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Capítulo Nove

Respostas Baseadas na Versão do Senhor

Texto

śrī-śuka uvāca
ātma-māyām ṛte rājan
parasyānubhavātmanaḥ
na ghaṭetārtha-sambandhaḥ
svapna-draṣṭur ivāñjasā

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; ātma — a Suprema Personalidade de Deus; māyām — energia; ṛte — sem; rājan — ó rei; parasya — da alma pura; anubhava-ātmanaḥ — que tem consciência pura; na — nunca; ghaṭeta — pode acontecer assim; artha — significado; sambandhaḥ — relação com o corpo material; svapna — sonho; draṣṭuḥ — daquele que vê; iva — como; añjasā — completamente.

Tradução

Śrī Śukadeva Gosvāmī disse: Ó rei, a menos que sejamos influenciados pela energia da Suprema Personalidade de Deus, não há sentido para a relação da alma pura, em consciência pura, com o corpo material. Essa relação é exatamente como aquela de alguém que, estando sonhando, vê o próprio corpo agindo.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao perguntar como a entidade viva passou a ter uma vida material, embora ela esteja à parte do corpo e da mente materiais, Mahārāja Parīkṣit recebe uma resposta perfeita. A alma espiritual é distinta da concepção material de sua vida, mas ela se absorve nesse conceito material porque é influenciada pela energia externa do Senhor, chamada ātma-māyā. Já se explicou isso no primeiro canto, na passagem em que Vyāsadeva desenvolveu compreensão acerca do Senhor Supremo e de Sua energia externa. O Senhor controla a energia externa, e, pela vontade do Senhor, a energia externa controla as entidades vivas. Portanto, embora em seu estado puro a entidade viva tenha consciência pura, ela é subordinada à vontade do Senhor ao ser influenciada pela energia externa do Senhor. A Bhagavad-gītā (15.15) também confirma essa mesma verdade; o Senhor está presente no coração de toda entidade viva, e sua memória e seu esquecimento são influenciados pelo Senhor.

A pergunta que vem automaticamente em seguida é esta: Por que o Senhor impõe à entidade viva essa consciência e esquecimento? A resposta é que o Senhor deseja claramente que toda entidade viva esteja em sua pura consciência como parte integrante do Senhor e, assim, deixando de infringir sua posição constitucional, ocupe-se no serviço amoroso ao Senhor, mas, como tem também independência parcial, a entidade viva talvez não queira servir ao Senhor, tentando, contudo, tornar-se tão independente como o Senhor. Todas as entidades vivas que não são devotos desejam ter o mesmo poder do Senhor, embora lhe faltem as qualificações. Porque quiseram tornar-se como Ele, as entidades vivas são iludidas pela vontade do Senhor. Tal qual uma pessoa que pensa em tornar-se rei sem possuir a qualificação necessária, a entidade viva é posta numa condição onírica e fica sonhando que ela é o rei quando deseja tornar-se o próprio Senhor. Portanto, o primeiro desejo pecaminoso acalentado pela entidade viva é tornar-se o Senhor, e a consequente vontade do Senhor é que a entidade viva esqueça sua vida real e fique sonhando com a terra da utopia onde ela pode tornar-se una com o Senhor. O filho chora pedindo para que a mãe lhe dê a Lua, e a mãe, para satisfazer a criança chorosa e importunadora, entrega-lhe um espelho com o reflexo da Lua. De modo semelhante, o Senhor mostra ao Seu filho choroso o reflexo, o mundo material, do qual ele tentará assenhorear-se como karmī e, frustrando-se com isso, desistirá da ideia de tornar-se uno com o Senhor. Ambas essas fases são meras ilusões oníricas. Não é necessário buscar na história qual foi o primeiro momento em que a entidade viva desejou isso. O fato, no entanto, é que bastou ela desejar isso para que fosse posta sob o controle de ātma-māyā por orientação do Senhor. Portanto, em sua condição material, a entidade viva está sonhando falsamente que “isto é meu” e “este sou eu”. Nesse sonho, a alma condicionada pensa em seu corpo material como o “eu”, ou pensa falsamente que é o Senhor e que tudo o que tem ligação com esse corpo material é “meu”. Então, é apenas em sonho que, vida após vida, persiste o conceito falso de “eu” e “meu”. Isso continua vida após vida, enquanto a entidade viva não souber que, em sua verdadeira identidade, ela é parte integrante do Senhor e está subordinada a Ele.

Em contraste, não existe esse sonho ilusório em sua consciência pura, e, nesse estado de consciência pura, a entidade viva não se esquece de que ela jamais é o Senhor, senão que sabe que é serva eterna do Senhor em amor transcendental.

Texto

bahu-rūpa ivābhāti
māyayā bahu-rūpayā
ramamāṇo guṇeṣv asyā
mamāham iti manyate

Sinônimos

bahu-rūpaḥ — multiformas; iva — como se isto fosse; ābhāti — manifesto; māyayā — pela influência da energia exterior; bahurūpayā – em formas múltiplas; ramamāṇaḥ — desfrutando como estavam; guṇeṣu — nos modos de diferentes qualidades; asyāḥ — da energia externa; mama — meu; aham — eu; iti — assim; manyate — pensa.

Tradução

Iludida, a entidade viva aparece em muitas formas oferecidas pela energia externa do Senhor. Enquanto desfruta nos modos da natureza material, a entidade viva aprisionada engana-se ao pensar em termos de “eu” e “meu”.

Comentário

SIGNIFICADO—As diferentes formas das entidades vivas são diferentes vestimentas que a energia ilusória externa do Senhor oferece de acordo com os modos da natureza que o ser vivo deseja desfrutar. A energia externa material é representada por seus três modos, a saber, bondade, paixão e ignorância. Assim, mesmo na natureza material, a entidade viva tem a oportunidade de fazer uma escolha independente, e, conforme sua escolha, a energia material lhe oferece diferentes variedades de corpos materiais. Há 900.000 variedades de corpos materiais na água, 2.000.000 de corpos vegetais, 1.100.000 vermes e répteis, 1.000.000 de formas de aves, 3.000.000 de diferentes corpos de animais selvagens e 400.000 formas humanas. No total, há 8.400.000 variedades de corpos nos diferentes planetas do universo, e, em sua viagem, a entidade viva transmigra adquirindo diferentes corpos que sirvam para satisfazer o espírito de desfrute ao qual ela tenha inclinação. Mesmo num corpo específico, a entidade viva muda da infância para a adolescência, da adolescência para a idade adulta, da idade adulta para a velhice e da velhice para outro corpo criado por sua própria ação. Através de seus próprios desejos, a entidade viva cria seu próprio corpo, e a energia externa do Senhor lhe fornece a forma exata com a qual ela pode obter todo o desfrute que deseja. O tigre queria desfrutar o sangue de outro animal, daí, pela graça do Senhor, a energia material fornecer-lhe um corpo de tigre, que tem condições favoráveis para desfrutar o sangue de outro animal. Do mesmo modo, a entidade viva que deseja obter o corpo de um semideus num planeta superior também poderá obtê-lo pela graça do Senhor, e poderá, se for bastante inteligente, desejar obter um corpo espiritual para gozar a companhia do Senhor, e assim o obterá. Logo, a entidade viva pode usar totalmente sua liberdade diminuta, e o Senhor é tão bondoso que concederá à entidade viva o mesmo tipo de corpo que ela desejar. O desejo da entidade viva é como sonhar com uma montanha de ouro. A pessoa sabe o que é uma montanha, e sabe também o que é o ouro. Só por desejo, ela sonha com uma montanha de ouro e, quando o sonho acaba, ela vê outra coisa em sua presença. No seu estado de vigília, ela percebe que não existe nem ouro nem montanha, e muito menos uma montanha de ouro.

As diferentes posições que as entidades vivas adquirem no mundo material sob múltiplas manifestações corpóreas se devem ao falso conceito de “meu” e “eu”. O karmī pensa que este mundo é “meu”, e o jñānī pensa: “eu sou” tudo. Toda a concepção material de política, sociologia, filantropia, altruísmo etc. apresentada pelas almas condicionadas baseia-se neste errôneo “eu” e “meu”, que são produtos de um forte desejo de desfrutar a vida material. A identificação com o corpo e com o lugar onde o corpo é obtido sob diferentes concepções de socialismo, nacionalismo, afeição familiar e assim por diante é consequente ao fato de a entidade viva ter-se esquecido de sua verdadeira natureza, e a entidade viva confusa pode evitar esse engano associando-se com Śukadeva Gosvāmī e Mahārāja Parīkṣit, e tudo isso é explicado no Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

yarhi vāva mahimni sve
parasmin kāla-māyayoḥ
rameta gata-sammohas
tyaktvodāste tadobhayam

Sinônimos

yarhi — em qualquer tempo; vāva — decerto; mahimni — na glória; sve — de si mesmo; parasmin — no Supremo; kāla — tempo; māyayoḥ — da energia material; rameta — desfruta; gata-sammohaḥ — livrando-se do conceito errôneo; tyaktvā — abandonando; udāste — em plenitude; tadā — então; ubhayam — ambos (os falsos conceitos de eu e meu).

Tradução

Logo que se situa em sua glória constitucional e passa a desfrutar a transcendência que está além do tempo e da energia material, a entidade viva abandona de imediato os dois falsos conceitos da vida [eu e meu] e, então, torna-se plenamente manifesta como o eu puro.

Comentário

SIGNIFICADO—Os dois falsos conceitos da vida, a saber, “eu” e “meu”, manifestam-se em duas classes de homens. No estado inferior, o conceito de “meu” é muito proeminente, e, no estado superior, sobressai o falso conceito de “eu”. No estado de vida animal, o falso conceito de “meu” é perceptível mesmo nos cães e nos gatos, que lutam entre si, impelidos pelo mesmo falso conceito de “meu”. No nível inferior de vida humana, o mesmo conceito falso é também proeminente sob a forma de “este é meu corpo”, “esta é minha casa”, “esta é minha família”, “esta é minha casta”, “esta é minha nação”, “este é meu país” e assim por diante. E no nível superior do conhecimento especulativo, o mesmo falso conceito de “meu” se transforma em “eu sou”, ou “é tudo o que eu sou” etc. Há muitas classes de homens que compreendem o mesmo falso conceito de “eu” e “meu” em matizes diferentes. Porém, o verdadeiro sentido de “eu” pode ser compreendido apenas quando alguém se situa nesta consciência: “sou servo eterno do Senhor.” Isso é consciência pura, e todos os textos védicos nos ensinam esse conceito de vida.

O falso conceito segundo o qual “eu sou o Senhor”, ou “eu sou o Supremo”, é mais perigoso do que o falso conceito de “meu”. Embora os textos védicos apresentem algumas diretrizes para que a pessoa se considere una com o Senhor, isso não significa que ela se tome idêntica ao Senhor em todos os aspectos. Sem dúvida, a entidade viva goza de unidade com o Senhor em muitos aspectos, mas, em última análise, a entidade viva é subordinada ao Senhor, e sua posição constitucional é satisfazer os sentidos do Senhor. Portanto, o Senhor pede que as almas condicionadas se rendam a Ele. Se as entidades vivas não fossem subordinadas à vontade suprema, por que a entidade viva seria convidada a se render? Se o ser vivo fosse igual ao Senhor em todos os aspectos, por que seria posto sob a influência de māyā? Já comentamos muitas vezes que a energia material é controlada pelo Senhor. A Bhagavad-gītā (9.10) confirma esse poder através do qual o Senhor exerce controle sobre a natureza material. Uma entidade viva que alega estar em nível de igualdade com o Ser Supremo pode controlar a natureza material? O “eu” tolo responderia que realizará essa façanha no futuro. Mesmo aceitando que ele controlará a natureza material tão bem como o Ser Supremo no futuro, por que agora ele está sob o controle da natureza material? A Bhagavad-gītā diz que a pessoa pode ficar livre do controle da natureza material rendendo-se ao Senhor Supremo, mas, se não houver rendição, a entidade viva jamais será capaz de controlar a natureza material. Logo, também é preciso abandonar esse falso conceito de “eu” praticando o método do serviço devocional ou situando-se firmemente no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Um homem pobre, sem nenhum emprego ou ocupação, pode passar por muitas dificuldades na vida, mas se esse mesmo homem, porventura, conseguir um bom serviço no governo, ele logo ficará feliz. Não há proveito em negar a supremacia do Senhor, que é o controlador de todas as energias, mas a pessoa deve aceitar sua posição constitucional e ficar situada em sua própria glória, a saber, ter pleno conhecimento de que ela é uma serva eterna do Senhor. Em sua vida condicionada, a entidade viva é serva da ilusória māyā, ao passo que, em seu estado liberado, é o puro e incondicional servo do Senhor. Tornar-se imune aos modos da natureza material é a qualificação para entrar no serviço ao Senhor. Enquanto for serva das invenções mentais, a pessoa não poderá livrar-se por completo da doença diagnosticada como “eu” e “meu”.

A Verdade Suprema não é contaminada pela energia ilusória porque Ele é o controlador dessa energia. As verdades relativas tendem a ficar absortas na energia ilusória. Entretanto, cumpre o melhor propósito quem olha diretamente para a Verdade Suprema, como acontece quando alguém fica de frente para o Sol. O Sol no alto do céu é cheio de luz, mas, quando o Sol não é visível no céu, tudo fica escuro. De modo semelhante, quando está face a face com o Senhor Supremo, a pessoa se liberta de todas as ilusões, e quem não adquiriu essa posição, está na escuridão da māyā ilusória. A Bhagavad-gītā (14.26) faz a seguinte confirmação disso:

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

Logo, a ciência de bhakti-yoga, ou a adoração ao Senhor, a glorificação ao Senhor, ouvir as fontes corretas (não o profissional, mas a pessoa que é Bhāgavatam na vida), narrar o Śrīmad-Bhāgavatam e estar sempre na associação dos devotos puros, deve ser adotada com seriedade. Ninguém deve se deixar desencaminhar pelos falsos conceitos de “eu” e “meu”. Os karmīs gostam do conceito de “meu”, os jñānīs gostam do conceito de “eu, e nenhum deles está preparado para livrar-se do cativeiro da energia ilusória. O Śrīmad-Bhāgavatam e, fundamentalmente, a Bhagavad-gītā destinam-se a eliminar da pessoa o falso conceito de “eu” e “meu”, e Śrīla Vyāsadeva descreveu-os para a salvação das almas caídas. A entidade viva tem de situar-se na posição transcendental onde deixou de haver influência do tempo e da energia material. Na vida condicionada, a entidade viva está sujeita à influência do tempo, tendo sonhos que se manifestam como passado, presente e futuro. O especulador mental tenta anular a influência do tempo recorrendo a especulações de que, no futuro, ele próprio se tornará Vāsudeva ou o Senhor Supremo por intermédio do cultivo do conhecimento e da conquista do ego. O processo, no entanto, não é perfeito. O processo perfeito é aceitar o Senhor Vāsudeva como o Supremo em tudo, e a melhor perfeição no cultivo do conhecimento é se render a Ele porque Ele é a fonte de tudo. Somente com este conceito é que alguém pode livrar-se do falso conceito de eu e meu. A Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam confirmam isso. Em sua grande obra, o Śrīmad-Bhāgavatam, Śrīla Vyāsadeva deu como contribuição para as entidades vivas iludidas a ciência de Deus e o processo de bhakti-yoga, e a alma condicionada deve tirar pleno proveito dessa grande ciência.

Texto

ātma-tattva-viśuddhy-arthaṁ
yad āha bhagavān ṛtam
brahmaṇe darśayan rūpam
avyalīka-vratādṛtaḥ

Sinônimos

ātma-tattva — a ciência de Deus ou a ciência da entidade viva; viśuddhi — purificação; artham — meta; yat — aquilo que; āha — disse; bhagavān — a Personalidade de Deus; ṛtam — na realidade; brahmaṇe — ao senhor Brahmā; darśayan — mostrando; rūpam — forma eterna; avyalīka — sem nenhum motivo enganador; vrata — voto; ādṛtaḥ — adorado.

Tradução

O rei, a Personalidade de Deus, estando muitíssimo satisfeito com o senhor Brahmā por causa de sua sincera penitência em bhakti-yoga, apresentou Sua forma eterna e transcendental diante de Brahmā. E esse objetivo serve para purificar a alma condicionada.

Comentário

SIGNIFICADO—Ātma-tattva é a ciência de Deus e da entidade viva. O Senhor Supremo e a entidade viva são conhecidos como ātmā. O Senhor Supremo é chamado Paramātmā, e a entidade viva é chamada ātmā, brahma ou jīva. Tanto o Paramātmā quanto a jīvātmā, sendo transcendentais à energia material, chamam-se ātmā. Assim, Śukadeva Gosvāmī explica este verso com o propósito de purificar a verdade do Paramātmā e da jīvātmā. Em geral, as pessoas têm muitos conceitos errados a respeito deles. A concepção errada em relação à jīvātmā consiste em identificar o corpo material com a alma pura, e o conceito errado em relação ao Paramātmā é pensar que Ele está em nível de igualdade com a entidade viva. Mas ambos os falsos conceitos podem ser removidos por um só golpe de bhakti-yoga, assim como, na luz solar, tanto o Sol quanto o mundo e tudo o que estiver sob a luz solar são devidamente vistos. Na escuridão, ninguém pode ver o Sol, nem a si, nem o mundo. Na luz solar, porém, a pessoa pode ver o Sol, a si mesma e o mundo ao seu redor. Śrīla Śukadeva Gosvāmī, portanto, diz que, para remover os dois falsos conceitos, o Senhor apresentou Sua forma eterna perante Brahmājī, pois estava plenamente satisfeito com Brahmā, quem, no cumprimento de seu voto sincero, praticava bhakti-yoga. À exceção de bhakti-yoga, qualquer método para compreender ātma-tattva, ou a ciência do ātmā, acabará sendo uma decepção.

Na Bhagavad-gītā, o Senhor diz que apenas por intermédio de bhakti-yoga pode alguém conhecê-lO perfeitamente e, então, ter acesso à ciência de Deus. Brahmājī submeteu-se a uma grande penitência, executando bhakti-yoga, após o que conseguiu ver a forma transcendental do Senhor. Sua forma transcendental é cem por cento espiritual, e só é possível vê-lO quem desenvolveu visão espiritual após se dedicar à adequada execução de tapasya, ou penitência, em bhakti-yoga puro. A forma do Senhor manifesta diante de Brahmā não é uma das formas de que temos experiência no mundo material. Brahmājī não executou essas rigorosas espécies de penitência apenas para ver uma forma produzida pela matéria. Portanto, está respondida a pergunta que Mahārāja Parīkṣit formulou a respeito da forma do Senhor. A forma do Senhor é sac-cid-ānanda, ou eterna, plena de conhecimento e plena de bem-aventurança. Porém, a forma material do ser vivo não é eterna, plena de conhecimento ou bem-aventurada. Eis a distinção entre a forma do Senhor e a forma da alma condicionada. Entretanto, a alma condicionada pode recuperar sua forma de conhecimento e bem-aventurança eternos apenas vendo o Senhor por meio de bhakti-yoga.

Em resumo, é devido à ignorância que a alma condicionada está aprisionada nas muitas variedades das formas materiais temporárias. Todavia, ao contrário das almas condicionadas, o Senhor Supremo não tem semelhante forma temporária. Ele possui sempre uma forma eterna, dotada de conhecimento e bem-aventurança, e essa é a diferença entre o Senhor e a entidade viva. Essa diferença pode ser compreendida através do processo de bhakti-yoga. Então, em quatro versos originais, o Senhor transmitiu a Brahmā a essência do Śrīmad-Bhāgavatam. Assim sendo, o Śrīmad-Bhāgavatam não é uma criação de especuladores mentais. O som do Śrīmad-Bhāgavatam é transcendental, e a ressonância do Śrīmad-Bhāgavatam está no mesmo nível daquela dos Vedas. Assim, o tópico do Śrīmad-Bhāgavatam é a ciência do Senhor e da entidade viva. Ler ou ouvir com regularidade o Śrīmad-Bhāgavatam também é praticar bhakti-yoga, e pode-se alcançar a maior perfeição com a simples associação do Śrīmad-Bhāgavatam. Tanto Śukadeva Gosvāmī quanto Mahārāja Parīkṣit alcançaram a perfeição por intermédio do Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

sa ādi-devo jagatāṁ paro guruḥ
svadhiṣṇyam āsthāya sisṛkṣayaikṣata
tāṁ nādhyagacchad dṛśam atra sammatāṁ
prapañca-nirmāṇa-vidhir yayā bhavet

Sinônimos

saḥ — ele; ādidevaḥ – o primeiro semideus; jagatām — do universo; paraḥ — supremo; guruḥ — mestre espiritual; svadhiṣṇyam — seu assento de lótus; āsthāya — para encontrar a fonte deste; sisṛkṣayā — com o propósito de criar os afazeres universais; aikṣata — começou a pensar; tām — neste assunto; na — não pôde; adhyagacchat — compreender; dṛśam — a direção; atra — nesse aspecto; sammatām — apenas o caminho apropriado; prapañca — material; nirmāṇa — construção; vidhiḥ — processo; yayā — tanto quanto; bhavet — deveria ser.

Tradução

O senhor Brahmā, o primeiro mestre espiritual, supremo no universo, não podia determinar a fonte de seu assento de lótus e, enquanto pensava em criar o mundo material, não podia entender a direção correta desse trabalho criativo, nem podia encontrar o processo para essa criação.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso é o prelúdio da explicação da natureza transcendental da forma e da morada do Senhor. No início do Śrīmad-Bhāgavatam, já foi dito que a Suprema Verdade Absoluta existe em Sua própria morada sem nenhum vestígio da energia ilusória. Portanto, o reino de Deus não é um mito, senão que é, na realidade, uma diferente e transcendental esfera de planetas conhecidos como Vaikuṇṭhas. Também se explicará isso neste capítulo

Esse conhecimento acerca do céu espiritual muito acima deste céu material e sua parafernália só pode ser conhecido por força do serviço devocional, ou bhakti-yoga. O senhor Brahmā também obteve através de bhakti-yoga o poder de criação. O assunto criação havia deixado Brahmājī confuso, e ele era incapaz até de determinar a fonte de sua própria existência. Através de bhakti-yoga, porém, ele obteve todo esse conhecimento. Por intermédio de bhakti-yoga, a pessoa pode conhecer o Senhor, e, conhecendo o Senhor como o Supremo, ela é capaz de adquirir todos os outros conhecimentos. Quem conhece o Supremo tem todos os outros conhecimentos. Essa é a versão de todos os Vedas. Se até mesmo o primeiro mestre espiritual do universo foi iluminado pela graça do Senhor, logo, sem a misericórdia do Senhor, quem pode alcançar o perfeito conhecimento de tudo? Se alguém deseja obter um conhecimento perfeito de tudo, deve buscar a misericórdia do Senhor, e não existe outro meio. Buscar conhecimento valendo-se do próprio esforço pessoal é mera perda de tempo.

Texto

sa cintayan dvy-akṣaram ekadāmbhasy
upāśṛṇod dvir-gaditaṁ vaco vibhuḥ
sparśeṣu yat ṣoḍaśam ekaviṁśaṁ
niṣkiñcanānāṁ nṛpa yad dhanaṁ viduḥ

Sinônimos

saḥ — ele; cintayan — enquanto pensava assim; dvi — duas; akṣaram — sílabas; ekadā — certa vez; ambhasi — na água; upāśṛṇot — ouviu nas redondezas; dviḥ — duas vezes; gaditam — pronunciadas; vacaḥ — palavras; vibhuḥ — o grande; sparśeṣu — nas letras sparśa; yat — que; ṣoḍaśam — a décima sexta; ekaviṁśam — e a vigésima primeira; niṣkiñcanānām — da ordem de vida renunciada; nṛpa — ó rei; yat — que é; dhanam — riqueza; viduḥ — como ela é conhecida.

Tradução

Enquanto estava na água, ocupando-se com esse pensamento, duas vezes Brahmājī ouviu nas proximidades uma palavra de duas sílabas. Uma das sílabas foi tirada da décima sexta, e a outra, da vigésima primeira letra dos alfabetos sparśa, e ambas se juntaram para se tornarem a riqueza da ordem da vida renunciada.

Comentário

SIGNIFICADO—Na língua sânscrita, as consoantes do alfabeto pertencem a dois grupos, a saber, os sparśa-varṇas e os tālavya-varṇas. De ka até ma, as letras são conhecidas como sparśa-varṇas, e a décima sexta do grupo chama-se ta, ao passo que a vigésima primeira letra chama-se pa. Então, quando elas se juntam, constrói-se a palavra tapa, ou penitência. Essa penitência é a beleza e a riqueza dos brāhmaṇas e da ordem de vida renunciada. Segundo a filosofia bhāgavata, todo ser humano se destina a esse tapa e a nenhuma outra ocupação, visto que é apenas pela penitência que ele pode perceber o seu eu; e a autorrealização, e não o gozo dos sentidos, é a ocupação da vida humana. Esse tapa, ou penitência, começou desde o início da criação, e foi primeiramente adotado pelo mestre espiritual supremo, o senhor Brahmā. Somente através da tapasya é que alguém pode tirar proveito da vida humana, e não vivendo numa civilização animal polida. Tudo o que o animal conhece é o gozo dos sentidos, isto é, comer, beber, divertir-se e desfrutar. Porém, o ser humano existe para se submeter a tapasya a fim de voltar ao Supremo, voltar ao lar.

