Capítulo Cinco
A Frustração do Sacrifício de Dakṣa
Texto
bhavo bhavānyā nidhanaṁ prajāpater
asat-kṛtāyā avagamya nāradāt
sva-pārṣada-sainyaṁ ca tad-adhvararbhubhir
vidrāvitaṁ krodham apāram ādadhe
Sinônimos
maitreyaḥ uvāca — Maitreya disse; bhavaḥ — o senhor Śiva; bhavānyāḥ — de Satī; nidhanam — a morte; prajāpateḥ — devido ao Prajāpati Dakṣa; asat-kṛtāyāḥ — tendo sido insultada; avagamya — ouvindo falar de; nāradāt — de Nārada; sva-pārṣada-sainyam — os soldados de seus próprios associados; ca — e; tat-adhvara — (produzidos de) seu (de Dakṣa) sacrifício; ṛbhubhiḥ — pelos Ṛbhus; vidrāvitam — foram expulsos; krodham — ira; apāram — sem limite; ādadhe — demonstrou.
Tradução
Maitreya disse: Quando o senhor Śiva ouviu Nārada dizer que Satī, sua esposa, havia morrido por causa do insulto do Prajāpati Dakṣa a ela e que seus soldados haviam sido expulsos pelos semideuses Ṛbhus, ele ficou iradíssimo.
Comentário
SIGNIFICADO—O senhor Śiva compreendia que Satī, sendo a filha caçula de Dakṣa, poderia apresentar o caso da pureza de propósito do senhor Śiva e, dessa maneira, seria capaz de mitigar o mal-entendido entre Dakṣa e ele. Porém, não se chegou a tal acordo, e Satī foi deliberadamente insultada por seu pai ao não ser recebida apropriadamente quando ela visitou sua casa sem ser convidada. A própria Satī poderia ter matado seu pai, Dakṣa, porque ela é a energia material personificada e tem poder imenso para matar ou criar dentro deste universo material. Na Brahma-saṁhitā, descreve-se sua força: ela é capaz de criar e dissolver muitos universos. Todavia, embora seja tão poderosa, ela atua sob a orientação da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, como Sua sombra. Não teria sido difícil para Satī punir seu pai, mas ela pensou que, como era filha dele, matá-lo não lhe era adequado. Deste modo, ela decidiu abandonar seu próprio corpo, que obtivera do corpo de Dakṣa, e este nem mesmo a impediu.
Quando Satī faleceu, abandonando seu corpo, Nārada transmitiu a notícia ao senhor Śiva. Nārada sempre traz a notícia de tais eventos porque conhece seu significado. Ao ouvir que Satī, sua casta esposa, estava morta, naturalmente o senhor Śiva se viu cheio de ira. Ele também ficou sabendo que Bhṛgu Muni criara os semideuses Ṛbhudevas, pronunciando os mantras do Yajur Veda, e que esses semideuses haviam expulsado todos os seus soldados que estavam presentes na arena de sacrifício. Portanto, ele quis revidar esse insulto, e assim resolveu matar Dakṣa, a causa da morte de Satī.
Texto
jaṭāṁ taḍid-vahni-saṭogra-rociṣam
utkṛtya rudraḥ sahasotthito hasan
gambhīra-nādo visasarja tāṁ bhuvi
Sinônimos
kruddhaḥ — iradíssimo; su-daṣṭa-oṣṭha-puṭaḥ — apertando os lábios com os dentes; saḥ — ele (o senhor Śiva); dhūḥ-jaṭiḥ — tendo um cacho de cabelo na cabeça; jaṭām — um fio de cabelo; taḍit — de eletricidade; vahni — de fogo; saṭā — uma chama; ugra — terrível; rociṣam — ardendo; utkṛtya — arrancando; rudraḥ — o senhor Śiva; sahasā — de imediato; utthitaḥ — levantou-se; hasan — gargalhando; gambhīra — profundo; nādaḥ — som; visasarja — atirou; tām — esse (cabelo); bhuvi — ao solo.
Tradução
Desse modo, o senhor Śiva, estando extremamente irado, apertou os seus lábios com os dentes e imediatamente arrancou de sua cabeça um fio de cabelo, que ardia como eletricidade ou fogo. Ele se levantou repentinamente, gargalhando como louco, e atirou o cabelo ao solo.
