Capítulo Um
Os Mestres Espirituais
Śrī Caitanya Mahāprabhu não é ninguém menos que a forma combinada de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa. Ele é a vida daqueles devotos que seguem estritamente os passos de Śrīla Rūpa Gosvāmī. Śrīla Rūpa Gosvāmī e Śrīla Sanātana Gosvāmī são os dois principais seguidores de Śrīla Svarūpa Dāmodara Gosvāmī, que atuou como o servo mais íntimo do Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu, conhecido como Viśvambhara nos primórdios de Sua vida. Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī foi discípulo direto de Śrīla Rūpa Gosvāmī. Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī, o autor do Śrī Caitanya-caritāmṛta, destaca-se como discípulo direto de Śrīla Rūpa Gosvāmī e Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī.
O discípulo direto de Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja foi Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura, que aceitou Śrīla Viśvanātha Cakravartī como seu servo. Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura aceitou Śrīla Jagannātha Dāsa Bābājī, o qual iniciou Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura. Este, por sua vez, iniciou Śrīla Gaurakiśora Dāsa Bābājī, o mestre espiritual de Oṁ Viṣṇupāda Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja, que é o divino mestre de minha humilde pessoa.
Como pertencemos a essa corrente de sucessão discipular oriunda de Śrī Caitanya Mahāprabhu, a presente edição do Śrī Caitanya-caritāmṛta não incluirá nenhuma novidade inventada por nossos cérebros diminutos, mas apenas os restos do alimento comido originalmente pelo próprio Senhor. O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu não pertence ao plano mundano dos três modos qualitativos. Ele pertence ao plano transcendental que está além do alcance da percepção sensorial imperfeita dum ser vivo. Nem mesmo o mais erudito dos acadêmicos mundanos pode aproximar-se do plano transcendental, a menos que se submeta ao som transcendental com uma atitude receptiva, pois é somente com esta atitude que se pode compreender a mensagem de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Portanto, o que se descreverá aqui nada tem a ver com os pensamentos experimentais criados por hábitos especulativos de mentes inertes. O assunto deste livro não é uma invenção mental, mas, isto sim, uma experiência espiritual real, que só podemos compreender aceitando a linha de sucessão discipular descrita acima. Qualquer desvio dessa linha impedirá o leitor de compreender o mistério do Śrī Caitanya-caritāmṛta, que é uma literatura transcendental destinada ao estudo pós-graduado daquele que assimilou todos os textos védicos, tais como os Upaniṣads e o Vedānta, e seus comentários naturais, tais como o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā.
Esta edição do Śrī Caitanya-caritāmṛta é apresentada para o estudo de eruditos sinceros que realmente buscam a Verdade Absoluta. Não é a erudição arrogante dum especulador mental, mas o esforço sincero de servir à ordem duma autoridade superior. A vida e alma deste esforço humilde é o serviço a tal autoridade. Este livro não se desvia nem um pouco das escrituras reveladas, e por isso todo aquele que seguir na linha discipular será capaz de compreender a essência dele, pelo simples método da recepção auditiva.
O primeiro capítulo do Śrī Caitanya-caritāmṛta começa com quatorze versos em sânscrito descrevendo a Verdade Absoluta. Logo após, outros três versos em sânscrito descrevem as principais Deidades de Vṛndāvana, a saber, Śrī Rādhā-Madana-mohana, Śrī Rādhā-Govindadeva e Śrī Rādhā-Gopīnāthajī. O primeiro dos quatorze versos é uma representação simbólica da Verdade Suprema, e todo o primeiro capítulo é, na verdade, dedicado a este verso em particular, que descreve o Senhor Caitanya em Suas seis diferentes expansões transcendentais.
A primeira manifestação descrita é o mestre espiritual, que aparece como duas partes plenárias chamadas “o mestre espiritual iniciador” e “o mestre espiritual instrutor”. Eles são idênticos posto que ambos são manifestações fenomenais da Verdade Suprema. A seguir, descrevem-se os devotos, que se dividem em duas classes, a saber, os aprendizes e os graduados. A seguir, estão as encarnações (avatāras) do Senhor, que, segundo se explica, não são diferentes do Senhor. Essas encarnações são consideradas em três divisões: encarnações da potência do Senhor, encarnações de Suas qualidades e encarnações de Sua autoridade. A esse respeito, expõem-se as manifestações diretas do Senhor Śrī Kṛṣṇa e Suas manifestações para passatempos transcendentais. A seguir, consideram-se as potências do Senhor, dentre as quais se descrevem três manifestações principais: as consortes no reino de Deus (Vaikuṇṭha), as rainhas de Dvārakā-dhāma e, acima de todas, as donzelas de Vrajadhāma. Finalmente, apresenta-se o próprio Senhor Supremo, que é o manancial de todas essas manifestações.
O Senhor Śrī Kṛṣṇa e Suas expansões plenárias estão todos na categoria do próprio Senhor, a Verdade Absoluta energética, ao passo que Seus devotos, Seus associados eternos, são Suas energias. Fundamentalmente, a energia e o energético são a mesma coisa, mas, uma vez que suas funções se manifestam de forma diferente, são também simultaneamente diferentes. Desse modo, a Verdade Absoluta manifesta-Se numa unidade diversificada. Esta verdade filosófica, que está em concordância com os Vedānta-sūtras, chama-se acintya-bhedābheda-tattva, ou a concepção de igualdade e diferença simultâneas. Na última parte deste capítulo, descrevem-se a posição transcendental de Śrī Caitanya Mahāprabhu e a de Śrīla Nityānanda Prabhu com referência aos fatos teístas supramencionados.
Texto
īśam īśāvatārakān
tat-prakāśāṁś ca tac-chaktīḥ
kṛṣṇa-caitanya-saṁjñakam
Sinônimos
vande — ofereço respeitosas reverências; gurūn — aos mestres espirituais; īśa-bhaktān — aos devotos do Senhor Supremo; īśam — ao Senhor Supremo; īśāvatārakān — às encarnações do Senhor Supremo; tat — do Senhor Supremo; prakāśāṁ — às manifestações; ca — e; tat — do Senhor Supremo; śaktīḥ — às potências; kṛṣṇa-caitanya — Śrī Kṛṣṇa Caitanya; saṁjñakam — chamado.
Tradução
Ofereço minhas respeitosas reverências aos mestres espirituais, aos devotos do Senhor, às encarnações do Senhor, a Suas porções plenárias, a Suas energias e ao próprio Senhor primordial, Śrī Kṛṣṇa Caitanya.
Texto
nityānandau sahoditau
gauḍodaye puṣpavantau
citrau śan-dau tamo-nudau
Sinônimos
vande — ofereço respeitosas reverências; śrī-kṛṣṇa-caitanya — ao Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya; nityānanda — ao Senhor Nityānanda; saha-uditau — nascidos simultaneamente; gauḍa-udaye — no horizonte oriental de Gauḍa; puṣpavantau — o Sol e a Lua juntos; citrau — maravilhosos; śam-dau — abençoado; tamaḥ-nudau — dissipando a escuridão.
Tradução
Ofereço minhas respeitosas reverências a Śrī Kṛṣṇa Caitanya e ao Senhor Nityānanda, que são como o Sol e a Lua. Eles nasceram simultaneamente no horizonte de Gauḍa para dissipar a escuridão da ignorância e, assim, abençoar maravilhosamente a todos.
Texto
ya ātmāntar-yāmī puruṣa iti so ’syāṁśa-vibhavaḥ
ṣaḍ-aiśvaryaiḥ pūrṇo ya iha bhagavān sa svayam ayaṁ
na caitanyāt krṣṇāj jagati para-tattvaṁ param iha
Sinônimos
yad — aquilo que; advaitam — não-dual; brahma — o Brahman impessoal; upaniṣadi — nas Upaniṣads; tat — aquilo; api — certamente; asya — dEle; tanu-bhā — a refulgência de Seu corpo transcendental; yaḥ — que; ātmā — a Superalma; antaryāmī — o Senhor que mora internamente; puruṣaḥ — desfrutador supremo; iti — assim; saḥ — Ele; asya — dEle; aṁśa-vibhavaḥ — extensão plenária; ṣaṭ-aiśvaryaiḥ — de todas as seis opulências, pūrṇaḥ — pleno; yaḥ — que; iha — aqui; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; saḥ — Ele; svayam — Ele próprio; ayam — este; na — não; caitanyāt — do que o Senhor Caitanya; kṛṣṇāt — do que o Senhor Kṛṣṇa; jagati — no mundo; para — superior; tattvam — verdade; param — outra; iha — aqui.
Tradução
O que as Upaniṣads descrevem como o Brahman impessoal é apenas a refulgência de Seu corpo, e o Senhor conhecido como a Superalma é apenas Sua porção plenária localizada. Ele é a Suprema Personalidade de Deus, o próprio Kṛṣṇa, pleno das seis opulências. Ele é a Verdade Absoluta, e nenhuma outra verdade é superior ou igual a Ele.
Texto
samarpayitum unnatojjvala-rasāṁ sva-bhakti-śriyam
hariḥ puraṭa-sundara-dyuti-kadamba-sandīpitaḥ
sadā hṛdaya-kandare sphuratu vaḥ śacī-nandanaḥ
Sinônimos
anarpita — não outorgado; carīm — tendo sido anteriormente; cirāt — por muito tempo; karuṇaya — por misericórdia imotivada; avatīrṇaḥ — desceu; kalau — na era de Kali; samarpayitum — por outorgar; unnata — elevada; ujjvala-rasām — a doçura conjugal; sva-bhakti — de Seu próprio serviço; śriyam — o tesouro; hariḥ — o Senhor Supremo; puraṭa — do que o ouro; sundara — mais belo; dyuti — de esplendor; kadamba — com uma abundância; sandīpitaḥ — iluminado; sadā — sempre; hṛdaya-kandare — no âmago do coração; sphuratu — que Ele Se manifeste; vaḥ — vosso; śacī-nandanaḥ — o filho de mãe Śacī.
Tradução
Que este Senhor, que é conhecido como o filho de Śrīmatī Śacīdevī, situe-Se transcendentalmente no canto mais recôndito de vossos corações. Resplandecente com a irradiância de ouro derretido, Ele aparece na era de Kali por Sua misericórdia imotivada para outorgar o que nenhuma outra encarnação jamais outorgou antes: o conhecimento espiritual mais sublime e radiante do doce sabor de Seu serviço.
Texto
ekātmānāv api bhuvi purā deha-bhedaṁ gatau tau
caitanyākhyaṁ prakaṭam adhunā tad-dvayaṁ caikyam āptaṁ
rādhā-bhāva-dyuti-suvalitaṁ naumi kṛṣṇa-svarūpam
Sinônimos
rādhā — Śrīmatī Rādhārāṇī; kṛṣṇa — o Senhor Kṛṣṇa; praṇaya — de amor; vikṛtiḥ — a transformação; hlādinī śaktiḥ — potência de prazer; asmāt — disto; eka-atmānāv — ambos iguais em identidade; api — embora; bhuvi — na Terra; purā — desde tempos imemoriais; deha-bhedam — formas separadas; gatau — obtidas; tau — essas duas; caitanya-ākhyam — conhecido como Śrī Caitanya; prakaṭam — manifesto; adhunā — agora; tad-dvayam — Eles dois; ca— e; aikyam — unidade; āptam — obtida; rādhā — de Śrīmatī Rādhārāṇī; bhāva — humor; dyuti — o brilho; suvalitam — que é adornado com; naumi — ofereço minhas reverências; kṛṣṇa-svarūpam — a Ele que é idêntico a Śrī Kṛṣṇa.
Tradução
As aventuras amorosas de Śrī Rādhā e Kṛṣṇa são manifestações transcendentais da potência interna outorgante de prazer do Senhor. Embora Rādhā e Kṛṣṇa sejam iguais em Sua identidade, Eles Se separaram eternamente. Agora, essas duas identidades transcendentais uniram-Se novamente sob a forma de Śrī Kṛṣṇa Caitanya. Prostro-me ante Ele, que Se manifesta com o sentimento e a tez de Śrīmatī Rādhārāṇī apesar de ser o próprio Kṛṣṇa.
Texto
svādyo yenādbhuta-madhurimā kīdṛśo vā madīyaḥ
saukhyaṁ cāsyā mad-anubhavataḥ kīdṛśaṁ veti lobhāt
tad-bhāvāḍhyaḥ samajani śacī-garbha-sindhau harīnduḥ
Sinônimos
śrī-rādhāyāḥ — de Śrīmatī Rādhārāṇī; praṇaya-mahimā — a grandeza do amor; kīdṛśaḥ — de que espécie; vā — ou; anayā — por essa pessoa (Rādhā); eva — apenas; āsvādyaḥ — ser apreciado; yena — por esse amor; adbhuta-madhurimā — a doçura maravilhosa; kīdṛśaḥ — de que espécie; vā — ou; madīyaḥ — de Mim; saukhyam — a felicidade; ca — e; āsyāḥ — dEla; mat-anubhavataḥ — ao compreender Minha doçura; kīdṛśam — de que espécie; vā — ou; iti — assim; lobhāt — do desejo; tat — dEla; bhāva-āḍhyaḥ — ricamente dotado com emoções; samajani — nasceu; śacī-garbha — do ventre de Śrīmatī Śacīdevī; sindhau — no oceano; hari — o Senhor Kṛṣṇa; induḥ — como a Lua.
Tradução
Desejando entender a glória do amor de Rādhārāṇī, as qualidades maravilhosas nEle que só Ela aprecia graças ao amor dEla, e a felicidade que Ela sente ao compreender a doçura do amor dEle, o Supremo Senhor Hari, ricamente dotado com as emoções dEla, surge do ventre de Śrīmatī Śacīdevī, assim como a Lua surge do oceano.
Texto
garbhoda-śāyī ca payo ’bdhi-śāyī
śeṣaś ca yasyāṁśa-kalāḥ sa nityā-
nandākhya-rāmaḥ śaraṇaṁ mamāstu
Sinônimos
saṅkarṣaṇaḥ — Mahā-Saṅkarṣaṇa no céu espiritual; kāraṇa-toya-śāyī — Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, que está deitado no Oceano Causal; garbha-uda-śāyī — Garbhodakaśāyī Viṣṇu, que está deitado no Oceano Garbhodaka do universo; ca — e; payaḥ-abdhi-śāyī — Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu, que está deitado no Oceano de Leite; śeṣaḥ — Śeṣa Nāga, a cama de Viṣṇu; ca — e; yasya — cujas; aṁśa — porções plenárias; kalāḥ — e parte das porções plenárias; saḥ — Ele; nityānanda-ākhya — conhecido como Senhor Nityānanda; rāmaḥ — Senhor Balarāma; śaraṇam — abrigo; mama — meu; astu — que seja.
Tradução
Que Śrī Nityānanda Rāma seja o objeto de minha lembrança constante. Saṅkarṣaṇa, Śeṣa Nāga e os Viṣṇus deitados no Oceano Kāraṇa, no Oceano Garbha e no Oceano de Leite são Suas porções plenárias e porções de suas porções plenárias.
Texto
pūrṇaiśvarye śrī-catur-vyūha-madhye
rūpaṁ yasyodbhāti saṅkarṣaṇākhyaṁ
taṁ śrī-nityānanda-rāmaṁ prapadye
Sinônimos
māyā-atīte — além da criação material; vyāpi — que Se expande por toda parte; vaikuṇṭha-loke — em Vaikuṇṭha-loka, o mundo espiritual; pūrṇa-aiśvarye — dotado com opulência plena; śrī-catuḥ-vyūha-madhye — nas expansões quádruplas (Vāsudeva, Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Anirudha); rūpam — forma; yasya — cuja; udbhāti — aparece; saṅkarṣaṇa-ākhyam — conhecido como Saṅkarṣaṇa; tam — a Ele; śrī-nityānanda-rāmam — o Senhor Balarāma sob a forma do Senhor Nityānanda; prapadye — rendo-me.
Tradução
Rendo-me aos pés de lótus de Śrī Nityānanda Rāma, que é conhecido como Saṅkarṣaṇa entre os componentes do catur-vyūha (Vāsudeva, Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Aniruddha). Ele possui opulências plenas e reside em Vaikuṇṭha-loka, muito além da criação material.
Texto
śete sākṣāt kāraṇāmbhodhi-madhye
yasyaikāṁśaḥ śrī-pumān ādi-devas
taṁ śrī-nityānanda-rāmaṁ prapadye
Sinônimos
māyā-bhartā — o senhor da energia ilusória; ajāṇḍa-saṅgha — da multidão de universos; āśraya — o refúgio; aṅgaḥ — cujo corpo; śete — Ele está deitado; sākṣāt — diretamente; kāraṇa-ambhodi-madhye — no meio do Oceano Causal; yasya — cuja; eka-aṁśaḥ — uma porção; śrī-pumān — a Pessoa Suprema; ādi-devaḥ — a encarnação puruṣa original; tam — a Ele; śrī-nityānanda-rāmam — o Senhor Balarāma sob a forma do Senhor Nityānanda; prapadye — rendo-me.
Tradução
Ofereço todas as minhas reverências aos pés de Śrī Nityānanda Rāma, cuja representação parcial chamada Kāraṇodakaśāyī Viṣṇu, que está deitado no Oceano Kāraṇa, é o puruṣa original, o senhor da energia ilusória e o refúgio de todos os universos.
Texto
yan-nābhy-abjaṁ loka-saṅghāta-nālam
loka-sraṣṭuḥ sūtikā-dhāma dhātus
taṁ śrī-nityānanda-rāmaṁ prapadye
Sinônimos
yasya — cuja; aṁśa-aṁśaḥ — porção duma porção plenária; śrīla-garbhoda-śāyī — Garbhodakaśāyī Viṣṇu; yat — de quem; nābhi-abjaṁ — o lótus-umbigo; loka-saṅghāta — da multidão de planetas; nālam — tendo um caule que é o local de repouso; loka-sraṣṭuḥ — do senhor Brahmā, o criador dos planetas; sūtikā-dhāma — o local de nascimento; dhātuḥ — do criador; tam — a Ele; śrī-nityānanda-rāmam — o Senhor Balarāma sob a forma do Senhor Nityānanda; prapadye — rendo-me.
Tradução
Ofereço todas as minhas reverências aos pés de Śrī Nityānanda Rāma, de quem Garbhodakaśāyī Viṣṇu é uma parte parcial. Do umbigo de Garbhodakaśāyī Viṣṇu, brota o lótus onde nasce Brahmā, o engenheiro do universo. O caule desse lótus é o local de repouso da multidão de planetas.
Texto
poṣṭā viṣṇur bhāti dugdhābdhi-śāyī
kṣauṇī-bhartā yat-kalā so ’py anantas
taṁ śrī-nityānanda-rāmaṁ prapadye
Sinônimos
yasya — cuja; aṁśa-aṁśa-aṁśaḥ — uma porção de uma porção de uma porção plenária; para-ātmā — a Superalma; akhilānāṁ — de todas as entidades vivas; poṣṭā — o mantenedor; viṣṇuḥ — Viṣṇu; bhāti — aparece; dugdha-abdhi-śāyī — Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu; kṣauṇī-bhartā — sustentador da Terra; yat — cuja; kalā — porção de uma porção; saḥ — Ele; api — decerto; anantaḥ — Śeṣa Nāga; tam — a Ele; śrī-nityānanda-rāmam — o Senhor Balarāma sob a forma do Senhor Nityānanda; prapadye — rendo-me.