Quando procurava descobrir como construir as manifestações materiais no universo e mergulhou na água para encontrar o meio e a fonte de seu assento de lótus, o senhor Brahmā ouviu a palavra tapa ser vibrada duas vezes. Aceitar o caminho de tapa é o segundo nascimento do aspirante a discípulo. A palavra upāśṛṇot é muito significativa. É semelhante a upanayana, ou colocar o discípulo mais perto do mestre espiritual para que ele trilhe o caminho de tapa. Então, Brahmājī foi iniciado pelo Senhor Kṛṣṇa dessa maneira, e, em seu livro, a Brahma-saṁhitā, o próprio Brahmājī corrobora esse fato. Na Brahma-saṁhitā, o senhor Brahmā canta em cada verso govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi. Assim, Brahmā foi iniciado pelo mantra de Kṛṣṇa, pelo próprio Senhor Kṛṣṇa, tornando-se, assim, um vaiṣṇava, ou devoto do Senhor, antes que fosse capaz de construir o imenso universo. Afirma-se na Brahma-saṁhitā que o senhor Brahmā foi iniciado no mantra de Kṛṣṇa que possui dezoito letras, o qual, em geral, é aceito por todos os devotos do Senhor Kṛṣṇa. Seguimos o mesmo princípio porque pertencemos ao sampradāya de Brahmā, diretamente na corrente discipular de Brahmā a Nārada, de Nārada a Vyāsa, de Vyāsa a Madhva Muni, de Madhva Muni a Mādhavendra Purī, de Mādhavendra Purī a Īśvara Purī, de Īśvara Purī ao Senhor Caitanya e, gradualmente, até chegar a Sua Divina Graça Bhaktisiddhānta Sarasvatī, nosso divino mestre.

Quem recebe essa iniciação na sucessão discipular é capaz de conseguir o mesmo resultado ou poder de criação. Cantar esse mantra sagrado é o único refúgio do abnegado devoto puro do Senhor. Com esse simples tapasya, ou penitência, o devoto do Senhor consegue todas as perfeições, tal qual o senhor Brahmā.

Texto

niśamya tad-vaktṛ-didṛkṣayā diśo
vilokya tatrānyad apaśyamānaḥ
svadhiṣṇyam āsthāya vimṛśya tad-dhitaṁ
tapasy upādiṣṭa ivādadhe manaḥ

Sinônimos

niśamya — após ouvir; tat — isto; vaktṛ — o orador; didṛkṣayā — só para descobrir quem falou; diśaḥ — todos os lados; vilokya — venda; tatra — ali; anyat — algum outro; apaśyamānaḥ — não pôde ser encontrado; svadhiṣṇyam — em seu assento de lótus; āsthāya — sentou-se; vimṛśya — pensando; tat — isso; hitam — bem-estar; tapasi — em penitência; upādiṣṭaḥ — como foi instruído; iva — de acordo com; ādadhe — deu; manaḥ — atenção.

Tradução

Quando ouviu o som, ele tentou encontrar quem o emitiu, procurando por todos os lados. Contudo, ao perceber que só ele estava ali presente, achou prudente se sentar com toda firmeza em seu assento de lótus e prestar atenção na execução de penitência, como fora instruído.

Comentário

SIGNIFICADO—Para ser bem-sucedida na vida, a pessoa deve seguir o exemplo do senhor Brahmā, a primeira criatura viva no começo da criação. Após ser iniciado pelo Senhor Supremo para executar tapasya, ele estava determinado a adotar esse procedimento, e embora não pudesse encontrar nenhuma outra pessoa além dele mesmo, pôde compreender corretamente que o som foi transmitido pelo próprio Senhor. Brahmā era o único ser vivo naquela ocasião porque não havia nenhuma outra criação, e apenas ele podia ser encontrado ali. No começo do primeiro canto, no primeiro capítulo, primeiro verso, do Śrīmad-Bhāgavatam, já se mencionou que o Senhor, situado internamente, iniciou Brahmā. O Senhor está dentro de cada ser vivo como a Superalma, e Ele iniciou Brahmā porque Brahmā queria receber a iniciação. De modo semelhante, o Senhor pode iniciar qualquer um que mostre interesse.

Como já se afirmou, Brahmā é o mestre espiritual original do universo, e como ele foi iniciado pelo próprio Senhor, a mensagem do Śrīmad-Bhāgavatam vem descendo através da sucessão discipular, e, para receber a verdadeira mensagem do Śrīmad-Bhāgavatam, a pessoa deve aproximar-se do elo da corrente, ou o mestre espiritual, na corrente da sucessão discipular. Depois de ser iniciada pelo mestre espiritual qualificado que está nessa cadeia de sucessão discipular, ela deve submeter-se a tapasya enquanto executa o serviço devocional. Entretanto, ninguém deve pensar que está no nível de Brahmā, querendo, então, receber diretamente uma iniciação íntima do Senhor, pois, na era atual, ninguém pode ser aceito como sendo tão puro como Brahmā. Oferece-se ao ser vivo mais puro o posto de Brahmā, que está encarregado da criação do universo, e, enquanto não tiver toda essa qualificação, a pessoa não merecerá ser diretamente tratada como Brahmājī. Porém, através dos devotos imaculados do Senhor, dos preceitos das escrituras (como especialmente revelados na Bhagavad-gītā e no Śrīmad-Bhāgavatam), e também através do mestre espiritual autêntico acessível à alma sincera, todos também podem adquirir condições favoráveis. O próprio Senhor aparece como o mestre espiritual à pessoa que sinceramente deseja servir ao Senhor. Portanto, o mestre espiritual autêntico que acabou encontrando o devoto sincero deve ser aceito como o mais confidencial e mais amado representante do Senhor. Se a pessoa se coloca sob a orientação desse mestre espiritual autêntico, pode-se aceitar, sem nenhuma dúvida, que esse candidato alcançou a graça do Senhor.

Texto

divyaṁ sahasrābdam amogha-darśano
jitānilātmā vijitobhayendriyaḥ
atapyata smākhila-loka-tāpanaṁ
tapas tapīyāṁs tapatāṁ samāhitaḥ

Sinônimos

divyam — referentes aos semideuses nos planetas superiores; sahasra — mil; abdam — anos; amogha — imaculado, sem vestígio de impureza; darśanaḥ — quem tem essa visão da vida; jita — controlada; anila — vida; ātmā — mente; vijita — controlados; ubhaya — ambos; indriyaḥ — quem tem esses sentidos; atapyata — executou penitências; sma — no passado; akhila — todo; loka — planeta; tāpanam — iluminadora; tapaḥ — penitência; tapīyān — penitência muito rigorosa; tapatām — de todos os que executam penitências; samāhitaḥ — assim situado.

Tradução

Segundo o cálculo dos semideuses, o senhor Brahmā se submeteu a penitências por mil anos. Ele ouviu do céu esta vibração transcendental e a aceitou como divina. Então, controlou a mente e os sentidos, e as penitências que executou foram uma grande lição para as entidades vivas. Assim, ele é conhecido como o maior de todos os ascetas.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Brahmā ouviu o som oculto tapa, mas não viu a pessoa que vibrou o som. Todavia, ele aceitou a instrução como benéfica para ele e, por isso, ocupou-se em meditar durante mil anos celestiais. Um ano celestial é igual a 6 x 30 x 12 x 1000 de nossos anos. O fato de ele ter aceitado o som se devia à sua visão pura da natureza absoluta do Senhor. E por causa de sua visão correta, ele não fez distinção entre o Senhor e a instrução do Senhor. Não há diferença entre o Senhor e a vibração sonora proveniente dEle, muito embora Ele não esteja presente em pessoa. A melhor maneira de compreender é aceitar essa instrução divina, e Brahmā, o primeiro mestre espiritual de todos, é o exemplo vivo desse processo que consiste em receber conhecimento transcendental. A potência do som transcendental jamais diminui só por causa da aparente ausência da pessoa que o vibra. Por isso, nunca se deve aceitar neste mundo que o Śrīmad-Bhāgavatam, a Bhagavad-gītā ou qualquer escritura revelada são um som ordinário mundano sem potência transcendental.

Todos devem receber da fonte correta o som transcendental, aceitá-lo como realidade e acatar a orientação sem hesitar. O segredo do sucesso é receber o som da fonte correta, ou seja, do mestre espiritual genuíno. A fabricação de um som mundano não tem potência alguma, e, do mesmo modo, o som aparentemente transcendental, recebido da pessoa não autorizada, também não tem potência. A pessoa deve ter bastante qualificação para discernir essa potência transcendental, e se, por análise minuciosa ou mera casualidade, a pessoa receber do mestre espiritual autêntico o som transcendental, o caminho de sua liberação fica garantido. Entretanto, o discípulo deve estar pronto para executar a ordem do mestre espiritual autêntico assim como o senhor Brahmā acatou a instrução de seu mestre espiritual, o próprio Senhor. Seguir a ordem do mestre espiritual genuíno é o único dever do discípulo, e cumprir à risca a ordem do mestre espiritual autêntico é o segredo do sucesso.

Por meio da percepção sensorial e por meio dos órgãos dos sentidos, o senhor Brahmā controlou suas duas categorias de sentidos porque tinha de ocupar esses sentidos na execução da ordem do Senhor. Por isso, controlar os sentidos significa ocupá-los no transcendental serviço ao Senhor. A ordem do Senhor é transmitida em sucessão discipular através do mestre espiritual autêntico, e, dessa maneira, a execução da ordem do mestre espiritual autêntico é o verdadeiro controle dos sentidos. Essa execução de penitência com plena fé e sinceridade fez de Brahmājī uma entidade tão poderosa que se tornou o criador do universo. E porque conseguiu esse poder, ele é chamado de o melhor entre todos os tapasvīs.

Texto

tasmai sva-lokaṁ bhagavān sabhājitaḥ
sandarśayām āsa paraṁ na yat-param
vyapeta-saṅkleśa-vimoha-sādhvasaṁ
sva-dṛṣṭavadbhir puruṣair abhiṣṭutam

Sinônimos

tasmai — a ele; sva-lokam — Seu próprio planeta ou morada; bhagavān — a Personalidade de Deus; sabhājitaḥ — estando satisfeito com a penitência de Brahmā; sandarśayām āsa — manifestou; param — o supremo; na — não; yat — do qual; param — ainda mais supremo; vyapeta — abandonados por completo; saṅkleśa — cinco espécies de aflições materiais; vimoha — sem ilusão; sādhvasam — medo da existência material; sva-dṛṣṭa-vadbhiḥ — por aqueles que entenderam perfeitamente o eu; puruṣaiḥ — por pessoas; abhiṣṭutam — adorado por.

Tradução

A Personalidade de Deus, estando assim muito satisfeito com a penitência do senhor Brahmā, manifestou com alegria Sua morada pessoal, Vaikuṇṭha, o planeta supremo, acima de todos os outros. Essa morada transcendental do Senhor é adorada por todas as pessoas autorrealizadas, que estão livres de todas as espécies de sofrimentos e não são amedrontadas pela existência ilusória.

Comentário

SIGNIFICADO—As dificuldades da penitência aceita pelo senhor Brahmā na certa estavam na linha do serviço devocional (bhakti). Caso contrário, não havia possibilidade de Brahmājī conseguir ver Vaikuṇṭha, ou svalokam, as moradas pessoais do Senhor. As moradas pessoais do Senhor, conhecidas como Vaikuṇṭhas, não são míticas nem materiais, como concebem os impersonalistas. Contudo, somente através do serviço devocional é que alguém pode perceber as moradas transcendentais do Senhor, e os devotos, então, entram nessas moradas. Não há dúvida alguma de que a execução de penitência vem acompanhada de muitas dificuldades. Porém, aceitar a dificuldade que surge com a execução de bhakti-yoga é, desde o início, felicidade transcendental, ao passo que passar dificuldade executando penitência em outros processos de autorrealização (jñāna-yoga, dhyāna-yoga etc.), sem nenhuma percepção de Vaikuṇṭha, acaba apenas em adversidades e nada mais. Nada adianta morder cascas de arroz debulhado. Do mesmo modo, não há proveito algum em executar penitências difíceis, diferentes de bhakti-yoga, em busca da autorrealização.

Executar bhakti-yoga é exatamente como sentar-se no lótus que brota do abdômen da transcendental Personalidade de Deus, pois o senhor Brahmā estava sentado ali. Brahmājī foi capaz de agradar o Senhor, e o Senhor também ficou contente em mostrar a Brahmājī Sua morada pessoal. Śrīla Jīva Gosvāmī, nos comentários de seu Krama-sandarbha, seus apontamentos sobre o Śrīmad-Bhāgavatam, faz citações da Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad, a evidência védica. Afirma-se que Yājñavalkya descreveu para Gārgī a morada transcendental do Senhor, e que a morada do Senhor está situada acima do planeta mais elevado do universo, a saber, Brahmaloka. Essa morada do Senhor, embora delineada em escrituras reveladas, como a Bhagavad-gītā e o Śrīmad-Bhāgavatam, permanece apenas um mito para a classe de homens menos inteligentes e com um pobre fundo de conhecimento. Aqui, a palavra sva-dṛṣṭavadbhiḥ é muito significativa. Quem de fato compreende seu eu percebe a forma transcendental de seu eu. A percepção impessoal do eu e do Supremo não é completa, porque é apenas uma maneira de cultivar acerca das personalidades materiais uma concepção oposta a elas. A Personalidade de Deus e as personalidades dos devotos do Senhor são todas transcendentais; eles não têm corpos materiais. O corpo material é afligido de cinco espécies de condições lastimáveis, isto é, ignorância, concepção material, apego, ódio e absorção. Enquanto a pessoa estiver acossada por essas cinco espécies de sofrimentos materiais, está fora de cogitação ela entrar nos Vaikuṇṭhalokas. A concepção impessoal do eu é apenas a negação da personalidade material e está muito distante da existência positiva da forma pessoal. As formas pessoais da morada transcendental serão explicadas nos versos seguintes. Brahmājī também descreveu o planeta mais elevado de Vaikuṇṭhaloka como Goloka Vṛndāvana, onde o Senhor reside como um vaqueirinho que toma conta das vacas surabhi transcendentais e está rodeado por centenas e milhares de deusas da fortuna.

cintāmaṇi-prakara-sadmasu kalpavṛkṣa-
lakṣāvṛteṣu surabhīr abhipālayantam
lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama-sevyamānaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

(Brahma-saṁhitā 5.29)

Nesta passagem, também se confirma a afirmação da Bhagavad-gītā, yad gatvā na nivartante tad dhāma paramaṁ mama. Param significa Brahman transcendental. Portanto, a morada do Senhor também é Brahman, ou seja, ela não é diferente da Suprema Personalidade de Deus. O Senhor é conhecido como Vaikuṇṭha, e Sua morada também é conhecida como Vaikuṇṭha. Essa percepção e adoração de Vaikuṇṭha pode tornar-se possível por intermédio da forma e do sentido transcendentais.

Texto

pravartate yatra rajas tamas tayoḥ
sattvaṁ ca miśraṁ na ca kāla-vikramaḥ
na yatra māyā kim utāpare harer
anuvratā yatra surāsurārcitāḥ

Sinônimos

pravartate — predominam; yatra — onde; rajaḥ tamaḥ — os modos da paixão e da ignorância; tayoḥ — de ambos; sattvam — o modo da bondade; ca — e; miśram — mistura; na — nunca; ca — e; kāla — tempo; vikramaḥ — influência; na — nem; yatra — naquele lugar; māyā — energia ilusória externa; kim — que; uta — há; apare — outros; hareḥ — da Personalidade de Deus; anuvratāḥ — devotos; yatra — onde; sura — pelos semideuses; asura — e os demônios; arcitāḥ — adorados.

Tradução

Nessa morada pessoal do Senhor, os modos da ignorância e da paixão materiais não vigoram, tampouco existe alguma influência deles em bondade. Como não há predomínio da influência do tempo, o que se dizer, então, da energia ilusória externa? Ela não pode entrar nessa região. Sem discriminação, tanto os semideuses quanto os demônios adoram o Senhor como devotos.

Comentário

SIGNIFICADO—O reino de Deus, ou a atmosfera da natureza Vaikuṇṭha, chamada tripād-vibhūti, é três vezes maior do que os universos materiais e é descrito aqui, bem como na Bhagavad-gītā, de modo resumido. Este universo, que contém bilhões de estrelas e planetas, é um dos bilhões desses universos aglomerados dentro do âmbito do mahat-tattva. E todos esses milhões e bilhões de universos combinados constituem apenas um quarto da extensão de toda a criação do Senhor. Existe também o céu espiritual; além deste céu, estão os planetas espirituais denominados Vaikuṇṭha, e todos eles constituem três quartos de toda a criação do Senhor. As criações de Deus são sempre inumeráveis. Nem mesmo as folhas de uma árvore podem ser contadas pelo homem, nem os cabelos de sua cabeça. Todavia, homens tolos se envaidecem com a ideia de se tornarem o próprio Deus, embora incapazes de criar um fio de cabelo a partir de seus próprios corpos. O homem pode descobrir muitos veículos maravilhosos, mas mesmo que alcance a Lua com sua espaçonave tão alardeada, ele não poderá permanecer lá. O homem sensato, portanto, sem se envaidecer, como se ele fosse o Deus do universo, acata as instruções da literatura védica, o modo mais fácil de adquirir conhecimento em transcendência. Logo, recorramos à autoridade do Śrīmad-Bhāgavatam para, então, procurarmos conhecer a natureza e constituição do mundo transcendental, situado além do céu material. Naquele céu, as qualidades materiais, em especial os modos da paixão e da ignorância, estão inteiramente ausentes. O modo da ignorância influencia a entidade viva a desenvolver o hábito da luxúria e do anseio, o que quer dizer que as entidades vivas estão livres desses dois sintomas nos Vaikuṇṭhalokas. Como confirma a Bhagavad-gītā, na fase de vida brahma-bhūta, a pessoa se livra do anseio e da lamentação. Portanto, a conclusão é que os habitantes dos planetas Vaikuṇṭha são todos entidades vivas brahma-bhūta, enquanto, em contraste, as criaturas mundanas estão todas presas ao anseio e à lamentação. Quando não está nos modos da ignorância e da paixão, entende-se que a pessoa está situada no modo da bondade no mundo material. A bondade no mundo material também se contamina às vezes com traços dos modos da paixão e da ignorância. Em Vaikuṇṭhaloka, só existe bondade pura.

Toda a situação ali é livre da manifestação ilusória da energia externa. Embora também seja parte integrante do Senhor Supremo, a energia ilusória é diferente do Senhor. Entretanto, a energia ilusória não é falsa como alegam os filósofos monistas. Uma determinada pessoa que aceita uma corda como sendo uma cobra pode estar sob o efeito da ilusão, mas a corda é um fato, e a cobra também é um fato. A miragem da água no deserto quente pode causar ilusão ao animal ignorante que procura água no deserto, mas o deserto e a água são fatos reais. Portanto, a criação material do Senhor pode ser uma ilusão para o não-devoto, mas, para o devoto, até mesmo a criação material do Senhor é um fato, uma manifestação de Sua energia externa. Essa energia do Senhor, porém, não é tudo. O Senhor também tem Sua energia interna, que executa outra criação, conhecida como os Vaikuṇṭhalokas, onde não há ignorância, paixão, ilusão, passado e presente. Com um pobre fundo de conhecimento, talvez a pessoa não consiga compreender a existência de fenômenos tais como a atmosfera Vaikuṇṭha, mas isso não anula sua existência. O fato de uma espaçonave não conseguir alcançar esses planetas não significa que esses planetas não existam, pois eles são descritos nas escrituras reveladas.

Como cita Śrīla Jīva Gosvāmī, podemos saber, por intermédio do Nārada-pañcarātra, que o mundo transcendental, ou a atmosfera Vaikuṇṭha, é enriquecido com qualidades transcendentais. Essas qualidades transcendentais, como reveladas através do serviço devocional ao Senhor, são distintas das qualidades mundanas: a ignorância, a paixão e a bondade. Essas qualidades não são alcançadas pela classe de homens não-devotos. No Padma Purāṇa, Uttara-khaṇḍa, afirma-se que, além dessa quarta parte da criação de Deus, manifestam-se os outros três quartos. A linha marginal entre a manifestação material e a manifestação espiritual é o rio Virajā, e além do Virajā, que é uma corrente transcendental que flui da transpiração do corpo do Senhor, manifestam-se os três quartos da criação de Deus. Essa parte é eterna, perene, sem deterioração e ilimitada, e contém a fase de máxima perfeição das condições de vida. No Sāṅkhya-kaumudī, declara-se que a bondade imaculada, ou transcendência, é exatamente o oposto dos modos materiais. Ali, todas as entidades vivas gozam de eterna associação ininterrupta, e o Senhor é a entidade principal e primordial. Nos Āgama Purāṇas também, descreve-se a morada transcendental como segue: Ali, os membros associados são livres para ir a toda parte da criação do Senhor, e não há limite para esta criação, particularmente na região que corresponde aos três quartos de extensão. Como a natureza dessa região é ilimitada, não se sabe quando começou tal associação, tampouco ela acabará algum dia.

Pode-se chegar à conclusão de que, por causa da completa ausência das qualidades mundanas de ignorância e paixão, fica fora de cogitação a criação ou a aniquilação. No mundo material, tudo é criado e tudo é aniquilado, e a duração da vida entre a criação e a aniquilação é temporária. No reino transcendental, não existe criação nem destruição, de modo que a duração da vida é eterna, ilimitada. Em outras palavras, tudo no mundo transcendental é perene, cheio de conhecimento e bem-aventurança e sem deterioração. Como não ocorre deterioração, o tempo não se sujeita a passado, presente e futuro. Neste verso, afirma-se com toda a clareza que o tempo não exerce nenhuma influência. Toda a existência material se manifesta por ações e reações de elementos que propiciam o tempo a exercer sua influência sob a forma de passado, presente e futuro. Ali, não existem essas ações e reações de causa e efeito, daí o ciclo de nascimento, crescimento, existência, transformações, deterioração e aniquilação – as seis mudanças materiais – não existir ali. Trata-se da manifestação imaculada da energia do Senhor, sem a ilusão que é experimentada aqui no mundo material. Toda a existência de Vaikuṇṭha proclama que todos ali são seguidores do Senhor. Ali, o Senhor é o líder principal, sem nenhuma competição pela liderança, e todas as pessoas em geral são seguidores do Senhor. Portanto, confirma-se nos Vedas que o Senhor é o líder principal, e todas as outras entidades vivas estão subordinadas a Ele, pois só o Senhor satisfaz todas as necessidades de todas as outras entidades vivas.

Texto

śyāmāvadātāḥ śata-patra-locanāḥ
piśaṅga-vastrāḥ surucaḥ supeśasaḥ
sarve catur-bāhava unmiṣan-maṇi-
praveka-niṣkābharaṇāḥ suvarcasaḥ

Sinônimos

śyāma — azul-celeste; avadātāḥ — reluzente; śatapatra – flor de lótus; locanāḥ — olhos; piśaṅga — amarelas; vastrāḥ — roupas; su-rucaḥ — muito atraentes; su-peśasaḥ — jovens adolescentes; sarve — todos eles; catuḥ — quatro; bāhavaḥ — braços; unmiṣan — brilho crescente; maṇi — pérolas; praveka — qualidade superior; niṣka-ābharaṇāḥ — medalhões ornamentais; su-varcasaḥ — refulgentes.

Tradução

Descreve-se que os habitantes dos planetas Vaikuṇṭha têm uma reluzente tonalidade azul-celeste. Seus olhos assemelham-se a flores de lótus, sua roupa é de cor amarela, e seus traços físicos são muito atraentes. Todos têm a idade de jovens adolescentes, todos têm quatro braços, todos estão belamente decorados com colares de pérolas com medalhões ornamentais, e todos parecem refulgentes.

Comentário

SIGNIFICADO—Os habitantes de Vaikuṇṭhaloka são todos personalidades com características corpóreas espirituais que não podem ser encontradas no mundo material. Podemos encontrar as descrições em escrituras reveladas como o Śrīmad-Bhāgavatam. Nas escrituras, as descrições impessoais acerca da transcendência indicam que as características corpóreas de Vaikuṇṭhaloka jamais podem ser vistas em parte alguma do universo. Assim como existem diferentes características corpóreas em diferentes lugares de um planeta específico, ou assim como há diferentes características corpóreas entre os corpos em diferentes planetas, do mesmo modo, as características corpóreas dos habitantes de Vaikuṇṭhaloka são inteiramente diferentes daquelas existentes no universo material. Por exemplo, os quatro braços são diferentes dos dois braços vistos neste mundo.

Texto

pravāla-vaidūrya-mṛṇāla-varcasaḥ
parisphurat-kuṇḍala-mauli-mālinaḥ

Sinônimos

pravāla — coral; vaidūrya — um diamante especial; mṛṇāla — lótus celestial; varcasaḥ — raios; parisphurat — viçoso; kuṇḍala — brincos; mauli — cabeças; mālinaḥ — com guirlandas.

Tradução

Alguns deles têm a tonalidade refulgente como coral e diamantes, e têm guirlandas na cabeça, viçosas como flores de lótus, e alguns usam brincos.

Comentário

SIGNIFICADO—Existem alguns habitantes que alcançaram a liberação sārūpya, ou a posse das mesmas características corpóreas da Personalidade de Deus. O diamante vaidūrya se destina especialmente à Personalidade de Deus, mas quem consegue como liberação a igualdade corpórea com o Senhor é especialmente favorecido com esses diamantes em seu corpo.

Texto

bhrājiṣṇubhir yaḥ parito virājate
lasad-vimānāvalibhir mahātmanām
vidyotamānaḥ pramadottamādyubhiḥ
savidyud-abhrāvalibhir yathā nabhaḥ

Sinônimos

bhrājiṣṇubhiḥ — pelos reluzentes; yaḥ — os Vaikuṇṭhalokas; paritaḥ — rodeados por; virājate — assim situados; lasat — brilhantes; vimāna — aeroplanos; avalibhiḥ — reunião; mahā-ātmanām — dos grandes devotos do Senhor; vidyotamānaḥ — belas como um raio; pramada — damas; uttama — celestial; adyubhiḥ — de matiz; sa-vidyut — com o relâmpago elétrico; abhrāvalibhiḥ — com nuvens no céu; yathā — como se fosse; nabhaḥ — o céu.