Texto
sahasra-bāhur ghana-ruk tri-sūrya-dṛk
karāla-daṁṣṭro jvalad-agni-mūrdhajaḥ
kapāla-mālī vividhodyatāyudhaḥ
Sinônimos
tataḥ — nessa altura; atikāyaḥ — uma grande personalidade (Vīrabhadra); tanuvā — com seu corpo; spṛśan — tocando; divam — o céu; sahasra — mil; bāhuḥ — braços; ghana-ruk — de cor negra; tri-sūrya-dṛk — brilhante como três sóis combinados; karāla-daṁṣṭraḥ — tendo dentes muito amedrontadores; jvalat-agni — (como) fogo incandescente; mūrdhajaḥ — tendo cabelo sobre sua cabeça; kapāla-mālī — enguirlandado com cabeças humanas; vividha — diversos tipos; udyata — surgiu; āyudhaḥ — armado.
Tradução
Um demônio negro e medonho, alto como o céu e brilhante como três sóis combinados, foi então criado. Seus dentes eram muito amedrontadores, e os cabelos sobre sua cabeça se assemelhavam ao fogo incandescente. Ele tinha milhares de braços, equipados com diversas armas, e estava enguirlandado com cabeças humanas.
Texto
baddhāñjaliṁ bhagavān bhūta-nāthaḥ
dakṣaṁ sa-yajñaṁ jahi mad-bhaṭānāṁ
tvam agraṇī rudra bhaṭāṁśako me
Sinônimos
tam — a ele (Vīrabhadra); kim — o que; karomi — devo fazer; iti — assim; gṛṇantam — perguntando; āha — ordenou; baddha-añjalim — com as mãos postas; bhagavān — aquele que possui todas as opulências (o senhor Śiva); bhūta-nāthaḥ — o senhor dos fantasmas; dakṣam — Dakṣa; sa-yajñam — junto com seu sacrifício; jahi — mata; mat-bhaṭānām — de todos os meus associados; tvam — tu; agraṇīḥ — o principal; rudra — ó Rudra; bhaṭa — ó perito na batalha; aṁśakaḥ — nascido de meu corpo; me — meu.
Tradução
Quando aquele gigantesco demônio perguntou de mãos postas: “O que devo fazer, meu senhor?”, o senhor Śiva, que é conhecido como Bhūtanātha, ordenou diretamente: “Como nasceste de meu corpo, és o principal de todos os meus associados. Portanto, mata Dakṣa e seus soldados no sacrifício.”
Comentário
SIGNIFICADO—Eis aqui o início da competição entre brahma-tejas e śiva-tejas. Através de brahma-tejas, força bramânica, Bhṛgu Muni criara os semideuses Ṛbhus, que expulsaram os soldados do senhor Śiva presentes na arena. Ao ouvir que seus soldados haviam sido expulsos, o senhor Śiva criou o grande demônio negro Vīrabhadra para retaliar. Algumas vezes, há competição entre o modo da bondade e o modo da ignorância. Assim é a existência material. Mesmo para alguém situado no modo da bondade, há toda a possibilidade de que sua posição se misture ou seja atacada pelo modo da paixão ou ignorância. Essa é a lei da natureza material. Embora a bondade pura, ou śuddha-sattva, seja o princípio básico do mundo espiritual, a manifestação pura de bondade não é possível neste mundo material. Assim, a luta pela vida entre diferentes qualidades materiais está sempre presente. Esta luta entre o senhor Śiva e Bhṛgu Muni, centralizando-se em volta do Prajāpati Dakṣa, é o exemplo prático de tal competição entre os diferentes modos qualitativos da natureza material.
Texto
sa deva-devaṁ paricakrame vibhum
mene tadātmānam asaṅga-raṁhasā
mahīyasāṁ tāta sahaḥ sahiṣṇum
Sinônimos
ājñaptaḥ — sendo ordenado; evam — dessa maneira; kupitena — irado; manyunā — pelo senhor Śiva (que é a ira personificada); saḥ — ele (Vīrabhadra); deva-devam — aquele que é adorado pelos semideuses; paricakrame — circundou; vibhum — o senhor Śiva; mene — considerou; tadā — naquele momento; ātmānam — ele próprio; asaṅga-raṁhasā — com o poder do senhor Śiva, que é irrivalizável; mahīyasām — do poderosíssimo; tāta — meu querido Vidura; sahaḥ — força; sahiṣṇum — capaz de fazer frente.
