez; dhyāyataḥ — enquanto contemplava; sraṣṭuḥ — de Brahmā; vedāḥ — a literatura védica; āsan — manifestaram-se; catuḥmukhāt – das quatro bocas; katham srakṣyāmi — como criarei; aham — eu próprio; lokān — todos esses mundos; samavetān — reunidos; yathā — como eles eram; purā — no passado.

Tradução

Certa vez, quando Brahmā pensava na maneira de criar os mundos como no milênio passado, os quatro Vedas, que contêm todas as variedades de conhecimento, manifestaram-se de suas quatro bocas.

Comentário

Assim como o fogo pode consumir toda e qualquer coisa sem ser contaminado, da mesma forma, pela graça do Senhor, o fogo da grandeza de Brahmā consumiu seu desejo do ato pecaminoso de fazer sexo com sua filha. Os Vedas são a fonte de todo o conhecimento, e primeiramente eles foram revelados a Brahmā pela misericórdia da Suprema Personalidade de Deus, enquanto Brahmā pensava em recriar o mundo material. Brahmā é poderoso em virtude de seu serviço devocional ao Senhor, e o Senhor está sempre pronto a perdoar Seu devoto se por acaso ele cai do nobre caminho do serviço devocional. O Śrīmad-Bhāgavatam (11.5.42) confirma isso da seguinte maneira:

sva-pāda-mūlaṁ bhajataḥ priyasya
tyaktvānya-bhāvasya hariḥ pareśaḥ
vikarma yac cotpatitaṁ kathañ-cid
dhunoti sarvaṁ hṛdi sannviṣṭaḥ

“Qualquer pessoa cem por cento ocupada no transcendental serviço amoroso ao Senhor, a Seus pés de lótus, é muito querida pela Personalidade de Deus, Hari, e o Senhor, estando situado no coração do devoto, perdoa toda espécie de pecados cometidos inadvertidamente.” Nunca se esperava que uma grande personalidade como Brahmā alguma vez pensasse em condescendência sexual com sua filha. O exemplo mostrado por Brahmā somente sugere que o poder da natureza material é tão forte que pode atuar sobre todos, mesmo sobre Brahmā. Brahmā foi salvo pela misericórdia do Senhor, com uma pequena punição, mas, pela graça do Senhor, ele não perdeu seu prestígio como o grande Brahmā.

Texto

cātur-hotraṁ karma-tantram
upaveda-nayaiḥ saha
dharmasya pādāś catvāras
tathaivāśrama-vṛttayaḥ

Sinônimos

cātuḥ — quatro; hotram — parafernália para o sacrifício; karma — ação; tantram — expansões de tais atividades; upaveda — suplementar aos Vedas; nayaiḥ — por conclusões lógicas; dharmasya — da religiosidade; pādāḥ — princípios; catvāraḥ — quatro; tathā eva — da mesma maneira; āśrama — ordens sociais; vṛttayaḥ — ocupações.

Tradução

Os quatro tipos de parafernália para conduzir o sacrifício de fogo manifestaram-se: o executante (o entoador), o oferecedor, o fogo e a ação executada em termos dos Vedas suplementares. Manifestaram-se também os quatro princípios da religiosidade [verdade, austeridade, misericórdia e limpeza] e os deveres das quatro ordens sociais.

Comentário

Comer, dormir, defender-se e acasalar-se são os quatro princípios de demandas do corpo material que são comuns tanto aos animais quanto à sociedade humana. Para distinguir entre a sociedade dos animais e a humana, existe a execução de atividades religiosas em termos dos status sociais e ordens de vida, os quais são claramente mencionados nos textos védicos e foram manifestos por Brahmā quando os quatro Vedas foram gerados de suas quatro bocas. Assim, os deveres da humanidade, em termos dos status e ordens sociais, foram estabelecidos para serem observados pelo homem civilizado. Aqueles que tradicionalmente seguem esses princípios chamam-se arianos, ou seja, seres humanos progressistas.