Tradução

Os planetas Vaikuṇṭha também estão rodeados por vários aeroplanos, todos reluzentes e em brilhante situação. Esses aeroplanos pertencem aos grandes mahātmās, ou devotos do Senhor. As damas são tão belas como um raio devido ao seu matiz celestial, e tudo isso combinado parece o céu decorado com nuvens e raios.

Comentário

SIGNIFICADO—Parece que nos planetas Vaikuṇṭha também há aeroplanos de brilho refulgente, e são ocupados pelos grandes devotos do Senhor, com damas de beleza celestial tão brilhantes como o relâmpago. Assim como existem aeroplanos, também deve haver diferentes tipos de carruagens e aeroplanos, mas eles não são máquinas a motor, como temos experiência neste mundo. Porque tudo é da mesma natureza de eternidade, bem-aventurança e conhecimento, os aeroplanos e carruagens têm a mesma qualidade de Brahman. Embora só exista Brahman, ninguém deve pensar que só há vazio e nenhuma variedade. Cultiva esse pensamento quem tem um pobre fundo de conhecimento; caso contrário, ninguém iria conceber erroneamente que o Brahman é vazio. Assim como existem aeroplanos, damas e cavalheiros, também tem de haver cidades e casas e todas as outras parafernálias que constituem os planetas específicos. Ninguém deve comparar com este mundo cheio de imperfeições o mundo transcendental, e não deve levar em consideração a natureza da atmosfera, que é completamente livre da influência do tempo etc., como já se descreveu anteriormente.

Texto

śrīr yatra rūpiṇy urugāya-pādayoḥ
karoti mānaṁ bahudhā vibhūtibhiḥ
preṅkhaṁ śritā yā kusumākarānugair
vigīyamānā priya-karma-gāyatī

Sinônimos

śrīḥ — a deusa da fortuna; yatra — nos planetas Vaikuṇṭha; rūpiṇī — em sua forma transcendental; urugāya — o Senhor, sobre quem cantam os grandes devotos; pādayoḥ — sob os pés de lótus do Senhor; karoti — faz; mānam — serviços respeitosos; bahudhā — com variada parafernália; vibhūtibhiḥ — acompanhada por suas associadas pessoais; preṅkham — movimento de prazer; śritā — dando refúgio a; — quem; kusumākara — primavera; anugaiḥ — pelas abelhas pretas; vigīyamānā — sendo seguida pelas canções; priya-karma — atividades do mais querido; gāyatī — cantando.

Tradução

A deusa da fortuna, em sua forma transcendental, ocupa-se no serviço amoroso aos pés de lótus do Senhor e, impelida pelas abelhas negras, seguidoras da primavera, ela não só está ocupada em variado prazer – serviço ao Senhor, juntamente com suas companheiras inseparáveis –, mas também se ocupa em cantar as glórias das atividades do Senhor.

Texto

dadarśa tatrākhila-sātvatāṁ patiṁ
śriyaḥ patiṁ yajña-patiṁ jagat-patim
sunanda-nanda-prabalārhaṇādibhiḥ
sva-pārṣadāgraiḥ parisevitaṁ vibhum

Sinônimos

dadarśa — Brahmā viu; tatra — ali (em Vaikuṇṭhaloka); akhila — inteiro; sātvatām — dos grandes devotos; patim — o Senhor; śriyaḥ — da deusa da fortuna; patim — o Senhor; yajña — do sacrifício; jagat — do universo; patim — o Senhor; sunanda — Sunanda; nanda — Nanda; prabala — Prabala; arhaṇa — Arhaṇa; ādibhiḥ — por eles; sva-pārṣada — próprios associados; agraiḥ — pelos principais; parisevitam — sendo servido com amor transcendental; vibhum — o grande Onipotente.

Tradução

O senhor Brahmā viu nos planetas Vaikuṇṭha a Personalidade de Deus, que é o Senhor de toda a comunidade de devotos, o Senhor da deusa da fortuna, o Senhor de todos os sacrifícios, e o Senhor do Universo, e que é servido pelos servos mais importantes, como Nanda, Sunanda, Prabala e Arhaṇa, Seus associados imediatos.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando falamos de um rei, é natural deduzir que ele está acompanhado por seus associados íntimos, como seu secretário, secretário particular, ajudante de campo, ministros e conselheiros. Logo, quando vemos o Senhor, nós O vemos com Suas diferentes energias, associados, servos íntimos etc. Assim, o Senhor Supremo, que é o líder de todas as entidades vivas, o Senhor de todas as seitas de devotos, o Senhor de todas as opulências, o Senhor dos sacrifícios e o desfrutador de tudo em Sua criação inteira, é não só a Pessoa Suprema, mas também está sempre rodeado por Seus associados imediatos, todos ocupados em Lhe prestar transcendental serviço amoroso.

Texto

bhṛtya-prasādābhimukhaṁ dṛg-āsavaṁ
prasanna-hāsāruṇa-locanānanam
kirīṭinaṁ kuṇḍalinaṁ catur-bhujaṁ
pītāṁśukaṁ vakṣasi lakṣitaṁ śriyā

Sinônimos

bhṛtya — o servidor; prasāda — afeição; abhimukham — olhando favoravelmente; dṛk — a própria visão; āsavam — embriaguez; prasanna — contentíssimo; hāsa — sorriso; aruṇa — avermelhado; locana — olhos; ānanam — rosto; kirīṭinam — com elmo; kuṇḍalinam — com brincos; catuḥbhujam – com quatro braços; pīta — amarela; aṁśukam — roupa; vakṣasi — no peito; lakṣitam — marcado; śriyā — com a deusa da fortuna.

Tradução

A Personalidade de Deus, visto favoravelmente inclinado a Seus servidores amorosos, com Sua própria visão inebriante e atraente, parecia muitíssimo satisfeito. Tinha uma face sorridente, ornada com uma encantadora tonalidade avermelhada. Vestia roupas amarelas e usava brincos, e tinha um elmo sobre a cabeça. Possuía quatro braços, e Seu peito estava marcado com as linhas da deusa da fortuna.

Comentário

SIGNIFICADO—No Padma Purāṇa, Uttara-khaṇḍa, há uma descrição completa do yoga-pīṭha, ou o lugar específico onde o Senhor proporciona audiência a Seus devotos eternos. Nesse yoga-pīṭha, as personificações de religião, conhecimento, opulência e renúncia estão todas sentadas aos pés de lótus do Senhor. Os quatro Vedas, a saber, Ṛk, Sāma, Yajur e Atharva, estão pessoalmente presentes ali para aconselhar o Senhor. As dezesseis energias, encabeçadas por Caṇḍa, estão todas presentes por lá. Caṇḍa e Kumuda são os dois primeiros porteiros, na porta intermediária estão os porteiros chamados Bhadra e Subhadra, e na última porta estão Jaya e Vijaya. Há outros porteiros também, chamados Kumuda, Kumudākṣa, Puṇḍarīka, Vāmana, Śaṅkukarṇa, Sarvanetra, Sumukha etc. O palácio do Senhor está suntuosamente decorado e protegido por esses porteiros.

Texto

adhyarhaṇīyāsanam āsthitaṁ paraṁ
vṛtaṁ catuḥ-ṣoḍaśa-pañca-śaktibhiḥ
yuktaṁ bhagaiḥ svair itaratra cādhruvaiḥ
sva eva dhāman ramamāṇam īśvaram

Sinônimos

adhyarhaṇīya — adorabilíssimo; āsanam — trono; āsthitam — sentado nele; param — o Supremo; vṛtam — rodeado por; catuḥ — quatro, a saber, prakṛti, puruṣa, mahat e ego; ṣoḍaśa — as dezesseis; pañca — cinco; śaktibhiḥ — pelas energias; yuktam — possuindo; bhagaiḥ — Suas opulências; svaiḥ — pessoais; itaratra — outros poderes menores; ca — também; adhruvaiḥ — temporários; sve — própria; eva — decerto; dhāman — morada; ramamāṇam — desfrutando; īśvaram — o Senhor Supremo.

Tradução

O Senhor estava sentado em Seu trono e estava rodeado por diferentes energias, como as quatro, dezesseis, cinco e seis opulências naturais, juntamente com outras energias insignificantes de caráter temporário. Mas Ele era o verdadeiro Senhor Supremo, desfrutando de Sua própria morada.

Comentário

SIGNIFICADO—O Senhor é por natureza dotado de Suas seis opulências. Especificamente, Ele é o mais rico, o mais poderoso, o mais famoso, o mais belo, o mais sábio e o maior renunciante também. E em Suas energias criadoras materiais, Ele é servido por quatro, a saber, os princípios de prakṛti, puruṣa, mahat-tattva e ego. Ele também é servido pelas dezesseis, a saber, os cinco elementos (terra, água, ar, fogo e céu), os cinco órgãos sensoriais perceptivos (o olho, o ouvido, o nariz, a língua e a pele), e os cinco órgãos sensoriais funcionais (a mão, a perna, o estômago, a saída da evacuação e os órgãos genitais) e a mente. As cinco incluem os objetos dos sentidos, a saber, forma, sabor, odor, som e tato. Todos estes vinte e cinco itens servem ao Senhor na criação material, e todos eles estão pessoalmente presentes para servir ao Senhor. As opulências insignificantes, totalizando oito (os aṣṭa-siddhis, alcançados pelos yogīs que querem exercer domínio temporário), também estão sob Seu controle, mas Ele naturalmente tem em plenitude todos esses poderes sem fazer nenhum esforço, daí Ele ser o Senhor Supremo.

O ser vivo, por meio de rigorosa penitência e praticando exercícios físicos, pode atingir temporariamente algum poder maravilhoso, mas isso não faz dele o Senhor Supremo. O Senhor Supremo, por Sua própria potência, é ilimitadamente mais poderoso do que qualquer yogī, é ilimitadamente mais erudito do que qualquer jnānī, é ilimitadamente mais rico do que qualquer milionário, é ilimitadamente mais belo do que qualquer beldade, e ilimitadamente mais caridoso do que qualquer filantropo. Ele está acima de todos; ninguém é igual ou superior a Ele. Tampouco pode alguém alcançar Sua perfeição em algum desses poderes, não importando a quantidade de penitência ou exercícios ióguicos que execute. Os yogīs dependem de Sua misericórdia. Por causa de Sua disposição imensamente caridosa, Ele pode conceder aos yogīs alguns poderes temporários tão avidamente desejados por eles, mas Seus devotos imaculados, que tudo o que desejam do Senhor é prestar serviço transcendental, deixam o Senhor tão satisfeito que Ele Se entrega em troca do serviço puro que recebe.

Texto

tad-darśanāhlāda-pariplutāntaro
hṛṣyat-tanuḥ prema-bharāśru-locanaḥ
nanāma pādāmbujam asya viśva-sṛg
yat pāramahaṁsyena pathādhigamyate

Sinônimos

tat — por aquela audiência do Senhor; darśana — audiência; āhlāda — alegria; paripluta — dominado; antaraḥ — dentro do coração; hṛṣyat — tem pleno êxtase; tanuḥ — corpo; premabhara – em pleno amor transcendental; aśru — lágrimas; locanaḥ — nos olhos; nanāma — prostrou-se; pāda-ambujam — sob os pés de lótus; asya — do Senhor; viśva-sṛk — o criador do universo; yat — que; pāramahaṁsyena — pela grande alma liberada; pathā — o caminho; adhigamyate — é seguido.

Tradução

O senhor Brahmā, vendo então a Personalidade de Deus em Sua plenitude, estava com o seu coração dominado pela alegria, e assim, em pleno amor e êxtase transcendentais, ficou com os olhos cheios de lágrimas de amor. Ele, então, prostrou-se diante do Senhor. Esse é o caminho da mais elevada perfeição para o ser vivo [paramahaṁsa].

Comentário

SIGNIFICADO—No início do Śrīmad-Bhāgavatam, afirma-se que esta grande literatura se destina aos paramahaṁsas. Paramo nirmatsarāṇāṁ satām, isto é, o Śrīmad-Bhāgavatam é para pessoas inteiramente livres de malícia. Na vida condicionada, a vida maliciosa começa de cima, a saber, usar de malícia com a Suprema Personalidade de Deus. A Personalidade de Deus é um fato estabelecido em todas as escrituras reveladas, e menciona-se na Bhagavad-gītā especialmente o aspecto pessoal do Senhor Supremo, tanto que a última parte dessa grande obra enfatiza com destaque que a pessoa deve render-se à Personalidade de Deus para livrar-se dos sofrimentos da vida. Infelizmente, pessoas com antecedentes ímpios não acreditam na Personalidade de Deus; e todos querem se tornar Deus, embora não tenham nenhuma qualificação. Essa natureza maliciosa na alma condicionada continua até a fase em que a pessoa quer se tornar una com o Senhor, e assim nem mesmo o maior dos filósofos empíricos que especula em se tornar uno com o Senhor Supremo pode tornar-se um paramahaṁsa, visto que possui uma mente maliciosa. Portanto, a fase de vida paramahaṁsa só pode ser alcançada por aqueles que estão fixos na prática de bhakti-yoga. Esse bhakti-yoga começa se a pessoa tem a firme convicção de que o simples desempenho do serviço devocional ao Senhor em pleno amor transcendental pode elevá-la à fase de máxima perfeição da vida. Brahmājī acreditava nesta arte de bhakti-yoga; ele acreditou quando o Senhor o instruiu a executar tapa, e ele desempenhou o trabalho com grande penitência e, desse modo, alcançou grande sucesso, e viu os Vaikuṇṭhalokas e o Senhor por intermédio de sua experiência pessoal. Ninguém pode alcançar a morada do Senhor Supremo valendo-se de algum meio mecânico, como a mente ou uma máquina, mas pode alcançar a morada dos Vaikuṇṭhalokas quem segue o simples processo de bhakti-yoga, pois o Senhor só pode ser compreendido através do processo de bhakti-yoga. O senhor Brahmājī estava de fato sentado em seu assento de lótus, e de lá, onde executou o processo de bhakti-yoga com muita seriedade, pôde ver os Vaikuṇṭhalokas com toda a sua variedade bem como o Senhor em pessoa e Seus associados.

Seguindo os passos do senhor Brahmā, qualquer pessoa, mesmo hoje em dia, pode alcançar a mesma perfeição, trilhando o caminho do paramahaṁsa como se recomenda nesta passagem. O Senhor Caitanya também aprovou que os homens desta era adotassem este método de autorrealização. A pessoa deve primeiro, com toda a convicção, acreditar na Personalidade de Deus Śrī Kṛṣṇa e, sem fazer esforços para compreendê-lO através da filosofia especulativa, deve preferir ouvir o que fala sobre Ele a Śrīmad-Bhagavad-gītā e, mais tarde, o texto do Śrīmad-Bhāgavatam. Devemos ouvir os comentários de uma pessoa Bhāgavatam, e não de um profissional, ou de um karmī, jñānī ou yogī. Esse é o segredo para se aprender a ciência. Não é preciso estar na ordem de vida renunciada; a pessoa pode permanecer em sua atual condição de vida, mas deve buscar a associação de um devoto genuíno do Senhor e ouvir com fé e convicção enquanto ele fala a mensagem transcendental do Senhor. Esse é o caminho do paramahaṁsa que aqui se recomenda. Entre os vários santos nomes do Senhor, Ele também é chamado ajita, ou aquele que jamais pode ser conquistado por alguém. Contudo, Ele pode ser conquistado pelo caminho do paramahaṁsa, como foi entendido e mostrado na prática pelo grande mestre espiritual, o senhor Brahmā. O senhor Brahmā em pessoa recomendou este paramahaṁsa-panthāḥ em suas seguintes palavras:

jñāne prayāsam udapāsya namanta eva
jīvanti sanmukharitāṁ bhavadīya vārtām
sthāne sthitāḥ śruti-gatāṁ tanu-vāṅ-manobhir
ye prāyaśo ’jita jito ’py asi tais trilokyām

O senhor Brahmā disse: “Ó meu Senhor Kṛṣṇa, o devoto que abandona o caminho da especulação filosófica empírica, cujo propósito é imergir na existência do Supremo, e se ocupa em ouvir Tuas glórias e atividades narradas por um sādhu, ou santo, autêntico e que leva uma vida honesta no cumprimento de seu dever na vida social, pode conquistar Tua simpatia e misericórdia, embora sejas ajita, ou inconquistável.” (Śrīmad-Bhāgavatam 10.14.3) Esse é o caminho dos paramahaṁsas, que o senhor Brahmā pessoalmente seguiu e depois recomendou àqueles que querem alcançar o perfeito sucesso na vida.

Texto

taṁ prīyamāṇaṁ samupasthitaṁ kaviṁ
prajā-visarge nija-śāsanārhaṇam
babhāṣa īṣat-smita-śociṣā girā
priyaḥ priyaṁ prīta-manāḥ kare spṛśan

Sinônimos

tam — ao senhor Brahmā; prīyamāṇam — digno de ser querido; samupasthitam — presente diante; kavim — o grande erudito; prajā — entidades vivas; visarge — quanto à criação; nija — Seu próprio; śāsana — controle; arhaṇam — bem adequado; babhāṣe — dirigiu; īṣat — discreto; smita — sorrindo; śociṣā — com iluminadoras; girā — palavras; priyaḥ — o amado; priyam — o amante; prītamanāḥ – estando muito satisfeito; kare — com a mão; spṛśan — apertando.

Tradução

E vendo Brahmā diante de Si, o Senhor o considerou digno de criar os seres vivos, que seriam controlados como Ele quisesse, e estando assim muito satisfeito com ele, o Senhor cumprimentou Brahmā, dando-lhe um aperto de mãos, e, com um sorriso discreto, dirigiu-Lhe as seguintes palavras.

Comentário

SIGNIFICADO—A criação do mundo material não é cega nem acidental. As entidades vivas que são sempre condicionadas, ou nitya-baddha, recebem essa oportunidade de libertarem-se sob a orientação de Seu próprio representante, como Brahmā. O Senhor instrui a Brahmā o conhecimento védico para difundir esse conhecimento às almas condicionadas. As almas condicionadas são almas que se esqueceram de sua relação com o Senhor, daí um período de criação e o processo de disseminação do conhecimento védico serem atividades necessárias do Senhor. O senhor Brahmā tem a grande responsabilidade de salvar as almas condicionadas, em virtude do que ele é muito querido ao Senhor.

Brahmā também cumpre seu dever com muita perfeição, não apenas gerando as entidades vivas, mas também enviando seu grupo para recuperar as almas caídas. O grupo se chama Brahma-sampradāya, e até hoje em dia qualquer membro desse grupo está naturalmente ocupado em recuperar as almas caídas para que elas voltem ao Supremo, voltem ao lar. O Senhor está muito ansioso para ter de volta Suas partes integrantes, como se afirma na Bhagavad-gītā. Ninguém é mais querido do que aquele que assume a tarefa de recuperar as almas caídas para que elas voltem ao Supremo.

Existem muitos renegados do Brahma-sampradāya que têm como única função ajudar os homens a se esquecerem do Senhor e, dessa maneira, enredá-los cada vez mais na existência material. Semelhantes pessoas nunca são queridas ao Senhor, e o Senhor as envia à região mais profunda e mais escura da matéria para que esses demônios invejosos não sejam capazes de conhecer o Senhor Supremo.

Entretanto, qualquer um que pregue a missão do Senhor na linha do Brahma-sampradāya é sempre querido ao Senhor, e o Senhor, estando satisfeito com esse pregador do culto autorizado de bhakti, aperta a mão dele com muita satisfação.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
tvayāhaṁ toṣitaḥ samyag
veda-garbha sisṛkṣayā
ciraṁ bhṛtena tapasā
dustoṣaḥ kūṭa-yoginām

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a belíssima Personalidade de Deus disse; tvayā — por ti; aham — estou; toṣitaḥ — satisfeito; samyak — completo; veda-garbha — impregnado de Vedas; sisṛkṣayā — para criar; ciram — por muito tempo; bhṛtena — acumulada; tapasā — por penitência; dustoṣaḥ — muito difícil de agradar; kūṭayoginām – para os pseudomísticos.

Tradução

A bela Personalidade de Deus dirigiu-Se ao senhor Brahmā: Ó Brahmā, estás impregnado de Vedas, e, em razão disso, fico muito satisfeito que durante tanto tempo tenhas realizado penitências para que possas criar. Dificilmente Me satisfaço com os pseudomísticos.

Comentário

SIGNIFICADO—Há duas espécies de penitência: uma para gozo dos sentidos e a outra para autorrealização. Há muitos pseudomísticos que se submetem a rigorosas penitências para sua própria satisfação, mas também há aquelas pessoas que se submetem a rigorosas penitências para a satisfação dos sentidos do Senhor. Por exemplo, submeter-se a penitências para descobrir armas nucleares jamais satisfará o Senhor, pois essa penitência nunca é do Seu agrado. Pelo próprio processo natural, um dia todos terão de morrer, e se as penitências que alguém pratica ajudarem a morte a chegar mais depressa, isso não agradará o Senhor. O Senhor quer que cada uma de Suas partes integrantes alcance a vida e a bem-aventurança eternas, voltando ao lar para viver com o Supremo, e toda a criação material tem essa finalidade. Brahmā se submeteu a rigorosas penitências com esse propósito, a saber, regular o processo da criação para que o Senhor ficasse satisfeito. Portanto, o Senhor ficou muito contente com ele, e, para executar isso, Brahmā foi impregnado de conhecimento védico. O objetivo último do conhecimento védico é conhecer o Senhor e não desperdiçar o conhecimento com algum outro propósito. Aqueles que não dão ao conhecimento védico esse propósito são conhecidos como kūṭa-yogīs, ou pseudotranscendentalistas que estragam suas vidas com motivações ulteriores.

Texto

varaṁ varaya bhadraṁ te
vareśaṁ mābhivāñchitam
brahmañ chreyaḥ-pariśrāmaḥ
puṁsāṁ mad-darśanāvadhiḥ

Sinônimos

varam — bênção; varaya — apenas pede a; bhadram — auspicioso; te — para ti; varaīśam – o outorgador de toda bênção; (mām) — de Mim; abhivāñchitam — desejando; brahman — ó Brahmā; śreyaḥ — o sucesso último; pariśrāmaḥ — para todas as penitências; puṁsām — para todos; mat — Minha; darśana — percepção; avadhiḥ — até o limite de.

Tradução

Desejo-te boa sorte. Ó Brahmā, a Mim, que sou o outorgador de toda bênção, podes pedir tudo o que desejares. É oportuno saberes que a bênção última, que é o resultado de todas as penitências, é obter a percepção através da qual Eu sou entendido.

Comentário

SIGNIFICADO—A última etapa em que a Verdade Suprema é percebida ocorre quando a pessoa conhece a Personalidade de Deus porque O viu face a face. A compreensão acerca do Brahman impessoal e do Paramātmā localizado, aspectos da Personalidade de Deus, não é a compreensão última. Quando alguém compreende o Senhor Supremo, ele não luta arduamente para executar essas penitências. A próxima etapa da vida é praticar serviço devocional ao Senhor somente para satisfazê-lO. Em outras palavras, quem compreendeu e viu o Senhor Supremo alcançou toda a perfeição porque esse nível de perfeição máxima abrange tudo. Entretanto, os impersonalistas e os pseudomísticos não podem alcançar essa etapa.

Texto

manīṣitānubhāvo ’yaṁ
mama lokāvalokanam
yad upaśrutya rahasi
cakartha paramaṁ tapaḥ

Sinônimos

manīṣita — talento; anubhāvaḥ — percepção; ayam — esta; mama — Minha; loka — morada; avalokanam — vendo por verdadeira experiência; yat — porque; upaśrutya — ouvindo; rahasi — em grande penitência; cakartha — tendo executado; paramam — mais elevada; tapaḥ — penitência.

Tradução

A perfeição máxima do talento é obter a percepção pessoal acerca de Minhas moradas, e isso se tornou possível porque, na execução de rigorosa penitência, segundo Minha ordem, agiste com atitude submissa.

Comentário

SIGNIFICADO—O nível mais elevado de perfeição na vida é conhecer o Senhor com verdadeira percepção, pela graça do Senhor. Isso pode ser alcançado por qualquer um que queira praticar o ato de serviço devocional ao Senhor como prescrevem as escrituras reveladas modelares, aceitas pelos ācāryas, mestres espirituais genuínos. Por exemplo, a Bhagavad-gītā é a literatura védica aprovada, aceita por todos os grandes ācāryas, tais como Śaṅkara, Rāmānuja, Madhva, Caitanya, Viśvanātha, Baladeva, Siddhānta Sarasvatī e muitos outros. Nessa Bhagavad-gītā, a Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, pede que a pessoa sempre Lhe dê atenção, sempre seja Seu devoto, sempre adore unicamente a Ele, e sempre se prostre diante do Senhor. E, com esse procedimento, com certeza voltará ao lar, voltará ao Supremo, sem dúvida alguma. Também em outras passagens, existe a mesma ordem, que abandonemos todas as outras ocupações e não hesitemos em nos render por completo ao Senhor. E o Senhor dará a esse devoto toda a proteção. Esses são os segredos para se obter o nível mais elevado de perfeição. O senhor Brahmā seguiu exatamente esses princípios sem nenhum complexo de superioridade e, assim, alcançou o nível de perfeição máxima, que consiste em experimentar a morada do Senhor e o próprio Senhor com toda a Sua parafernália. Nem a percepção impessoal da refulgência do corpo do Senhor, nem a fase da compreensão Paramātmā são o nível de perfeição mais elevado. A palavra manīṣita é significativa. Todos têm verdadeiro ou falso orgulho de sua aparente erudição. O Senhor, porém, diz que a perfeição máxima da erudição é conhecer a Ele e a Sua morada, que estão livres de toda a ilusão.