Tradução
Maitreya continuou: Meu querido Vidura, aquela personalidade negra era a ira personificada da Suprema Personalidade de Deus, e estava à disposição para executar as ordens do senhor Śiva. Assim, considerando-se capaz de fazer frente a qualquer força que se lhe opusesse, ele circundou o senhor Śiva.
Texto
bhṛśaṁ nadadbhir vyanadat subhairavam
udyamya śūlaṁ jagad-antakāntakaṁ
samprādravad ghoṣaṇa-bhūṣaṇāṅghriḥ
Sinônimos
anvīyamānaḥ — sendo acompanhado; saḥ — ele (Vīrabhadra); tu — mas; rudra-pārṣadaiḥ — pelos soldados do senhor Śiva; bhṛśam — tumultuosamente; nadadbhiḥ — rugindo; vyanadat — soava; su-bhairavam — muito medonho; udyamya — carregando; śūlam — um tridente; jagat-antaka — morte; antakam — matando; samprādravat — apressou-se em direção a (o sacrifício de Dakṣa); ghoṣaṇa — rugindo; bhūṣaṇa-aṅghriḥ — com argolas em suas pernas.
Tradução
Muitos outros soldados do senhor Śiva acompanharam a feroz personalidade em um tumultuoso alvoroço. Ele carregava um grande tridente, aterrador o bastante para matar até a morte, e, em suas pernas, usava argolas que pareciam rugir.
Texto
kakubhy udīcyāṁ prasamīkṣya reṇum
tamaḥ kim etat kuta etad rajo ’bhūd
iti dvijā dvija-patnyaś ca dadhyuḥ
Sinônimos
atha — nessa altura; ṛtvijaḥ — os sacerdotes; yajamānaḥ — a principal pessoa que executava o sacrifício (Dakṣa); sadasyāḥ — todas as pessoas reunidas na arena de sacrifício; kakubhi udīcyām — na direção setentrional; prasamīkṣya — vendo; reṇum — a tempestade de poeira; tamaḥ — escuridão; kim — o que; etat — isto; kutaḥ — de onde; etat — isto; rajaḥ — poeira; abhūt — veio; iti — assim; dvijāḥ — os brāhmaṇas; dvija patnyaḥ — as esposas dos brāhmaṇas; ca — e; dadhyuḥ — começaram a especular.
Tradução
Nessa altura, todas as pessoas reunidas na arena de sacrifício – os sacerdotes, o líder da realização sacrificatória e os brāhmaṇas com suas esposas – puseram-se a se perguntar de onde vinha aquela escuridão. Mais tarde, puderam compreender que se tratava de uma tempestade de poeira, e todos se encheram de ansiedade.
Texto
prācīna-barhir jīvati hogra-daṇḍaḥ
gāvo na kālyanta idaṁ kuto rajo
loko ’dhunā kiṁ pralayāya kalpate
Sinônimos
vātāḥ — os ventos; na vānti — não estão soprando; na — não; hi — porque; santi — são possíveis; dasyavaḥ — saqueadores; prācīna-barhiḥ — velho rei Barhi; jīvati — está vivo; ha — ainda; ugra-daṇḍaḥ — o qual puniria severamente; gāvaḥ — as vacas; na kālyante — não estão sendo tocadas; idam — isto; kutaḥ — de onde; rajaḥ — poeira; lokaḥ — o planeta; adhunā — agora; kim — será; pralayāya — para dissolução; kalpate — ser considerada prestes.
Tradução
Conjeturando sobre a origem da tempestade, eles falaram: Não há vento soprando, nem vacas passando, tampouco é possível que esta tempestade de poeira pudesse ser levantada por saqueadores, pois ainda vive o forte rei Barhi, que os puniria. De onde está soprando esta tempestade de poeira? A dissolução do planeta estaria prestes a ocorrer?
Comentário
SIGNIFICADO—Especialmente significativa neste verso é a frase prācīna-barhir jīvati. O rei daquela parte da terra era conhecido como Barhi, e, embora fosse idoso, ainda vivia, e era um governante muito forte. Assim, não havia possibilidade de uma invasão de ladrões e saqueadores. Indiretamente, afirma-se aqui que ladrões, saqueadores, bandidos e população indesejada só podem existir em um estado ou reino onde não haja governante forte. Quando, em nome da justiça, dá-se liberdade aos ladrões, o estado e o reino são perturbados por esses saqueadores e pela população indesejada. A tempestade de poeira criada pelos soldados e assistentes do senhor Śiva assemelhava-se à situação no momento da dissolução deste mundo. Quando há necessidade de dissolução da criação material, esta função é conduzida pelo senhor Śiva. Portanto, a situação ali criada por ele assemelhava-se à dissolução da manifestação cósmica.