Texto

vidura uvāca
sa vai viśva-sṛjām īśo
vedādīn mukhato ’sṛjat
yad yad yenāsṛjad devas
tan me brūhi tapo-dhana

Sinônimos

viduraḥ uvāca — Vidura disse; saḥ — ele (Brahmā); vai — certamente; viśva — o universo; sṛjām — daqueles que criaram; īśaḥ — o controlador; veda-ādīn — os Vedas etc.; mukhataḥ — da boca; asṛjat — estabeleceu; yat — aquilo; yat — que; yena — por que; asṛjat — criou; devaḥ — o deus; tat — aquele; me — a mim; brūhi — explica, por favor; tapaḥ-dhana — ó sábio cuja única riqueza é a penitência.

Tradução

Vidura disse: Ó grande sábio cuja única riqueza é a penitência, por favor, explica-me como e com a ajuda de quem Brahmā estabeleceu o conhecimento védico que emanou de sua boca.

Texto

maitreya uvāca
ṛg-yajuḥ-sāmātharvākhyān
vedān pūrvādibhir mukhaiḥ
śāstram ijyāṁ stuti-stomaṁ
prāyaścittaṁ vyadhāt kramāt

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; ṛk-yajuḥsāmaatharva – os quatro Vedas; ākhyān — chamados; vedān — textos védicos; pūrva-ādibhiḥ — começando com o primeiro; mukhaiḥ — pelas bocas; śāstram — hinos védicos não pronunciados antes; ijyām — rituais sacerdotais; stuti-stoman — o tema dos recitadores; prāyaścittam — atividades transcendentais; vyadhāt — estabeleceram-se; kramāt — um após o outro.

Tradução

Maitreya disse: Começando do primeiro rosto de Brahmā, gradualmente os quatro Vedas – Ṛk, Yajur, Sāma e Atharva – manifestaram-se. Em seguida, os hinos védicos que não tinham sido pronunciados antes, os rituais sacerdotais, os temas de recitação e as atividades transcendentais estabeleceram-se todos, um após o outro.

Texto

āyur-vedaṁ dhanur-vedaṁ
gāndharvaṁ vedam ātmanaḥ
sthāpatyaṁ cāsṛjad vedaṁ
kramāt pūrvādibhir mukhaiḥ

Sinônimos

āyuḥvedam – ciência médica; dhanuḥvedam – ciência militar; gāndharvam — arte musical; vedam — todas elas são conhecimento védico; ātmanaḥ — de seu próprio; sthāpatyam — arquitetônica; ca — também; asṛjat — criou; vedam — conhecimento; kramāt — respectivamente; pūrva-ādibhiḥ — começando do primeiro rosto; mukhaiḥ — pelas bocas.

Tradução

Ele também criou a ciência médica, a arte militar, a arte musical e a ciência arquitetônica, tudo a partir dos Vedas. Todas essas coisas emanaram uma após a outra, começando do primeiro rosto.

Comentário

Os Vedas contêm conhecimento perfeito, que inclui toda espécie de conhecimentos necessários para a sociedade humana, não apenas neste planeta em particular, mas também em outros planetas. Compreende-se que a arte militar também é conhecimento necessário para a manutenção da ordem social, assim como a arte da música. Todos esses grupos de conhecimento chamam-se Upapurāṇa, ou suplementos dos Vedas. O conhecimento espiritual é o principal tópico dos Vedas, mas, para ajudar a busca de conhecimento espiritual do ser humano, a outra informação, como mencionada acima, forma os ramos necessários do conhecimento védico.

Texto

itihāsa-purāṇāni
pañcamaṁ vedam īśvaraḥ
sarvebhya eva vaktrebhyaḥ
sasṛje sarva-darśanaḥ

Sinônimos

itihāsa — histórias; purāṇāni — os Purāṇas (Vedas suplementares); pañcamam — o quinto; vedam — a literatura védica; īśvaraḥ — o Senhor; sarvebhyaḥ — todos juntos; eva — certamente; vaktrebhyaḥ — de suas bocas; sasṛje — criou; sarva — ao redor; darśanaḥ — aquele que pode ver todos os tempos

Tradução

Então, ele criou por todas as suas bocas o quinto Veda – os Purāṇas e as histórias –, uma vez que podia ver todo o passado, presente e futuro.

Comentário

Há histórias de países e nações particulares e do mundo, mas os Purāṇas são as histórias do universo, não apenas em um milênio, mas em muitos kalpas. Brahmā tem conhecimento desses fatos históricos, em razão do que todos os Purāṇas são histórias. Conforme originalmente compostos por Brahmā, eles fazem parte dos Vedas e são chamados de o quinto Veda.

