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ŚB 4.24.45-46

Texto

snigdha-prāvṛḍ-ghana-śyāmaṁ
sarva-saundarya-saṅgraham
cārv-āyata-catur-bāhu
sujāta-rucirānanam
padma-kośa-palāśākṣaṁ
sundara-bhru sunāsikam
sudvijaṁ sukapolāsyaṁ
sama-karṇa-vibhūṣaṇam

Sinônimos

snigdha — cintilando; prāvṛṭ — estação das chuvas; ghana­-śyāmam — densamente nublada; sarva — toda; saundarya — beleza; saṅgraham — conjunto; cāru — belo; āyata — feição corpórea; catuḥ-­bāhu — ao de quatro braços; su-jāta — absolutamente belo; rucira­ — muito agradável; ānanam — rosto; padma-kośa — o cálice da flor de lótus; palāśa — pétalas; akṣam — olhos; sundara — belos; bhru — so­brancelhas; su-nāsikam — nariz arrebitado; su-dvijam — belos dentes; su-kapola — bela testa; āsyam — rosto; sama-karṇa — orelhas igual­mente belas; vibhūṣaṇam — plenamente decoradas.

Tradução

A beleza do Senhor parece com aquela de uma nuvem negra durante a estação das chuvas. Assim como a chuva cintila, Suas feições corpóreas também cintilam. Na verdade, Ele é o somatório de toda beleza. O Senhor tem quatro braços e um rosto extraor­dinariamente belo, com olhos semelhantes a pétalas de lótus, um belo nariz arrebitado, um sorriso que atrai todas as mentes, uma bela testa e orelhas igualmente belas e plenamente decoradas.

Comentário

SIGNIFICADO––Após o calor escaldante do verão, é muito agradável ver nuvens negras no céu. Como se confirma na Brahma-saṁhitā: barhāvataṁ­sam asitāmbuda-sundarāṅgam: o Senhor usa uma pena de pavão em Seu cabelo, e Sua tez corpórea é semelhante a uma nuvem negra. A palavra sundara, ou snigdha, significa “muito agradável”. Kandarpa-koṭi-kamanīya. A beleza de Kṛṣṇa é tão agradável que nem mesmo milhões e milhões de Cupidos podem competir com ela. A forma do Senhor como Viṣṇu é decorada com toda a opulên­cia; portanto, o senhor Śiva se esforça para ver essa forma opu­lentíssima de Nārāyaṇa, ou Viṣṇu. De um modo geral, a adoração ao Senhor começa com a adoração a Nārāyaṇa, ou Viṣṇu, ao passo que a adoração ao Senhor Kṛṣṇa e Rādhā é muito confidencial. O Senhor Nārāyaṇa pode ser adorado mediante pāñcarātrika-vidhi, ou princípios reguladores, ao passo que o Senhor Kṛṣṇa pode ser adorado mediante bhāgavata-vidhi. Ninguém pode adorar o Senhor mediante bhāgavata-vidhi sem se submeter aos regulamentos de pāñcarātrika-vidhi. Na verdade, os devotos neófitos adoram o Senhor de acordo com pāñcarātrika-vidhi, ou os princípios reguladores prescritos no Nārada-pañcarātra. Os devotos neófitos não podem aproximar-se de Rādhā-Kṛṣṇa; portanto, a adoração no templo segundo princípios reguladores é oferecida a Lakṣmī-Nārāyaṇa. Embora possa haver um vigraha, ou forma, de Rādhā-Kṛṣṇa, a adoração dos devotos neófitos é aceita como adoração a Lakṣmī­­-Nārāyaṇa. A adoração segundo o pāñcarātrika-vidhi chama-se vidhi­-mārga, e a adoração segundo os princípios de bhāgavata-vidhi chama-se rāga-mārga. Os princípios de rāga-mārga destinam-se especialmente a devotos que se elevaram à plataforma de Vṛndāvana.