Texto
ūcur vipāko vṛjinasyaiva tasya
yat paśyantīnāṁ duhitṝṇāṁ prajeśaḥ
sutāṁ satīm avadadhyāv anāgām
Sinônimos
prasūti-miśrāḥ — encabeçadas por Prasūti; striyaḥ — as mulheres; udvigna-cittāḥ — estando muito ansiosa; ūcuḥ — disse; vipākaḥ — o perigo resultante; vṛjinasya — da atividade pecaminosa; eva — de fato; tasya — seu (de Dakṣa); yat — porque; paśyantīnām — que observavam; duhitṝṇām — de suas irmãs; prajeśaḥ — o senhor dos seres criados (Dakṣa); sutām — sua filha; satīm — Satī; avadadhyau — insultou; anāgām — inteiramente inocente.
Tradução
Prasūti, a esposa de Dakṣa, juntamente com outras mulheres ali reunidas, ficou muito ansiosa e disse: Este perigo foi criado por Dakṣa devido à morte de Satī, a qual, muito embora fosse inteiramente inocente, abandonou seu corpo à vista de suas irmãs.
Comentário
SIGNIFICADO—Prasūti, sendo mulher de bom coração, pôde compreender imediatamente que o perigo iminente que se aproximava devia-se à atividade impiedosa do desalmado Prajāpati Dakṣa. Ele era tão cruel que não tentou salvar Satī, sua filha caçula, do ato de cometer suicídio na presença de suas irmãs. A mãe de Satī pôde compreender o quanto Satī havia sofrido com o insulto de seu pai. Satī estava junto das outras irmãs, e Dakṣa propositadamente recebeu todas as filhas, com exceção de Satī, por ela ser a esposa do senhor Śiva. Essa discriminação convenceu a esposa de Dakṣa do perigo que agora se aproximava, e assim ela sabia que Dakṣa devia preparar-se para morrer por causa de seu ato sórdido.
Texto
sva-śūla-sūcy-arpita-dig-gajendraḥ
vitatya nṛtyaty uditāstra-dor-dhvajān
uccāṭṭa-hāsa-stanayitnu-bhinna-dik
Sinônimos
yaḥ — quem (senhor Śiva); tu — mas; anta-kāle — no momento da dissolução; vyupta — tendo soltado; jaṭā-kalāpaḥ — seu coque; sva-śūla — seu próprio tridente; sūci — nas pontas; arpita — trespassados; dik-gajendraḥ — os governantes das diferentes direções; vitatya — espalhando; nṛtyati — dança; udita — erguidas; astra — armas; doḥ — mãos; dhvajān — bandeiras; ucca — alto; aṭṭa-hāsa — rindo; stanayitnu — pelo som do trovão; bhinna — divididas; dik — as direções.
Tradução
No momento da dissolução, os cabelos do senhor Śiva se soltam, e ele trespassa os governantes das diferentes direções com seu tridente. Ele dá gargalhadas e dança orgulhosamente, espalhando suas mãos como se fossem bandeiras, assim como o trovão espalha as nuvens pelo mundo inteiro.
Comentário
SIGNIFICADO—Prasūti, que apreciava o poder e força de seu genro, o senhor Śiva, está descrevendo o que ele faz no momento da dissolução. Esta descrição indica que a força do senhor Śiva é tão grande que o poder de Dakṣa não poderia rivalizá-lo. No momento da dissolução, o senhor Śiva, com seu tridente em mãos, dança sobre os governantes dos diferentes planetas, e seus cabelos se soltam, assim como as nuvens espalham-se por todas as direções para inundar os diferentes planetas com torrentes incessantes de chuva. Na última fase da dissolução, a água inunda todos os planetas, e essa inundação é causada pela dança do senhor Śiva. Essa dança se chama pralaya, ou dança da dissolução. Prasūti pôde compreender que os perigos iminentes resultavam não somente de Dakṣa ter menosprezado sua filha, mas também de ele ter feito pouco caso do prestígio e da honra do senhor Śiva.