Tradução
Ofereço minhas respeitosas reverências aos pés de Śrī Nityānanda Rāma, cuja parte secundária é o Viṣṇu deitado no Oceano de Leite. Este Kṣīrodakaśāyī Viṣṇu é a Superalma de todas as entidades vivas e o mantenedor de todos os universos. Śeṣa Nāga é Sua outra subparte.
Texto
māyayā yaḥ sṛjaty adaḥ
tasyāvatāra evāyam
advaitācārya īśvaraḥ
Sinônimos
mahā-viṣṇuḥ — chamado Mahā-Viṣṇu, o local de repouso da causa eficiente; jagat-kartā — o criador do mundo cósmico; māyayā — pela energia ilusória; yaḥ — que; sṛjati — cria; adaḥ — este universo; tasya — Sua; avatāraḥ — encarnação; eva — decerto; ayam — este; advaita-ācārya — chamado Advaita Ācārya; īśvaraḥ — o Senhor Supremo, o lugar de repouso da causa material.
Tradução
O Senhor Advaita Ācārya é a encarnação de Mahā-Viṣṇu, cuja função principal é criar o mundo cósmico através das ações de māyā.
Texto
ācāryaṁ bhakti-śaṁsanāt
bhaktāvatāram īśaṁ tam
advaitācāryam āśraye
Sinônimos
advaitam — conhecido como Advaita; hariṇā — com o Senhor Hari; advaitāt — por não ser diferente; ācāryam — conhecido como Ācārya; bhakti-śaṁsanāt — da propagação de serviço devocional a Śrī Kṛṣṇa; bhakta-avatāram — a encarnação como devoto; īśam — ao Senhor Supremo; tam — a Ele; advaita-ācāryam — a Advaita Ācārya; āśraye — rendo-me.
Tradução
Ele chama-Se Advaita porque não é diferente de Hari, o Senhor Supremo, e chama-Se Ācārya porque propaga o culto da devoção. Ele é o Senhor e a encarnação do devoto do Senhor. Portanto, refugio-me nEle.
Texto
bhakta-rūpa-svarūpakam
bhaktāvatāraṁ bhaktākhyaṁ
namāmi bhakta-śaktikam
Sinônimos
pañca-tattva-ātmakam — abrangendo os cinco temas transcendentais; kṛṣṇam — ao Senhor Kṛṣṇa; bhakta-rūpa — sob a forma de devoto; sva-rūpakam — sob a expansão de devoto; bhakta-avatāram — sob a encarnação de devoto; bhakta-ākhyam — conhecido como devoto; namāmi — ofereço minhas reverências; bhakta-śaktikam — a energia da Suprema Personalidade de Deus, que fornece energia ao devoto.
Tradução
Ofereço minhas reverências a Kṛṣṇa, o Senhor Supremo, que não é diferente de Seus aspectos como devoto, encarnação devocional, manifestação devocional, devoto puro e energia devocional.
Texto
mama manda-mater gatī
mat-sarvasva-padāmbhojau
rādhā-madana-mohanau
Sinônimos
jayatām — todas as glórias a; su-ratau — muito misericordiosos, ou enlevados em amor conjugal; paṅgoḥ — daquele que é aleijado; mama — de mim; manda-mateḥ — tolo; gatī — refúgio; mat — meu; sarva-sva — tudo; pada-ambhojau — cujos pés de lótus; rādhā-madana-mohanau — Rādhā e Madana-Mohana.
Tradução
Glórias aos plenamente misericordiosos Rādhā e Madana-mohana! Sou aleijado e insensato, mas Eles são meus orientadores, e Seus pés de lótus são tudo para mim.
Texto
śrīmad-ratnāgāra-siṁhāsana-sthau
śrīmad-rādhā-śrīla-govinda-devau
preṣṭhālībhiḥ sevyamānau smarāmi
Sinônimos
dīvyat — brilhando; vṛndā-araṇya — na floresta de Vṛndāvana; kalpa-druma — árvore-dos-desejos; adhaḥ — debaixo; śrīmat — belíssimo; ratna-āgāra — num templo de joias; siṁha-āsana-sthau — sentados num trono; śrīmat — lindos; rādhā — Śrīmatī Rādhārāṇī; śrīla-govinda-devau — Śrī Govindadeva; preṣṭha-ālībhiḥ — por associados muito íntimos; sevyamānau — sendo servidos; smarāmi — lembro-me.
Tradução
Num templo de joias em Vṛndāvana, debaixo duma árvore-dos-desejos, Śrī Śrī Rādhā-Govinda, servidos por Seus associados muito íntimos, estão sentados num trono refulgente. Ofereço-Lhes minhas humildes reverências.
Texto
vaṁśīvaṭa-taṭa-sthitaḥ
karṣan veṇu-svanair gopīr
gopī-nāthaḥ śriye ’stu naḥ
Sinônimos
śrīmān — belíssimo; rāsa — da dança da rāsa; rasa — da doçura; ārambhī — o iniciador; vaṁśī-vaṭa — chamado Vaṁśīvaṭa; taṭa — à beira; sthitaḥ — encontrando-Se; karṣan — atraindo; veṇu — da flauta; svanaiḥ — pelos sons; gopīr — as vaqueirinhas; gopī-nāthaḥ — Śrī Gopīnātha; śriye — bênção; astu — que haja; naḥ — para nós.
Tradução
Śrī Śrīla Gopīnātha, o iniciador da doçura transcendental da dança da rāsa, encontra-Se à beira do Vaṁśīvaṭa e atrai a atenção das donzelas vaqueirinhas com o som de Sua célebre flauta. Que todos eles nos concedam suas bênçãos.
Texto
jayādvaita-candra jaya gaura-bhakta-vṛnda
Sinônimos
jaya jaya — todas as glórias; śrī-caitanya — a Śrī Caitanya; jaya — todas as glórias; nityānanda — ao Senhor Nityānanda; jaya advaita-candra — todas as glórias a Advaita Ācārya; jaya — todas as glórias; gaura-bhakta vṛnda — aos devotos do Senhor Caitanya.
Tradução
Glórias a Śrī Caitanya e Nityānanda! Glórias a Advaitacandra! E glórias a todos os devotos de Śrī Gaura [Senhor Caitanya]!
Texto
e tinera caraṇa vandoṅ, tine mora nātha
Sinônimos
ei — essas; tina — três; ṭhākura — Deidades; gauḍīyāke — os gauḍīya vaiṣṇavas; kariyāchena — têm feito; ātmasāt — absortos; e — essas; tinera — das três; caraṇa — pés de lótus; vandoṅ — adoro; tine — essas três; mora — meus; nātha — Senhores.
Tradução
Essas três Deidades de Vṛndāvana [Madana-mohana, Govinda e Gopīnātha] têm absorvido o corpo e a alma dos gauḍīya vaiṣṇavas [seguidores do Senhor Caitanya]. Adoro Seus pés de lótus, pois Elas são os Senhores de meu coração.
Comentário
SIGNIFICADO—O autor do Śrī Caitanya-caritāmṛta oferece suas respeitosas reverências às três Deidades de Vṛndāvana, chamadas Śrī Rādhā-Madana-mohana, Śrī Rādhā-Govindadeva e Śrī Rādhā-Gopīnāthajī. Essas três Deidades são a vida e alma dos vaiṣṇavas bengalis, ou gauḍīya vaiṣṇavas, cuja tendência natural é de residir em Vṛndāvana. Os gauḍīya vaiṣṇavas que seguem estritamente a linha de Śrī Caitanya Mahāprabhu adoram a Divindade, cantando sons transcendentais destinados a desenvolver seu sentido de relacionamento transcendental com o Senhor Supremo, uma reciprocidade de doçuras (rasas) de afeto mútuo e, enfim, a consecução do sucesso desejado no serviço amoroso. Essas três Deidades são adoradas em três fases diferentes do desenvolvimento de cada um. Os seguidores de Śrī Caitanya Mahāprabhu observam meticulosamente estes princípios de abordagem.
Os gauḍīya vaiṣṇavas divisam o objetivo último em hinos védicos compostos de dezoito letras transcendentais que adoram Kṛṣṇa como Madana-mohana, Govinda e Gopījana-vallabha. Madana-mohana é aquele que encanta Cupido, o deus do amor; Govinda é aquele que satisfaz os sentidos e as vacas, e Gopījana-vallabha é o amante transcendental das gopīs. O próprio Kṛṣṇa é chamado de Madana-mohana, Govinda, Gopījana-vallabha e inúmeros outros nomes conforme Sua atuação em diferentes passatempos com Seus devotos.
As três Deidades – Madana-mohana, Govinda e Gopījana-vallabha – têm qualidades muito específicas. A adoração a Madana-mohana é feita na plataforma do restabelecimento de nossa relação esquecida com a Personalidade de Deus. Atualmente no mundo material, ignoramos inteiramente nossa relação com o Senhor Supremo. Paṅgoḥ refere-se àquele que não pode se locomover independentemente, por sua própria força, e manda-mateḥ é aquele que é menos inteligente por estar demasiadamente absorto em atividades materialistas. Para pessoas assim, é melhor que não aspirem ao sucesso em atividades fruitivas ou especulação mental, senão que, em vez disso, simplesmente se rendam à Suprema Personalidade de Deus. A perfeição da vida é render-se ao Supremo, e nada mais. Portanto, no começo de nossa vida espiritual, devemos adorar Madana-mohana para que Ele nos atraia e anule nosso apego ao gozo material dos sentidos. Essa relação com Madana-mohana é necessária para os devotos neófitos. Quando se deseja prestar serviço ao Senhor com forte apego, adora-se, então, Govinda na plataforma de serviço transcendental. Govinda é o reservatório de todos os prazeres. Quando, pela graça de Kṛṣṇa e dos devotos, alguém alcança a perfeição no serviço devocional, pode apreciar Kṛṣṇa como Gopījana-vallabha, a Deidade do prazer das donzelas de Vraja.
O Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu explicou que esse modo de serviço devocional tem três fases, e por isso essas Deidades adoráveis foram instaladas em Vṛndāvana por diferentes Gosvāmīs. Os gauḍīya vaiṣṇavas lá querem-nas muito, e visitam Seus templos pelo menos uma vez por dia. Além dos templos dessas três Deidades, estabeleceram-se em Vṛndāvana muitos outros templos, tais como o templo de Rādhā-Dāmodara, de Jīva Gosvāmī; o templo de Śyāmasundara, de Śyāmānanda Gosvāmī; o templo de Gokulānanda, de Lokānatha Gosvāmī, e o templo de Rādhā-ramaṇa, de Gopāla Bhaṭṭa Gosvāmī. Há sete templos principais com mais de quatrocentos anos de idade que são os mais importantes dentre os cinco mil templos agora existentes em Vṛndāvana.
“Gauḍīya” indica a região da Índia entre o lado sul das montanhas dos Himalaias e a parte norte das colinas Vindhyā, chamada Āryāvarta, ou a terra dos arianos. Essa porção da Índia divide-se em cinco partes ou províncias (Pañca-gauḍadeśa): Sārasvata (Kashmir e Punjab), Kānyakubja (Uttar Pradesh, incluindo a moderna cidade de Lucknow), Madhya-gauḍa (Madhya Pradesh), Maithila (Bihar e parte da Bengala) e Utkala (parte da Bengala e toda a Orissa). Às vezes, a Bengala é chamada de Gauḍadeśa, em parte porque forma uma porção de Maithila, e em parte porque a capital do rei hindu Rāja Lakṣmaṇa Sena era conhecida como Gauḍa. Essa antiga capital ficou conhecida mais tarde como Gauḍapura e, gradualmente, Māyāpur.
Os devotos de Orissa chamam-se uḍiyās, os devotos da Bengala chamam-se gauḍīyas, e os do sul da Índia são conhecidos como devotos drāviḍī. Assim como há cinco províncias em Āryāvarta, da mesma forma, Dākṣiṇātya, o sul da Índia, divide-se também em cinco províncias, chamadas Pañca-draviḍa. Os quatro ācāryas vaiṣṇavas que são as grandes autoridades das quatro sucessões discipulares vaiṣṇavas, bem como Śrīpāda Śaṅkarācārya da escola māyāvāda, apareceram nas províncias Pañca-draviḍa. Dentre os quatro ācāryas vaiṣṇavas, todos os quais são aceitos pelos gauḍīya vaiṣṇavas, Śrī Rāmānuja Ācārya apareceu na parte sul de Andhra Pradesh em Mahābhūta-purī, Śrī Madhva Ācārya apareceu em Pājakam (próximo a Vimānagiri) no distrito de Myāṅgālora, Śrī Viṣṇusvāmī apareceu em Pāṇḍya, e Śrī Nimbārka apareceu em Muṅgera-patana no extremo sul.
Śrī Caitanya Mahāprabhu aceitou a corrente de sucessão discipular oriunda de Madhva Ācārya, mas os vaiṣṇavas em Sua linha não aceitam os tattva-vādīs, que também afirmam pertencer à Mādhva-sampradāya. Para se distinguirem claramente do ramo tattva-vādī de descendentes de Madhva, os vaiṣṇavas da Bengala preferem chamar-se gauḍīya vaiṣṇavas. Śrī Madhva Ācārya é também conhecido como Śrī Gauḍa-pūrṇānanda, e por isso o nome Mādhva-Gauḍīya-sampradāya é bastante adequado para a sucessão discipular dos gauḍīya vaiṣṇavas. Nosso mestre espiritual, Oṁ Viṣṇupāda Śrīmad Bhaktisiddhānta Sarasvatī Gosvāmī Mahārāja, aceitou iniciação na Mādhva-Gauḍīya-sampradāya.
Texto
guru, vaiṣṇava, bhagavān, — tinera smaraṇa
Sinônimos
granthera — deste livro; ārambhe — no início; kari — faço; maṅgala-ācaraṇa — invocação auspiciosa; guru — o mestre espiritual; vaiṣṇava — os devotos do Senhor; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; tinera — desses três; smaraṇa — lembrando-me.
Tradução
No início desta narração, simplesmente por lembrar-me do mestre espiritual, dos devotos do Senhor e da Personalidade de Deus, invoquei suas bênçãos.
Texto
anāyāse haya nija vāñchita-pūraṇa
Sinônimos
tinera — desses três; smaraṇe — pela lembrança; haya — há; vighna-vināśana — a destruição de todas as dificuldades; anāyāse — muito facilmente; haya — há; nija — nosso próprio; vāñchita — do objeto desejado; pūraṇa — satisfação.
Tradução
Tal lembrança destrói todas as dificuldades e facilmente capacita-nos a satisfazer nossos próprios desejos.
Texto
vastu-nirdeśa, āśīrvāda, namaskāra
Sinônimos
se — esta; maṅgala-ācaraṇa — invocação auspiciosa; haya — é; tri-vidha — três espécies; prakāra — processos; vastu-nirdeśa — definir o objetivo; āśīḥ-vāda — bênçãos; namaskāra — reverências.
Tradução
A invocação envolve três processos: definir o objetivo, oferecer bênçãos e oferecer reverências.
Texto
sāmānya-viśeṣa-rūpe dui ta’ prakāra
Sinônimos
prathama — nos primeiros; dui — dois; śloke — versos; iṣṭa-deva — Deidade adorável; namaskāra — reverências; sāmānya — de modo geral; viśeṣa-rūpe — e de modo específico; dui — dois; ta’—certamente; prakāra — processos.
Tradução
Os dois primeiros versos oferecem respeitosas reverências, de modo geral e específico, ao Senhor, que é o objeto da adoração.
Texto
yāhā ha-ite jāni para-tattvera uddeśa
Sinônimos
tṛtīya ślokete — no terceiro verso; kari — faço; vastura — do objeto; nirdeśa — indicação; yāhā ha-ite — com o que; jāni — compreendo; para-tattvera — da Verdade Absoluta; uddeśa —identificação.
Tradução
No terceiro verso, indico a Verdade Absoluta, que é a substância fundamental. Com tal descrição, pode-se vislumbrar a Verdade Suprema.
Texto
sarvatra māgiye kṛṣṇa-caitanya-prasāda
Sinônimos
caturtha — quarto; ślokete — no verso; kari — faço; jagate — para o mundo; āśiḥ-vāda — bênção; sarvatra — em toda parte; māgiye — rogo; kṛṣṇa-caitanya — do Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu; prasāda — a misericórdia.
Tradução
No quarto verso, invoco a bênção do Senhor para o mundo inteiro, orando que o Senhor Caitanya conceda Sua misericórdia a todos.
Texto
pañca ṣaṣṭha śloke kahi mūla-prayojana
Sinônimos
sei śloke — neste mesmo verso; kahi — digo; bāhya — a externa; avatāra — para a encarnação do Senhor Caitanya; kāraṇa — razão; pañca — o quinto; ṣaṣṭha — e o sexto; śloke — nos versos; kahi — digo; mūla — o principal; prayojana — objetivo.
Tradução
Nesse mesmo verso, também explico a razão externa para a encarnação do Senhor Caitanya. Contudo, nos versos cinco e seis, explico a razão principal para Seu advento.
Texto
āra pañca śloke nityānandera mahattva
Sinônimos
ei — esses; chaya — seis; śloke — nos versos; kahi — descrevo; caitanyera — do Senhor Caitanya Mahāprabhu; tattva — verdade; āra — adiante; pañca śloke — em cinco versos; nityānandera — do Senhor Nityānanda; mahattva — a glória.
Tradução
Nesses seis versos, descrevo a verdade sobre o Senhor Caitanya, ao passo que, nos cinco versos subsequentes, descrevo a glória do Senhor Nityānanda.
Texto
āra eka śloke pañca-tattvera vyākhyāna
Sinônimos
āra — adiante; dui śloke — em dois versos; advaita — de Śrī Advaita Prabhu; tattva — da verdade; ākhyāna — descrição; āra — a seguir; eka śloke — em um verso; pañca-tattvera — do Pañca-tattva; vyākhyāna — explicação.
Tradução
Os próximos dois versos descrevem a verdade de Advaita Prabhu, e o verso seguinte descreve o Pañca-tattva (o Senhor, Sua porção plenária, Sua encarnação, Suas energias e Seus devotos).
Texto
taṅhi madhye kahi saba vastu-nirūpaṇa
Sinônimos
ei caudda śloke — nestes quatorze versos; kari — faço; maṅgala-ācaraṇa — invocação auspiciosa; taṅhi — portanto, nesta; madhye — dentro; kahi — falo; saba — tudo; vastu — objeto; nirūpaṇa — descrição.
Tradução
Portanto, estes quatorze versos oferecem invocações auspiciosas e descrevem a Verdade Suprema.
Texto
ei saba ślokera kari artha-vicāra
Sinônimos
saba — todos; śrotā — ouvintes ou audiência; vaiṣṇavere — aos vaiṣṇavas; kari’ — oferecendo; namaskāra — reverências; ei saba ślokera — de todos esses (quatorze) versos; kari — faço; artha — do significado; vicāra — análise.
Tradução
Ofereço minhas reverências a todos os meus leitores vaiṣṇavas, ao começar a explicar as complexidades de todos esses versos.
Texto
caitanya-kṛṣṇera śāstra-mata-nirūpaṇa
Sinônimos
sakala — todos; vaiṣṇava — ó devotos do Senhor; śuna — por favor, ouvi; kari’ — fazendo; eka-mana — apurada atenção; caitanya — o Senhor Caitanya Mahāprabhu; kṛṣṇera — do Senhor Śrī Kṛṣṇa; śāstra — referência das escrituras; mata — de acordo com; nirūpaṇa — decisão.