Texto

ṣoḍaśy-ukthau pūrva-vaktrāt
purīṣy-agniṣṭutāv atha
āptoryāmātirātrau ca
vājapeyaṁ sagosavam

Sinônimos

ṣoḍaśī-ukthau — tipos de sacrifício; pūrvavaktrāt – da boca oriental; purīṣiagniṣṭutau – tipos de sacrifício; atha — então; āptoryāma-atirātrau — tipos de sacrifício; ca — e; vājapeyam — tipo de sacrifício; sagosavam – tipo de sacrifício.

Tradução

Todas as diferentes variedades de sacrifícios [ṣoḍaśī, uktha, purīṣi, agniṣṭoma, āptoryāma, atirātra, vājapeya e gosava] manifestaram-se da boca oriental de Brahmā.

Texto

vidyā dānaṁ tapaḥ satyaṁ
dharmasyeti padāni ca
āśramāṁś ca yathā-saṅkhyam
asṛjat saha vṛttibhiḥ

Sinônimos

vidyā — educação; dānam — caridade; tapaḥ — penitência; satyam — verdade; dharmasya — da religião; iti — assim; padāni — quatro pernas; ca — também; āśramān — ordens de vida; ca — também; yathā — como elas são; saṅkhyam — em número; asṛjat — criou; saha — juntamente com; vṛttibhiḥ — pelas vocações.

Tradução

Educação, caridade, penitência e verdade são tidas como as quatro pernas da religião, e, para aprender isso, há quatro ordens de vida com diferentes classificações em castas de acordo com a vocação. Brahmā criou-os todos em ordem sistemática.

Comentário

O núcleo das quatro ordens sociais – brahmacarya, ou vida de estudante; gṛhastha, ou vida familiar; vānaprastha, ou vida retirada para prática de penitência, e sannyāsa, ou vida renunciada para pregar a verdade – constitui as quatro pernas da religião. As divisões vocacionais são os brāhmaṇas, ou a classe inteligente; os kṣatriyas, ou a classe administrativa; os vaiśyas, ou a classe mercantil e produtora, e os śūdras, ou a classe trabalhadora em geral, que não tem qualificações específicas. Todos foram sistematicamente planejados e criados por Brahmā para a promoção regular da autorrealização. A vida de estudante destina-se a adquirir a melhor educação; a vida familiar destina-se ao gozo dos sentidos, desde que isso seja executado com uma disposição mental caridosa; o afastamento da vida familiar destina-se à penitência, para avanço em vida espiritual, e a vida renunciada destina-se a pregar a Verdade Absoluta para as pessoas em geral. As ações conjuntas de todos os membros da socidade tornam toda a situação favorável para a elevação da missão da vida humana. O início desta instituição social baseia-se na educação destinada a purificar as propensões animais do ser humano. O processo purificatório mais elevado é o conhecimento da Suprema Personalidade de Deus, o mais puro dos puros.

Texto

sāvitraṁ prājāpatyaṁ ca
brāhmaṁ cātha bṛhat tathā
vārtā sañcaya-śālīna-
śiloñcha iti vai gṛhe

Sinônimos

sāvitram — a cerimônia do cordão dos duas vezes nascidos; prājāpatyam — para executar o voto por um ano; ca — e; brāhmam — aceitação dos Vedas; ca — e; atha — também; bṛhat — completa abstinência da vida sexual; tathā — então; vārtā — vocação em termos da sanção védica; sañcaya — dever profissional; śālīna — subsistência sem pedir cooperação de ninguém; śilauñchaḥ – coleta de cereais rejeitados; iti — assim; vai — muito embora; gṛhe — na vida familiar.

Tradução

Então, inaugurou-se a cerimônia do cordão para os duas vezes nascidos, bem como as regras a serem seguidas por pelo menos um ano após a aceitação dos Vedas, as regras para observar completa abstinência da vida sexual, as vocações em termos dos preceitos védicos, os vários deveres profissionais na vida familiar, e o método de manter a subsistência sem a cooperação de ninguém através da coleta de cereais rejeitados.