Texto

pratyādiṣṭaṁ mayā tatra
tvayi karma-vimohite
tapo me hṛdayaṁ sākṣād
ātmāhaṁ tapaso ’nagha

Sinônimos

pratyādiṣṭam — ordenada; mayā — por Mim; tatra — por causa de; tvayi — para ti; karma — dever; vimohite — estando perplexo; tapaḥ — penitência; me — a Mim; hṛdayam — coração; sākṣāt — diretamente; ātmā — vida e alma; aham — Eu mesmo; tapasaḥ — de alguém ocupado em penitência; anagha — ó pessoa impoluta.

Tradução

Ó Brahmā impoluto, informo-te que fui Eu que então te ordenei que fizesses penitência quando estava perplexo em relação a qual era o teu dever. Essa penitência é Minha vida e alma, motivo pelo qual a penitência e Eu não somos diferentes.

Comentário

SIGNIFICADO—A penitência através da qual é possível ver a Personalidade de Deus face a face deve ser entendida como serviço devocional ao Senhor e nada mais porque é apenas praticando o serviço devocional em amor transcendental que a pessoa consegue aproximar-se do Senhor. Semelhante penitência é a potência interna do Senhor e não é diferente dEle. Esses atos da potência interna manifestam-se pelo desapego ao prazer material. As entidades vivas estão aprisionadas nas condições do cativeiro material porque têm tendência ao domínio das coisas. Porém, através da ocupação no serviço devocional ao Senhor, elas se livram dessa vontade de desfrutar. Os devotos automaticamente se desapegam do prazer mundano, e esse desapego é o resultado do conhecimento perfeito. Portanto, quem pratica penitência no serviço devocional adquire conhecimento e desapego, e essa é uma manifestação da potência transcendental.

Quem deseja voltar ao lar, voltar ao Supremo, não pode desfrutar a prosperidade material ilusória. Quem não tem informação acerca da bem-aventurança transcendental que é obtida na associação do Senhor deseja por tolice desfrutar esta felicidade material temporária. Afirma-se no Caitanya-caritāmṛta que se alguém deseja sinceramente ver o Senhor e, ao mesmo tempo, quer gozar este mundo material, ele é considerado apenas um tolo. Quem deseja ficar aqui no mundo material para obter gozo material fica impedido de entrar no reino eterno de Deus. O Senhor favorece esse devoto tolo, tirando tudo o que ele acaso possua no mundo material. Se esse tolo devoto do Senhor tenta recuperar sua posição, o misericordioso Senhor volta a tirar tudo o que ele tenha passado a possuir. Com esses repetidos fracassos na prosperidade material, ele se torna muito impopular entre os membros de sua família e entre seus amigos. No mundo material, os membros da família e os amigos louvam as pessoas que têm muito sucesso em acumular riquezas, custe o que custar. Pela graça do Senhor, o tolo devoto do Senhor é assim posto em penitência forçada e, no final, o devoto fica plenamente feliz, estando ocupado no serviço ao Senhor. Portanto, a penitência no serviço devocional ao Senhor, seja por submissão voluntária, seja forçada pelo Senhor, é necessária para atingir a perfeição, e assim essa penitência é a potência interna do Senhor.

Entretanto, não pode ocupar-se em fazer penitência sob a forma de serviço devocional quem não está inteiramente livre de todos os pecados. Como se afirma na Bhagavad-gītā, apenas uma pessoa que esteja completamente livre de todas as reações dos pecados pode ocupar-se na adoração ao Senhor. Brahmājī era desprovido de pecado e, por isso, seguiu fielmente o conselho do Senhor, “tapa tapa”, e o Senhor, estando satisfeito com ele, concedeu-lhe o resultado desejado. Portanto, somente o amor e a penitência combinados é que podem satisfazer o Senhor, e, dessa forma, a pessoa pode obter Sua completa misericórdia. Ele dirige aquele que não tem pecado, e o devoto impoluto alcança a máxima perfeição da vida.

Texto

sṛjāmi tapasaivedaṁ
grasāmi tapasā punaḥ
bibharmi tapasā viśvaṁ
vīryaṁ me duścaraṁ tapaḥ

Sinônimos

sṛjāmi — crio; tapasā — com a mesma energia da penitência; eva — decerto; idam — este; grasāmi tapasā — aniquilo também através da mesma energia; punaḥ — de novo; bibharmi — mantenho; tapasā — com a penitência; viśvam — o cosmos; vīryam — potência; me — Minha; duścaram — rigorosa; tapaḥ — penitência.

Tradução

Crio este cosmos por meio dessa penitência, mantenho-o por intermédio da mesma energia, e aniquilo todo ele por meio da mesma energia. Portanto, o poder é simplesmente a penitência.

Comentário

SIGNIFICADO—Ao executar penitência, a pessoa deve estar determinada a voltar ao lar, a voltar ao Supremo, e deve decidir sujeitar-se a todos os tipos de tribulações para alcançar esse fim. Até mesmo para obter prosperidade, nome e fama materiais, é preciso submeter-se a rigorosos tipos de penitência, ou ninguém pode tornar-se uma importante personalidade neste mundo material. Por que, então, para atingir a perfeição do serviço devocional existem severos tipos de penitência? Uma vida negligente e a conquista da perfeição na compreensão transcendental não se combinam. O Senhor é mais sagaz do que qualquer entidade viva; portanto, Ele quer ver o quanto o devoto é aplicado no serviço devocional. A ordem é recebida do Senhor, diretamente ou através do mestre espiritual genuíno, e cumprir essa ordem, por mais trabalhoso que seja, é um tipo rigoroso de penitência. Quem seguir à risca o princípio com certeza conseguirá sucesso em alcançar a misericórdia do Senhor.

Texto

brahmovāca
bhagavan sarva-bhūtānām
adhyakṣo ’vasthito guhām
veda hy apratiruddhena
prajñānena cikīrṣitam

Sinônimos

brahmā uvāca — o senhor Brahmā disse; bhagavan — meu Senhor; sarva-bhūtānām — de todas as entidades vivas; adhyakṣaḥ — diretor; avasthitaḥ — situado; guhām — dentro do coração; veda — conheces; hi — decerto; apratiruddhena — sem impedimento; prajnānena — com superinteligência; cikīrṣitam — esforços.

Tradução

O senhor Brahmā disse: Ó Personalidade de Deus, estás situado no coração de toda entidade viva como o diretor supremo, e, portanto, com Tua inteligência superior, que é livre de qualquer espécie de obstáculos, conheces todos os esforços.

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā confirma que o Senhor está situado no coração de todos como a testemunha, e, nesse caso, Ele é o supremo permissor. O diretor não é o desfrutador dos frutos da ação, pois, sem a sanção do Senhor, ninguém pode desfrutar. Por exemplo, numa área proibida, um bebedor habitual apresenta seu requerimento ao encarregado da bebida, e o encarregado, considerando seu caso, sanciona apenas uma certa quantidade de bebidas alcoólicas. De modo semelhante, todo o mundo material está cheio de muitos bêbados, no sentido de que toda e cada uma das entidades vivas tem em mente desfrutar de algo, e com muita veemência todos querem satisfazer os seus desejos. O Senhor onipotente, sendo muito bondoso com a entidade viva, assim como o pai é bondoso com o filho, deixa a entidade viva satisfazer seu desejo infantil. Com esses desejos em mente, a entidade viva, na verdade, não goza, mas presta aos caprichos corpóreos um serviço desnecessário e improfícuo. O bêbado não tira proveito algum em beber, mas, porque se tornou um servo da bebida e não deseja abandonar isso, o misericordioso Senhor lhe confere todas as condições favoráveis para satisfazer esses desejos.

Os impersonalistas recomendam que a pessoa deve ficar destituída de desejos, e outros recomendam a completa eliminação dos desejos. Isso é impossível; ninguém pode banir todos os desejos porque desejar é o sintoma da vida. Sem ter desejos, a entidade viva estaria morta, e não é esse o caso. Portanto, estar vivo e ter desejos seguem lado a lado. A perfeição dos desejos pode ser alcançada quando a pessoa deseja servir o Senhor, e o Senhor também deseja que toda entidade viva elimine todos os desejos pessoais e coopere com os desejos dEle. Essa é a última instrução da Bhagavad-gītā. Brahmājī concordou com essa proposta e, por isso, recebeu o posto em que foi responsável pela criação de várias gerações no universo vazio. Unidade com o Senhor, portanto, consiste em tornar compatíveis os próprios desejos e os desejos do Senhor Supremo. Isso constitui a perfeição de todos os desejos.

O Senhor, como a Superalma no coração de todo ser vivo, sabe o que se passa na mente de cada entidade viva, e ninguém pode fazer nada sem o conhecimento do Senhor que está no íntimo. Com Sua inteligência superior, o Senhor proporciona a todos a oportunidade de satisfazer ao máximo os seus desejos, e a reação também é concedida pelo Senhor.

Texto

tathāpi nāthamānasya
nātha nāthaya nāthitam
parāvare yathā rūpe
jānīyāṁ te tv arūpiṇaḥ

Sinônimos

tathā api — apesar disso; nāthamānasya — de quem está pedindo; nātha — ó Senhor; nāthaya — por favor, concede; nāthitam — como é desejado; para-avare — quando se trata de mundano e transcendental; yathā — como é; rūpe — na forma; jānīyām — que seja conhecida; te — Tua; tu — mas; arūpiṇaḥ — alguém que não tem forma.

Tradução

Apesar disso, meu Senhor, oro para que, por favor, satisfaças meu desejo. Por gentileza, então, informa-me como, apesar de Tua forma transcendental, assumes a forma mundana, embora não tenhas essa forma de modo algum.

Texto

yathātma-māyā-yogena
nānā-śakty-upabṛṁhitam
vilumpan visṛjan gṛhṇan
bibhrad ātmānam ātmanā

Sinônimos

yathā — tanto quanto; ātma — própria; māyā — potência; yogena — por combinação; nānā — diversificada; śakti — energia; upabṛṁhitam — por combinação e permutação; vilumpan — quando se trata de aniquilação; visṛjan — quando se trata de geração; gṛhṇan — quando se trata de aceitação; bibhrat — quando se trata de manutenção; ātmānam — próprio eu; ātmanā — pelo eu.

Tradução

E [por favor, informa-me] como Tu, por Ti mesmo, manifestas diferentes energias para aniquilação, geração, aceitação e manutenção através de combinação e permutação.

Comentário

SIGNIFICADO—Toda a manifestação é o próprio Senhor apenas pela difusão de Suas diferentes energias, a saber, interna, externa e marginal, assim como a luz do Sol é a manifestação da energia do planeta Sol. Essa energia é simultaneamente igual ao Senhor e diferente dEle, assim como o brilho do Sol é simultaneamente igual ao planeta Sol e diferente dele. As energias estão agindo por combinação e permutação conforme a decisão do Senhor, e os agentes operadores, como Brahmā, Viṣṇu e Śiva, são também diferentes encarnações do Senhor. Em outras palavras, não existe nada além do Senhor, apesar do que o Senhor é diferente de todas essas manifestações de atividades. Mais tarde, explicaremos como isso ocorre.

Texto

krīḍasy amogha-saṅkalpa
ūrṇanābhir yathorṇute
tathā tad-viṣayāṁ dhehi
manīṣāṁ mayi mādhava

Sinônimos

krīḍasi — enquanto atuas; amogha — infalível; saṅkalpa — determinação; ūrṇanābhiḥ — a aranha; yathā — assim como; ūrṇute — cobre; tathā — assim e assim; tat-viṣayām — no assunto de todas aquelas; dhehi — deixa-me saber; manīṣām — filosoficamente; mayi — a mim; mādhava — do senhor de todas as energias.

Tradução

Ó senhor de todas as energias, por favor, dize-me filosoficamente tudo sobre elas. Atuas como a aranha que se cobre com sua própria energia, e Tua determinação é infalível.

Comentário

SIGNIFICADO—Pela inconcebível energia do Senhor, cada elemento criador tem suas próprias potências, conhecidas como a potência do elemento, a potência do conhecimento e a potência das diferentes ações e reações. Através de uma combinação dessas energias e potências do Senhor, ao devido tempo a criação, a manutenção e a aniquilação manifestam-se por intermédio de diferentes agentes como Brahmā, Viṣṇu e Maheśvara. Brahmā cria, Viṣṇu mantém e o senhor Śiva destrói. Todavia, todos esses agentes e energias criadoras são emanações do Senhor, e, nesse caso, tudo o que existe é o Senhor, ou a única fonte suprema que origina diferentes diversidades. O exemplo exato é a aranha e a teia de aranha. A teia é criada pela aranha, e é mantida pela aranha, e quando a aranha quer, toda essa estrutura volta para dentro da aranha. A aranha fica coberta dentro da teia. Se uma aranha insignificante é tão poderosa para agir segundo sua vontade, por que o Ser Supremo não poderia agir conforme Sua vontade suprema na criação, manutenção e destruição das manifestações cósmicas? Pela graça do Senhor, um devoto como Brahmā, ou alguém que esteja em sua corrente de sucessão discipular, pode compreender a onipotente Personalidade de Deus eternamente ocupado em Seus passatempos transcendentais, na região das diferentes energias.

Texto

bhagavac-chikṣitam ahaṁ
karavāṇi hy atandritaḥ
nehamānaḥ prajā-sargaṁ
badhyeyaṁ yad-anugrahāt

Sinônimos

bhagavat — pela Personalidade de Deus; śikṣitam — ensinado; aham — eu; karavāṇi — agindo; hi — decerto; atandritaḥ — instrumento; na — nunca; ihamānaḥ — embora agindo; prajā-sargam — geração das entidades vivas; badhyeyam — ficar condicionado; yat — estritamente; anugrahāt — pela misericórdia de.

Tradução

Por favor, fala-me para que eu possa aprender a temática, sendo instruído pela Personalidade de Deus, e possa agir como um instrumento para gerar entidades vivas sem eu ser condicionado por essas atividades.

Comentário

SIGNIFICADO—Brahmājī não quer se tornar um especulador que depende da força de seu conhecimento pessoal e está condicionado ao cativeiro material. Todos devem saber de sã consciência que, na execução das atividades, cada qual é um instrumento. Uma alma condicionada é um instrumento nas mãos da energia externa, gua-mayī māyā, ou a energia ilusória do Senhor, e, na fase liberada, a entidade viva é um instrumento que segue diretamente a vontade da Personalidade de Deus. Servir de instrumento à vontade direta do Senhor é a posição constitucional natural da entidade viva, ao passo que ser um instrumento nas mãos da energia ilusória do Senhor é cativeiro material para a entidade viva. Neste estado condicionado, a entidade viva especula sobre a Verdade Absoluta e Suas diferentes atividades. Porém, quando deixa de estar condicionada, a entidade viva recebe conhecimento diretamente do Senhor, e essa alma liberada não comete erros, agindo sem nenhum hábito especulativo. A Bhagavad-gītā (10.10-11) confirma, com muita ênfase, que os devotos, cuja ocupação constante é o transcendental serviço amoroso ao Senhor, recebem o conselho diretamente do Senhor, tanto que o devoto não para de progredir no caminho para o lar, de volta ao Supremo. Os devotos puros do Senhor, portanto, não ficam orgulhosos de seu progresso definitivo, ao passo que o especulador que não é devoto está na escuridão da energia ilusória e orgulha-se muitíssimo de seu conhecimento desorientador, baseado em especulações sem nenhum caminho definitivo. O senhor Brahmā queria se livrar da armadilha do orgulho, embora tivesse assumido a posição mais elevada dentro do universo.

Texto

yāvat sakhā sakhyur iveśa te kṛtaḥ
prajā-visarge vibhajāmi bho janam
aviklavas te parikarmaṇi sthito
mā me samunnaddha-mado ’ja māninaḥ

Sinônimos

yāvat — como é; sakhā — amigo; sakhyuḥ — ao amigo; iva — assim; īśa — ó Senhor; te — Tu; kṛtaḥ — aceitaste; prajā — as entidades vivas; visarge — no que se refere à criação; vibhajāmi — como farei isso de modo diferente; bhoḥ — ó meu Senhor; janam — aqueles que nascem; aviklavaḥ — sem ser perturbado; te — Teu; parikarmaṇi — e quanto ao serviço; sthitaḥ — assim situado; — que jamais aconteça; me — a mim; samunnaddha — dando como resultado; madaḥ — loucura; aja — ó não-nascido; māninaḥ — sobre quem se pensa dessa maneira.

Tradução

Ó meu Senhor, ó não-nascido, trocaste comigo um aperto de mão assim como um amigo procede com outro amigo [como se estivéssemos na mesma posição]. Estarei ocupado na criação das diferentes espécies de entidades vivas, e estarei ocupado em Teu serviço. Não serei perturbado, mas peço-Te que nada disso me leve a pensar com orgulho que eu sou o Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Brahmā mantém definitivamente uma atitude de amizade com o Senhor. Toda entidade viva tem uma relação eterna com a Personalidade de Deus em uma das cinco diferentes atitudes transcendentais, a saber, śānta, dāsya, sakhya, vātsalya e mādhurya. Já comentamos sobre essas cinco espécies de atitudes vividas com a Personalidade de Deus. Nesta passagem, fica muito evidente que o senhor Brahmā mantém com a Personalidade de Deus uma atitude de amizade transcendental. O devoto puro pode relacionar-se com o Senhor em qualquer uma das atitudes transcendentais, podendo até mesmo agir como Seu pai ou Sua mãe, mas o devoto do Senhor é sempre um servo transcendental. Ninguém é igual ou superior ao Senhor. Essa é a versão da Bhagavad-gītā. Brahmājī, embora conviva com o Senhor em uma relação eterna de amizade transcendental, e embora lhe fosse confiado o posto mais elevado, que é criar diferentes graus de entidades vivas, continua conhecendo sua posição, ou seja, que ele não é o Senhor Supremo nem tem poder supremo. É possível que alguma personalidade dotada de poder extremo, dentro ou fora do universo, talvez mostre às vezes mais poder do que o próprio Senhor. No entanto, o devoto puro sabe que esse poder é um vibhūti concedido pelo Senhor, e essa entidade viva a quem se delegou tanto poder jamais é independente. Śrī Hanumānjī atravessou o Oceano Índico, pulando sobre o mar, e o Senhor Śrī Rāmacandra ocupou-Se em marchar sobre a ponte, mas isso não significa que Hanumānjī era mais poderoso do que o Senhor. Às vezes, o Senhor confere a Seu devoto poderes extraordinários, mas o devoto sempre sabe que o poder pertence à Personalidade de Deus e que o devoto é apenas um instrumento. O devoto puro nunca se envaidece como a classe de homens não-devotos que fica pensando que eles são Deus. É espantoso ver como uma pessoa que a cada passo está sendo chutada pelas leis da energia ilusória do Senhor possa pensar em tornar-se una com o Senhor. Esse pensamento é a última armadilha que a energia ilusória oferece à alma condicionada. A primeira ilusão consiste em a pessoa querer tornar-se o Senhor do mundo material, acumulando riqueza e poder, mas, quando se frustra nessa tentativa, ela quer tornar-se una com o Senhor. Logo, tornar-se o homem mais poderoso do mundo material e desejar tornar-se uno com o Senhor são diferentes armadilhas ilusórias. E como são almas rendidas, os devotos puros do Senhor estão acima das armadilhas ilusórias de māyā. Porque o senhor Brahmā é um devoto puro, muito embora seja a primeira deidade dominante no mundo material, sendo, então, capaz de realizar muitas maravilhas, ele jamais teria a audácia de pensar em tornar-se uno com o Senhor, como pensa o não-devoto com um pobre fundo de conhecimento. Pessoas com um pobre fundo de conhecimento devem tomar lições com Brahmā quando ficam arrogantes por se deixarem embalar pela falsa ideia de que podem tornar-se Deus.

Na verdade, o senhor Brahmā não cria as entidades vivas. No início da criação, ele recebe poder para dar diferentes formas corpóreas às entidades vivas conforme as atividades que elas executaram no último milênio. A função de Brahmājī é apenas acordar as entidades vivas de seu sono e ocupá-las em seu próprio dever. Os diferentes graus de entidades vivas não são criados pelos desejos caprichosos de Brahmājī, mas ele fica encarregado de dar às entidades vivas diferentes categorias de corpo para que elas possam executar as atividades compatíveis com esses mesmos corpos. Apesar disso, ele sabe que ele é apenas um instrumento, daí não pensar que é o Senhor Poderoso e Supremo.

Os devotos do Senhor estão ocupados no dever específico oferecido pelo Senhor, e esses deveres são exitosamente executados sem nenhum impedimento porque são ordenados pelo Senhor. O mérito do sucesso não vai para o agente, mas para o Senhor. Mas pessoas com um pobre fundo de conhecimento tomam para si o mérito do sucesso e não reservam para o Senhor nenhum mérito. Esse é o sintoma da classe de homens não-devotos.

Texto

śrī-bhagavān uvāca
jñānaṁ parama-guhyaṁ me
yad vijñāna-samanvitam
sarahasyaṁ tad-aṅgaṁ ca
gṛhāṇa gaditaṁ mayā

Sinônimos

śrī-bhagavān uvāca — a Personalidade de Deus disse; jñānam — conhecimento adquirido; parama — extremamente; guhyam — confidencial; me — Mim; yat — que é; vijñāna — compreensão; samanvitam — coordenado; sa-rahasyam — com serviço devocional; tat — disso; aṅgam ca — parafernália necessária; gṛhāṇa — apenas tenta aceitar; gaditam — explicada; mayā — por Mim.

Tradução

A Personalidade de Deus disse: Nas escrituras, o conhecimento descrito a Meu respeito é muito confidencial e deve ser assimilado em conexão com o serviço devocional. A parafernália necessária para esse processo está sendo explicada por Mim. Podes aceitá-lo com cuidado.

Comentário

SIGNIFICADO—Dentro do universo, o senhor Brahmā é o principal devoto do Senhor, e, devido a isso, a Personalidade de Deus respondeu às suas quatro principais perguntas apresentando quatro importantes declarações, que são conhecidas como o Bhāgavatam original em quatro versos. Foram estas as perguntas de Brahmā: (1) Quais são as formas do Senhor tanto na matéria quanto na transcendência? (2) Como funcionam as diferentes energias do Senhor? (3) Como o Senhor atua com Suas diferentes energias? (4) Que instruções Brahmā deve receber para que ele possa cumprir o dever que lhe foi confiado? O prelúdio das respostas é este verso em discussão, onde o Senhor informa a Brahmā que o conhecimento a respeito dEle, a Suprema Verdade Absoluta, como afirmam as escrituras reveladas, é muito sutil e só pode ser compreendido por alguém que é autorrealizado pela graça do Senhor. O Senhor diz que Brahmā pode aceitar as respostas que são explicadas por Ele. Isso significa que o conhecimento transcendental sobre o Supremo Ser absoluto pode ser conhecido se o próprio Senhor o torna conhecido. Através da especulação mental dos maiores pensadores mundanos, não é possível conhecer a Verdade Absoluta. Os especuladores mentais podem chegar à percepção sobre o Brahman impessoal, mas, na realidade, o conhecimento completo sobre a transcendência ultrapassa o conhecimento sobre o Brahman impessoal. Logo, ele é chamado a suprema sabedoria confidencial. Dentre muitas almas liberadas, talvez uma seja qualificada para conhecer a Personalidade de Deus. Na Bhagavad-gītā, o próprio Senhor também diz que, dentre muitas centenas de milhares de pessoas, talvez uma busque a perfeição na vida humana, e, dentre muitas almas liberadas, talvez uma O conheça como Ele é. Portanto, é apenas com o serviço devocional que alguém pode alcançar o conhecimento acerca da Personalidade de Deus. Rahasyam quer dizer serviço devocional. O Senhor Kṛṣṇa instruiu Arjuna na Bhagavad-gītā porque verificou que Arjuna era um devoto e amigo. Sem essas qualificações, ninguém pode ingressar no mistério da Bhagavad-gītā. Portanto, só pode compreender a Personalidade de Deus quem se torna um devoto e presta serviço devocional. Esse mistério é o amor a Deus. Eis onde se encontra a principal qualificação para conhecer o mistério da Personalidade de Deus. E, para atingir o nível de transcendental amor por Deus, é preciso seguir os princípios reguladores próprios do serviço devocional. Os princípios reguladores chamam-se vidhi-bhakti, ou o serviço devocional ao Senhor, e o neófito pode praticá-los com seus sentidos atuais. Esses princípios reguladores baseiam-se principalmente em ouvir e cantar as glórias do Senhor. E essa audição e canto das glórias do Senhor só podem se tornar possíveis na associação dos devotos. Por isso, o Senhor Caitanya recomenda cinco importantes princípios para se alcançar a perfeição no serviço devocional ao Senhor. O primeiro é a associação com os devotos (ouvir); o segundo é cantar as glórias do Senhor; o terceiro, ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam narrado pelo devoto puro; o quarto, residir num lugar sagrado, relacionado com o Senhor; e o quinto, adorar a Deidade do Senhor com devoção. Essas regras e regulações fazem parte do serviço devocional. Logo, como pediu o senhor Brahmā, a Personalidade de Deus dará todas as explicações às quatro perguntas apresentadas por Brahmā, e também a outras que são desdobramentos das mesmas perguntas.

Texto

yāvān ahaṁ yathā-bhāvo
yad-rūpa-guṇa-karmakaḥ
tathaiva tattva-vijñānam
astu te mad-anugrahāt

Sinônimos

yāvān — como sou na forma eterna; aham — Eu; yathā — tanto quanto; bhāvaḥ — existência transcendental; yat — aquelas; rūpa — várias formas e cores; guṇa — qualidades; karmakaḥ — atividades; tathā — assim por diante; eva — decerto; tattvavijñānam – verdadeira percepção; astu — que haja; te — para ti; mat — Minha; anugrahāt — pela misericórdia imotivada.