Tradução
Solicito a todos os meus leitores vaiṣṇavas que leiam e ouçam, com apurada atenção, esta narração sobre Śrī Kṛṣṇa Caitanya, como se recomenda nas escrituras reveladas.
Comentário
SIGNIFICADO—O Senhor Caitanya é o próprio Kṛṣṇa, a Verdade Absoluta. Isto é fundamentado pela evidência de escrituras espirituais autênticas. Às vezes, o povo aceita que um homem é Deus, baseando-se em seus sentimentos caprichosos e sem referência às escrituras reveladas. Porém, o autor do Caitanya-caritāmṛta comprova todas as suas afirmações, citando os śāstras. Assim, ele estabelece que Caitanya Mahāprabhu é a Suprema Personalidade de Deus.
Texto
kṛṣṇa ei chaya-rūpe karena vilāsa
Sinônimos
kṛṣṇa — o Senhor Supremo, Śrī Kṛṣṇa; guru — os mestres espirituais; bhakta — os devotos; śakti — as potências; avatāra — as encarnações; prakāśa — porções plenárias; kṛṣṇa — o Senhor Kṛṣṇa; ei chaya-rūpe — nestes seis aspectos; karena vilāsa — diverte-Se.
Tradução
O Senhor Kṛṣṇa diverte-Se manifestando-Se como os mestres espirituais, os devotos, as energias diversas, as encarnações e as porções plenárias. Eles todos são seis num só.
Texto
prathame sāmānye kari maṅgalācaraṇa
Sinônimos
ei — estas; chaya — seis; tattvera — destas expansões; kari — faço; caraṇa — os pés de lótus; vandana — orações; prathame — primeiramente; sāmānye — em geral; kari — faço; maṅgala-ācaraṇa — invocação auspiciosa.
Tradução
Portanto, adorei os pés de lótus dessas seis diversidades da verdade una, invocando as bênçãos delas.
Texto
īśam īśāvatārakān
tat-prakāśāṁś ca tac-chaktīḥ
kṛṣṇa-caitanya-saṁjñakam
Sinônimos
vande — ofereço respeitosas reverências; gurūn — aos mestres espirituais; īśa-bhaktān — aos devotos do Senhor Supremo; īśam — ao Senhor Supremo; īśavatārakān — às encarnações do Senhor Supremo; tat — do Senhor Supremo; prakāśān — às manifestações; ca — e; tat — do Senhor Supremo; śaktīḥ — às potências; kṛṣṇa-caitanya — Śrī Kṛṣṇa Caitanya; saṁjñakam — chamado.
Tradução
Ofereço minhas respeitosas reverências aos mestres espirituais, aos devotos do Senhor, às encarnações do Senhor, a Suas porções plenárias, a Suas energias e ao próprio Senhor primordial, Śrī Kṛṣṇa Caitanya.
Comentário
SIGNIFICADO—Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī compôs este verso em sânscrito para o início de seu livro, e agora o explicará pormenorizadamente. Ele oferece suas respeitosas reverências aos seis princípios da Verdade Absoluta. A palavra gurūn está no plural, pois qualquer pessoa que dê instruções espirituais com base nas escrituras reveladas é aceita como mestre espiritual. Embora outros possam contribuir mostrando o caminho aos iniciantes, é reconhecido como guru iniciador de alguém aquele que primeiro o inicia com o mahā-mantra. E os santos que dão instruções para o avanço progressivo em consciência de Kṛṣṇa chamam-se mestres espirituais instrutores. Os mestres espirituais iniciador e instrutor são manifestações iguais e idênticas de Kṛṣṇa, embora tenham procedimentos diferentes. A função deles é orientar as almas condicionadas em seu caminho de volta ao lar, de volta ao Supremo. Portanto, Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī aceitou Nityānanda Prabhu e os seis Gosvāmīs na categoria de gurus.
Īśa-bhaktān refere-se aos devotos do Senhor, tais como Śrī Śrīvāsa e todos os demais seguidores semelhantes, que são a energia do Senhor e não são diferentes dEle qualitativamente. Īśavatārakān refere-se a ācāryas como Advaita Prabhu, que é um avatāra do Senhor. Tat-prakāśān indica a manifestação direta da Suprema Personalidade de Deus, Nityānanda Prabhu, e o mestre espiritual iniciador. Tac-chaktīḥ refere-se às energias espirituais (śaktis) de Śrī Caitanya Mahāprabhu. Gadādhara, Dāmodara e Jagadānanda pertencem a essa categoria de energia interna.
Os seis princípios manifestam-se de maneiras diferentes, mas são todos igualmente adoráveis. Kṛṣṇadāsa Kavirāja começa oferecendo-lhes suas reverências para ensinar-nos o método de adoração ao Senhor Caitanya. Māyā, a potência externa de Deus, não pode jamais associar-se com o Senhor, assim como a escuridão não pode permanecer na presença da luz; contudo, sendo apenas uma cobertura ilusória e temporária da luz, a escuridão não pode existir independentemente da luz.
Texto
tāṅhāra caraṇa āge kariye vandana
Sinônimos
mantra-guru — o mestre espiritual iniciador; āra — e também; yata — tantos quanto (existam); śikṣā-guru-gaṇa — todos os mestres espirituais instrutores; tāṅhāra — de todos eles; caraṇa — aos pés de lótus; āge — antes de mais nada; kariye — ofereço; vandana — respeitosas reverências.
Tradução
Antes de mais nada, ofereço minhas respeitosas reverências aos pés de lótus de meu mestre espiritual iniciador e de todos os meus mestres espirituais instrutores.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Jīva Gosvāmī, em sua tese chamada Bhakti-sandarbha (202), afirma que o serviço devocional imaculado é o objetivo dos vaiṣṇavas puros, e que é preciso executar tal serviço na companhia de outros devotos. Associando-nos com os devotos do Senhor Kṛṣṇa, desenvolvemos um sentido de consciência de Kṛṣṇa e, assim, tornamo-nos inclinados a prestar serviço amoroso ao Senhor. Esse é o processo de aproximar-se do Senhor Supremo mediante a apreciação gradual em serviço devocional. Se alguém deseja serviço devocional imaculado, deve associar-se com os devotos de Śrī Kṛṣṇa, pois somente através de tal associação pode uma alma condicionada adquirir um gosto pelo amor transcendental e, assim, reviver sua relação eterna com Deus numa manifestação específica e de acordo com a doçura (rasa) transcendental específica, inerente eternamente a ela.
Pode-se conhecer a Suprema Verdade Absoluta, desenvolvendo-se amor por Kṛṣṇa por meio de atividades conscientes de Kṛṣṇa. Porém, aquele que procurar entender Deus, simplesmente valendo-se de argumentos lógicos, não terá sucesso, nem obterá um gosto pela devoção imaculada. O segredo é que se deve ouvir submissamente aqueles que conhecem perfeitamente a ciência de Deus, e deve-se aceitar o método de serviço regulado pelo preceptor. Um devoto já atraído pelo nome, forma, qualidades, etc. do Senhor Supremo pode ser orientado em termos de sua maneira específica de serviço devocional, sem precisar perder tempo aproximando-se do Senhor através da lógica. O mestre espiritual perito sabe muito bem como ocupar a energia de seu discípulo no transcendental serviço amoroso ao Senhor, e assim ele ocupa o devoto num serviço devocional específico, de acordo com sua tendência especial. O devoto deve ter apenas um mestre espiritual iniciador, pois as escrituras sempre proíbem a aceitação de mais de um. No entanto, pode-se aceitar um número ilimitado de mestres espirituais instrutores. De um modo geral, o mestre espiritual que constantemente dá instruções ao discípulo sobre a ciência espiritual torna-se seu mestre espiritual iniciador posteriormente.
Devemos sempre lembrar que quem relutar em aceitar um mestre espiritual e ser iniciado por ele decerto frustrar-se-á em seu esforço de voltar ao Supremo. Quem não é devidamente iniciado pode apresentar-se como grande devoto, mas, na verdade, é certo que encontrará muitos obstáculos em sua marcha progressiva rumo à compreensão espiritual, resultando em que será obrigado a continuar seu período de existência material, sem experimentar alívio. Compara-se uma pessoa desamparada assim a um navio sem leme, pois semelhante navio jamais poderá alcançar seu destino. Portanto, é imprescindível que aceitemos um mestre espiritual, caso desejemos realmente ser favorecidos pelo Senhor. O serviço ao mestre espiritual é essencial. Não havendo oportunidade de servir ao mestre espiritual diretamente, o devoto deve servi-lo lembrando-se de suas instruções. Não há diferença entre as instruções do mestre espiritual e o próprio mestre espiritual. Portanto, na ausência dele, suas palavras diretivas devem ser o orgulho do discípulo. Se alguém acha que não precisa do conselho de ninguém, nem mesmo do mestre espiritual, torna-se imediatamente um ofensor aos pés de lótus do Senhor. Semelhante ofensor não poderá jamais voltar ao Supremo. É imprescindível que uma pessoa séria aceite um mestre espiritual fidedigno nos termos dos preceitos śástricos. Śrī Jīva Gosvāmī aconselha que não se aceite um mestre espiritual em função de convenções hereditárias ou de corriqueiras convenções sociais e eclesiásticas. Deve-se simplesmente tentar encontrar um mestre espiritual genuinamente qualificado para se poder fazer avanço verdadeiro na compreensão espiritual.
Texto
śrī-jīva, gopāla-bhaṭṭa, dāsa-raghunātha
Sinônimos
śrī-rūpa — Śrī Rūpa Gosvāmī; sanātana — Sanātana Gosvāmī; bhaṭṭa-raghunātha — Raghunātha Bhaṭṭa Gosvāmī; śrī-jīva — Śrīla Jīva Gosvāmī; gopāla-bhaṭṭa — Gopāla Bhaṭṭa Gosvāmī; dāsa-raghunātha — Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī.
Tradução
Os mestres espirituais instrutores são Śrī Rūpa Gosvāmī, Śrī Sanātana Gosvāmī, Śrī Bhaṭṭa Raghunātha, Śrī Jīva Gosvāmī, Śrī Gopāla Bhaṭṭa Gosvāmī e Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī.
Texto
tāṅ’-sabāra pāda-padme koṭi namaskāra
Sinônimos
ei — estes; chaya — seis; guru — mestres espirituais; śikṣā-guru — mestres espirituais instrutores; ye — que são; āmāra — meus; tāṅ’ sabāra — de todos eles; pāda-padme — aos pés de lótus; koṭi — dez milhões; namaskāra — respeitosas reverências.
Tradução
Meus mestres espirituais instrutores são estes seis. Portanto, ofereço milhões de respeitosas reverências a seus pés de lótus.
Comentário
SIGNIFICADO—Ao aceitar os seis Gosvāmīs como seus mestres espirituais instrutores, o autor especificamente deixa claro que ninguém deve ser reconhecido como um Gauḍīya Vaiṣṇava se não for obediente a eles.
Texto
tāṅ’-sabhāra pāda-padme sahasra praṇāma
Sinônimos
bhagavānera — da Suprema Personalidade de Deus; bhakta — os devotos; yata — tantos quantos (existem); śrīvāsa pradhāna — encabeçados por Śrī Śrīvāsa; tāṅ’sabhāra — de todos eles; pāda-padme — aos pés de lótus; sahasra — milhares; praṇāma — respeitosas reverências.
Tradução
Há inúmeros devotos do Senhor, dos quais Śrīvāsa Ṭhākura é o principal. Ofereço minhas respeitosas reverências milhares de vezes aos pés de lótus deles.
Texto
tāṅra pāda-padme koṭi praṇati āmāra
Sinônimos
advaita ācārya — Advaita Ācārya; prabhura — do Senhor Supremo; aṁśa — parcial; avatāra — encarnação; tāṅra — dEle; pāda-padme — aos pés de lótus; koṭi — dez milhões; praṇati — respeitosas reverências; āmāra — minhas.
Tradução
Advaita Ācārya é a encarnação parcial do Senhor, e por isso ofereço minhas reverências milhões de vezes a Seus pés de lótus.
Texto
tāṅra pāda-padma vando yāṅra muñi dāsa
Sinônimos
nityānanda-rāya — o Senhor Nityānanda; prabhura — do Senhor Supremo; svarūpa-prakāśa — manifestação pessoal; tāṅra — dEle; pāda-padma — aos pés de lótus; vando — ofereço respeitosas reverências; yāṅra — de quem; muñi — sou; dāsa — servo.
Tradução
Śrīla Nityānanda Rāma é a manifestação plenária do Senhor, e eu fui iniciado por Ele. Portanto, ofereço minhas respeitosas reverências a Seus pés de lótus.
Texto
tāṅ’-sabāra caraṇe mora sahasra praṇati
Sinônimos
gadādhara-paṇḍita-ādi — encabeçadas por Śrī Gadādhara Paṇḍita; prabhura — do Senhor Supremo; nija-śakti — potências internas; tāṅ’ sabāra — de todas elas; caraṇe — aos pés de lótus; mora — minhas; sahasra — milhares; praṇati — respeitosas reverências.
Tradução
Ofereço minhas respeitosas reverências às potências internas do Senhor, encabeçadas por Śrī Gadādhara Prabhu.
Texto
tāṅhāra padāravinde ananta praṇāma
Sinônimos
śrī-kṛṣṇa-caitanya — o Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu; prabhu — o Senhor Supremo; svayam-bhagavān — é a Personalidade de Deus original; tāṅhāra — Seus; pada-aravinde — aos pés de lótus; ananta — inumeráveis; praṇāma — respeitosas reverências.
Tradução
O Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya Mahāprabhu é a própria Personalidade de Deus, e por isso prostro-me inumeráveis vezes a Seus pés de lótus.
Texto
ei chaya teṅho yaiche — kariye vicāra
Sinônimos
sa-āvaraṇe — juntamente com Seus associados; prabhure — ao Senhor Śrī Caitanya Mahāprabhu; kariyā — tendo feito; namaskāra — respeitosas reverências; ei — estes; chaya — seis; teṅho — Ele; yaiche — como são; kariye — faço; vicāra — discussão.
Tradução
Tendo oferecido reverências ao Senhor e a todos os Seus associados, tentarei agora explicar estas seis diversidades em uma só.
Comentário
SIGNIFICADO—Existem muitos devotos imaculados da Suprema Personalidade de Deus, todos considerados associados ao redor do Senhor. Kṛṣṇa deve ser adorado com Seus devotos. Os diversos princípios são, portanto, a parafernália eterna através da qual se pode chegar à Verdade Absoluta.
Texto
tathāpi jāniye āmi tāṅhāra prakāśa
Sinônimos
yadyapi — embora; āmāra — meu; guru — mestre espiritual; caitanyera — do Senhor Caitanya Mahāprabhu; dāsa — o servo; tathāpi — ainda assim; jāniye — sei; āmi — eu; tāṅhāra — do Senhor; prakāśa — manifestação direta.
Tradução
Embora eu saiba que meu mestre espiritual é servo de Śrī Caitanya, também sei que Ele é uma manifestação plenária do Senhor.
Comentário
SIGNIFICADO—Essencialmente, toda entidade viva é serva da Suprema Personalidade de Deus, e o mestre espiritual também é Seu servo. Não obstante, o mestre espiritual é uma manifestação direta do Senhor. Imbuído desta convicção, o discípulo pode avançar em consciência de Kṛṣṇa. O mestre espiritual não é diferente de Kṛṣṇa porque é uma manifestação de Kṛṣṇa.
O Senhor Nityānanda, que é o próprio Balarāma, a primeira manifestação direta ou expansão de Kṛṣṇa, é o mestre espiritual original. Ele ajuda o Senhor em Seus passatempos, e é um servo do Senhor.
Toda entidade viva é eternamente serva de Śrī Kṛṣṇa Caitanya; por conseguinte, o mestre espiritual não pode ser outro senão um servo do Senhor Caitanya. A ocupação eterna do mestre espiritual é expandir o serviço ao Senhor, treinando discípulos a desenvolver sua atitude de serviço. O mestre espiritual jamais se faz passar pelo próprio Senhor Supremo; ele é considerado um representante do Senhor. As escrituras reveladas proíbem que alguém finja ser Deus, mas o mestre espiritual fidedigno é um servo muito fiel e íntimo do Senhor, e por isso merece tanto respeito quanto Kṛṣṇa.
Texto
guru-rūpe kṛṣṇa kṛpā karena bhakta-gaṇe
Sinônimos
guru — o mestre espiritual; kṛṣṇa-rūpa — como Kṛṣṇa; hana — é; śāstrera — das escrituras reveladas; pramāṇe — pela evidência; guru-rūpe — sob a forma do mestre espiritual; kṛṣṇa — o Senhor Kṛṣṇa; kṛpā — misericórdia; karena — distribui; bhakta-gaṇe — a Seus devotos.
Tradução
Segundo a opinião ponderada de todas as escrituras reveladas, o mestre espiritual não é diferente de Kṛṣṇa. O Senhor Kṛṣṇa libera Seus devotos sob a forma do mestre espiritual.
Comentário
SIGNIFICADO—A relação do discípulo com seu mestre espiritual é como sua relação com o Senhor Supremo. O mestre espiritual sempre se apresenta como o servo mais humilde da Personalidade de Deus, mas o discípulo deve vê-lo como a representação manifesta de Deus.
Texto
nāvamanyeta karhicit
na martya-buddhyāsūyeta
sarva-deva-mayo guruḥ
Sinônimos
ācāryam — o mestre espiritual; mām — Eu mesmo; vijānīyāt — deve-se saber; na avamanyeta — não se deve jamais desrespeitar; karhicit — em momento algum; na — nunca; martya-buddhyā — julgando-o um homem comum; asūyeta — deve-se invejar; sarva-deva — de todos os semideuses; mayaḥ — representante; guruḥ — o mestre espiritual.
Tradução
“Deve-se saber que o ācārya sou Eu mesmo e não deve ser desrespeitado de forma alguma. Não se deve invejá-lo, julgando-o um homem comum, pois ele é o representante de todos os semideuses.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este é um verso do Śrīmad-Bhāgavatam (11.17.27) que o Senhor Kṛṣṇa falou a Uddhava em resposta à sua pergunta relativa às quatro ordens sociais e às quatro ordens espirituais da sociedade. Ele especificamente ensinava como um brahmacārī deve comportar-se sob os cuidados do mestre espiritual. O mestre espiritual não é um desfrutador das facilidades oferecidas por seus discípulos. Ele é como um pai. Sem o serviço atento de seus pais, uma criança não pode atingir a maturidade. Analogamente, sem os cuidados do mestre espiritual, não podemos nos elevar ao plano de serviço transcendental.
O mestre espiritual é também chamado de ācārya, ou um professor transcendental da ciência espiritual. A Manu-saṁhitā (2.140) explica os deveres do ācārya, descrevendo que o mestre espiritual fidedigno aceita encarregar-se de discípulos, ensina-lhes o conhecimento védico com todos os seus pormenores e dá-lhes o segundo nascimento. A cerimônia executada para iniciar um discípulo no estudo da ciência espiritual chama-se upanīti, ou a função que nos aproxima mais do mestre espiritual. Aquele que não se pode aproximar dum mestre espiritual não pode ter um cordão sagrado, de modo que é indicado para ser śūdra. O cordão sagrado no corpo dum brāhmaṇa, kṣatriya ou vaiśya é um símbolo de iniciação pelo mestre espiritual: não vale nada se usado meramente para ostentar alta estirpe. O dever do mestre espiritual é iniciar o discípulo com a cerimônia do cordão sagrado, e, após esse saṁskāra, ou processo purificatório, o mestre espiritual começa realmente a ensinar sobre os Vedas ao discípulo. Uma pessoa nascida como śūdra não é proibida de submeter-se a tal iniciação espiritual: basta que seja aprovada pelo mestre espiritual, o qual é devidamente autorizado para outorgar ao discípulo o direito de ser brāhmaṇa caso o considere perfeitamente qualificado. No Vāyu Purāṇa, define-se ācārya como aquele que conhece o significado de toda a literatura védica, explica o objetivo dos Vedas, age segundo suas regras e regulações e ensina seus discípulos a agirem da mesma maneira.