Comentário

Durante a vida de estudante, os brahmacārīs recebiam instruções completas sobre a importância da forma de vida humana. Assim, a educação básica era destinada a encorajar o estudante a livrar-se dos embaraços familiares. Somente os estudantes incapazes de aceitar tal voto na vida recebiam permissão de ir para casa e casar-se com uma esposa adequada. De outro modo, o estudante continuava um brahmacārī perpétuo, observando completa abstinência da vida sexual por toda a sua vida. Tudo isso dependia da qualidade do treinamento do estudante. Tivemos oportunidade de encontrar um brahmacārī declarado na pessoa de nosso mestre espiritual, Oṁ Viṣṇupāda Śrī Śrīmad Bhaktisiddhānta Gosvāmī Mahārāja. Uma grande alma assim é chamada naiṣṭhika-brahmacārī.

Texto

vaikhānasā vālakhilyau-
dumbarāḥ phenapā vane
nyāse kuṭīcakaḥ pūrvaṁ
bahvodo haṁsa-niṣkriyau

Sinônimos

vaikhānasāḥ — a seção de homens que se retiram da vida ativa e vivem de refeições semicozidas; vālakhilya — aquele que abandona seu velho estoque de cereais ao receber mais; audumbarāḥ — aquele que vive daquilo que obtém da direção para a qual ele se volta após levantar-se da cama; phenapāḥ — aquele que vive dos frutos que automaticamente caem da árvore; vane — na floresta; nyāse — na ordem da renúncia; kuṭīcakaḥ — vida na família sem apego; pūrvam — no começo; bahvodaḥ — abandonando todas as atividades materiais e ocupando-se plenamente no serviço transcendental; haṁsa — plenamente ocupado no conhecimento transcendental; niṣkriyau — parar todos os tipos de atividades.

Tradução

As quatro divisões da vida retirada são os vaikhānasas, vālakhilyas, audumbaras e phenapas. As quatro divisões da ordem de vida renunciada são os kuṭīcakas, bahvodas, haṁsas e niṣkriyas. Todas elas se manifestaram de Brahmā.

Comentário

O varṇāśrama-dharma, ou a instituição das quatro classes e quatro ordens de vida social e espiritual, não é uma inovação da era moderna, como é proposto pelos menos inteligentes. Ele é uma instituição estabelecida por Brahmā desde o início da criação. Isso também se confirma na Bhagavad-gītā (4.13): cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭam.

Texto

ānvīkṣikī trayī vārtā
daṇḍa-nītis tathaiva ca
evaṁ vyāhṛtayaś cāsan
praṇavo hy asya dahrataḥ

Sinônimos

ānvīkṣikī — lógica; trayī — as três metas, a saber, religião, economia e salvação; vārtā — gozo dos sentidos; daṇḍa — lei e ordem; nītiḥ — códigos morais; tathā — bem como; eva ca — respectivamente; evam — assim; vyāhṛtayaḥ — os célebres hinos bhūḥ, bhuvaḥ e svaḥ; ca — também; āsan — vieram à existência; praṇavaḥ — o oṁkāra; hi — certamente; asya — dele (Brahmā); dahrataḥ — do coração.

Tradução

A ciência da argumentação lógica, as metas védicas da vida, e também a lei e a ordem, os códigos morais e os célebres hinos bhūḥ, bhuvaḥ e svaḥ manifestaram-se todos das bocas de Brahmā, e o praṇava oṁkāra manifestou-se de seu coração.

Texto

tasyoṣṇig āsīl lomabhyo
gāyatrī ca tvaco vibhoḥ
triṣṭum māṁsāt snuto ’nuṣṭub
jagaty asthnaḥ prajāpateḥ

Sinônimos

tasya — seu; uṣṇik — uma das métricas védicas; āsīt — gerada; lomabhyaḥ — dos pelos do corpo; gāyatrī — o principal hino védico; ca — também; tvacaḥ — da pele; vibhoḥ — do senhor; triṣṭup — um tipo particular de métrica poética; māṁsāt — da carne; snutaḥ — dos nervos; anuṣṭup — outro tipo de métrica poética; jagatī — outro tipo de métrica poética; asthnaḥ — dos ossos; prajāpateḥ — do pai das entidades vivas.

Tradução

Em seguida, a arte da expressão literária, uṣṇik, procedeu dos pelos do corpo do todo-poderoso Prajāpati. O principal hino védico, o gāyatrī, procedeu da pele, o triṣṭup da carne, o anuṣṭup das veias, e o jagatī dos ossos do senhor das entidades vivas.

