Capítulo Doze
Criação dos Kumāras e Outros
- VERSO 1:
- Śrī Maitreya disse: Ó erudito Vidura, até agora expliquei-te as glórias da forma da Suprema Personalidade de Deus sob Seu aspecto de kāla. Agora ouve-me falar sobre a criação de Brahmā, o reservatório de todo o conhecimento védico.
- VERSO 2:
- Brahmā criou primeiramente as ocupações de necedade como a autoenganação, o sentido de morte, a ira após a frustração, o sentido de falsa propriedade e a concepção corpórea ilusória, ou o esquecimento de nossa verdadeira identidade.
- VERSO 3:
- Ao ver essa criação desencaminhadora como uma tarefa pecaminosa, Brahmā não sentiu muito prazer em sua atividade, e por isso purificou-se pela meditação na Personalidade de Deus. Então, ele começou outro período da criação.
- VERSO 4:
- No começo, Brahmā criou quatro grandes sábios chamados Sanaka, Sananda, Sanātana e Sanat-kumāra. Nenhum deles tinha desejo de adotar atividades materialistas porque eram altamente elevados devido a que seu sêmen era sublimado.
- VERSO 5:
- Após gerar seus filhos, Brahmā falou-lhes o seguinte: “Meus queridos filhos”, disse ele, “agora gerai progênie”. Mas, por serem apegados a Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, eles visavam à liberação, e por isso expressaram sua relutância.
- VERSO 6 :
- Diante da recusa dos filhos a obedecerem à ordem de seu pai, a mente de Brahmā inflamou-se de muita ira, a qual ele tentou controlar e não manifestar.
- VERSO 7:
- Embora ele tentasse conter sua ira, esta irrompeu dentre suas sobrancelhas, e imediatamente foi gerada uma criança de cor mista de azul e vermelho.
- VERSO 8:
- Após seu nascimento, ele começou a chorar: Ó criador do destino, mestre do universo, por favor, designa meu nome e lugar de permanência.
- VERSO 9:
- O todo-poderoso Brahmā, que nasceu da flor de lótus, apaziguou o menino com palavras amáveis, aceitando seu pedido, e disse: Não chores. Certamente farei como desejas.
- VERSO 10:
- Em seguida, Brahmā disse: Ó principal entre os semideuses, serás chamado Rudra por todas as pessoas porque choraste com tanta ansiedade.
- VERSO 11:
- Meu querido filho, já selecionei os seguintes lugares para a tua residência: o coração, os sentidos, o ar vital, o céu, o ar, o fogo, a água, a terra, o Sol, a Lua e a austeridade.
- VERSO 12:
- O senhor Brahmā disse: Meu caro filho Rudra, tens mais onze nomes: Manyu, Manu, Mahinasa, Mahān, Śiva, Ṛtadhvaja, Ugraretā, Bhava, Kāla, Vāmadeva e Dhṛtavrata.
- VERSO 13:
- Ó Rudra, tens, também, onze esposas, chamadas Rudrāṇīs, e elas são as seguintes: Dhī, Dhṛti, Rasalā, Umā, Niyut, Sarpi, Ilā, Ambikā, Irāvatī, Svadhā e Dīkṣā.
- VERSO 14:
- Meu querido filho, aceita agora todos os nomes e lugares designados para ti e para tuas diferentes esposas, e, uma vez que a partir de agora és um dos senhores das entidades vivas, aumenta a população em larga escala.
- VERSO 15:
- O poderosíssimo Rudra, cuja cor corpórea era azul mesclado de vermelho, criou muita progênie exatamente similar a ele em aspectos, força e natureza furiosa.
- VERSO 16:
- Os filhos e netos gerados por Rudra eram em número ilimitado, e, quando reuniram-se, tentaram devorar todo o universo. Quando Brahmā, o pai das entidades vivas, viu isso, assustou-se com a situação.
- VERSO 17:
- Brahmā falou a Rudra: Ó melhor entre os semideuses, não há necessidade de gerares entidades vivas desta natureza. Elas começaram a devastar tudo por toda parte com as chamas incandescentes de seus olhos, e chegaram inclusive a me atacar.
- VERSO 18:
- Meu querido filho, é melhor te situares em penitência, o que é auspicioso para todas as entidades vivas e que trará toda a bênção para ti. Somente através de penitência serás capaz de criar o universo como ele era antes.
- VERSO 19:
- É somente através de penitência que uma pessoa pode aproximar-se até mesmo da Personalidade de Deus, que está dentro de todas as entidades vivas e, ao mesmo tempo, além do alcance de todos os sentidos.