É somente devido a Sua imensa compaixão que a Personalidade de Deus Se revela como o mestre espiritual. Portanto, na conduta de um ācārya, não há outras atividades senão as de transcendental serviço amoroso ao Senhor. Ele é a Suprema Personalidade Servidora de Deus. Vale a pena refugiar-se em um devoto fixo assim, que é chamado de āśraya-vigraha, ou a manifestação ou forma do Senhor em quem devemos nos abrigar.
Alguém que se faz passar por ācārya, mas carece de atitude de serviço ao Senhor é considerado um ofensor, e essa atitude ofensiva o desqualifica para ser um ācārya. O mestre espiritual fidedigno sempre se ocupa em serviço devocional imaculado à Suprema Personalidade de Deus. Por intermédio desse teste, ele é reconhecido como uma manifestação direta do Senhor e um representante genuíno de Śrī Nityānanda Prabhu. Semelhante mestre espiritual é conhecido como ācāryadeva. Movidas por índole invejosa e insatisfeitas devido a sua atitude de gozo dos sentidos, pessoas mundanas criticam um ācārya verdadeiro. De fato, contudo, o ācārya fidedigno não é diferente da Personalidade de Deus, e por isso invejar semelhante ācārya é o mesmo que invejar a própria Personalidade de Deus. Isso produzirá um efeito destruidor para a compreensão transcendental.
Como se mencionou anteriormente, o discípulo deve sempre respeitar o mestre espiritual como uma manifestação de Śrī Kṛṣṇa, mas, ao mesmo tempo, devemos sempre lembrar que o mestre espiritual não está de forma alguma autorizado a imitar os passatempos transcendentais do Senhor. Mestres espirituais falsos fazem-se passar por idênticos a Śrī Kṛṣṇa sob todos os aspectos para explorarem os sentimentos de seus discípulos, mas esses impersonalistas só fazem desencaminhar seus discípulos, pois o objetivo final deles é tornarem-se unos com o Senhor. Isso vai de encontro aos princípios do culto devocional.
A verdadeira filosofia védica é acintya-bhedābheda-tattva, a qual estabelece que tudo é simultaneamente igual à Personalidade de Deus e diferente dEle. Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī confirma que essa é a verdadeira posição de um mestre espiritual fidedigno e diz que devemos sempre pensar no mestre espiritual em função de sua relação íntima com Mukunda (Śrī Kṛṣṇa). Em seu Bhakti-sandarbha (213), Śrīla Jīva Gosvāmī define claramente que o devoto puro, ao observar que o mestre espiritual e o senhor Śiva são idênticos à Personalidade de Deus, o faz em função de eles serem muito queridos pelo Senhor, e não por serem idênticos ao Senhor sob todos os aspectos. Seguindo os passos de Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī e de Śrīla Jīva Gosvāmī, ācāryas posteriores como Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura confirmam as mesmas verdades. Em suas orações ao mestre espiritual, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura confirma que todas as escrituras reveladas aceitam o mestre espiritual como sendo idêntico à Personalidade de Deus, porque ele é um servo muito querido e íntimo do Senhor. Portanto, os gauḍīya vaiṣṇavas adoram Śrīla Gurudeva (o mestre espiritual) levando em consideração a posição dele como o servo da Personalidade de Deus. Em todos os textos antigos sobre serviço devocional e nas canções mais recentes de Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura, Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura e outros vaiṣṇavas imaculados, o mestre espiritual sempre é considerado ou como um dos associados íntimos de Śrīmatī Rādhārāṇī, ou como uma representação manifesta de Śrīla Nityānanda Prabhu.
Texto
antaryāmī, bhakta-śreṣṭha, — ei dui rūpa
Sinônimos
śikṣā-guruke — o mestre espiritual que instrui; ta’ — deveras; jāni — eu sei; kṛṣṇera — de Kṛṣṇa; sva-rūpa — o representante direto; antaryāmī — a Superalma que vive internamente; bhakta-śreṣṭha — o melhor devoto; ei — estas; dui — duas; rūpa — formas.
Tradução
Deve-se saber que o mestre espiritual instrutor é a Personalidade de Kṛṣṇa. O Senhor Kṛṣṇa manifesta-Se como a Superalma e como o maior devoto do Senhor.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī afirma que o mestre espiritual instrutor é representante fidedigno de Śrī Kṛṣṇa. O próprio Śrī Kṛṣṇa ensina-nos como o mestre espiritual instrutor interna e externamente. Internamente, Ele ensina como o Paramātmā, nosso companheiro constante, e, externamente, Ele ensina a Bhagavad-gītā como o mestre espiritual instrutor. Há duas classes de mestres espirituais instrutores. Uma é a das pessoas liberadas plenamente absortas em meditação no serviço devocional, e outra é a daqueles que invocam a consciência espiritual do discípulo por meio de instruções relevantes. Assim, diferenciam-se as instruções sobre a ciência da devoção em função dos modos de compreensão objetivo e subjetivo. O ācārya na verdadeira acepção da palavra, que é autorizado para conceder Kṛṣṇa, enriquece o discípulo com pleno conhecimento espiritual e, assim, desperta-o para as atividades de serviço devocional.
Quando, após ter sido instruído pelo mestre espiritual autorrealizado, alguém se ocupa realmente a serviço do Senhor, seu serviço devocional funcional começa. Os procedimentos desse serviço devocional são conhecidos como abhidheya, ou seja, ação que se tem obrigação de executar. Nosso único refúgio é o Senhor Supremo, e aquele que ensina a como aproximarmo-nos de Kṛṣṇa é a forma funcional da Personalidade de Deus. Não há diferença entre o Senhor Supremo acolhedor e os mestres espirituais iniciador e instrutor. Se alguém tolamente faz discriminação entre eles, comete ofensa no cumprimento do serviço devocional.
Śrīla Sanātana Gosvāmī é o mestre espiritual ideal, pois distribui o abrigo dos pés de lótus de Madana-mohana. Mesmo que alguém não seja capaz de viajar pelos campos de Vṛndāvana em virtude do esquecimento de sua relação com a Suprema Personalidade de Deus, pode obter uma oportunidade adequada de permanecer em Vṛndāvana e colher todos os benefícios espirituais pela misericórdia de Sanātana Gosvāmī. Śrī Govindajī atua exatamente como o śikṣā-guru (mestre espiritual instrutor) ao ensinar a Bhagavad-gītā a Arjuna. Ele é o preceptor original, pois nos dá instruções e a oportunidade de servi-lO. O mestre espiritual iniciador é uma manifestação pessoal de Śrīla Madana-mohana vigraha, ao passo que o mestre espiritual instrutor é um representante pessoal de Śrīla Govindadeva vigraha. Em Vṛndāvana, adoram-se essas duas Deidades. Śrīla Gopīnātha é a atração máxima na compreensão espiritual.
Texto
brahmāyuṣāpi kṛtam ṛddha-mudaḥ smarantaḥ
yo ’ntar bahis tanu-bhṛtām aśubhaṁ vidhunvann
ācārya-caittya-vapuṣā sva-gatiṁ vyanakti
Sinônimos
na eva — absolutamente não; upayanti — são capazes de expressar; apacitim — a gratidão deles; kavayaḥ — devotos eruditos; tava — Teu; īśa — ó Senhor; brahma-āyuṣā — com uma duração de vida igual à do senhor Brahmā; api — apesar de; kṛtam — trabalho magnânimo; ṛddha — aumentada; mudaḥ — alegria; smarantaḥ — lembrando-se; yaḥ — que; antaḥ — dentro; bahiḥ — fora; tanu-bhṛtām — daqueles que são corporificados; aśubham — infortúnio; vidhunvan — dissipando; ācārya — do mestre espiritual; caittya — da Superalma; vapuṣā — pelas formas; sva — próprio; gatim — caminho; vyanakti — mostra.
Tradução
“Ó meu Senhor! Poetas transcendentais e entendidos na ciência espiritual não poderiam expressar plenamente a dívida deles para contigo, mesmo que fossem dotados com a prolongada duração de vida de Brahmā, pois Tu apareces sob dois aspectos – externamente como o ācārya e internamente como a Superalma – para liberar o ser vivo corporificado, orientando-o de modo a que possa alcançar-Te.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso do Śrīmad-Bhāgavatam (11.29.6) foi falado por Śrī Uddhava após este ouvir de Śrī Kṛṣṇa todas as instruções necessárias sobre yoga.
Texto
bhajatāṁ prīti-pūrvakam
dadāmi buddhi-yogaṁ taṁ
yena mām upayānti te
Sinônimos
teṣāṁ — a eles; satata-yuktānām — sempre ocupados; bhajatām — com serviço devocional; prīti-pūrvakam — com êxtase amoroso; dadāmi — Eu dou; buddhi-yogam — inteligência verdadeira; tam — essa; yena — com a qual; mām — a Mim; upayānti — vêm; te — eles.
Tradução
“Para aqueles que estão constantemente devotados e Me adoram com amor, Eu dou a compreensão com a qual eles podem vir a Mim.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso da Bhagavad-gītā (10.10) afirma claramente como Govindadeva dá instruções a Seu devoto fidedigno. O Senhor declara que, através da iluminação em conhecimento teísta, Ele concede apego a Ele àqueles que se ocupam constantemente em Seu transcendental serviço amoroso. Esse despertar de consciência divina cativa o devoto, que assim saboreia sua doçura transcendental eterna. Semelhante despertar só é outorgado àqueles que, por meio do serviço devocional, convencem-se da natureza transcendental da Personalidade de Deus. Eles sabem que a Verdade Suprema, a pessoa plenamente espiritual e poderosa, é única e inigualável e tem sentidos inteiramente transcendentais. Ele é o manancial de todas as emanações. Tais devotos puros, sempre imersos em conhecimento de Kṛṣṇa e absortos em consciência de Kṛṣṇa, compartilham pensamentos e realizações assim como grandes cientistas dividem suas visões e discutem os resultados de suas pesquisas em academias de ciência. Tais intercâmbios de pensamentos a respeito de Kṛṣṇa dão prazer ao Senhor, que por isso favorece tais devotos com a iluminação plena.
Texto
svayam upadiśyānubhāvitavān
Sinônimos
yathā — assim como; brahmaṇe — ao senhor Brahmā; bhagavān — o Senhor Supremo; svayam — Ele mesmo; upadiśya — tendo instruído; anubhāvitavān — fez com que percebesse.
Tradução
A Suprema Personalidade de Deus [svayaṁ bhagavān] deu instruções a Brahmā e o fez autorrealizado.
Comentário
SIGNIFICADO—Aplica-se também no reino transcendental a máxima inglesa de que Deus ajuda àqueles que se ajudam. Há muitos exemplos nas escrituras reveladas da Personalidade de Deus atuando como o mestre espiritual internamente. Ele foi o mestre espiritual que deu instruções a Brahmā, o ser vivo original na criação cósmica. Quando Brahmā foi inicialmente criado, não conseguiu aplicar sua energia criativa para organizar a situação cósmica. A princípio, havia apenas som, vibrando a palavra tapa, que indica a aceitação de tribulações em busca da compreensão espiritual. Abstendo-se do gozo sensual, deve-se aceitar voluntariamente toda espécie de dificuldades na busca da compreensão espiritual. Isso se chama tapasya. Um desfrutador dos sentidos não poderá jamais compreender Deus, a divindade ou a ciência do conhecimento teísta. Deste modo, quando Brahmā, iniciado por Śrī Kṛṣṇa através da vibração sonora tapa, dedicou-se a atos de austeridade, pelo prazer de Viṣṇu ele foi capaz de visualizar o mundo transcendental, Śrī Vaikuṇṭha, por intermédio da compreensão transcendental. A ciência moderna pode comunicar-se utilizando descobertas materiais tais como o rádio, a televisão e os computadores, mas a ciência evocada pelas austeridades de Śrī Brahmā, o pai original da humanidade, era ainda mais sutil. Mais cedo ou mais tarde, os cientistas materiais poderão também saber como podemos nos comunicar com o mundo Vaikuṇṭha. O senhor Brahmā indagou a respeito da potência do Senhor Supremo, e a Personalidade de Deus respondeu à sua pergunta com as seguintes seis afirmações consecutivas. Essas instruções, reproduzidas no Śrīmad-Bhāgavatam (2.9.31-36), foram dadas pela Personalidade de Deus, agindo como o mestre espiritual supremo.
Texto
yad vijñāna-samanvitam
sa-rahasyaṁ tad-aṅgaṁ ca
gṛhāṇa gaditaṁ mayā
Sinônimos
jñānam — conhecimento; parama — extremamente; guhyam — confidencial; me — de Mim; yat — que; vijñāna — compreensão; samanvitam — plenamente dotado com; sarahasyam — juntamente com o mistério; tat — disto; aṅgam — partes suplementares; ca — e; gṛhāṇa — procura adotar; gaditam — explicado; mayā — por Mim.
Tradução
“Por favor, ouve com atenção o que te falarei, pois o conhecimento transcendental sobre Mim é não somente científico, mas também repleto de mistérios.”
Comentário
SIGNIFICADO—O conhecimento transcendental de Śrī Kṛṣṇa é mais profundo do que o conhecimento impessoal de Brahman, pois inclui conhecimento não apenas de Sua forma e personalidade, como também de tudo o mais que se relacione a Ele. Não há nada na existência que não se relacione com Śrī Kṛṣṇa. Num sentido, nada existe exceto Śrī Kṛṣṇa, e, não obstante, nada é Śrī Kṛṣṇa exceto Sua personalidade primordial. Esse conhecimento constitui uma ciência transcendental completa, e Viṣṇu quis dar pleno conhecimento dessa ciência a Brahmājī. O mistério desse conhecimento culmina em apego pessoal ao Senhor, com um efeito resultante de desapego de tudo que “não seja Kṛṣṇa”. Há nove meios alternativos transcendentais para se alcançar essa fase: ouvir, cantar, lembrar, servir os pés de lótus do Senhor, adorar, orar, auxiliar, confraternizar-se com o Senhor e sacrificar tudo por Ele. Essas são diferentes partes do mesmo serviço devocional, que é pleno de mistério transcendental. O Senhor disse a Brahmā que, como este O satisfizera, por Sua graça Ele estava revelando-lhe o mistério.
Texto
yad-rūpa-guṇa-karmakaḥ
tathaiva tattva-vijñānam
astu te mad-anugrahāt
Sinônimos
yāvān — como sou sob Minha forma eterna; aham — Eu; yathā — de qualquer que seja a maneira; bhāvaḥ — existência transcendental; yat — tudo o que; rūpa — formas e cores diversas; guṇa — qualidades; karmakaḥ — atividades; tathā eva — exatamente assim; tattva-vijñānam — compreensão; astu — que haja; te — tua; mat — Minha; anugrahāt — por misericórdia imotivada.
Tradução
“Por Minha misericórdia imotivada, ilumina-te de verdade sobre Minha personalidade, manifestações, qualidades e passatempos.”
Comentário
SIGNIFICADO— As formas pessoais transcendentais do Senhor são um mistério, e os sintomas dessas formas, que são absolutamente diferentes de qualquer coisa feita de elementos mundanos, são também misteriosos. As inúmeras formas do Senhor, tais como Śyāmasundara, Nārāyaṇa, Rāma e Gaurasundara; as cores dessas formas (branca, vermelha, amarela, śyāma semelhante à nuvem e outras); Suas qualidades, como a Personalidade de Deus que reciproca com os devotos puros e como o Brahman impessoal para os especuladores mentais; Suas atividades incomuns, como erguer a colina Govardhana, casar-Se com mais de 16.000 rainhas em Dvārakā e entrar na dança da rāsa com as donzelas de Vraja, expandindo-Se em tantas formas quantas eram as donzelas na dança – estes e inúmeros outros atos e atributos incomuns são todos misteriosos. Um desses aspectos é apresentado no conhecimento científico da Bhagavad-gītā, que é lido e adorado em todo o mundo por todas as classes de eruditos, com tantas interpretações quantos são os filósofos empíricos. Revelou-se a Brahmā a verdade sobre esses mistérios por um processo descendente, sem auxílio de um processo ascendente. A misericórdia dEle desce a um devoto como Brahmā e, por intermédio de Brahmā, a Nārada, de Nārada a Vyāsa, de Vyāsadeva a Śukadeva e assim por diante, na cadeia autêntica de sucessão discipular. Não podemos descobrir os mistérios relativos ao Senhor mediante nossos esforços mundanos; eles se revelam apenas aos devotos adequados, por graça dEle. Esses mistérios são aos poucos desvendados às várias classes de devotos proporcionalmente ao desenvolvimento gradual da atitude de serviço deles. Em outras palavras, os impersonalistas, que dependem da força de seu pobre fundo de conhecimento e de mórbidos hábitos especulativos, sem submissão e serviço sob a forma de ouvir, cantar e os demais métodos supramencionados, não podem penetrar na misteriosa região da transcendência, onde a verdade suprema é uma pessoa transcendental, livre de todas as máculas dos elementos materiais. A descoberta do mistério do Senhor elimina o aspecto impessoal percebido por espiritualistas comuns e que, a partir da plataforma mundana, tentam entrar na região espiritual.
Texto
nānyad yat sad-asat param
paścād ahaṁ yad etac ca
yo ’vaśiṣyeta so ’smy aham
Sinônimos
aham — Eu, a Personalidade de Deus; eva —certamente; āsam — existia; eva — somente; agre — antes da criação; na — nunca; anyat — nada mais; yat — que; sat — o efeito; asat — a causa; param — o Supremo; paścāt — no fim; aham — Eu, a Personalidade de Deus; yat — que; etat — esta criação; ca — também; yaḥ — quem; avaśiṣyeta — permanece; saḥ — que; asmi — sou; aham — Eu, a Personalidade de Deus.
Tradução
“Antes da criação cósmica, somente Eu existo, e não existe fenômeno algum, seja ele grosseiro, sutil ou primordial. Após a criação, somente Eu existo em tudo, e, após a aniquilação, somente Eu permaneço eternamente.”
Comentário
SIGNIFICADO—Aham significa “Eu”; portanto, o orador que diz aham, “Eu”, deve ter Sua própria personalidade. Os filósofos māyāvādīs interpretam essa palavra aham como se ela se referisse ao Brahman impessoal. Esses māyāvādīs têm muito orgulho de seu conhecimento gramatical, mas qualquer pessoa que conhece gramática realmente pode entender que aham significa “eu”, e que “eu” refere-se a uma personalidade. Portanto, a Personalidade de Deus, falando a Brahmā, usa aham ao descrever Sua própria forma transcendental. Aham tem um significado especifico: não é um termo vago que possa ser interpretado caprichosamente. Aham, quando falado por Kṛṣṇa, refere-se à Suprema Personalidade de Deus e a nada mais.
