Capítulo Oito
Brahmā Manifesta-se de Garbhodakaśāyī Viṣṇu
Texto
sat-sevanīyo bata pūru-vaṁśo
yal loka-pālo bhagavat-pradhānaḥ
babhūvithehājita-kīrti-mālāṁ
pade pade nūtanayasy abhīkṣṇam
Sinônimos
maitreyaḥ uvāca — Śrī Maitreya Muni disse; sat-sevanīyaḥ — digna de servir aos devotos puros; bata — oh, certamente; pūru — vaṁśaḥ – os descendentes do rei Pūru; yat — porque; loka — pālaḥ – os reis são; bhagavat — pradhānaḥ – principalmente devotados à Personalidade de Deus; babhūvitha — também nasceste; iha — nesta; ajita — ο Senhor, que é inconquistável; kīrti-mālām — cadeia de atividades transcendentais; pade pade — passo a passo; nūtanayasi — renovando-se mais e mais; abhīkṣṇam — sempre.
Tradução
Ο grande sábio Maitreya Muni disse a Vidura: A dinastia real do rei Pūru é digna de servir aos devotos puros porque todos os descendentes dessa família são devotados à Personalidade de Deus. Tu também nasceste nessa família, e é maravilhoso que, por causa de teu esforço, os passatempos transcendentais do Senhor estejam se renovando mais e mais a cada momento.
Comentário
Ο grande sábio Μaitreya agradeceu Vidura e o louvou referindo-se às glórias de sua família. A dinastia Pūru era cheia de devotos da Personalidade de Deus, sendo, portanto, gloriosa. Porque não eram apegados ao Brahman impessoal ou ao Paramātmā localizado, mas eram, isto sim, apegados diretamente a Bhagavān, a Personalidade Deus, eles eram dignos de prestar serviço ao Senhor e a Seus devotos puros. Como Vidura era um dos descendentes dessa família, naturalmente ele se ocupou em difundir as glórias do Senhor, as quais são sempre viçosas. Maitreya sentia-se feliz de estar na gloriosa companhia de Vidura. Ele considerava a companhia de Vidura muito desejável porque tal companhia pode acelerar as propensões adormecidas do serviço devocional.
Texto
mahad gatānāṁ viramāya tasya
pravartaye bhāgavataṁ purāṇaṁ
yad āha sākṣād bhagavān ṛṣibhyaḥ
Sinônimos
saḥ — isto; aham — eu; nṛṇām — do ser humano; kṣulla — ínfimo; sukhāya — para a felicidade; duḥkham — aflição; mahat — grande; gatānām — penetrada; viramāya — para mitigação; tasya — sua; pravartaye — a princípio; bhāgavatam — Śrīmad-Bhāgavatam; purāṇam — suplemento védico; yat — que; āha — dito; sākṣāt — diretamente; bhagavān — a Personalidade de Deus; ṛṣibhyaḥ — aos sábios.
Tradução
Agora, então, começarei a falar sobre ο Bhāgavata Purāṇa, que é falado diretamente aos grandes sábios pela Personalidade de Deus para ο benefício daqueles que estão enredados em sofrimentos extremos por causa de um prazer ínfimo.
Comentário
Ο sábio Maitreya se propôs a falar sobre ο Śrīmad-Bhāgavatam porque esse foi especialmente compilado e é transmitido tradicionalmente através da sucessão discipular, para a solução de todos os problemas da sociedade humana. Somente alguém que seja afortunado pode ter a oportunidade de ouvir ο Śrīmad-Bhāgavatam na companhia dos devotos puros do Senhor. Sob ο encanto da energia material, as entidades vivas estão enredadas no cativeiro de muitas dificuldades simplesmente por causa de pouquíssima felicidade material. Elas se ocupam em atividades fruitivas não sabendo das implicações disso. Sob a impressão falsa de que ο corpo é ο eu, as entidades vivas cometem a tolice de se relacionarem com muitos apegos falsos. Elas pensam que podem ocupar-se para sempre com a parafernália materialista. Essa concepção grosseira e errônea da vida é tão forte que uma pessoa sofre continuamente, vida após vida, sob a influência da energia externa do Senhor. Se alguém tem a fortuna de entrar em contato com ο livro Bhāgavatam, como também com ο devoto bhāgavata, que sabe ο que é ο Bhāgavatam, então se livra do envolvimento material. Por isso, Śrī Maitreya Muni, por compaixão pelos homens que estão sofrendo no mundo, propõe-se finalmente a falar sobre ο Śrīmad-Bhāgavatam.
Texto
saṅkarṣaṇaṁ devam akuṇṭha-sattvam
vivitsavas tattvam ataḥ parasya
kumāra-mukhyā munayo ’nvapṛcchan
Sinônimos
āsīnam — sentado; urvyām — no fundo do universo; bhagavantam — aο Senhor; ādyam — ο original; saṅkarṣaṇam — Saṅkarṣaṇa; devam — a Personalidade de Deus; akuṇṭha — sattvam – conhecimento inabalável; vivitsavaḥ — estando curioso de saber; tattvam ataḥ — esta mesma verdade; parasya — relativa à Suprema Personalidade de Deus; kumāra — ο menino santo; mukhyāḥ — encabeçados por; munayaḥ — grandes sábios; anvapṛcchan — perguntou assim.
Tradução
Algum tempo atrás, tendo a curiosidade de saber, Sanat-kumāra, ο principal entre os meninos santos, acompanhado por outros grandes sábios, perguntou exatamente como tu sobre as verdades relativas a Vāsudeva, ο Supremo, ao Senhor Saṅkarṣaṇa, que está sentado no fundo do universo.
Comentário
Este verso esclarece a declaração de que ο Senhor falou diretamente sobre ο Śrīmad-Bhāgavatam. Nesta passagem, explica-se quando e a quem foi falado ο Bhāgavatam. Perguntas similares às feitas por Vidura foram feitas por grandes sábios como Sanat-kumāra, e ο Senhor Saṅkarṣaṇa, a expansão plenária do Supremo Senhor Vāsudeva, as respondeu.
Texto
yad vāsudevābhidham āmananti
pratyag-dhṛtākṣāmbuja-kośam īṣad
unmīlayantaṁ vibudhodayāya
Sinônimos
svam — Ele mesmo; eva — assim; dhiṣṇyam — situado; bahu — muito; mānayantam — estimado; yat — aquilo que; vāsudeva — o Senhor Vāsudeva; abhidham — pelo nome; āmananti — reconhecem; pratyak — dhṛta–akṣa – olhos fechados para a introspecção; ambuja-kośam — olhos de lótus; īṣat — ligeiramente; unmīlayantam — abriu; vibudha — dos sábios muito eruditos; udayāya — por amor ao avanço.