Texto
manyu-plutaṁ durnirīkṣyaṁ bhru-kuṭyā
karāla-daṁṣṭrābhir udasta-bhāgaṇaṁ
syāt svasti kiṁ kopayato vidhātuḥ
Sinônimos
amarṣayitvā — após fazer com que se irritasse; tam — a ele (o senhor Śiva); asahya-tejasam — com refulgência insuportável; manyu-plutam — cheio de ira; durnirīkṣyam — incapaz de ser olhado; bhru-kuṭyā — com o movimento de suas sobrancelhas; karāla-daṁṣṭrābhiḥ — com seus dentes medonhos; udasta-bhāgaṇam — tendo espalhado os astros; syāt — haveria; svasti — boa sorte; kim — como; kopayataḥ — fazendo com que (o senhor Śiva) se irritasse; vidhātuḥ — de Brahmā.
Tradução
O gigantesco demônio negro mostrou seus dentes medonhos. Com os movimentos de suas sobrancelhas, ele espalhou os astros por todo o céu, e os ofuscou com sua forte e penetrante refulgência. Devido ao mau comportamento de Dakṣa, mesmo o senhor Brahmā, pai de Dakṣa, não poderia salvar-se da grande demonstração de ira.
Texto
janena dakṣasya muhur mahātmanaḥ
utpetur utpātatamāḥ sahasraśo
bhayāvahā divi bhūmau ca paryak
Sinônimos
bahu — muito; evam — dessa maneira; udvigna-dṛśā — com olhares nervosos; ucyamāne — enquanto diziam isto; janena — pelas pessoas (reunidas no sacrifício); dakṣasya — de Dakṣa; muhuḥ — repetidamente; mahā-ātmanaḥ — de coração forte; utpetuḥ — apareceram; utpāta-tamāḥ — sintomas muito poderosos; sahasraśaḥ — aos milhares; bhaya-āvahāḥ — produzindo medo; divi — no céu; bhūmau — na terra; ca — e; paryak — de todos os lados.
Tradução
Enquanto todas as pessoas conversavam entre si, Dakṣa viu perigosos augúrios de todos os lados, vindos da terra e do céu.
Comentário
SIGNIFICADO—Neste verso, Dakṣa é descrito como mahātmā. Diferentes comentadores têm explicado a palavra mahātmā de várias maneiras. Vīrarāghava Ācārya indica que esta palavra mahātmā significa “de coração estável”. Isto quer dizer que Dakṣa tinha o coração tão forte que, mesmo quando sua amada filha estava preparada para dar cabo de sua vida, ele permaneceu estável e inabalado. Mas, apesar de ter o coração tão forte, ele perturbou-se quando viu os vários distúrbios criados pelo gigantesco demônio negro. Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura ressalta a este respeito que mesmo que alguém seja chamado de mahātmā, grande alma, a menos que demonstre os sintomas de um mahātmā, deve ser considerado durātmā, ou uma alma degradada. Na Bhagavad-gītā (9.13), a palavra mahātmā descreve o devoto puro do Senhor: mahātmānas tu māṁ pārtha daivīṁ prakṛtim āśritāḥ. O mahātmā está sempre sob a orientação da energia interna da Suprema Personalidade de Deus, e, assim, como poderia uma pessoa tão malcomportada como Dakṣa ser um mahātmā? Supõe-se que o mahātmā tenha todas as boas qualidades dos semideuses, de modo que Dakṣa, carente dessas qualidades, não poderia ser chamado de mahātmā; ele deveria, ao invés disso, ser chamado de durātmā, alma degradada. A palavra mahātmā, usada para descrever as qualificações de Dakṣa, é utilizada com sarcasmo.
Texto
nānāyudhair vāmanakair udāyudhaiḥ
piṅgaiḥ piśaṅgair makarodarānanaiḥ
paryādravadbhir vidurānvarudhyata
Sinônimos
tāvat — muito rapidamente; saḥ — que; rudra-anucaraiḥ — pelos seguidores do senhor Śiva; mahā-makhaḥ — a arena do grande sacrifício; nānā — vários tipos; āyudhaiḥ — com armas; vāmanakaiḥ — de pequena estatura; udāyudhaiḥ — erguidas; piṅgaiḥ — enegrecidos; piśaṅgaiḥ — amarelados; makara-udara-ānanaiḥ — com estômagos e rostos como os de tubarões; paryādravadbhiḥ — correndo por toda parte; vidura — ó Vidura; anvarudhyata — foi cercada.