Texto

majjāyāḥ paṅktir utpannā
bṛhatī prāṇato ’bhavat

Sinônimos

majjāyāḥ — do tutano dos ossos; paṅktiḥ — um tipo particular de verso; utpannā — manifestou-se; bṛhatī — outro tipo de verso; prāṇataḥ — da respiração vital; abhavat — gerada.

Tradução

A arte de escrever versos, paṅkti, manifestou-se do tutano de seus ossos, e a arte de bṛhatī, outro tipo de verso, procedeu da respiração vital do senhor das entidades vivas.

Texto

sparśas tasyābhavaj jīvaḥ
svaro deha udāhṛta
ūṣmāṇam indriyāṇy āhur
antaḥ-sthā balam ātmanaḥ
svarāḥ sapta vihāreṇa
bhavanti sma prajāpateḥ

Sinônimos

sparśaḥ — o conjunto de letras desde ka até ma; tasya — sua; abhavat — tornou-se; jīvaḥ — a alma; svaraḥ — vogais; dehaḥ — corpo; udāhṛtaḥ — foram expressas; ūṣmāṇam — as letras śa, ṣa, sa e ha; indriyāṇi — os sentidos; āhuḥ — são chamados; antaḥ-sthāḥ — conjunto de letras assim conhecido (ya, ra, la e va); balam — energia; ātmanaḥ — de seu eu; svarāḥ — música; sapta — sete; vihāreṇa — pelas atividades sensoriais; bhavanti sma — manifestaram-se; prajāpateḥ — do senhor das entidades vivas.

Tradução

A alma de Brahmā manifestou-se como os alfabetos táteis, seu corpo como as vogais, seus sentidos como os alfabetos sibilantes, sua força como os alfabetos intermediários e suas atividades sensorial como as sete notas musicais.

Comentário

Em sânscrito, há treze vogais e trinta e cinco consoantes. As vogais são a, ā, i, ī, u, ū,,,, e, ai, o, au, e as consoantes são ka, kha, ga, gha, etc. Entre as consoantes, as primeiras vinte e cinco letras chamam-se sparśas. Também há quatro antaḥ-sthas. Entre as ūṣmas, há três “s”s, chamados tālavya, mūrdhanya e dantya. As notas musicais são ṣa,,, ma, pa, dha e ni. Todas essas vibrações sonoras são originalmente denominadas śabda-brahma, ou som espiritual. Afirma-se, portanto, que Brahmā foi criado no Mahā-kalpa como a encarnação do som espiritual. Os Vedas constituem o som espiritual, daí não haver necessidade de interpretação material para a vibração sonora da literatura védica. Os Vedas devem ser vibrados como eles são, embora sejam simbolicamente representados com letras que nos são materialmente conhecidas. Em última análise, nada há de material porque tudo tem sua origem no mundo espiritual. A manifestação material, portanto, chama-se “ilusão” no sentido apropriado do termo. Para aqueles que são almas realizadas, nada existe senão o espírito.

Texto

śabda-brahmātmanas tasya
vyaktāvyaktātmanaḥ paraḥ
brahmāvabhāti vitato
nānā-śakty-upabṛṁhitaḥ

Sinônimos

śabdabrahma – som transcendental; ātmanaḥ — do Senhor Supremo; tasya — Seu; vyakta — manifesto; avyakta-ātmanaḥ — do imanifesto; paraḥ — transcendental; brahmā — o Absoluto; avabhāti — completamente manifesto; vitataḥ — distribuindo; nānā — múltiplas; śakti — energias; upabṛṁhitaḥ — investido com.

Tradução

Brahmā é a representação pessoal da Suprema Personalidade de Deus como a fonte do som transcendental e, portanto, está acima da concepção de manifesto e imanifesto. Brahmā é a forma completa da Verdade Absoluta e é dotado de múltiplas energias.