Tradução
Nesse momento, ο Senhor Saṅkarṣaṇa estava meditando em Seu Senhor Supremo, ο qual os eruditos estimam como ο Senhor Vāsudeva, mas, por amor ao avanço dos grandes sábios eruditos, Ele abriu ligeiramente os Seus olhos de lótus e começou a falar.
Texto
upaspṛśantaś caraṇopadhānam
padmaṁ yad arcanty ahi-rāja-kanyāḥ
sa-prema nānā-balibhir varārthāḥ
Sinônimos
svardhunī-uda — pela água do Ganges; ārdraiḥ — estando molhado; sva-jaṭā — cabelos; kalāpaiḥ — situados na cabeça; upaspṛśantaḥ — tocando assim; caraṇa-upadhānam — o abrigo de Seus pés; padmam — ο abrigo de lótus; yat — aquilo que; arcanti — adora; ahi — rāja – ο rei serpente; kanyāḥ — filhas; sa — prema – com muita devoção; nānā — variada; balibhiḥ — parafernália; vara — arthāḥ – desejando esposos.
Tradução
Os sábios vieram dos planetas mais elevados para a região inferior através da água do Ganges, e por isso estavam com ο cabelo molhado. Eles tocaram os pés de lótus do Senhor, que as filhas do rei serpente adoram com parafernália variada quando desejam bons esposos.
Comentário
A água do Ganges flui diretamente dos pés de lótus de Viṣṇu, e seu curso vai do planeta mais elevado do universo até ο mais baixo. Os sábios desceram de Satyaloka aproveitando-se da água corrente, um processo de transporte que é possibilitado pelo poder do yoga místico. Se um rio flui por milhares e milhares de quilômetros, um yogī perfeito, simplesmente por mergulhar em sua água, pode se transportar de um lugar para outro. Ο Ganges é ο único rio celestial que flui por todo ο universo, e grandes sábios viajam por todo ο universo através desse rio sagrado. A declaração de que seu cabelo estava molhado indica que ο cabelo foi diretamente molhado pela água originária dos pés de lótus de Viṣṇu (ο Ganges). Quem quer que toque a água do Ganges com sua cabeça está certamente tocando os pés de lótus do Senhor diretamente e pode livrar-se de todos os efeitos de atos pecaminosos. Caso, após se banhar no Ganges ou purificar-se de todos os pecados, um homem tome precauções para não cometer mais atos pecaminosos, então certamente ele é salvo. Porém, se novamente se envolve com atividades pecaminosas, seu banho no Ganges é como ο banho do elefante, que se banha muito bem em um rio, mas depois estraga tudo cobrindo-se de poeira em terra firme.
Texto
skhalat-padenāsya kṛtāni taj-jñāḥ
kirīṭa-sāhasra-maṇi-praveka-
pradyotitoddāma-phaṇā-sahasram
Sinônimos
muhuḥ — repetidamente; gṛṇantaḥ — glorificando; vacasā — com palavras; anurāga — com muita afeição; skhalat-padena — com ritmo simétrico; asya — do Senhor; kṛtāni — atividades; tat-jñāḥ — aqueles que conhecem os passatempos; kirīṭa — elmos; sāhasra — milhares; maṇi-praveka — resplandecente refulgência das pedras preciosas; pradyotita — emanando de; uddāma — erguidos; phaṇā — capelos; sahasram — milhares.
Tradução
Os quatro Kumāras, encabeçados por Sanat-kumāra, que conheciam os passatempos transcendentais do Senhor, glorificaram ο Senhor em cadência rítmica com seletas palavras cheias de afeição e amor. Nesse momento, ο Senhor Saṅkarṣaṇa, com Seus milhares de capelos erguidos, começou a irradiar uma refulgência das resplandecentes pedras que havia sobre Sua cabeça.
Comentário
O Senhor, algumas vezes, é chamado de uttamaśloka, o que significa “aquele que é adorado com palavras seletas pelos devotos”. Uma profusão de tais palavras seletas vem de um devoto que esteja totalmente absorto em afeição e amor pelo serviço devocional ao Senhor. Há muitos casos em que mesmo um garotinho, que era um grande devoto do Senhor, pôde oferecer excelentes orações com as palavras mais bem escolhidas para a glorificação dos passatempos do Senhor. Em outras palavras, sem ο desenvolvimento de afeição e amor puros, não é possível oferecer orações ao Senhor de forma adequada.
Texto
nivṛtti-dharmābhiratāya tena
sanat-kumārāya sa cāha pṛṣṭaḥ
sāṅkhyāyanāyāṅga dhṛta-vratāya
Sinônimos
proktam — foi falado; kila — certamente; etat — este; bhagavattamena — pelo Senhor Saṅkarṣaṇa; nivṛtti — renúncia; dharma-abhiratāya — àquele que fez esse voto religioso; tena — por Ele; sanat-kumārāya — a Sanat-kumāra; saḥ — ele; ca — também; āha — falou; pṛṣṭaḥ — ao ser indagado acerca de; sāṅkhyāyanāya — ao grande sábio Sāṅkhyāyana; aṅga — meu caro Vidura; dhṛta — vratāya – àquele que fez tal voto.
Tradução
O Senhor Saṅkarṣaṇa, então, falou ο significado do Śrīmad-Bhāgavatam ao grande sábio Sanat-kumāra, que já havia feito ο voto de renúncia. Sanat-kumāra também, por sua vez, ao ser indagado por Sāṅkhyāyana Muni, explicou ο Śrīmad-Bhāgavatam tal como ο tinha ouvido de Saṅkarṣaṇa.
Comentário
É este ο método do sistema paramparā. Embora Sanat-kumāra, ο grandioso e afamado santo Kumāra, estivesse no estágio perfeito da vida, ele ouviu a mensagem do Śrīmad-Bhāgavatam falada pelo Senhor Saṅkarṣaṇa. De forma similar, ao ser indagado por Sāṅkhyāyana Muni, ele lhe falou a mesma mensagem que ouvira do Senhor Saṅkarṣaṇa. Em outras palavras, não podemos nos tornar pregadores a menos que escutemos da autoridade correta. No serviço devocional, portanto, dois itens dentre os nove, a saber, ouvir e cantar, são os mais importantes. Sem ouvir bem, não se pode pregar a mensagem do conhecimento védico.
