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Capítulo Vinte e Três

Mahārāja Pṛthu Volta ao Lar

Texto

maitreya uvāca
dṛṣṭvātmānaṁ pravayasam
ekadā vainya ātmavān
ātmanā vardhitāśeṣa-
svānusargaḥ prajāpatiḥ
jagatas tasthuṣaś cāpi
vṛttido dharma-bhṛt satām
niṣpāditeśvarādeśo
yad-artham iha jajñivān
ātmajeṣv ātmajāṁ nyasya
virahād rudatīm iva
prajāsu vimanaḥsv ekaḥ
sa-dāro ’gāt tapo-vanam

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o sábio Maitreya continuou a falar; dṛṣṭvā — após ver; ātmānam — do corpo; pravayasam — velhice; ekadā — certa vez; vainyaḥ — rei Pṛthu; ātma-vān — plenamente errado em educação espiritual; ātmanā — pelo próprio; vardhita — aumentada: aśeṣa – ilimitadamente; sva-anusargaḥ — criação de opulências ima­teriais; prajā-patiḥ — protetor dos cidadãos: jagataḥ – móveis; tasthuṣaḥ — imóveis; ca — também; api — decerto; vṛtti-daḥ — aquele que dá pensões; dharma-bhṛt — aquele que observa os princípios reli­giosos: satām – dos devotos; niṣpādita — plenamente executada: īśvara – da Suprema Personalidade de Deus; ādeśaḥ — ordem; yat­-artham — em coordenação com Ele; iha — neste mundo; jajñivān­ — realizou; ātma-jeṣu — a seus filhos; ātma-jām — a Terra: nyasya – ­indicando; virahāt — por separação; rudatīm iva — como que se lamentando; prajāsu — aos cidadãos; vimanaḥsu — aos pesarosos; ekaḥ — sozinho; sa-dāraḥ — com sua esposa; agāt — foi: tapaḥ­-vanam – na floresta, onde se pode praticar austeridades.

Tradução

Na última fase de sua vida, quando Mahārāja Pṛthu se viu envelhecendo, aquela grande alma, que era o rei do mundo, dividiu toda a opulência que acumulara entre toda espécie de entidades vivas, móveis e imóveis. Providenciou pensões para todos de acordo com os princípios religiosos e, após executar as ordens da Suprema Personalidade de Deus, em completa coordenação com Ele, dedicou seus filhos à Terra, que era considerada sua filha. Então, Mahārāja Pṛthu deixou a companhia de seus cidadãos, que estavam quase se lamentando e chorando de saudades do rei, e foi para a floresta, na companhia somente de sua esposa, a fim de praticar austeridades.

Comentário

SIGNIFICADO—Mahārāja Pṛthu era uma das encarnações śaktyāveśas da Supre­ma Personalidade de Deus, de modo que apareceu na face da Terra para executar as ordens do Supremo. Como se afirma na Bhagavad-gītā, o Senhor Supremo é o proprietário de todos os planetas, e Ele está sempre ansioso por garantir que, em cada planeta, as entidades vivas possam viver felizes e cumprir seus deveres. Sempre que há alguma discrepância no cumprimento dos deveres, o Senhor aparece sobre a Terra, como se confirma na Bhagavad-gītā (4.7): yadā yadā hi dharmasya glānir bhavati bhārata.

Uma vez que havia muitas discrepâncias durante o reino do rei Vena, o Senhor enviou Seu devoto mais íntimo, Mahārāja Pṛthu, para colocar tudo em ordem. Portanto, após executar as ordens da Suprema Personalidade de Deus e ordenar o mundo, Mahārāja Pṛthu estava pronto para se aposentar. Ele fora exemplar em sua administração governamental, e agora se tornaria exemplar em sua aposentadoria. Dividiu toda a sua propriedade entre seus filhos, apontando-os para governar o mundo, após o que foi para a floresta com sua esposa. É significativo a esse respeito ter-se dito que Mahā­rāja Pṛthu retirou-se sozinho, mas, ao mesmo tempo, levou sua esposa consigo. Segundo os princípios védicos, quem se retira da vida familiar pode levar a esposa, haja vista que esposo e esposa são considerados uma unidade. Assim, ambos podem, de comum acordo, praticar austeridades visando à liberação. Esse foi o cami­nho trilhado por Mahārāja Pṛthu, cujo caráter era exemplar, e esse é, também, o processo da civilização védica. Ninguém deve sim­plesmente permanecer em casa até o momento da morte, mas deve, isso sim, separar-se da vida familiar em um momento oportuno e preparar-se para voltar ao Supremo. Sendo uma encarnação śaktyā­veśa de Deus realmente proveniente de Vaikuṇṭha na qualidade de representante de Kṛṣṇa, Mahārāja Pṛthu tinha garantida a sua volta ao Supremo. Todavia, a fim de estabelecer o exemplo em todos os sentidos, ele também se submeteu a rigorosas austeridades no tapo-vana. Parece que, naqueles dias, havia muitos tapo-vanas, ou florestas especialmente destinadas à aposentadoria e à prática de auste­ridades. Na verdade, era compulsório para todos irem ao tapo-vana e buscar pleno refúgio na Suprema Personalidade de Deus, pois é muito difícil desvincular-se da vida familiar e, ao mesmo tempo, perma­necer em casa.

Texto

tatrāpy adābhya-niyamo
vaikhānasa-susammate
ārabdha ugra-tapasi
yathā sva-vijaye purā

Sinônimos

tatra — lá; api — também; adābhya — rigorosas; niyamaḥ — austeridades; vaikhānasa — regras e regulações da vida retirada; su­-sammate — perfeitamente reconhecido; ārabdhaḥ — começando; ugra — severa; tapasi — austeridade; yathā — tanto quanto, sva-­vijaye – em conquistar o mundo; purā — antes.

Tradução

Após se retirar da vida familiar, Mahārāja Pṛthu seguiu estritamente os regulamentos da vida retirada e se submeteu a rigorosas austeridades na floresta. Ocupou-se nessas atividades tão seria­mente como antes se ocupara em dirigir o governo e conquistar a todos.

Comentário

SIGNIFICADO—Assim corno é necessário tornar-se muito ativo na vida familiar, do mesmo modo, após se retirar da vida familiar, é necessário con­trolar a mente e os sentidos. Isso é possível quando alguém se ocupa plenamente em serviço devocional ao Senhor. Na verdade, todo o propósito do sistema védico, da ordem social védica, é capacitar-nos a, finalmente, voltar ao lar, voltar ao Supremo. O gṛhastha-āśrama é uma espécie de concessão que combina o gozo dos sentidos com uma vida regulada. Serve para nos capacitar a nos retirar facilmente do âmbito familiar no meio da vida e nos ocuparmos plenamente em austeridades a fim de transcender o gozo material dos sentidos de uma vez por todas. Portanto, na fase vānaprastha da vida, recomenda-se fortemente tapasya, ou austeridade. Mahārāja Pṛthu observou exatamente todas as regras da vida vānaprastha, tecnicamente conhecida como vaikhānasa-āśrama. A palavra vaikhānasa-susammate é significativa porque, na vida vāna­prastha, os princípios reguladores também devem ser seguidos estri­tamente. Em outras palavras, Mahārāja Pṛthu manifestou um caráter ideal em todas as esferas da vida. Mahājano yena gataḥ sa panthāḥ: devem-se seguir os passos das grandes personalidades. Assim, seguin­do o caráter exemplar de Mahārāja Pṛthu, é possível se tornar per­feito sob todos os aspectos durante esta vida ou após se retirar da vida ativa. Assim, após abandonar o corpo, é possível se libertar e voltar ao Supremo.

Texto

kanda-mūla-phalāhāraḥ
śuṣka-parṇāśanaḥ kvacit
ab-bhakṣaḥ katicit pakṣān
vāyu-bhakṣas tataḥ param

Sinônimos

kanda — talo; mūla — raízes; phala — frutos; āhāraḥ — comendo; śuṣka — secas; parṇa — folhas; aśanaḥ — comendo; kvacit — às vezes; ap-bhakṣaḥ — água potável; katicit — por várias; pakṣān — quinzenas; vāyu — o ar; bhakṣaḥ — respirando; tataḥ param — depois disso.

Tradução

No tapo-vana, Mahārāja Pṛthu ora comia talos e raízes de árvores, ora comia frutos e folhas secas, e, por algumas semanas, bebia só água. Por fim, vivia apenas respirando.

Comentário

SIGNIFICADO—A Bhagavad-gītā aconselha os yogīs a se retirarem para um lugar isola­do na floresta e viverem ali sozinhos, em um lugar santificado. O comportamento de Pṛthu Mahārāja nos indica que, quando ele foi para a floresta, não comia nenhum alimento cozido, enviado da cidade por algum devoto ou discípulo. Tão logo alguém se submeta ao voto de viver na floresta, deve comer apenas raízes, talos de árvores, frutas, folhas secas ou qualquer coisa que a natureza for­neça dessa maneira. Pṛthu Mahārāja adotou estritamente esses princípios de vida na floresta e, às vezes, comia apenas folhas secas e só bebia um pouco d’agua. Às vezes, ele vivia somente de ar, e, outras vezes, comia algum fruto das árvores. Dessa maneira, ele viveu na floresta e se submeteu a rigorosas austeridades, especialmente no que diz respeito à alimentação. Em outras palavras, comer em ex­cesso não é algo recomendado de modo algum para quem deseja avançar na vida espiritual. Śrī Rūpa Gosvāmī também adverte que comer em demasia e se esforçar em demasia (atyāhāraḥ prayāsaś ca) são atividades contrárias aos princípios pelos quais alguém pode avan­çar na vida espiritual.

Note-se também que, segundo o preceito védico, viver na floresta é viver no modo da bondade plena, ao passo que viver na cidade é viver no modo da paixão, e viver em um bordel ou em uma casa de bebidas é viver no modo da ignorância. Entretanto, viver em um templo é viver em Vaikuṇṭha, que é transcendental a todos os modos da natureza material. Este movimento para a consciência de Kṛṣṇa proporciona a todos a oportunidade de viver no templo do Senhor, o qual é tão bom como Vaikuṇṭha. Consequentemente, uma pessoa consciente de Kṛṣṇa não precisa ir para a floresta e tentar imitar artificial­mente Mahārāja Pṛthu ou os grandes sábios e munis que costumavam viver na floresta.

Após se afastar de seu cargo de ministro do governo, Śrīla Rūpa Gosvāmī foi para Vṛndāvana, onde viveu debaixo de uma árvore, assim como Mahārāja Pṛthu. Desde então, muitas pessoas têm ido a Vṛndāvana para imitar o comportamento de Rūpa Gosvāmī. Ao invés de avançarem na vida espiritual, muitas delas caem em hábi­tos materiais e, mesmo em Vṛndāvana, tornam-se vítimas de sexo ilícito, jogos e intoxicação. O movimento para a consciência de Kṛṣṇa foi introduzido nos países ocidentais, mas não é possível aos ocidentais irem à floresta e praticarem as rigorosas austeridades que foram praticadas idealmente por Pṛthu Mahārāja ou Rūpa Gosvāmī. Contudo, os ocidentais ou qualquer outra pessoa podem seguir os passos de Śrīla Bhaktisiddhānta Sarasvatī Ṭhākura, vi­vendo em um templo, que é transcendental à vida na floresta, e fazer voto de aceitar kṛṣṇa-prasāda e nada mais, de seguir os princípios reguladores e de cantar dezesseis voltas do mantra Hare Kṛṣṇa diariamente. Dessa maneira, sua vida espiritual nunca será perturbada.

Texto

grīṣme pañca-tapā vīro
varṣāsv āsāraṣāṇ muniḥ
ākaṇṭha-magnaḥ śiśire
udake sthaṇḍile-śayaḥ

Sinônimos

griṣme — no verão; pañca-tapāḥ — cinco classes de aquecimento; vīraḥ — o herói; varṣāsu — na estação das chuvas; āsāraṣāṭ — expondo-se a torrentes de chuva; muniḥ — como os grandes sábios; ākaṇṭha­ — até o pescoço; magnaḥ — mergulhado; śiśire — no inverno; udake­ — dentro d’água; sthaṇḍile-śayaḥ — deitando-se no chão.

Tradução

Seguindo os princípios da vida na floresta e os passos dos grandes sábios e munis, Pṛthu Mahārāja aceitou cinco classes de processos de aquecimento durante o verão, expôs-se a torrentes de chuva durante a estação das chuvas e, no inverno, permaneceu com água até o pescoço. Além disso, costumava simplesmente se deitar no chão para dormir.

Comentário

SIGNIFICADO—Estas são algumas das austeridades praticadas pelos jñānīs e yogīs, que não podem aceitar o processo de bhakti-yoga. Eles preci­sam se submeter a essas rigorosas espécies de austeridade para purificarem-se da contaminação material. Pañca-tapāḥ se refere a cinco classes de processos de aquecimento. Segundo a prescrição, deve-se sentar-se dentro de um círculo de fogo, com chamas ardendo nas quatro direções e o sol queimando diretamente sobre a cabeça. Esta é uma espécie de pañca-tapāḥ recomendada para austeridade. De forma semelhante, na estação das chuvas, a prescrição é se expor a torrentes de chuva e, no inverno, sentar-se com água fria até o pescoço. Quanto a como se deitar, o asceta deve contentar-se simplesmente em se deitar no chão. O objetivo de se submeter a tão rigorosas austeridades é se tornar devoto da Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, como explica o verso seguinte.

Texto

titikṣur yata-vāg dānta
ūrdhva-retā jitānilaḥ
ārirādhayiṣuḥ kṛṣṇam
acarat tapa uttamam

Sinônimos

titikṣuḥ — tolerando; yata — controlando; vāk — palavras; dāntaḥ — controlando os sentidos; ūrdhva-retāḥ — sem ejacular sêmen; jita­-anilaḥ — controlando o ar vital; ārirādhayiṣuḥ — simplesmente desejando; kṛṣṇam — Senhor Kṛṣṇa; acarat — prática; tapaḥ — austeridades; uttamam — o melhor.

Tradução

Mahārāja Pṛthu se submeteu a todas essas rigorosas austeridades para controlar suas palavras e seus sentidos, para se abster de ejacular seu sêmen e para controlar o ar vital dentro do corpo. Tudo isso ele fez para a satisfação de Kṛṣṇa. Ele não tinha outro propósito.

Comentário

SIGNIFICADO—Em Kali-yuga, recomenda-se o seguinte:

harer nāma harer nāma
harer nāmaiva kevalam
kalau nāsty eva nāsty eva
nāsty eva gatir anyathā

(Bṛhan-nāradīya Purāṇa)

A fim de serem reconhecidos por Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, todos devem cantar o santo nome do Senhor continuamente, vinte e quatro horas por dia. Os desafortunados que não podem aceitar esta fórmula preferem praticar alguma classe de pseudo­meditação, sem aceitar os outros processos de austeridade. O fato, contudo, é que é preciso ou aceitar o rigoroso método de austeri­dade descrito acima para se purificar, ou adotar o processo de ser­viço devocional recomendado para satisfazer o Senhor Supremo, Kṛṣṇa. A pessoa que é consciente de Kṛṣṇa é muito inteligente porque, em Kali-yuga, não é possível, de maneira alguma, submeter-se a essas rigorosas austeridades. Precisamos apenas seguir grandes personalidades como o Senhor Caitanya Mahāprabhu. Em Seu Śikṣāṣṭaka, o Senhor Caitanya Mahāprabhu escreveu que paraṁ vijayate śrī-kṛṣṇa-saṅkīrtanam: todas as glórias aos santos nomes do Senhor Kṛṣṇa, que desde o início purificam nosso coração e nos libertam de imediato. Bhava-mahādāvāgni-nirvāpanam. Se o verdadeiro propósito de todo yoga é satisfazer o Senhor Kṛṣṇa, então este simples sistema de bhakti-yoga recomendado para esta era é suficiente. É necessário, entretanto, ocupar-se constantemente a serviço do Senhor. Apesar de Pṛthu Mahārāja ter praticado suas austeridades muito antes do aparecimento do Senhor Kṛṣṇa neste planeta, mesmo assim, seu propósito era satisfazer a Kṛṣṇa.