Comentário

O posto de Brahmā é a mais elevada posição de responsabilidade dentro do universo, e é oferecido à personalidade mais perfeita do universo. Às vezes, a Suprema Personalidade de Deus tem que Se tornar Brahmā quando não há um ser vivo adequado para ocupar o posto. No mundo material, Brahmā é a representação completa da Suprema Personalidade de Deus, e o som transcendental, praṇava, provém dele. Assim, ele é dotado de múltiplas energias, das quais se manifestam todos os semideuses, como Indra, Candra e Varuṇa. Seu valor transcendental não deve ser minimizado, muito embora ele tenha manifestado uma tendência de desfrutar de sua própria filha. Há um propósito na exibição dessa tendência por parte de Brahmā, e ele não deve ser condenado como uma entidade viva comum.

Texto

tato ’parām upādāya
sa sargāya mano dadhe

Sinônimos

tataḥ — em seguida; aparām — outro; upādāya — tendo aceitado; saḥ — ele; sargāya — com o assunto da criação; manaḥ — mente; dadhe — deu atenção.

Tradução

Em seguida, Brahmā aceitou outro corpo, no qual a vida sexual não era proibida, e assim ele se ocupou com o assunto da criação subsequente.

Comentário

Em seu corpo anterior, que era transcendental, a afeição pela vida sexual era proibida, e, em virtude disso, Brahmā teve que aceitar outro corpo para lhe ser permitido ter vida sexual. Assim, ele se ocupou com o assunto da criação. Seu corpo anterior transformou-se em neblina, como foi descrito anteriormente.

Texto

ṛṣīṇāṁ bhūri-vīryāṇām
api sargam avistṛtam
jñātvā tad dhṛdaye bhūyaś
cintayām āsa kaurava

Sinônimos

ṛṣīṇāṁ — dos grandes sábios; bhūrivīryāṇām – com grande poder virtual; api — apesar de; sargam — a criação; avistṛtam — não expandida; jñātvā — sabendo; tat — que; hṛdaye — em seu coração; bhūyaḥ — novamente; cintayām āsa — ele começou a considerar; kaurava — ó filho dos Kurus.

Tradução

Ó filho dos Kurus, quando Brahmā viu que, apesar da presença de sábios de grande potência, não havia suficiente aumento da população, ele começou seriamente a considerar como a população poderia ser ampliada.

Texto

aho adbhutam etan me
vyāpṛtasyāpi nityadā
na hy edhante prajā nūnaṁ
daivam atra vighātakam

Sinônimos

aho — ai de mim; adbhutam — é maravilhoso; etat — este; me — para mim; vyāpṛtasya — estando ocupado; api — embora; nityadā — sempre; na — não; hi — certamente; edhante — gerar; prajāḥ — entidades vivas; nūnam — contudo; daivam — destino; atra — aqui; vighātakam — contra.

Tradução

Brahmā pensou consigo mesmo: Ai de mim! Fico maravilhado que, apesar de eu ter me propagado por toda parte, ainda haja insuficiência de população no universo. Não há outra causa para este infortúnio além do destino.

Texto

evaṁ yukta-kṛtas tasya
daivaṁ cāvekṣatas tadā
kasya rūpam abhūd dvedhā
yat kāyam abhicakṣate

Sinônimos

evam — assim; yukta — contemplando; kṛtaḥ — enquanto o fazia; tasya — seu; daivam — poder sobrenatural; ca — também; avekṣataḥ — observando; tadā — naquele momento; kasya — de Brahmā; rūpam — forma; abhūt — manifestaram-se; dvedhā — dupla; yat — que é; kāyam — seu corpo; abhicakṣate — afirma-se que é.

Tradução

Enquanto estava assim absorto em meditação e observava o poder sobrenatural, duas outras formas manifestaram-se de seu corpo. Elas ainda são célebres como o corpo de Brahmā.

Comentário

Dois corpos saíram do corpo de Brahmā. Um tinha um bigode, e o outro tinha seios volumosos. Ninguém pode explicar a fonte da manifestação deles, de modo que, até hoje, eles são conhecidos como kāyam, ou o corpo de Brahmā, sem indicação de sua relação como filho ou filha dele.

Texto

tābhyāṁ rūpa-vibhāgābhyāṁ
mithunaṁ samapadyata

Sinônimos

tābhyām — deles; rūpa — forma; vibhāgābhyām — sendo assim dividido; mithunam — relação sexual; samapadyata — perfeitamente executada.

Tradução

Os dois corpos recém-separados se uniram numa relação sexual.