Tradução

Tudo o que é Meu, a saber, Minha verdadeira forma eterna e Minha existência, cor, qualidades e atividades transcendentais – que tudo seja despertado dentro de ti através da verdadeira percepção, por Minha misericórdia imotivada.

Comentário

SIGNIFICADO—O segredo do sucesso em compreender as complexidades do conhecimento sobre a Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, é a misericórdia imotivada do Senhor. Mesmo no mundo material, o pai de muitos filhos revela aos filhos favoritos o segredo de sua situação. O pai faz confidências ao filho que ele acha merecedor. Um homem importante na ordem social só pode ser conhecido graças à sua misericórdia. Do mesmo modo, para conhecer o Senhor é preciso que alguém Lhe seja muito querido. O Senhor é ilimitado; ninguém pode conhecê-lO completamente, mas, ao progredir no transcendental serviço amoroso ao Senhor, a pessoa pode tornar-se um candidato a conhecer o Senhor. Aqui, podemos ver que o Senhor está bastante satisfeito com Brahmājī, razão pela qual Ele lhe oferece Sua misericórdia imotivada, para que Brahmājī passe a compreender verdadeiramente o Senhor graças à Sua misericórdia.

Nos Vedas, também se diz que a pessoa não pode conhecer a Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, valendo-se apenas da educação mundana ou da ginástica intelectual. Poderá conhecer a Verdade Suprema quem tiver fé inabalável no mestre espiritual genuíno bem como no Senhor. Com fé, essa pessoa que embora do ponto de vista mundano seja analfabeta, pode automaticamente conhecer o Senhor pela misericórdia do Senhor. Na Bhagavad-gītā também, afirma-se que o Senhor Se reserva o direito de não Se expor a todos e, através de Sua potência yoga-māyā, Ele Se mantém oculto aos infiéis.

Aos fiéis, o Senhor Se revela em Sua forma, qualidade e passatempos. O Senhor não é desprovido de forma, como concebem erroneamente os impersonalistas, mas Sua forma não é como alguma de que temos experiência. O Senhor revela Sua forma, até a extensão de Suas medidas, a Seus devotos puros, e esse é o significado de yāvān, como explica Śrīla Jīva Gosvāmī, o maior erudito no Śrīmad-Bhāgavatam.

O Senhor revela a natureza transcendental de Sua existência. Os argumentadores mundanos criam conceitos mundanos sobre a forma do Senhor. Afirmam as escrituras reveladas que o Senhor não tem forma mundana; por isso, pessoas com um pobre fundo de conhecimento concluem que Ele não deve ter forma. Elas não conseguem distinguir entre a forma mundana e a forma espiritual. De acordo com elas, quem não tem forma mundana não deve ter forma alguma. Essa conclusão também é mundana porque a ausência de forma é um conceito que se opõe à existência da forma. A negação do conceito mundano não estabelece um fato transcendental. Afirma-se na Brahma-saṁhitā que o Senhor tem uma forma transcendental e que Ele pode utilizar qualquer um de Seus sentidos para realizar qualquer propósito. Por exemplo, Ele pode comer com os olhos e pode ver com a perna. No conceito da forma mundana, ninguém pode comer com os olhos nem ver com a perna. Essa é a diferença entre o corpo mundano e o corpo espiritual, que é sac-cid-ānanda. Um corpo espiritual não é destituído de forma; é um tipo de corpo diferente, que não podemos conceber com nossos atuais sentidos mundanos. Portanto, destituído de forma significa sem forma mundana, ou possuir um corpo espiritual que o não-devoto não pode conceber através do método especulativo.

O Senhor revela ao devoto a Sua ilimitada variedade de corpos transcendentais, todos idênticos entre si, e com diferentes espécies de aspectos corpóreos. Alguns dos corpos transcendentais do Senhor são escuros, e outros são claros. Alguns deles são avermelhados, e outros são amarelos. Alguns deles têm quatro braços, e outros, dois braços. Alguns são como o peixe, e outros, como o leão. Todos esses diferentes corpos transcendentais do Senhor, sem nenhuma diferença de categoria, são revelados aos devotos do Senhor pela misericórdia do Senhor, e, por isso, quando apresentam seus falsos argumentos e alegam que a Verdade Suprema não tem forma, os impersonalistas não conseguem dissuadir o devoto do Senhor, muito embora esse devoto não seja muita avançado no serviço devocional.

O Senhor tem um número ilimitado de qualidades transcendentais, e uma delas é Sua afeição por Seu devoto imaculado. Na história do mundo material, podemos apreciar Suas qualidades transcendentais. O Senhor encarna para a proteção de Seus devotos e para a aniquilação dos infiéis. Suas atividades estão relacionadas com Seus devotos. O Śrīmad-Bhāgavatam está repleto dessas atividades que o Senhor executa juntamente com Seus devotos, e os não-devotos não conhecem esses passatempos. O Senhor ergueu a colina Govardhana quando tinha apenas sete anos, e Seus devotos puros de Vṛndāvana Ele protegeu da ira de Indra, que estava inundando o lugar com chuva. O fato de um menino de sete anos ter erguido a colina Govardhana pode ser inacreditável para alguém destituído de fé, mas, para os devotos, é absolutamente aceitável. O devoto acredita na onipotência do Senhor, enquanto os infiéis dizem que o Senhor é onipotente, mas não acreditam nisso. Semelhantes homens com um pobre fundo de conhecimento não sabem que o Senhor é o Senhor eternamente e que ninguém pode tornar-se o Senhor, passando milhões de anos em meditação ou bilhões de anos em especulação mental.

A interpretação impessoal dos argumentadores mundanos é completamente refutada neste verso porque aqui se afirma com toda a clareza que o Senhor Supremo tem qualidades, forma, passatempos e tudo o que uma pessoa tem. Todas as descrições da natureza transcendental da Personalidade de Deus são percepções verdadeiramente alcançada pelo devoto do Senhor, e pela misericórdia imotivada do Senhor elas são reveladas a Seu devoto puro, e a nenhuma outra pessoa.

Texto

aham evāsam evāgre
nānyad yat sad-asat param
paścād ahaṁ yad etac ca
yo ’vaśiṣyeta so ’smy aham

Sinônimos

aham — Eu, a Personalidade de Deus; eva — decerto; āsam — existia; eva — apenas; agre — antes da criação; na — nunca; anyat — nada mais; yat — tudo isso; sat — o efeito; asat — a causa; param — o supremo; paścāt — no final; aham — Eu, a Personalidade de Deus; yat — tudo isto; etat — criação; ca — também; yaḥ — tudo; avaśiṣyeta — permanece; saḥ — isto; asmi — sou; aham — Eu, a Personalidade de Deus.

Tradução

Brahmā, sou Eu, a Personalidade de Deus, que existia antes da criação, quando não havia nada além de Mim. Tampouco havia a natureza material, a causa desta criação. Aquilo que agora vês também sou Eu, a Personalidade de Deus, e, após a aniquilação, o que permanecer também serei Eu, a Personalidade de Deus.

Comentário

SIGNIFICADO—Devemos notar com muita atenção que a Personalidade de Deus está falando com o senhor Brahmā e com muita ênfase especificando a Si mesmo, assinalando que era Ele, a Personalidade de Deus, que existia antes da criação, que é só Ele que mantém a criação, e que é só Ele que permanece após a aniquilação da criação. Brahmā também é uma criação do Senhor Supremo. O impersonalista apresenta a teoria da unidade no sentido de que Brahmā, também sendo o mesmo princípio do “eu” porque é uma encarnação do Eu, a Verdade Absoluta, é idêntico ao Senhor, o princípio do Eu, e que, portanto, tudo o que existe é o princípio do Eu, como se explica neste verso. Aceitando o argumento do impersonalista, deve-se admitir que o Senhor é o Eu criador e que Brahmā é o eu criado. Logo, há uma diferença entre os dois “eus”, a saber, o Eu predominante e o eu predominado. Portanto, continuam existindo dois “eus”, mesmo aceitando o argumento do impersonalista. Porém, devemos notar com atenção que esses dois “eus” são aceitos na literatura védica (Kaṭhopaniṣad) no aspecto qualitativo. A Kaṭhopaniṣad diz:

nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām
eko bahūnāṁ yo vidadhāti kāmān

O “Eu” criador e o “eu” criado são aceitos nos Vedas como qualitativamente iguais porque ambos são nityas e cetanas. Mas o “Eu” no singular é o “Eu” criador, e os “eus” criados são em número plural porque existem muitos “eus”, como Brahmā e aqueles gerados por Brahmā. É assim a verdade pura e simples. O pai cria ou gera um filho, e o filho também cria muitos outros filhos, e todos eles podem ser iguais como seres humanos, mas, ao mesmo tempo, o filho e os netos são todos diferentes do pai. O filho não pode tomar o lugar do pai, nem podem os netos. O pai, o filho e o neto são simultaneamente iguais e diferentes. Como seres humanos, eles são iguais, mas, como relatividades, são diferentes. Portanto, as relatividades, de criador e de criado, ou de predominador e de predominado, foram diferenciadas nos Vedas, onde se diz que o “eu” predominador alimenta os “eus” predominados, e, desse modo, há uma vasta diferença entre os dois princípios de “eu”.

Em outro aspecto deste verso, ninguém pode negar as personalidades do Senhor e de Brahmā. Portanto, em última análise, tanto o predominante quanto o predominado são pessoas. Essa conclusão refuta a conclusão do impersonalista de que, em última análise, tudo é impessoal. Esse aspecto impessoal enfatizado pela escola impersonalista menos inteligente é refutada, apontando-se que o “Eu” predominante é a Verdade Absoluta e que Ele é uma pessoa. O “eu” predominado, Brahmā, também é uma pessoa, mas ele não é o Absoluto. Para compreender o próprio eu através da psicologia espiritual, pode ser conveniente assumir a si mesmo como sendo o mesmo princípio da Verdade Absoluta, mas existe sempre a diferença do predominado e do predominante, como indica com muita clareza este verso, o qual os impersonalistas deturpam grosseiramente. Brahmā está de fato vendo face a face seu Senhor predominante, que existe em Sua transcendental forma eterna, inclusive depois da aniquilação da criação material. A forma do Senhor, como foi vista por Brahmā, existia antes da criação de Brahmā, e a manifestação material, com todos os ingredientes e agentes da criação material, também são expansões da energia do Senhor, e depois que acaba a manifestação da energia do Senhor, o que permanece é a mesma Personalidade de Deus. Portanto, a forma do Senhor existe em todas as circunstâncias de criação, manutenção e aniquilação. Os hinos védicos confirmam esse fato na afirmação vāsudevo vā idam agra āsīn na brahmā na ca śaṅkara eko nārāyaṇa āsīn na brahmā neśāna etc. Antes da criação, só existia Vāsudeva. Não existiam nem Brahmā nem Śaṅkara. Apenas Nārāyaṇa estava lá, e nenhuma outra pessoa, nem Brahmā nem Īśāna. Em seus comentários à Bhagavad-gītā, Śrīpāda Śaṅkarācārya também confirma que Nārāyaṇa, ou a Personalidade de Deus, é transcendental a toda a criação, mas que toda a criação é o produto do avyakta. Portanto, a diferença entre o criado e o criador está sempre presente, embora criador e criado tenham a mesma qualidade.

Outro aspecto da afirmação é que a verdade suprema é Bhagavān, ou a Personalidade de Deus. A Personalidade de Deus e Seu reino já foram explicados. O reino de Deus não é vazio como concebem os impersonalistas. Os planetas Vaikuṇṭha são cheios de variedade transcendental, incluindo seus residentes de quatro braços, com grande opulência de riqueza e prosperidade, e existem até mesmo aeroplanos e outras regalias necessárias a personalidades de alta classe. Portanto, a Personalidade de Deus existe antes da criação, e Ele existe com toda a variedade transcendental nos Vaikuṇṭhalokas. Os Vaikuṇṭhalokas, aceitos também na Bhagavad-gītā como sendo de natureza sanātana, não são aniquilados nem mesmo depois da aniquilação do cosmos manifesto. Esses planetas transcendentais são de uma natureza totalmente diferente, e essa natureza não está sujeita às regras e regulações da criação, manutenção ou aniquilação materiais. A existência da Personalidade de Deus implica a existência dos Vaikuṇṭhalokas, assim como a existência de um rei implica a existência de um reino.

Em várias passagens do Śrīmad-Bhāgavatam e de outras escrituras reveladas, menciona-se a existência da Personalidade de Deus. Por exemplo, no Śrīmad-Bhāgavatam (2.8.10), Mahārāja Parīkṣit pergunta:

sa cāpi yatra puruṣo
viśva-sthity-udbhavāpyayaḥ
muktvātma-māyāṁ māyeśaḥ
śete sarva-guhāśayaḥ

“Como Ele, a Personalidade de Deus, a causa da criação, manutenção e aniquilação, que sempre está livre da influência da energia ilusória e é controlador da mesma, está no coração de todos?” Também muito parecida é uma pergunta de Vidura:

tattvānāṁ bhagavaṁs teṣāṁ
katidhā pratisaṅkramaḥ
tatremaṁ ka upāsīran
ka u svid anuśerate
(Śrīmad-Bhāgavatam 3.7.37)

Em suas anotações, Śrīdhara Svāmī explica isto: “Durante a aniquilação da criação, quem serve o Senhor que está deitado sobre Śeṣa etc.” Isso significa que o Senhor transcendental, com todo o Seu nome, forma, qualidade e parafernália, existe eternamente. Faz também a mesma confirmação o Kāśī-khaṇḍa do Skanda Purāṇa, em relação com o dhruva-carita. Ali, afirma-se:

na cyavante ’pi yad-bhaktā
mahatyāṁ pralayāpadi
ato ’cyuto ’khile loke
sa ekaḥ sarvago ’vyayaḥ

Se nem mesmo os devotos da Personalidade de Deus são aniquilados durante o período da aniquilação total do mundo material, o que falar, então, do próprio Senhor? O Senhor sempre existe em todas as três fases da mudança material.

O impersonalista não admite nenhuma atividade no Supremo, mas, neste diálogo entre Brahmā e a Suprema Personalidade de Deus, afirma-se que o Senhor também tem atividades, assim como Ele tem forma e qualidade. Deve-se entender que as atividades que Brahmā e outros semideuses executam durante a manutenção da criação são atividades do Senhor. O rei, ou o chefe executivo de um Estado, talvez não seja visto nos gabinetes do governo, pois pode estar entretido nos confortos reais. No entanto, deve-se entender que tudo está sendo feito sob sua direção e que tudo está sob seu comando. A Personalidade de Deus nunca é desprovido de forma. No mundo material, a classe de homens menos inteligentes talvez não consiga vê-lO em Sua forma pessoal, de modo que há quem diga, algumas vezes, que Ele não tem forma. Na verdade, entretanto, Ele está sempre em Sua forma eterna em Seus planetas Vaikuṇṭha, bem como em outros planetas dos universos, como diferentes encarnações. A esse respeito, é muito apropriado o exemplo do Sol. À noite, o Sol pode não ser visível aos olhos dos homens que estão na escuridão, mas o Sol é visível em qualquer lugar onde nasce. O fato de o Sol não estar visível aos olhos dos habitantes de uma parte específica da Terra não quer dizer que o Sol não tenha forma.

Na Bṛhad-ārayaka Upaniṣad (1.4.1), existe o hino ātmaivedam agra āsīt puruṣa-vidhaḥ. Este mantra alude à Suprema Personalidade de Deus [Kṛṣṇa] mesmo antes do aparecimento da encarnação puruṣa. Na Bhagavad-gītā (15.18), afirma-se que o Senhor Kṛṣṇa é Puruṣottama porque Ele é o puruṣa supremo, transcendental até mesmo ao puruṣa-akṣara e ao puruṣa-kṣara. O akṣara-puruṣa, ou o Mahā-Viṣṇu, lança Seu olhar sobre a prakṛti, ou a natureza material, mas o Puruṣottama existia mesmo antes disso. A Bṛhad-āraṇyaka Upaniṣad, portanto, confirma a declaração da Bhagavad-gītā segundo a qual o Senhor Kṛṣṇa é a Pessoa Suprema (Puruṣottama).

Alguns dos Vedas também dizem que, no princípio, só existia o Brahman impessoal. No entanto, segundo este verso, o Brahman impessoal, que é a refulgência fulgurante do corpo do Senhor Supremo, pode ser chamado de “a causa imediata”, mas a causa de todas as causas, ou a causa remota, é a Suprema Personalidade de Deus. O aspecto impessoal do Senhor existe no mundo material porque, com os sentidos ou olhos materiais, não é possível ver nem perceber o Senhor. Quando passa a desejar ver ou perceber o Senhor Supremo, a pessoa precisa espiritualizar os sentidos. Mas Ele está sempre desenvolvendo atividades pessoais, e é eternamente visível aos habitantes de Vaikuṇṭhaloka, olho no olho. Portanto, Ele é materialmente impessoal, assim como o chefe executivo do Estado pode ser impessoal nas repartições do governo, embora não seja impessoal na casa do governo. De modo semelhante, o Senhor não é impessoal em Sua morada, que é sempre nirasta-kuhakam, como se afirma logo no início do Bhāgavatam. Por conseguinte, os aspectos pessoal e impessoal do Senhor podem ser aceitos, como se menciona nas escrituras reveladas. A Bhagavad-gītā, precisamente no verso brahmaṇo hi pratiṣṭhāham (Bhagavad-gītā 14.27), fornece uma evidente explicação sobre essa Personalidade de Deus. Portanto, em todos os aspectos, a parte confidencial do conhecimento espiritual é a percepção acerca da Personalidade de Deus, e não do Seu aspecto Brahman impessoal. Por conseguinte, todos devem ter como meta final de percepção não o aspecto impessoal, mas o aspecto pessoal da Verdade Absoluta. O exemplo do ar dentro de uma vasilha e do ar fora da vasilha pode ajudar o estudante a perceber a qualidade onipenetrante da consciência cósmica da Verdade Absoluta. Mas isso não significa que a parte integrante individual do Senhor se torna o Supremo apenas pelo fato de ela fazer essa afirmação. Isso quer apenas dizer que a alma condicionada é vítima da energia ilusória em sua última armadilha. Alegar ser uno com a consciência cósmica do Senhor é a última cilada armada pela energia ilusória, ou daivī māyā. Mesmo na existência impessoal do Senhor, como acontece na criação material, todos devem desejar obter percepção pessoal do Senhor, e esse é o sentido de paścād ahaṁ yad etac ca yo ’vaśiṣyeta so ’smy aham.

Brahmājī também aceitou a mesma verdade quando estava instruindo Nārada. Ele disse:

so’ yaṁ te ’bhihitas tāta
bhagavān viśva-bhāvanaḥ
(Śrīmad-Bhāgavatam 2.7.50)

Não existe uma causa de todas as causas que não seja a Suprema Personalidade de Deus, Hari. Portanto, este verso aham eva nunca indica algo diferente do Senhor Supremo, e, portanto, todos devem seguir o caminho do Brahma-sampradāya, ou o caminho que vai de Brahmājī a Nārada, a Vyāsadeva etc., e determinar-se na vida a compreender a Suprema Personalidade de Deus, Hari, ou o Senhor Kṛṣṇa. Essa instrução muito confidencial transmitida aos devotos puros do Senhor também foi dada a Arjuna e a Brahmā no início da criação. Os semideuses como Brahmā, Viṣṇu, Maheśvara, Indra, Candra e Varuṇa são, sem dúvidas, diferentes formas que o Senhor assume para executar diferentes funções; os diferentes ingredientes utilizados na criação material, bem como as múltiplas energias, também podem ser da mesma Personalidade de Deus, e a raiz de todos eles é a Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa. É preciso apegar-se à raiz de tudo e não se deixar confundir pelos galhos e folhas. Essa é a instrução dada neste verso.

Texto

ṛte ’rthaṁ yat pratīyeta
na pratīyeta cātmani
tad vidyād ātmano māyāṁ
yathābhāso yathā tamaḥ

Sinônimos

ṛte — sem; artham — valor; yat — aquilo que; pratīyeta — parece ser; na — não; pratīyeta — parece ser; ca — e; ātmani — relacionado coMigo; tat — isto; vidyāt — deves saber; ātmanaḥ — Minha; māyām — energia ilusória; yathā — assim como; ābhāsaḥ — o reflexo; yathā — como; tamaḥ — a escuridão.

Tradução

Ó Brahmā, tudo o que pareça ter algum valor, mas não está relacionado coMigo, não tem realidade. Tem por certo que isso é Minha energia ilusória, aquele reflexo que parece estar na escuridão.

Comentário

SIGNIFICADO—No verso anterior, já se concluiu que, em qualquer fase da manifestação cósmica – seu aparecimento, manutenção, crescimento, as interações das diferentes energias, sua deterioração e desaparecimento –, tudo tem sua relação básica com a existência da Personalidade de Deus. E, nesse caso, sempre que fica no esquecimento essa relação primordial com o Senhor, e sempre que se aceitam como reais coisas que não estão relacionadas com o Senhor, essa concepção se chama um produto da energia ilusória do Senhor. Porque nada pode existir sem o Senhor, é bom estar ciente de que a energia ilusória também é uma energia do Senhor. A conclusão correta, segundo a qual tudo deve ter conexão com o Senhor, chama-se yoga-māyā, ou a energia da união, e a concepção errônea, que consiste em pegar algo e desconectá-lo do Senhor, chama-se daivī māyā, ou mahā-māyā, do Senhor. Ambas as māyās também têm conexão com o Senhor porque nada pode existir sem estar relacionado a Ele. Nesse caso, a concepção errônea que consiste em anular a conexão entre algo e o Senhor não é falsa, mas ilusória.

Interpretar uma coisa como outra se chama ilusão. Por exemplo, aceitar que uma corda é uma cobra é ilusão, mas a corda não é falsa. A corda, que está diante da pessoa iludida, de modo algum é falsa, mas a maneira de aceitá-la é ilusória. Portanto, a concepção errônea mediante a qual alguém aceita esta manifestação material como estando divorciada da energia do Senhor é ilusão, mas não é falsa. E essa concepção ilusória se chama o reflexo da realidade na escuridão da ignorância. Tudo o que aparentemente não é “produzido de Minha energia” chama-se māyā. O conceito de que a entidade viva não tem forma ou de que o Senhor Supremo não tem forma também é ilusão. Na Bhagavad-gītā (2.12), o Senhor disse, no meio do campo de batalha, que os guerreiros que estavam diante de Arjuna, o próprio Arjuna, e inclusive o Senhor, todos já tinham existido antes, estavam existindo no Campo de Batalha de Kurukṣetra, e continuariam todos a ser personalidades individuais no futuro também, mesmo após a aniquilação do corpo atual e mesmo após libertarem-se do cativeiro da existência material. Em todas as circunstâncias, o Senhor e as entidades vivas são personalidades individuais, e as características pessoais do Senhor e dos seres vivos jamais são suprimidas; apenas a influência da energia ilusória, o reflexo da luz na escuridão, pode, pela misericórdia do Senhor, ser removida. No mundo material, a luz do Sol também não é independente, nem o é a luz da Lua. A verdadeira fonte de luz é o brahmajyoti, que difunde luz a partir do corpo transcendental do Senhor, e a mesma luz se reflete em muitas variedades de luz: a luz do Sol, a luz da Lua, a luz do fogo ou a luz da eletricidade. Logo, a identidade do eu como sendo desvinculado do Eu Supremo, o Senhor, também é ilusão, e a falsa alegação “Eu sou o Supremo” é a última armadilha ilusória da mesma māyā, ou a energia externa do Senhor.

Logo no início, o Vedānta-sūtra afirma que tudo nasce do Supremo, e assim, como se explicou no verso anterior, todas as entidades vivas individuais nascem da energia do ser vivo supremo, a Personalidade de Deus. O próprio Brahmā nasceu da energia do Senhor, e todas as outras entidades vivas nascem da energia do Senhor através da atuação de Brahmā; nenhuma delas tem qualquer existência que não esteja em conexão com o Senhor Supremo.

A independência da entidade viva individual não é verdadeira independência, mas é apenas o reflexo da verdadeira independência existente no Ser Supremo, o Senhor. É ilusão as almas condicionadas falsamente alegarem independência suprema, e este verso admite essa conclusão.

As pessoas com um pobre fundo de conhecimento ficam iludidas, daí os supostos cientistas, fisiologistas, filósofos empiristas etc. ficarem ofuscados com o fulgurante reflexo do Sol, da Lua, da eletricidade etc., e negarem a existência do Senhor Supremo, apresentando teorias e diferentes especulações sobre a criação, manutenção e aniquilação de tudo o que é material. O praticante da medicina talvez negue a existência da alma na compleição fisiológica corpórea de um indivíduo, mas ele não pode dar vida a um corpo morto, embora todos os mecanismos do corpo existam até mesmo depois da morte. O psicólogo faz um estudo sério das condições fisiológicas do cérebro, como se a constituição da própria massa cerebral fosse a máquina que serve para a mente funcionar, mas, no corpo morto, o psicólogo não pode trazer de volta a função da mente. Esses estudos em que a manifestação cósmica ou a compleição física são analisadas independentemente do Senhor Supremo são apenas um reflexo, ou diferentes ginásticas intelectuais, mas todos eles acabam sendo ilusão e nada mais. Todo esse avanço da ciência e do conhecimento no atual contexto da civilização material não passa de uma ação da energia ilusória que exerce influência, encobrindo. A energia ilusória tem duas fases de existência, a saber, a influência encobridora e a influência impulsora. Pela influência impulsora, a energia ilusória impulsiona as entidades vivas para as trevas da ignorância e, pela influência encobridora, encobre os olhos dos homens que têm um pobre fundo de conhecimento, impedindo-os de enxergar a existência da Pessoa Suprema que iluminou o supremo ser vivo individual, Brahmā. Nesta passagem, jamais se alega que Brahmā é o mesmo Senhor Supremo, de modo que tal alegação tolamente feita pelo homem que tem um pobre fundo de conhecimento é outra manifestação da energia ilusória do Senhor. Na Bhagavad-gītā (16.18-20), o Senhor diz que as pessoas demoníacas que negam a existência do Senhor são arremessadas cada vez mais na escuridão da ignorância, e essas pessoas demoníacas transmigram assim, vida após vida, sem nenhum conhecimento acerca da Suprema Personalidade de Deus.