Antes da criação e após sua dissolução, só a Suprema Personalidade de Deus e Seus associados existem; os elementos materiais não têm existência. Confirma-se isso na literatura védica. Vāsudevo vā idam agra āsīn na brahmā na ca śaṅkaraḥ. O significado desse mantra é que, antes da criação, não havia existência de Brahmā ou Śiva, pois só Viṣṇu existia. Viṣṇu existe em Sua morada, os Vaikuṇṭhas. Há inumeráveis planetas Vaikuṇṭha no céu espiritual, em cada um dos quais Viṣṇu reside com Seus associados e Sua parafernália. Confirma-se também na Bhagavad-gītā que, embora a criação seja periodicamente dissolvida, existe outra morada, que jamais é dissolvida. A palavra “criação” refere-se à criação material, porque, no mundo espiritual, tudo existe eternamente e não há criação ou dissolução.
O Senhor indica nesta passagem que, antes da criação material, Ele existia em toda a Sua plenitude com todas as opulências transcendentais, incluindo toda a força, toda a riqueza, toda a beleza, todo o conhecimento, toda a fama e toda a renúncia. Se alguém imagina um rei, automaticamente imagina seus secretários, ministros, comandantes militares, palácios e assim por diante. Já que um rei possui tantas opulências, podemos apenas tentar imaginar a opulência da Suprema Personalidade de Deus. Portanto, quando o Senhor diz aham, subentende-se que Ele exista com plena potência, incluindo todas as opulências.
A palavra yat refere-se a Brahman, a refulgência impessoal do Senhor. Na Brahmā-saṁhitā (5.40) se diz que tad-brahma niṣkalam anantam aśeṣa-bhūtam: a refulgência Brahman expande-se ilimitadamente. O Sol é um planeta localizado, embora o brilho do Sol se expanda ilimitadamente dessa fonte. Analogamente, a Verdade Absoluta é a Suprema Personalidade de Deus, mas Sua refulgência de energia, Brahman, expande-se ilimitadamente. Dessa energia Brahman, surge a criação, assim como uma nuvem aparece no brilho do Sol. Da nuvem vem a chuva, da chuva vem a vegetação, e da vegetação vêm as frutas e as flores, que são a base de subsistência para muitas outras formas de vida. Semelhantemente, o refulgente brilho do corpo do Senhor Supremo é a causa da criação de infinitos universos. A refulgência Brahman é impessoal, mas a causa dessa energia é a Suprema Personalidade de Deus. DEle, em Sua morada, os Vaikuṇṭhas, emana esse brahmajyoti. Ele nunca é impessoal. Como não podem entender a fonte da energia Brahman, os impersonalistas preferem erroneamente considerar que esse Brahman impessoal é a meta última ou absoluta. Todavia, como se afirma nas Upaniṣads, é preciso penetrar na refulgência impessoal para ver o rosto do Senhor Supremo. Se alguém desejar alcançar a fonte do brilho do Sol, precisará atravessar o brilho solar para chegar ao Sol e, então, encontrar-se com a deidade predominante de lá. A Verdade Absoluta é a Pessoa Suprema, Bhagavān, como se explica no Śrīmad-Bhāgavatam.
Sat significa “efeito”, asat significa “causa”, e param refere-se à verdade última, que é transcendental a causa e efeito. A causa da criação chama-se o mahat-tattva, ou energia material total, e seu efeito é a própria criação. Porém, nem causa nem efeito existiam no começo: eles emanaram da Suprema Personalidade de Deus, assim como a energia do tempo. Afirma-se isso no Vedānta-sūtra (janmādy asya yataḥ). A fonte de nascimento da manifestação cósmica, ou mahat-tattva, é a Personalidade de Deus. Confirma-se isso em todo o Śrīmad-Bhāgavatam e na Bhagavad-gītā. Na Bhagavad- gītā (10.8), o Senhor diz que ahaṁ sarvasya prabhavaḥ: “Eu sou o manancial de todas as emanações.” O cosmo material, sendo temporário, às vezes se manifesta e às vezes se torna imanifesto, mas sua energia emana do Supremo Senhor Absoluto. Antes da criação, não havia nem causa nem efeito, mas a Suprema Personalidade de Deus existia com toda a Sua opulência e energia.
As palavras paścād aham indicam que o Senhor existe após a dissolução da manifestação cósmica. Quando o mundo material é dissolvido, o Senhor ainda existe pessoalmente nos Vaikuṇṭhas. Durante a criação, o Senhor também existe como Ele é nos Vaikuṇṭhas, e também existe como a Superalma dentro dos universos materiais. Confirma-se isso na Brahmā-saṁhitā (5.37). Goloka eva nivasati: muito embora Ele esteja perfeita e eternamente presente em Goloka Vṛndāvana em Vaikuṇṭha, Ele é onipenetrante (akhilātma-bhūtaḥ). O aspecto onipenetrante do Senhor chama-se a Superalma. Na Bhagavad-gītā, se diz que ahaṁ kṛtsnasya jagataḥ prabhavaḥ: a manifestação cósmica é uma exibição da energia do Senhor Supremo. Os elementos materiais (terra, água, fogo, ar, éter, mente, inteligência e falso ego) manifestam a energia inferior do Senhor, e as entidades vivas são Sua energia superior. Uma vez que a energia do Senhor não é diferente dEle, na verdade, tudo o que existe é Kṛṣṇa sob Seu aspecto impessoal. O brilho do Sol, a luz do Sol e o calor não são diferentes do Sol, e, mesmo assim, são, ao mesmo tempo, energias distintas do Sol. Analogamente, a manifestação cósmica e as entidades vivas são energias do Senhor, e considera-se que sejam simultaneamente iguais a Ele e diferentes dEle. Portanto, o Senhor diz, “Eu sou tudo,” posto que tudo é Sua energia, e por isso nada é diferente dEle.
A frase yo ’vaśiṣyeta so ’smy aham indica que o Senhor é o saldo que existe após a dissolução da criação. A manifestação espiritual jamais perece. Ela pertence à energia interna do Senhor Supremo e existe eternamente. Quando se recolhe a manifestação externa, as atividades espirituais em Goloka e no resto dos Vaikuṇṭhas continuam, sem ser impedidas pelo tempo material, que não tem existência no mundo espiritual. Portanto, na Bhagavad-gītā (15.6) se diz que yad gatvā na nivartante tad dhāma paramaṁ mama: “A morada da qual ninguém regressa a este mundo material é a morada suprema do Senhor.”
Texto
na pratīyeta cātmani
tad vidyād ātmano māyāṁ
yathābhāso yathā tamaḥ
Sinônimos
ṛte — sem; artham — valor; yat — aquilo que; pratīyeta — parece ser; na — não; pratīyeta — parece ser; ca — decerto; ātmani — em relação a Mim; tat — isso; vidyāt — deves saber; ātmanaḥ — Minha; māyām — energia ilusória; yathā — assim como; ābhāsaḥ — o reflexo; yathā — assim como; tamaḥ — escuridão.
Tradução
“O que parece ser verdade sem Mim é decerto Minha energia ilusória, pois nada pode existir sem Mim. É como um reflexo de luz real nas sombras, pois na luz não há nem sombras nem reflexos.”
Comentário
SIGNIFICADO—No verso anterior, explicou-se a Verdade Absoluta e Sua natureza. É preciso também entender a verdade relativa para conhecer realmente o Absoluto. Explica-se aqui a verdade relativa, que se chama māyā, ou natureza material. Māyā não tem existência independente. As maravilhosas atividades de māyā cativam aquele que é menos inteligente, mas ele não entende que, por trás dessas atividades, está a orientação do Senhor Supremo. Na Bhagavad-gītā (9.10), se diz que māyādhyakṣeṇa prakṛtiḥ sūyate sa-carācaram: a natureza material funciona e produz seres móveis e imóveis unicamente pela supervisão de Kṛṣṇa.
Explica-se claramente no Śrīmad-Bhāgavatam a verdadeira natureza de māyā, a existência ilusória da manifestação material. A Verdade Absoluta é substância, e a verdade relativa depende de sua relação com o Absoluto para sua existência. Māyā significa energia; portanto, explica-se que a verdade relativa é energia da Verdade Absoluta. Como é difícil entender a distinção entre a verdade absoluta e as verdades relativas, pode-se dar um exemplo para esclarecer o assunto. Pode-se comparar a Verdade Absoluta ao Sol, que é apreciado em função de duas verdades relativas: reflexo e escuridão. Escuridão é a ausência da luz do Sol, e reflexo é uma projeção de luz do Sol na escuridão. Nem a escuridão nem o reflexo têm existência independente. A escuridão surge quando o brilho do Sol é obstruído. Por exemplo, quem se puser de frente para o Sol terá suas costas na escuridão. Uma vez que na ausência do Sol predomina a escuridão, ela é relativa ao Sol. Compara-se o mundo espiritual ao verdadeiro brilho solar, e o mundo material, às regiões escuras onde o Sol não é visível.
No Vedānta-sūtra, confirma-se que, devido a um reflexo pervertido da Verdade Absoluta, o supremo brilho solar, a manifestação material parece muito maravilhosa. Tudo o que possamos ver aqui tem sua substância no Absoluto. Assim como a escuridão encontra-se muito distante do Sol, do mesmo modo, o mundo material também está muito longe do mundo espiritual. A literatura védica orienta-nos de modo a que não nos deixemos cativar pelas regiões escuras (tamaḥ), e tentemos, ao invés disso, alcançar as brilhantes regiões do Absoluto (yogi-dhāma).
A iluminação do mundo espiritual é resplandecente, mas o mundo material encerra-se na escuridão. No mundo material, a luz do Sol, o luar ou diferentes espécies de luz artificial, são necessários para dissipar a escuridão, especialmente à noite, pois, por natureza, o mundo material é escuro. Portanto, o Senhor Supremo providenciou a luz do Sol e o luar. Mas, em Sua morada, como se descreve na Bhagavad-gītā (15.6), não há necessidade de luz do Sol, luar ou eletricidade, porque tudo lá é autorrefulgente.
Aquilo que é relativo, temporário e distante da Verdade Absoluta chama-se māyā, ou ignorância. Essa ilusão, como se explica na Bhagavad-gītā, manifesta-se de duas maneiras. A ilusão inferior é a matéria inerte, e a ilusão superior é a entidade viva. As entidades vivas são chamadas de ilusórias nesse contexto somente porque se enredam nas estruturas e atividades ilusórias do mundo material. Na verdade, as entidades vivas não são ilusórias, pois são partes da energia superior do Senhor Supremo e não precisam se deixar cobrir por māyā se não o quiserem. As ações das entidades vivas no reino espiritual não são ilusórias: são as verdadeiras atividades eternas de almas liberadas.
Texto
bhūteṣūccāvaceṣv anu
praviṣṭāny apraviṣṭāni
tathā teṣu na teṣv aham
Sinônimos
yathā — como; mahānti — os universais; bhūtāni — elementos; bhūteṣu — nas entidades vivas; ucca-avaceṣu — tanto gigantescas quanto diminutas; anu — após; praviṣṭāni — situado internamente; apraviṣṭāni — situado externamente; tathā — do mesmo modo; teṣu — nelas; na — não; teṣu — nelas; aham — Eu.
Tradução
“Assim como os elementos materiais penetram os corpos de todos os seres vivos e, apesar disso, permanecem fora de todos eles, Eu existo dentro de todas as criações materiais e, apesar disso, não estou dentro delas.”
Comentário
SIGNIFICADO—Os elementos materiais grosseiros (terra, água, fogo, ar e éter) combinam-se com os elementos materiais sutis (mente, inteligência e falso ego) para construir os corpos deste mundo material, apesar do que estão além desses corpos. Qualquer construção material não é nada além de uma amalgamação ou combinação de elementos materiais em proporções variadas. Esses elementos existem tanto dentro quanto fora do corpo. Por exemplo: embora o céu exista no espaço, ele também entra no corpo. Analogamente, o Senhor Supremo, que é a causa da energia material, vive dentro do mundo material, bem como além dele. Sem Sua presença dentro do mundo material, o corpo cósmico não poderia desenvolver-se, assim como o corpo físico não poderia desenvolver-se sem a presença do espírito dentro dele. Toda a manifestação material desenvolve-se e existe porque a Suprema Personalidade de Deus entra nela como Paramātmā, ou a Superalma. A Personalidade de Deus sob Seu aspecto onipenetrante de Paramātmā entra em cada entidade viva, desde a maior até a mais diminuta. Pode compreender Sua existência aquele que tem a simples qualificação da submissão e que, deste modo, torna-se uma alma rendida. O desenvolvimento da submissão é a causa de proporcional compreensão espiritual, através da qual pode-se finalmente encontrar-se com o Senhor Supremo em pessoa, assim como um homem encontra outro face a face.
Por causa de seu desenvolvimento de transcendental apego ao Senhor Supremo, a alma rendida sente a presença de seu amado em toda a parte, e todos os seus sentidos são utilizados no serviço amoroso ao Senhor. Os olhos, ela utiliza para ver o belo casal Śrī Rādhā e Kṛṣṇa sentados num trono decorado debaixo duma árvore-dos-desejos na terra transcendental de Vṛndāvana. O nariz, ela utiliza para cheirar o aroma espiritual dos pés de lótus do Senhor. Semelhantemente, os ouvidos, ela utiliza para ouvir mensagens de Vaikuṇṭha, e as mãos, para abraçar os pés de lótus do Senhor e de Seus associados. Deste modo, o Senhor manifesta-Se interna e externamente para o devoto puro. Esse é um dos mistérios da relação devocional em que um laço de amor espontâneo liga o devoto ao Senhor. A conquista desse amor deve ser a meta da vida para todo ser vivo.
Texto
tattva-jijñāsunātmanaḥ
anvaya-vyatirekābhyāṁ
yat syāt sarvatra sarvadā
Sinônimos
etāvat — a esse ponto; eva — certamente; jijñāsyam — objeto de indagação; tattva — da Verdade Absoluta; jijñāsunā — pelo estudante; ātmanaḥ — do Eu; anvaya — diretamente; vyatirekābhyām — e indiretamente; yat — tudo o que; syāt — pode ser; sarvatra — em toda parte; sarvadā — sempre.
Tradução
“Portanto, uma pessoa interessada em conhecimento transcendental deve sempre, direta e indiretamente, indagar a respeito dele para conhecer a verdade onipenetrante.”
Comentário
SIGNIFICADO—Aqueles que levam a sério o processo de conhecer o mundo transcendental, que está muito além da criação cósmica material, devem aproximar-se de um mestre espiritual fidedigno para aprender a ciência tanto direta quanto indiretamente. Deve-se aprender tanto o método de aproximar-se do destino desejado quanto os obstáculos a tal progresso. O mestre espiritual sabe como regular os hábitos do discípulo neófito, e por isso o estudante sério deve aprender com ele a ciência sob todos os seus aspectos.
Há diferentes graus e padrões de prosperidade. O padrão de conforto e felicidade concebido por um homem comum ocupado em trabalho material é o de grau mais baixo, pois está relacionado com o corpo. O padrão mais elevado de semelhante conceito corpóreo é alcançado por um trabalhador fruitivo que, mediante atividades piedosas, alcança o plano do céu, ou o reino dos deuses criadores dotados com seus respectivos poderes. Mas a concepção de vida confortável no céu é insignificante em comparação com a felicidade desfrutada no Brahman impessoal, e esse brahmānanda, a bem-aventurança espiritual derivada do Brahman impessoal, é como a água acumulada nas pegadas dum bezerro se comparada ao oceano de amor a Deus. Quem desenvolve amor puro pelo Senhor obtém um oceano de felicidade transcendental da associação com a Personalidade de Deus. A perfeição máxima é qualificar-se para atingir essa fase de vida.
Devemos tentar adquirir uma passagem para voltar ao lar, voltar ao Supremo. O preço de tal passagem é nosso desejo intenso de tê-la, o qual não é fácil de despertar, mesmo que executemos atividades piedosas continuamente, por milhares de vidas. Não há dúvida de que todas as relações mundanas serão rompidas com o passar do tempo, mas, uma vez estabelecida a relação com a Personalidade de Deus numa rasa em particular, ela jamais será rompida, nem mesmo após a aniquilação do mundo material.
Deve-se entender, através do meio transparente do mestre espiritual, que o Senhor Supremo existe em toda a parte sob Sua transcendental natureza espiritual e que as relações das entidades vivas com o Senhor existem direta e indiretamente em toda parte, mesmo neste mundo material. No mundo espiritual, há cinco classes de relações com o Senhor Supremo – śānta, dāsya, sakhya, vātsalya e mādhurya. No mundo material, encontram-se os reflexos pervertidos dessas rasas. Terra, lar, móveis e outros objetos materiais inertes relacionam-se em śānta, ou seja, no aspecto neutro e silencioso, ao passo que os servos trabalham dentro da relação dāsya. A reciprocidade entre amigos chama-se sakhya, a afeição do pai pelo filho chama-se vātsalya, e as aventuras de amor conjugal constituem mādhurya. Essas cinco relações no mundo material são reflexos distorcidos dos sentimentos puros originais, que devem ser entendidos e aperfeiçoados em relação com a Suprema Personalidade de Deus, sob a orientação de um mestre espiritual fidedigno. No mundo material, as rasas pervertidas levam à frustração. Se restabelecermos essas rasas com o Senhor Kṛṣṇa, teremos como resultado uma vida bem-aventurada eterna.
Esse e os três versos anteriores do Caitanya-caritāmṛta, todos eles selecionados do Śrīmad-Bhāgavatam, permitem-nos entender as atividades missionárias do Senhor Caitanya. O Śrīmad-Bhāgavatam tem 18.000 versos, que são resumidos nos quatro versos a partir de aham evāsam evāgre (53), concluindo com yat syāt sarvatra sarvadā (56). No primeiro desses versos (53), explica-se a natureza transcendental do Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. O segundo verso (54) explica ainda que o Senhor é desapegado dos trabalhos da energia material, māyā. As entidades vivas, sendo partes integrantes do Senhor Kṛṣṇa, estão propensas a se deixarem controlar pela energia externa, porque, apesar de serem espirituais, no mundo material ficam engaioladas em corpos feitos de energia material. O mesmo verso também explica a relação eterna das entidades vivas com o Senhor Supremo. O verso seguinte (55) ensina que a Suprema Personalidade de Deus, através de Suas energias inconcebíveis, é simultaneamente igual às entidades vivas e à energia material e diferente delas. Esse conhecimento chama-se acintya-bhedābheda-tattva. Uma entidade viva individual que se rende ao Senhor Kṛṣṇa pode, então, desenvolver seu amor transcendental natural pelo Senhor Supremo. Esse processo de rendição deve ser a preocupação primária de um ser humano. No verso seguinte (56), afirma-se que a alma condicionada deve, em última análise, aproximar-se de um mestre espiritual fidedigno e procurar compreender perfeitamente os mundos material e espiritual e sua própria posição existencial. Aqui, as palavras anvaya-vyatirekābhyām, “direta e indiretamente”, sugerem que devemos aprender o processo de serviço devocional sob seus dois aspectos: devemos executar diretamente o processo de serviço devocional e, indiretamente, evitar os obstáculos ao progresso.
Texto
śikṣā-guruś ca bhagavān śikhi-piñcha-mauliḥ
yat-pāda-kalpataru-pallava-śekhareṣu
līlā-svayaṁvara-rasaṁ labhate jayaśrīḥ
Sinônimos
cintāmaṇiḥ jayati — todas as glórias a Cintāmaṇi; soma-giriḥ — Somagiri (o guru iniciador); guruḥ — mestre espiritual; me — meu; śikṣā-guruḥ — mestre espiritual instrutor; ca — e; bhagavān — a Suprema Personalidade de Deus; śikhi-piñcha — com penas de pavão; mauliḥ — cuja cabeça; yat — cujos; pāda — dos pés de lótus; kalpataru — como árvores-dos-desejos; pallava — como folhas frescas; śekhareṣu — às unhas dos pés; līlā-svayam-vara — de passatempos conjugais; rasam — doçura; labhate — obtém; jaya-śrīḥ — Śrīmatī Rādhārāṇī.