- VERSO 20:
- Śrī Maitreya disse: Assim, Rudra, tendo recebido ordens de Brahmā, circum-ambulou seu pai, o mestre dos Vedas. Dirigindo-se a ele com palavras de concordância, ele entrou na floresta para praticar austeras penitências.
- VERSO 21:
- Brahmā, que foi dotado de poder pela Suprema Personalidade de Deus, pensou em gerar entidades vivas e produziu dez filhos para a extensão das gerações.
- VERSO 22:
- Marīci, Atri, Aṅgirā, Pulastya, Pulaha, Kratu, Bhṛgu, Vasiṣṭha, Dakṣa e Nārada, o décimo filho, nasceram então.
- VERSO 23:
- Nārada nasceu da deliberação de Brahmā, que é a melhor parte de seu corpo. Vasiṣṭha nasceu de sua respiração; Dakṣa, de um polegar; Bhṛgu, de seu tato, e Kratu, de sua mão.
- VERSO 24:
- Pulastya foi gerado dos ouvidos, Aṅgirā da boca, Atri dos olhos, Marīci da mente, e Pulaha do umbigo de Brahmā.
- VERSO 25:
- A religião manifestou-se do peito de Brahmā, onde está sentada a Suprema Personalidade de Deus, Nārāyaṇa, e a irreligião apareceu de suas costas, onde mortes terríveis se dão para a entidade viva.
- VERSO 26:
- A luxúria e o desejo manifestaram-se do coração de Brahmā, a ira do meio de suas sobrancelhas, a cobiça dentre seus lábios, o poder de falar de sua boca, o oceano de seu pênis, e as atividades baixas e abomináveis de seu ânus, a fonte de todos os pecados.
- VERSO 27:
- O sábio Kardama, esposo da grande Devahūti, manifestou-se da sombra de Brahmā. Desse modo, todos se manifestaram ou do corpo ou da mente de Brahmā.
- VERSO 28:
- Ó Vidura, ouvimos que Brahmā teve uma filha chamada Vāk, a qual nasceu de seu corpo e que atraiu sua mente para o sexo, embora ela não se sentisse sexualmente atraída por ele.
- VERSO 29:
- Assim, vendo seu pai de tal modo iludido num ato de imoralidade, os sábios encabeçados por Marīci, todos filhos de Brahmā, falaram o seguinte, com grande respeito.
- VERSO 30:
- Ó pai, isto que estais vos esforçando por fazer para complicar-vos nunca foi tentado por nenhum outro Brahmā, nem por alguém mais, nem por vós em kalpas anteriores, e tampouco alguém ousará tentar isso no futuro. Sois o ser supremo no universo; como, então, quereis fazer sexo com vossa filha e não podeis controlar vosso desejo?
- VERSO 31:
- Muito embora sejais o ser mais poderoso, esse ato não é digno de vós, porque vosso caráter serve como exemplo para o aperfeiçoamento espiritual das pessoas em geral.
- VERSO 32:
- Ofereçamos nossas respeitosas reverências à Personalidade de Deus, quem, através de Sua própria refulgência, enquanto situado em Si mesmo, tem manifestado este cosmos. Que Ele também proteja a religião para o bem de todos.
- VERSO 33:
- Vendo todos os seus filhos Prajāpatis orando dessa maneira, Brahmā, o pai de todos os Prajāpatis, ficou muito envergonhado e imediatamente abandonou o corpo que aceitara. Mais tarde, aquele corpo apareceu em todas as direções como o perigoso nevoeiro na escuridão.
- VERSO 34:
- Certa vez, quando Brahmā pensava na maneira de criar os mundos como no milênio passado, os quatro Vedas, que contêm todas as variedades de conhecimento, manifestaram-se de suas quatro bocas.
- VERSO 35:
- Os quatro tipos de parafernália para conduzir o sacrifício de fogo manifestaram-se: o executante (o entoador), o oferecedor, o fogo e a ação executada em termos dos Vedas suplementares. Manifestaram-se também os quatro princípios da religiosidade [verdade, austeridade, misericórdia e limpeza] e os deveres das quatro ordens sociais.
- VERSO 36:
- Vidura disse: Ó grande sábio cuja única riqueza é a penitência, por favor, explica-me como e com a ajuda de quem Brahmā estabeleceu o conhecimento védico que emanou de sua boca.
- VERSO 37:
- Maitreya disse: Começando do primeiro rosto de Brahmā, gradualmente os quatro Vedas – Ṛk, Yajur, Sāma e Atharva – manifestaram-se. Em seguida, os hinos védicos que não tinham sido pronunciados antes, os rituais sacerdotais, os temas de recitação e as atividades transcendentais estabeleceram-se todos, um após o outro.
- VERSO 38:
- Ele também criou a ciência médica, a arte militar, a arte musical e a ciência arquitetônica, tudo a partir dos Vedas. Todas essas coisas emanaram uma após a outra, começando do primeiro rosto.