Muitos tolos afirmam que se começou a adorar Kṛṣṇa apenas cinco mil anos atrás, após o aparecimento do Senhor Kṛṣṇa na Índia, mas isso não é verdade. Pṛthu Mahārāja adorava Kṛṣṇa milhões de anos atrás, pois acontece de Pṛthu ser um descendente da família de Mahārāja Dhruva, que reinou por trinta e seis mil anos durante a era de Satya-yuga. A menos que o seu período total de vida fosse de cem mil anos, como Dhruva Mahārāja poderia reinar no mundo por trinta e seis mil anos? A ideia é que a adoração a Kṛṣṇa existia no início da criação e continuou a existir através de Satya-yuga, Tretā-yuga e Dvāpara-yuga, e agora continua em Kali-yuga. Como se afirma na Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa aparece, não apenas neste milê­nio da vida de Brahmā, mas em todo milênio. Portanto, pratica-­se a adoração a Kṛṣṇa em todos os milênios. Não é verdade que a adoração a Kṛṣṇa começou apenas quando Kṛṣṇa apareceu neste plane­ta há cinco mil anos. Essa é uma conclusão tola que não se apoia nos textos védicos.

Também de importância neste verso são as palavras ārirādha­yiṣuḥ kṛṣṇam acarat tapa uttamam. Mahārāja Pṛthu se submeteu a rigorosas espécies de austeridade com o propósito expresso de adorar a Kṛṣṇa. Kṛṣṇa é tão bondoso, especialmente nesta era, que aparece na vibração transcendental de Seu santo nome. Como se diz no Nārada-pañcarātra, ārādhito yadi haris tapasā tataḥ kim: se alguém adora Kṛṣṇa e faz dEle a meta de seu avanço, não precisa praticar rigorosas espécies de tapasya, pois se trata de alguém que já alcançou seu destino. Se, após praticar toda classe de tapasya, alguém não alcançar Kṛṣṇa, todo o seu tapasya não terá tido valor, pois, sem Kṛṣṇa, toda austeridade é meramente um esforço desperdiçado, śrama eva hi kevalam. (Śrīmad-Bhāgavatam 1.2.8) Não devemos, portanto, ficar desanimados somente porque não podemos ir à floresta e praticar rigorosas austeridades. Nossa vida é tão curta que devemos nos aferrar estritamente aos princípios estabelecidos pelos ācāryas vaiṣṇavas e executar pacificamente a consciência de Kṛṣṇa. Não há necessidade de cairmos em desânimo. Narottama Dāsa Ṭhākura recomenda: ānande bala hari, bhaja vṛndāvana, śri-guru-vaiṣṇava-pade majāiyā mana. Para uma vida bem-aventurada e transcenden­tal, cante o mantra Hare Kṛṣṇa, venha adorar a terra santa de Vṛndā­vana e sempre se dedique a servir o Senhor, o mestre espiritual e os vaiṣṇavas. Este movimento para a consciência de Kṛṣṇa é, por­tanto, muito seguro e fácil. Basta executarmos a ordem do Senhor e nos rendermos plenamente a Ele. Tudo o que precisamos fazer é executar a ordem do mestre espiritual, pregar a consciência de Kṛṣṇa e trilhar o caminho dos vaiṣṇavas. O mestre espiritual representa tanto o Senhor Kṛṣṇa quanto os vaiṣṇavas; portanto, seguindo as instruções do mestre espiritual e cantando Hare Kṛṣṇa, tudo correrá bem.

Texto

tena kramānusiddhena
dhvasta-karma-malāśayaḥ
prāṇāyāmaiḥ sanniruddha-
ṣaḍ-vargaś chinna-bandhanaḥ

Sinônimos

tena — praticando assim essas austeridades; krama — aos poucos; anu — constantemente; siddhena — com perfeição; dhvasta — esma­gou; karma — atividades fruitivas; mala — sujeiras; āśayaḥ — desejo; prāṇa-āyāmaiḥ — mediante a prática de prāṇāyāma-yoga, exercícios respiratórios; san — sendo; niruddha — impedidos; ṣaṭ-vargaḥ — a mente e os sentidos; chinna-bandhanaḥ — isolado por completo de todo o cativeiro.

Tradução

Praticando assim rigorosas austeridades, aos poucos Mahārāja Pṛthu se tornou inabalável na vida espiritual e inteiramente livre de todos os desejos de atividades fruitivas. Praticou, também, exercí­cios respiratórios para controlar a mente e os sentidos e, através desse controle, libertou-se por completo de todos os desejos de ativi­dades fruitivas.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra prāṇāyāmaiḥ é muito importante neste verso porque os haṭha-yogīs e os aṣṭāṅga-yogīs praticam prāṇāyāma, mas, de um modo geral, não lhe conhecem o propósito. O propósito do prāṇ­āyāma, ou yoga místico, é impedir a mente e os sentidos de se ocuparem em atividades fruitivas. Os ditos yogīs praticantes nos países ocidentais não fazem ideia disso. O objetivo do prāṇāyāma é adorar a Kṛṣṇa, e não fortalecer o corpo e prepará-lo para o tra­balho árduo. No verso anterior, mencionou-se especificamente que todas as práticas de austeridade, prāṇāyāma e yoga místico realiza­das por Pṛthu Mahārāja tinham como objetivo a adoração a Kṛṣṇa. Assim, Pṛthu Mahārāja serve como perfeito exemplo também para os yogīs. Tudo o que ele fez, foi feito para satisfazer a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.

A mente dos viciados em atividades fruitivas está sempre cheia de desejos impuros. Atividades fruitivas são sintomáticas de nosso desejo poluído de dominar a natureza material. Enquanto continuarmos sujeitos a desejos poluídos, seremos obrigados a aceitar corpos materiais, um após o outro. Sem ter noção do verdadeiro objetivo do yoga, os ditos yogīs praticam-no para manter a forma física. Assim, eles se ocupam em atividades fruitivas, o que os leva a desejar aceitar outro corpo. Eles não têm noção de que a meta última da vida é se aproximar de Kṛṣṇa. A fim de poupar semelhantes yogīs de divagarem pelas diferentes espécies de vida, os śāstras advertem que, nesta era, essa prática de yoga é mera perda de tempo. O único meio de elevação é o cantar do mahā-mantra Hare Kṛṣṇa.

s atividades do rei Pṛthu ocorreram em Satya-yuga, mas, nesta nossa era, tal prática de yoga é compreendida de forma equivocada por almas caídas e sem capacidade de praticar nada. Consequentemente, os śāstra prescrevem: kalau nāsty eva nāsty eva nāsty eva gatir anyathā. A conclusão é que, se os karmīs, os jñānīs e os yogīs não atingirem a plataforma do serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa, suas ditas austeridades e yoga não terão valor. Nārādhitaḥ: se Hari, a Suprema Personalidade de Deus, não é adorado, não há por que praticar yoga meditativa, executar karma-yoga ou cultivar conhecimento empírico. Quanto a prāṇāyāma, o cantar do santo nome do Senhor e o dançar em êxtase também são considerados prāṇāyāma. No verso anterior, Sanat-kumāra exortou Mahārāja Pṛthu a se ocupar constantemente a serviço do Senhor Supremo, Vāsudeva:

yat pāda-paṅkaja-palāśa-vilāsa-bhaktyā
karmāśayaṁ grathitam udgrathayanti santaḥ

Só quem adora Vāsudeva pode libertar-se dos desejos de atividades fruitivas. Se não adorarem Vāsudeva, os yogīs e os jñānīs não pode­rão libertar-se de tais desejos.

tadvan na rikta-matayo yatayo ’pi ruddha-
sroto-gaṇās tam araṇaṁ bhaja vāsudeva

Nesta passagem, a palavra prāṇāyāma não se refere a nenhuma motivação ulterior. A verdadeira meta é fortalecer a mente e os sen­tidos para ocupá-los em serviço devocional. Na era atual, é muito fácil adquirir essa determinação simplesmente cantando os santos nomes: Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare.

Texto

sanat-kumāro bhagavān
yad āhādhyātmikaṁ param
yogaṁ tenaiva puruṣam
abhajat puruṣarṣabhaḥ

Sinônimos

sanat-kumāraḥ — Sanat-kumāra; bhagavān — poderosíssimo; yat — aquele que; āha — disse; ādhyātmikam — avanço espiritual na vida; param — último; yogam — misticismo; tena — com este; eva — decer­to; puruṣam — a Pessoa Suprema; abhajat — adorou; puruṣa-ṛṣa­bhaḥ — o melhor dos seres humanos.

Tradução

Assim, Mahārāja Pṛthu, o melhor entre os seres humanos, trilhou aquele caminho de avanço espiritual, conforme conselho de Sanat-kumāra. Ou seja, ele adorou a Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa.

Comentário

SIGNIFICADO—Este verso diz claramente que Mahārāja Pṛthu, praticando o sis­tema de prāṇāyāma-yoga, ocupou-se a serviço da Suprema Perso­nalidade de Deus, conforme conselho do santo Sanat-kumāra. Neste verso, as palavras puruṣam abhajat puruṣarṣabhaḥ são signi­ficativas: puruṣarṣabha refere-se a Mahārāja Pṛthu, o melhor entre os seres humanos, e puruam refere-se à Suprema Personalidade de Deus. A conclusão é que o melhor entre todos os homens se ocupa a serviço da Pessoa Suprema. Um é o puruṣa adorável, e o outro é o puruṣa adorador. Quando o puruṣa adorador, a entidade viva, cogita tornar-se uno com a Pessoa Suprema, só faz confundir-se e cai na escuridão da ignorância. Como afirma o Senhor Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā (2.12), todas as entidades vivas reunidas no campo de batalha, bem como o próprio Kṛṣṇa, também estiveram pre­sentes no passado como indivíduos e continuariam a estar presentes no futuro como indivíduos. Logo, os dois puruṣas, a entidade viva e a Suprema Personalidade de Deus, jamais podem perder suas respectivas identidades.

Na verdade, quem é autorrealizado ocupa-se a serviço do Senhor perpetuamente, tanto nesta vida quanto na próxima. De fato, para os devotos, não há diferença entre esta vida e a seguinte. Nesta vida, o devoto neófito é treinado a servir à Suprema Personalidade de Deus, e, na vida seguinte, ele se aproxima dessa Pessoa Suprema em Vaikuṇṭha e presta-Lhe o mesmo serviço devocional. Mesmo para o devoto neófito, o serviço devocional é considerado brahma­-bhūyāya kalpate. O serviço devocional ao Senhor jamais é considerado uma atividade material. Por atuar na plataforma de brahma-bhūta, o devoto já está liberado. Portanto, ele não precisa praticar qualquer outra espécie de yoga para se aproximar da fase de brahma-bhūta. Se o devoto se mantém estritamente fiel às ordens do mestre espiritual, segue as regras e regulações e canta o mantra Hare Kṛṣṇa, deve-se concluir que ele já está na fase de brahma-bhūta, como se confirma na Bhagavad-gītā (14.26):

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

“Aquele que se ocupa em pleno serviço devocional, sem cair em nenhuma circunstância, transcende de imediato os modos da natu­reza material e, assim, atinge o nível de Brahman.”

Texto

bhagavad-dharmiṇaḥ sādhoḥ
śraddhayā yatataḥ sadā
bhaktir bhagavati brahmaṇy
ananya-viṣayābhavat

Sinônimos

bhagavat-dharmiṇaḥ — aquele que executa serviço devocional; sādhoḥ — do devoto; śraddhayā — com fé; yatataḥ — esforçando-se; sadā — sempre; bhaktiḥ — devoção; bhagavati — à Personalidade de Deus; brahmaṇi — a origem do Brahman impessoal; ananya-viṣayā — firmemente fixos, sem desvios; abhavat — tornaram-se.

Tradução

Mahārāja Pṛthu ocupou-se assim inteiramente em serviço devocional, executando as regras e regulações estritamente de acordo com os princípios, vinte e quatro horas por dia. Assim, seu amor e devoção pela Suprema Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, desenvolveram-se e tornaram-se fixos e indefectíveis.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra bhagavad-dharminaḥ indica que o processo religioso praticado por Mahārāja Pṛthu estava além de todas as preten­sões. Como se afirma no começo do Śrīmad-Bhāgavatam (1.1.2), dharmaḥ projjhita-kaitavo ’tra: princípios religiosos que sejam simplesmente motivados por pretensões pessoais na verdade nada mais são do que enganação. Vīrarāghava Ācārya descreve o processo bhagavad-dharmiṇaḥ como sendo nivṛtta-dharmeṇa, indicativo de que aspirações materiais não podem contaminá-lo. Como descreve Śrīla Rūpa Gosvāmī:

anyābhilāṣitā-śūnyaṁ
jñāna-karmādy-anāvṛtam
ānukūlyena kṛṣṇānu-
śīlanaṁ bhaktir uttamā

Quando alguém se ocupa plenamente em serviço favorável ao Senhor, sem se deixar levar por desejos materiais e sem se deixar contaminar pelos processos de atividades fruitivas e especulação filosófica, seu serviço se chama bhagavad-dharma, ou serviço devocional puro. Neste verso, a palavra brahmaṇi não se refere ao Brahman impessoal. O Brahman é um aspecto subordinado da Suprema Personalidade de Deus, e, como os adoradores do Brahman impessoal desejam fundir-se na refulgência Brahman, não se pode considerá-los seguidores do bhagavad-dharma. Após experimentar a frustração no gozo material, o impersonalista pode­rá desejar fundir-se na existência do Senhor, mas o devoto puro do Senhor não tem semelhante desejo. Portanto, o devoto puro é o verdadeiro bhagavad-dharmī.

Este verso deixa claro que Mahārāja Pṛthu jamais foi um adorador do Brahman impessoal, senão que sempre foi um devoto puro da Suprema Personalidade de Deus. Bhagavati brahmaṇi refere-se àquele que se ocupa em serviço devocional à Personali­dade de Deus. O conhecimento que o devoto tem do Brahman impessoal é revelado de forma automática, e ele não tem interesse em fundir-se no Brahman impessoal. As atividades de Mahārāja Pṛthu em serviço devocional capacitaram-no a fixar-se e estabilizar­-se no desempenho de atividades devocionais, sem precisar recorrer a karma, jñāna ou yoga.