Tradução
“Todas as glórias a Cintāmaṇi e a meu mestre espiritual iniciador, Somagiri. Todas as glórias a meu mestre espiritual instrutor, a Suprema Personalidade de Deus, que usa penas de pavão em Sua coroa. Sob a sombra de Seus pés de lótus, que são como árvores-dos-desejos, Jayaśrī [Rādhārāṇī] goza da doçura transcendental de uma consorte eterna.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso é do Kṛṣṇa-karṇāmṛta, que foi escrito por um grande sannyāsī vaiṣṇava chamado Bilvamaṅgala Ṭhākura, que é também conhecido como Līlāśuka. Ele desejou intensamente ingressar nos passatempos eternos do Senhor, e viveu em Vṛndāvana por setecentos anos nos arredores do Brahmākuṇḍa, um balneário ainda existente em Vṛndāvana. Num livro chamado Śrī Vallabha-digvijaya, narra-se a história de Bilvamaṅgala Ṭhākura. Ele apareceu no século oito da era Śaka, na província de Draviḍa, e foi o principal discípulo de Viṣṇusvāmī. Numa lista de templos e monastérios arquivada no monastério de Śaṅkarācārya em Dvārakā, menciona-se Bilvamaṅgala como o fundador do templo de Dvārakādhīśa daquela cidade. Ele confiou o serviço de sua Deidade a Hari Brahmacārī, um discípulo de Vallabha Bhaṭṭa.
Bilvamaṅgala Ṭhākura ingressou realmente nos passatempos transcendentais do Senhor Kṛṣṇa. Ele registrou suas experiências transcendentais e apreciações no livro conhecido como Kṛṣṇa-karṇāmṛta. No começo desse livro, ele oferece suas reverências a seus diferentes gurus, devendo-se observar que ele os adora a todos igualmente. O primeiro mestre espiritual mencionado é Cintāmaṇi, a qual foi sua mestra espiritual instrutora, pois foi a primeira pessoa a mostrar-lhe o caminho espiritual. Cintāmaṇi era uma prostituta com a qual Bilvamaṅgala tivera intimidade anteriormente em sua vida. Ela lhe deu a inspiração para iniciar o caminho do serviço devocional, e, como convenceu-o a abandonar a existência material para buscar a perfeição amando Kṛṣṇa, as primeiras reverências ele oferece a ela. A seguir, ele presta seus respeitos a seu mestre espiritual iniciador, Somagiri, e então à Suprema Personalidade de Deus, que também foi seu mestre espiritual instrutor. Ele é explícito ao mencionar Bhagavān, com penas de pavão em Sua coroa, porque o Senhor de Vṛndāvana, Kṛṣṇa, o vaqueirinho, costumava vir conversar com Bilvamaṅgala e fornecer-lhe leite. Em sua adoração a Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, ele descreve que Jayaśrī, ou Śrīmatī Rādhārāṇī, a deusa da fortuna, refugia-Se à sombra dos pés de lótus dEle para gozar da rasa transcendental do amor nupcial. Todo o tratado do Kṛṣṇa-karṇāmṛta é dedicado aos passatempos transcendentais de Śrī Kṛṣṇa e Śrīmatī Rādhārāṇī. É um livro para ser lido e entendido pelos mais elevados devotos de Śrī Kṛṣṇa.
Texto
śikṣā-guru haya kṛṣṇa-mahānta-svarūpe
Sinônimos
jīve — pela entidade viva; sākṣāt — experiência direta; nāhi — não há; tāte — portanto; guru — o mestre espiritual; caittya-rūpe — sob a forma da Superalma; śikṣā-guru — o mestre espiritual instrutor; haya — aparece; kṛṣṇa — Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus; mahānta — o maior devoto; svarūpe — sob a forma de.
Tradução
Como não se pode experimentar visualmente a presença da Superalma, Ele aparece ante nós como um devoto liberado. Semelhante mestre espiritual não é outro senão o próprio Kṛṣṇa.
Comentário
SIGNIFICADO—Não é possível que uma alma condicionada se encontre diretamente com Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus. Porém, caso alguém se torne um devoto sincero e se dedique seriamente ao serviço devocional, o Senhor Kṛṣṇa envia-lhe um mestre espiritual instrutor para favorecê-lo e invocar sua propensão adormecida de servir ao Supremo. O preceptor aparece perante os sentidos externos da alma condicionada afortunada, e, ao mesmo tempo, o devoto é orientado internamente pelo caittya-guru, Kṛṣṇa, que está sentado como o mestre espiritual dentro do coração da entidade viva.
Texto
satsu sajjeta buddhi-mān
santa evāsya chindanti
mano-vyāsaṅgam uktibhiḥ
Sinônimos
tataḥ — portanto; duḥsaṅgam — más companhias; utsṛjya — abandonando; satsu — com os devotos; sajjeta — deve-se associar-se; buddhimān — uma pessoa inteligente; santaḥ — devotos; eva — certamente; asya — de uma pessoa; chindanti — cortam; manaḥ-vyāsaṅgam — apegos desfavoráveis; uktibhiḥ — com suas instruções.
Tradução
“Portanto, deve-se evitar as más companhias e associar-se somente com devotos. Tais santos, com suas instruções vivenciadas, podem cortar o nó que vincula uma pessoa a atividades desfavoráveis ao serviço devocional.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso, que aparece no Śrīmad-Bhāgavatam (11.26.26), foi falado pelo Senhor Kṛṣṇa a Uddhava no texto conhecido como Uddhava-gītā. A conversa se relaciona com a história de Purūravā e da cortesã celestial Urvaśī. Quando Urvaśī deixou Purūravā, a saudade afetou-o profundamente, o que o forçou a aprender a superar sua aflição.
Indica-se que, para aprender a ciência transcendental, é imprescindível evitar a companhia de pessoas indesejáveis e sempre buscar a companhia de santos e sábios que sejam capazes de administrar lições de conhecimento transcendental. As potentes palavras de tais almas realizadas penetram o coração, erradicando, assim, todas as apreensões acumuladas por anos de associação indesejável. Para o devoto neófito, há duas classes de pessoas cuja associação é indesejável: (1) os materialistas grosseiros constantemente ocupados em gozo dos sentidos e (2) os descrentes que não servem à Suprema Personalidade de Deus, senão que servem a seus sentidos e a seus caprichos mentais em termos de seus hábitos especulativos. Pessoas inteligentes que buscam a compreensão transcendental devem evitar muito escrupulosamente a companhia dessas duas classes de pessoas.
Texto
bhavanti hṛt-karṇa-rasāyanāḥ kathāḥ
taj-joṣaṇād āśv apavarga-vartmani
śraddhā ratir bhaktir anukramiṣyati
Sinônimos
satām — dos devotos; prasaṅgāt — pela associação íntima; mama — de Mim; vīrya-saṁvidaḥ — conversas plenas de potência espiritual; bhavanti — aparecem; hṛt — ao coração; karṇa — e aos ouvidos; rasa-āyanāḥ — uma fonte de doçura; kathāḥ — conversas; tat — deles; joṣaṇāt — do cultivo adequado; āśu — rapidamente; apavarga — da liberação; vartmani — no caminho; śraddhā — fé; ratiḥ — atração; bhaktiḥ — amor; anukramiṣyati — vão suceder-se um após o outro.
Tradução
“A mensagem espiritualmente poderosa da Divindade só pode ser discutida adequadamente numa sociedade de devotos, e é agradabilíssimo ouvi-la em tal companhia. Para quem ouve os devotos falarem, o caminho da experiência transcendental abre-se rapidamente, e, aos poucos, ele adquire um gosto pelo conhecimento, e esse gosto, com o transcurso do tempo, transforma-se em atração e devoção.”
Comentário
SIGNIFICADO—Esse verso aparece no Śrīmad-Bhāgavatam (3.25.25), onde Kapiladeva responde às perguntas de Sua mãe, Devahūti, sobre o processo de serviço devocional. À medida que alguém avança em suas atividades devocionais, o processo torna-se progressivamente mais claro e mais encorajador. A menos que se obtenha esse encorajamento espiritual, seguindo as instruções do mestre espiritual, não é possível avançar. Portanto, testamos nosso serviço devocional pelo desenvolvimento de nosso gosto em executar essas instruções. A princípio, é preciso desenvolver confiança, ouvindo a ciência da devoção da parte de um mestre espiritual qualificado. Então, à medida que nos associamos com devotos e tentamos adotar os métodos ensinados pelo mestre espiritual em nossa própria vida, nossas apreensões e outros obstáculos desaparecem graças a nossa execução de serviço devocional. Um forte apego ao transcendental serviço ao Senhor desenvolve-se à medida que continuamos ouvindo as mensagens da Divindade, e, caso prossigamos firmemente dessa maneira, com toda a certeza elevar-nos-emos ao amor espontâneo pela Suprema Personalidade de Deus.
Texto
bhaktera hṛdaye kṛṣṇera satata viśrāma
Sinônimos
īśvara — a Suprema Personalidade de Deus; sva-rūpa — idêntico; bhakta — o devoto puro; tāṅra — Sua; adhiṣṭhāna — morada; bhaktera — do devoto; hṛdaye — no coração; kṛṣṇera — do Senhor Kṛṣṇa; satata — sempre; viśrāma — o local de repouso.
Tradução
Um devoto puro constantemente ocupado no serviço amoroso ao Senhor é idêntico ao Senhor, que permanece sempre sentado em seu coração.
Comentário
SIGNIFICADO—A Suprema Personalidade de Deus é única e inigualável, e por isso é todo-poderosa. Ele tem energias inconcebíveis, três das quais são principais. O devoto é considerado uma dessas energias, e nunca o energético. O Senhor Supremo é sempre o energético. As energias relacionam-se com Ele com o objetivo de servi-lO eternamente. Pela graça de Kṛṣṇa e do mestre espiritual, uma entidade viva na fase condicional pode desvendar sua aptidão para servir à Verdade Absoluta. Então, o Senhor revela-Se dentro de seu coração, e ela pode compreender que Kṛṣṇa está sentado no coração de todo devoto puro. Na verdade, Kṛṣṇa encontra-Se situado no coração de toda entidade viva, mas apenas um devoto pode perceber esse fato.
Texto
sādhūnāṁ hṛdayaṁ tv aham
mad-anyat te na jānanti
nāhaṁ tebhyo manāg api
Sinônimos
sādhavaḥ — os santos; hṛdayam — coração; mahyam — Meu; sādhūnām — dos santos; hṛdayam — o coração; tu — deveras; aham — Eu; mat — além de Mim; anyat — outro; te — eles; na — não; jānanti — conhecem; na — não; aham — Eu; tebhyaḥ — além deles; manāk — levemente; api — mesmo.
Tradução
“Os santos são Meu coração, e apenas Eu sou seus corações. Eles não conhecem ninguém além de Mim, e por isso Eu não reconheço ninguém além deles como Meus.”
Comentário
SIGNIFICADO—Esse verso aparece no Śrīmad-Bhāgavatam (9.4.68) em relação com o mal-entendido entre Durvāsā Muni e Mahārāja Ambarīṣa. Durvāsā Muni tentou matar o rei por causa desse mal-entendido, mas a célebre arma de Deus, o cakra Sudarśana, apareceu em cena para proteger o devotado rei. Ao ser atacado pelo cakra Sudarśana, Durvāsā Muni fugiu com medo dessa arma e buscou o refúgio de todos os grandes semideuses do céu, os quais não foram capazes de protegê-lo. Portanto, Durvāsā Muni pediu perdão ao Senhor Viṣṇu. O Senhor Viṣṇu, porém, avisou-lhe que, se ele quisesse ser perdoado, teria de obter o perdão de Mahārāja Ambarīṣa, e não dEle. Nesse contexto, o Senhor Viṣṇu falou esse verso.
O Senhor, sendo pleno e livre de problemas, pode cuidar afetuosamente de Seus devotos. Seu interesse é elevar e proteger todos aqueles que se refugiam a Seus pés. Confia-se também a mesma responsabilidade ao mestre espiritual. O interesse do mestre espiritual fidedigno é ver como os devotos que se rendem a ele como o representante do Senhor podem progredir no serviço devocional. A Suprema Personalidade de Deus é sempre atenciosa com os devotos que se dedicam plenamente a cultivar conhecimento dEle, tendo se refugiado a Seus pés de lótus.
Texto
tīrtha-bhūtāḥ svayaṁ vibho
tīrthī-kurvanti tīrthāni
svāntaḥ-sthena gadā-bhṛtā
Sinônimos
bhavat — Vossa Graça; vidhāḥ — como; bhāgavatāḥ — devotos; tīrtha—locais sagrados de peregrinação; bhūtāḥ — existindo; svayam — eles próprios; vibho — ó onipotente; tīrthī-kurvanti — transformam em locais sagrados de peregrinação; tīrthāni — os locais sagrados; sva-antaḥ-sthena — estando situado em seus corações; gadābhṛtā — pela Personalidade de Deus.
Tradução
“Santos de vosso calibre são em si mesmos locais de peregrinação. Em virtude de sua pureza, eles são companheiros constantes do Senhor, e por isso podem purificar até mesmo os locais de peregrinação.”
Comentário
SIGNIFICADO—Mahārāja Yudhiṣṭhira falou este verso a Vidura no Śrīmad-Bhāgavatam (1.13.10). Em sua recepção a seu santo tio Vidura, que houvera visitado locais sagrados de peregrinação, Mahārāja Yudhiṣṭhira lhe disse que devotos puros como ele (Vidura) são a personificação dos locais sagrados porque a Suprema Personalidade de Deus está sempre com eles em seus corações. Através da associação com eles, pessoas pecaminosas livram-se das reações pecaminosas, e por isso, onde quer que um devoto puro vá, transforma-se em local sagrado de peregrinação. A importância de tais locais santos deve-se à presença ali de tais devotos puros.
Texto
pāriṣad-gaṇa eka, sādhaka-gaṇa āra
Sinônimos
sei — estes; bhakta-gaṇa — devotos; haya— são; dvi-vidha — duas; prakāra — variedades; pāriṣat-gaṇa — devotos reais; eka — um; sādhaka-gaṇa — devotos em perspectiva; āra — o outro.
Tradução
Semelhantes devotos puros enquadram-se em duas categorias: a dos associados pessoais [pāriṣats] e a dos devotos neófitos [sādhakas].
Comentário
SIGNIFICADO—Os servos perfeitos do Senhor são considerados Seus associados pessoais, ao passo que os devotos que estão se esforçando para alcançar a perfeição são chamados neófitos. Entre os associados, alguns sentem-se atraídos pelas opulências da Personalidade de Deus, e outros sentem-se atraídos pelo amor nupcial do Senhor. Os primeiros transferem-se ao reino de Vaikuṇṭha para prestar serviço devocional reverencial, ao passo que os segundos transferem-se a Vṛndāvana para servir diretamente a Śrī Kṛṣṇa.
Texto
aṁśa-avatāra, āra guṇa-avatāra
aṁśa-avatāra — puruṣa-matsyādika yata
Sinônimos
īśvarera — do Senhor Supremo; avatāra — encarnações; e-tina — estas três; prakāra —categorias; aṁśa-avatāra — encarnações parciais; āra — e; guṇa-avatāra — encarnações qualitativas; śakti-āveśa-avatāra — encarnações dotadas de poder; tṛtīya — a terceira; e-mata — assim; aṁśa-avatāra — encarnações parciais; puruṣa — as três encarnações puruṣa; matsya — a encarnação de peixe; ādika — e assim por diante; yata — todas.
Tradução
Há três categorias de encarnações de Deus: encarnações parciais, encarnações qualitativas e encarnações dotadas de poder. Os puruṣas e Matsya são exemplos de encarnações parciais.
Texto
śakty-āveśa — sanakādi, pṛthu, vyāsa-muni
Sinônimos
brahmā — o senhor Brahmā; viṣṇu — o Senhor Viṣṇu; śiva — o senhor Śiva; tina — três; guṇa-avatāre — entre as encarnações controladoras dos três modos da natureza material; gaṇi — eu enumero; śakti-āveśa — encarnações dotadas de poder; sanaka-ādi — os quatro Kumāras; pṛthu — o rei Pṛthu; vyāsa-muni — Vyāsadeva.
Tradução
Brahmā, Viṣṇu e Śiva são encarnações qualitativas. Encarnações tais como os Kumāras, o rei Pṛthu e Mahāmuni Vyāsa [o compilador dos Vedas] são encarnações dotadas de poder.
Texto
eke ta’ prakāśa haya, āre ta’ vilāsa
Sinônimos
dui-rūpe — sob duas formas; haya — são; bhagavānera — da Suprema Personalidade de Deus; prakāśa — manifestações; eke — em um; ta’ — certamente; prakāśa — manifestação; haya — é; āre — no outro; ta’ — certamente; vilāsa — ocupado em passatempos.
Tradução
A Personalidade de Deus manifesta-Se sob duas modalidades de formas: prakāśa e vilāsa.
Comentário
SIGNIFICADO—O Senhor Supremo expande Suas formas pessoais em duas categorias primárias. As formas prakāśa são manifestas pelo Senhor Kṛṣṇa para Seus passatempos, e as características delas são exatamente como as dEle. Ao casar-Se com dezesseis mil rainhas em Dvārakā, o Senhor Kṛṣṇa o fez em dezesseis mil expansões prakāśa. De modo semelhante, durante a dança da rāsa, Ele Se expandiu em formas prakāśa idênticas para dançar simultaneamente ao lado de cada uma das gopīs. Entretanto, quando o Senhor manifesta Suas expansões vilāsa, todas elas são um tanto diferentes em seus aspectos físicos. O Senhor Balarāma é a primeira expansão vilāsa do Senhor Kṛṣṇa, e as formas de Nārāyaṇa de quatro mãos em Vaikuṇṭha expandem-se de Balarāma. Não há diferença entre as formas corpóreas de Śrī Kṛṣṇa e Balarāma, exceto as cores de Seus corpos, que são diferentes. De modo semelhante, Śrī Nārāyaṇa em Vaikuṇṭha tem quatro mãos, ao passo que Kṛṣṇa tem apenas duas. As expansões do Senhor que manifestam semelhantes diferenças corpóreas são conhecidas como vilāsa-vigrahas.
Texto
ākāre ta’ bheda nāhi, eka-i svarūpa
ihāke kahiye kṛṣṇera mukhya ‘prakāśa’
Sinônimos
eka-i — a mesma; vigraha — pessoa; yadi — se; haya — torna-se; bahu-rūpa — muitas formas; ākāre — em aparência; ta’ — certamente; bheda — diferença; nāhi — não há; eka-i — uma; sva-rūpa — identidade; mahiṣī — com as rainhas de Dvārakā; vivāhe — no casamento; yaiche yaiche — de modo semelhante; kaila — Ele fez; rāsa — dança da rāsa; ihāke — isto; kahiye — eu digo; kṛṣṇera — de Kṛṣṇa; mukhya — principais; prakāśa — formas manifestas.
Tradução
Quando a Personalidade de Deus Se expande em muitas formas, todas com seus aspectos indiferenciados, como o Senhor Kṛṣṇa o fez ao casar-Se com dezesseis mil rainhas e ao executar sua dança da rāsa, semelhantes formas do Senhor chamam-se formas manifestas.