No entanto, o homem sensato é iluminado na sucessão discipular de Brahmājī, que foi instruído pessoalmente pelo Senhor, ou na sucessão discipular de Arjuna, a quem o Senhor instruiu pessoalmente, dando a Bhagavad-gītā. Ele aceita esta declaração do Senhor:

ahaṁ sarvasya prabhavo
mattaḥ sarvaṁ pravartate
iti matvā bhajante maṁ
budhā bhāva-samanvitāḥ
(Bhagavad-gītā 10.8)

O Senhor é a fonte que origina todas as emanações, e tudo o que é criado, mantido e aniquilado existe através da energia do Senhor. O homem sensato que tem este conhecimento é erudito de verdade e, por conseguinte, ele se torna um devoto puro do Senhor, ocupado no transcendental serviço amoroso ao Senhor.

Embora os reflexos da energia do Senhor apresentem várias ilusões aos olhos das pessoas que têm um pobre fundo de conhecimento, a pessoa sensata sabe com clareza que o Senhor, através de Suas diferentes energias, pode agir mesmo distante, bem distante, fora do alcance de nossa visão, assim como o fogo pode difundir calor e luz vindos de um lugar distante. Com as seguintes palavras, a ciência médica dos sábios antigos, conhecida como o āyurveda, aceita em definitivo a supremacia do Senhor:

jagad-yoner anicchasya
cid-ānandaika-rūpiṇaḥ
puṁso ’sti prakṛtir nityā
praticchāyeva bhāsvataḥ
acetanāpi caitanya-
yogena paramātmanaḥ
akarod viśvam akhilam
anityam nāṭakākṛtim

Existe uma Pessoa Suprema que é o progenitor desta manifestação cósmica e cuja energia age como prakṛti, ou a natureza material, ofuscante como um reflexo. Com essa ação ilusória da prakṛti, até mesmo a matéria morta passa a movimentar-se por meio da cooperação da energia viva do Senhor, e, aos olhos ignorantes, o mundo material aparece como uma representação dramática. A pessoa ignorante, portanto, pode ser até mesmo um cientista ou fisiologista representando no teatro de prakṛti, mas a pessoa sensata sabe que prakṛti é a energia ilusória do Senhor. Com essa conclusão, como se confirma na Bhagavad-gītā, fica evidente que as entidades vivas também são uma manifestação da energia superior do Senhor (parā prakṛti), assim como o mundo material é uma manifestação da energia inferior do Senhor (aparā prakṛti). A energia superior do Senhor não pode estar no mesmo nível de igualdade com o Senhor, embora haja pouquíssima diferença entre a energia e o possuidor da energia, ou o fogo e o calor. O fogo possui calor, mas o calor não é o fogo. Essa simples verdade não é compreendida pelo homem dotado de um pobre fundo de conhecimento que chega a alegar que o fogo e o calor são a mesma coisa. Essa energia do fogo (a saber, o calor) é aqui explicada como sendo um reflexo, e não diretamente o fogo. Portanto, a energia viva representada pelas entidades vivas é o reflexo do Senhor, e nunca o próprio Senhor. Sendo o reflexo do Senhor, a existência da entidade viva depende do Senhor Supremo, que é a luz original. Essa energia material pode ser comparada à escuridão, pois, na verdade, ela é escuridão, e as atividades das entidades vivas na escuridão são reflexos da luz original. O Senhor deve ser compreendido dentro do contexto deste verso. A não-dependência de ambas as energias do Senhor é explicada como māyā, ou ilusão. Ninguém pode solucionar a escuridão da ignorância com o simples reflexo da luz. Do mesmo modo, ninguém pode sair da existência material com o simples reflexo da luz apresentado pelo homem comum; é preciso receber a luz da própria luz original. O reflexo da luz do Sol na escuridão é incapaz de afastar a escuridão, mas a luz que vem diretamente do Sol pode eliminar toda a escuridão. Ninguém pode ver as coisas numa sala escura. Por isso, uma pessoa no escuro tem medo de cobras e escorpiões, embora esses seres talvez não estejam presentes. Com uma luz, porém, podem-se ver claramente os objetos da sala, e logo some o medo das cobras e dos escorpiões. Portanto, todos devem refugiar-se na luz do Senhor, que se manifesta como a Bhagavad-gītā ou o Śrīmad-Bhāgavatam, e não na luz refletida e que não está em contato com o Senhor. Ninguém deve ouvir a Bhagavad-gītā ou o Śrīmad-Bhāgavatam narrados por uma pessoa que não acredita na existência do Senhor. Semelhante pessoa já está condenada, e quem de alguma maneira se associa com essa pessoa condenada também acaba se condenando.

Segundo o Padma Purāṇa, há inúmeros universos materiais dentro do âmbito material, e todos eles são cheios de escuridão. Qualquer ser vivo, começando pelos Brahmās (há incontáveis Brahmās em incontáveis universos) e indo até a insignificante formiga, todos nascem na escuridão, e é preciso o Senhor lhes dar verdadeira luz para que possam vê-lO diretamente, assim como o Sol só pode ser visto pela luz direta do Sol. Nenhuma lâmpada ou archote feito pelo homem, não importando quão poderosos sejam, podem ajudar alguém a ver o Sol. O Sol revela a si mesmo. Portanto, a ação das diferentes energias do Senhor, ou da própria Personalidade de Deus, pode ser percebida através da luz manifestada pela misericórdia imotivada do Senhor. Os impersonalistas dizem que Deus não pode ser visto. Deus pode ser visto através da luz de Deus, e não por meio de especulações feitas pelo homem. Aqui se menciona especificamente esta luz como vidyāt, que é uma ordem que o Senhor dá a Brahmā. Essa ordem direta do Senhor é uma manifestação de Sua energia interna, e essa energia em particular é o meio de ver o Senhor face a face. Não só Brahmā, mas qualquer um a quem o Senhor concede a graça de poder ver essa misericordiosa energia direta e interna pode também entender a Personalidade de Deus sem nenhuma especulação mental.

Texto

yathā mahānti bhūtāni
bhūteṣūccāvaceṣv anu
praviṣṭāny apraviṣṭāni
tathā teṣu na teṣv aham

Sinônimos

yathā — assim como; mahānti — universais; bhūtāni — os elementos; bhūteṣu uccaavaceṣu – nos minúsculos e nos gigantescos; anu — depois de; praviṣṭāni — terem entrado; apraviṣṭāni — não terem entrado; tathā — assim; teṣu — neles; na — não; teṣu — neles; aham — Eu mesmo.

Tradução

Ó Brahmā, por favor, toma conhecimento de que os elementos universais entram no cosmos e, ao mesmo tempo, não entram no cosmos; de modo semelhante, Eu mesmo também existo dentro de todas as coisas criadas e, ao mesmo tempo, estou fora de tudo.

Comentário

SIGNIFICADO—Os grandes elementos da criação material, a saber, terra, água, fogo, ar e éter, todos entram no corpo de todas as entidades manifestas – os mares, as montanhas, os seres aquáticos, as plantas, os répteis, as aves, os animais selvagens, os seres humanos, os semideuses e todos os seres que se manifestaram materialmente – e, ao mesmo tempo, esses elementos têm uma situação diferente. No nível de consciência desenvolvida, o ser humano pode estudar as ciências fisiológica e física, mas os princípios básicos dessas ciências são apenas os elementos materiais e nada mais. O corpo do ser humano e o corpo da montanha, bem como os corpos dos semideuses, incluindo Brahmā, são todos feitos com os mesmos ingredientes – terra, água etc. – e, ao mesmo tempo, os elementos estão além do corpo. Os elementos foram criados primeiro, daí terem entrado na constituição corpórea mais tarde, mas, em ambas as circunstâncias, entraram no cosmos e também não entraram. De modo semelhante, o Senhor Supremo, por intermédio de Suas diferentes energias, a saber, a interna e a externa, está dentro de tudo no cosmos manifesto e, ao mesmo tempo, está fora de tudo, situado no reino de Deus (Vaikuṇṭhaloka), como já foi descrito antes. Nas seguintes palavras, a Brahma-saṁhitā (5.37) menciona isto com muito apuro:

ānanda-cinmaya-rasa-pratibhāvitābhis
tābhir ya eva nija-rūpatayā kalābhiḥ
goloka eva nivasaty akhilātma-bhūto
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro a Personalidade de Deus, Govinda, que, pela expansão de Sua potência interna de existência, conhecimento e bem-aventurança transcendentais, desfruta em Sua própria forma e em formas expandidas. Ao mesmo tempo, Ele entra em cada átomo da criação.”

Esta expansão de Suas partes plenárias é também explicada mais definitivamente na mesma Brahma-saṁhitā (5.35) como segue:

eko ’py asau racayituṁ jagad-aṇḍa-koṭiṁ
yac-chaktir asti jagad-aṇḍa-cayā yad-antaḥ
aṇḍāntara-stha-paramāṇu-cayāntara-sthaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro a Personalidade de Deus, Govinda, quem, por intermédio de uma de Suas porções plenárias, entra na existência de cada universo e de cada partícula dos átomos e assim manifesta ilimitadamente, em toda a criação material, Sua energia infinita.”

Os impersonalistas podem imaginar ou mesmo perceber que o Brahman Supremo é assim onipenetrante, daí concluírem que não é possível Sua forma pessoal. E nisso está o mistério do conhecimento transcendental a respeito dEle. Este mistério é o transcendental amor a Deus, e quem está impregnado desse transcendental amor por Deus não tem nenhuma dificuldade em ver a Personalidade de Deus em cada átomo e em cada objeto móvel ou inerte. E, ao mesmo tempo, ele pode ver a Personalidade de Deus em Sua própria morada, Goloka, desfrutando passatempos eternos com Seus associados eternos, que são também expansões de Sua existência transcendental. Essa visão é o verdadeiro mistério do conhecimento espiritual, como o Senhor declara logo no início (sarahasyaṁ tad-aṅgaṁ ca). Esse mistério é a parte mais confidencial do conhecimento sobre o Supremo, e é impossível que os especuladores mentais façam essa descoberta valendo-se de ginástica intelectual. O mistério pode ser revelado através do seguinte processo que Brahmājī recomenda em sua Brahma-saṁhitā (5.38):

premāñjana-cchurita-bhakti-vilocanena
santaḥ sadaiva hṛdayeṣu vilokayanti
yaṁ śyāmasundaram acintya-guṇa-svarūpaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

“Adoro a Personalidade de Deus original, Govinda, a quem os devotos puros, com seus olhos untados com o bálsamo do amor a Deus, sempre observam dentro de seus corações. Esse Govinda, a Personalidade de Deus original, é Śyāmasundara, com todas as qualidades transcendentais.”

Portanto, embora esteja presente em cada átomo, a Suprema Personalidade de Deus talvez não seja visível aos especuladores áridos; entretanto, o mistério é revelado diante dos olhos dos devotos puros porque seus olhos estão untados com o amor a Deus. E esse amor a Deus só pode ser atingido com a prática do transcendental serviço amoroso ao Senhor, e com nenhum outro processo. A visão que os devotos possuem não é comum; é purificada através do processo do serviço devocional. Em outras palavras, assim como os elementos universais estão dentro e fora, do mesmo modo, o nome, a forma, a qualidade, os passatempos, o séquito etc. do Senhor, como são descritos nas escrituras reveladas ou como existem nos Vaikuṇṭhalokas, situados muitíssimo além da manifestação cósmica material, estão de fato sendo televisionados no coração do devoto. O homem com um pobre fundo de conhecimento não pode compreender, embora, através da ciência material, a televisão permita que se vejam coisas muito distantes. Na verdade, a pessoa espiritualmente desenvolvida consegue ter sempre refletida em seu coração a televisão do reino de Deus. Esse é o mistério do conhecimento acerca da Personalidade de Deus.

O Senhor pode ajudar cada um a libertar-se (mukti) do cativeiro da existência material, mas Ele raramente privilegia alguém concedendo-lhe amor por Deus, como Nārada confirma (muktiṁ dadhāti karhicit sma na bhakti-yogam). Este transcendental serviço devocional ao Senhor é tão maravilhoso que a ocupação mantém o devoto merecedor sempre absorto em atividades psicológicas, sem afastar-se do contato com o Absoluto. Assim, o amor a Deus, desenvolvido no coração do devoto, é um grande mistério. Anteriormente, Brahmājī disse a Nārada que seus desejos (de Brahmājī) nunca deixam de ser satisfeitos porque ele vive absorto no transcendental serviço amoroso ao Senhor; tampouco ele tem em seu coração algum desejo que não seja o transcendental serviço ao Senhor. Essa é a beleza e o mistério do processo de bhakti-yoga. Assim como o desejo do Senhor é infalível porque Ele é acyuta, do mesmo modo, os desejos dos devotos que prestam transcendental serviço ao Senhor também são acyuta, infalíveis. Entretanto, é muito difícil que compreenda isso o leigo que não conhece o mistério do serviço devocional, assim como é muito difícil conhecer o poder da pedra filosofal. Assim como é raro encontrar a pedra filosofal, também é raro ver um devoto puro do Senhor, até mesmo entre milhões de almas liberadas (koṭiṣv api mahāmune). Dentre todas as espécies de perfeições alcançadas através do processo de conhecimento, a perfeição ióguica no serviço devocional é a mais elevada e também a mais misteriosa de todas, inclusive mais misteriosa do que as oito espécies de perfeição mística alcançadas através do processo de atividades ióguicas. Na Bhagavad-gītā (18.64), portanto, o Senhor aconselha Arjuna sobre este bhakti-yoga:

sarva-guhyatamaṁ bhūyaḥ
śṛṇu me paramaṁ vacaḥ

“Simplesmente volta a ouvir-Me enquanto falo sobre a parte mais confidencial das instruções da Bhagavad-gītā.” Com as seguintes palavras, Brahmājī fez a Nārada a mesma confirmação:

idaṁ bhāgavataṁ nāma
yan me bhagavatoditam
saṅgraho ’yaṁ vibhūtīnāṁ
tvam etad vipulīkuru

Brahmājī falou a Nārada: “Tudo o que eu te disse sobre o Bhāgavatam me foi explicado pela Suprema Personalidade de Deus, e estou aconselhando-te a expandir com esmero esses tópicos para que as pessoas tenham facilidade em compreender o misterioso bhakti-yoga através do transcendental serviço amoroso ao Senhor.” Deve-se notar neste ponto que o próprio Senhor revelou a Brahmājī o mistério de bhakti-yoga. Brahmājī explicou o mesmo mistério a Nārada, Nārada o explicou a Vyāsa, Vyāsa o explicou a Śukadeva Gosvāmī, e este mesmo conhecimento é transmitido na legítima corrente da sucessão discipular. Quem for bastante afortunado para receber o conhecimento na transcendental sucessão discipular com certeza terá a oportunidade de compreender o mistério do Senhor e do Śrīmad-Bhāgavatam, a encarnação sonora do Senhor.

Texto

etāvad eva jijñāsyaṁ
tattva-jijñāsunātmanaḥ
anvaya-vyatirekābhyāṁ
yat syāt sarvatra sarvadā

Sinônimos

etāvat — até este ponto; eva — decerto; jijñāsyam — deve ser indagado; tattva — a Verdade Absoluta; jijñāsunā — pelo estudante; ātmanaḥ — do Eu; anvaya — diretamente; vyatirekābhyām — indiretamente; yat — tudo aquilo; syāt — que seja; sarvatra — em todo o espaço e tempo; sarvadā — em todas as circunstâncias.

Tradução

A pessoa que busca a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, deve decerto empreender essa busca em todas as circunstâncias, em todo espaço e tempo, tanto direta quanto indiretamente, até este ponto.

Comentário

SIGNIFICADO—Desvendar o mistério de bhakti-yoga, como se explicou no verso anterior, é a última fase de todas as indagações ou o objetivo máximo do indagador. Todos estão buscando a autorrealização de diferentes maneiras mediante karma-yoga, jñāna-yoga, dhyāna-yoga, rāja-yoga, bhakti-yoga etc. Ocupar-se em autorrealização é uma responsabilidade de toda entidade viva de consciência desenvolvida. Quem tem consciência desenvolvida com certeza faz indagações sobre o mistério do eu, sobre a situação cósmica e os problemas da vida, em todas as esferas e campos – social, político, econômico, cultural, religioso, moral etc. – e em seus diferentes ramos. Mas aqui se explica a meta de todas essas indagações.

A filosofia do Vedānta-sūtra começa com esta pergunta sobre a vida, e o Bhāgavatam dá a essas indagações toda esta resposta que esclarece o mistério de todas as indagações. O senhor Brahmā queria ser perfeitamente instruído pela Personalidade de Deus, e eis a resposta do Senhor, concluída em quatro versos concisos, de aham eva até este verso, etāvad eva. Este é o final de todos os processos de autorrealização. Os homens não sabem que a meta última da vida é Viṣṇu, ou a Suprema Personalidade de Deus, pois estão confusos pelo reflexo ofuscante na escuridão, e, nesse caso, todos estão entrando na região mais escura da existência material, impelidos pelos sentidos descontrolados. Toda a existência material surgiu por causa do gozo dos sentidos, desejos baseados principalmente no desejo sexual, e o resultado é que, apesar de todo o avanço do conhecimento, a meta final de todas as atividades das entidades vivas é o gozo dos sentidos. Mas aqui está a verdadeira meta da vida, e todos devem conhecê-la, fazendo perguntas a um mestre espiritual autêntico, versado na ciência de bhakti-yoga, ou a uma personalidade que leva uma vida Bhāgavatam. Todos se dedicam a fazer várias indagações sobre as escrituras, mas o Śrīmad-Bhāgavatam fornece as respostas a todos os vários estudantes da autorrealização: este objetivo último da vida não será alcançado sem muito esforço ou perseverança. Quem se interessa em fazer essas sinceras indagações deve dirigir-se ao mestre espiritual autêntico que está na sucessão discipular de Brahmājī, e esta é a orientação dada aqui. Porque o mistério foi revelado diante de Brahmājī pela Suprema Personalidade de Deus, o mistério de todas essas perguntas sobre a autorrealização deve ser apresentado a semelhante mestre espiritual, que, como representante direto do Senhor, é reconhecido nessa sucessão discipular. Semelhante mestre espiritual genuíno é capaz de deixar tudo claro, mostrando provas diretas e indiretas contidas nas escrituras reveladas. Embora todos sejam livres para consultar as escrituras reveladas e saber o que elas dizem a esse respeito, é preciso orientação de um mestre espiritual genuíno, e esse verso faz essa referência. O mestre espiritual genuíno é o representante mais íntimo do Senhor, e, ao receber a instrução do mestre espiritual, é preciso ter o mesmo espírito que teve Brahmājī ao recebê-la da Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa. O mestre espiritual genuíno que está nesta corrente de sucessão discipular autêntica jamais alega que é o próprio Senhor, embora esse mestre espiritual seja maior do que o Senhor no sentido de que, usando a experiência que ele pessoalmente põe em prática, ele pode dar o Senhor a todos. O Senhor não pode ser encontrado simplesmente através da educação ou de um invejável cérebro prolífico, mas com certeza Ele pode ser encontrado pelo estudante sincero através do meio transparente do mestre espiritual genuíno.

As escrituras reveladas dão orientações diretamente com essa finalidade, mas, como estão cegas por causa do fulgurante reflexo na escuridão, as entidades vivas confusas são incapazes de encontrar a verdade das escrituras reveladas. Na Bhagavad-gītā, por exemplo, toda orientação parte em direção à Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, mas, na falta um mestre espiritual autêntico na linha de Brahmājī ou na falta de alguém que ouça diretamente como Arjuna, o conhecimento revelado sofre diferentes distorções produzidas por muitas pessoas não autorizadas que apenas querem satisfazer seus próprios caprichos. Sem dúvida, a Bhagavad-gītā é aceita como uma das estrelas mais brilhantes no horizonte do céu espiritual, apesar do que as interpretações desse grande livro de conhecimento têm sido distorcidas tão grosseiramente que todo estudante da Bhagavad-gītā continua na mesma escuridão em que predominam os fulgurantes reflexos materiais. Esses estudantes dificilmente são iluminados pela Bhagavad-gītā. Na Gītā, praticamente se transmite a mesma instrução dos quatro versos primordiais do Bhāgavatam, mas, por estarem na moda interpretações erradas feitas por pessoas desautorizadas, ninguém pode alcançar a conclusão última. Na Bhagavad-gītā (18.61), afirma-se claramente:

īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā

O Senhor está situado no coração de todos os seres vivos (como Paramātmā) e, no mundo material, Ele controla todos eles por intermédio da ação de Sua energia externa. Por isso, menciona-se com clareza que o Senhor é o controlador supremo e que as entidades vivas são controladas pelo Senhor. Na mesma Bhagavad-gītā (18.65), o Senhor apresenta a seguinte orientação:

man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi satyaṁ te
pratijāne priyo ’si me

Neste verso da Bhagavad-gītā, fica claro que o Senhor orienta que a pessoa deve pensar em Deus e ser devoto do Senhor, adorar o Senhor e oferecer todas as reverências ao Senhor Kṛṣṇa. Tomando essa atitude, o devoto certamente regressará ao Supremo, regressará ao lar.

Afirma-se indiretamente que toda a estrutura social védica da sociedade humana é construída de maneira tal que todos ajam como parte integrante do corpo completo do Senhor. A classe de homens inteligentes, ou os brāhmaṇas, está situada no rosto do Senhor; a classe de homens administradores, os kṣatriyas, situa-se nos braços do Senhor; a classe dos homens produtores, os vaiśyas, situa-se na cintura do Senhor, e a classe dos homens trabalhadores, os śūdras, está situada nas pernas do Senhor. Portanto, a estrutura social completa é o corpo do Senhor, e todas as partes do corpo, a saber, os brāhmaṇas, os kṣatriyas, os vaiśyas e os śūdras destinam-se a servir em conjunto todo o corpo do Senhor; caso contrário, as partes se tornam inadequadas para se coordenarem com a consciência suprema de unidade. A consciência universal é de fato alcançada através do serviço coordenado que todas as pessoas envolvidas prestam à Suprema Personalidade de Deus, e só isso pode garantir a perfeição total. Por conseguinte, nem mesmo os grandes cientistas, os grandes filósofos, os grandes especuladores mentais, os grandes políticos, os grandes industriais, os grandes reformadores sociais etc. podem dar algum alívio à inquieta sociedade do mundo material, dado que eles não conhecem o segredo do sucesso mencionado neste verso do Bhāgavatam, a saber, que é preciso conhecer o mistério de bhakti-yoga. Na Bhagavad-gītā (7.15), também se diz:

na māṁ duṣkṛtino mūḍhāḥ
prapadyante narādhamāḥ
māyayāpahṛta-jñānā
āsuraṁ bhāvam āśritāḥ

Porque os assim chamados grandes líderes da sociedade humana ignoram este grande conhecimento do bhakti-yoga e, ocupados em atos ignóbeis, vivem buscando o gozo dos sentidos, desorientados pela energia externa do Senhor, eles obstinadamente se rebelam contra a supremacia da Suprema Personalidade de Deus e jamais concordam em render-se a Ele porque são tolos, e o tipo mais baixo de seres humanos. Esses descrentes e infiéis talvez sejam muito educados do ponto de vista material, mas, na realidade, são os maiores tolos do mundo, visto que, pela influência da natureza material externa, toda a sua aparente aquisição de conhecimento tornou-se nula e vazia. Portanto, dentro desse contexto, todo o avanço de conhecimento está sendo inutilizado por cães e gatos que lutam entre si em busca de gozo dos sentidos, e toda a aquisição de conhecimento em ciência, filosofia, belas artes, nacionalismo, desenvolvimento econômico, religião e outras importantes atividades está sendo desperdiçada porque são como vestes de um cadáver. Não há utilidade no pano utilizado para cobrir um caixão de defunto, pois ele só serve para arrancar falsos aplausos do público ignorante. O Śrīmad-Bhāgavatam, portanto, não se cansa de dizer que, sem alcançar a posição de bhakti-yoga, todas as atividades da sociedade humana devem ser consideradas fracassos absolutos. Está dito:

parābhavas tāvad abodha-jāto
yāvan na jijñāsata ātma-tattvam
yāvat kriyās tāvad idaṁ mano vai
karmātmakaṁ yena śarīra-bandhaḥ

(Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.5)

Enquanto a pessoa não passar a indagar sobre a autorrealização, todas as atividades materiais, por maiores que sejam, são diferentes espécies de derrota, pois a meta da vida humana não é alcançada com essas atividades indesejáveis e improfícuas. A função do corpo humano é libertar-se do cativeiro material, mas, enquanto o indivíduo estiver muito absorto em atividades materiais, sua mente estará agitada no redemoinho da matéria e, assim, ele continuará aprisionado em corpos materiais, vida após vida.

evaṁ manaḥ karma-vaśaṁ prayuṅkte
avidyayātmany upadhīyamāne
prītir na yāvan mayi vāsudeve
na mucyate deha-yogena tāvat

(Śrīmad-Bhāgavatam 5.5.6)

É a mente que gera diferentes espécies de corpos nos quais a pessoa sofre diferentes espécies de dores materiais. Portanto, enquanto a mente estiver absorta em atividades fruitivas, entende-se que a mente está absorta em ignorância, e assim é certo que a pessoa se sujeitará ao cativeiro material em diferentes corpos reiteradas vezes até desenvolver amor transcendental por Deus, Vāsudeva, a Pessoa Suprema. Absorver-se no nome, qualidade, forma e atividades transcendentais da Pessoa Suprema, Vāsudeva, significa mudar a atitude mental, trocando a matéria pelo conhecimento absoluto, que conduz a pessoa ao caminho da percepção absoluta e, assim, liberta-a do cativeiro do contato material e dos aprisionamentos em diferentes corpos materiais.