Texto

tasyānayā bhagavataḥ parikarma-śuddha-
sattvātmanas tad-anusaṁsmaraṇānupūrtyā
jñānaṁ viraktimad abhūn niśitena yena
ciccheda saṁśaya-padaṁ nija-jīva-kośam

Sinônimos

tasya — dele; anayā — com isto; bhagavataḥ — da Suprema Personalidade de Deus; parikarma — atividades em serviço devocional; śuddha — pura, transcendental; sattva — existência; ātmanaḥ — da mente; tat — da Suprema Personalidade de Deus; anusaṁsmaraṇa — lembrando-se com constância; anupūrtyā — sendo feito perfeita­mente; jñānam — conhecimento; virakti — desapego; mat — possuindo; abhūt — manifestaram-se; niśitena — por atividades acuradas; yena — através do que; ciccheda — separam-se; saṁśaya-padam — posição de dúvida; nija — própria; jīva-kośam — encarceramento da entidade viva.

Tradução

Executando serviço devocional de maneira regular, Pṛthu Mahā­rāja desenvolveu uma mente transcendental, em virtude do que podia pensar com constância nos pés de lótus do Senhor. Por causa disso, tornou-se completamente desapegado e alcançou conhecimento perfeito, através do qual pôde transcender todas as dúvidas. Assim, ele se libertou das garras do falso ego e do conceito material de vida.

Comentário

SIGNIFICADO—No Nārada-pañcarātra, o serviço devocional ao Senhor é comparado a uma rainha. Quando a rainha confere uma audiência, muitas criadas acompanham-na. As criadas do serviço devocional são a opulência material, a liberação e os poderes místicos. Os karmīs são bastante apegados ao gozo material, os jñānīs anseiam muito livrar-se das garras materiais, e os yogīs gostam muito de atingir as oito classes de perfeições místicas. O Nārada-pañcarātra nos indica que, se alguém alcança a fase de serviço devocional puro, também obtém todas as opulências derivadas de atividades fruitivas, especulação filosófica empírica e prática de yoga místico. Śrīla Bilvamaṅgala Ṭhākura, portanto, orou em seu Kṛṣṇa-karṇāmṛta: “Meu querido Senhor, se eu tiver devoção inquebrantável por Ti, é certo que Te manifestarás pessoalmente diante de mim, e os resultados das atividades fruitivas e da especulação filosófica empírica – a saber, religião, desenvolvi­mento econômico, gozo dos sentidos e liberação – se tornarão como servos pessoais e permanecerão em pé diante de mim como se esperassem por minha ordem.” A ideia aqui é que os jñānīs, median­te o cultivo de brahma-vidyā, conhecimento espiritual, lutam arduamente para escapar das garras da natureza material, mas o devoto, em razão de seu avanço em serviço devocional, desapega-­se automaticamente de seu corpo material. Quando o corpo espi­ritual do devoto começa a manifestar-se, ele realmente ingressa em suas atividades na vida transcendental.

No momento atual, estamos em contato com corpo, mente e inteligência materiais, mas, ao livrarmo-nos dessas condições materiais, nosso corpo, mente e inteligência espirituais se manifestarão. Nesse estado transcendental, um devoto obtém todos os benefícios de karma, jñāna e yoga. Apesar de ele nunca se ocupar em ativi­dades fruitivas ou especulação empírica para alcançar poderes mís­ticos, os poderes místicos aparecem de forma automática em seu serviço. O devoto não deseja nenhuma espécie de opulência mate­rial, mas tal opulência aparece de forma automática diante dele. Ele não precisa esforçar-se por obtê-la. Devido a seu serviço devo­cional, ele naturalmente se torna brahma-bhūta. Como se afirmou antes, confirma-se isso na Bhagavad-gītā (14.26):

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

“Aquele que se ocupa em pleno serviço devocional, sem fracassar em nenhuma circunstância, transcende de imediato os modos da natureza material e, assim, chega ao nível de Brahman.”

Devido a seu desempenho regular de serviço devocional, o devoto alcança a fase de vida transcendental. Como sua mente está situada na transcendência, ele não pode pensar em nada além dos pés de lótus do Senhor. Esse é o significado da expressão saṁsmaraṇa-anupūrtyā. Pensando constantemente nos pés de lótus do Senhor, o devoto situa-se de imediato em śuddha-sattva. Śuddha­-sattva refere-se à plataforma que está acima dos modos da natureza material, incluindo o modo da bondade. No mundo material, o modo da bondade é considerado representativo da perfeição máxi­ma, mas é preciso transcender esse modo e chegar à fase de śuddha-sattva, ou bondade pura, onde as três qualidades da natu­reza material não podem atuar.

Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura apresenta o seguinte exemplo: se alguém tem um forte poder digestivo, após comer, naturalmente acende um fogo dentro de seu estômago para digerir tudo, sem precisar ingerir algum remédio para ajudar sua digestão. De modo seme­lhante, o fogo do serviço devocional é tão forte que o devoto não precisa esforçar-se separadamente para obter conhecimento perfeito ou desapego dos atrativos materiais. O jñānī poderá desapegar-se dos atrativos materiais mediante prolongados colóquios sobre temas de conhecimento e poderá chegar dessa maneira, por fim, à fase brahma-bhūta, mas, o devoto não precisa submeter-se a tantos incô­modos. Em virtude de seu serviço devocional, ele alcança a fase brahma-bhūta, sem dúvida alguma. Os yogīs e os jñānīs são sempre incertos quanto à sua posição constitucional; portanto, eles cometem o erro de pensar em se tornarem unos com o Supremo. Contudo, a relação do devoto com o Supremo se manifesta além de todas as dúvidas, e ele entende de imediato que sua posição é de servo eterno do Senhor. Os jñānīs e os yogīs sem devoção podem julgar-se liberados, mas, na verdade, a inteligência deles não é tão pura como a do devoto. Em outras palavras, os jñānīs e os yogīs não podem realmente se libertar a menos que se elevem à posição de devotos.

āruhya kṛcchreṇa paraṁ padaṁ tataḥ
patanty adho ’nādṛta-yuṣmad-aṅghrayaḥ

Os jñānīs e os yogīs poderão elevar-se à posição máxima, a compreensão do Brahman, mas, devido à sua falta de devoção aos pés de lótus do Senhor, eles caem de novo na natureza material. Por­tanto, não se deve aceitar jñāna e yoga como os verdadeiros proces­sos de liberação. Praticando o serviço devocional, Mahārāja Pṛthu naturalmente transcendeu todas essas posições. Uma vez que Mahā­rāja Pṛthu era uma encarnação śaktyāveśa do Senhor Supremo, ele não precisava fazer nada para alcançar a liberação. Ele veio do mundo Vaikuṇṭha, ou seja, o céu espiritual, a fim de cumprir a vontade do Senhor Supremo na Terra. Consequentemente, ele vol­taria ao lar, voltaria ao Supremo, sem precisar executar jñāna, yoga ou karma. Embora Pṛthu Mahārāja fosse eternamente um devoto puro do Senhor, mesmo assim ele adotou o processo de serviço devocional para ensinar às pessoas em geral o processo apropriado de desempenhar os deveres da vida e, enfim, voltar ao lar, voltar ao Supremo.

Texto

chinnānya-dhīr adhigatātma-gatir nirīhas
tat tatyaje ’cchinad idaṁ vayunena yena
tāvan na yoga-gatibhir yatir apramatto
yāvad gadāgraja-kathāsu ratiṁ na kuryāt

Sinônimos

chinna — separando-se; anya-dhīḥ — todos os demais conceitos de vida (o conceito corpóreo de vida); adhigata — estando firmemente convencido; ātma-gatiḥ — a meta última da vida espiritual; nirīhaḥ — sem desejo; tat — isto; tatyaje — abandonou; acchinat — cortara; idam — isto; vayunena — com o conhecimento; yena — pelo qual; tāvat — tanto tempo; na — jamais; yoga-gatibhiḥ — a prática do sis­tema de yoga místico; yatiḥ — o praticante; apramattaḥ — sem qualquer ilusão; yāvat — tanto tempo; gadāgraja — de Kṛṣṇa; kathā­su — palavras; ratim — atração; na — jamais; kuryāt — fazem-no.

Tradução

Ao livrar-se inteiramente do conceito corpóreo de vida, Mahārāja Pṛthu percebeu o Senhor Kṛṣṇa sentado no coração de todos como o Paramātmā. Sendo assim capaz de receber todas as instruções dEle, abandonou todas as outras práticas de yoga e jñāna. Não estava sequer interessado na perfeição dos sistemas de yoga e jñāna, pois compreendeu plenamente que o serviço devocional a Kṛṣṇa é a meta última da vida e que, a menos que os yogīs e os jñānīs se atraiam por Kṛṣṇa-kathā [narrações sobre Kṛṣṇa], suas ilusões con­cernentes à existência jamais poderão ser dissipadas.

Comentário

SIGNIFICADO—Enquanto alguém estiver demasiadamente absorto no conceito corpóreo de vida, ele se interessa por muitos diferentes processos de autorrealização, tais como o sistema de yoga místico ou o sistema que utiliza os métodos especulativos empíricos. Entretanto, quem entende que a meta última da vida é aproximar-se de Kṛṣṇa percebe Kṛṣṇa dentro do coração de todos e, portanto, ajuda a todos que estejam interessados em consciência de Kṛṣṇa. Na verdade, a perfeição de nossa vida depende de nossa inclinação por ouvir sobre Kṛṣṇa. Por isso, menciona-se neste verso, yāvad gadāgraja-kathāsu ratiṁ na kuryāt: sem se interessar por Kṛṣṇa, por Seus passatem­pos e atividades, não há possibilidade de liberação por meio da prática de yoga ou de conhecimento especulativo.

Tendo alcançado a fase de devoção, Mahārāja Pṛthu perdeu inte­resse pelas práticas de jñāna e yoga e as abandonou. Essa é a fase de vida devocional pura descrita por Rūpa Gosvāmī:

anyābhilāṣitā-śūnyaṁ
jñāna-karmādy-anāvṛtam
ānukūlyena kṛṣṇānu-
śīlanaṁ bhaktir uttamā

Verdadeiro jñāna significa entender que a entidade viva é serva eterna do Senhor. Alcança-se esse conhecimento após muitos e muitos nascimentos, como se confirma na Bhagavad-gītā (7.19): bahūnāṁ janmanām ante jñānavān māṁ prapadyate. Na fase de vida paramahaṁsa, compreende-se plenamente que Kṛṣṇa é tudo: vāsudevaḥ sarvam iti sa mahātmā sudurlabhaḥ. Quem compreende plenamente que Kṛṣṇa é tudo e que a consciência de Kṛṣṇa é a perfeição máxima da vida torna-se um paramahaṁsa, ou mahātmā. É muito raro encontrar semelhante mahātmā ou paramahaṁsa. O paramahaṁsa, ou devoto puro, jamais se sente atraído por haṭha­-yoga ou por um conhecimento especulativo. Ele está simplesmente interessado no imaculado serviço devocional ao Senhor. Às vezes, uma pessoa anteriormente viciada na prática desses processos tenta executar serviço devocional e as práticas de jñāna e yoga ao mesmo tempo, mas, tão logo chegue à fase imaculada de serviço devocional, é capaz de abandonar todos os demais métodos de autorrealização. Em outras palavras, quando alguém compreende firmemente que Kṛṣṇa é a meta suprema, já não sente atração pela prática de yoga mística ou pelos métodos de conhecimento especulativo e empírico.

Texto

evaṁ sa vīra-pravaraḥ
saṁyojyātmānam ātmani
brahma-bhūto dṛḍhaṁ kāle
tatyāja svaṁ kalevaram

Sinônimos

evam — assim; saḥ — ele; vīra-pravaraḥ — o principal dos heróis; saṁyojya — aplicando; ātmānam — mente; ātmani — na Superalma; brahma-bhūtaḥ — estando liberado; dṛḍham — firmemente; kāle — no devido curso do tempo; tatyāja — abandonou; svam — próprio; kale­varam — corpo.

Tradução

No devido curso do tempo, quando estava prestes a abandonar o corpo, Pṛthu Mahārāja fixou sua mente firmemente nos pés de lótus de Kṛṣṇa, e assim, inteiramente situado na plataforma Brahma-bhūta, abandonou o corpo material.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo um provérbio bengali, todo o progresso espiritual que alguém faça na vida será testado no momento da morte. Na Bhagavad-gītā (8.6), também se confirma: yaṁ yaṁ vāpi smaran bhāvaṁ tyajaty ante kalevaram/ taṁ tam evaiti kaunteya sadā tad-bhāva-bhāvitaḥ. Quem está praticando a consciência de Kṛṣṇa sabe que passará por um exame à hora da morte. Se puder lembrar-se de Kṛṣṇa à hora da morte, será transferido de imediato para Goloka Vṛndāvana, ou Kṛṣṇaloka, e assim sua vida será exitosa. Pela graça de Kṛṣṇa, Pṛthu Mahārāja pôde entender que o fim de sua vida estava próximo e, deste modo, encheu-se de júbilo e preparou-se para abandonar completamente seu corpo na fase brahma-bhūta, mediante a prática do processo de yoga. Os versos seguintes descre­vem amplamente como se pode abandonar voluntariamente este corpo e voltar ao lar, voltar ao Supremo. O sistema de yoga prati­cado por Pṛthu Mahārāja no momento da morte acelera o processo de abandonar o corpo enquanto a pessoa está em um bom estado de saúde física e mental. Todo devoto deseja abandonar o corpo enquanto está saudável física e mentalmente. O rei Kulaśekhara também expressou esse desejo em seu Mukunda-mālā-stotra:

kṛṣṇa tvadīya-padapaṅkaja-pañjarāntam
adyaiva me viśatu mānasa-rāja-haṁsaḥ
prāṇa-prayāṇa-samaye kapha-vāta-pittaiḥ
kaṇṭhāvarodhana-vidhau smaraṇaṁ kutas te

O rei Kulaśekhara desejou abandonar seu corpo enquanto estivesse saudável, e assim orou a Kṛṣṇa pedindo que o deixasse morrer de imediato, enquanto gozava de boa saúde e enquanto sua mente estava sã. Quando um homem morre, geralmente ele se enche de tanto muco e bílis que fica sufocado. Por ser muito difícil vibrar qualquer som quando se está sufocado, é apenas pela graça de Kṛṣṇa que se pode cantar Hare Kṛṣṇa à hora da morte. Contudo, situando-se na posição muktāsana, um yogī poderá imediatamente abandonar seu corpo e ir a qualquer planeta que desejar. O yogī perfeito pode abandonar seu corpo quando lhe aprouver, através da prática de yoga.

Texto

sampīḍya pāyuṁ pārṣṇibhyāṁ
vāyum utsārayañ chanaiḥ
nābhyāṁ koṣṭheṣv avasthāpya
hṛd-uraḥ-kaṇṭha-śīrṣaṇi

Sinônimos

sampīdya — bloqueando; pāyum — a entrada do ânus; pārṣṇi­bhyām — pelas batatas da perna; vāyum — o ar que sobe; utsā­rayan — empurrando para cima; śanaiḥ — aos poucos; nābhyām­ — pelo umbigo; koṣṭheṣu — no coração e na garganta; avasthāpya­ — fixando; hṛt — no coração; uraḥ — para cima; kaṇṭha — garganta; śīrṣaṇi — entre as duas sobrancelhas.

Tradução

Ao praticar uma postura ióguica sentada em particular, Mahārāja Pṛthu bloqueou a entrada de seu ânus com o tornozelo, pressio­nou suas batatas da perna direita e esquerda e, aos poucos, elevou seu ar vital, fazendo-o passar do círculo de seu umbigo para seu coração e garganta e, enfim, empurrou-o para cima até a posição central entre as duas sobrancelhas.