Texto
vapuṣā yugapat pṛthak
gṛheṣu dvy-aṣṭa-sāhasraṁ
striya eka udāvahat
Sinônimos
citram — espantoso; bata — oh!; etat — este; ekena — com uma; vapuṣā — forma; yugapat — simultaneamente; pṛthak — separadamente; gṛheṣu — nas casas; dvi-aṣṭa-sāhasram — dezesseis mil; śtriyaḥ — todas as rainhas; ekaḥ — o único Śrī Kṛṣṇa; udāvahat — casou-Se.
Tradução
“É espantoso que o Senhor Śrī Kṛṣṇa, que é único e inigualável, tenha Se expandido em dezesseis mil formas semelhantes para casar-Se com dezesseis mil rainhas em seus respectivos lares.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso é do Śrīmad-Bhāgavatam (10.69.2).
Texto
gopī-maṇḍala-maṇḍitaḥ
yogeśvareṇa kṛṣṇena
tāsāṁ madhye dvayor dvayoḥ
Sinônimos
rāsa-utsavaḥ — o festival da dança da rāsa; sampravṛttaḥ — teve início; gopī-maṇḍala — por grupos de gopīs; maṇḍitaḥ — decorado; yoga-īśvareṇa — pelo senhor de todos os poderes místicos; kṛṣṇena — pelo Senhor Kṛṣṇa; tāsām — delas; madhye — no meio; dvayoḥ dvayoḥ — de cada duas.
Tradução
“Ao começar as festividades da dança da rāsa, rodeado por grupos de vaqueirinhas, o Senhor Kṛṣṇa, o Senhor de todos os poderes místicos, colocou-Se entre cada duas das mocinhas.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso também é uma citação do Śrīmad-Bhāgavatam (10.33.3).
Texto
kaṇṭhe sva-nikaṭaṁ striyaḥ
yaṁ manyeran nabhas tāvad
vimāna-śata-saṅkulam
aty-autsukya-bhṛtātmanām
tato dundubhayo nedur
nipetuḥ puṣpa-vṛṣṭayaḥ
Sinônimos
praviṣṭena — tendo entrado; gṛhītānām — daquelas que abraçavam; kaṇṭhe — no pescoço; sva-nikaṭam — situado ao lado delas; striyaḥ — as gopīs; yam — em quem; manyeran —pensava; nabhaḥ — o céu; tāvat — imediatamente; vimāna — de aeroplanos; śata — com centenas; saṅkulam — apinhado; diva-okasām — dos semideuses; sadārāṇām — com suas esposas; atyautsukya — com ansiedade; bhṛta-ātmanām — cujas mentes estavam cheias; tataḥ — então; dundubhayaḥ — tambores; neduḥ — soavam; nipetuḥ — caíam; puṣpa-vṛṣṭayaḥ — chuvas de flores.
Tradução
“Quando as vaqueirinhas e Kṛṣṇa reuniram-se assim, cada mocinha pensava que Kṛṣṇa estava ternamente abraçando somente a ela. A fim de contemplarem esse maravilhoso passatempo do Senhor, os habitantes do céu e suas esposas, todos muito ansiosos de ver a dança, voavam no céu em suas centenas de aeroplanos. Eles jogavam flores e batiam docemente em tambores.”
Comentário
SIGNIFICADO—Esta é outra citação do Śrīmad-Bhāgavatam (10.33.4-5).
Texto
rūpasyaikasya yaikadā
sarvathā tat-svarūpaiva
sa prakāśa itīryate
Sinônimos
anekatra — em muitos locais; prakaṭatā — a manifestação; rūpasya — de forma; ekasya — uma; yā — que; ekadā — simultaneamente; sarvathā — sob todos os aspectos; tat — Sua; sva-rūpa — própria forma; eva — certamente; saḥ — essa; prakāśaḥ — forma manifestante; iti — então; īryate — chama-se.
Tradução
“Se numerosas formas, todas com suas características idênticas, manifestam-se simultaneamente, semelhantes formas chamam-se prakāśa-vigrahas do Senhor.”
Comentário
SIGNIFICADO—Esta é uma citação do Laghu-bhāgavatāmṛta (1.21), compilado por Śrīla Rūpa Gosvāmī.
Texto
aneka prakāśa haya, ‘vilāsa’ tāra nāma
Sinônimos
eka-i — uma; vigraha — forma; kintu — porém; ākāre — em aparência; haya — é; āna — diferente; aneka — muitas; prakāśa — manifestações; haya — aparecem; vilāsa — forma de passatempo; tāra — desta; nāma — o nome.
Tradução
Porém, quando as numerosas formas são levemente diferentes uma da outra, elas são chamadas vilāsa-vigrahas.
Texto
tasya bhāti vilāsataḥ
prāyeṇātma-samaṁ śaktyā
sa vilāso nigadyate
Sinônimos
sva-rūpam — a própria forma do Senhor; anya — outros; ākāram — aspectos do corpo; yat — que; tasya — Sua; bhāti — aparece; vilāsataḥ — de passatempos específicos; prāyeṇa — quase; ātma-samam — parecidas entre si; śaktyā — mediante Sua potência; saḥ — esta; vilasāḥ — a forma vilāsa (de passatempo); nigadyate — chama-se.
Tradução
“Quando o Senhor, mediante Sua potência inconcebível, manifesta numerosas formas com diferentes características, tais formas chamam-se vilāsa-vigrahas.”
Comentário
SIGNIFICADO—Essa é outra citação do Laghu-bhāgavatāmṛta.
Texto
yaiche vāsudeva pradyumnādi saṅkarṣaṇa
Sinônimos
yaiche — tais como; baladeva — Baladeva; para-vyome — no céu espiritual; nārāyaṇa — o Senhor Nārāyaṇa; yaiche — tais como; vāsudeva — Vāsudeva; pradyumna-ādi — Pradyumna, etc.; saṅkarṣaṇa — Saṅkarṣaṇa.
Tradução
Baladeva, Nārāyaṇa em Vaikuṇṭha-dhāma e o catur-vyūha – Vāsudeva, Saṅkarṣaṇa, Pradyumna e Aniruddha – são exemplos de tais vilāsa-vigrahas
Texto
eka lakṣmī-gaṇa, pure mahiṣī-gaṇa āra
vrajendra-nandana yā’te svayaṁ bhagavān
Sinônimos
īśvarera — do Senhor Supremo; śakti — energia; haya — é; e-tina — estas três; prakāra — classes; eka — uma; lakṣmī-gaṇa — as deusas da fortuna em Vaikuṇṭha; pure — em Dvārakā; mahisī-gaṇa — as rainhas; āra — e; vraje — em Vṛndāvana; gopī-gaṇa — as gopīs; āra — e; sabhate — dentre todas elas; pradhāna — o principal; vrajendra-nandana — Kṛṣṇa, o filho do rei de Vraja; yā’te — porque; svayam — Ele próprio; bhagavān — o Senhor primordial.
Tradução
Há três classes de energias (consortes) do Senhor Supremo: as Lakṣmīs em Vaikuṇṭha, as rainhas em Dvārakā e as gopīs em Vṛndāvana. Dentre todas, as gopīs são as melhores, pois têm o privilégio de servir a Śrī Kṛṣṇa, o Senhor primordial, o filho do rei de Vraja.
Texto
bhakta sahite haya tāṅhāra āvaraṇa
Sinônimos
svayam-rūpa — Sua própria forma original (o Kṛṣṇa de duas mãos); kṛṣṇera — do Senhor Kṛṣṇa; kāya-vyūha — expansões pessoais; tāṅra — a Ele; sama — idênticos; bhakta — os devotos; sahite — associados com; haya — são; tāṅhāra — Sua; āvaraṇa — cobertura.
Tradução
Os associados pessoais de Śrī Kṛṣṇa, o Senhor primordial, são Seus devotos, que são idênticos a Ele. Ele é completo com Seu séquito de devotos.
Comentário
SIGNIFICADO—Śrī Kṛṣṇa não é diferente de Suas diversas expansões pessoais em poder potencial. Essas expansões associam-se a expansões secundárias adicionais, ou expansões servidoras, que se chamam devotos.
Texto
e-sabhāra vandana sarva-śubhera kāraṇa
Sinônimos
bhakta — os devotos; ādi — e assim por diante; krame — em ordem; kaila — feita; sabhāra — da reunião; vandana — adoração; e-sabhāra — desta reunião; vandana — adoração; sarva-śubhera — de toda a boa fortuna; kāraṇa — a fonte.
Tradução
Até aqui adorei a todos os diversos níveis de devotos. A fonte de toda a boa fortuna está em adorá-los.
Comentário
SIGNIFICADO—Antes de oferecer orações ao Senhor, deve-se primeiramente oferecer orações a Seus devotos e associados.
Texto
dvitīya ślokete kari viśeṣa vandana
Sinônimos
prathama — primeiro; śloke — no verso; kahi — expresso; sāmānya — geral; maṅgala-ācaraṇa — invocação de bênção; dvitīya — segundo; ślokete — no verso; kari — faço; viśeṣa — específica; vandana — oferenda de orações.
Tradução
No primeiro verso, eu imploro uma benção geral, mas, no segundo, oro a uma forma específica do Senhor.
Texto
nityānandau sahoditau
gauḍodaye puṣpavantau
citrau śan-dau tamo-nudau
Sinônimos
vande — ofereço respeitosas reverências; śrī-kṛṣṇa-caitanya — ao Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya; nityānandau — e ao Senhor Nityānanda; saha-uditau — nascidos simultaneamente; gauḍa-udaye — no horizonte oriental de Gauḍa; puṣpavantau — o Sol e a Lua juntos; citrau — maravilhosos; śam-dau — abençoando; tamaḥ-nudau — dissipando a escuridão.
Tradução
“Ofereço minhas respeitosas reverências a Śrī Kṛṣṇa Caitanya e ao Senhor Nityānanda, que são como o Sol e a Lua. Eles nasceram simultaneamente no horizonte de Gauḍa para dissipar a escuridão da ignorância e, assim, abençoar maravilhosamente a todos.”
Texto
koṭī-sūrya-candra jini doṅhāra nija-dhāma
gauḍadeśe pūrva-śaile karilā udaya
Sinônimos
vraje — em Vraja (Vṛndāvana); ye — que; vihare — brincaram; pūrve — anteriormente; kṛṣṇa — o Senhor Kṛṣṇa; balarāma — o Senhor Balarāma; koṭī — milhões; sūrya — sóis; candra — luas; jini — ultrapassando; doṅhāra — dos dois; nija-dhāma — a refulgência; sei — estes; dui — dois; jagatere — para com o universo; ha-iyā — tornando-Se; sadaya — compassivos; gauḍa-deśe — no país de Gauḍa; pūrva-śaile — no horizonte oriental; karilā — fizeram; udaya — surgimento.
Tradução
Śrī Kṛṣṇa e Balarāma, as Personalidades de Deus, que anteriormente apareceram em Vṛndāvana e eram milhões de vezes mais refulgentes do que o Sol e a Lua, surgiram acima do horizonte oriental de Gauḍadeśa (Bengala Ocidental), compadecendo-Se do estado caído do mundo.Śrī Kṛṣṇa e Balarāma, as Personalidades de Deus, que anteriormente apareceram em Vṛndāvana e eram milhões de vezes mais refulgentes do que o Sol e a Lua, surgiram acima do horizonte oriental de Gauḍadeśa (Bengala Ocidental), compadecendo-Se do estado caído do mundo.
Texto
yāṅhāra prakāśe sarva jagat ānanda
Sinônimos
śrī-kṛṣṇa-caitanya — o Senhor Śrī Kṛṣṇa Caitanya; āra — e; prabhu nityānanda — o Senhor Nityānanda; yāṅhāra — de quem; prakāśe — com o aparecimento; sarva — todo; jagat — o mundo; ānanda — repleto de felicidade.
Tradução
O aparecimento de Śrī Kṛṣṇa Caitanya e Prabhu Nityānanda inundou o mundo de felicidade.
Texto
vastu prakāśiyā kare dharmera pracāra
tamo-nāśa kari’ kaila tattva-vastu-dāna
Sinônimos
sūrya-candra — o Sol e a Lua; hare — dissipam; yaiche — assim como; saha — tudo; andhakāra — escuridão; vastu — verdade; prakāśiyā — manifestando; kare — fazem; dharmera — de natureza intrínseca; pracāra — pregando; ei mata — assim; dui — dois; bhāi — irmãos; jīvera — do ser vivo; ajñāna — de ignorância; tamaḥ — da escuridão; nāśa — destruição; kari’ — fazendo; kaila — feito; tattva-vastu — da Verdade Absoluta; dāna — dádiva.
Tradução
Assim como o Sol e a Lua dissipam a escuridão com seu aparecimento e revelam a natureza de tudo, da mesma forma, estes dois irmãos dissipam a escuridão da ignorância dos seres vivos e iluminam-nos com o conhecimento da Verdade Absoluta.
Texto
dharma-artha-kāma-mokṣa-vāñchā ādi saba
Sinônimos
ajñāna-tamera — da escuridão da ignorância; nāma — nome; kahiye — eu chamo; kaitava —processo enganador; dharma — religiosidade; artha — desenvolvimento econômico; kāma —gozo dos sentidos; mokṣa — liberação; vāñchā — desejo de; ādi — e assim por diante; saba —todos.
Tradução
A escuridão da ignorância chama-se kaitava, o processo da enganação, que começa com religiosidade, desenvolvimento econômico, gozo dos sentidos e liberação.
Texto
vedyaṁ vāstavam atra vastu śiva-daṁ tāpa-trayonmūlanam
śrīmad-bhāgavate mahā-muni-kṛte kiṁ vā parair īśvaraḥ
sadyo hṛdy avarudhyate ’tra kṛtibhiḥ śuśrūṣubhis tat-kṣaṇāt
Sinônimos
dharmaḥ — religiosidade; projjhita — rejeitados inteiramente; kaitavaḥ — intenção fruitiva em que; atra — aqui; paramaḥ — o máximo; nirmatsarāṇām — dos cem por cento puros de coração; satām — devotos; vedyam — a ser entendido; vāstavam — real; atra — aqui; vastu — substância; śiva-dam — outorgando bem-estar; tāpa-traya — das três espécies de misérias; unmūlanam — ocasionando a mitigação; śrīmat — belo; bhāgavate — no Bhāgavata Purāṇa; mahā-muni — pelo grande sábio (Vyāsadeva); kṛte — compilado; kim — o que; vā — deveras; paraiḥ — com outras; īśvaraḥ — o Senhor Supremo; sadyaḥ — imediatamente; hṛdi — dentro do coração; avarudhyate — fica confinado; atra — aqui; kṛtibhiḥ — por homens piedosos; śuśrūṣubhiḥ — desejando ouvir; tat-kṣaṇāt — sem demora.
Tradução
“A grande escritura Śrīmad-Bhāgavatam, compilada por Mahāmuni Vyāsadeva a partir de quatro versos originais, descreve os devotos mais elevados e generosos e rejeita inteiramente os métodos enganadores de religiosidade motivada materialmente. Ela propõe o princípio máximo de religião eterna, que realmente pode mitigar as três espécies de misérias de um ser vivo e outorgar-lhe a bênção máxima de prosperidade e conhecimento plenos. Aquelas pessoas desejosas de ouvir a mensagem desta escritura com submissa atitude de serviço poderão cativar imediatamente o Senhor Supremo em seus corações. Portanto, não há necessidade de nenhuma outra escritura além do Śrīmad-Bhāgavatam.”
Comentário
SIGNIFICADO—Este verso aparece no Śrīmad-Bhāgavatam (1.1.2). As palavras mahāmuni-kṛte indicam que o Śrīmad-Bhāgavatam foi compilado pelo grande sábio Vyāsadeva, às vezes conhecido como Nārāyaṇa Mahāmuni, por ser uma encarnação de Nārāyaṇa. Por conseguinte, Vyāsadeva não é um homem comum, senão que é dotado de poder pela Suprema Personalidade de Deus. Ele compilou o belo Bhāgavatam para narrar alguns dos passatempos da Suprema Personalidade de Deus e Seus devotos.
No Śrīmad-Bhāgavatam, faz-se claramente uma distinção entre religião verdadeira e religião farsante. Segundo esse comentário genuíno e original sobre o Vedānta-sūtra, existem inúmeras fés farsantes que se fazem passar por religião, mas que negligenciam a verdadeira essência da religião. A verdadeira religião do ser vivo é sua qualidade natural e intrínseca, ao passo que a religião enganadora é uma forma de necedade que artificialmente encobre a consciência pura da entidade viva sob determinadas condições desfavoráveis. A religião verdadeira permanece latente quando a religião artificial domina a partir do plano mental. Ouvindo com pureza de coração, o ser vivo pode despertar esta religião adormecida.
O Śrīmad-Bhāgavatam prescreve um processo de religião diferente de todas as formas de religiosidade imperfeita. Pode-se considerar a religião a partir das três seguintes divisões: (1) o caminho do trabalho fruitivo, (2) o caminho do conhecimento e dos poderes místicos e (3) o caminho da adoração e do serviço devocional.
O caminho do trabalho fruitivo (karma-kāṇḍa), ainda que decorado com cerimônias religiosas destinadas a elevar nossa condição material, é um processo enganoso porque jamais poderá capacitar-nos a aliviar-nos da existência material e alcançar a meta máxima. Apesar da perpétua e árdua luta da entidade viva para livrar-se das aflições da existência material, o caminho do trabalho fruitivo só faz conduzi-la ou à felicidade temporária ou ao sofrimento temporário na existência material. O trabalho fruitivo piedoso nos coloca numa posição em que podemos sentir felicidade material temporariamente, ao passo que as atividades viciosas nos levam a uma posição miserável de carência e dificuldades materiais. No entanto, mesmo que sejamos postos na mais perfeita situação de felicidade material, dessa maneira não poderemos nos livrar das aflições de nascimento, morte, velhice e doença. Portanto, uma pessoa materialmente feliz necessita do alívio eterno que a religiosidade mundana fundamentada no trabalho fruitivo jamais poderá conceder.
Os caminhos do cultivo de conhecimento (jñāna-mārga) e de poderes místicos (yoga-mārga) são igualmente arriscados, pois não se sabe para onde se irá seguindo esses métodos incertos. Um filósofo empírico em busca de conhecimento espiritual poderá esforçar-se muito arduamente por muitos e muitos nascimentos especulando mentalmente. Porém, a menos e até que atinja a fase da mais pura qualidade da bondade – em outras palavras, até que transcenda o plano da especulação material –, não lhe será possível saber que tudo emana da Personalidade de Deus, Vāsudeva. Seu apego ao aspecto impessoal do Senhor Supremo o fará incapaz de elevar-se àquela fase transcendental de compreensão, vasudeva, e por isso, devido a seu estado mental sujo, ele deslizará novamente na existência material, mesmo após ter ascendido à fase máxima de liberação. Essa queda ocorrerá devido à sua carência de locus standi no serviço ao Senhor Supremo.