Os habitantes de Vṛndāvana – as gopīs, mãe Yaśodā, Nanda Mahārāja, os vaqueirinhos, as vacas e assim por diante – estão realmente na plataforma de rāga-mārga ou bhāgavata-mārga. Eles participam de cinco rasas básicas – dāsya, sakhya, vātsalya, mādhurya e śānta. Porém, embora essas cinco rasas sejam encontradas em bhāgavata-mārga, bhāgavata-mārga se destina especialmente a vātsalya e mādhurya, ou seja, a relação de pai ou mãe e a relação conjugal. Todavia, existe vipralambha-sakhya, a superior ado­ração fraternal ao Senhor desfrutada especialmente pelos vaquei­rinhos. Embora exista amizade entre Kṛṣṇa e os vaqueirinhos, essa amizade é diferente da amizade aiśvarya entre Kṛṣṇa e Arjuna. Ao ver a viśva-rūpa, a gigantesca forma universal do Senhor, Arjuna ficou temeroso por ter tratado Kṛṣṇa como se trata um amigo comum; portanto, ele implorou o perdão de Kṛṣṇa. Todavia, os vaqueiri­nhos que são amigos de Kṛṣṇa em Vṛndāvana, algumas vezes até mesmo montam sobre os ombros de Kṛṣṇa. Eles tratam Kṛṣṇa em nível de igualdade, assim como se tratam uns aos outros, e nunca têm medo dEle, tampouco pedem Seu perdão. Assim, a amizade de rāga-mārga, ou bhāgavata­-mārga, existe em uma plataforma superior com Kṛṣṇa, a saber, a plata­forma de amizade vipralambha. Amizade paternal, serviço paternal e serviço conjugal são visíveis nas relações rāga-mārga de Vṛndāvana.

Sem servir a Kṛṣṇa de acordo com os princípios reguladores vidhi-mārga do pāñcarātrika-vidhi, pessoas inescrupulosas querem pular imediatamente para os princípios de rāga-mārga. Semelhantes pessoas se chamam sahajiyās. Há também demônios que gostam de retratar Kṛṣṇa e Seus passatempos com as gopīs aproveitando-­se de Kṛṣṇa com suas naturezas licenciosas. Esses demônios, que imprimem livros e escrevem poemas sobre os princípios de rāga-­mārga, estão decerto a caminho do inferno. Infelizmente, eles arras­tam outros com eles. Os devotos em consciência de Kṛṣṇa devem ser muito cuidadosos em evitar esses demônios. Deve-se seguir estritamente os princípios reguladores de vidhi-mārga na adoração a Lakṣmī-Nārāyaṇa, embora o Senhor esteja presente no templo como Rādhā-Kṛṣṇa. Rādhā-Kṛṣṇa inclui Lakṣmī-Nārāyaṇa; portanto, quando alguém adora o Senhor segundo os princípios reguladores, o Senhor aceita o serviço no papel de Lakṣmī-Nārāyaṇa. O Néctar da Devoção apresenta instruções elaboradas sobre a adoração vidhi-mārga a Rādhā-Kṛṣṇa, ou Lakṣmī-Nārāyaṇa. Apesar de haver sessenta e quatro classes de ofensas que alguém pode cometer na adoração vidhi-mārga, na adoração rāga-mārga essas ofensas não são levadas em consideração porque os devotos nesta plataforma são muito elevados, e não há possibilidade de ofensa. Porém, se não seguirmos os princípios reguladores na plataforma vidhi-marga e não mantivermos nossos olhos treinados para reconhecer ofensas, então não faremos nenhum progresso.

Em sua descrição da beleza de Kṛṣṇa, o senhor Śiva usa as palavras cārvāyata-catur-bāhu sujāta-rucirānanam, indicando a bela forma de quatro braços de Nārāyaṇa, ou Viṣṇu. Aqueles que adoram o Senhor Kṛṣṇa descrevem-nO como sujāta-rucirānanam. Na catego­ria de viṣṇu-tattva, existem centenas, milhares e milhões de formas do Senhor Supremo, mas, dentre todas essas formas, a forma de Kṛṣṇa é a mais bela. Assim, aqueles que adoram Kṛṣṇa usam a palavra sujāta-rucirānanam.