Comentário

SIGNIFICADO—A postura sentada descrita nesta passagem chama-se muktāsana. No processo de yoga, após seguir os estritos princípios reguladores para controlar o dormir, o comer e o acasalar-se, a pessoa tem permissão de praticar as diferentes posturas sentadas. A meta última do yoga é nos capacitar a abandonar este corpo de acordo com nosso próprio livre arbítrio. Alguém que tenha alcançado o ápice da prática de yoga pode viver no corpo enquanto desejar, ou, enquanto não for inteiramente perfeito, pode deixar o corpo para ir a qualquer parte dentro ou fora do universo. Alguns yogīs deixam seus corpos para irem aos sistemas planetários superiores e goza­rem dos recursos materiais ali existentes. Entretanto, os yogīs inteligentes não desejam, de modo algum, perder seu tempo dentro deste mundo material; eles não se importam com os recursos materiais nos sistemas planetários superiores, senão que estão interessados em ir diretamente para o céu espiritual, de volta ao lar, de volta ao Supremo.

A partir da descrição neste verso, parece que Mahārāja Pṛthu não tinha o desejo de promover-se aos sistemas planetários superiores. Ele queria, sem mais demora, voltar ao lar, voltar ao Supremo. Apesar de Mahārāja Pṛthu ter parado toda a prática de yoga místico após compreender a consciência de Kṛṣṇa, aproveitou-se de sua práti­ca anterior e se situou de imediato na plataforma brahma-bhūta a fim de acelerar sua volta ao Supremo. A meta deste sistema especí­fico de āsana, conhecido como a postura sentada para a liberação, muktāsana, é obter sucesso em kuṇḍalinī-cakra e, aos poucos, elevar a vida do mūlādhāra-cakra até o svādhiṣṭhāna-cakra, e depois ao maṇipūra-cakra, ao anāhata-cakra, ao viśuddha-cakra e, enfim, ao ājñā-cakra. Ao alcançar o ājñā-cakra, entre as duas sobrancelhas, o yogī é capaz de penetrar o brahma-randhra, ou o orifício em seu crânio, e ir a qualquer planeta que deseje, inclusive o reino espiritual de Vaikuṇṭha ou Kṛṣṇaloka. Concluindo, é pre­ciso chegar à fase brahma-bhūta para voltar ao Supremo. Contudo, aqueles que estão em consciência de Kṛṣṇa, ou que praticam bhakti-yoga (śravaṇaṁ kirtanaṁ viṣṇoḥ smaraṇaṁ pāda-sevanam), podem voltar ao lar mesmo sem praticar o processo de muktāsana. O propósito da prática de muktāsana é atingir a fase brahma-bhūta, pois, sem estar na fase brahma-bhūta, ninguém pode ser promovido ao céu espiritual. Como se afirma na Bhagavad-gītā (14.26):

māṁ ca yo ’vyabhicāreṇa
bhakti-yogena sevate
sa guṇān samatītyaitān
brahma-bhūyāya kalpate

Praticando bhakti-yoga, o bhakti-yogī está sempre situado na fase brahma-bhūta (brahma-bhūyāya kalpate). Se um devoto é capaz de continuar na plataforma brahma-bhūta, ele entra no céu espiritual imediatamente após a morte e retorna ao Supremo. Logo, o devoto não precisa lamentar-se por não ter praticado kuṇḍalinī-cakra, ou por não ter penetrado os seis cakras, um após o outro. Quanto a Mahārāja Pṛthu, ele já havia praticado esse processo e, como não queria esperar até o momento em que sua morte ocorreria natural­mente, aproveitou-se do processo de penetração ṣaṭ-cakra e assim abandonou o corpo de acordo com sua própria vontade, entrando imediatamente no céu espiritual.

Texto

utsarpayaṁs tu taṁ mūrdhni
krameṇāveśya niḥspṛhaḥ
vāyuṁ vāyau kṣitau kāyaṁ
tejas tejasy ayūyujat

Sinônimos

utsarpayan — assim colocando; tu — mas; tam — o ar; mūrdhni­ — sobre a cabeça; krameṇa — gradualmente; āveśya — colocando; niḥspṛhaḥ — livrando-se de todos os desejos materiais; vāyum — a porção de ar do corpo; vāyau — na totalidade de ar que cobre o universo; kṣitau — na camada total de terra; kāyam — este corpo material; tejaḥ — o fogo no corpo; tejasi — na totalidade de fogo da cobertura material; ayūyujat — misturou.

Tradução

Dessa maneira, Pṛthu Mahārāja gradualmente elevou seu ar vital até o orifício em seu crânio, após o que perdeu todo o desejo pela existência material. Pouco a pouco, fundiu seu ar vital na totalidade do ar, seu corpo na totalidade da terra, e o fogo dentro de seu corpo na totalidade do fogo.

Comentário

SIGNIFICADO—Quando a centelha espiritual, a qual é descrita como a décima milésima parte da ponta de um fio de cabelo, é forçada a entrar na existência material, essa centelha é encoberta por elementos mate­riais grosseiros e sutis. O corpo material é composto de cinco ele­mentos grosseiros, a saber, terra, água, fogo, ar e éter, e três elementos sutis, a saber, mente, inteligência e ego. Quem alcança a liberação livra-se dessas coberturas materiais. De fato, o sucesso no yoga acarreta o libertar-se dessas coberturas materiais e o ingresso na existência espiritual. Os ensinamentos do senhor Buddha sobre nirvāṇa baseiam-se nesse princípio. O senhor Buddha mandou que seus seguidores abandonassem essas coberturas materiais por meio da meditação e do yoga. O senhor Buddha não deu informação alguma sobre a alma, mas, se alguém seguir estritamente suas instruções, por fim se libertará das coberturas materiais e atingirá o nirvāṇa.

Ao abandonar as coberturas materiais, a entidade viva continua sendo alma espiritual. Essa alma espiritual é obrigada a entrar no céu espiritual para se fundir na refulgência Brahman. Infelizmente, a menos que a entidade viva tenha informações acerca do mundo espi­ritual e dos Vaikuṇṭhas, há 99,9 por cento de probabilidade de que caia de novo na existência material. Há, entretanto, uma pequena possibilidade de ela ser promovida a algum planeta espiritual a partir da refulgência Brahman, ou do brahmajyoti. Esse brahma­jyoti, os impersonalistas consideram-no desprovido de variedades, e os budistas consideram-no vazio. De qualquer modo, se alguém aceita o céu espiritual como sendo sem variedade ou vazio, não existe ali nenhuma das espécies de bem-aventurança espiritual des­frutadas nos planetas espirituais, os Vaikuṇṭhas, ou Kṛṣṇaloka. Na ausência de variedades de prazer, a alma espiritual pouco a pouco se sente atraída a gozar de uma vida de bem-aventurança, e, não tendo quaisquer informações sobre Kṛṣṇaloka ou Vaikuṇṭhaloka, naturalmente cai em atividades materiais para gozar de variedades materiais.

Texto

khāny ākāśe dravaṁ toye
yathā-sthānaṁ vibhāgaśaḥ
kṣitim ambhasi tat tejasy
ado vāyau nabhasy amum

Sinônimos

khāni — os diferentes orifícios no corpo para os órgãos dos senti­dos; ākāśe — no céu; dravam — a substância líquida; toye — na água; yathā-sthānam — conforme a devida situação; vibhāgaśaḥ — como são divididos; kṣitim — terra; ambhasi — na água; tat — isto; tejasi — no fogo; adaḥ — o fogo; vāyau — no ar; nabhasi — no céu; amum­ — isto.

Tradução

Dessa maneira, conforme as diferentes posições das diversas partes do corpo, Pṛthu Mahārāja fundiu os orifícios de seus sentidos no céu; os líquidos de seu corpo, tais como sangue e várias secreções, na totalidade da água; e fundiu a terra na água, depois a água no fogo, o fogo no ar, o ar no céu e assim por diante.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, duas palavras são muito importantes: yathā-sthānam e vibhāgaśaḥ. No Śrīmad-Bhāgavatam, segundo canto, quinto capítulo, o senhor Brahmā explica claramente a Nārada como ocorreu a criação, e explica, passo a passo, as divisões próprias dos sentidos, o controlador dos sentidos, os objetos dos sentidos e os elementos materiais, além de também explicar como eles são criados, um após o outro: o ar do céu, o fogo do ar, a água do fogo, a terra da água etc. É importante conhecer perfeitamente o processo de criação da maneira como ele se aplica a esta manifestação cósmica. De forma semelhante, o Senhor Supremo cria este corpo de acordo com o mesmo processo. A Personalidade de Deus, após entrar no universo, cria as manifestações cósmicas, uma após a outra. Do mesmo modo, a entidade viva, após entrar no ventre materno, também reúne seus corpos grosseiro e sutil, tomando ingredientes da totalidade do céu, do ar, do fogo, da água e da terra. As palavras yathā-sthānaṁ vibhāgaśaḥ indicam que devemos conhecer o pro­cesso de criação e devemos meditar no processo criativo inversa­mente, livrando-nos, assim, da contaminação material.

Texto

indriyeṣu manas tāni
tan-mātreṣu yathodbhavam
bhūtādināmūny utkṛṣya
mahaty ātmani sandadhe

Sinônimos

indriyeṣu — nos órgãos dos sentidos; manaḥ — a mente; tāni — os órgãos dos sentidos; tat-mātreṣu — nos objetos dos sentidos; yathā-­udbhavam — de onde geraram; bhūta-ādinā — pelos cinco elementos; amūni — todos aqueles objetos dos sentidos; utkṛṣya — tirando; mahati — no mahat-tattva; ātmani — com o ego; sandadhe — amalgamou.

Tradução

Ele amalgamou a mente com os sentidos e os sentidos com os objetos dos sentidos, de acordo com suas respectivas posições, e também amalgamou o ego material com a totalidade da energia material, o mahat-tattva.

Comentário

SIGNIFICADO—Com respeito ao ego, a totalidade da energia material divide-se em duas partes – uma agitada pelo modo da ignorância e outra agitada pelos modos da paixão e da bondade. Devido à agitação pelo modo da ignorância, são criados os cinco elementos grosseiros. Devido à agitação pelo modo da paixão, a mente é criada, e, devido à agitação pelo modo da bondade, o falso ego, ou seja, a identifi­cação com a matéria, é criado. A mente é protegida por uma classe específica de semideus. Às vezes, considera-se que a mente (manaḥ) também tem uma deidade controladora ou semideus. Dessa manei­ra, a totalidade da mente, a saber, a mente material controlada por semideuses materiais, foi amalgamada com os sentidos. Os sentidos, por sua vez, foram amalgamados com os objetos dos sentidos. Os objetos dos sentidos são formas, sabores, cheiros, sons etc. O som é a fonte última dos objetos dos sentidos. A mente ficou atraída pelos sentidos, e os sentidos se atraíram pelos objetos dos sentidos, e todos eles, final­mente, foram amalgamados com o céu. A criação é arranjada de tal maneira que causa e efeito seguem-se um após o outro. O pro­cesso de fusão envolve o amalgamar do efeito com a causa original. Uma vez que a causa fundamental no mundo material é o mahat-­tattva, tudo foi gradualmente liquidado e amalgamado com o mahat-tattva. Pode-se comparar isso ao śūnya-vāda, ou niilismo, mas esse é o processo para se purificar a verdadeira mente espiritual, ou consciência.

Quando a mente se purifica inteiramente de toda a contaminação material, a consciência pura age. A vibração sonora oriunda do céu espiritual pode limpar de forma automática todas as contaminações materiais, como confirma Caitanya Mahāprabhu: ceto-darpaṇa-­mārjanam. Precisamos apenas aceitar o conselho do Senhor Caita­nya Mahāprabhu e cantar o mantra Hare Kṛṣṇa para limpar a mente de toda a contaminação material, e isso pode ser considerado o resumo deste difícil verso. Tão logo toda a contaminação material seja eliminada mediante este processo de cantar, todos os desejos e reações às atividades materiais se extinguem de imediato, e a vida real, a existência pacífica, começa. Nesta era de Kali, é muito difícil adotar o processo de yoga mencionado neste verso. A menos que sejamos muito peritos nesse yoga, o melhor é adotar o processo do Senhor Caitanya Mahāprabhu, śrī-kṛṣṇa-saṅkīrtanam. Deste modo, podemos livrar-nos gloriosamente de toda a contaminação material mediante o simples processo de cantar Hare Kṛṣṇa, Hare Kṛṣṇa, Kṛṣṇa Kṛṣṇa, Hare Hare/ Hare Rāma, Hare Rāma, Rāma Rāma, Hare Hare. Assim como a vida neste mundo material começa com o som material, de modo semelhante, a vida espiritual começa com esta vibração sonora espiritual.

Texto

taṁ sarva-guṇa-vinyāsaṁ
jīve māyāmaye nyadhāt
taṁ cānuśayam ātma-stham
asāv anuśayī pumān
jñāna-vairāgya-vīryeṇa
svarūpa-stho ’jahāt prabhuḥ

Sinônimos

tam — a Ele; sarva-guṇa-vinyāsam — o reservatório de todas as qualidades; jīve — com as designações; māyā-maye — o reservató­rio de todas as potências; nyadhāt — colocou; tam — isto; ca — também; anuśayam — designação; ātma-stham — situado em autorrealização; asau — ele; anuśayī — a entidade viva; pumān — o desfrutador; jñāna — conhecimento; vairāgya — renúncia; vīryeṇa — com a força de; sva­rūpa-sthaḥ — situando-se em sua posição constitucional; ajahāt­ — voltou ao lar; prabhuḥ — o controlador.

Tradução

Então, Pṛthu Mahārāja ofereceu a designação total da entidade viva ao controlador supremo da energia ilusória. Libertando-se de todas as designações em cuja armadilha a entidade viva caiu, libertou-se através do conhecimento e da renúncia e mediante a força espiritual de seu serviço devocional. Dessa maneira, situando-­se em sua posição constitucional original de consciência de Kṛṣṇa, ele abandonou este corpo como um prabhu, ou controlador dos sentidos.

Comentário

SIGNIFICADO—Como se afirma nos Vedas, a Suprema Personalidade de Deus é a fonte da energia material. Consequentemente, às vezes Ele é chamado de māyā-maya, ou a Pessoa Suprema que pode criar Seus passatempos através de Sua potência conhecida como energia mate­rial. A jīva, ou a entidade viva individual, cai na armadilha da ener­gia material pela vontade suprema da Suprema Personalidade de Deus. Na Bhagavad-gītā (18.61), é-nos trazida a seguinte compreensão:

īśvaraḥ sarva-bhūtānāṁ
hṛd-deśe ’rjuna tiṣṭhati
bhrāmayan sarva-bhūtāni
yantrārūḍhāni māyayā

Īśvara, a Suprema Personalidade de Deus, encontra-Se dentro do coração de todas as almas condicionadas, e, por Sua vontade suprema, a entidade viva, ou alma individual, obtém a oportunidade de assenhorear-se da natureza material em várias classes de corpos, que são conhecidos como yantra, ou seja, os veículos móveis oferecidos pela totalidade da energia material, māyā. Em­bora a entidade viva individual (jīva) e o Senhor estejam ambos situados dentro da energia material, o Senhor orienta os movimen­tos da alma (jīva), oferecendo-lhe diferentes classes de corpos através da energia material, e, dessa maneira, a entidade viva vagueia pelos universos em várias formas de corpo e envolve-se em diferentes situações, compartilhando das reações das atividades fruitivas.