Texto
vivakṣamāṇo bhagavad-vibhūtīḥ
jagāda so ’smad-gurave ’nvitāya
parāśarāyātha bṛhaspateś ca
Sinônimos
sāṅkhyāyanaḥ — ο grande sábio Sāṅkhyāyana; pāramahaṁsya-mukhyaḥ — ο principal entre todos os transcendentalistas; vivakṣamāṇaḥ — enquanto recitava; bhagavat-vibhūtīḥ — as glórias do Senhor; jagāda — explicou; saḥ — ele; asmat — meu; gurave — ao mestre espiritual; anvitāya — acompanhado; parāśarāya — aο sábio Parāśara; atha bṛhaspateḥ ca — também a Bṛhaspati.
Tradução
Ο grande sábio Sāṅkhyāyana era ο principal entre os transcendentalistas, e, enquanto descrevia as glórias do Senhor em termos do Śrīmad-Bhāgavatam, sucedeu que tanto Parāśara, meu mestre espiritual, quanto Bṛhaspati, ouviram-no falar.
Texto
muniḥ pulastyena purāṇam ādyam
so ’haṁ tavaitat kathayāmi vatsa
śraddhālave nityam anuvratāya
Sinônimos
provāca — falado; mahyam — para mim; saḥ — ele; dayāluḥ — amável; uktaḥ — mencionado anteriormente; muniḥ — sábio; pulastyena — pelo sábio Pulastya; purāṇam ādyam — ο principal de todos os Purāṇas; saḥ aham — este eu também; tava — para ti; etat — este; kathayāmi — falarei; vatsa — meu caro filho; śraddhālave — àquele que é fiel; nityam — sempre; anuvratāya — àquele que é um seguidor.
Tradução
Como se mencionou anteriormente, ao ser assim aconselhado pelo grande sábio Pulastya, ο grande sábio Parāśara falou para mim ο principal dos Purāṇas [Bhāgavatam]. Eu o descreverei diante de ti, meu caro filho, de acordo com ο que ouvi, visto que és sempre meu fiel seguidor.
Comentário
Ο grande sábio chamado Pulastya é ο pai de todos os descendentes demoníacos. Certa vez, Parāśara começou um sacrifício no qual todos os demônios seriam mortos pelo fogo, porque seu pai tinha sido morto e devorado por um deles. Ο grande sábio Vasiṣṭha Muni chegou ao local do sacrifício e pediu que Parāśara descontinuasse ο terrível ato, e, por causa da posição de respeito de Vasiṣṭha na comunidade dos sábios, Parāśara não pôde negar ο pedido. Tendo Parāśara interrompido ο sacrifício, Pulastya, ο pai dos demônios; apreciou sua atitude bramânica e lhe deu a bênção de que, no futuro, ele seria um grande orador das literaturas védicas chamadas Purāṇas, os suplementos dos Vedas. Ο ato de Parāśara foi apreciado por Pulastya porque Parāśara tinha perdoado os demônios com sua capacidade bramânica de perdoar. Parāśara teria sido capaz de destruir todos os demônios no sacrifício, mas ponderou: “Os demônios são feitos de tal modo que devoram as criaturas vivas, os homens e os animais, mas, por que, baseado nesse fato, eu deveria abandonar minha capacidade bramânica de perdoar?” Como grande orador dos Purāṇas, Parāśara falou primeiramente sobre ο Śrīmad-Bhāgavata Purāṇa porque este é ο mais importante de todos os Purāṇas. Maitreya Muni desejou narrar ο mesmo Βhāgavatam que tinha ouvido de Parāśara, e Vidura era qualificado para ouvi-lo por causa de sua fidelidade e por ele seguir as instruções recebidas dos superiores. Assim, ο Śrīmad-Bhāgavatam vinha sendo narrado desde tempos imemoriais pela sucessão discipular, antes mesmo da época de Vyāsadeva. Os assim chamados historiadores calculam que os Purāṇas têm apenas algumas centenas de anos de idade, mas, na realidade, os Purāṇas existem desde tempos imemoriais, antes de todos os cálculos históricos feitos por pessoas mundanas e filósofos especulativos.
Texto
yan nidrayāmīlita-dṛṅ nyamīlayat
ahīndra-talpe ’dhiśayāna ekaḥ
kṛta-kṣaṇaḥ svātma-ratau nirīhaḥ
Sinônimos
uda — água; āplutam — submersos em; viśvam — os três mundos; idam — isto; tadā — naquela ocasião; āsīt — assim permaneceu; yat — em que; nidrayā — adormecido; amīlita — fechados; dṛk — olhos; nyamīlayat — semicerrados; ahi — indra – a grande serpente Ananta; talpe — na cama de; adhiśayānaḥ — deitado; ekaḥ — só; kṛta-kṣaṇaḥ — estando ocupado; sva-ātma — ratau – desfrutando em Sua potência interna; nirīhaḥ — sem nenhuma participação da energia externa.
Tradução
Naquela ocasião, em que os três mundos estavam submersos na água, Garbhodakaśāyī Viṣṇu estava só, deitado em Sua cama, a grande serpente Ananta, e, embora parecesse estar adormecido em Sua própria potência interna, livre da ação da energia externa, Seus olhos estavam semicerrados.
Comentário
Ο Senhor desfruta eternamente de bem-aventurança transcendental através de Sua potência interna, ao passo que a potência externa é suspensa durante a época da dissolução da manifestação cósmica.
Texto
kālātmikāṁ śaktim udīrayāṇaḥ
uvāsa tasmin salile pade sve
yathānalo dāruṇi ruddha-vīryaḥ
Sinônimos
saḥ — ο Senhor Supremo; antaḥ — dentro; śarīre — no corpo transcendental; arpita — manteve; bhūta — elementos materiais; sūkṣmaḥ — sutis; kāla-ātmikām — a forma do tempo; śaktim — energia; udīrayāṇaḥ — fortificante; uvāsa — residia; tasmin — ali; salile — na água; pade — no local; sve — Seu próprio; yathā — assim como; analaḥ — fogo; dāruṇi — na lenha; ruddha — vīryaḥ – força submersa.
Tradução
Tal qual a força do fogo dentro da lenha, ο Senhor permanecia dentro da água da dissolução, submergindo todas as entidades vivas em seus corpos sutis. Ele Se deitou na energia autofortificante chamada kāla.