Tradução
Meu querido Vidura, todos os seguidores do senhor Śiva cercaram a arena de sacrifício. Eles eram de pequena estatura e estavam equipados com vários tipos de armas; seus corpos pareciam com os de tubarões, enegrecidos e amarelados. Eles corriam em volta de toda a arena de sacrifício e, assim, começaram a criar distúrbios.
Texto
patnī-śālāṁ tathāpare
sada āgnīdhra-śālāṁ ca
tad-vihāraṁ mahānasam
Sinônimos
kecit — alguns; babhañjuḥ — derrubaram; prāk-vaṁśam — os pilares do paṇḍāla de sacrifício; patnī-śālām — os aposentos femininos; tathā — também; apare — outros; sadaḥ — a arena de sacrifício; āgnīdhra-śālām — a casa dos sacerdotes; ca — e; tat-vihāram — a casa do líder do sacrifício; mahā-anasam — a casa do setor de cozinha.
Tradução
Alguns dos soldados derrubaram os pilares que suportavam o paṇḍāla do sacrifício, outros entraram nos aposentos femininos, outros se puseram a destruir a arena de sacrifício, e outros entraram na cozinha e nas residências.
Texto
tathaike ’gnīn anāśayan
kuṇḍeṣv amūtrayan kecid
bibhidur vedi-mekhalāḥ
Sinônimos
rurujuḥ — quebraram; yajña-pātrāṇi — os potes usados no sacrifício; tathā — assim; eke — alguns; agnīn — os fogos sacrificatórios; anāśayan — extintos; kuṇḍeṣu — nas arenas de sacrifício; amūtrayan — urinaram; kecit — outros; bibhiduḥ — desfizeram; vedi-mekhalāḥ — as balizas delimitadoras da arena de sacrifício.
Tradução
Quebraram todos os potes feitos para se usar no sacrifício, e alguns deles começaram a extinguir o fogo sacrificatório. Outros desfizeram as balizas delimitadoras da arena de sacrifício, e outros urinaram na arena.
Texto
eke patnīr atarjayan
apare jagṛhur devān
pratyāsannān palāyitān
Sinônimos
Tradução
Alguns bloquearam o caminho dos sábios que fugiam, outros ameaçaram as mulheres ali reunidas, e outros prenderam os semideuses que fugiam do paṇḍāla.
Texto
vīrabhadraḥ prajāpatim
caṇḍeśaḥ pūṣaṇaṁ devaṁ
bhagaṁ nandīśvaro ’grahīt
Sinônimos
bhṛgum — Bhṛgu Muni; babandha — preso; maṇimān — Maṇimān; vīrabhadraḥ — Vīrabhadra; prajāpatim — Prajāpati Dakṣa; caṇḍeśaḥ — Caṇḍeśa; pūṣaṇam — Pūṣā; devam — o semideus; bhagam — Bhaga; nandīśvaraḥ — Nandīśvara; agrahīt — prendeu.
Tradução
Maṇimān, um dos seguidores do senhor Śiva, prendeu Bhṛgu Muni, e Vīrabhadra, o demônio negro, prendeu o Prajāpati Dakṣa. Outro seguidor, que se chamava Caṇḍeśa, prendeu Pūṣā. Nandīśvara prendeu o semideus Bhaga.
Texto
sadasyāḥ sa-divaukasaḥ
tair ardyamānāḥ subhṛśaṁ
grāvabhir naikadhā ’dravan
Sinônimos
sarve — todos; eva — certamente; ṛtvijaḥ — os sacerdotes; dṛṣṭvā — após verem; sadasyāḥ — todos os membros reunidos no sacrifício; sa-divaukasaḥ — junto com os semideuses; taiḥ — por aquelas (pedras); ardyamānāḥ — sendo perturbados; su-bhṛśam — muitíssimo; grāvabhiḥ — por pedras; na ekadhā — em diferentes direções; adravan — começaram a dispersar-se.
Tradução
Chovia pedra sem parar, e todos os sacerdotes e outros membros reunidos no sacrifício foram atirados em imenso sofrimento. Temendo por suas vidas, dispersaram-se em diferentes direções.