Quando Pṛthu Mahārāja tornou-se espiritualmente poderoso através do aprimoramento de seu conhecimento espiritual (jñāna) e de sua renúncia aos desejos materiais, tornou-se um prabhu, ou senhor de seus sentidos (às vezes chamado gosvāmī ou svāmī). Isso quer dizer que ele já não era controlado pela influência da energia mate­rial. Quem tem força suficiente para abandonar a influência da energia material é chamado de prabhu. Neste verso, a palavra svarūpa-sthaḥ também é muito significativa. A verdadeira identidade da alma individual está em ela entender ou obter o conheci­mento de que é eternamente serva de Kṛṣṇa. Essa compreensão se chama svarūpopalabdhi. Cultivando o serviço devocional, o devoto pouco a pouco entende sua verdadeira relação com a Suprema Personalidade de Deus. Essa compreensão de sua posição espiritual pura se chama svarūpopalabdhi e, quando alguém atinge esza fase, pode entender como sua relação com a Suprema Perso­nalidade de Deus é ou como servo, ou como amigo, ou como pai ou mãe, ou como amante conjugal. Essa fase de compreensão se chama svarūpa-sthaḥ. Pṛthu Mahārāja compreendeu perfeita­mente esse svarūpa, e os versos posteriores deixarão claro que ele pessoalmente deixou este mundo, ou este corpo, montado em uma quadriga enviada de Vaikuṇṭha.

Também significativa neste verso é a palavra prabhu. Como se afirmou anteriormente, quem é perfeitamente autorrealizado e age de acordo com essa posição pode ser chamado de prabhu. O mestre espiritual é chamado de “Prabhupāda” por ser uma alma inteira­mente autorrealizada. A palavra pāda significa “posição”, e “Prabhu­pāda” indica que ele recebeu a posição de prabhu, ou seja, a posição da Suprema Personalidade de Deus, pois age em nome da Suprema Personalidade de Deus. Quem não é prabhu, ou controlador dos sentidos, não pode agir como mestre espiritual, o qual é autorizado pelo prabhu supremo, ou seja, o Senhor Kṛṣṇa. Em seus versos de louvor ao mestre espiritual, Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura escreve:

sākṣād-dharitvena samasta-śāstrair
uktas tathā bhāvyata eva sadbhiḥ

“O mestre espiritual recebe as mesmas honras que o Senhor Supremo por ser o servo mais íntimo do Senhor.” Assim, Pṛthu Mahārāja também pode ser chamado de Prabhupāda, ou, como se descreve nesta passagem, prabhu. Outra pergunta pode ser feita a esse respeito. Como Pṛthu Mahārāja era uma encarnação dotada de poder da Suprema Personalidade de Deus, um śāktyāveśa-avatāra, por que ele teve que executar os princípios reguladores a fim de se tornar um prabhu? Por ter aparecido nesta Terra como um rei ideal e por ser dever do rei instruir os cidadãos na execução do serviço devocional, ele seguiu todos os princípios reguladores do serviço devocional a fim de ensinar os outros. De modo semelhante, Cai­tanya Mahāprabhu, embora fosse o próprio Kṛṣṇa, ensinou-nos a como aproximar-nos de Kṛṣṇa como devotos. Afirma-se que āpani ācari ’bhakti śikhāinu sabāre. O Senhor Caitanya Mahā­prabhu ensinava aos outros o processo do serviço devocional, estabelecendo Ele próprio o exemplo através de Suas próprias ações. Do mesmo modo, Pṛthu Mahārāja, apesar de ser uma encarnação śaktyāveśa-avatāra, comportou-se exatamente como um devoto para alcançar a posição de prabhu. Além disso, svarūpa-sthaḥ sig­nifica “liberação completa”. Como se diz no Śrīmad-Bhāgavatam (2.10.6), hitvā­nyathā-rūpaṁ svarūpeṇa vyavasthitiḥ: quando uma entidade viva abandona as atividades de māyā e atinge a posição na qual pode executar serviço devocional, esse estado se chama svarūpa-sthaḥ, ou liberação completa.

Texto

arcir nāma mahā-rājñī
tat-patny anugatā vanam
sukumāry atad-arhā ca
yat-padbhyāṁ sparśanaṁ bhuvaḥ

Sinônimos

arciḥ nāma — chamada Arci; mahā-rājñī — a rainha; tat-patnī — a esposa de Mahārāja Pṛthu; anugatā — que seguiu seu esposo; vanam — na floresta; su-kumārī — corpo muito delicado; a-tat-arhā — ­que não merecia; ca — também; yat-padbhyām — pelo contato de cujos pés; sparśanam — tocando; bhuvaḥ — sobre a Terra.

Tradução

A rainha, a esposa de Pṛthu Mahārāja, cujo nome era Arci, seguiu seu esposo para a floresta. Como era uma rainha, seu corpo era muito delicado. Embora não merecesse viver na floresta, ela voluntariamente tocou o solo com seus pés de lótus.

Comentário

SIGNIFICADO—Como a esposa de Pṛthu Mahārāja era a rainha e também filha de um rei, ela nunca experimentara caminhar sobre o solo, pois as rainhas jamais costumavam sair do palácio. Com certeza, elas nunca iam à floresta, tampouco toleravam todas as dificuldades de se viver em um lugar selvagem. Na civilização védica, há centenas de exem­plos semelhantes de tal renúncia da parte das rainhas e da dedi­cação delas ao esposo. A deusa da fortuna, mãe Sītā, seguiu seu esposo, Rāmacandra, quando Ele foi para a floresta. O Senhor Rāmacandra procedeu para a floresta em cumprimento à ordem de Seu pai, Mahārāja Daśaratha, mas mãe Sītā não recebeu essa ordem. Ainda assim, ela aceitou voluntariamente trilhar o caminho de seu esposo. Do mesmo modo, Gāndhārī, a esposa do rei Dhṛta­rāṣṭra, também seguiu seu esposo para a floresta. Sendo esposas de personalidades tão grandiosas, como Pṛthu, o Senhor Rāmacandra e Dhṛtarāṣṭra, elas eram mulheres castas ideais. Tais rainhas também ensinavam às pessoas em geral mostrando-lhes como se tornarem uma esposa casta e acompanhar o esposo em todas as fases da vida. Quando o esposo é rei, ela se senta ao lado dele como rainha, e, quando ele vai para a floresta, ela também o acompanha, apesar de ter que tolerar toda classe de dificuldades da vida na floresta. Portanto, aqui se diz (atad-arhā) que, embora ela não quisesse tocar o solo com seus pés, mesmo assim, aceitou todas as dificul­dades ao ir para a floresta com seu esposo.

Texto

atīva bhartur vrata-dharma-niṣṭhayā
śuśrūṣayā cārṣa-deha-yātrayā
nāvindatārtiṁ parikarśitāpi sā
preyaskara-sparśana-māna-nirvṛtiḥ

Sinônimos

atīva — muito; bhartuḥ — do esposo; vrata-dharma — voto de servi-lo; niṣṭhayā — com determinação; śuśrūṣayā — servindo; ca — também; ārṣa — como os grandes sábios santos; deha — corpo; yātrayā — condição de vida; na — não; avindata — percebia; ārtim — qualquer dificuldade; parikarśitā api — embora transformada a ponto de ficar fraca e magra; — ela; preyaḥ-kara — muito agradável; sparśana — tocando; māna — ocupou-se; nirvṛtiḥ — prazer.

Tradução

Embora não estivesse acostumada a essas dificuldades, a rainha Arci acompanhou seu esposo na prática dos princípios reguladores de viver na floresta como os grandes sábios. Ela se deitava no chão e comia apenas frutas, flores e folhas e, como não estava preparada para tais atividades, ficou fraca e magra. Contudo, devido ao prazer que obtinha em servir o esposo, ela não sentia qualquer dificuldade.

Comentário

SIGNIFICADO—As palavras bhartur vrata-dharma-niṣṭhayā indicam que o dever, ou princípio religioso, da mulher é servir o esposo em todas as condições. Na civilização védica, o homem é ensinado, desde o começo de sua vida, a se tornar um brahmacārī, depois um gṛhastha ideal, depois um vānaprastha, depois um sannyāsī, e a esposa é ensinada a apenas seguir o esposo estritamente em todas as condições de vida. Após o período de brahmacarya, o homem abraça a vida familiar, e a mulher também é ensinada por seus pais a ser uma esposa casta. Assim, quando o rapaz e a moça se unem, ambos estão treinados para uma vida dedicada a um propósito superior. O rapaz é treinado a cumprir seu dever de acordo com o objetivo supremo da vida, e a moça é treinada a segui-lo. O dever da esposa casta é manter o esposo satisfeito na vida familiar sob todos os aspectos, e, quando o esposo se retira da vida familiar, ela deve ir para a floresta e adotar a vida de vānaprastha, ou vana-vāsī. Nessa ocasião, a esposa deve acompanhar o esposo e cuidar dele, assim como cuidava dele na vida familiar. Todavia, quando o esposo adota a ordem de vida renunciada, a saber, sannyāsa, a esposa deve regressar ao lar e tornar-se uma mulher santa, estabelecendo um exemplo para seus filhos e noras e mostrando-lhes como levar uma vida de austeridades.

Quando Caitanya Mahāprabhu aceitou sannyāsa, Sua esposa, Viṣṇupriyā-devī, embora tivesse apenas dezesseis anos, também fez votos de austeridade devido ao fato de seu esposo ter deixado o lar. Ela cantava em suas contas e, após terminar uma volta, pegava um grão de arroz. Dessa maneira, de acordo com o número de voltas que cantava, ela pegava o total de grãos de arroz e, então, os cozi­nhava e depois comia-os como prasāda. Isso se chama austeridade. Mesmo hoje em dia na Índia, viúvas ou mulheres cujos esposos aceitaram sannyāsa seguem os princípios de austeridade, muito embora vivam com seus filhos. Arci, a esposa de Pṛthu Mahārāja, estava firmemente determinada a cumprir o dever de uma esposa, e, enquanto seu esposo permanecia na floresta, ela o seguiu comendo apenas frutas e folhas e deitando-se no chão. Uma vez que o corpo da mulher é consideravelmente mais delicado do que o corpo do homem, a rainha Arci se tornou muito fraca e magra, parikarśitā. Quando alguém pratica austeridades, geralmente seu corpo emagrece. Engordar não é uma qualificação muito boa na vida espiritual, pois uma pessoa ocupada em vida espiritual deve reduzir os con­fortos do corpo – a saber, comer, dormir e acasalar-se – ao mínimo. Embora a rainha Arci tivesse emagrecido muito por viver na floresta de acordo com os princípios reguladores, ela não se sentia infeliz, pois desfrutava da honra de servir a seu grande esposo.

Texto

dehaṁ vipannākhila-cetanādikaṁ
patyuḥ pṛthivyā dayitasya cātmanaḥ
ālakṣya kiñcic ca vilapya sā satī
citām athāropayad adri-sānuni

Sinônimos

deham — corpo; vipanna — inteiramente inerte; akhila — todos; ce­tana — sentindo; ādikam — sintomas; patyuḥ — de seu esposo; pṛthi­vyāḥ — o mundo; dayitasya — do misericordioso; ca ātmanaḥ — ­também para com ela; ālakṣya — ao ver; kiñcit — bem pouco; ca — e; vilapya — lamentando-se; — ela; satī — a casta; citām — ao fogo; atha — agora; āropayat — colocou; adri — colina; sānuni — no topo.

Tradução

Ao ver que seu esposo, que fora tão misericordioso com ela e com a Terra, já não mostrava sintomas de vida, a rainha Arci se lamentou brevemente e, em seguida, construiu uma pira de fogo no topo de uma colina e colocou o corpo de seu esposo sobre ela.

Comentário

SIGNIFICADO—Após ver todos os sintomas de vida em seu esposo cessarem, a rainha lamentou-se por algum tempo. A palavra kiñcit significa “brevemente”. A rainha estava perfeitamente consciente de que seu esposo não estava morto, embora os sintomas de vida – ação, inteligência e percepção sensória – tivessem cessado. Como se afirma na Bhagavad-gītā (2.13):

dehino ’smin yathā dehe
kaumāraṁ yauvanaṁ jarā
tathā dehāntara-prāptir
dhīras tatra na muhyati

“Assim como a alma corporificada passa continuamente, neste corpo, da infância à juventude e à velhice, da mesma forma, a alma passa para outro corpo à hora da morte. A alma autorrealizada não se confunde com tal mudança.”

Quando uma entidade viva se transfere de um corpo a outro, um processo geralmente conhecido como morte, o homem sensato não se lamenta, pois sabe que a entidade viva não está morta, senão que simplesmente se transferiu de um corpo a outro. A rainha deveria temer estar sozinha na floresta com o corpo de seu esposo, mas, como era a grande esposa de uma grande personalidade, lamentou-se por algum tempo e logo compreendeu que tinha muitos deveres a cumprir. Assim, em vez de perder seu tempo com a lamentação, ela imediatamente preparou uma pira de fogo no topo de uma colina e, então, colocou nela o corpo de seu esposo para ser cremado.

Mahārāja Pṛthu é descrito aqui como dayita porque, além de ser o rei da Terra, ele a tratava como uma filha dependente de sua pro­teção. Do mesmo modo, ele também protegia sua esposa. É dever do rei proteger a todos, especialmente a Terra ou a área por ele governada, bem como os cidadãos e seus membros familiares. Como Pṛthu Mahārāja era um rei perfeito, ele protegeu a todos, daí ser descrito nesta passagem como dayita.

Texto

vidhāya kṛtyaṁ hradinī-jalāplutā
dattvodakaṁ bhartur udāra-karmaṇaḥ
natvā divi-sthāṁs tridaśāṁs triḥ parītya
viveśa vahniṁ dhyāyatī bhartṛ-pādau

Sinônimos

vidhāya — executando; kṛtyam — a função reguladora; hradinī — na água do rio; jala-āplutā — tomando um banho completo; dattvā udakam — oferecendo oblações de água; bhartuḥ — de seu esposo; udāra-karmaṇaḥ — que era tão liberal; natvā — prestando reverên­cias; divi-sthān — situados no céu; tri-daśān — os trinta milhões de semideuses; triḥ — três vezes; parītya — circundando; viveśa — entrou; vahnim — na fogueira; dhyāyatī — enquanto pensava em; bhartṛ — de seu esposo; pādau — os dois pés de lótus.

Tradução

Depois disso, a rainha executou os funerais necessários e ofereceu oblações de água. Após se banhar no rio, ela prestou reverên­cias aos diversos semideuses situados no céu em diferentes sistemas planetários. Em seguida, ela circundou a fogueira e, enquan­to pensava nos pés de lótus de seu esposo, entrou em suas chamas.

Comentário

SIGNIFICADO—O ato de uma esposa casta entrar nas chamas da pira de seu esposo morto chama-se saha-gamana, que significa “morrer com o esposo”. Esse sistema de saha-gamana vinha sendo praticado na civi­lização védica desde tempos imemoriais. Mesmo após o período bri­tânico na Índia, essa prática era rigidamente observada, mas logo se degradou a tal ponto que, mesmo quando a esposa não era forte o suficiente para entrar na pira de seu esposo morto, os parentes forçavam-na a fazê-lo. Deste modo, esta prática teve que ser sustada, mas, mesmo hoje em dia, ainda existem alguns casos isolados de esposas que voluntariamente entram no fogo e morrem com o esposo. Mesmo após 1940, tomamos conhecimento pessoalmente de uma esposa casta que morreu dessa maneira.