Comentário
Depois que os três mundos – os sistemas planetários superior, inferior e intermediário – submergiram na água da dissolução, as entidades vivas de todos os três mundos permaneceram em seus corpos sutis por meio da energia chamada kāla. Nessa dissolução, os corpos grosseiros se tornaram imanifestos, mas os corpos sutis existiam, assim como a água da criação material. Deste modo, a energia material não estava completamente aniquilada, como acontece na época da dissolução total do mundo material.
Texto
svapan svayodīritayā sva-śaktyā
kālākhyayāsādita-karma-tantro
lokān apītān dadṛśe sva-dehe
Sinônimos
catuḥ — quatro; yugānām — dos milênios; ca — também; sahasram — mil; apsu — na água; svapan — sonhando durante ο sono; svayā — com Sua potência interna; udīritayā — para ο desenvolvimento ulterior; sva — śaktyā – por Sua própria energia; kāla-ākhyayā — chamada kāla; āsādita — estando assim ocupadas; karma — tantraḥ – quanto às atividades fruitivas; lοkān — a totalidade das entidades vivas; apītān — azulado; dadṛśe — viu-o assim; sva-dehe — em Seu próprio corpo.
Tradução
Ο Senhor deitou-Se durante quatro mil ciclos de yuga em Sua potência interna, e, por Sua energia externa, Ele parecia estar dormindo dentro da água. Quando as entidades vivas começaram a surgir para ο desenvolvimento ulterior de suas atividades fruitivas, impulsionadas pela energia chamada kāla-śakti, Ele viu Seu corpo transcendental como sendo azulado.
Comentário
No Viṣṇu Purāṇa, menciona-se que kāla-śakti é avidyā. Ο sintoma da influência de kāla-śakti é que se tem de trabalhar no mundo material em troca de resultados fruitivos. Na Bhagavad-gītā, os trabalhadores fruitivos são descritos como mūḍhas, ou tolos. Essas entidades vivas tolas têm muito entusiasmo para trabalhar em troca de algum benefício temporário dentro do cativeiro perpétuo. Uma pessoa se julga muito inteligente durante sua vida se consegue deixar para atrás um grande patrimônio financeiro para seus filhos, e, para atingir esse benefício temporário, ela se arrisca em toda sorte de atividades pecaminosas, sem conhecimento de que essas atividades irão mantê-la perpetuamente atada pelos grilhões do cativeiro material. Devido a essa mentalidade poluída e devido a pecados materiais, a combinação agregada de entidades vivas parecia ser azulada. Tal impulso para atividade em troca de resultados fruitivos é possibilitado pelo ditame de kāla, a energia externa do Senhor.
Texto
antar-gato ’rtho rajasā tanīyān
guṇena kālānugatena viddhaḥ
sūṣyaṁs tadābhidyata nābhi-deśāt
Sinônimos
tasya — Seu; artha — assunto; sūkṣma — sutil; abhiniviṣṭa — dṛṣṭeḥ – daquele cuja atenção estava fixa; antaḥ-gataḥ — interno; arthaḥ — propósito; rajasā — pelo modo da paixão da natureza material; tanīyān — muito sutil; guṇena — pelas qualidades; kāla — anugatena – no devido curso do tempo; viddhaḥ — agitado; sūṣyan — gerando; tadā — então; abhidyata — irrompeu; nābhi-deśāt — do abdômen.
Tradução
Ο assunto sutil da criação, no qual estava fixa a atenção do Senhor, foi agitado pelo modo material da paixão, em razão do que a forma sutil da criação irrompeu de Seu abdômen.
Texto
kālena karma-pratibodhanena
sva-rociṣā tat salilaṁ viśālaṁ
vidyotayann arka ivātma-yoniḥ
Sinônimos
saḥ — isto; padma-kośaḥ — botão de uma flor de lótus; sahasā — de repente; udatiṣṭhat — apareceu; kālena — pelo tempo; karma — atividades fruitivas; pratibodhanena — despertando; sva-rociṣā — por sua própria refulgência; tat — esta; salilam — água da devastação; viśālam — vasta; vidyotayan — iluminando; arkaḥ — ο Sol; iva — como; ātma-yoniḥ — gerada a partir da Personalidade de Deus.
Tradução
Ao irromper, essa forma soma total da atividade fruitiva das entidades vivas tomou a configuração do botão de uma flor de lótus gerada a partir da Personalidade de Viṣṇu, e, por Sua vontade suprema, iluminou tudo, tal qual ο Sol, secando as vastas águas da devastação.
Texto
prāvīviśat sarva-guṇāvabhāsam
tasmin svayaṁ vedamayo vidhātā
svayambhuvaṁ yaṁ sma vadanti so ’bhūt
Sinônimos
tat — esta; loka — universal; padmam — flor de lótus; saḥ — Ele; u — certamente; eva — realmente; viṣṇuḥ — ο Senhor; prāvīviśat — entrou em; sarva — tudo; guṇa — avabhāsam – reservatório de todos os modos da natureza; tasmin — em que; svayam — em pessoa; veda — mayaḥ – a personalidade da sabedoria védica; vidhātā — controlador do universo; svayam-bhuvam — autógeno; yam — a quem; sma — no passado; vadanti — dizem; saḥ — ele; abhūt — gerado.
Tradução
Ο Senhor Viṣṇu entrou pessoalmente como a Superalma naquela flor de lótus universal e, ao ser então impregnada com todos os modos da natureza material, a personalidade da sabedoria védica, a quem chamamos de ο autógeno, foi gerada.
Comentário
Essa flor de lótus é a forma virāṭ universal, ou a gigantesca forma do Senhor no mundo material. Ela se amalgama com Viṣṇu, a Personalidade de Deus, em Seu abdômen, no momento da dissolução, e se manifesta no momento da criação. Isso se deve ao Garbhodakaśāyī Viṣṇu, que entra em cada um dos universos. Nessa forma, encontra-se a soma total de todas as atividades fruitivas das entidades vivas condicionadas pela natureza material, e a primeira delas, a saber, Brahmā, ou ο controlador do universo, é gerada a partir dessa flor de lótus. Esse primeiro ser vivo nascido, diferentemente de todos os outros, não tem pai material, daí ser chamado de autógeno, ou svayambhū. Ele adormece com Nārāyaṇa no momento da devastação, e, quando há outra criação, ele nasce dessa maneira. Por essa descrição, temos a concepção da tríade – a forma virāṭ grosseira, ο Hiraṇyagarbha sutil, e Brahmā, a força criadora material.