Quanto aos poderes místicos dos yogīs, eles são também enredamentos materiais no caminho da compreensão espiritual. Um erudito alemão que se tornou devoto de Deus na Índia disse que a ciência material já havia feito progresso louvável em copiar os poderes místicos dos yogīs. Portanto, ele não fora à Índia para aprender os métodos de poderes místicos dos yogīs, mas, sim, para aprender o caminho do transcendental serviço amoroso ao Senhor Supremo, mencionado na grande escritura Śrīmad-Bhāgavatam. Os poderes místicos podem tornar um yogī poderoso materialmente e assim dar-lhe alívio temporário dos sofrimentos de nascimento, morte, velhice e doença, como outras ciências materiais também podem fazer. Porém, semelhantes poderes místicos não poderão jamais ser uma fonte permanente de alívio desses sofrimentos. Portanto, segundo a escola Bhāgavata, esse caminho de religiosidade é também um método de enganar seus seguidores. Na Bhagavad-gīta, define-se claramente que o yogī místico mais elevado e poderoso é aquele que pode pensar constantemente no Senhor Supremo dentro de seu coração e ocupar-se no serviço amoroso ao Senhor.
O caminho de adoração aos inúmeros devas, ou semideuses administrativos, é ainda mais arriscado e incerto do que os processos de karma-kāṇḍa e jñāna-kāṇḍa supramencionados. Pessoas que ficam cegas por um intenso desejo de gozo dos sentidos aceitam esse sistema de adorar muitos deuses, tais como Durgā, Śiva, Ganeṣa, Sūrya e a forma impessoal de Viṣṇu. Tal adoração pode, com certeza, satisfazer os desejos de gozo dos sentidos de alguém caso seja executada adequadamente, conforme os ritos mencionados nos śāstras, que atualmente, nesta era de carência e dificuldades, são muito difíceis de serem executados. Porém, o sucesso obtido mediante tais métodos é, sem dúvida, transitório, e é adequado apenas para uma pessoa menos inteligente. Esse é o veredito da Bhagavad-gīta. Nenhum homem sensato deve contentar-se com tais benefícios temporários.
Nenhum dos três caminhos religiosos supramencionados pode nos libertar das três espécies de sofrimentos da existência material, a saber, sofrimentos causados pelo corpo e pela mente, sofrimentos causados por outras entidades vivas, e sofrimentos causados pelos semideuses. No entanto, o processo religioso descrito no Śrīmad-Bhāgavatam é capaz de dar a seus seguidores alívio permanente das três espécies de sofrimentos. O Bhāgavatam descreve a forma máxima de religião – restabelecimento da entidade viva em sua posição original de transcendental serviço amoroso ao Senhor Supremo. Tal religião é livre das infecções de desejos de gozo dos sentidos, trabalho fruitivo e cultivo de conhecimento com o fim de fundir-se no Absoluto para tornar-se uno com o Senhor Supremo.
Deve-se considerar qualquer processo de religiosidade baseado em gozo dos sentidos, grosseiro ou sutil, como religião farsante por não ser capaz de dar proteção perpétua a seus seguidores. A palavra projjhita é significativa. Pra significa “completa”, e ujjhita, “rejeição.” Religiosidade sob a forma de trabalho fruitivo é diretamente um método de gozo dos sentidos grosseiro, ao passo que o processo de cultivar conhecimento espiritual com vistas a tornar-se uno com o Absoluto é um método de gozo dos sentidos sutil. No processo de bhāgavatadharma, ou a religião transcendental que é função eterna do ser vivo, rejeita-se inteiramente toda a espécie de religiosidade enganadora baseada em gozo dos sentidos grosseiro ou sutil.
Bhāgavata-dharma, ou o princípio religioso descrito no Śrīmad-Bhāgavatam, do qual a Bhagavad-gītā é um estudo preliminar, destina-se às pessoas liberadas da classe mais elevada, que atribuem pouquíssimo valor ao gozo dos sentidos da religiosidade enganadora. A primeira e principal preocupação dos trabalhadores fruitivos, elevacionistas, filósofos empíricos e salvacionistas é melhorar suas posições materiais. Os devotos de Deus, porém, não têm tais desejos egoístas. Eles servem ao Senhor Supremo apenas para a satisfação dEle. Śrī Arjuna, desejando a princípio satisfazer seus sentidos tornando-se um dito homem piedoso e não-violento, decidiu não lutar. Porém, ao situar-se plenamente nos princípios de bhāgavata-dharma, culminando em rendição completa à vontade do Senhor Supremo, ele mudou de ideia e concordou em lutar para a satisfação do Senhor. Então, ele disse:
sthito ’smi gata-sandehaḥ kariṣye vacanaṁ tava
“Meu querido Kṛṣṇa, ó pessoa infalível, agora minha ilusão se foi. Por Tua misericórdia, recuperei minha memória, e agora estou firme, livre de dúvidas e pronto para agir de acordo com Tuas instruções.” (Bhagavad-gītā 18.73) Situar-se nessa consciência pura é a posição constitucional da entidade viva. Portanto, deve-se considerar qualquer dito processo religioso que interfira com essa posição espiritual inadulterada do ser vivo como um processo de religiosidade enganadora.
A verdadeira forma de religião é o espontâneo serviço amoroso ao Senhor. Essa relação de serviço do ser vivo com a Absoluta Personalidade de Deus é eterna. Descreve-se a Personalidade de Deus como vastu, ou a Substância, e as entidades vivas como vāstavas, ou as inumeráveis amostras da Substância em existência relativa. Não se pode jamais destruir a relação dessas porções substantivas com a Substância Suprema, pois é uma qualidade eterna inerente ao ser vivo.
Pelo contato com a natureza material, as entidades vivas manifestam variados sintomas da doença da consciência material. O objetivo supremo da vida humana é curar essa doença material. O processo para o tratamento dessa doença chama-se bhāgavata-dharma ou sanātana-dharma – a religião verdadeira. Descreve-se isso nas páginas do Śrīmad-Bhāgavatam. Portanto, qualquer pessoa que, devido a seus antecedentes de atividades piedosas em vidas anteriores, esteja ansiosa por ouvir, compreende imediatamente a presença do Senhor Supremo dentro de seu coração e cumpre a missão de sua vida.
Texto
yāhā haite kṛṣṇa-bhakti haya antardhāna
Sinônimos
tāra — deles; madhye — no meio; mokṣa-vāñchā — o desejo de fundir-se no Supremo; kaitava — dos processos enganadores; pradhāna — o principal; yāhā haite — do qual; kṛṣṇa-bhakti — devoção ao Senhor Kṛṣṇa; haya — torna-se; antardhāna — desaparecimento.
Tradução
O principal processo de enganação consiste em desejar alcançar a liberação, fundindo-se no Supremo, porque isso provoca o desaparecimento permanente do serviço amoroso a Kṛṣṇa.
Comentário
SIGNIFICADO—O desejo de fundir-se no Brahman impessoal é o tipo mais sutil de ateísmo. A partir do momento em que se encoraja tal ateísmo, disfarçado com as vestes da liberação, a pessoa torna-se completamente incapaz de trilhar o caminho do serviço devocional à Suprema Personalidade de Deus.
Texto
Sinônimos
pra-śabdena — pelo prefixo “pra”; mokśābhisandhiḥ — a intenção da liberação; api —certamente; nirastaḥ — anulado; iti — assim.
Tradução
“O prefixo ‘pra’ [no verso do Śrīmad-Bhāgavatam] indica que o desejo de liberação é inteiramente rejeitado.”
Comentário
SIGNIFICADO—Esta é uma anotação feita por Śrīdhara Svāmī, o grande comentador do Śrīmad-Bhāgavatam.
Texto
seha eka jīvera ajñāna-tamo-dharma
Sinônimos
kṛṣṇa-bhaktira — do serviço devocional a Kṛṣṇa; bādhaka — obstáculo; yata — toda; śubha-aśubha — tanto auspiciosa quanto inauspiciosa; karma — atividade; seha — essa; eka — uma; jīvera — da entidade viva; ajñāna-tamaḥ — da escuridão da ignorância; dharma — o caráter.
Tradução
Todas as espécies de atividades, tanto auspiciosas quanto inauspiciosas, que sejam prejudiciais ao desempenho do transcendental serviço amoroso ao Senhor Śrī Kṛṣṇa são ações da escuridão da ignorância.
Comentário
SIGNIFICADO—A comparação poética do Senhor Caitanya e do Senhor Nityānanda ao Sol e à Lua é muito significativa. As entidades vivas são centelhas espirituais, e têm sua posição constitucional no serviço devocional ao Senhor Supremo em plena consciência de Kṛṣṇa. As ditas atividades piedosas e outras execuções ritualísticas, piedosas ou impiedosas, bem como o desejo de escapar da existência material, são todos considerados coberturas dessas centelhas espirituais. As entidades vivas precisam livrar-se dessas coberturas supérfluas para se ocuparem plenamente em consciência de Kṛṣṇa. O propósito do aparecimento do Senhor Caitanya e do Senhor Nityānanda é dissipar a escuridão da alma. Antes do aparecimento dEles, todas essas atividades supérfluas das entidades vivas estavam cobrindo a consciência de Kṛṣṇa, mas, após o aparecimento desses dois irmãos, o coração das pessoas está se limpando, e elas estão novamente se situando na verdadeira posição de consciência de Kṛṣṇa.
Texto
tamo nāśa kari’ kare tattvera prakāśa
Sinônimos
yāṅhāra — cuja; prasāde — pela graça; ei — esta; tamaḥ — escuridão; haya — é; nāśa — destruída; tamaḥ — escuridão; nāśa — destruição; kari’ — fazendo; kare — faz; tattvera — da verdade; prakāśa — descoberta.
Tradução
Pela graça do Senhor Caitanya e do Senhor Nityānanda, elimina-se essa escuridão de ignorância e traz-se à tona a verdade.
Texto
nāma-saṅkīrtana — saba ānanda-svarūpa
Sinônimos
tattva-vastu — Verdade Absoluta; kṛṣṇa — o Senhor Kṛṣṇa; kṛṣṇa-bhakti — serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa; prema-rūpa — tomando a forma de amor pelo Senhor Kṛṣṇa; nāma- saṅkīrtana — canto congregacional do santo nome; saba — toda; ānanda — de bem-aventurança; sva-rūpa — a identidade.
Tradução
A Verdade Absoluta é Śrī Kṛṣṇa, e a devoção amorosa a Śrī Kṛṣṇa manifesta com amor puro é alcançada através do canto congregacional do santo nome, que é a essência de toda a bem-aventurança.
Texto
bahir-vastu ghaṭa-paṭa-ādi se prakāśe
Sinônimos
sūrya — o Sol; candra — a Lua; bāhirera — do mundo externo; tamaḥ — escuridão; se — eles; vināśe — destroem; bahiḥ-vastu — coisas externas; ghaṭa — potes d’água; paṭa-ādi —pratos, etc.; se — eles; prakāśe — revelam.
Tradução
O Sol e a Lua dissipam a escuridão do mundo externo e, assim, revelam objetos materiais externos, tais como potes e pratos.
Texto
dui bhāgavata-saṅge karāna sākṣātkāra
Sinônimos
dui — dois; bhāi — irmãos; hṛdayera — do coração; kṣāli’ — purificando; andhakāra — escuridão; dui bhāgavata — dos dois bhāgavatas; saṅge — pela associação; karāna — causa; sākṣātkāra — um encontro.
Tradução
Mas esses dois irmãos (o Senhor Caitanya e o Senhor Nityānanda) dissipam a escuridão do mais profundo recôndito do coração e, deste modo, ajudam-nos a encontrar as duas classes de bhāgavatas (pessoas ou coisas relacionadas com a Personalidade de Deus).
Texto
āra bhāgavata — bhakta bhakti-rasa-pātra
Sinônimos
eka — um; bhāgavata — em relação com o Senhor Supremo; baḍa — grande; bhāgavata-śāstra — o Śrīmad-Bhāgavatam; āra — o outro; bhāgavata — em relação com o Senhor Supremo; bhakta — devoto puro; bhakti-rasa — da doçura da devoção; pātra — o recipiente.
Tradução
Um dos bhāgavatas é a grande escritura Śrīmad-Bhāgavatam, e o outro é o devoto puro absorto nas doçuras da devoção amorosa.
Texto
tāṅhāra hṛdaye tāṅra preme haya vaśa
Sinônimos
dui — dois; bhāgavata — os bhāgavatas; dvārā — por meio; diyā — dando; bhakti-rasa — inspiração devocional; tāṅhāra — de Seu devoto; hṛdaye — no coração; tāṅra — seu; preme — pelo amor; haya — fica; vaśa — sob o controle.
Tradução
Por meio das ações desses dois bhāgavatas, o Senhor instila as doçuras do transcendental serviço amoroso no coração do ser vivo, e assim o Senhor, no coração de Seu devoto, deixa-Se controlar pelo amor do devoto.
Texto
āra adbhuta — citta-guhāra tamaḥ kare nāśa
Sinônimos
eka — uma; adbhuta — coisa maravilhosa; sama-kāle — ao mesmo tempo; doṅhāra — de ambos; prakāśa — a manifestação; āra — a outra; adbhuta — coisa maravilhosa; citta-guhāra — do âmago do coração; tamaḥ — escuridão; kare — fazem; nāśa — destruição.
Tradução
A primeira maravilha é que ambos os irmãos aparecem simultaneamente, e a outra é que Eles iluminam as mais recônditas profundezas do coração.
Texto
jagatera bhāgye gauḍe karilā udaya
Sinônimos
ei — estes; candra — Lua; sūrya — Sol; dui — dois; parama — muitíssimo; sadaya — bondosos; jagatera — das pessoas do mundo; bhāgye — para a sorte; gauḍe — na terra de Gauḍa; karilā — fizeram; udaya — o aparecimento.
Tradução
Esses dois, o Sol e a Lua, são muito bondosos com as pessoas do mundo. Assim, para a boa sorte de todos, Eles apareceram no horizonte da Bengala.
Comentário
SIGNIFICADO—A famosa capital antiga da dinastia Sena, que era conhecida como Gauḍadeśa, ou Gauḍa, encontrava-se onde atualmente é o moderno distrito de Maldah. Mais tarde, transferiu-se essa capital para a nona ilha, ou ilha central, em Navadvipa, na margem ocidental do Ganges, que agora é conhecida como Māyāpur, antes chamada de Gauḍapura. O Senhor Caitanya apareceu ali, e o Senhor Nityānanda veio do distrito de Birbhum e ali juntou-Se a Ele. Eles apareceram no horizonte de Gauḍadeśa para propagar a ciência da consciência de Kṛṣṇa, e diz a predição que, assim como o Sol e a Lua gradualmente se movem para o oeste, analogamente, pela misericórdia dEles, o movimento iniciado por Eles há quinhentos anos vai introduzir-se nas civilizações ocidentais.
Caitanya Mahāprabhu e Nityānanda Prabhu eliminam as cinco espécies de ignorância das almas condicionadas. Descrevem-se essas cinco espécies de ignorância no Mahābhārata, Udyoga-parva, quadragésimo terceiro capítulo. Elas são: (1) aceitar o corpo como sendo o eu, (2) fazer do gozo material dos sentidos o padrão de prazer, (3) ficar ansioso devido à identificação material, (4) lamentar-se e (5) pensar que existe algo além da Verdade Absoluta. Os ensinamentos do Senhor Caitanya erradicam essas cinco espécies de ignorância. Deve-se saber que qualquer coisa que se veja ou então se experimente não passa de mera manifestação da energia da Suprema Personalidade de Deus. Tudo é manifestação de Kṛṣṇa.
Texto
yāṅhā ha-ite vighna-nāśa abhīṣṭa-pūraṇa
Sinônimos
sei — estes; dui — dois; prabhura — dos Senhores; kari — faço; caraṇa — pés; vandana —reverências; yāṅhā ha-ite — da qual; vighna-nāśa — destruição de obstáculos; abhīṣṭa-pūraṇa — satisfação de desejos.
Tradução
Portanto, adoremos os santos pés desses dois Senhores. Desta maneira, podemos nos livrar de todas as dificuldades no caminho da autorrealização.
Texto
tṛtīya ślokera artha śuna sarva-jana
Sinônimos
ei — estes; dui — dois; śloke — nos versos; kaila — fiz; maṅgala — auspiciosa; vandana —reverência; tṛtīya — terceiro; ślokera — do verso; artha — significado; śuna — por favor, ouvi; sarva-jana — todos.
Tradução
Com esses dois versos, invoquei as bênçãos de ambos os Senhores. Agora, por favor, ouve com atenção o significado do terceiro.
Texto
vistāre nā varṇi, sārārtha kahi alpākṣare
Sinônimos
vaktavya — das palavras a serem ditas; bāhulya — elaboração; grantha — do livro; vistārera — do grande volume; ḍare — com medo; vistāre — sob forma expandida; nā — não; varṇi — descrevo; sāra-artha — significado essencial; kahi — digo; alpa-akṣare — em poucas palavras.
Tradução
Evito propositalmente estender-me na descrição com medo de aumentar o volume deste livro. Descreverei a essência tão concisamente quanto possível.
Texto
Sinônimos
mitam — concisa; ca — e; sāram — essencial; ca — e; vacaḥ — palavras; hi — certamente; vāk-mitā — eloquência; iti — assim.
Tradução
“Eloquência verdadeira é a verdade essencial falada concisamente.”
Texto
kṛṣṇe gāḍha prema habe, pāibe santoṣa
Sinônimos
śunile — por ouvir; khaṇḍibe — eliminará; cittera — do coração; ajñāna-ādi — de ignorância, etc.; doṣa — as imperfeições; kṛṣṇe — no Senhor Kṛṣṇa; gāḍha — profundo; prema — amor; habe — haverá; pāibe — obterá; santoṣa — satisfação.
Tradução
O simples fato de ouvir com submissão livrará o coração de uma pessoa de todas as imperfeições da ignorância, e, assim, ela alcançará profundo amor por Kṛṣṇa. Esse é o caminho da paz.
Texto
tāṅra bhakta-bhakti-nāma-prema-rasa-tattva
śunile jānibe saba vastu-tattva-sāra
Sinônimos
śrī-caitanya — do Senhor Caitanya Mahāprabhu; nityānanda — do Senhor Nityānanda Prabhu; advaita — de Śrī Advaita; mahattva — grandeza; taṅra — Seus; bhakta — devotos; bhakti — devoção; nāma — nomes; prema — amor; rasa — doçuras; tattva — natureza real; bhinna bhinna — diferente; likhiyāchi — escrevi; kariyā — fazendo; vicāra — consideração; śunile — ao ouvir; jānibe — saberá; saba — tudo; vastu-tattva-sāra — a essência da Verdade Absoluta.
Tradução
Quem ouvir pacientemente sobre as glórias de Śrī Caitanya Mahāprabhu, Śrī Nityānanda Prabhu e Śrī Advaita Prabhu – bem como de Seus devotos, atividades devocionais, nomes, fama, e sobre as doçuras das transcendentais trocas amorosas entre Eles – aprenderá a essência da Verdade Absoluta. Portanto, descrevo esses temas (no Caitanya-caritāmṛta) com lógica e discriminação.
Texto
caitanya-caritāmṛta kahe kṛṣṇadāsa
Sinônimos
śrī-rūpa — Śrīla Rūpa Gosvāmī; raghunātha — Śrīla Raghunātha Dāsa Gosvāmī; pade — aos pés de lótus; yāra — cuja; āśa — expectativa; caitanya-caritāmṛta — o livro chamado Caitanya-caritāmṛta; kahe — descreve; kṛṣṇa-dāsa — Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī.
Tradução
Orando aos pés de lótus de Śrī Rūpa e Śrī Raghunātha, desejando sempre a misericórdia deles, eu, Kṛṣṇadāsa, narro o Śrī Caitanya-caritāmṛta, seguindo seus passos.
Comentário
Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do Śrī Caitanya-caritāmṛta, Ādi-līlā, primeiro capítulo, descrevendo os mestres espirituais.