Texto

vilokyānugatāṁ sādhvīṁ
pṛthuṁ vīra-varaṁ patim
tuṣṭuvur varadā devair
deva-patnyaḥ sahasraśaḥ

Sinônimos

vilokya — observando; anugatām — morrendo após o esposo; sā­dhvīm — a mulher casta; pṛthum — do rei Pṛthu; vīra-varam — o grande guerreiro; patim — esposo; tuṣṭuvuḥ — ofereceram orações; vara-dāḥ — capazes de dar bênçãos; devaiḥ — pelos semideuses; deva-­patnyaḥ — as esposas dos semideuses; sahasraśaḥ — aos milhares.

Tradução

Após observar esse ato de bravura realizado pela casta esposa Arci, a esposa do grande rei Pṛthu, muitas milhares de esposas de semideuses, juntamente com seus esposos, ofereceram orações à rainha, pois estavam muito satisfeitas.

Texto

kurvatyaḥ kusumāsāraṁ
tasmin mandara-sānuni
nadatsv amara-tūryeṣu
gṛṇanti sma parasparam

Sinônimos

kurvatyaḥ — derramando; kusuma-āsāram — chuvas de flores; tas­min — nisso; mandara — da colina Mandara; sānuni — no topo; nadatsu — vibrando; amara-tūryeṣu — o bater de tambores dos semi­deuses; gṛṇanti sma — falavam; parasparam — entre si da seguinte maneira.

Tradução

Naquela ocasião, os semideuses encontravam-se no topo da colina Mandara, e todas as suas esposas começaram a derramar flores sobre a pira funerária e se puseram a falar entre si da seguinte maneira.

Texto

devya ūcuḥ
aho iyaṁ vadhūr dhanyā
yā caivaṁ bhū-bhujāṁ patim
sarvātmanā patiṁ bheje
yajñeśaṁ śrīr vadhūr iva

Sinônimos

devyaḥ ūcuḥ — as esposas dos semideuses disseram; aho — oh; iyam — esta; vadhūḥ — a esposa; dhanyā — gloriosíssima; — que; ca — também; evam — como; bhū — do mundo; bhujām — de todos os reis; patim — o rei; sarva-ātmanā — com plena compreensão; patim — ­ao esposo; bheje — adorou; yajña-īśam — ao Senhor Viṣṇu; śrīḥ — a deusa da fortuna; vadhūḥ — esposa; iva — como.

Tradução

As esposas dos semideuses disseram: Todas as glórias à rainha Arci! Podemos ver que essa rainha do grande rei Pṛthu, o imperador de todos os reis do mundo, serviu seu esposo com mente, pala­vras e corpo exatamente como a deusa da fortuna serve a Suprema Personalidade de Deus, Yajñeśa, ou Viṣṇu.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, as palavras yajñeśaṁ śrīr vadhūr iva indicam que a rainha Arci serviu seu esposo assim como a deusa da fortuna serve à Suprema Personalidade de Deus, Viṣṇu. Podemos observar que, mesmo na história deste mundo, quando o Senhor Kṛṣṇa, o Viṣṇu supremo, governava Dvārakā, a rainha Rukmiṇī, a qual era a prin­cipal de todas as rainhas de Kṛṣṇa, costumava servir pessoalmente ao Senhor Kṛṣṇa, apesar de ter muitas centenas de criadas para ajudá-la. Do mesmo modo, a deusa da fortuna nos planetas Vai­kuṇṭha também serve pessoalmente a Nārāyaṇa, embora existam muitos milhares de devotos prontos para servir o Senhor. Essa prática também é observada pelas esposas dos semideuses, e, outro­ra, as esposas dos homens também seguiam esse mesmo princípio. Na civilização védica, esposo e esposa não eram separados por leis feitas pelo homem, tais como o divórcio. Devemos entender a neces­sidade de manter a instituição familiar na sociedade humana e, assim, abolir essa lei artificial conhecida como divórcio. Esposo e esposa devem viver em consciência de Kṛṣṇa e seguir os passos de Lakṣmī-Nārāyaṇa ou Kṛṣṇa-Rukmiṇī. Dessa maneira, a paz e a har­monia se tornarão possíveis neste mundo.

Texto

saiṣā nūnaṁ vrajaty ūrdhvam
anu vainyaṁ patiṁ satī
paśyatāsmān atītyārcir
durvibhāvyena karmaṇā

Sinônimos

— ela; eṣā — isto; nūnam — decerto; vrajati — indo; ūrdhvam­ — para cima; anu — seguindo; vainyam — o filho de Vena; patim­ — esposo; satī — casta; paśyata — vede só; asmān — nos; atītya — ultra­passando; arciḥ — chamada Arci; durvibhāvyena — por inconcebí­veis; karmaṇā — atividades.

Tradução

As esposas dos semideuses prosseguiram: Vede só como essa casta senhora, Arci, devido a suas inconcebíveis atividades piedosas, ainda está seguindo seu esposo, ascendendo com ele, tanto quanto podemos ver.

Comentário

SIGNIFICADO—Tanto o aeroplano de Pṛthu Mahārāja quanto o aeroplano que levava a rainha Arci estavam passando fora da visão das damas dos sistemas planetários superiores. Essas damas estavam simples­mente boquiabertas de ver a posição tão elevada atingida por Pṛthu Mahārāja e sua esposa. Apesar de serem esposas de habitantes dos sistemas planetários superiores e Pṛthu Mahārāja ser habitante de um sistema planetário inferior (a Terra), o rei, juntamente com sua esposa, ultrapassou os domínios dos semideuses e continuou subindo até Vaikuṇṭhaloka. A palavra ūrdhvam (“para cima”) é significativa nesta passagem, pois as damas que falavam eram dos sistemas planetários superiores, que incluem a Lua, o Sol e Vênus, até Brahmaloka, ou seja, o planeta mais elevado. Além de Brahma­loka, está o céu espiritual, onde existem inúmeros Vaikuṇṭhalokas. Assim, a palavra ūrdhvam indica que os planetas Vaikuṇṭha estão além ou acima desses planetas materiais, e era para esses planetas Vaikuṇṭha que Pṛthu Mahārāja e sua esposa estavam indo. Isso também indica que, ao abandonarem seus corpos materiais na fo­gueira material, Pṛthu Mahārāja e sua esposa, Arci, desenvolveram imediatamente seus corpos espirituais e embarcaram em aeroplanos espirituais, que podiam penetrar os elementos materiais e alcançar o céu espiritual. Como foram levados por dois aeroplanos distintos, pode-se concluir que, mesmo após serem cremados na pira funerá­ria, eles permaneceram como pessoas distintas e individuais. Em outras palavras, eles nunca perderam sua identidade nem se tornaram vazios, como imaginam os impersonalistas.

As damas nos sistemas planetários superiores eram capazes de ver tanto acima quanto abaixo de suas regiões. Ao olharem para baixo, puderam ver que o corpo de Pṛthu Mahārāja estava sendo cremado e que sua esposa, Arci, estava entrando na fogueira, e, ao olharem para cima, puderam vê-los sendo transportados em dois aeroplanos para os Vaikuṇṭhalokas. Tudo isso só é possível median­te durvibhāvyena karmaṇā, atividades inconcebíveis. Pṛthu Mahā­rāja era um devoto puro, e sua esposa, a rainha Arci, simplesmente seguia o esposo. Assim, ambos podem ser considerados devotos puros, o que os capacita a realizar atividades inconcebíveis. Seme­lhantes atividades não são possíveis para homens comuns. Na ver­dade, os homens comuns não podem sequer adotar o serviço devocional ao Senhor, tampouco podem as mulheres comuns manter tais votos de castidade e seguir seus esposos em todas as ocasiões. Uma mulher não precisa alcançar altas qualificações, mas, se ela simplesmente seguir os passos de seu esposo, que precisa ser um devoto, então, tanto esposo quanto esposa se libertarão e serão promovidos aos Vaikuṇṭhalokas. As atividades inconce­bíveis de Mahārāja Pṛthu e sua esposa evidenciam isso.

Texto

teṣāṁ durāpaṁ kiṁ tv anyan
martyānāṁ bhagavat-padam
bhuvi lolāyuṣo ye vai
naiṣkarmyaṁ sādhayanty uta

Sinônimos

teṣām — deles; durāpam — difícil de obter; kim — o que; tu — mas; anyat — qualquer outra coisa; martyānām — dos seres humanos; bhagavat-padam — o reino de Deus; bhuvi — no mundo; lola — oscilante; āyuṣaḥ — duração de vida; ye — aqueles; vai — com certeza; naiṣkarmyam — o caminho da liberação; sādhayanti — executam; uta — exatamente.

Tradução

Neste mundo material, todo ser humano tem uma curta duração de vida, mas aqueles que se ocupam em serviço devocional voltam ao lar, voltam ao Supremo, pois realmente estão trilhando o caminho da liberação. Para pessoas assim, não há nada que não seja alcançável.

Comentário

SIGNIFICADO—Na Bhagavad-gītā (9.33), o Senhor Kṛṣṇa diz: anityam asukhaṁ lokam imaṁ prāpya bhajasva mām. Aqui, o Senhor declara que este mundo material é cheio de sofrimentos (asukham) e, ao mesmo tempo, é muito instável (anityam). Portanto, nosso único dever é ocupar-nos em serviço devocional. Esse é o melhor fim que se pode dar à vida humana. Os devotos que se ocupam constantemente a serviço dos pés de lótus do Senhor obtêm não somente todos os benefí­cios materiais, mas também todos os benefícios espirituais, pois, no fim da vida, eles voltam ao lar, voltam ao Supremo. O destino deles é descrito neste verso como bhagavat-padam. A palavra padam significa “morada”, e bhagavat, “a Suprema Personalidade de Deus”. Deste modo, o destino dos devotos é a morada da Suprema Personalidade de Deus.

Também significativa neste verso é a palavra naiṣkarmyam, que significa “conhecimento transcendental”. A menos que alguém chegue à plataforma de conhecimento transcendental e preste ser­viço devocional ao Senhor, ele não é perfeito. De um modo geral, os processos de jñāna, yoga e karma são executados vida após vida antes que se obtenha a oportunidade de prestar serviço devocional puro ao Senhor. Essa oportunidade é dada pela graça de um devoto puro, e é somente dessa maneira que se pode realmente alcançar a liberação. No contexto dessa narração, as esposas dos semideuses ficaram arrependidas porque, embora tivessem a oportunidade de um nascimento em um sistema planetário superior, uma duração de vida de milhões de anos e todos os confortos materiais, elas não eram tão afortunadas como Pṛthu Mahārāja e sua esposa, que realmente as estavam superando. Em outras palavras, Pṛthu Mahā­rāja e sua esposa desdenharam a promoção aos sistemas planetários superiores e mesmo a Brahmaloka, pois a posição atingida por eles era incomparável. Na Bhagavad-gītā (8.16), o Senhor afirma que ābrahma-bhuvanāl lokāḥ punar āvartino ’rjuna: “Desde o planeta mais elevado no mundo material até o mais baixo, todos são lugares de sofrimento, onde ocorre a repetição de nascimentos e mortes.” Em outras palavras, mesmo que alguém vá ao planeta mais elevado, Brahmaloka, será obrigado a retornar aos sofrimentos de nascimento e morte. Além disso, no nono capítulo da Bhagavad­-gītā (9.21), o Senhor Kṛṣṇa afirma:

te taṁ bhuktvā svarga-lokaṁ viśālaṁ
kṣīṇe puṇye martya-lokaṁ viśanti

“Após gozarem assim do prazer sensório celestial, eles voltam mais uma vez a este planeta mortal.” Dessa maneira, após se esgotarem os resultados de nossas atividades piedosas, somos obrigados a novamente retornar aos sistemas planetários inferiores e começar um novo capítulo de atividades piedosas. É por isso que se diz no Śrīmad­-Bhāgavatam (1.5.12) que naiṣkarmyam apy acyuta-bhāva-varjitam: “O caminho da liberação não é de modo algum seguro, a não ser que se alcance o serviço devocional ao Senhor.” Mesmo quem é promo­vido ao brahmajyoti impessoal tem toda a possibilidade de cair neste mundo material. Se é possível cair do brahmajyoti, que está além dos sistemas planetários superiores neste mundo material, o que dizer, então, dos yogīs e karmīs comuns, que podem se elevar apenas até os planetas materiais superiores? Assim, as esposas dos habitantes dos sistemas planetários superiores não apreciavam muito os resultados de karma, jñāna e yoga.

Texto

sa vañcito batātma-dhruk
kṛcchreṇa mahatā bhuvi
labdhvāpavargyaṁ mānuṣyaṁ
viṣayeṣu viṣajjate

Sinônimos

saḥ — ela; vañcitaḥ — enganada; bata — decerto; ātma-dhruk — invejosa de si mesma; kṛcchreṇa — com muita dificuldade; mahatā — por grandes atividades; bhuvi — neste mundo; labdhvā — atingindo; āpa­vargyam — o caminho da liberação; mānuṣyaṁ — na forma humana de vida; viṣayeṣu — quanto ao gozo dos sentidos; viṣajjate — ocupa-se.

Tradução

Qualquer pessoa que neste mundo material se ocupe em executar atividades que exigem grande esforço, e que, após obter a forma humana de vida – a qual é uma oportunidade de libertar-se dos sofrimentos –, submete-se às difíceis tarefas de atividades fruitivas, deve ser considerada enganada e invejosa de seu próprio eu.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste mundo material, as pessoas dedicam-se a diferentes ativi­dades simplesmente para obter um pequeno sucesso no gozo dos sentidos. Os karmīs se ocupam na realização de atividades muito difíceis e, dessa maneira, abrem indústrias gigantescas, constroem cidades enormes, fazem grandes descobertas científicas etc. Em outras palavras, eles se dedicam à realização de sacrifícios muito custosos a fim de serem promovidos aos sistemas planetários superiores. De modo semelhante, os yogīs dedicam-se à busca de uma meta seme­lhante, aceitando as práticas tediosas do yoga místico. Os jñānīs ocupam-se em especulação filosófica para libertarem-se das garras da natureza material. Assim sendo, todos estão ocupados em exe­cutar tarefas muito difíceis simplesmente em troca de gozo dos sen­tidos. Todas essas classes de pessoas são consideradas ocupadas em atividades de gozo dos sentidos (ou viṣaya) porque todas elas exigem alguma facilidade para a existência material. Na verdade, os resul­tados de semelhantes atividades são temporários. Como o próprio Kṛṣṇa proclama na Bhagavad-gītā (7.23), antavat tu phalaṁ teṣām: “Os frutos [dos adoradores de semideuses] são limitados e temporá­rios.” Assim, os frutos das atividades dos yogīs, karmīs e jñānīs são efêmeros. Além disso, Kṛṣṇa diz que tad bhavaty alpa-medhasām: “São resultados destinados apenas a homens de pouca inteligência.” A palavra viṣaya denota gozo dos sentidos. Os karmīs afirmam claramente que querem gozo dos sentidos. Os yogīs também querem gozo dos sentidos, mas querem-no em um grau superior. É desejo deles mostrar alguns resultados miraculosos através da prática de yoga. Assim, eles lutam arduamente para obter sucesso em tornarem-se menores que o menor ou maiores que o maior, ou em criar um planeta como a Terra, ou, como cientistas, em inventar tantas máquinas maravilhosas. De forma semelhante, os jñānīs também estão ocupados em gozo dos sentidos, pois seu único interesse é tornarem-se unos com o Supremo. Deste modo, a meta de todas essas atividades é o gozo dos sentidos em graus superior ou inferior. Os bhaktas, contudo, não estão interessados em práticas de gozo dos sentidos; para eles ficarem satisfeitos, basta obterem uma oportunidade de servir o Senhor. Embora se contentem com qualquer condição, não há nada que eles não possam obter, dado que se ocupam puramente em servir o Senhor.