Texto
śmaśrūṇi bhagavān bhavaḥ
bhṛgor luluñce sadasi
yo ’hasac chmaśru darśayan
Sinônimos
juhvataḥ — oferecendo oblações sacrificatórias; sruva-hastasya — com a concha de sacrifício na mão; śmaśrūṇi — o bigode; bhagavān — o que possui todas as opulências; bhavaḥ — Vīrabhadra; bhṛgoḥ — de Bhṛgu Muni; luluñce — cortou; sadasi — no meio da assembleia; yaḥ — que (Bhṛgu Muni); ahasat — havia sorrido; śmaśru — seu bigode; darśayan — mostrando.
Tradução
Vīrabhadra cortou o bigode de Bhṛgu, que estava oferecendo no fogo as oblações sacrificatórias com suas mãos.
Texto
pātitasya ruṣā bhuvi
ujjahāra sada-stho ’kṣṇā
yaḥ śapantam asūsucat
Sinônimos
bhagasya — de Bhaga; netre — ambos os olhos; bhagavān — Vīrabhadra; pātitasya — tendo sido atirado; ruṣā — com grande ira; bhuvi — ao solo; ujjahāra — arrancou; sada-sthaḥ — enquanto estava na assembleia dos Viśvasṛks; akṣṇā — com o movimento de suas sobrancelhas; yaḥ — quem (Bhaga); śapantam — (Dakṣa) que estava amaldiçoando (o senhor Śiva); asūsucat — encorajado.
Tradução
Vīrabhadra imediatamente agarrou Bhaga, que havia movido suas sobrancelhas durante a maldição de Bhṛgu contra o senhor Śiva, e, com grande ira, atirou-o ao solo e arrancou seus olhos à força.
Texto
kāliṅgasya yathā balaḥ
śapyamāne garimaṇi
yo ’hasad darśayan dataḥ
Sinônimos
Tradução
Assim como Baladeva partiu os dentes de Dantavakra, o rei de Kaliṅga, durante o jogo na cerimônia de casamento de Aniruddha, Vīrabhadra quebrou os dentes tanto de Dakṣa, que os havia mostrado enquanto amaldiçoava o senhor Śiva, quanto de Pūṣā, que, sorrindo por simpatia, também mostrara seus dentes.
Comentário
SIGNIFICADO—Aqui se faz uma referência ao casamento de Aniruddha, um neto do Senhor Kṛṣṇa. Ele raptou a filha de Bāṇāsura, após o que foi preso. Quando ele estava prestes a ser punido pelo rapto, chegaram os soldados de Dvārakā, liderados por Balarāma, ao que se seguiu uma luta entre os kṣatriyas. Esta espécie de luta era muito comum, especialmente durante cerimônias de casamento, quando todos estavam com espírito de desafio. Dentro desse espírito de desafio, certamente ocorriam lutas, nas quais era frequente haver matança e infortúnio. Após terminada a luta, os grupos chegavam a um acordo, e tudo se restabelecia. Este yajña de Dakṣa era semelhante a tais eventos. Agora, todos eles – Dakṣa e os semideuses Bhaga e Pūṣā e Bhṛgu Muni – eram punidos pelos soldados do senhor Śiva, porém, mais tarde, tudo chegaria a um fim pacífico. Desse modo, esse espírito de luta entre um e outro não era exatamente hostil. Por todos serem tão poderosos e quererem mostrar sua força através de mantras védicos ou de poderes místicos, todas essas habilidades bélicas foram muito elaboradamente demonstradas pelos diversos grupos no yajña de Dakṣa.
Texto
śita-dhāreṇa hetinā
chindann api tad uddhartuṁ
nāśaknot tryambakas tadā
Sinônimos
ākramya — tendo-se sentado; urasi — no peito; dakṣasya — de Dakṣa; śita-dhāreṇa — tendo uma lâmina afiada; hetinā — com uma arma; chindan — cortando; api — muito embora; tat — aquela (cabeça); uddhartum — de separar; na aśaknot — não foi capaz; tri-ambakaḥ — Vīrabhadra (que tinha três olhos); tadā — depois disso.
Tradução
Depois, Vīrabhadra, a personalidade gigantesca, sentou-se no peito de Dakṣa, e tentou separar sua cabeça do corpo com armas cortantes, mas não teve sucesso em seu intento.