Śrīla Jīva Gosvāmī Prabhupāda, portanto, comenta as palavras sarvatra sarvadā no sentido de que os princípios de bhakti-yoga, ou o serviço devocional ao Senhor, são apropriados em todas as circunstâncias; isto é, recomenda-se bhakti-yoga em todas as escrituras reveladas, todas as autoridades praticam, é importante em todos os lugares, é útil em todas as causas e efeitos etc. No que diz respeito a todas as escrituras reveladas, ele cita o Skanda Purāṇa nos tópicos de Brahmā e Nārada como segue:

saṁsāre ’smin mahā-ghore
janma-mṛtyu-samākule
pūjanaṁ vāsudevasya
tārakaṁ vādibhiḥ smṛtam

No mundo material, que está cheio de trevas e perigos, nascimento, morte e diferentes ansiedades, o único meio para sair do grande enredamento é aceitar o transcendental serviço devocional amoroso ao Senhor Vāsudeva. Isso é aceito por todas as classes de filósofos.

Śrīla Jīva Gosvāmī também cita outra passagem comum, encontrada em três Purāṇas, a saber, Padma Purāṇa, Skanda Purāṇa e Liṅga Purāṇa. O texto é o seguinte:

āloḍya sarva-śāstrāni
vicārya ca punaḥ punaḥ
idam ekaṁ suniṣpannaṁ
dhyeyo nārāyaṇaḥ sadā

“Fazendo um exame minucioso de todas as escrituras reveladas e uma repetida avaliação delas, chega-se à conclusão de que o Senhor Nārāyaṇa é a Suprema Verdade Absoluta e, portanto, somente Ele deve ser adorado.”

O Garuḍa Purāṇa também faz acerca dessa mesma verdade a seguinte descrição indireta:

parāṁ gato ’pi vedānāṁ
sarva-śāstrārtha-vedy api
yo na sarveśvare bhaktas
taṁ vidyāt puruṣādhamam

“Muito embora alguém tenha ido até o outro lado de todos os Vedas, e embora ele seja versado em todas as escrituras reveladas, se ele não for um devoto do Senhor Supremo, deverá ser considerado o mais baixo da humanidade.” De modo semelhante, isso também é declarado indiretamente no Śrīmad-Bhāgavatam (5.18.12) da seguinte maneira:

yasyāsti bhaktir bhagavaty akiñcanā
sarvair guṇais tatra samāsate surāḥ
harāv abhaktasya kuto mahad-guṇā
mano-rathenāsati dhāvato bahiḥ

Quem tem devoção inabalável à Suprema Personalidade de Deus certamente possui todas as boas qualidades dos semideuses, mas, por outro lado, quem não é devoto do Senhor certamente está pairando nas trevas da especulação mental e, desse modo, é certo que está ocupado na impermanência material. O Śrīmad-Bhāgavatam (11.11.18) diz:

śabda-brahmaṇi niṣṇāto
na niṣṇāyāt pare yadi
śramas tasya śrama-phalo
hy adhenum iva rakṣataḥ

“Alguém talvez seja versado em toda a literatura transcendental dos Vedas, mas, caso deixe de conhecer o Supremo, deve-se concluir, então, que toda a sua educação é como a carga colocada sobre uma besta ou como cuidar de uma vaca que não dá leite.”

Igualmente, o transcendental serviço amoroso ao Senhor é um direito de todos, inclusive das mulheres, dos śūdras, das tribos selvagens ou de quaisquer outros seres vivos nascidos em condições pecaminosas.

te vai vidanty atitaranti ca deva-māyāṁ
strī-śūdra-hūṇa-śabarā api pāpa-jīvāḥ
yady adbhuta-krama-parāyaṇa-śīlaśikṣās
tiryag-janā api kimu śruta-dhāraṇā ye

(Śrīmad-Bhāgavatam 2.7.46)

Os seres humanos mais baixos poderão elevar-se ao nível mais elevado da vida devocional se forem treinados pelo mestre espiritual autêntico, versado no transcendental serviço amoroso ao Senhor. Se os mais baixos podem atingir esse grau de elevação, o que se dizer, então, dos mais elevados, que são versados no conhecimento védico? A conclusão é que o serviço devocional ao Senhor está aberto a todos, independente de quem seja. Essa é a confirmação de sua aplicação a todas as espécies de executores do serviço.

Por isso, o serviço devocional ao Senhor, com conhecimento perfeito através do treinamento dado por um mestre espiritual autêntico, é aconselhado a todos, mesmo àqueles que ainda não atingiram a plataforma humana. Isso se confirma no Garuḍa Purāṇa como segue:

kīṭa-pakṣi-mṛgāṇāṁ ca
harau sannyasta-cetasām
ūrdhvām eva gatiṁ manye
kiṁ punar jñānināṁ nṛṇām

“Se até mesmo os vermes, aves e animais selvagens têm garantida a elevação à vida de perfeição máxima caso se rendam por completo ao transcendental serviço amoroso ao Senhor, o que se dizer, então, dos filósofos entre os seres humanos?”

Portanto, não há necessidade de procurar candidatos com as qualidades adequadas à prática do serviço devocional ao Senhor. Deixemos que sejam indivíduos de bom comportamento ou mal treinados, cultos ou tolos, grosseiramente apegados ou membros da ordem de vida renunciada, almas liberadas ou desejosas de obter a salvação, inexperientes ou peritos na prática do serviço devocional – todos eles podem elevar-se à posição suprema executando serviço devocional sob a orientação apropriada. Isso também se confirma na Bhagavad-gītā (9.30,32) como segue:

api cet sudurācāro
bhajate mām ananya-bhāk
sādhur eva sa mantavyaḥ
samyag vyavasito hi saḥ
māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim

Mesmo se alguém for plenamente afeito a toda espécie de atos pecaminosos, ele, se acontece de estar ocupado no transcendental serviço amoroso ao Senhor, seguindo orientação apropriada, deve, sem dúvida alguma, ser considerado o mais perfeito homem santo. E assim qualquer pessoa, seja o que ou quem for – mesmo uma mulher caída, um trabalhador menos inteligente, um obtuso homem de comércio, ou mesmo um homem inferior a todos estes – pode alcançar a perfeição mais elevada da vida, voltando ao lar, voltando ao Supremo, contanto que ele ou ela se abrigue aos pés de lótus do Senhor com toda a seriedade. Essa seriedade sincera é a única qualificação que pode levar alguém ao nível de máxima perfeição na vida, e enquanto essa verdadeira seriedade não for despertada, existirá uma diferença entre limpeza e sujeira, erudição ou falta de erudição, tendo como referência a avaliação material. O fogo é sempre fogo, de modo que, se alguém tocar o fogo, voluntariamente ou por acidente, o fogo agirá à sua própria maneira, sem discriminação. O princípio é: harir harati pāpāni duṣṭa-cittair api smṛtaḥ. O Senhor todo-poderoso pode eliminar do devoto todas as reações pecaminosas, assim como o Sol pode esterilizar todas as espécies de infecções com seus raios poderosos. “A atração pelo gozo material não pode agir sobre um devoto puro do Senhor.” Há centenas e milhares de aforismos nas escrituras reveladas. Ātmārāmāś ca munayaḥ: “Até mesmo as almas autorrealizadas também sentem atração pelo transcendental serviço amoroso ao Senhor.” Kecit kevalayā bhaktyā vāsudeva-parāyaṇāḥ: “Pelo simples fato de ouvir e cantar, a pessoa se torna um grande devoto do Senhor Vāsudeva.” Na calati bhagavat-padāravindāl lavanimiṣārdham api sa vaiṣṇavāgryaḥ: “A pessoa que não se afasta dos pés de lótus do Senhor um momento ou um segundo sequer deve ser considerada o maior de todos os vaiṣṇavas”. Bhagavat-pārṣadatāṁ prāpte mat-sevayā pratītaṁ te: “Os devotos puros têm a convicção de que obterão a companhia da Personalidade de Deus, em virtude do que vivem ocupados no transcendental serviço amoroso ao Senhor.” Portanto, em todos os continentes, em todos os planetas, em todos os universos, o serviço devocional ao Senhor, ou bhakti-yoga, é vigente, e essa é a declaração do Śrīmad-Bhāgavatam e escrituras correlatas. Em todos os lugares quer dizer em toda parte da criação do Senhor. O Senhor pode ser servido com todos os sentidos, ou apenas com a mente. O brāhmaṇa do sul da Índia que serviu o Senhor valendo-se apenas de sua mente também entendeu de fato o Senhor. O sucesso está garantido para o devoto que ocupar por completo qualquer um de seus sentidos no método do serviço devocional. É possível servir o Senhor com qualquer ingrediente, até mesmo o artigo mais comum – uma flor, uma folha, uma fruta ou um pouco de água, que estão disponíveis em qualquer parte do universo e não custam nada – e assim, em todo o universo, o Senhor é servido pelas entidades dos universos. Para servi-lO, basta ouvir, ou basta cantar ou ler sobre Suas atividades, ou basta, então, adorá-lO e aceitá-lO.

Na Bhagavad-gītā, afirma-se que é possível servir o Senhor oferecendo o resultado do próprio trabalho, independentemente do que a pessoa faça. Em geral, os homens dizem que tudo o que eles fazem é inspirado por Deus, mas isso não é tudo. É preciso de fato trabalhar em prol de Deus como servo de Deus. O Senhor diz na Bhagavad-gītā (9.27):

yat karoṣi yad aśnāsi
yaj juhoṣi dadāsi yat
yat tapasyasi kaunteya
tat kuruṣva mad-arpaṇam

Faça o que quiser ou tudo o que tenha mais facilidade para fazer, coma qualquer refeição que prefira comer, sacrifique tudo o que puder sacrificar, dê toda a caridade que puder dar, e faça toda a penitência que puder fazer, mas tudo deve ser feito apenas para Ele. Se você negocia ou aceita algum emprego, aja em prol do Senhor. Toda refeição que comer, você pode oferecer ao Senhor e ter a certeza de que Ele vai devolver o alimento depois de Ele mesmo ter comido. Ele é o todo completo, de maneira que todo alimento que Lhe é oferecido pelo devoto é aceito por causa do amor do devoto, mas é devolvido, então, como prasāda para o devoto, a fim de que ele fique feliz comendo. Em outras palavras, seja um servo de Deus e viva em paz nessa consciência; então, por fim, retorne ao lar, retorne ao Supremo.

Afirma-se no Skanda Purāṇa:

yasya smṛtyā ca nāmoktyā
tapo-yajña-kriyādiṣu
nūnaṁ sampūrṇatām eti
sadyo vande tam acyutam

“Ofereço minhas reverências a Ele, o infalível, pois, pelo simples fato de lembrar-se dEle ou vibrar Seu santo nome, a pessoa pode alcançar a perfeição de todas as penitências, sacrifícios ou atividades fruitivas, e esse processo pode ser seguido em todo o universo.” Prescreve-se:

akāmaḥ sarva-kāmo vā
mokṣa-kāma udāra-dhīḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
yajeta puruṣaṁ param

“Esteja a pessoa cheia de desejos ou não tenha desejos, ela pode seguir este caminho do infalível bhakti-yoga para alcançar completa perfeição.” (Śrīmad-Bhāgavatam 2.3.10) Ninguém precisa ficar ansioso para aplacar cada semideus ou deusa, visto que a raiz de todos eles é a Personalidade de Deus. Assim como derramando água na raiz da árvore alguém serve e vivifica todos os galhos e folhas, do mesmo modo, prestando serviço ao Senhor Supremo, a pessoa serve automaticamente a cada deus e deusa, sem esforço extrínseco. O Senhor é onipenetrante, e, por conseguinte, o serviço a Ele também é onipenetrante. Esse fato é corroborado no Skanda Purāṇa como segue:

arcite deva-deveśe
śaṅkha-cakra-gadā-dhare
arcitāḥ sarva-devāḥ syur
yataḥ sarva-gato hariḥ

Quando o Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, que leva em Suas mãos uma concha, um disco, maça e flor de lótus, é adorado, com certeza todos os outros semideuses são adorados automaticamente, pois Hari, a Personalidade de Deus, é onipenetrante. Portanto, em todos os casos, a saber, nominativo, objetivo, causativo, dativo, ablativo, possessivo e auxiliar, todos se beneficiam com esse transcendental serviço amoroso ao Senhor. O homem que adora o Senhor, o próprio Senhor que é adorado, a causa pela qual o Senhor é adorado, a fonte de fornecimento, o lugar onde se faz tal adoração etc. – tudo se beneficia com essa ação.

Mesmo durante a aniquilação do mundo material, pode-se aplicar o processo de bhakti-yoga. Kālena naṣṭā pralaye vāṇīyam: o Senhor é adorado na devastação porque Ele impede que os Vedas sejam aniquilados. Ele é adorado em cada milênio ou yuga. Como se diz no Śrīmad-Bhāgavatam (12.3.52):

kṛte yad dhyāyato viṣṇuṁ
tretāyāṁ yajato makhaiḥ
dvāpare paricaryāyāṁ
kalau tad dhari-kīrtanāt

No Viṣṇu Purāṇa, está escrito:

sa hānis tan mahac chidraṁ
sa mohaḥ sa ca vibhramaḥ
yan-muhūrtaṁ kṣaṇaṁ vāpi
vāsudevaṁ na cintayet

“Se Vāsudeva, a Suprema Personalidade de Deus, não é lembrado mesmo por um momento, essa é a maior perda, essa é a maior ilusão e essa é a maior anomalia.” É possível adorar o Senhor em todas as fases da vida. Por exemplo, mesmo nos ventres de suas mães, Mahārāja Prahlāda e Mahārāja Parīkṣit adoraram o Senhor; mesmo em sua tenra infância, tendo apenas cinco anos, Dhruva Mahārāja adorou o Senhor; mesmo em plena juventude, Mahārāja Ambariṣa adorou o Senhor; e mesmo na última fase de sua frustração e velhice, Mahārāja Dhṛtarāṣṭra adorou o Senhor. Ajāmila adorou o Senhor até no momento da morte, e Citraketu adorou o Senhor até mesmo no céu e no inferno. Afirma-se no Narasiṁha Purāṇa que, assim que começaram a cantar o santo nome do Senhor, os habitantes do inferno passaram a ser elevados do inferno para o céu. Durvāsā Muni também apoia este ponto de vista: mucyeta yan-nāmny udite nārako ’pi. “Pelo simples fato de cantar o santo nome do Senhor, os habitantes do inferno libertaram-se da perseguição que sofriam no inferno. Logo, a conclusão do Śrīmad-Bhāgavatam, a qual Śukadeva Gosvāmī apresentou a Mahārāja Parīkṣit, é:

etan nirvidyamānānām
icchatām akuto-bhayam
yogināṁ nṛpa nirṇītaṁ
harer nāmānukīrtanam

“Ó rei, está definitivamente decidido que todos, a saber, aqueles que estão na ordem de vida renunciada, os místicos e os desfrutadores do trabalho fruitivo, devem cantar sem medo o santo nome do Senhor para alcançar o sucesso que desejam em seus empreendimentos.” (Śrīmad-Bhāgavatam 2.1.11)

Do mesmo modo, segundo a indicação indireta de várias passagens das escrituras reveladas:

1. Embora seja versada em todos os Vedas e escrituras, se a pessoa não é um devoto do Senhor Supremo, a Personalidade de Deus, ela deve ser considerada a mais baixa da humanidade.

2. No Garuḍa Purāṇa, no Bṛhan-nāradīya Purāṇa e no Padma Purāṇa, repete-se a mesma coisa: Qual a utilidade de conhecimento védico e de fazer penitências se a pessoa não presta serviço devocional ao Senhor?

3. Como pode alguém querer comparar milhares de prajāpatis a um devoto do Senhor?

4. Śukadeva Gosvāmī disse (Śrīmad-Bhāgavatam 2.4.17) que o asceta, a pessoa muito munificente, a pessoa famosa, o grande filósofo, o grande ocultista ou alguma outra pessoa só podem conseguir o resultado desejado quando se ocuparem a serviço do Senhor.

5. Mesmo que um lugar seja mais glorioso do que o céu, se lá não houver glorificação do Senhor de Vaikuṇṭha, ou de Seu devoto puro, deve-se abandoná-lo de imediato.

6. Para ocupar-se no serviço ao Senhor, o devoto puro recusa-se a aceitar qualquer uma das cinco diferentes espécies de liberação.

A conclusão final, portanto, é que se devem proclamar sempre e em toda parte as glórias do Senhor. Todos devem ouvir sobre Suas glórias, cantar sobre Suas glórias e lembrar-se sempre de Suas glórias, pois essa é a etapa de máxima perfeição na vida. No que diz respeito ao trabalho fruitivo, esse se limita a um corpo que procura o desfrute; no que diz respeito ao yoga, este se limita à aquisição de poder místico; no que diz respeito à filosofia empirista, esta se limita à obtenção do conhecimento transcendental; e no que diz respeito ao conhecimento transcendental, este se limita à obtenção da salvação. Mesmo que sejam adotados, há toda possibilidade de discrepâncias no desempenho do tipo específico de funções. Contudo, a execução do transcendente serviço devocional ao Senhor não tem limites, tampouco existe o medo de cair. O processo automaticamente alcança a fase final pela graça do Senhor. Na fase preliminar do serviço devocional, aparentemente é necessário ter algum conhecimento, mas, na fase mais elevada, não há necessidade desse conhecimento. O caminho de progresso que é melhor e mais garantido, portanto, é ocupar-se em bhakti-yoga, o serviço devocional puro.

A nata do Śrīmad-Bhāgavatam nos quatro ślokas anteriores é às vezes espremida pelo impersonalista que quer apresentar diferentes interpretações em seu favor, mas deve-se notar com atenção que os quatro ślokas foram primeiramente descritos pela própria Personalidade de Deus, e, assim, o impersonalista não tem respaldo para entrar neles, visto que não tem nenhuma concepção acerca da Personalidade de Deus. Portanto, o impersonalista pode tentar extrair deles quaisquer interpretações, mas essas interpretações nunca serão aceitas por aqueles que aprendem com a sucessão discipular oriunda de Brahmā, como se esclarecerá nos próximos versos. Além disso, o śruti confirma que a Suprema Verdade Absoluta, a Personalidade de Deus, jamais Se revela a qualquer um que tenha falso orgulho de seu conhecimento acadêmico. O śruti-mantra diz claramente (Kaṭha Upaniṣad 1.2.23):

nāyam ātmā pravacanena labhyo
na medhayā na bahudhā śrutena
yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas
tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanuṁ svām

O próprio Senhor explica todo o assunto, e quem não tem acesso ao Senhor em Seu aspecto pessoal raramente pode entender o significado do Śrīmad-Bhāgavatam sem ser ensinado pelos bhāgavatas na sucessão discipular.

Texto

etan mataṁ samātiṣṭha
parameṇa samādhinā
bhavān kalpa-vikalpeṣu
na vimuhyati karhicit

Sinônimos

etat — esta; matam — a conclusão; samātiṣṭha — permanece fixo; parameṇa — pela suprema; samādhinā — concentração da mente; bhavān — tu mesmo; kalpa — devastação intermediária; vikalpeṣu — na devastação final; na vimuhyati — jamais confundirá; karhicit — algo como a complacência.

Tradução

Ó Brahmā, apenas segue esta conclusão mediante concentração rixa da mente, e nenhum orgulho te perturbará, nem na devastação parcial nem na final.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim como o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, resumiu toda a Bhagavad-gītā em apenas quatro versos do décimo capítulo, começando com ahaṁ sarvasya prabhavaḥ. Do mesmo modo, o texto completo do Śrīmad-Bhāgavatam também foi resumido em quatro versos, a partir de aham evāsam evāgre. Assim, o objetivo secreto da mais importante conclusão bhāgavata foi explicado pelo orador original do Śrīmad-Bhāgavatam, que foi também o orador original da Bhagavad-gītā, a Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa. Há muitos gramáticos e argumentadores materiais e não-devotos que tentaram apresentar falsas interpretações para esses quatro versos do Śrīmad-Bhāgavatam, mas o próprio Senhor aconselhou Brahmājī a não se desviar da conclusão fixa que o Senhor lhe ensinara. O Senhor foi o preceptor do núcleo do Śrīmad-Bhāgavatam apresentado em quatro versos, e foi Brahmā quem recebeu o conhecimento. A deturpação dada à palavra aham pelo malabarismo verbal do impersonalista não deve perturbar a mente dos seguidores estritos do Śrīmad-Bhāgavatam. O Śrīmad-Bhāgavatam é o texto da Personalidade de Deus e de Seus devotos puros, que também são conhecidos como bhāgavatas, e nenhum estranho deve ter acesso a essa literatura confidencial do serviço devocional. Porém, infelizmente, o impersonalista, que não tem relação alguma com a Suprema Personalidade de Deus, às vezes tenta interpretar o Śrīmad-Bhāgavatam com seu pobre fundo de conhecimento em gramática e valendo-se de especulação árida. Por isso, o Senhor adverte Brahmā (e, através de Brahmā, todos os futuros devotos do Senhor na sucessão discipular de Brahmā) que ninguém deve, em tempo algum, deixar-se desencaminhar pela conclusão dos supostos gramáticos ou por outros homens com pobre fundo de conhecimento, senão que todos devem sempre dar à mente uma concentração perfeita através do sistema paramparā. Ninguém deve tentar dar uma nova interpretação recorrendo ao conhecimento mundano. E o primeiro passo, portanto, em harmonia com o sistema de conhecimento recebido por Brahmā, é aproximar-se de um guru autêntico que, como representante do Senhor, siga o sistema paramparā. Ninguém deve tentar extrair seu próprio significado com o imperfeito conhecimento mundano. O guru, ou o mestre espiritual genuíno, é competente para ensinar ao discípulo o caminho correto, tomando como referência o contexto de toda a literatura védica autêntica. Ele não tenta jogar com as palavras para confundir o estudante. O mestre espiritual genuíno, através de suas atividades pessoais, ensina ao discípulo os princípios do serviço devocional. Sem serviço pessoal, a pessoa continuaria especulando vida após vida, como os impersonalistas e especuladores fastidiosos, e não conseguiria chegar à conclusão final. Seguindo as instruções que o mestre espiritual genuíno apresenta com base nos princípios das escrituras reveladas, o estudante subirá ao plano do conhecimento completo, que se manifestará pelo desenvolvimento de desapego ao mundo do gozo dos sentidos. Os altercadores mundanos ficam surpresos com o fato de que alguém possa desapegar-se do mundo do gozo dos sentidos, de modo que qualquer esforço para se fixar na compreensão a respeito de Deus parece-lhes misticismo. Esse desapego do mundo sensório chama-se a fase de percepção brahma-bhūta, a fase preliminar da vida devocional transcendental (parā bhaktiḥ). A fase de vida brahma-bhūta também é conhecida como a fase ātmārāma, em que a pessoa tem completa autossatisfação e não deseja o mundo do gozo dos sentidos. Essa fase de satisfação plena é a situação adequada para compreender o conhecimento transcendental acerca da Personalidade de Deus. O Śrīmad-Bhāgavatam (1.2.20) afirma isto:

evaṁ prasanna-manaso
bhagavad-bhakti-yogataḥ
bhagavat-tattva-vijñānaṁ
mukta-saṅgasya jāyate

Assim, na fase de vida completamente satisfeita, manifesta pelo completo desapego do mundo do gozo dos sentidos como resultado da prática do serviço devocional, a pessoa pode compreender a ciência de Deus na fase liberada.

Em tal fase de completa satisfação e desapego do mundo sensório, é possível conhecer o mistério da ciência de Deus com toda a sua complexidade confidencial, e não através da gramática ou da especulação acadêmica. Porque Brahmā se qualificou para receber esse conhecimento, o Senhor teve prazer em revelar o propósito do Śrīmad-Bhāgavatam. É possível que o Senhor dê a qualquer devoto que se desapegou do mundo do gozo dos sentidos esta instrução direta, como se declara na Bhagavad-gītā (10.10):

teṣāṁ satata-yuktānāṁ
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te

Aos devotos que se ocupam constantemente no transcendental serviço amoroso ao Senhor (prīti-pūrvakam), o Senhor, por Sua imotivada misericórdia para com o devoto, fornece instruções diretas, para que o devoto possa fazer total progresso no caminho de volta ao lar, de volta ao Supremo. Portanto, ninguém deve tentar entender estes quatro versos do Śrīmad-Bhāgavatam através da especulação mental. Ao contrário, pela percepção direta a respeito da Suprema Personalidade de Deus, a pessoa é capaz de compreender tudo sobre Sua morada, Vaikuṇṭha, como viu e experimentou Brahmājī. Essa percepção Vaikuṇṭha é possível a qualquer devoto do Senhor situado na posição transcendental como resultado do serviço devocional.

Na Gopāla-tāpanī Upaniṣad (śruti), afirma-se que gopa-veśo me puruṣaḥ purastād āvirbabhuva: o Senhor apareceu diante de Brahmā como um pastor de vacas, isto é, como a original Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, Govinda, que mais tarde é descrito por Brahmājī em sua Brahma-saṁhitā (5.29):

cintāmaṇi-prakara-sadmasu kalpavṛkṣa-
lakṣāvṛteṣu surabhīr abhipālayantam
lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama-sevyamānaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi

Brahmājī deseja adorar a original Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, que reside no mais elevado planeta Vaikuṇṭha, conhecido como Goloka Vṛndāvana, onde Ele costuma cuidar de vacas surabhis como vaqueiro e onde centenas e milhares de deusas da fortuna (as gopīs) O servem com amor e respeito.