Texto
avasthito lokam apaśyamānaḥ
parikraman vyomni vivṛtta-netraś
catvāri lebhe ’nudiśaṁ mukhāni
Sinônimos
tasyām — nesta; saḥ — e; ambhaḥ — água; ruha-karṇikāyām — verticilo do lótus; avasthitaḥ — estando situado; lokam — ο mundo; apaśyamānaḥ — sem poder ver; parikraman — circum-ambulando; vyomni — nο espaço; vivṛtta-netraḥ — enquanto girava os olhos; catvāri — quatro; lebhe — obteve; anudiśam — em termos da direção; mukhāni — cabeças.
Tradução
Brahmā, nascido da flor de lótus, nãο pôde ver ο mundo, embora estivesse situado no verticilo. Ele, então, circum-ambulou todo ο espaço, e, enquanto girava os olhos em todas as direções, obteve quatro cabeças em termos das quatro direções.
Texto
jalormi-cakrāt salilād virūḍham
upāśritaḥ kañjam u loka-tattvaṁ
nātmānam addhāvidad ādi-devaḥ
Sinônimos
tasmāt — daí; yuga — anta – ao final do milênio; śvasana — ο ar da devastação; avaghūrṇa — por causa do movimento; jala — água; ūrmi-cakrāt — do círculo de ondas; salilāt — da água; virūḍham — situado neles; upāśritaḥ — tendo ο abrigo de; kañjam — flor de lótus; u — com espanto; loka — tattvam – o mistério da criação; na — não; ātmānam — ele mesmo; addhā — perfeitamente; avidat — pôde entender; ādi-devaḥ — ο primeiro semideus.
Tradução
Ο senhor Brahmā, situado naquele lótus, nãο pôde entender perfeitamente a criação, ο lótus ou ele mesmo. Ao final do milênio, ο ar da devastação começou a agitar a água e ο lótus em grandes ondas circulares.
Comentário
O senhor Brahmā estava perplexo a respeito de sua criação, ο lótus e ο mundo, embora tentasse entendê-los por todo um milênio, que está além do cálculo em anos solares dos seres humanos. Ninguém, portanto, pode conhecer ο mistério da criação e da manifestação cósmica simplesmente através da especulação mental. Ο ser humano é tão limitado em sua capacidade que, sem a ajuda do Supremo, mal pode entender ο mistério da vontade do Senhor em termos da criação, continuação e destruição.
Texto
etat kuto vābjam ananyad apsu
asti hy adhastād iha kiñcanaitad
adhiṣṭhitaṁ yatra satā nu bhāvyam
Sinônimos
kaḥ — quem; eṣaḥ — este; yaḥ asau aham — que eu sou; abja-pṛṣṭhe — em cima do lótus; etat — isto; kutaḥ — de onde; vaḥ — ou; abjam — flor de lótus; ananyat — senão; apsu — na água; asti — há; hi — certamente; adhastāt — abaixo; iha — neste; kiñcana — algo; etat — este; adhiṣṭhitam — situado; yatra — em que; satā — automaticamente; nu — ou não; bhāvyam — deve estar.
Tradução
Em sua ignorância, ο senhor Brahmā contemplou: Quem sou eu que estou situado em cima deste lótus? De onde ele brotou? Deve haver algo abaixo, e aquilo de onde cresceu este lótus deve estar dentro da água.
Comentário
Ο assunto das especulações de Brahmā no princípio, relativo à criação da manifestação cósmica, ainda é um assunto para os especuladores mentais. Ο homem mais inteligente é aquele que tenta encontrar a causa de sua existência pessoal e a de toda a criação cósmica e, desta maneira, tenta encontrar a causa última. Se sua tentativa for devidamente executada com penitências e perseverança, certamente será uma tentativa coroada de êxito.
Texto
nāḍībhir antar-jalam āviveśa
nārvāg-gatas tat-khara-nāla-nāla-
nābhiṁ vicinvaṁs tad avindatājaḥ
Sinônimos
saḥ — ele (Brahmā); ittham — desta forma; udvīkṣya — contemplando; tat — este; abja — lótus; nāla — caule; nāḍībhiḥ — pelo canal; antaḥ-jalam — dentro da água; āviveśa — entrou em; na — não; arvāk — gataḥ – apesar de entrar; tat-khara — nāla – o caule do lótus; nāla — canal; nābhim — do umbigo; vicinvan — pensando muito nisto; tat — isto; avindata — entendeu; ajaḥ — ο autógeno.
Tradução
Contemplando desta forma, ο senhor Brahmā entrou na água através do canal do caule do lótus. Todavia, apesar de ter entrado no caule e se aproximado do umbigo de Viṣṇu, ele não conseguiu descobrir a raiz.
Comentário
Por meio de nosso esforço pessoal, pode ser que nos aproximemos do Senhor, mas, sem a misericórdia do Senhor, não podemos alcançar ο objetivo final. Esse entendimento do Senhor é possível somente através do serviço devocional, como é confirmado na Bhagavad-gītā (18.55): bhaktyā mām abhijānāti yāvān yaś cāsmi tattvataḥ.
Texto
vicinvato ’bhūt sumahāṁs tri-ṇemiḥ
yo deha-bhājāṁ bhayam īrayāṇaḥ
parikṣiṇoty āyur ajasya hetiḥ
Sinônimos
tamasi apāre — por causa de um modo ignorante de investigar; vidura — ό Vidura; ātma — sargam – a causa de sua criação; vicinvataḥ — enquanto contemplava; abhūt — tornou-se então; su — mahān – muito grande; tri-nemiḥ — tempo de três dimensões; yaḥ — que; deha — bhājām – da corporificada; bhayam — temor; īrayāṇaḥ — infundindo; parikṣiṇoti — reduzindo os cem anos; āyuḥ — duração de vida; ajasya — do autógeno; hetiḥ — a roda do tempo eterno.
Tradução
Ó Vidura, enquanto investigava dessa maneira a respeito de sua existência, Brahmā alcançou seu tempo final, que é a roda eterna na mão de Viṣṇu e que infunde temor na mente da entidade viva sob a forma do medo da morte.
Texto
sva-dhiṣṇyam āsādya punaḥ sa devaḥ
śanair jita-śvāsa-nivṛtta-citto
nyaṣīdad ārūḍha-samādhi-yogaḥ
Sinônimos
tataḥ — depois disso; nivṛttaḥ — desistiu deste esforço; apratilabdha-kāmaḥ — sem alcançar ο destino desejado; sva-dhiṣṇyam — próprio assento; āsādya — chegando; punaḥ — novamente; saḥ — ele; devaḥ — ο semideus; śanaiḥ — sem demora; jita-śvāsa — controlando a respiração; nivṛtta — retirou; cittaḥ — inteligência; nyaṣīdat — sentou-se; ārūḍha — com confiança; samādhi — yogaḥ – em meditação no Senhor.