Texto
anirbhinna-tvacaṁ haraḥ
vismayaṁ param āpanno
dadhyau paśupatiś ciram
Sinônimos
Tradução
Ele tentou cortar a cabeça de Dakṣa com hinos, e também com armas, mas, ainda assim, era muito difícil cortar mesmo a superfície da pele da cabeça de Dakṣa. Desse modo, Vīrabhadra ficou muitíssimo desconcertado.
Texto
paśūnāṁ sa patir makhe
yajamāna-paśoḥ kasya
kāyāt tenāharac chiraḥ
Sinônimos
dṛṣṭvā — tendo visto; saṁjñapanam — para a matança de animais no sacrifício; yogam — o dispositivo; paśūnām — dos animais; saḥ — ele (Vīrabhadra); patiḥ — o senhor; makhe — no sacrifício; yajamāna-paśoḥ — que era um animal sob a forma do líder do sacrifício; kasya — de Dakṣa; kāyāt — do corpo; tena — com aquele (dispositivo); aharat — cortou; śiraḥ — sua cabeça.
Tradução
Em seguida, Vīrabhadra viu o dispositivo de madeira na arena de sacrifício com o qual os animais seriam mortos, e se aproveitou dessa oportunidade para facilmente decepar a cabeça de Dakṣa.
Comentário
SIGNIFICADO—Note-se a este respeito que o dispositivo usado para matar animais no sacrifício não se destinava a facilitar que comessem a carne deles. A matança destinava-se especificamente a dar vida nova ao animal sacrificado através do poder de mantras védicos. Os animais eram sacrificados para colocar à prova a força dos mantras védicos; os yajñas eram executados como um teste do mantra. Mesmo na era moderna, executam-se testes com corpos de animais em laboratórios de fisiologia. Da mesma forma, através do sacrifício na arena, testava-se para ver se os brāhmaṇas estavam pronunciando corretamente ou não os hinos védicos. De um modo geral, os animais assim sacrificados não perdiam nada. Alguns animais velhos eram sacrificados, mas, em troca de seus corpos velhos, eles recebiam corpos novos. Assim se testavam os mantras védicos. Vīrabhadra, ao invés de sacrificar animais com o dispositivo de madeira, imediatamente decepou a cabeça de Dakṣa, para o espanto de todos.
Texto
karma tat tasya paśyatām
bhūta-preta-piśācānāṁ
anyeṣāṁ tad-viparyayaḥ
Sinônimos
sādhu-vādaḥ — exclamação de júbilo; tadā — naquele momento; teṣām — daqueles (seguidores do senhor Śiva); karma — ato; tat — que; tasya — dele (Vīrabhadra); paśyatām — vendo; bhūta-preta-piśācānām — dos bhūtas (fantasmas), pretas e piśācas; anyeṣām — dos outros (do grupo de Dakṣa); tat-viparyayaḥ — o oposto disto (uma exclamação de pesar).
Tradução
Ao ver o ato de Vīrabhadra, o grupo do senhor Śiva se deu por satisfeito e exclamou de júbilo, e todos os bhūtas, fantasmas e demônios que haviam vindo fizeram um som tumultuoso. Por outro lado, os brāhmaṇas encarregados do sacrifício exclamaram de pesar pela morte de Dakṣa.
Texto
dakṣiṇāgnāv amarṣitaḥ
tad-deva-yajanaṁ dagdhvā
prātiṣṭhad guhyakālayam
Sinônimos
juhāva — sacrificada como oblação; etat — aquela; śiraḥ — cabeça; tasmin — naquele; dakṣiṇa-agnau — no lado sul do fogo de sacrifício; amarṣitaḥ — Vīrabhadra, estando iradíssimo; tat — de Dakṣa; deva-yajanam — os preparos para o sacrifício aos semideuses; dagdhvā — tendo ateado fogo; prātiṣṭhat — partiram; guhyaka-ālayam — para a morada dos Guhyakas (Kailāsa).
Tradução
Vīrabhadra pegou então a cabeça e, com grande ira, atirou-a no lado sul do fogo de sacrifício, oferecendo-a como oblação. Dessa maneira, os seguidores do senhor Śiva devastaram todos os preparos para o sacrifício. Após atearem fogo a toda a arena, partiram para o Kailāsa, a morada de seu senhor.
Comentário
Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, quinto capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “A Frustração do Sacrifício de Dakṣa”.