Portanto, o Senhor Śrī Kṛṣṇa é a forma original do Senhor Supremo (kṛṣṇas tu bhagavān svayam). Isso também fica claro nesta instrução. A Suprema Personalidade de Deus é o Senhor Kṛṣṇa, e não diretamente Nārāyaṇa ou os puruṣa-avatāras, que são manifestações subsequentes. Por conseguinte, o Śrīmad-Bhāgavatam significa consciência da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, e o Śrīmad-Bhāgavatam é a representação sonora do Senhor, tanto quanto a Bhagavad-gītā. Logo, a conclusão é que o Śrīmad-Bhāgavatam é a ciência do Senhor, onde o Senhor e Sua morada são perfeitamente entendidos.

Texto

śrī-śuka uvāca
sampradiśyaivam ajano
janānāṁ parameṣṭhinam
paśyatas tasya tad rūpam
ātmano nyaruṇad dhariḥ

Sinônimos

śrī-śukaḥ uvāca — Śrī Śukadeva Gosvāmī disse; sampradiśya — dando instruções completas a Brahmājī; evam — assim; ajanaḥ — o Senhor Supremo; janānām — das entidades vivas; parameṣṭhinam — ao líder supremo, Brahmā; paśyataḥ — enquanto ele via; tasya — Sua; tat rūpam — aquela forma transcendental; ātmanaḥ — do Absoluto; nyaruṇat — desapareceu; hariḥ — o Senhor, a Personalidade de Deus.

Tradução

Śukadeva Gosvāmī disse a Mahārāja Parīkṣit: A Suprema Personalidade de Deus, Hari, depois de ser visto em Sua forma transcendental, instruindo Brahmājī, o líder das entidades vivas, desapareceu.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, menciona-se claramente que o Senhor é ajanaḥ, ou a Pessoa Suprema, e que Ele estava mostrando Sua forma transcendental (ātmano rūpam) a Brahmājī enquanto Lhe instruía o Śrīmad-Bhāgavatam resumido a quatro versos. Ele é ajanaḥ, ou a Pessoa Suprema, entre janānām, ou todas as pessoas. Todas as entidades vivas são pessoas individuais, e, entre todas essas pessoas, o Senhor Hari é o supremo, como se confirma no śruti-mantra, nityo nityānāṁ cetanaś cetanānām. Logo, não há lugar para aspectos impessoais no mundo transcendental, ao contrário do mundo material, onde há aspectos impessoais. Sempre que existe cetana, ou conhecimento, prevalece o aspecto pessoal. No mundo espiritual, tudo é cheio de conhecimento e, portanto, tudo no mundo transcendental, a terra, a água, a árvore, a montanha, o rio, o homem, o animal, a ave – tudo – tem a mesma qualidade, a saber, cetana, de maneira que tudo lá é individual e pessoal. Como a literatura védica suprema, o Śrīmad-Bhāgavatam nos dá esta informação, e a Suprema Personalidade de Deus a transmitiu pessoalmente a Brahmājī para que o líder das entidades vivas pudesse difundir a mensagem a todos no universo a fim de ensinar o supremo conhecimento de bhakti-yoga. Por sua vez, Brahmājī instruiu a Nārada, seu amado filho, a mesma mensagem do Śrīmad-Bhāgavatam, e Nārada, por sua vez, deu a mesma instrução a Vyāsadeva, que também a ensinou a Śukadeva Gosvāmī. Através da graça de Śukadeva Gosvāmī e pela misericórdia de Mahārāja Parīkṣit, todos recebemos o Śrīmad-Bhāgavatam perpetuamente para aprendermos a ciência da Absoluta Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa.

Texto

antarhitendriyārthāya
haraye vihitāñjaliḥ
sarva-bhūtamayo viśvaṁ
sasarjedaṁ sa pūrvavat

Sinônimos

antarhita — no desaparecimento; indriya-arthāya — a Personalidade de Deus, o objetivo de todos os sentidos; haraye — ao Senhor; vihita-añjaliḥ — de mãos postas; sarva-bhūta — todas as entidades vivas; mayaḥ — cheio de; viśvam — o universo; sasarja — criou; idam — este; saḥ — ele (Brahmājī); pūrvavat – exatamente como antes.

Tradução

Com o desaparecimento da Suprema Personalidade de Deus, Hari, que é o objeto de desfrute transcendental para os sentidos dos devotos, Brahmā, de mãos postas, começou a recriar o universo, cheio de entidades vivas, como era antes.

Comentário

SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus, Hari, é o objetivo que satisfaz os sentidos de todas as entidades vivas. Iludidas pelo reflexo ofuscante da energia externa, as entidades vivas adoram os sentidos ao invés de ocupá-los apropriadamente em satisfazer os desejos do Supremo.

No Hari-bhakti-sudhodaya (13.2), há o seguinte verso:

akṣṇoḥ phalaṁ tvādṛśa-darśanaṁ hi
tanoḥ phalaṁ tvādṛśa-gātra-saṅgaḥ
jihvā-phalaṁ tvādṛśa-kīrtanaṁ hi
sudurlabhā bhāgavatā hi loke

“Ó devoto do Senhor, para se alcançar o objetivo do sentido da visão, basta te ver, e tocar teu corpo satisfaz o contato corporal. A língua se destina a glorificar tuas qualidades, pois, neste mundo, é muito difícil encontrar um devoto puro do Senhor.”

Originalmente, foi com este propósito que a entidade viva recebeu seus sentidos, a saber, para ocupá-los no transcendental serviço amoroso ao Senhor ou aos Seus devotos, mas as almas condicionadas, iludidas pela energia material, foram cativadas pelo gozo dos sentidos. Portanto, todo o processo da consciência de Deus presta-se a retificar as atividades condicionadas dos sentidos e voltar a ocupá-los no serviço direto ao Senhor. O senhor Brahmā ocupou então Seus sentidos no Senhor, recriando as entidades vivas condicionadas para agirem no universo recriado. Este universo material é então criado e aniquilado pela vontade do Senhor. Ele é criado para que a alma condicionada possa agir e voltar ao lar, voltar ao Supremo, e servos como Brahmājī, Nāradajī, Vyāsajī e seus companheiros dividem entre si a mesma tarefa do Senhor: recuperar as almas condicionadas do campo do gozo dos sentidos e ajudá-las a retornarem ao seu estado normal, no qual elas ocupam os sentidos no serviço ao Senhor. Ao invés de adotarem esse procedimento, isto é, converter as ações dos sentidos, os impersonalistas começaram a eliminar os sentidos das almas condicionadas, e do Senhor também. Esse é um tratamento inadequado para as almas condicionadas. O estado doentio dos sentidos pode ser tratado com a cura do defeito, mas não com a total eliminação dos sentidos. Quando há alguma doença nos olhos, eles devem ser curados para verem apropriadamente. Arrancar os olhos não é tratamento. De modo semelhante, toda a doença material baseia-se no processo do gozo dos sentidos, e, para a pessoa libertar-se do estado doentio, é preciso que os sentidos passem a ver a beleza do Senhor, ouvir Suas glórias e agir para Ele. Assim, Brahmājī voltou a criar as atividades universais.

Texto

prajāpatir dharma-patir
ekadā niyamān yamān
bhadraṁ prajānām anvicchann
ātiṣṭhat svārtha-kāmyayā

Sinônimos

prajā-patiḥ — o antepassado de todas as entidades vivas; dharma-patiḥ — o pai da vida religiosa; ekadā — certa vez; niyamān — regras e regulações; yamān — princípios de controle; bhadram — bem-estar; prajānām — dos seres vivos; anvicchan — desejando; ātiṣṭhat — situado; sva-artha — interesse próprio; kāmyayā — desejando assim.

Tradução

Certa vez, então, o antepassado de todas as entidades vivas e o pai da religiosidade, o senhor Brahmā, situou-se nos atos dos princípios reguladores, desejando o verdadeiro interesse para o bem-estar de todas as entidades vivas.

Comentário

SIGNIFICADO—Não pode estar situado numa posição elevada quem não se submeteu a uma vida regulada por regras e regulações. Uma vida irrestritamente entregue ao gozo dos sentidos é vida animal, e o senhor Brahmā, a fim de ensinar todos os que se incluiriam na jurisdição de suas gerações, ensinou esses mesmos princípios segundo os quais o controle dos sentidos é essencial para se executarem deveres mais elevados. Ele desejou o bem-estar de todos como servos de Deus, e qualquer um que deseje o bem-estar dos membros de sua família e gerações deve levar uma vida moral e religiosa. A vida mais elevada de princípios morais é tornar-se devoto do Senhor porque o devoto puro do Senhor tem todas as boas qualidades do Senhor. Por outro lado, quem não é devoto do Senhor, mesmo que tenha muitas qualificações do ponto de vista mundano, não pode apresentar nenhuma qualidade que mereça receber esse nome. Os devotos puros do Senhor, como Brahmā e as pessoas na corrente de sucessão discipular, não instruem seus subordinados sem antes colocarem em prática os seus próprios ensinamentos.

Texto

taṁ nāradaḥ priyatamo
rikthādānām anuvrataḥ
śuśrūṣamāṇaḥ śīlena
praśrayeṇa damena ca

Sinônimos

tam — a ele; nāradaḥ — o grande sábio Nārada; priyatamaḥ — muito querido; riktha-ādānām — dos filhos herdeiros; anuvrataḥ — muito obediente; śuśrūṣamāṇaḥ — sempre pronto para servir; śīlena — por bom comportamento; praśrayeṇa — por mansidão; damena — por controle dos sentidos; ca — também.

Tradução

Nārada, o mais querido dos filhos herdeiros de Brahmā, sempre pronto a servir seu pai, segue à risca as instruções dele, com seu comportamento exemplar, sua mansidão e controle dos sentidos.

Texto

māyāṁ vividiṣan viṣṇor
māyeśasya mahā-muniḥ
mahā-bhāgavato rājan
pitaraṁ paryatoṣayat

Sinônimos

māyām — energias; vividiṣan — desejando conhecer; viṣṇoḥ — da Personalidade de Deus; māyā-īśasya — do mestre de todas as energias; mahā-muniḥ — o grande sábio; mahā-bhāgavataḥ — o devoto de primeira classe do Senhor; rājan — ó rei; pitaram — a seu pai; paryatoṣayat — agradou muito.

Tradução

Nārada agradou muito a seu pai e desejou saber tudo sobre as energias de Viṣṇu, o mestre de todas as energias, pois Nārada era o maior de todos os sábios e o maior de todos os devotos, ó rei.

Comentário

SIGNIFICADO—O senhor Brahmā, sendo o criador de todos os seres vivos do universo, é originalmente o pai de vários filhos famosos, como Dakṣa, os catuḥ-sanas e Nārada. Em três departamentos do conhecimento humano disseminado pelos Vedas, a saber, trabalho fruitivo (karma-kāṇḍa), conhecimento transcendental (āna-kāṇḍa) e serviço devocional (upāsanā-kāṇḍa), Devarṣi Nārada herdou de seu pai Brahmā o serviço devocional, mas Dakṣa herdou de seu pai o trabalho fruitivo, e Sanaka, Sanātana etc. herdaram de seu pai a informação sobre jñāna-kāṇḍa, ou o conhecimento transcendental. Dentre todos eles, todavia, Nārada é aqui descrito como o mais amado filho de Brahmā por causa do bom comportamento, obediência, mansidão e presteza em servir o seu pai. E Nārada é famoso como o maior de todos os sábios porque é o maior de todos os devotos. Nārada é o mestre espiritual de muitos devotos famosos do Senhor. Ele é o mestre espiritual de Prahlāda, Dhruva e Vyāsa, e também entre seus discípulos está Kirāta, o caçador de animais da floresta. Sua única ocupação é converter todos ao transcendental serviço amoroso ao Senhor. Portanto, todas essas características de Nārada fazem dele o filho mais querido de seu pai, e tudo isso se deve ao fato de que Nārada é um primoroso devoto do Senhor. Os devotos vivem ansiosos para saber sempre mais sobre o Senhor Supremo, o mestre de todas as energias. Como se confirma na Bhagavad-gītā (10.9):

mac-cittā mad-gata-prāṇā
bodhayantaḥ parasparam
kathayantaś ca māṁ nityaṁ
tuṣyanti ca ramanti ca

O Senhor Supremo é ilimitado, e Suas energias são também ilimitadas. Ninguém pode conhecê-las por completo. Brahmājī, sendo a maior entidade viva neste universo e sendo diretamente instruído pelo Senhor, na certa sabe mais do que qualquer um neste universo, embora esse conhecimento possa ser incompleto. Logo, para fazer perguntas sobre o Senhor ilimitado, a pessoa deve dirigir-se ao mestre espiritual na sucessão discipular de Brahmā, que desce de Nārada para Vyāsa, de Vyāsa para Śukadeva e assim por diante.

Texto

tuṣṭaṁ niśāmya pitaraṁ
lokānāṁ prapitāmaham
devarṣiḥ paripapraccha
bhavān yan mānupṛcchati

Sinônimos

tuṣṭam — satisfeito; niśāmya — após ver; pitaram — o pai; lokānām — de todo o universo; prapitāmaham — o bisavô; devarṣiḥ — o grande sábio Nārada; paripapraccha — indagou; bhavān — tu mesmo; yat — como é; — a mim; anupṛcchati — perguntando.

Tradução

O grande sábio Nārada também fez perguntas minuciosas a seu pai Brahmā, o bisavô de todo o universo, após vê-lo muito satisfeito.

Comentário

SIGNIFICADO—O processo que consiste em a pessoa recorrer à alma autorrealizada para aprender com ela o conhecimento espiritual ou transcendental não é exatamente como fazer uma pergunta comum ao professor escolar. Os professores escolares dos dias modernos são agentes pagos para dar alguma informação, mas o mestre espiritual não é um funcionário pago. Nem pode ele transmitir instruções sem ser autorizado. Na Bhagavad-gītā (4.34), o processo para se compreender o conhecimento transcendental recebe a seguinte apreciação:

tad viddhi praṇipātena
paripraśnena sevayā
upadekṣyanti te jñānaṁ
jñāninas tattva-darśinaḥ

Para receber o conhecimento transcendental transmitido pela pessoa autorrealizada, Arjuna foi aconselhado a praticar a rendição, fazer perguntas e prestar serviço. Receber conhecimento transcendental não é como trocar dólares; esse conhecimento deve ser recebido com o serviço ao mestre espiritual. Assim como Brahmājī recebeu o conhecimento diretamente do Senhor depois que O satisfez imensamente, do mesmo modo, todos devem receber do mestre espiritual o conhecimento transcendental satisfazendo-o. A satisfação do mestre espiritual é o meio para se assimilar o conhecimento transcendental. Ninguém pode compreender o conhecimento transcendental só porque se tornou um gramático. Os Vedas declaram:

yasya deve parā bhaktir
yathā deve tathā gurau
tasyaite kathitā hy arthāḥ
prakāśante mahātmanaḥ

“Somente àquele que tem inabalável devoção ao Senhor e ao mestre espiritual é que o conhecimento transcendental automaticamente se revela.” (Śvetāśvatara Upaniṣad 6.23) Essa relação entre o discípulo e o mestre espiritual é eterna. Quem agora é o discípulo é o próximo mestre espiritual. E só pode ser um mestre espiritual genuíno e autorizado quem é estritamente obediente ao seu próprio mestre espiritual. Brahmājī, como discípulo do Senhor Supremo, recebeu o verdadeiro conhecimento e o transmitiu a seu querido discípulo Nārada, e, igualmente, Nārada, como mestre espiritual, passou este conhecimento a Vyāsa e assim por diante. Portanto, o mestre espiritual e discípulo que apenas observam formalidades não são fac-símiles de Brahmā e Nārada ou de Nārada e Vyāsa. A relação entre Brahmā e Nārada é realidade, enquanto a suposta formalidade é a relação entre o enganador e o enganado. Menciona-se claramente nesta passagem que Nārada não só é bem comportado, manso e obediente, mas também autocontrolado. Quem não é autocontrolado, especificamente na vida sexual, não pode tornar-se discípulo nem mestre espiritual. A pessoa deve ter treinamento disciplinar em controlar a fala, a ira, a língua, a mente, o estômago e os órgãos genitais. Quem controlou os sentidos específicos supracitados chama-se gosvāmī. Sem se tornar um gosvāmī, ninguém pode tornar-se um discípulo ou um mestre espiritual. O suposto mestre espiritual que não controla os sentidos com certeza é um enganador, e o discípulo desse suposto mestre espiritual é um enganado.

Ninguém deve pensar que Brahmājī é um bisavô morto, pois é essa a experiência que temos neste planeta. Ele é o bisavô mais velho, e continua vivo, e Nārada também está vivo. A Bhagavad-gītā menciona a idade dos habitantes do planeta Brahmaloka. Os habitantes deste pequeno planeta Terra dificilmente poderiam calcular até mesmo a duração de um dia de Brahmā.

Texto

tasmā idaṁ bhāgavataṁ
purāṇaṁ daśa-lakṣaṇam
proktaṁ bhagavatā prāha
prītaḥ putrāya bhūta-kṛt

Sinônimos

tasmai — logo a seguir; idam — este; bhāgavatam — as glórias do Senhor ou a ciência do Senhor; purāṇam — suplemento védico; daśa-lakṣaṇam — dez características; proktam — descritas; bhagavatā — pela Personalidade de Deus; prāha — disse; prītaḥ — com satisfação; putrāya — ao filho; bhūtakṛt – o criador do universo.

Tradução

Logo a seguir, o pai [Brahmā], com muita satisfação, narrou a seu filho Nārada o texto védico suplementar, o Śrīmad-Bhāgavatam, que foi descrito pela Personalidade de Deus e que contém dez características.

Comentário

SIGNIFICADO—Embora tenha sido falado em quatro versos, o Śrīmad-Bhāgavatam tinha dez características, que serão explicadas no próximo capítulo. Nos quatro versos, primeiro se diz que o Senhor existia antes da criação, e assim o começo do Śrīmad-Bhāgavatam inclui o aforismo do Vedānta, janmādy asya. Janmādy asya é o começo, mas os quatro versos em que se diz que o Senhor é a raiz de tudo o que existe, começando pela criação e indo até a morada suprema do Senhor, obviamente explicam as dez características. Ninguém deve interpretar erroneamente que o Senhor falou só quatro versos e que, portanto, todos os 17.994 versos restantes são inúteis. Como ficará claro no próximo capítulo, são necessários muitos versos só para explicar a contento as dez características. Brahmājī também havia antes aconselhado que Nārada expandisse a ideia que ouvira de Brahmājī. A Śrīla Rūpa Gosvāmī, Śrī Caitanya Mahāprabhu transmitiu resumidamente essa instrução, mas o discípulo Rūpa Gosvāmī a expandiu muito elaboradamente, e o mesmo assunto continuou sendo expandido por Jīva Gosvāmī e mais ainda por Śrī Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura. Nós estamos apenas tentando seguir os passos de todas essas autoridades. Logo, o Śrīmad-Bhāgavatam não é como a ficção ordinária ou a literatura mundana. Sua força é ilimitada, e mesmo que alguém o expanda segundo sua própria capacidade, essa expansão nunca vai esgotar o assunto contido no Bhāgavatam. O Śrīmad-Bhāgavatam, sendo a representação sonora do Senhor, é simultaneamente explicado em quatro versos e em quatro bilhões de versos da mesma maneira, visto que o Senhor é menor do que o átomo e maior do que o céu ilimitado. Essa é a potência do Śrīmad-Bhāgavatam.

Texto

nāradaḥ prāha munaye
sarasvatyās taṭe nṛpa
dhyāyate brahma paramaṁ
vyāsāyāmita-tejase

Sinônimos

nāradaḥ — o grande sábio Nārada; prāha — instruiu; munaye — ao grande sábio; sarasvatyāḥ — do rio Sarasvatī; taṭe — na margem; nṛpa — ó rei; dhyāyate — ao meditativo; brahma — Verdade Absoluta; paramam — o Supremo; vyāsāya — a Śrīla Vyāsadeva; amita — ilimitado; tejase — ao poderoso.

Tradução

Na sequência, ó rei, o grande sábio Nārada instruiu o Śrīmad-Bhāgavatam ao ilimitadamente poderoso Vyāsadeva, que, na margem do rio Sarasvatī, meditava no serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus, a Verdade Absoluta.

Comentário

SIGNIFICADO—No quinto capítulo do primeiro canto do Śrīmad-Bhāgavatam, Nārada deu ao grande sábio Vyāsadeva a seguinte instrução:

atho mahā-bhāga bhavān amogha-dṛk
śuci-śravāḥ satya-rato dhṛta-vrataḥ
urukramasyākhila-bandha-muktaye
samādhinānusmara tad viceṣṭitam

“Ó filósofo grandemente afortunado e piedoso, teu nome e tua fama são universais, e estás fixo na Verdade Absoluta com caráter imaculado e visão infalível. Peço-te que medites nas atividades da Personalidade de Deus, pois elas não têm paralelo.”

Assim, na sucessão discipular do Brahma-sampradāya, não se negligencia a prática da meditação ióguica. Porém, como são bhakti-yogīs, os devotos não se dão ao trabalho de meditar no Brahman impessoal; como aqui se indica, eles meditam no brahma paramam, ou o Brahman Supremo. A percepção Brahman começa da refulgência impessoal, mas, continuando a progredir nessa meditação, acontece a manifestação da Alma Suprema, a percepção Paramātmā. E, progredindo ainda mais, passa-se a compreender a Suprema Personalidade de Deus. Śrī Nārada Muni, como mestre espiritual de Vyāsadeva, conhecia muito bem a posição de Vyāsadeva, e assim certificou-se de que, com suas qualidades, Śrīla Vyāsadeva, seguindo o grande voto, estaria fixo na Verdade Absoluta etc. A todos, Nārada aconselhou a meditação nas atividades transcendentais do Senhor. O Brahman impessoal não tem atividades, mas a Personalidade de Deus possui muitas atividades, e todas essas atividades são transcendentais, sem nenhum vestígio de qualidades materiais. Se as atividades do Brahman Supremo fossem materiais, então Nārada não teria aconselhado Vyāsadeva a meditar nelas. E o paraṁ brahma é o Senhor Śrī Kṛṣṇa, como se confirma na Bhagavad-gītā. No décimo capítulo da Bhagavad-gītā, quando Arjuna compreendeu a verdadeira posição do Senhor Kṛṣṇa, ele dirigiu ao Senhor Kṛṣṇa as seguintes palavras:

paraṁ brahma paraṁ dhāma
pavitraṁ paramaṁ bhavān
puruṣaṁ śāśvataṁ divyam
ādi-devam ajaṁ vibhum
āhus tvām ṛṣayaḥ sarve
devarṣir nāradas tathā
asito devalo vyāsaḥ
svayaṁ caiva bravīṣi me

Tendo compreendido o Senhor Śrī Kṛṣṇa, Arjuna resumiu o objetivo da Bhagavad-gītā e, então, disse: “Minha querida Personalidade de Deus, és a Suprema Verdade Absoluta, a Pessoa original sob a forma eterna de bem-aventurança e conhecimento, e confirmam isso Nārada, Asita, Devala e Vyāsadeva, e, acima de tudo, Tu mesmo também confirmas isso.” (Bhagavad-gītā 10.12-13)

Ao fixar sua mente em meditação, Vyāsadeva agiu em transe de bhakti-yoga e, na verdade, viu a Pessoa Suprema com māyā, a energia ilusória, em contraposição. Como já discutimos, a māyā do Senhor, ou ilusão, também é uma representação, dado que māyā não tem existência sem o Senhor. A escuridão não é independente da luz. Sem a luz, ninguém poderia experimentar sua contraposição, a escuridão. No entanto, esta māyā, ou ilusão, não pode sobrepujar a Suprema Personalidade de Deus, senão que fica à parte dEle (apāśrayam).

Portanto, a perfeição da meditação é compreender a Personalidade de Deus juntamente com Suas atividades transcendentais. A meditação no Brahman impessoal é uma tarefa incômoda para o meditador, como confirma a Bhagavad-gītā (12.5): kleśo ’dhikataras teṣām avyaktāsakta-cetasām.

Texto

yad utāhaṁ tvayā pṛṣṭo
vairājāt puruṣād idam
yathāsīt tad upākhyāste
praśnān anyāṁś ca kṛtsnaśaḥ

Sinônimos

yat — o que; uta — é, no entanto; aham — eu; tvayā — por ti; pṛṣṭaḥ — sou interrogado; vairājāt — da forma universal; puruṣāt — da Personalidade de Deus; idam — este mundo; yathā — como ele; āsīt — era; tat — isto; upākhyāste — explicarei; praśnān — todas as perguntas; anyān — outras; ca — bem como; kṛtsnaśaḥ — com muitos pormenores.

Tradução

Ó rei, as perguntas com as quais procuras saber como o universo se manifestou a partir da gigantesca forma da Personalidade de Deus, bem como outras perguntas, serão por mim respondidas minuciosamente através da explicação dos quatro versos já mencionados.

Comentário

SIGNIFICADO—Como foi dito no início do Śrīmad-Bhāgavatam, este grande texto transcendental é o fruto amadurecido da árvore do conhecimento védico, daí todas as questões humanamente possíveis sobre os assuntos universais, começando da criação, serem todas respondidas no Śrīmad-Bhāgavatam. As respostas só dependem da qualificação da pessoa que as explica. As dez divisões do Śrīmad-Bhāgavatam, como explicadas pelo grande orador Śrīla Śukadeva Gosvāmī, finalizam todas as perguntas, e as pessoas inteligentes obterão todos os benefícios intelectuais sempre que souberem utilizá-las.

Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do segundo canto, nono capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Respostas Baseadas na Versão do Senhor”.