Texto

yas tu tatra pumān so ’bhūn
manuḥ svāyambhuvaḥ svarāṭ
strī yāsīc chatarūpākhyā
mahiṣy asya mahātmanaḥ

Sinônimos

yaḥ — aquele que; tu — mas; tatra — ali; pumān — o masculino; saḥ — ele; abhūt — tornou-se; manuḥ — o pai da humanidade; svāyambhuvaḥ — chamado Svāyambhuva; sva-rāṭ — plenamente independente; strī — a mulher; — aquela que; āsīt — havia; śatarūpā — chamada Śatarūpā; ākhyā — conhecida como; mahiṣī — a rainha; asya — dele; mahātmanaḥ — a grande alma.

Tradução

Entre eles, aquele que tinha forma masculina tornou-se conhecido como o Manu chamado Svāyambhuva, e a mulher se tornou conhecida como Śatarūpā, a rainha da grande alma Manu.

Texto

tadā mithuna-dharmeṇa
prajā hy edhām babhūvire

Sinônimos

tadā — naquele momento; mithuna — vida sexual; dharmeṇa — de acordo com os princípios reguladores; prajāḥ — gerações; hi — certamente; edhām — aumentaram; babhūvire — ocorreu.

Tradução

Em seguida, através da prática sexual, eles gradualmente procriaram populações, uma após outra.

Texto

sa cāpi śatarūpāyāṁ
pañcāpatyāny ajījanat
priyavratottānapādau
tisraḥ kanyāś ca bhārata
ākūtir devahūtiś ca
prasūtir iti sattama

Sinônimos

saḥ — ele (Manu); ca — também; api — no devido curso; śatarūpāyām — de Śatarūpā; pañca — cinco; apatyāni — crianças; ajījanat — gerou; priyavrata — Priyavrata; uttānapādau — Uttānapāda; tisraḥ — em número de três; kanyāḥ — filhas; ca — também; bhārata — ó filho de Bharata; ākūtiḥ — Ākūti; devahūtiḥ — Devahūti; ca — e; prasūtiḥ — Prasūti; iti — assim; sattama — ó melhor de todos.

Tradução

Ó filho de Bharata, no devido curso do tempo, ele [Manu] gerou em Śatarūpā cinco crianças – dois filhos, Priyavrata e Uttānapāda, e três filhas, Ākūti, Devahūti e Prasūti.

Texto

ākūtiṁ rucaye prādāt
kardamāya tu madhyamām
dakṣāyādāt prasūtiṁ ca
yata āpūritaṁ jagat

Sinônimos

ākūtim — a filha chamada Ākūti; rucaye — ao sábio Ruci; prādāt — deu a mão; kardamāya — ao sábio Kardama; tu — mas; madhyamām — a do meio (Devahūti); dakṣāya — a Dakṣa; adāt — deu a mão; prasūtim — a filha caçula; ca — também; yataḥ — de onde; āpūritam — encheu-se; jagat — o mundo inteiro.

Tradução

O pai, Manu, deu a mão de sua primeira filha, Ākūti, ao sábio Ruci; deu a filha do meio, Devahūti, ao sábio Kardama, e a caçula, Prasūti, a Dakṣa. A partir delas, mundo inteiro encheu-se de população.

Comentário

Dá-se aqui a história da criação da população do universo. Brahmā é a criatura viva original no universo, de quem foram gerados o Manu Svāyambhuva e sua esposa Śatarūpā. De Manu, nasceram dois filhos e três filhas, e deles toda a população em diferentes planetas tem florescido até agora. Portanto, Brahmā é conhecido como o avô de todos, e a Personalidade de Deus, sendo o pai de Brahmā, é conhecido como o bisavô de todos os seres vivos. Isso se confirma na Bhagavad-gītā (11.39) da seguinte maneira:

vāyur yamo ’gnir varuṇaḥ śaśāṅkaḥ
prajāpatis tvaṁ prapitāmahaś ca
namo namas te ’stu sahasra-kṛtvaḥ
punaś ca bhūyo ’pi namo namas te

“Vós sois o Senhor do ar, o supremo juiz Yama, o fogo, e o Senhor das chuvas. Vós sois a Lua e sois o bisavô. Portanto, ofereço-Vos minhas respeitosas reverências, repetidamente.”

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do terceiro canto, décimo segundo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Criação dos Kumāras e Outros”.