As esposas dos semideuses condenam os praticantes de atividades de gozo dos sentidos como sendo vañcita, enganados. Pessoas ocupadas dessa maneira realmente estão matando a si mesmas (ātma-hā). Como se afirma no Śrīmad-Bhāgavatam (11.20.17):

nṛ-deham ādyaṁ sulabhaṁ sudurlabhaṁ
plavaṁ sukalpaṁ guru-karṇadhāram
mayānukūlena nabhasvateritaṁ
pumān bhavābdhiṁ na taret sa ātma-hā

Quem deseja cruzar um grande oceano precisa de um barco forte. Afirma-se que esta forma humana de vida é um bom barco com o qual podemos cruzar o oceano da ignorância. Sob a forma humana de vida, podemos obter a orientação de um bom navegador, o mestre espiritual. Conseguimos, também, um vento favorável pela misericórdia de Kṛṣṇa. Esse vento representa as instruções de Kṛṣṇa. O corpo humano é o barco, as instruções do Senhor Kṛṣṇa são os ventos favoráveis, e o mestre espiritual é o navegador. O mestre espiritual sabe muito bem como ajustar as velas para apro­veitar os ventos favoráveis e conduzir o barco ao seu destino. Contudo, se não tiramos proveito dessa oportunidade, desperdiçamos a forma humana de vida. Desperdiçar o tempo e a vida dessa maneira é o mesmo que cometer suicídio.

A palavra labdhvāpavargyam é significativa neste verso, pois, segundo Jīva Gosvāmī, āpavargyam, ou o caminho da liberação, não se refere ao fundir-se no Brahman impessoal, mas a sālokyādi-­siddhi, que significa alcançar o mesmo planeta onde reside a Suprema Personalidade de Deus. Existem cinco espécies de liberação, uma das quais se chama sāyujya-mukti, ou fundir-se na existência do Supremo, ou a refulgência do Brahman impessoal. Entretanto, como existe a possibilidade de se cair novamente da refulgência Brahman para o céu material, Śrīla Jīva Gosvāmī aconselha que, nesta forma humana de vida, o único objetivo deve ser voltar ao lar, voltar ao Supremo. As palavras sa vañcitaḥ indicam que, uma vez que uma pessoa tenha obtido a forma humana de vida, ela foi de fato ludibriada caso não se prepare para voltar ao lar, voltar ao Supremo. A posição de todos os não-devotos, que não estão interessados em voltar ao Supremo, é muito lamentável, pois o único objetivo da forma humana de vida é prestar serviço devocional.

Texto

maitreya uvāca
stuvatīṣv amara-strīṣu
pati-lokaṁ gatā vadhūḥ
yaṁ vā ātma-vidāṁ dhuryo
vainyaḥ prāpācyutāśrayaḥ

Sinônimos

maitreyaḥ uvāca — o grande sábio Maitreya continuou a falar; stuvatīṣu — enquanto glorificavam; amara-strīṣu — pelas esposas dos habitantes do céu; pati-lokam — o planeta para onde fora o esposo; gatā — alcançando; vadhūḥ — a esposa; yam — onde; — ou; ātma­-vidām — das almas autorrealizadas; dhuryaḥ — a mais elevada; vainyaḥ — o filho do rei Vena (Pṛthu Mahārāja); prāpa — obtido; acyuta-āśrayaḥ — sob a proteção da Suprema Personalidade de Deus.

Tradução

O grande sábio Maitreya continuou a falar: Meu querido Vidura, enquanto as esposas dos habitantes do céu falavam dessa maneira entre si, a rainha Arci alcançou o planeta que seu esposo, Mahārāja Pṛthu, a mais elevada das almas autorrealizadas, havia atingido.

Comentário

SIGNIFICADO—Segundo os princípios védicos, uma mulher que morre junta­mente com seu esposo, ou entra na fogueira em que seu esposo está sendo cremado, também entra no mesmo planeta alcançado pelo esposo. Neste mundo material, existe um planeta conhecido como Patiloka, assim como existe um planeta conhecido como Pitṛloka. Porém, neste verso, a palavra pati-loka não se refere a algum planeta dentro deste universo material, pois Pṛthu Mahārāja, sendo a mais elevada entre as almas autorrealizadas, decerto voltou ao lar, voltou ao Supremo, e alcançou um dos planetas Vaikuṇṭha. A rainha Arci também entrou em Patiloka, mas esse planeta não fica no universo material, pois ela entrou, na verdade, no planeta alcan­çado por seu esposo. O mesmo ocorre no mundo material: quando uma mulher morre com seu esposo, ela novamente se une a ele no próximo nascimento. De forma semelhante, Mahārāja Pṛthu e a rainha Arci se uniram nos planetas Vaikuṇṭha. Nos planetas Vaikuṇṭha, existem esposos e esposas, mas eles jamais pensam em gerar filhos ou ter relações sexuais. Nos planetas Vaikuṇṭha, tanto os esposos quanto as esposas são extraordinariamente belos e, embora sintam atração um pelo outro, não gozam de vida sexual. Na verdade, eles não consideram o sexo coisa muito agradável porque tanto esposo quanto esposa estão sempre absortos em consciência de Kṛṣṇa e em glorificar e cantar as glórias do Senhor.

Além disso, segundo Bhaktivinoda Ṭhākura, esposo e esposa podem transformar o lar em um lugar tão bom quanto Vaikuṇṭha, mesmo enquanto estiverem neste mundo material. Estando absortos em consciência de Kṛṣṇa, mesmo neste mundo esposo e esposa podem viver em Vaikuṇṭha, bastando instalarem a Deidade do Senhor no lar e servirem à Deidade conforme as orientações dos śāstras. Dessa maneira, eles jamais sentirão o impulso sexual. Esse é o teste do avanço no serviço devocional. Quem é avançado em serviço devocional nunca sente atração pela vida sexual, e, tão logo se desapegue da vida sexual e proporcionalmente se apegue ao serviço ao Senhor, realmente experimenta a vida nos planetas Vaikuṇṭha. Em última análise, não existe realmente um mundo material, mas, quando nos esquecemos do serviço ao Senhor e nos ocupamos a serviço de nossos sentidos, considera-se que estamos vivendo no mundo material.

Texto

ittham-bhūtānubhāvo ’sau
pṛthuḥ sa bhagavattamaḥ
kīrtitaṁ tasya caritam
uddāma-caritasya te

Sinônimos

ittham-bhūta — assim; anubhāvaḥ — grandioso, poderoso; asau­ — este; pṛthuḥ — rei Pṛthu; saḥ — ele; bhagavat-tamaḥ — o melhor entre os senhores; kīrtitam — descrito; tasya — seu; caritam — caráter; ud­dāma — excelente; caritasya — aquele que possui tais qualidades; te — para ti.

Tradução

Maitreya prosseguiu: O maior de todos os devotos, Mahārāja Pṛthu, era muito poderoso, e seu caráter era liberal, magnificente e magnânimo. Assim, acabo de descrevê-lo a ti na medida do possível.

Comentário

SIGNIFICADO—Neste verso, a palavra bhagavattamaḥ é muito significativa, pois a palavra bhagavat se usa especialmente para se referir à Suprema Personalidade de Deus, assim como a palavra bhagavān (“a Su­prema Personalidade de Deus”) deriva-se da palavra bhagavat. Às vezes, contudo, vemos que a palavra bhagavān é usada para grandes personalidades como o senhor Brahmā, o senhor Śiva e Nārada Muni. Esse é o caso de Pṛthu Mahārāja, o qual se descreve aqui como o melhor dos bhagavāns, ou o melhor dos senhores. Só pode­rá ser chamado assim quem for uma grande personalidade que manifeste características extraordinárias e incomuns ou que alcance a maior de todas as metas após seu desaparecimento ou que saiba a diferença entre conhecimento e ignorância. Em outras palavras, não se deve usar a palavra bhagavān para pessoas comuns.

Texto

ya idaṁ sumahat puṇyaṁ
śraddhayāvahitaḥ paṭhet
śrāvayec chṛṇuyād vāpi
sa pṛthoḥ padavīm iyāt

Sinônimos

yaḥ — qualquer pessoa; idam — isto; su-mahat — muito grande; puṇyam — piedoso; śraddhayā — com muita fé; avahitaḥ — com muita atenção; paṭhet — leia; śrāvayet — explique; śṛṇuyāt — ouça; — ou; api — com certeza; saḥ — essa pessoa; pṛthoḥ — do rei Pṛthu; pada­vīm — situação; iyāt — alcança.

Tradução

Qualquer pessoa que descreva as grandes características do rei Pṛthu com fé e determinação – quer as leia ou ouça pessoalmente, quer ajude outros a ouvi-las – com certeza alcançará o mesmo planeta alcançado por Mahārāja Pṛthu. Em outras palavras, tal pessoa também voltará ao lar, aos planetas Vaikuṇṭha, de volta ao Supremo.

Comentário

SIGNIFICADO—Na execução do serviço devocional, enfatiza-se em especial śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ. Isso quer dizer que bhakti, ou o serviço devocional, começa com ouvir e cantar sobre Viṣṇu. Ao falarmos de Viṣṇu, também nos referimos àquilo que está relacionado com Viṣṇu. No Śiva Purāṇa, o senhor Śiva recomenda a adoração a Viṣṇu como a adoração mais elevada, e melhor do que a adoração a Viṣṇu é a adoração ao vaiṣṇava ou a qualquer coisa que esteja relacionada com Viṣṇu. Nesta passagem, explica-se o fato de que ouvir e cantar sobre um vaiṣṇava é tão bom como ouvir e cantar sobre Viṣṇu, pois Maitreya explica que qualquer pessoa que ouça sobre Pṛthu Mahārāja com atenção também alcançará o planeta alcançado por Mahārāja Pṛthu. Não há dualidade entre Viṣṇu e o vaiṣṇava, e isso se chama advaya-jñāna. O vaiṣṇava é tão impor­tante como Viṣṇu, daí Śrīla Viśvanātha Cakravartī Ṭhākura escrever em seu Gurv-aṣṭaka:

sākṣād-dharitvena samasta-śāstrair
uktas tathā bhāvyata eva sadbhiḥ
kintu prabhor yaḥ priya eva tasya
vande guroḥ śrī-caraṇāravindam

“O mestre espiritual recebe as mesmas honras que o Senhor Supremo por ser o servo mais íntimo do Senhor. Isso é reconhecido em todas as escrituras reveladas e é seguido por todas as autori­dades. Portanto, presto minhas respeitosas reverências aos pés de lótus de meu mestre espiritual, que é um representante fidedigno de Śrī Hari.”

O vaiṣṇava supremo é o mestre espiritual, e ele não é diferente da Suprema Personalidade de Deus. Afirma-se que, às vezes, o Senhor Caitanya Mahāprabhu costumava cantar os nomes das gopīs. Alguns dos alunos do Senhor tentaram aconselhá-lO a cantar, em vez disso, o nome de Kṛṣṇa, mas, ao ouvir isso, Caitanya Mahā­prabhu ficou muito irado com Seus alunos. A controvérsia sobre esse assunto chegou a tal ponto que, depois desse incidente, Caitanya Mahāprabhu decidiu aceitar sannyāsa, pois não estava sendo levado muito a sério em Seu gṛhastha-āśrama. A ideia é que, uma vez que Śrī Caitanya Mahāprabhu cantava os nomes das gopīs, a adoração às gopīs ou aos devotos do Senhor é tão boa como o serviço devocional prestado diretamente ao Senhor. O próprio Senhor também afirma que o serviço devocional a Seus devotos é melhor do que o serviço prestado diretamente a Ele. Às vezes, a classe sahajiyā de devotos se interessa apenas pelos passatempos pessoais de Kṛṣṇa, a ponto de excluir as atividades dos devotos. Essa classe de devoto não está em um nível muito alto; quem vê o devoto e o Senhor no mesmo nível está em uma plataforma mais avançada.

Texto

brāhmaṇo brahma-varcasvī
rājanyo jagatī-patiḥ
vaiśyaḥ paṭhan viṭ-patiḥ syāc
chūdraḥ sattamatām iyāt

Sinônimos

brāhmaṇaḥ — os brāhmaṇas; brahma-varcasvī — alguém que alcançou o poder do sucesso espiritual; rājanyaḥ — a ordem real; jagatī-patiḥ — o rei do mundo; vaiśyaḥ — a classe dos mercadores; paṭhan­ — lendo; viṭ-patiḥ — torna-se senhor dos animais; syāt — torna-se; śūdraḥ — a classe dos trabalhadores; sattama-tām — a posição de um grande devoto; iyāt — alcança.

Tradução

Se alguém ouve as características de Pṛthu Mahārāja e é um brāhmaṇa, torna-se perfeitamente qualificado com poderes bramânicos; se for um kṣatriya, torna-se rei do mundo; se for um vaiśya, torna-se senhor de outros vaiśyas e muitos animais, e se for um śūdra, torna-se o devoto mais elevado.

Comentário

SIGNIFICADO—O Śrīmad-Bhāgavatam recomenda que todos devem tornar-se devotos, independentemente de qual seja sua condição. Quer alguém não tenha nenhum desejo (akāma), quer tenha desejos (sakāma), quer deseje a liberação (mokṣa-kāma), ele é aconselhado a adorar o Senhor Supremo e a prestar-Lhe serviço devocional. Assim fazendo, alcançará toda a perfeição em qualquer campo da vida. O processo de serviço devocional – especialmente ouvir e cantar – é tão poderoso que pode levar uma pessoa à fase de perfeição. Menciona-se neste verso os brāhmaṇas, os kṣatriyas, os vaiśyas e os śūdras, mas deve-se compreender que essa refe­rência aqui diz respeito ao brāhmaṇa nascido em família bramânica, ao kṣatriya nascido em família de kṣatriyas, ao vaiśya nascido em fa­mília de vaiśyas e ao śūdra nascido em família de śūdras. Porém, quer alguém seja brāḥmana, kṣatriya, vaiśya ou śūdra, ele pode alcançar a perfeição pelo simples fato de ouvir e cantar.

Nascer em família de brāhmaṇas não é tudo; é preciso ter o poder bramânico, que se chama brahma-tejas. De modo semelhante, nascer em família real não é tudo; é preciso possuir poderes de governar o mundo. Da mesma forma, nascer como vaiśya não é tudo; é preciso possuir centenas ou milhares de animais (especial­mente vacas) e chefiar outros vaiśyas como Nanda Mahārāja fazia em Vṛndāvana. Nanda Mahārāja era um vaiśya que possuía nove­centas mil vacas e governava muitos vaqueiros e vaqueirinhos. Uma pessoa nascida em família de śūdras pode tornar-se superior a um brāhmaṇa pelo simples fato de aceitar o serviço devocional e permitir-se ouvir os passatempos do Senhor e de Seus devotos.