- VERSO 39:
- Então, ele criou por todas as suas bocas o quinto Veda – os Purāṇas e as histórias –, uma vez que podia ver todo o passado, presente e futuro.
- VERSO 40:
- Todas as diferentes variedades de sacrifícios [ṣoḍaśī, uktha, purīṣi, agniṣṭoma, āptoryāma, atirātra, vājapeya e gosava] manifestaram-se da boca oriental de Brahmā.
- VERSO 41:
- Educação, caridade, penitência e verdade são tidas como as quatro pernas da religião, e, para aprender isso, há quatro ordens de vida com diferentes classificações em castas de acordo com a vocação. Brahmā criou-os todos em ordem sistemática.
- VERSO 42:
- Então, inaugurou-se a cerimônia do cordão para os duas vezes nascidos, bem como as regras a serem seguidas por pelo menos um ano após a aceitação dos Vedas, as regras para observar completa abstinência da vida sexual, as vocações em termos dos preceitos védicos, os vários deveres profissionais na vida familiar, e o método de manter a subsistência sem a cooperação de ninguém através da coleta de cereais rejeitados.
- VERSO 43:
- As quatro divisões da vida retirada são os vaikhānasas, vālakhilyas, audumbaras e phenapas. As quatro divisões da ordem de vida renunciada são os kuṭīcakas, bahvodas, haṁsas e niṣkriyas. Todas elas se manifestaram de Brahmā.
- VERSO 44:
- A ciência da argumentação lógica, as metas védicas da vida, e também a lei e a ordem, os códigos morais e os célebres hinos bhūḥ, bhuvaḥ e svaḥ manifestaram-se todos das bocas de Brahmā, e o praṇava oṁkāra manifestou-se de seu coração.
- VERSO 45:
- Em seguida, a arte da expressão literária, uṣṇik, procedeu dos pelos do corpo do todo-poderoso Prajāpati. O principal hino védico, o gāyatrī, procedeu da pele, o triṣṭup da carne, o anuṣṭup das veias, e o jagatī dos ossos do senhor das entidades vivas.
- VERSO 46:
- A arte de escrever versos, paṅkti, manifestou-se do tutano de seus ossos, e a arte de bṛhatī, outro tipo de verso, procedeu da respiração vital do senhor das entidades vivas.
- VERSO 47:
- A alma de Brahmā manifestou-se como os alfabetos táteis, seu corpo como as vogais, seus sentidos como os alfabetos sibilantes, sua força como os alfabetos intermediários e suas atividades sensorial como as sete notas musicais.
- VERSO 48:
- Brahmā é a representação pessoal da Suprema Personalidade de Deus como a fonte do som transcendental e, portanto, está acima da concepção de manifesto e imanifesto. Brahmā é a forma completa da Verdade Absoluta e é dotado de múltiplas energias.
- VERSO 49:
- Em seguida, Brahmā aceitou outro corpo, no qual a vida sexual não era proibida, e assim ele se ocupou com o assunto da criação subsequente.
- VERSO 50:
- Ó filho dos Kurus, quando Brahmā viu que, apesar da presença de sábios de grande potência, não havia suficiente aumento da população, ele começou seriamente a considerar como a população poderia ser ampliada.
- VERSO 51:
- Brahmā pensou consigo mesmo: Ai de mim! Fico maravilhado que, apesar de eu ter me propagado por toda parte, ainda haja insuficiência de população no universo. Não há outra causa para este infortúnio além do destino.
- VERSO 52:
- Enquanto estava assim absorto em meditação e observava o poder sobrenatural, duas outras formas manifestaram-se de seu corpo. Elas ainda são célebres como o corpo de Brahmā.
- VERSO 53:
- Os dois corpos recém-separados se uniram numa relação sexual.
- VERSO 54:
- Entre eles, aquele que tinha forma masculina tornou-se conhecido como o Manu chamado Svāyambhuva, e a mulher se tornou conhecida como Śatarūpā, a rainha da grande alma Manu.
- VERSO 55:
- Em seguida, através da prática sexual, eles gradualmente procriaram populações, uma após outra.
- VERSO 56:
- Ó filho de Bharata, no devido curso do tempo, ele [Manu] gerou em Śatarūpā cinco crianças – dois filhos, Priyavrata e Uttānapāda, e três filhas, Ākūti, Devahūti e Prasūti.
- VERSO 57:
- O pai, Manu, deu a mão de sua primeira filha, Ākūti, ao sábio Ruci; deu a filha do meio, Devahūti, ao sábio Kardama, e a caçula, Prasūti, a Dakṣa. A partir delas, mundo inteiro encheu-se de população.