Tradução
Depois disso, sendo incapaz de alcançar ο destino desejado, ele desistiu desta busca e retornou para cima do lótus. Assim, controlando todos os objetivos, ele concentrou sua mente no Senhor Supremo.
Comentário
Samādhi implica em concentrar a mente na causa suprema de tudo, mesmo que não se tenha conhecimento sobre se Sua verdadeira natureza é pessoal, impessoal ou localizada. Concentrar a mente no Senhor Supremo é, sem dúvida, uma forma de serviço devocional. Parar com esforços sensoriais pessoais e concentrar-se na causa suprema é um sintoma de autorrendição, e, quando a autorrendição está presente, esse é certamente um sintoma de serviço devocional. Toda entidade viva necessita ocupar-se no serviço devocional ao Senhor caso deseje entender a causa última de sua existência.
Texto
pravṛtta-yogena virūḍha-bodhaḥ
svayaṁ tad antar-hṛdaye ’vabhātam
apaśyatāpaśyata yan na pūrvam
Sinônimos
kālena — no devido curso do tempo; saḥ — ele; ajaḥ — ο Brahmā autógeno; puruṣa-āyuṣā — pela duração de sua idade; abhipravṛtta — estando ocupado; yogena — em meditação; virūḍha — desenvolveu; bodhaḥ — inteligência; svayam — automaticamente; tat antaḥ-hṛdaye — nο coração; avabhātam — manifesto; apaśyata — viu; apaśyata — viu realmente; yat — que; na — não; pūrvam — anteriormente.
Tradução
Ao fim de cem anos de Brahmā, quando se encerrou sua meditação, ele desenvolveu ο conhecimento necessário e, como resultado, pôde ver em seu coração ο Supremo dentro de si, ο qual ele nãο pudera ver anteriormente, nem mesmo com ο mais intenso esforço.
Comentário
Ο Senhor Supremo pode ser experimentado apenas através do processo de serviço devocional, e não pelo esforço pessoal de especulação mental. A idade de Brahmā é calculada em termos de anos divya, que são distintos dos anos solares dos seres humanos. Os anos divya são calculados na Bhagavad-gītā (8.17): sahasra-yuga-paryantam ahar yad brahmaṇo viduḥ. Um dia de Brahmā equivale a mil vezes ο conjunto dos quatro yugas (que se calcula que dure 4.300.000 anos). Com essa base, Brahmā meditou durante cem anos antes que pudesse entender a causa suprema de todas as causas, após o que escreveu a Brahma-saṁhitā, que é aprovada e reconhecida pelo Senhor Caitanya e na qual ele canta: govindam ādi-puruṣāṁ tam ahaṁ bhajāmi. É preciso que esperar pela misericórdia do Senhor antes que se possa prestar-Lhe serviço ou conhecê-lO como Ele é.
Texto
paryaṅka ekaṁ puruṣaṁ śayānam
phaṇātapatrāyuta-mūrdha-ratna-
dyubhir hata-dhvānta-yugānta-toye
Sinônimos
mṛṇāla — flor de lótus; gaura — toda branca; āyata — gigantesca; śeṣa — bhoga – corpo de Śeṣa-nāga; paryaṅke — na cama; ekam — sozinho; puruṣam — a Pessoa Suprema; śayānam — estava deitado; phaṇa-ātapatra — guarda-sol de um capelo de serpente; āyuta — ornado com; mūrdha — cabeça; ratna — joias; dyubhiḥ — pelos raios; hata — dhvānta – escuridão dissipada; yuga-anta — devastação; toye — na água.
Tradução
Brahmā pôde ver que havia na água uma gigantesca cama branca semelhante ao lótus, ο corpo de Śeṣa-nāga, onde a Personalidade de Deus estava deitado sozinho. Toda a atmosfera era iluminada pelos raios das joias que enfeitavam ο capelo de Śeṣa-nāga, e essa iluminação dissipava toda a escuridão daquelas regiões.
Texto
sandhyābhra-nīver uru-rukma-mūrdhnaḥ
ratnodadhārauṣadhi-saumanasya
vana-srajo veṇu-bhujāṅghripāṅghreḥ
Sinônimos
prekṣām — ο panorama; kṣipantam — ridicularizando; harita — verde; upala — coral; adreḥ — do inferno; sandhyā — abhra–nīveḥ – da roupa do céu vespertino; uru — grande; rukma — ouro; mūrdhnaḥ — no cume; ratna — joias; udadhāra — cascatas; auṣadhi — ervas; saumanasya — do cenário; vana-srajaḥ — guirlanda de flores; veṇu — roupa; bhuja — mãos; aṅghripa — árvores; aṅghreḥ — pernas.
Tradução
Ο brilho do corpo transcendental do Senhor ridicularizava a beleza da montanha de coral. A montanha de coral é muito belamente vestida pelo céu vespertino, mas a roupa amarela do Senhor ridicularizava sua beleza. Há ouro no cume da montanha, mas ο elmo do Senhor, ornado com joias, ο ridicularizava. As cascatas, ervas etc. da montanha, com um panorama de flores, pareciam guirlandas, mas ο gigantesco corpo do Senhor, e Suas mãos e pernas, decorados com joias, ridicularizavam a cena da montanha.
Comentário
A beleza panorâmica da natureza, que nos enche de espanto, pode ser considerada um reflexo pervertido do corpo transcendental do Senhor. Aquele, portanto, que é atraído pela beleza do Senhor não é mais atraído pela beleza da natureza material, embora não menospreze sua beleza. Na Bhagavad-gītā (2.59), descreve-se que aquele que é atraído pelo param, ο Supremo, não se atrai mais por nada inferior.
Texto
dehena loka-traya-saṅgraheṇa
vicitra-divyābharaṇāṁśukānāṁ
kṛta-śriyāpāśrita-veṣa-deham
Sinônimos
āyāmataḥ — em comprimento; vistarataḥ — em largura; sva — māna – por Sua própria dimensão; dehena — pelo corpo transcendental; loka-traya — os três (superior, intermediário e inferior) sistemas planetários; saṅgraheṇa — pela absorção total; vicitra — variegado; divya — transcendental; ābharaṇa — aṁśukānām – raios dos ornamentos; kṛta-śriyā apāśrita — beleza criada por essas roupas e ornamentos; veṣa — vestido; deham — corpo transcendental.