Os quatro braços do Senhor Viṣṇu têm diferentes propósitos. As mãos que portam a flor de lótus e o búzio destinam-se aos devotos, ao passo que as outras duas mãos, que portam o disco e a maça, destinam-se aos demônios. Na verdade, todos os braços do Senhor são auspiciosos, quer portem búzios e flores, quer portem maças e discos. Os demônios mortos pelo disco cakra do Senhor Viṣṇu e por Sua maça são elevados ao mundo espiritual, assim como os devotos que são protegidos pelas mãos que portam a flor de lótus e o búzio. Entre­tanto, os demônios que são elevados ao mundo espiritual situam-se na refulgência do Brahman impessoal, ao passo que os devotos têm permissão de entrar nos planetas Vaikuṇṭha. Aqueles que são devo­tos do Senhor Kṛṣṇa são elevados de imediato ao planeta Goloka Vṛndāvana.

A beleza do Senhor é comparada com a chuva porque, à medida que a chuva cai durante a estação das chuvas, ela se torna cada vez mais agradável para as pessoas. Depois do calor escaldante do verão, as pessoas gostam muito da estação das chuvas. Na verdade, elas chegam a sair às ruas nas vilas para desfrutar diretamente da chuva. Assim, as características corpóreas do Senhor são compara­das às nuvens da estação das chuvas. Os devotos desfrutam da be­leza do Senhor por ela ser um conjunto de toda classe de beleza. Portanto, usa-se a palavra sarva-saundarya-saṅgraham. Ninguém pode dizer que o corpo do Senhor carece de partes belas. Ele é inteiramente pūrṇam. Tudo é completo: a criação de Deus, a beleza de Deus e as características corpóreas de Deus. Tudo isso é tão completo que podemos satisfazer todos os nossos desejos ao vermos a beleza do Senhor. A palavra sarva-saundarya indica que existem diferentes espécies de beleza nos mundos material e espiritual e que o Senhor reúne em Si todas essas belezas. Tanto os materialistas quanto os espiritualistas podem desfrutar da beleza do Senhor. Como o Senhor Supremo atrai a todos – incluindo demônios e devotos, materialistas e espiritualistas – Ele Se chama Kṛṣṇa. De modo seme­lhante, Seus devotos também são atrativos a todos. Como se menciona no Ṣaḍ-gosvāmī-stotra, dhīrādhīra-jana-priyau: os Gosvāmīs eram igualmente queridos pelos dhīras (devotos) e pelos adhīras (demô­nios). O Senhor Kṛṣṇa não era muito agradável aos demônios quando esteve presente em Vṛndāvana, mas os seis Gosvāmīs eram agradáveis aos demônios quando estiveram presentes em Vṛndāvana. Essa é a beleza do relacionamento do Senhor com Seus devotos; às vezes o Senhor dá mais mérito a Seu devoto do que recebe para Si. Por exemplo, no Campo de Batalha de Kurukṣetra, o Senhor Kṛṣṇa lutou simplesmente dando orientações. Todavia, foi Arjuna quem recebeu o mérito da luta. Nimitta-mātraṁ bhava savyasācin: “Tu, ó Savyasācī [Arjuna], podes ser apenas um instrumento na luta.” (Bg. 11.33) Tudo foi providenciado pelo Senhor, mas o mérito da vitória foi dado a Arjuna. Do mesmo modo, no movimento para a consciência de Kṛṣṇa, tudo acontece de acordo com as predições do Senhor Caitanya, mas o mérito vai para os servos sinceros do Senhor Caitanya. Assim, descreve-se o Senhor nesta passagem como sarva-saundarya-saṅgraham.