Texto

triḥ kṛtva idam ākarṇya
naro nāry athavādṛtā
aprajaḥ su-prajatamo
nirdhano dhanavattamaḥ

Sinônimos

triḥ — três vezes; kṛtvaḥ — repetindo; idam — isto; ākarṇya — ouvin­do; naraḥ — homem; nārī — mulher; athavā — ou; ādṛtā — com grande respeito; aprajaḥ — quem não tiver filhos; su-praja-tamaḥ — rodea­do por muitos filhos; nirdhanaḥ — sem nenhum dinheiro; dhana-­vat — rico; tamaḥ — o maior.

Tradução

Quer alguém seja homem ou mulher, se ouvir com grande respeito esta narração sobre Mahārāja Pṛthu, esse alguém terá muitos filhos se não tiver filhos e se tornará o mais rico dos cidadãos se não tiver dinheiro.

Comentário

SIGNIFICADO—Os materialistas que gostam muito de dinheiro e grandes famílias adoram diferentes semideuses para satisfazer seus desejos, especialmente a deusa Durgā, o senhor Śiva e o senhor Brahmā. Tais materialistas se chamam śriyaiśvarya-prajepsavaḥ. Śrī significa “beleza, aiśvarya significa “riquezas”, prajā significa “filhos”, e īpsavaḥ significa “desejando”. Como se descreve no segundo canto do Śrīmad-Bhāgavatam, é preciso adorar vários semideuses para se obter diferentes espécies de bênçãos. Contudo, indica-se aqui como, pelo simples fato de ouvir sobre a vida e o caráter de Mahārāja Pṛthu, alguém pode obter riquezas e filhos em enormes quantidades. Basta ler e entender a história, a vida e as atividades de Pṛthu Mahārāja. Aconselha-se a todos que a leiam pelo menos três vezes. Aqueles que estiverem aflitos materialmente se beneficiarão tão imensamente ouvindo a respeito do Senhor Supremo e de Seus devotos que não precisa­rão recorrer a nenhum semideus. A palavra suprajatamaḥ (“rodea­do por muitos filhos”) é muito significativa neste verso, pois alguém pode ter muitos filhos, mas não ter nenhum filho qualifi­cado. Aqui, contudo, declara-se (su-prajatamaḥ) que todos os filhos assim obtidos serão qualificados em educação, riqueza, beleza e força – perfeitos em tudo.

Texto

aspaṣṭa-kīrtiḥ suyaśā
mūrkho bhavati paṇḍitaḥ
idaṁ svasty-ayanaṁ puṁsām
amaṅgalya-nivāraṇam

Sinônimos

aspaṣṭa-kīrtiḥ — reputação imanifesta; su-yaśāḥ — muito famoso; mūrkhaḥ — iletrado; bhavati — torna-se; paṇḍitaḥ — erudito; idam — esta; svasti-ayanam — auspiciosidade; puṁsām — dos homens; amaṅgalya — inauspiciosidade; nivāraṇam — proibindo.

Tradução

Além disso, quem ouvir essa narração três vezes se tornará muito famoso se não for reconhecido na sociedade, e se tornará um grande erudito se for iletrado. Em outras palavras, ouvir as narrações de Pṛthu Mahārāja é algo tão auspicioso que afasta todo azar.

Comentário

SIGNIFICADO—No mundo material, todos desejam algum lucro, alguma ado­ração e alguma reputação. Associando-nos de diversas maneiras com a Suprema Personalidade de Deus ou Seu devoto, podemos muito facilmente tornar-nos opulentos em todos os sentidos. Mesmo que alguém não seja conhecido ou reconhecido na sociedade, ele se tornará muito famoso e importante se adotar o serviço devo­cional e a pregação. Quanto à educação, alguém pode tornar-se famoso na sociedade como grande erudito pelo simples fato de ouvir o Śrīmad-Bhāgavatam e a Bhagavad-gītā, onde se descrevem os passatempos do Senhor e Seus devotos. Este mundo material está cheio de perigos a cada passo, mas o devoto não tem medo porque o serviço devocional é tão auspicioso que naturalmente neu­traliza toda classe de má sorte. Já que ouvir sobre Pṛthu Mahārāja é um dos métodos de serviço devocional (śravaṇaṁ), é natural que ouvir sobre ele traz toda boa fortuna.

Texto

dhanyaṁ yaśasyam āyuṣyaṁ
svargyaṁ kali-malāpaham
dharmārtha-kāma-mokṣāṇāṁ
samyak siddhim abhīpsubhiḥ
śraddhayaitad anuśrāvyaṁ
caturṇāṁ kāraṇaṁ param

Sinônimos

dhanyam — a fonte das riquezas; yaśasyam — a fonte da reputa­ção; āyuṣyam — a fonte de maior duração de vida; svargyam — a fonte da elevação aos planetas celestiais; kali — da era de Kali; mala­-apaham — diminuindo a contaminação; dharma — religião; artha­ — desenvolvimento econômico; kāma — gozo dos sentidos; mokṣāṇām — da liberação; samyak — inteiramente; siddhim — perfeição; abhīpsubhiḥ — por aqueles que desejam; śraddhayā — com grande respeito; etat — esta narração; anuśrāvyam — é preciso ouvir; caturṇām — das quatro; kāraṇam — causa; param — derradeira.

Tradução

O ouvinte da narração acerca de Pṛthu Mahārāja pode tornar-se eminente, aumentar a duração de sua vida, ser promovido aos planetas celestiais e neutralizar as contaminações desta era de Kali. Além disso, pode promover as causas da religião, do desenvolvimento econômico, do gozo dos sentidos e da liberação. Portanto, sob todos os pontos de vista, é aconselhável que o materialista interes­sado em tais coisas leia e ouça as narrações da vida e do caráter de Pṛthu Mahārāja.

Comentário

SIGNIFICADO—Quem ler e ouvir as narrações da vida e do caráter de Pṛthu Mahārāja naturalmente se tornará um devoto, e, tão logo se torne um devoto, seus desejos materiais serão satisfeitos de forma automática. Portanto, recomenda-se no Śrīmad-Bhāgavatam (2.3.10):

akāmaḥ sarva-kāmo vā
mokṣa-kāma udāra-dhīḥ
tīvreṇa bhakti-yogena
yajeta puruṣaṁ param

Se alguém deseja voltar ao lar, voltar ao Supremo, ou deseja tornar-­se um devoto puro (akāma), ou deseja alguma prosperidade material (sakāma ou sarva-kāma), ou deseja fundir-se na existência da refulgência do Brahman Supremo (mokṣa-kāma), recomenda-se que adote o caminho do serviço devocional e ouça e cante a respeito do Senhor Viṣṇu ou de Seu devoto. Essa é a essência de todos os textos védicos. Vedaiś ca sarvair aham eva vedyaḥ (Bhagavad-gītā 15.15): o propósito do conhecimento védico é compreender Kṛṣṇa e Seus devotos. Sempre que falamos de Kṛṣṇa, também nos referimos a Seus devo­tos, pois Ele jamais está sozinho. Ele nunca é nirviśeṣa ou śūnya – sem variedade, ou zero. Kṛṣṇa é pleno de variedades: a presença de Kṛṣṇa elimina qualquer possibilidade do vazio.

Texto

vijayābhimukho rājā
śrutvaitad abhiyāti yān
baliṁ tasmai haranty agre
rājānaḥ pṛthave yathā

Sinônimos

vijaya-abhimukhaḥ — aquele que está prestes a partir em busca da vitória; rājā — rei; śrutvā — ouvindo; etat — isto; abhiyāti — começa; yān — na quadriga; balim — impostos; tasmai — a ele; haranti — dão; agre — antes; rājānaḥ — outros reis; pṛthave — ao rei Pṛthu; yathā­ — como foi feito.

Tradução

Se um rei, desejoso de sair vitorioso e obter o poder governamen­tal, cantar a narração de Pṛthu Mahārāja três vezes antes de partir em sua quadriga, todos os reis subordinados naturalmente lhe entregarão toda espécie de impostos – assim como entregaram a Mahārāja Pṛthu – simplesmente por sua ordem.

Comentário

SIGNIFICADO—Visto que um rei kṣatriya naturalmente deseja governar o mundo, ele deseja fazer com que todos os demais reis se tornem seus subordinados. Era essa também a posição, muitos anos atrás, quando Pṛthu Mahārāja governava a Terra. Naquela época, ele era o único impe­rador deste planeta. Há cinco mil anos, também, Mahārāja Yudhiṣṭhira e Mahārāja Parīkṣit eram os únicos imperadores deste planeta. Às vezes, os reis subordinados se rebelavam e era necessá­rio que o imperador fosse até eles e os castigasse. Este processo de cantar as narrações da vida e do caráter de Pṛthu Mahārāja é recomendado para os conquistadores reais, caso eles queiram satis­fazer seu desejo de governar o mundo.

Texto

muktānya-saṅgo bhagavaty
amalāṁ bhaktim udvahan
vainyasya caritaṁ puṇyaṁ
śṛṇuyāc chrāvayet paṭhet

Sinônimos

mukta-anya-saṅgaḥ — estando livre de toda a contaminação mate­rial; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus; amalām — imaculado; bhaktim — serviço devocional; udvahan — executando; vainyasya — do filho de Mahārāja Vena; caritam — caráter; puṇ­yam — piedoso; śṛṇuyāt — precisa ouvir; śrāvayet — precisa induzir outros a ouvir; paṭhet — e continuar lendo.

Tradução

Um devoto puro dedicado à execução dos diferentes processos de serviço devocional pode estar situado na posição transcen­dental, estando completamente absorto em consciência de Kṛṣṇa, porém, mesmo ele, enquanto presta serviço devocional, precisa ouvir, ler e induzir outros a ouvir sobre o caráter e a vida de Pṛthu Mahārāja.

Comentário

SIGNIFICADO—Existe uma classe de devotos neófitos que vivem muito ansiosos por ouvir sobre os passatempos do Senhor, especialmente os capítulos da rāsa-līlā no Śrīmad-Bhāgavatam. Tais devotos devem saber, através desta instrução, que os passatempos de Pṛthu Mahārāja não são diferentes dos passatempos da Suprema Personalidade de Deus. Como rei ideal, Pṛthu Mahārāja manifestou todos os talentos ao mostrar como governar os cidadãos, como educá-los, como desen­volver o estado economicamente, como lutar contra inimigos, como realizar grandes sacrifícios (yajñas) etc. Assim, recomenda-se ao sahajiyā, ou o devoto neófito, que ouça, cante e faça que outros ouçam sobre as atividades de Pṛthu Mahārāja, mesmo que ele se julgue situado na posição transcendental de serviço devocional avançado.

Texto

vaicitravīryābhihitaṁ
mahan-māhātmya-sūcakam
asmin kṛtam atimartyaṁ
pārthavīṁ gatim āpnuyāt

Sinônimos

vaicitravīrya — ó filho de Vicitravīrya (Vidura); abhihitam — explicado; mahat — grande; māhātmya — grandeza; sūcakam — despertando; asmin — nisto; kṛtam — executado; ati-martyam — incomum; pārthavīm — em relação com Pṛthu Mahārāja; gatim — avanço, des­tino; āpnuyāt — deve-se alcançar.

Tradução

O grande sábio Maitreya prosseguiu: Meu querido Vidura, acabo de falar, tanto quanto possível, as narrações sobre Pṛthu Mahārāja, que enriquecem nossa atitude devocional. Quem quer que tire proveito desses benefícios também volta ao lar, volta ao Supremo, como Mahārāja Pṛthu.

Comentário

SIGNIFICADO—A palavra śrāvayet, mencionada em um verso anterior, indica que devemos ler não somente para nós mesmos, mas também devemos induzir outros a ler e a ouvir. Isso se chama pregação. Caitanya Mahāprabhu recomendava esta prática: yāre dekha, tāre kaha ‘kṛṣṇa’-upadeśa: “Quem quer que encontres, simplesmente fala-lhe sobre as instruções dadas por Kṛṣṇa ou relata-lhe as narrações a respeito de Kṛṣṇa.” (Cc. Madhya 7.128) A história do serviço devocional de Pṛthu Mahārāja é tão potente quanto as narrações sobre as atividades da Suprema Personalidade de Deus. Ninguém deve fazer distinções entre os passatempos do Senhor e as ativi­dades de Pṛthu Mahārāja, e, sempre que possível, o devoto deve procurar induzir outros a ouvir sobre Pṛthu Mahārāja. Devemos não apenas ler seus passatempos para o nosso próprio benefício, senão que também devemos induzir outros a lê-los e ouvi-los. Dessa maneira, todos poderão beneficiar-se.

Texto

anudinam idam ādareṇa śṛṇvan
pṛthu-caritaṁ prathayan vimukta-saṅgaḥ
bhagavati bhava-sindhu-pota-pāde
sa ca nipuṇāṁ labhate ratiṁ manuṣyaḥ

Sinônimos

anu-dinam — dia após dia; idam — isto; ādareṇa — com grande respeito; śṛṇvan — ouvindo; pṛthu-caritam — a narração de Pṛthu Mahārāja; prathayan — cantando; vimukta — liberada; saṅgaḥ — associação; bhagavati — à Suprema Personalidade de Deus; bhava­-sindhu — o oceano da ignorância; pota — o barco; pāde — cujos pés de lótus; saḥ — ele; ca — também; nipuṇām — completo; labhate — alcança; ratim — apego; manuṣyaḥ — a pessoa.

Tradução

É certo que qualquer pessoa que, com grande reverência e adoração, regularmente leia, cante e descreva a história das atividades de Pṛthu Mahārāja desenvolverá uma fé inquebrantável e atração pelos pés de lótus do Senhor. Os pés de lótus do Senhor são o barco com o qual se pode cruzar o oceano da ignorância.

Comentário

SIGNIFICADO—A expressão bhava-sindhu-pota-pāde é significativa neste verso. Os pés de lótus do Senhor são conhecidos como mahat-padam, o que significa que a fonte total da existência material repousa nos pés de lótus do Senhor. Como se afirma na Bhagavad-gītā (10.8), ahaṁ sarvasya prabhavaḥ: tudo emana dEle. Esta manifestação cósmica, que é comparada a um oceano de ignorância, também repousa aos pés de lótus do Senhor. Sendo assim, este grande oceano de igno­rância é minimizado por alguém que seja um devoto puro. Quem se refugia aos pés de lótus do Senhor não precisa cruzar o oceano, pois já o cruzou em virtude de sua posição aos pés de lótus do Senhor. Ouvindo e cantando as glórias do Senhor ou do devoto do Senhor, é possível fixar-se firmemente no serviço aos pés de lótus do Senhor. Também pode alcançar essa posição muito facilmente quem narra a história da vida de Pṛthu Mahārāja regularmente, dia após dia. A palavra vimukta-saṅgaḥ também é significativa a esse respeito. Por estarmos em contato com as três qualidades da natureza material, nossa posição neste mundo material é cheia de peri­gos, mas, ao nos ocuparmos em serviço devocional ao Senhor mediante o processo de śravaṇaṁ e kīrtanam, imediatamente tornamo-nos vimukta-saṅga, ou liberados.

Neste ponto, encerram-se os Significados Bhaktivedanta do quarto canto, vigésimo terceiro capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Mahārāja Pṛthu Volta ao Lar”.