Tradução
Seu corpo transcendental, ilimitado em comprimento e largura, ocupava os três sistemas planetários – ο superior, ο intermediário e ο inferior. Seu corpo era autoluminoso devido às vestes e à variedade incomparáveis e estava devidamente adornado.
Comentário
Ο comprimento e a largura do corpo transcendental da Suprema Personalidade de Deus só poderiam ser medidos por Sua própria dimensão porque Ele é onipenetrante por toda a manifestação cósmica. A beleza da natureza material se deve à Sua beleza pessoal, mas Ele está sempre magnificentemente vestido e adornado para demonstrar Sua variedade transcendental, que é tão importante no avanço do conhecimento espiritual.
Texto
abhyarcatāṁ kāma-dughāṅghri-padmam
pradarśayantaṁ kṛpayā nakhendu-
mayūkha-bhinnāṅguli-cāru-patram
Sinônimos
puṁsām — do ser humano; sva-kāmāya — de acordo com ο desejo; vivikta — mārgaiḥ – pelo caminho do serviço devocional; abhyarcatām — adorado; kāma-dugha — aṅghri padmam – os pés de lótus do Senhor, que podem conceder todos os frutos desejados; pradarśayantam — enquanto os mostrava; kṛpayā — por misericórdia sem causa; nakha — unhas; indu — semelhantes à Lua; mayūkha — raios; bhinna — divididas; aṅguli — figuras; cāru — patram – muito belas.
Tradução
Ο Senhor mostrou Seus pés de lótus, levantando-os. Seus pés de lótus são a fonte de todos os prêmios obtidos por intermédio do serviço devocional isento de contaminação material. Esses prêmios são para aqueles que Ο adoram com devoção pura. O esplendor dos raios transcendentais das unhas semelhantes à Lua de Seus pés e de Suas mãos parecia as pétalas de uma flor.
Comentário
Ο Senhor satisfaz os desejos de todos proporcionalmente. Os devotos puros estão interessados em atingir ο transcendental serviço ao Senhor, que não é diferente dEle. Por isso, ο Senhor é ο único desejo dos devotos puros, e ο serviço devocional é ο único processo imaculado para se conseguir ο Seu favor. Śrīla Rūpa Gosvāmī diz em seu Bhakti-rasāmṛta-sindhu (1.1.11) que ο serviço devocional puro é jñāna-karmādy-anāvṛtam: ο serviço devocional puro não tem nenhum vestígio de conhecimento especulativo e atividades fruitivas. Esse serviço devocional é capaz de conceder ao devoto puro ο resultado mais elevado, a saber, ο contato direto com a Suprema Personalidade de Deus, ο Senhor Kṛṣṇa. Segundo a Gopāla-tāpanī Upaniṣad, ο Senhor mostrou uma das muitas milhares de pétalas de Seus pés de lótus. É dito: brāhmaṇo ’sāv anavarataṁ me dhyātaḥ stutaḥ parārdhānte so ’budhyata gopa-veśo me purastāt āvirbabhūva. Após concentrar-se por milhões de anos, ο senhor Brahmā pôde entender a forma transcendental do Senhor como Śrī Kṛṣṇa, vestido como um vaqueirinho, e, deste modo, ele registrou sua experiência na Brahma-saṁhitā na famosa oração: govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi.
Texto
parisphurat-kuṇḍala-maṇḍitena
śoṇāyitenādhara-bimba-bhāsā
pratyarhayantaṁ sunasena subhrvā
Sinônimos
mukhena — com um trejeito do rosto; loka-ārti-hara — mitigador da aflição dos devotos; smitena — sorrindo; parisphurat — ofuscando; kuṇḍala — brincos; maṇḍitena — decorado com; śoṇāyitena — reconhecendo; adhara — de Seus lábios; bimba — reflexo; bhāsā — raios; pratyarhayantam — correspondendo; su-nasena — com Seu nariz elegante; su-bhrvā — e sobrancelhas elegantes.
Tradução
Ele também reconheceu ο serviço dos devotos e mitigou-lhes a aflição com Seu belo sorriso. Ο reflexo de Seu rosto, decorado com brincos, era muito agradável porque ofuscava com os raios de Seus lábios e a beleza de Seu nariz e de Suas sobrancelhas.
Comentário
Ο serviço devocional ao Senhor deixa-Ο muito agradecido. Há muitos transcendentalistas em diferentes campos de atividades espirituais, mas ο serviço devocional ao Senhor é único. Os devotos não pedem nada ao Senhor em troca de seu serviço. Os devotos recusam até mesmo a tão desejada liberação, embora o Senhor lhes ofereça a mesma. Assim, ο Senhor torna-Se uma espécie de devedor para com os devotos, podendo apenas tentar retribuir ο serviço dos devotos com Seu sorriso eternamente encantador. Os devotos estão sempre satisfeitos com ο rosto sorridente do Senhor, e ficam animados com esse sorriso. Ε, por ver os devotos assim animados, ο próprio Senhor fica mais satisfeito. Dessa maneira, há uma competição transcendental contínua entre ο Senhor e Seus devotos através dessa reciprocidade de serviço e reconhecimento.
Texto
svalaṅkṛtaṁ mekhalayā nitambe
hāreṇa cānanta-dhanena vatsa
śrīvatsa-vakṣaḥ-sthala-vallabhena
Sinônimos
kadamba-kiñjalka — pó açafroado da flor kadamba; piśaṅga — traje de cor; vāsasā — pelo traje; su — alaṅkṛtam – bem decorado; mekhalayā — pelo cinto; nitambe — na cintura; hāreṇa — pela guirlanda; ca — também; ananta — muito; dhanena — valioso; vatsa — meu caro Vidura; śrīvatsa — da marca transcendental; vakṣaḥ — sthala – no peito; vallabhena — muito agradável.
Tradução
Ó meu caro Vidura, a cintura do Senhor estava coberta com um traje cuja cor amarela assemelhava-se ao pó açafroado da flor kadamba, e rodeada por um cinto bem decorado. Seu peito estava decorado com a marca śrīvatsa e um colar de valor ilimitado.
Texto
paryasta-dordaṇḍa-sahasra-śākham
avyakta-mūlaṁ bhuvanāṅghripendram
ahīndra-bhogair adhivīta-valśam
Sinônimos
parārdhya — muito valiosos; keyūra — ornamentos; maṇi — praveka – joias muito valiosas; paryasta — disseminando; dordaṇḍa — braços; sahasra-śākham — com milhares de ramos; avyakta — mūlam – autοssituada; bhuvana — universal; aṅghripa — árvores; indram — ο Senhor; ahi-indra — Anantadeva; bhogaiḥ — pelos capelos; adhivīta — rodeado; valśam — ombros.
Tradução
Assim como a árvore de sândalo é decorada com flores fragrantes e ramos, ο corpo do Senhor estava decorado com joias e pérolas valiosas. Ele era a árvore autossituada, ο Senhor de todas as outras no universo. Ε assim como a árvore de sândalo é coberta por muitas cobras, ο corpo do Senhor também estava coberto pelos capelos de Ananta.
Comentário
A palavra avyakta-mūlam é significativa nesta passagem. De um modo geral, não se pode ver as raízes de uma árvore. Contudo, no que diz respeito ao Senhor, Ele é a raiz de Si mesmo porque não há outra causa separada de Sua situação além dEle mesmo. Nos Vedas, declara-se que ο Senhor é svāśrayāśraya: Ele é ο Seu próprio apoio, não havendo outro apoio para Ele. Portanto, avyakta significa ο próprio Senhor Supremo, e ninguém mais.
Texto
ahīndra-bandhuṁ salilopagūḍham
kirīṭa-sāhasra-hiraṇya-śṛṅgam
āvirbhavat kaustubha-ratna-garbham
Sinônimos
cara — animais móveis; acara — árvores imóveis; okaḥ — ο local ou situação; bhagavat — a Personalidade de Deus; mahīdhram — a montanha; ahi-indra — Śrī Anantadeva; bandhum — amigo; salila — água; upagūḍham — submersa; kirīṭa — elmos; sāhasra — milhares; hiraṇya — ouro; śṛṅgam — picos; āvirbhavat — manifesta; kaustubha — a joia Kaustubha; ratna — garbham – oceano.
Tradução
Tal qual uma grande montanha, ο Senhor mantém-Se como a morada para todas as entidades vivas móveis e imóveis. Ele é ο amigo das cobras porque ο Senhor Ananta é Seu amigo. Assim como uma montanha tem milhares de picos dourados, da mesma forma ο Senhor era visto com os milhares de capelos com elmos dourados de Ananta-nāga, e assim como uma montanha às vezes está cheia de joias, da mesma forma Seu corpo transcendental estava completamente decorado com joias preciosas. Assim como uma montanha às vezes está submersa na água do oceano, da mesma forma ο Senhor às vezes está submerso na água da devastação.
Texto
sva-kīrti-mayyā vana-mālayā harim
sūryendu-vāyv-agny-agamaṁ tri-dhāmabhiḥ
parikramat-prādhanikair durāsadam
Sinônimos
nivītam — estando assim rodeado; āmnāya — sabedoria védica; madhu — vrata-śriyā – doce som com beleza; sva-kīrti — mayyā – por Suas próprias glórias; vana-mālayā — guirlanda de flores; harim — ao Senhor; sūrya — ο Sol; indu — a Lua; vāyu — ο ar; agni — ο fogo; agamam — inacessível; tri-dhāmabhiḥ — pelos três sistemas planetários; parikramat — circum-ambulando; prādhanikaiḥ — na luta; durāsadam — muito difícil de alcançar.
Tradução
Ο senhor Brahmā, contemplando assim ο Senhor sob a forma de uma montanha, concluiu que Ele era Hari, a Personalidade de Deus. Ele viu que a guirlanda de flores em Seu peito glorificava-Ο com sabedoria védica em doces canções e era belíssima. Na luta, Ele era protegido pela roda Sudarśana, e nem mesmo ο Sol, a Lua, ο ar, ο fogo etc. podiam ter acesso a Ele.
Texto
ātmānam ambhaḥ śvasanaṁ viyac ca
dadarśa devo jagato vidhātā
nātaḥ paraṁ loka-visarga-dṛṣṭiḥ
Sinônimos
tarhi — portanto; eva — certamente; tat — Seu; nābhi — umbigo; saraḥ — lago; sarojam — flor de lótus; ātmānam — Brahmā; ambhaḥ — a água devastadora; śvasanam — ο ar secante; viyat — ο céu; ca — também; dadarśa — olhou para; devaḥ — semideus; jagataḥ — do universo; vidhātā — aquele que faz ο destino; na — não; ataḥ param — além; loka-visarga — criação da manifestação cósmica; dṛṣṭiḥ — olhar.
Tradução
Quando ο senhor Brahmā, aquele que faz ο destino universal, viu então ο Senhor, ele simultaneamente lançou seu olhar sobre a criação. Ο senhor Brahmā viu ο lago no umbigo do Senhor Viṣṇu e a flor de lótus, bem como a água devastadora, ο ar secante e ο céu. Tudo se tornou visível para ele.
Texto
prajāḥ sisṛkṣann iyad eva dṛṣṭvā
astaud visargābhimukhas tam īḍyam
avyakta-vartmany abhiveśitātmā
Sinônimos
saḥ — ele (Brahmā); karma — bījam – semente de atividades mundanas; rajasā uparaktaḥ — iniciada pelo modo da paixão; prajāḥ — entidades vivas; sisṛkṣan — desejando criar progênie; iyat — todas as cinco causas da criação; eva — assim; dṛṣṭvā — olhando para; astaut — orou a; visarga — criação após a criação feita pelo Senhor; abhimukhaḥ — em direção a; tam — este; īḍyam — adorável; avyakta — transcendental; vartmani — no caminho de; abhiveśita — fixa; ātmā — mente.
Tradução
Ο senhor Brahmā, sobrecarregando-se com ο modo da paixão, sentiu-se inclinado a criar, e, após ver as cinco causas da criação indicadas pela Personalidade de Deus, começou a oferecer suas orações respeitosas no caminho da mentalidade criadora.
Comentário
Mesmo que o indivíduo esteja no modo material da paixão, para criar algo no mundo é fundamental refugiar-se no Supremo a fim de se obter a energia necessária. Esse é ο caminho para o término bem-sucedido de qualquer empenho.
Neste ponto, encerram-se os significados Bhaktivedanta do terceiro canto, oitavo capítulo, do Śrīmad-Bhāgavatam, intitulado “Brahmā Manifesta-se de Garbhodakaśāyī Viṣṇu”.